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--- Sobre a
Definição de Medicina 1
construto, uma figura idealizada, uma construção mental humana, uma edificação
conceitual abstrata intencionalmente elaborada que obedece a seus motivos e aos
seus propósitos, ainda que não siga um projeto mais ou menos claro para todos em
cada momento de sua existência. Deste projeto e de sua atualização é que se trata
neste trabalho. O projeto da atividade médica, do exercício da clínica. Aqui se
pretende elaborar um ensaio que toma o método clínico como modelo para
diagnosticar e tratar, como diretriz metodológica para conhecer o modelo da
Medicina, porque a Medicina e a clínica se confundem sempre.
O método clínico ou modelo médico de conhecer e intervir na realidade permite
saber o que é Medicina e como ela deve funcionar.
Muitos confundem indevidamente a Medicina com uma técnica 2 ou tecnologia3 de
curar doentes. A aplicação sistemática do conhecimento científico no cumprimento
da primeira missão institucional da Medicina, o diagnóstico de enfermidades e o
tratamento de enfermos; e, secundariamente, evitar enfermidades e reabilitar
pessoas agravadas por elas. Diagnosticar enfermidades e tratar enfermos constitui,
como sempre foii, o núcleo essencial da tarefa medica. Mas, volte-se à pergunta
inicial e pergunte-se, ainda que retoricamente, o que é a Medicina? Pergunta
pertinente porque o primeiro momento do processo de conhecer - o quê é alguma
coisa - é ontológico. Saber o que é aquele objeto a ser conhecido, qual o objeto
daquele conhecimento.
O conhecimento do objeto de intervenção técnica deve anteceder o conhecimento
dos instrumentos teóricos e práticos que se pode empregar para intervir sobre ele.
Saber o quê é um objeto, precede o saber o quê e como se deve fazer com aquilo.
Por causa disso, a primeira tarefa de quem pretende estudar alguma coisa, simples
ou complexa, é ter bem claros seus objetivos e os limites do objeto de sua
cogitação e, só depois, buscar explicá-lo, realizar qualquer outra tarefa cognitiva
sobre ele ou empregá-lo para justificar uma intervenção técnica. Ademais, é preciso
definir um instrumento (e conhecer sua possibilidades e limites) antes de fazer uso
dele em um procedimento técnico ou tecnológico.
O objeto da Medicina se apresenta sob este duplo aspecto: a enfermidade e o
enfermo. A enfermidade, um estado do enfermo, para ser conhecida e
diagnosticada e o enfermo para ser tratado e reabilitado. Duas faces da mesma
coisa, porque nenhuma delas pode existir sem a outra. Enfermidade e endfermo
são duas faces de uma mesma entidade real ou conceitual.
O processo de conhecer um objeto, qualquer objeto, pode ser concebido
esquematicamente como uma espécie de espiral ascendente de acúmulo de
informaçõessobre ele; inicialmente informações descritivas e depois informações
explicativas. Procersso conitivo que termina e recomeça na permanente redefinição
de seu objeto na medida em que se aperfeiçoa o conhecimento sobre ele. Definição
e redefinição que elaboram e aperfeçoam informações que promovem mudanças
quantitativas e transformações qualitativas no conhecimento que proporcionam.
Redefinição cada vez mais aperfeiçoada a cada volta de seu traçado espiralado em
2
Aplicação de conhecimento refletido e experimentado .
3
Aplicação de conhecimento cientificamente verificado para realizar uma tarefa pratica e
util.
Luiz Salvador de Miranda Sá Jr. --- Sobre a
Definição de Medicina 7
busca do conhecimento completo (ainda que utópico). Por isto, optou-se para iniciar
este trabalho com a definição da Medicina, transitando dos conteúdos mais simples
para os mais complexos, das elaborações mais imediatas para as mais distantes, do
ignorado para o sabido.
A busca de construir uma boa definição da Medicina é o marco inicial deste
trabalho. Responder o quê é deve ser a principal tarefa de quem começa a estudar
algum objeto de estudo ou de intervenção. Pois, isto responde lógica e
necessariamente à pergunta do tipo: o que é isto? O que é aquilo? Neste caso, a
pergunta é o que é a Medicina? Qual o traço essencial mais importante que pode
ser identificado na atividade do médico? Neste sentido, a Medicina será uma arte,
uma ciência, um trabalho, um saber, um conhecimento especializado ou um fazer,
um fazer sabido e autorizado? Ser uma relação comercial de produção e consumo
de um bem ou serviço? Ou será um encontro intersubjetivo e altruísta de ajuda a
uma pessoa enferma? Uma atividade social de ajuda aos doentes? Afinal, o que é a
Medicina? Volta a pergunta cuja resposta compõe o núcleo deste capítulo. A
resposta à pergunta “o que é a Medicina?“ encerra uma das mais importantes
questões postas diante dos médicos e dos estudantes de Medicina e de todos os
que se ocupam com os problemas sanitários da sociedade e com a identidade da
Medicina. Afinal, parece muito estranho que alguém faça algo sem saber o que faz.
Principalmente nos dias atuais, quando esta matéria deixou de ser considerada no
currículo de muitos cursos médicos.