OS FATOS DA NATUREZA REVELAM A DEUS
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Com respeito A teologia natural, ha duas opinides extremas, Uma é que as obras da nature-
za nao fazem nenhuma revelagao fidedigna do ser e das perfeigdes de Deus; a outra, que tal
revelagiio € to clara ¢ abrangente que exchui a necessidade de qualquer revelagio supernatural.
§ 2. Os Fatos da Natureza Revelam a Deus
Os que negam que a teologia natural ensine tudo o que é confiavel no tocante a Deus
comumente entendem por natureza o universo externo, material. Pronunciam os argumentos
ontolégicos e teleolégicos derivados da existéncia do mundo, e das evidéncias do designio que
ele contém, como insatisfatérios. O fato de o mundo existir é prova de que ele sempre existiu,
na auséncia de toda a evidéncia contraria. E o argumento do designio, dizem, ignora a diferen-
ga entre mecanismo inanimado e organismo vivo, entre manufatura e crescimento. O fato de
uma locomotiva nao poder criar a si mesma nfo prova que uma 4rvore nfo possa orescer. Uma
é formada ab extra pela agdo de juntar suas partes inanimadas; a outra se desenvolve por um
principio vital em seu interior. Uma necessita da conjetura de um criador externo e anterior a
ela mesma; a outra exclui, como dizem, tal conjetura. Além disso, insiste-se que as verdades
religiosas nao admitem prova. Pertencem a mesma categoria que as verdades estéticas e mo-
rais, So 0s objetos da intuigdo. Para que sejam percebidas de alguma forma, devem ser perce-
bidas em sua propria luz. Vocé nfo pode provar que uma coisa é bela ou boa a alguém que nao
percebe sua beleza e exceléncia, Dai, insiste-se ainda mais, que a prova da verdade religiosa
se faz desnecessaria. O bem nao necessita de prova; o mal nao pode aprecid-lo. Tudo o que se
pode fazer é afirmar a verdade e deixa-la despertar, se possivel, o poder latente da percepgio.
A. Resposta aos Argumentos Anteriores
1. Tudo isso é sofistico. Pois os argumentos em apoio as verdades da religidio natural nao
siio extraidos exclusivamente das obras externas de Deus. Aquelas que estéio mais em evidén-
cia ¢ as mais efetivas derivam da constituigdo de nossa propria naturoza. O homem foi criado
A imagem de Deus ¢ revela sua origem tio inequivocamente como qualquer classe de animais
inferiores revela a fonte de onde emanam. Se um corcel nasce de um corcel, 0 espirito imortal
do homem, compenetrado em suas convicgées e aspiragdes morais ¢ religiosas, deve originar-
se do Pai dos espiritos. Eis o argumento que Paulo pronunciou na Colina de Marte aos cavilosos
filésofos de Atenas. Que a esfera da teologia natural nao é formada meramente dos fatos do
universo material, fica claro A luz do significado da palavra natureza, a qual, j4 vimos, possui
muitos sentidos legitimos. Ela nao é apenas usada para designar o mundo externo, mas tam-
bém as forgas ativas no universo material, como quando falamos das operagdes ¢ das leis da
natureza, ds vezes para tudo o que entra na cadeia de causa e efeito como distinto dos atos de
agentes livres; e, como natura se deriva de nascor, natureza significa tudo quanto é produzido,
e portanto inclui todas as coisas do lado externo de Deus, de modo que Deus e a natureza
incluem tudo o que existe.
2. A segunda objegao a teologia natural é que seus argumentos sao inconclusos. Esse é um.
ponto que nenhum homem pode decidir por outro. Cada um deve julgar por si mesmo. Um
argumento que é conclusivo para uma mente pode ser ineficiente para outras, Que 0 universo
material comegou a existir; que ele no tem em si mesmo a causa de sua existéncia, ¢ portanto18 TEOLOGIA SISTEMATICA
deve ter tido uma causa extracosmo; ¢ que as manifestagées infinitamente numerosas do desig-
nio que ele exibe demonstram que essa causa deve ser inteligente, sdio argumentos em prol da
existéncia de Deus, os quais tém satisfeito a mente de grandes corporagdes de homens inteli-
gentes em todas épocas do mundo, Nao deviam, pois, ser descartados como insatisfatérios, s6
porque todos os homens nao sentem sua forga. Além disso, como observado ha pouco, esses
argumentos apenas corroboram outros mais diretos e vigorosos derivados de nossa natureza
moral e religiosa.
3. Quanto A objegiio de que as verdades religiosas so os objetos da intuig&o, ¢ que as
verdades intuitivas nao necessitam nem admitem prova, pode-se responder que em certo senti-
do é verdade, Mas as verdades auto-evidentes podem ser ilustradas; e pode-se mostrar que sua
negago envolve contradigdes ¢ absurdos, Toda a geometria é uma ilustragaio dos axiomas de
Euclides; e, se alguém nega algum desses axiomas, pode-se demonstrar que tal pessoa creria
em impossibilidades. De maneira semelhante, pode-se admitir que a existéncia de um ser de
quem somos dependentes e perante quem somos responsiveis, é uma questo de intuigao;
pode-se reconhecer ser auto-evidente que somos responsaveis apenas em relacaio a uma pes-
soa, e contudo a existéncia de um Deus pessoal pode-se provar ser uma hipdtese necessaria em
prol dos fatos da observagao e da consciéncia, ¢ a negagao de sua existéncia deixa o problema
do universo nao solucionado ¢ insoluvel. Em outros termos, pode-se demonstrar que 0 ateismo,
o politeismo e panteismo envolvem impossibilidades absolutas. Eis um método valido de pro-
var que Deus existe, embora se admita que sua existéncia, além de tudo, ¢ uma verdade auto-
evidente. O teismo nao é a Unica verdade auto-evidente que os homens costumam negar.
B, Arguiento Biblico em Prol da Teologia Natural
As Escrituras claramente reconhecem o fato de que as obras de Deus revelam seu sere seus
atributos. Isso elas fazem nao sé por meio de freqiiente referéncia as obras da natureza como
manifestagdes das perfeigdes de Deus, mas por meio de afirmagées diretas. “Os céus procla-
mam a gloria de Deus, ¢ o firmamento anuncia as obras das suas maos. Um dia discursa a outro
dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite. Nao ha linguagem, nem ha palavras, e deles
nao se ouve nenhum som; no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz, ¢ as suas palavras,
até aos confins do mundo” (SI 19.1-4). “A idéia de testemunho perpétuo”, diz o dr. Addison
Alexander,’ “é comunicada pela figura de um dia e uma noite seguindo um apés outro como
{estemunhas numa sucessao ininterrupta... A auséncia de linguagem articulada, longe de enfra-
quecer o testemunho, o torna mais forte. Mesmo sem linguagem ou palavras, os céus testificam
de Deus a todos os homens”.
Os escritores sacros, ao contender com os pagaos, apelam para a evidéncia que as obras de
Deus ostentam de suas perfeigdes: “Atendei, 6 estipidos dentre 0 povo; e vés, insensatos,
quando sereis prudentes? O que fez 0 ouvido, acaso, nao ouvird? E 0 que formou os alhos sera
que no enxerga? Porventura, quem repreende as nagdes nao hd de punir? Aquele que aos
homens da conhecimento nao tem sabedoria?” (SI 94.8-10). Paulo disse aos homens de Listra:
“Senhores, por que fazeis isto? Nés também somos homens como vés, sujeitos aos mesmos
sentimentos, ¢ vos anunciamos o evangelho para que dessas coisas vas vos convertais ao Deus
” Comm. on Psaims, in toc,INSUFICIENCIA DA TEOLOGIA NATURAL 19
vivo, que fez o céu, a terra, o mar e tudo o que hd neles; o qual, nas gerages passadas, permitiu
que todos os povos andassem nos seus proprios caminhos; contudo, nao se deixou ficar sem
testemunho de si mesmo, fazendo o bem, dando-vos do céu chuvas e estagées frutiferas, en-
chendo 0 vosso coragio de fartura e de alegria” (At 14.15-17). Aos homens de Atenas, disse:
“O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo cle Senhor do céu e da terra, nio
habita em santuérios feitos por maos humanas. Nem é servido por m&os humanas, como se de
alguma coisa precisasse; pois cle mesmo é quem a todos da vida, respiragao ¢ tudo mais; de um
s6 fez toda a raga humana para habitar sobre toda a face da terra, havendo fixado os tempos
previamente estabelecidos e os limites da sua habitado; para buscarem a Deus se, porventura,
tateando, o possam achar, bem que nao esta longe de cada um de nds; pois nele vivemos, nos
movemos, ¢ existimos, como alguns dos vossos poetas tém dito: Porque dele também somos
geragao, Sendo, pois, geragio de Deus, nao devemos pensar que a divindade ¢ semelhante ao
ouro, a prata ou a pedra, trabalhados pela arte e imaginagao do homem” (At 17.24-29),
Nao sé 0 fato dessa revelagdo, mas sua clareza é distintamente asseverada pelo Apdstolo:
“Porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus ihes manifestou.
Porque os atributos invisiveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua propria
divindade, claramente se reconhecem, desde o principio do mundo, sendo percebidos por meio das
coisas que foram criadas. Tais homens sio, por isso, indesculpaveis; porquanto, tendo conhecimen-
to de Deus, nao o glorificaram como Deus, nem Ihe deram gracas; antes, se tornaram nulos em seus
préprios raciocinios, obscurecendo-se-lhes 0 coragao insensato” (Rm 1.19-21).
Portanto, no se pode duvidar racionalmente que no apenas o ser de Deus, mas também
seu eterno poder e sua Deidade, se acham assim revelados em suas obras, servindo como firme
fundamento para a teologia natural. Muitas ¢ importantes obras tém sido dedicadas 4 ilustra-
cdo desse tema, entre as quais citamos: “Wolf de Theologia Naturali”, “The Bridgewater
Treatises”, “Analogy” de Butler, “Natural Theology” de Paley.
§ 3. Insuficiéncia da Teologia Natural
A segunda opinido extremada relativa 4 Teologia Natural consiste em que ela exclui a
necessidade de uma revelagdo supernatural. A pergunta se 0 conhecimento de Deus derivado
de suas obras é suficiente para guiar o homem caido a salvacaio é respondida afirmativamente
pelos racionalistas, porém negativamente por todos os ramos da Igreja Crista. Sobre este pon-
to, as igrejas grega, latina, luterana e reformada so undnimes, As duas primeiras sio mais
exclusivas do que as duas Ultimas. Os gregos e¢ latinos, ao fazer dos sacramentos os tnicos
canais da graga salvifica, negam a possibilidade de salvagao do nao-batizado, seja em terras
pagis ou cristas, Esse principio é tio essencial ao sistema romanista que se inclui na propria
definig&o da Igreja, como apresentada pelos escritores autoritativos da Igreja Papal. Essa defi-
nigdo ¢ elaborada de tal forma que exclui da esperanga da salvacdo nao sé todas as criangas e
adultos nao batizados, mas todos, néo importa quo iluminados sejam no conhecimento das
Escrituras ¢ quanta santidade pratiquem no coracdo e na vida, se nao reconhecem a suprema-
cia do bispo de Roma.
A pergunta em relagio a suficiéncia da teologia natural, ou das verdades da razao, deve ser
respondida com base na autoridade das Escrituras. Ninguém pode afirmar a priori o que é
necessirio para a salvagiio. Alids, é exclusivamente através da revelacdo supernatural que20 TEOLOGIA SISTEMATICA
tomamos conhecimento de que qualquer pecador pode ser salvo. # a luz da mesma ¢ tinica
fonte que podemos saber quais sto as condigdes de salvagio ou quem serio seus alvos.
A. O que as Escrituras Ensinam quanto a Salvagdo dos Homens.
A Salvagéio das Criangas
O que as Escrituras ensinam sobre este tema, em consonancia com a doutrina comum dos
protestantes evangélicos, primeiramente é:
1, Todos os que morrem na infancia sao salvos. Tal coisa se infere do que a Biblia ensina da
analogia entre Adio e Cristo. “Pois assim como, por uma sé ofensa, veio 0 juizo sobre todos os
homens para condenagao, assim também, por um sé ato de justiga, veio a graca sobre todos os
homens para a justificagdo que da vida. Porque, como, pela desobediéncia de um sé homem,
muitos (ol roAdot = ndvtec) se tormaram pecadores, assim também, por meio da obediéncia de
um s6, muitos (ol ToAAol = nékvtec) se tornardo justos” (Rm 5.18-19). Nao temos 0 direito de
colocar algum limite nesses termos gerais, exceto os que a propria Biblia coloca. As Escrituras
em parte alguma excluem dos beneficios da redengdo de Cristo qualquer classe de criangas,
batizadas ou no, nascidas em terras cristds ou pagas, de pais crentes ou inerédulos. Todos os
descendentes de Adio, exceto Cristo, esto debaixo de condenagio; sfio salvos todos os des-
cendentes de Ado, exceto aqueles de quem se revela expressamente que ndo podem herdar o
reino de Deus. Essa parece sera clara intengilo do Apéstolo, e portanto ele nao hesita em dizer
que, onde o pecado abundou, a graca superabundou; que os beneficios da redengiio excedem
infinitamente os males da queda; que o numero dos salvos excede muitissimo o numero dos
perdidos.
Isso nao é inconsistente com a declaragao do Senhor, em Mateus 7.14, de que apenas uns
poucos entram pela porta que conduz a vida. Isso deve ser deduzido dos adultos, O que a Biblia
afirma diz respeito aqueles em todas as épocas e a quem ela se dirige. Ela lhes diz no que
devem crer e o que devem fazer. Seria total perversto de sua intengdo fazé-la aplicar-se aque-
les a quem e de quem ela nao fala. Quando se diz: “O que, todavia, se mantém rebelde contra
o Filho no vera a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus” (Jo 3.36), ninguém o entende
como a exclusao da possibilidade de as criangas serem salvas.
Entretanto, a comparagao que o Apéstolo faz entre Addo ¢ Cristo leva 4 conclusao de que,
como todos esto condenados pelo pecado de um, assim todos estéio salvos pela justica do
outro, com a tinica excegdo daqueles a quem as Escrituras excetuam; mas 0 princ{pio pressu-
posto ao longo de toda a discussio ensina a mesma doutrina. Esse principio consiste em que é
mais congenial com a natureza de Deus abengoar mais do que amaldigoar, salvar mais do que
destruir, Se a raga caiu em Adio, muito mais serd restaurada em Cristo. Se a morte reinow
através de um, muito mais a graca reinaré através do outro. Esse “muito mais” se repete
indefinidamente. A Biblia por toda parte ensina que Deus nfo se deleita na morte do impio;
que 0 juizo é sua obra inusitada. Portanto, excluir as criangas de “todos” os que sio vivifica-
dos em Cristo é contrario nio apenas ao argumento do Apéstolo, mas a todo 0 espirito da
passagem (Rm 5.12-21).
A conduta e a linguagem de nosso Senhor em referéncia aos pequeninos nao devem ser
consideradas questées de sentimento ou simplesmente expresstio de emogiio cordial. Evidente-
mente, ele os contemplava como cordeiros do rebanho, em pro! dos quais, como Bom Pastor,