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| sa : COMUNIDADES DA EXCEPGAO Quando eu escrevo com tinta a palavra «vinho», esta nao tem o papel principal mas permite a fixagdo durd- vel da ideia de vinho._A tinta contribui assim pare nos assegurar o vinho em permanéncia. Escrever € desenhar sao idénticos no seu fundo. PAUL KLEE Nés queremos andar, por isso precisamos de atrito. Regressar & terra dspera! LUDWIG WITTGENSTEIN E incontestavel que a leitura de O Livro das Comunidades provocou e provoca ainda um sentimento de estranheza. Por um lado, a data em que foi escrito e publicado — caracterizada pela primazia do dominio teérico, que se estendia a propria produgao literéria e punha em causa nogdes como as de génio ou origi- nalidade para lhes substituir as de produgao e intertextualidade, que davam consisténcia ao projecto de propor explicagées para © «mistério» convertendo-o (desfazendo-o, desconstruindo-o) na sua propria auto-explicacéo — nao era propicia a que nele se percebesse 0 que o liga ao passado recente da histéria da litera- tura (certo modernismo) ou mesmo 4 corrente de pensamento 4 que, do neoplatonismo ao romantismo, vé no para-além-do-en- tendimento o mais alto grau,dagxperiénciay aquele que é cria~ ‘ dor de formas belas. Por outro lado, trata-se de uma estranheza irredutivel, aquela que resulta de ser um‘extd que, fazendo parte de uma corrente de pensamento vivo, é constituido por ritmos € Significagées que nao existem_como tais, mas no movimento da Sua génese, isto é, numa abertura, cujo limite se desconhece, a miltiplas (e divergentes) hipdteses de deslocagio. wate Be toast Dignan eon A intima vinculacao de O L; modernista (em Parte, reescrit: tel ivro das Comunidades a do modernismo, ‘ rem conta que 0 préprio facto de em alguns momento: i importantes do periodo classificado como tal se ter ee a necessidade deffuga & rigidez classical Sy ade deffuga a rigidez classihcatéria Mostra que a reescrita Ihe é interior) é evidente na partilha de umaGncepcio de esctit em ruptura com a ideia de utilizacio da li enquanio” a reescrita mas € preciso instrumento tr nguagem enquanio a z reel —eoeie nsparente de representacio da_realidade ou bem como no privilegiar de uma dimens4o SOE 20S processos do inconsciente, através do was manifestacdes (construgées) textuais, Hé, por conseguinte, dois pressupostogna génese\do textojde Maria Gabriela Llansol — nao-subordinacio 4 convencionalidade des discursos ou das imagens, nao-subordinacao a conscié cia como sintese lineariz ante, Trata-se de duas regras da construgao poé- tica que nao sao apenas aceites enquanto tais mas submetidas a fam pensar}que Ihes amplia 9s contornos no sentido de expor a sua consonancia com uma disposi¢ao mais vasta segundo a qual tudo se relaciona — 0 literario e 0 nao-literario, coisas, vegetais, animais, humanos ou ideias. Assim, 0 afastamento em relacao as imagens que povoam 0 nosso senso comum: e definem a realidade corresponde a uma exigéncia de dar lugar 4.multiplicidade das formas que a aad ¢40 do homem no sentido tinico do progresso anula ao Sead mé-las numa média estatistica e comunicavel. Isso nao signi a porém, qualquer tipo de fuga ou evasdo para um dominio aute i . ali da linguagem_que sus- nomo, o da pura textualidade. Um _ uso. fa) guage ae sts sacionais, através das quais se 8 to do q 1, nao passa por admitir que ha eo seu exterior) enquanto seu espelho, pende as maximas conver. Pe a eficdcia do reconhecimento do que é idéntic isso a ser alheio aquilo que é. Pode-se roa usos daquele tipo que visam 0 que é (0 discurso . rc eae nao pode se! como 0 nao-objectivavel, 0 que Pod curso o represents oncebido come algo que esta ai diante de um sujeito 78 © facto de se recusar_a concepcao representacionalista da Jin- uagem, que a concebe como adequacao ao que é independente dela, nao significa que se considere necessariamente que nao ha sendo textos. Pode significar que se entende que as coisas (como edras, animais ou plantas) participem sempre ja da linguagem em que S40 dadas e que as organiza em sistemas de hierarquias. A possibilidade de experiéncia imediata de um exterior da lin- guage nao pode ser colocada, pois ter uma experiéncia signi- fica ter consciéncia dela, ou seja, poder falar dela. Isso nao exclui m a possibilidade de conceber uma experiéncia atravessada_ falar (a relagdo ao nao-objectiva- poré : or aquilo de que nao podemo: r vyel). Nao se trata de negar o exterior da linguagem, mas de, coma nogao da linguagem como representa¢ao, abandonar igualmente a oposi¢ao descobrir/inventar que estruturou em larga medida o pensamento moderno. Um texto como O Livro das Comunidades pressupée que 0 mundo seja dado em escrita (proposto a Jeitura) e apresenta-sé como escrita, mas pressupde também que a escrita de um livro é ‘um fazer particular — nao determinado por uma causa final, e em que a causalidade multipla irrompe e perturba a estabilidade dis- cursiva (condi¢do de universalizagao automatica) conferindo-lhe a forma para a qual nao temos medida e que é exacta na sua insubs- tituibilidade (imparafraseabilidade). Os elementos doltracad figuraljsao na escrita nao sé as pala- vras, por vezes libertas dos constrangimentos sintdcticos e langa- das numa aventura que explora novas possibilidades de associa- fe mas também os nomes préprios, enquanto pontos aglutina- dae certa vartedade de tonalidades das quais se podem © secreto, interior ao devir-simbolo das imagens, ea a pardhy 7 aad ; la como fala do Principio langada no sem tempo. No 89 entre estes elem, wnect, Mostra-se a a cons *Onjugacio pode entos € o siléncio que, pela interrupgao, os diversidade dos usos da Jinguagem e como a compor uma inteligibilidade alheia 4 ordem 79 = ( | raciocinante que estrutura, em parte, 0 Seu uso comum, que tanto a condena ao desaparecimento sob a imposicgao de um ideal de transparéncia, como limita,a sua poténcia através da i imposigao de uma logica que remete para 0 inaceitavel todo o discurso que nao se submete aos principios de identidade e nao- -contradi¢ao, ~ Como éscrita-composi¢a0;0 fazer poético de Maria Gabriela Llansol esta além da oposi¢ao sensivel/inteligivel, nao se limita a desconstrui-la, afirma a passagem de um ao outro dos pélos da oposicao, de modo a poder dizer-se da sua escrita algo semelhante ao que Merleau-Ponty, em Loeil et lesprit, diz falando da pintura: «Voila pourquoi le dilemme de la figuration et de la non-figuration est mal posé: il est a la fois vrai et sans contradiction que nul raisin na jamais été ce qu'il est dans la peinture la plus figurative, et que nulle peinture, méme abstraite ne peut éluder Etre, que le raisin du Caravage est le raisin méme». E assim que se pode perceber 0 modo como 0 lema ut pic- tura poesis se desloca em O Livro das Comunidades. A relacio entre d,visivel}e o dizivel’nao é nele nem aquela que tem ‘sido. dominante na nossa cultura, proposta por um pensameno que, ao mesmo tempo que acentua a tensao entre os dois termos, e os hierarquiza, prevé uma espécie de tradutibilidade entre imagens e discursos, nem aquela que, com Lessing, afirma a irredutibilidade de ambos, mas a explica, com base na oposi¢ao natureza/cultura. Com efeito, a composi¢ao figural € paradigmatica na escrita de Maria Gabriela Llansol, como movimento descentrado que, ao quebrar 0 ) espelho através do qual o mundo é fixado numa sucés- sio_descontinua de imagens, compoe um continuo cujo equi- Ifbrio, 4 semelhanga do equilibrio plastico entre formas e entre estas ¢ as cores, retine o sensivel ¢ o inteligivel no dinamismo da apresenta¢ao que constitui as formas vivas, Nao se trata de fazer mundos, mas dehabita discurso ea sua dinamica como ) uma espécie de encantamento: «(...) tinha uma maneira distante | de fazer amor: pelos olhos e pela palavra» (p. 11). 80 A importancia que em O Livro das Comunidades & conferida corresponde ao referido designio de subtrair a linguagem ara a restituir iplo e relacional sieecinnncaencne ey aa,ver " sens 1s gominios da conceptualidade e da eficacia P: 0s 5 vida contemplativa na sua afirmacao do milti i T sepa Ut como fonte de prazer. Sinto que me estilhago melodiosamente a Procura dos meus multiplos prazeres (0 maior — o da sensibilidade do corpo). Comega sempre pelos at 10Hque distribuem temas de meditag4o aos outros sentidos (p. 62), Trata-se de admitir que 9 inteligivel

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