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Vital Didonet
Vice-presidente da OMEP para a América Latina
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Gostaríamos de falar da educação a partir da concepção, pois a vida intrauterina é, já, uma fase
importante da formação do ser humano, especialmente do seu psiquismo. Mas o sistema educacional
brasileiro ainda não incorporou esse período nas suas preocupações, nem mesmo sob a forma de
orientação à família, de educação dos jovens futuros pais, de apoio à educação familiar. Essa será uma
conquista que exigirá tanta dedicação, habilidade, argumentação científica e persistência como exigiu a
luta pelo reconhecimento do direito à educação infantil e, dentro ela, especialmente a atenção educacional
aos três primeiros anos de vida.
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Não se quer dizer, com isso, que a educação pré-escolar tenha começado naquela época. No Brasil, ela
tem mais de 100 anos. Seu maior crescimento se deu na década de 80, do século passado, mantendo-se o
ritmo de expansão em toda a década de 90. A novidade, com a Constituição de 1988 e a LDB, está na sua
"maturidade" como parte intrínseca da educação básica e, portanto, essencial para toda pessoa. Essencial
não significa obrigatória em instituições governamentais. A educação recebida na família pode ser, pelo
menos nos primeiros dois anos, suficiente e adequada para dar conta das necessidades da criança.
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As expressões "creche" e "pré-escola" constam da Constituição Federal (art. 7º, XXV e art. 208, IV). No
caso da creche, houve opção deliberada, à época da Assembléia Nacional Constituinte, de manter a
expressão dada seu significado social, que tornava os constituintes sensíveis para a realidade da criança e
da família trabalhadora, o que ajudaria na aprovação das propostas para inclusão do direito da criança na
Constituição.
O Plano Nacional de Educação, aprovado pela Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de
2001, tem um capítulo específico para a educação infantil e propõe metas para a faixa
de 0 a 6 anos, sem apartá-las por idade ou por tipo de instituição, a não quer quando se
referem às metas de atendimento por faixa etária e à inclusão da creche no sistema de
estatísticas educacionais. A idéia explicitada é de que a educação infantil, do
nascimento à entrada da criança no ensino fundamental, seja organizada segundo o
processo contínuo e global de desenvolvimento e aprendizagem da criança e não de
acordo com modelos históricos reducionistas ou viciados por demandas parcializadas
por condições econômicas e sociais excludentes.
• Não se trata apenas de duas instituições com caráter distinto e formas de atuar
diferentes, que a origem e os condiconamentos históricos (sócio-econômicos)
determinaram.
• Trata-se também de uma concepção errada do que significa o desenvolvimento e
a aprendizagem da criança. Essa concepção vem de longe, de um passado em que
se pensava que a criança pequena era uma "tabula rasa" na qual a família e a
sociedade inscreviam os conhecimentos, os hábitos, os comportamentos. Ou da
idéia inatista de que tudo estava adormecido, como germe ou potencialidade que
aguardava o amadurecimento físico para vir à tona. Bastava esperar. Portanto, era
suficiente cuidar da criança, para que sobrevivesse às intempéries físicas,
psicológicas e sociais. O adulto desenvolvido seria uma conseqüência natural.
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Segundo a expressão da psicanalista francesa Françoise Dolto em La Cause des Enfants. Editions
Robert Laffont, Paris, 1985.
Instituição Finalidade
Creche (0 a 3 anos) Cuidar e Educar
Pré-escola (4 a 6 anos) Cuidar e Educar
Observa-se que
• apenas na Suécia e no Reino Unido o setor educação assume todo o atendimento,
inclusive de creches domiciliares e centros de atendimento de tempo integral de
crianças de 0 a 5 ou 0 a 6 anos;
• chama a atenção, também, que todos os países têm atendimento em tempo integral
para crianças menores;
• geralmente o atendimento de tempo integral é oferecido pela Assistência Social ,
enquanto o atendimento em tempo parcial é feito pela Educação;
• em Portugal, os setores Educação e Assistência Social atuam em conjunto no
atendimento dos Jardins de Infância, que são de tempo integral;
• em Portugal, a Creche convencional e a domiciliar são da competência dos governos
regionais e locais, enquanto o Jardim da Infância é do Governo Nacional. A mesma
divisão de responsabilidade ocorre na República Checa quanto à creche e à Escola
Maternal;
• o setor Saúde entra formalmente no atendimento em centros e escolas em dois
países: República Checa e Itália;
• na Noruega, não é nem a Educação nem a Assistência, mas o Ministério da Família
e da Criança o encarregado de todos esses assuntos.
A opção brasileira de passar a creche para o setor educação tem suas razões. A
principal delas é a firme convicção de que tudo o que se refere à criança pequena é
formador da pessoa, organzador de seus esquemas afetivos, sociais e cognitivos e,
portanto, estruturador de sua personalidade. Isso, no entanto, não deve significar que só
a educação é que vale, que as atividades de cuidado têm sentido enquanto meios de
educação.
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Dolto, Françoise. As Etapas Decisivas da Infância. São Paulo, Martins Fontes, 1999.
Os conteúdos educativos da proposta pedagógica, por sua vez, não são objetos
de conhecimento abstratos, descolados de situações de vida e não são elaborados pela
criança pela via da transmissão oral, do ensino formal. São, em vez disso, interiorizados
como construção da criança num processo interativo com os outros em que entram em
jogo a iniciativa, a ação e a reação, a pergunta e a dúvida, a busca de entendimento. É
como diz Vygotsky, em relação à ação, primeiro é interindividual e, depois,
intraindividual.