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A educação da criança de 0 a 6 anos - a integração do cuidar e do educar

Vital Didonet
Vice-presidente da OMEP para a América Latina

A educação infantil recebeu um impulso muito grande com o estabelecimento,


pela Constituição Brasileira, do direito à educação a partir do nascimento (1). Sobre esse
direito a Lei de diretrizes e bases da educação nacional construiu a nova concepção de
educação infantil, precisando sua finalidade: o desenvolvimento integral da criança até
seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, em
complementação à ação da família e da comunidade. Daí se pode deduzir o conteúdo e
a forma da educação naquela primeira fase da vida.

Definida como "a primeira etapa da educação básica", a educação infantil


passou a fazer parte intrínseca do processo educacional e, consequentemente, do sistema
de ensino, sendo, daqui para a frente, inconcebível o descaso ou a insuficiente atenção à
primeira etapa daquela que deve ser a base da educação da pessoa ( 2). O processo
educacional sem essa primeira etapa seria como um prédio sem fundações, uma ponte
sobre colunas que partes do ar. O conceito de "ensino fundamental" teria que rever sua
terminologia, deslocando para a educação infantil o conceito de fundamentos que, até o
século passado, poder-se-ia atribuir à educação que iniciava aos 7 anos.

Mas a LDB manteve as instituições históricas - creche e pré-escola, embora já


com duas modificações: a) introduziu o termo "instituições equivalentes" e b) omitiu a
expressão "jardim de infância" (3). A distinção entre creche e pré-escola é feita
exclusivamente pela idade das crianças que as freqüentam. Isso significa que, segundo a
LDB, essas duas instituições não se distinguem quanto à finalidade ou aos objetivos e,
portanto, também não quanto ao conteúdo dos serviços prestados às crianças. Já a
Emenda Constitucional nº 14, de setembro de 1996, adotou, no art. 211, a expressão
Educação Infantil, numa tentativa de superar a dicotomia creche e pré-escola.

1
Gostaríamos de falar da educação a partir da concepção, pois a vida intrauterina é, já, uma fase
importante da formação do ser humano, especialmente do seu psiquismo. Mas o sistema educacional
brasileiro ainda não incorporou esse período nas suas preocupações, nem mesmo sob a forma de
orientação à família, de educação dos jovens futuros pais, de apoio à educação familiar. Essa será uma
conquista que exigirá tanta dedicação, habilidade, argumentação científica e persistência como exigiu a
luta pelo reconhecimento do direito à educação infantil e, dentro ela, especialmente a atenção educacional
aos três primeiros anos de vida.
2
Não se quer dizer, com isso, que a educação pré-escolar tenha começado naquela época. No Brasil, ela
tem mais de 100 anos. Seu maior crescimento se deu na década de 80, do século passado, mantendo-se o
ritmo de expansão em toda a década de 90. A novidade, com a Constituição de 1988 e a LDB, está na sua
"maturidade" como parte intrínseca da educação básica e, portanto, essencial para toda pessoa. Essencial
não significa obrigatória em instituições governamentais. A educação recebida na família pode ser, pelo
menos nos primeiros dois anos, suficiente e adequada para dar conta das necessidades da criança.
3
As expressões "creche" e "pré-escola" constam da Constituição Federal (art. 7º, XXV e art. 208, IV). No
caso da creche, houve opção deliberada, à época da Assembléia Nacional Constituinte, de manter a
expressão dada seu significado social, que tornava os constituintes sensíveis para a realidade da criança e
da família trabalhadora, o que ajudaria na aprovação das propostas para inclusão do direito da criança na
Constituição.
O Plano Nacional de Educação, aprovado pela Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de
2001, tem um capítulo específico para a educação infantil e propõe metas para a faixa
de 0 a 6 anos, sem apartá-las por idade ou por tipo de instituição, a não quer quando se
referem às metas de atendimento por faixa etária e à inclusão da creche no sistema de
estatísticas educacionais. A idéia explicitada é de que a educação infantil, do
nascimento à entrada da criança no ensino fundamental, seja organizada segundo o
processo contínuo e global de desenvolvimento e aprendizagem da criança e não de
acordo com modelos históricos reducionistas ou viciados por demandas parcializadas
por condições econômicas e sociais excludentes.

Esse avanço legal já tem cinco anos (a EC nº 14 é de setembro de 1996 e LDB


foi sancionada em dezembro de 1996), mas a política educacional deu apenas alguns
passos nesse longo caminho que vai da realidade ao desejo dos educadores e das
famílias: o atendimento integral das crianças de zero a seis anos. Para a faixa de 4 a 6
anos, temos tido progressos grandes, tanto nas matrículas, quanto em outros setores
como qualificação dos professores, elaboração de propostas pedagógicas, diversificação
de métodos e formas de trabalho com as crianças. É possível que as metas do Plano
Nacional de Educação relativamente à porcentagem de matrículas nessa faixa etária ( 4 )
sejam alcançadas antes dos prazos nele fixados. Mas para as crianças de 0 a 3 anos os
progressos não têm sido tão significativos, apesar de ser esse o período em que os pais
trabalhadores mais necessitem de instituições que se encarreguem do cuidado e
educação de seus filhos pequenos e de ser esse o período mais crítico no
desenvolvimento, segundo as recentes pesquisas da neurociência.

O Jornal A Tarde-BA, no dia 28 de setembro próximo passado fez o


seguinte registro:
"Embora seja de competência dos municípios oferecer educação infantil
às crianças de zero a seis anos, conforme determina a Lei de Diretrizes
e Bases (LDB), em Salvador, apenas 40 creches são mantidas pelo
governo do Estado (5). Pelo menos 120 unidades são geridas por
associações de bairro, entidades filantrópicas, ONGs ou mesmo por
particulares. A maior parte está situada no subúrbio e nasceu das
dificuldades enfrentadas pelas comunidades. Muitas não são
organizadas juridicamente e não contam com profissionais habilitados,
nem com uma proposta pedagógica elaborada. De acordo com a
Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social da prefeitura, essas
creches atendem aproximadamente 12 mil meninos e meninas. A
própria secretaria avalia que mais de 70% das crianças de quatro a seis
anos ainda não têm acesso á educação infantil na capital baiana"

O que se quer é um atendimento completo para todas as crianças segundo suas


necessidades, desde os primeiros meses até seu ingresso no ensino fundamental. Esse
atendimento inclui o cuidar e o educar.

A LDB, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e o


Plano Nacional de Educação (que também tem força legal, originário da lei nº 10.172,
4
O Plano Nacional de Educação estabelece a meta de atendimento de 60% das crianças de 4 a 6 anos (ou
4 e 5, caso o sistemas de ensino incluam as de 6 anos no ensino fundamental) nos 5 primeiros anos e
80% até o final da década do Plano. Para a faixa etária de 0 a 3 anos, as metas são, respectivamente, de
30% e 50%.
5
Uma imprecisão da jornalista menciona o Estado, quando deveria ser o Município.
que o aprovou) repisam a necessária junção e complementação do cuidar e do educar no
atendimento das crianças de zero a seis anos.

Por que essa insistência?

Porque existe uma dicotomia profunda entre esses dois componentes na


atenção que se dá à criança no Brasil. Dito de forma bem simples, "a creche cuida; a
pré-escola educa". Mas o fenômeno é mais complexo.

• Não se trata apenas de duas instituições com caráter distinto e formas de atuar
diferentes, que a origem e os condiconamentos históricos (sócio-econômicos)
determinaram.
• Trata-se também de uma concepção errada do que significa o desenvolvimento e
a aprendizagem da criança. Essa concepção vem de longe, de um passado em que
se pensava que a criança pequena era uma "tabula rasa" na qual a família e a
sociedade inscreviam os conhecimentos, os hábitos, os comportamentos. Ou da
idéia inatista de que tudo estava adormecido, como germe ou potencialidade que
aguardava o amadurecimento físico para vir à tona. Bastava esperar. Portanto, era
suficiente cuidar da criança, para que sobrevivesse às intempéries físicas,
psicológicas e sociais. O adulto desenvolvido seria uma conseqüência natural.

Por mais que as ciências do desenvolvimento humano, especialmente a


psicologia genética, tenham demonstrado que a criança se torna inteligente, forma a
personalidade, constrói o conhecimento, aprende pela atividade que realiza com
iniciativa na interação com os outros - e isso desde os primeiros momentos de vida -
muita gente ainda desconhece isso ou age como se ignorasse. As creches que apenas
cuidam das crianças - alimentam, dão banho, protegem contra acidentes, desenvolvem
hábitos de sociais e de higiene - estão aplicando na prática essa concepção parcial de
criança-corpo, criança-tubo digestivo (6). Inversamente, a pré-escola nas suas diversas
formas de organização se voltou predominantemente para o cognitivo e o social,
menosprezando o cuidado das crianças, como se fosse desnecessário ou não constituísse
atribuição de uma instituição que atende crianças de 4, 5 e 6 anos de idade.

Essa regra, no entanto, não se aplica a todas as instituições. Muitas creches


sempre tiveram ou, há algum tempo começaram a ter, um programa de atendimento
completo, incluindo objetivos educacionais, integrados ou não aos cuidados de saúde,
alimentação, proteção e apoio ao desenvolvimento físico das crianças. Da mesma foram,
muitos jardins de infância ou pré-escolas desde sua criação desenvolvem as ações de
cuidado, também inseridas ou não no conteúdo tipicamente de aprendizagem e
desenvolvimento cognitivo e social.

A opção da LDB para superar a dicotomia creche x pré-escola, cuidado x


educação, assistência x desenvolvimento e aprendizagem inclui duas decisões:

a) a de encarregar a creche da faixa de 0 a 3 anos e a pré-escola da faixa de


4 a 6, atribuindo a ambas o mesmo objetivo de desenvolvimento integral de todas as
áreas da personalidade humana nesses períodos. Temos, assim

6
Segundo a expressão da psicanalista francesa Françoise Dolto em La Cause des Enfants. Editions
Robert Laffont, Paris, 1985.
Instituição Finalidade
Creche (0 a 3 anos) Cuidar e Educar
Pré-escola (4 a 6 anos) Cuidar e Educar

Há diferenças, evidentemente, no que significa cuidados a uma criança de 3


meses e a outra, de 4 anos, da mesma forma que a educação de um bebê tem conteúdos
e formas de relacionamento adulto-criança diferentes daqueles entre um adulto e uma
criança de 3 ou 5 anos. O que essa dupla finalidade - cuidar e educar - quer exprimir é
que tanto na creche quanto na pré-escola a criança tem necessidade e direito a ser
cuidada e educada;

b) de colocar a creche dentro do sistema de ensino. Com isso, a LDB quis


dizer que a creche é uma instituição educacional e que o cuidado da criança é parte de
sua educação. Em outras palavras, não pode haver educação de crianças pequenas sem o
cuidado de seu corpo, sua alimentação, sua saúde, higiene, crescimento e
desenvolvimento motor e físico.

Na prática, essa opção tem alguns desdobramentos:


a) tanto a creche quanto a pré-escola podem ser de tempo integral ou tempo
parcial
b) a proposta pedagógica pode ser única para a faixa de 0 a 6 anos
c) o sistema de ensino tem que estabelecer diretrizes relativa ao cuidar e ao
educar que devem ser realizados nas instituições que estão sob sua
responsabilidade.

Poderiam ser adotadas outras formas de oferecer o atendimento integral às


crianças, por exemplo:

a) a creche passaria para a administração do setor educação, mas a


assistência social continuaria responsável pelo componente cuidado. Um plano
conjunto, uma administração partilhada, uma co-gestão se encarregaria da
política para a infância no município;
b) a creche continuaria sob a responsabilidade administrativa e financeira da
Assistência Social e a pré-escola, da Educação. Ambas as instituições deveriam
oferecer os componentes de cuidado e educação para todas as crianças,
independente do motivo por que os pais as tivessem colocado numa ou noutra
instituição;
c) a creche continuaria no âmbito da Assistência Social e a pré-escola, da
Educação, mas o sistema de ensino se encarregaria de subsidiar e orientar a
educação na creche (treinamento de professores, apoio na elaboração e aplicação
da proposta pedagógica, participação na definição da programação das
atividades, na avaliação etc.). Por sua vez, a Assistência Social daria apoio ao
sistema de ensino no componente cuidado (alimentação, assistência e orientação
às famílias etc.) e o setor Saúde se encarregaria do acompanhamento das
crianças em todos os aspectos relativos à saúde. Cada setor preveria em seu
orçamento os recursos para as atividades que lhes competiria desenvolver. O
ideal, nesse caso, seria chamar todas as instituições de atendimento à criança de
Centros Infantis, com administração partilhada entre duas ou três Secretarias de
Governo.
Em muitos países a política social preferiu manter as divisões tradicionais,
como se vê no quadro abaixo:

Termos e organização das principais formas de oferta de


Cuidado e Educação à Infância
Áustria Long day care Centro 0-5 T. integral Bem-estar social 6
Family Day Care
(FDC) Creche domiciliar 0-5

Pre-school Centro Escolar 4-5 T. parcial Educação


Bélgica Kinderdagverbliit Centro 0-3 T. integral Bem-estar social 6
Flameng DOGs Creche domiciliar 0-3
a.
Kleuterschool Escola 2,5 - 6 T. parcial Educação
Bélgica Crèche Centro 0-3 T. integral Bem-estar social 6
Frances Gardienne Creche domicilar 0-3
a Encadrée

École maternelle Escola 2,5 - 6 T. parcial Educação


Republ Crèche Centro 0 - 3 T. integral Saúde e B.Estar 6
Checa
Materska skola Escola 3 - 6 T. integral Educação
Dina- Vuggestuer Centro 0,5 - 3 T. integral Bem-estar social 7
marca Aldersintegrerede Centro 0,5 - 6
Bornehaver Centro 3-6
Dagplejer Creche domiciliar 0,5 - 3

Bornehaveklasser Escola 5/6 -7 T. parcial Educação


Finlân- Päiväkoti Centro 0 - 7 T. integral Bem-estar social 7
dia Perhepaivähoito Creche domiciliar 0-7

6-vuotiaden Centro / Escola 0-7 T. parcial Educação


esiopetus
Italia Asilo nido Centro 0-3 T. integral Saúde e B. Estar 6

Scuola materna Escola 3-6 Diversos Educação


Holan- Kinderopvang Centro 0-4 T. integral Bem-estar social 5
da Gastouderopvang Creche domiciliar 0-4 T. parcial
Peuterspeelzaal Centro 2-4

Bassischool Escola 4+ T. parcial Educação


Noruega Barnehage Centro 0-6 T integral e Secret da Família 6
Familievarnehage Creche domiciliar 0-6 parcial e da Criança
Portugal Creche Centro 0-3 T. integral Bem-estar social 6
Creche familiar Creche domiciliar 0-3
T. parcial Educação e
Jardim de Infância Centro / Escola 3-6 Diversos Bem-estar social
Suécia Förskola Centro 0-6 T. integral Educação 7
Familiedaghem Creche domiciliar 0-6 T. integral Educação
Förskoleklass Escola 6-7 T. parcial Educação
Reino Day Nursery Centro 0-5 T. parcial Educação 5
Unido Nursery
class/school Escola 3-5 T. parcial Educação (4
Pre-school na
playgroup Centro 2-5 T. parcial Educação Ir
Childminder Creche domiciliar 0-5 T. integral Educação N
Reception class Escola 4-5 T. integral Educação
Estados Child care centre Centro 0-5 T. integral Bem-estar social 5
Unidos Family child care Creche domiciliar 0-5 T. integral a
Head Start Centro 4-5 T. parcial 7
(diversos)
Pre-kindergarten Escola / Centro 4 - 5 T. parcial Educação
Kindergarten Escola 5 - 6 T. parcial
Fonte: OECD, Starting Strong: Early Childhood Education and Care, 2001.

Observa-se que
• apenas na Suécia e no Reino Unido o setor educação assume todo o atendimento,
inclusive de creches domiciliares e centros de atendimento de tempo integral de
crianças de 0 a 5 ou 0 a 6 anos;
• chama a atenção, também, que todos os países têm atendimento em tempo integral
para crianças menores;
• geralmente o atendimento de tempo integral é oferecido pela Assistência Social ,
enquanto o atendimento em tempo parcial é feito pela Educação;
• em Portugal, os setores Educação e Assistência Social atuam em conjunto no
atendimento dos Jardins de Infância, que são de tempo integral;
• em Portugal, a Creche convencional e a domiciliar são da competência dos governos
regionais e locais, enquanto o Jardim da Infância é do Governo Nacional. A mesma
divisão de responsabilidade ocorre na República Checa quanto à creche e à Escola
Maternal;
• o setor Saúde entra formalmente no atendimento em centros e escolas em dois
países: República Checa e Itália;
• na Noruega, não é nem a Educação nem a Assistência, mas o Ministério da Família
e da Criança o encarregado de todos esses assuntos.

Um dos motivos porque, na Europa, a área da Assistência Social (Bem-Estar) é


a encarregada do atendimento das crianças menores - e no caso da Noruega é mais
evidente ainda, com o Ministério da Família e da Criança - é o trabalho que esse
atendimento envolve de relação com a família, de apoio familiar à educação e cuidado
das crianças, com o que o setor educação tem menos tradição, familiaridade ou
disposição de fazer.

Em francês e português, o termo educação, pelo menos no período pré-escolar


contém indissociavelmente as ações com objetivo de educar e cuidar. Já no inglês,
educação é restrito e, por isso, os países de língua inglesa agregam o termo cuidar ao
educar: Early childhood Education and Care (ECEC) ou Early Childhood Care and
Education (ECCE). A África do Sul cunhou a expressão (que começa a ser adotada por
alguns países europeus) EDUCARE (Edu + care, ou seja, educação mais cuidado) que
mostra a intrínseca união dos dois aspectos da mesma realidade para a criança que
cresce, aprende e se desenvolve. A língua portuguesa não nos oferece possibilidade
semelhante, por isso continuamos com os dois termos.

A opção brasileira de passar a creche para o setor educação tem suas razões. A
principal delas é a firme convicção de que tudo o que se refere à criança pequena é
formador da pessoa, organzador de seus esquemas afetivos, sociais e cognitivos e,
portanto, estruturador de sua personalidade. Isso, no entanto, não deve significar que só
a educação é que vale, que as atividades de cuidado têm sentido enquanto meios de
educação.

Para alcançar o que a legislação determina e o que se entende por atendimento


integral e integrado, nós temos que fazer grandes progressos nos aspectos
administrativos e na prática pedagógica.

Em relação às questões administrativas, é preciso vencer resistências do setor


da Assistência Social em "entregar" as creches para a Educação. Vários fatores entram
em cena, mas um dos mais poderosos é a sensação de vazio que a "perda" da creche
significaria para a área da assistência social. É algo como a síndrome pós-parto, em que
a criança que foi acalentada durante meses no seio materno, sai para o seu próprio
mundo, deixando a mãe esvaziada física e psicologicamente.

É importante entender as causas ou os motivos das dificuldades apresentadas


pela Secretaria de Assistência Social ou pelos técnicos responsáveis pelas creches e
estabelecer com eles um diálogo para a busca da melhor forma de proceder à passagem
para o setor Educação. Há casos em que será necessário fazer uma negociação, um
acordo de co-gestão, um programa conjunto de atividades partilhadas e
complementares. A participação direta do Prefeito é estratégica. É importante, também,
que os dirigentes e técnicos da Secretaria de Educação demonstrem necessitar do apoio,
da orientação e da cooperação dos dirigentes e técnicos da Assistência Social que já
trabalham com a creche para as atividades de cuidado, tanto da creche quanto da pré-
escola.

Em relação às questões educacionais, está havendo um progressivo


entendimento por parte dos profissionais da creche de que qualquer atividade para a
criança e com a criança tem um sentido educativo: o olhar estabelece uma troca de
sentimentos de confiança (ou desconfiança), manifesta carinho e compreensão (ou
indiferença e raiva), desperta entusiasmo e alegria (ou inibe e amedronta); o toque da
mão do adulto pode dar segurança ou medo, entrega ou retraimento; o forma de dar de
mamar, na mamadeira, comunica as emoções do adulto e desperta emoções na
criança:"Ela bebe a angústia com o leite", diz Françoise Dolto (7); o dar banho, trocar a
fralda, vestir, pentear o cabelo são gestos de comunicação humana entre o adulto e o
bebê em que há uma profunda troca de sentimentos e, portanto, de organização mental,
de estruturação interior, de formação da auto-imagem, do crescimento do "eu" da
criança; a forma como se encara as manifestações de birra, de desagrado, de curiosidade
das crianças e como se busca a superação de comportamentos de "agressão", como se
promove a interação social... determina o tipo de educação que se está dando a elas; a
fala do adulto inicia a criança na linguagem, pois vai dizendo o que ela faz, o que as
outras estão fazendo, o que sentem e, assim, vai mediando os atos por meio da
linguagem.

Não há um conteúdo "educativo" na creche descolado dos gestos de cuidar.


Não há um "ensino", seja um conhecimento ou um hábito, que use via diferente da
atenção afetuosa, alegre, disponível e promotora da progressiva autonomia da criança.

7
Dolto, Françoise. As Etapas Decisivas da Infância. São Paulo, Martins Fontes, 1999.
Os conteúdos educativos da proposta pedagógica, por sua vez, não são objetos
de conhecimento abstratos, descolados de situações de vida e não são elaborados pela
criança pela via da transmissão oral, do ensino formal. São, em vez disso, interiorizados
como construção da criança num processo interativo com os outros em que entram em
jogo a iniciativa, a ação e a reação, a pergunta e a dúvida, a busca de entendimento. É
como diz Vygotsky, em relação à ação, primeiro é interindividual e, depois,
intraindividual.

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