Está en la página 1de 11
caPiruto2 O DISTRITO MARSHALLIANO UMA NOGAO SOCIOECONOMICA GIACOMO BECATTIN Introdugao Este capitulo foi inicialmente concebido para servir de enquadramento a uma teoria do distri- to industrial. O seu duplo objectivo era, por um lado, o de tornar mais exactos 05 estudos e as, anélises empiricas da industrializacao contem- poranea, e, por outro, o de constituir uma pri- meira tentativa de abordagem das relagdes entre 0s problemas empiricos do distrito e os funda- mentos do pensamento econémico, a saber, as teorias neoclassica, marshalliana e marxista ‘Uma perspectiva deste tipo nao poder dei- xar de implicar uma certa dualidade do pensa- mento. Com efeito, ao mesmo tempo que nos ‘vemos na obrigacio de preservar ciosamente a unidade socioeconémica do objecto da nossa andlise, a fim de nos cingirmos exclusivamente a realidade, nao poderemos deixar de simplifi- care de generalizar, a fim de nos conformarmos tanto quanto possivel ao rigor da andlise econé- mica. Em certo sentido, o resultado desta manei- 1a de proceder seré sempre insatistatério, na medida em que se presta a diversas interpreta- ges indevidas — quer porque uma certa estili- zagio apareca como indispensivel a uma des- ctigdo simplificada da realidade, quer porque essa mesma estilizagio derive da prdpria teoria. Mas, como € sabido, todo o defeito tem 0s seus aspectos positivos. O facto de abordarmos fené- menos concretos que perduram no tempo — como acontece com o distrito de Prato — tran- quiliza-nos quanto a coeréncia intrinseca do fe- némeno estilizado, na medida em que todo o fendmeno duradouro deve ser considerado como possuindo a sua prépria logica. E, se con- tinuarmos a referir-nos a certas teorias existen- tes, poderemos aprender as novas implicacées do modelo interpretativo e constrair um quadro integrador das observacées empiricas, as quais, de outro modo, permaneceriam isoladas. Eram estas as minhas preocupagées iniciais, certamente andlogas as de todo 0 economista que se interesse pelas realidades empiricas, Mas, ao longo desta reflexdo sobre os distritos industriais, surgiram-me outras questées. No- meadamente, 0 facto de boa parte do debate incidir sobre sistemas de valores e sobre a sua interacgéo com os movimentos econémicos in- tervenientes durante 0 perfodo em anélise, ob- rigou-me a confrontar-me com o ponto de vista dos socidlogos e de outros observadores da s0- Giedade. Sob a pressao dos factos, os socidlogos italianos nao tardaram, felizmente, a por-se em campo, e seria hoje bastante dificil dizer se fo- ram eles ou os economistas quem mais cont buiu para a investigacao sobre o distrito indus- trial, Seja como for, 0 resultado afigura-se-me bastante satisfatério, mesmo tendo em conta a ‘emergéncia de certo nimero de problemas, ine- vitdveis nas trocas interdisciplinares promovi- das em torno de uma questio metodologica- mente tao ambigua. Estas paginas tém além disso por objectivo propor aos nossos amigos soci6logos HO pouco se Peflexdo econdmica sobre o distrito (© em Seno dele), que espero constitua um Suporte ffavel tio natural etao simples quanto possivel, para as suas proprias andlises. Embor® este tra- Patho seja inteiramente consagrado 20 dislogo, estou plenamente consciente do peso ave rele se rmom as relacoes econémicas talvez até des proporcionado quando comparado com © das Piiegbes socioculturais. Mas estou igualment Tonvencido de que é impossivel alcancar Um ortige mais equilibrada sem o contribute de “pao-economistas” ‘As caracteristicas do distrito Definigao © distrito industrial é uma entidade socioterri- activa de uma torial caracterizada pela presenca ror unidade de pessoas e de uma populacto de empresas num determinado espace ‘geoprafico avinvés do que acontece , como por exemplo as ‘Giades industrais, tendea riar-se uma OSmo%® nfeita entre a comunidadelocal eas empresas, ‘O facto de a actividade dominante no distrito ser a industrial, distingue-o daquilo a que ". A autosuficiéncia uma divisio do trabalho cada vez mais ace faada conduzem ao crescimento dos excedentes de produtos finais, que é impossivel escoa" NO fntrior do distri. Poe-se por conseguinte © ‘blema da venda desses excedentes nos mer Pidos externos, essenciaimente internacionais. Tiana condigio tao indispensavel a sobrevivén- Ga do distrito (a necessidade de resolver 0 Prc- Citona cada vez mais crucial da procura final) cxalt a possibilidade de o distrito colocar a sua ircados externos de modo 0ca- Penal exigindo, pelo contrério, a criacéo de sro rede permanente de relacées privilesiadas ntre o distrito, os seus fornecedores € Os sett STutes Toda a definigao do distrto industrial wustiva deveré pois ter em tcas. ehistérico. No distrito, outros tipos de meio: pe chama a "regiao economic” jugdo nos met aque pretenda ser exai [AHIPOTESE DOS DISTRITOS INDUSTRIATS. conta a existéncia dessa rede, bem como de to- das as suas jnteracgdes com 0s OULTOS ‘elemen- ton pata além das condicbes tas locals" ante- riormente citadas. ‘Os diversos aspectos e problemas a seguir abordados foram muito jivremente extraidos ape estudos e dos esbocos de teorias actualmen- te existentes sobre os distritos industriais. ‘Acomunidade local A sua caracteristica mais marcante ¢ 0 seu siste- ie de valores e de pensamento relativamente romogeneo — expressso de uma certa ética do trabalho e da actividade, da familia, da recipro- Sdade e da mudanga — 0 qual, de alguna seeira,condiciona os principais aspectos da Vida, O sistema de valores predominante no Yisttito evolu mais ou menos rapidamente coor tempo, segundo dados ainda nao explictados o Conatitui uma das condig6es primeiras do seit esenvolvimento e da sua reproducao. © que frao implica que exista uma dnica combinacae Ge valores compativel com o nascimento © © desenvolvimento de um distrito, mas sim GM certas combinacoes de valores sejam aparente- Snente possiveis, com excluséo de outtas, Bste Tiatema de valores ndo deve constituir nunca, feja de que modo for, um entrave 20 espirito empresarial ou a introdugio de inovacdes 1 trologieas. Se isso se verificasse, 0 diststo nao ceria-uma entidade capaz de perdurar no ten po, eestariamos perante um espaco de estan. ao soci TPavalelamente a este sistema de valores, de- senvolveu-se um corpo de instituigées e de re- sgras destinado a propagar esses valores 8 todo Er strto, estimualando a sua adopao e transm fiadowos de geragio em geracio. Estas institul- pes incluem obviamente mercado, a empress familia, a igreja e a escola, mas também 2 2 Maridades e as organizacoes politicas e sindi- aut Jocels,aléra de inGmeras outras instancias pblicas e privadas,econdmicas.e politicn®y cul papi, de solidariedade social, religiosas.earts- (DISTRITO MARSHALLIANO 23 suas competéncias,é estigmatizado. O que quer dizer que as mudancas de actividade, mesmo frequentes, nunca sao encaradas negativamen- te, distrito oferece uma grande variedade de actividades profissionais. No seu seio, reina uma espécie de cadeia ininterrupta que vai do trabalho domicilidrio ao trabalho assalariado, a tempo parcial ou a tempo inteiro, até aos traba- Ihadores independentes e aos chefes de empre- sa. Perante uma tal diversidade, o individuo tender a mudar constantemente de tipo de ac- tividade, procurando encontrar sempre atracti- vos suplementares. Trata-se de um processo se- quencial, visto que, ao exercer uma nova actividade, o individuo vé abrirem-se-lhe novas oportunidades, que até entdo lhe eram inacess\- veis, Deveremos deduzir daqui que o distrito consegue realizar a adequacéo ideal entre o tra- balhador e a sua actividade profissional? Sim ¢ nao. Até certo ponto, sim, gracas a um mecanis- mo de penalidades e de incentivos. Ndo, se con- iderarmos que a natureza dinémica do distrito — que s6 pode sobreviver desenvolvendo-se— implica a permanéncia da contradicéo entre 0 tipo de actividade para a qual o individuo esté adaptado e aquele a que aspira. Esta tendéncia intrinseca do distrito para re- distribuir constantemente os seus recursos hu- ‘manos é uma das condigdes sine qua non da sua competitividade e da sua produtividade. En- tram aqui em jogo importantes factores imate- riais, tais como o par expectativas-insatisfacao, que se toma tangivel e negocidvel na accao, contribuindo assim para o crescimento conti- ‘uo da produtividade verificado no seio do dis- trito, e que nao se deve apenas ao progresso tecnolégico. Do ponto de vista do interesse geral do distrito, a especializagao do trabalhador — que pode ser caracteristica da empresa ou do distrito — nao se perde completamente quando este passa de uma empresa para outra, visto que continua a fazer parte desse bem ptiblico a que Marshall chama a “atmosfera industrial”, Quan do, para citar Marshall, "os segredos da indi. tria esto no ar que serespira’", a transmissao das competéncias adquiridas de maneira tradicio- nal (nas escolas profissionais e na empresa) en- contra-se totalmente integrada num processo de troca e recombinacao esponténea de conheci- mentos e de opinioes, gracas as relagées pes- soais e conviviais estabelecidas quotidianamen- te no seio do distrito. E mais facil proceder a avaliagao das qualida- des pessoais e profissionais de um trabalhador, a fim de Ihe oferecer 0 emprego mais adequado, se a empresa estiver bem integrada no tecido social local se, pelo contrério, estiver isolada ou perdida num meio urbano anénimo, é mais di- ficil efectué-la, As informagées que uma empre- sa do distrito poder obter com facilidade sobre ‘um candidato ao emprego séo com certeza mui- to mais titeis do que as conseguidas através dos canais formais. Deste ponto de vista, € alias provével que mesmo as grandes empresas — apesar de todas as técnicas de recrutamento ¢ dos testes sofisticados de que dispdem — se encontrem por vezes em desvantagem em rela- ‘ho As pequenas empresas do distrito ‘Os mecanismos anteriormente descritos constituem além disso um factor de atraccao & de fixacao dos trabalhadores mais competentes. Num espfrito muito marshalliano, os trabalha- dores mais procurados gozam de melhor reco- nhecimento e reputacdo no distrito do que em qualquer outro sitio, o que, logicamente, tende areuni-los e a manté-los no seu seio. Uma outra categoria de agentes muito repre- sentativos do distrito é constitufda por aqueles a quem chamarei, um tanto pomposamente, ‘empresérios puros’. Tanto quanto me é dado saber, o grupo dos que melhor correspondem a este ideal é 0 dos impannatori de Prato. O empre- sério puro ideal actua do seguinte modo: por um lado, segue de muito perto os acontecimen- tos que intervém no mercado mundial dos pro- dutos fabricados no distrito, e, por outro lado, procura constantemente completar 0 seu pré- prio conhecimento do distrito enquanto entida- de produtiva sociocultural. A sua principal fun- éo consiste em traduzir todas as potencialidades contidas na heranca histérica Py do distrito em produtos comercializaveis. Odis- trito constitui para ele uma espécie de capital flexivel, capaz de produzir toda uma’ série de produtos diferentes sem sair todavia de uma dada gama (0 que ¢ tipico do ramo, tal como 0 definimos anteriormente). A sua principal "imo- bilizagio" consiste em s6 conhecer um distrito e, em rigor, as suas zonas adjacentes. ‘Como é que o empresdrio consegue conhecer ‘bem o seu proprio distrito, dado que nao possui fabrica ou empresa nem emprega assalariados, 2 parte os seus proximos colaboradores? O seu inico capital fixo é um armazém que utiliza para guardar as matérias-primas — que ele pr6- prio compra — e os produtos finais. (A anélise ‘econdmica diz-nos que se trata de um caso es- pecial, e que em geral o empresério acha vanta- joso possuir este ou aquele meio de producao.) Depois de procedera anélise das tendéncias dos mercados externos, estabelece — com os seus diversos fabricantes habituais e os seus colabo- radores — um "projecto de produto”, que em geral inclui toda uma gama de produtos dife- rentes. Uma vez estudadas as hipéteses de éxito do produto no mercado, vai pedir a alguns dos seus fabricantes habituais — mas nem sempre ‘a0s mesmos — que Ihe submetam as suas con- digoes para efectuarem a transformagao das ma- {érias-primas e do projecto em produto final. E assim que, a pouco e pouco, 0 empresério vai adquirindo um melhor conhecimento da estru- ura socioeconémica e da capacidade produtiva do distrito, Existe todavia um perigo para o distrito: a tendéncia crescente que tém os empresarios pu- os para perderem as suas raizes e se deixarem “cosmopolitizar”. Uma vez. tecida a sua rede de dlientes no mercado internacional, o empresério ‘vé-se progressivamente tentado a comparar © acréscimo de beneficios com que pode contar ‘gracas a um melhor conhecimento do seu distri- to, com aquele queestima poder obter em novas reas de producio. Se seguir esta altima via, deixaré de desempenhar o papel de agente puro do distrito, para se transfor mar num puro inter- mediétio. A medida que — e se —as suas rela- A HIPOTESE DOS DISTRITOS INDUSTRIAIS descom 0 distrito se vo tornando mais frouxas e que, inversamente, se vao reforcando as que 0 ligam aos consumidores do produto, o empre- sétio acaba por se transformar numa simples “agéncia de compras". Esta andlise nao ficaria completa se nao refe- rissemos o importante reservatrio de trabalha- dores 20 domicilio e a tempo parcial. Estas duas categorias servem de elo de ligacio entre o sis- tema das empresas e a estrutura familiar, ou seja, entre a producéo nte dita e a vida quotidiana do distrito. Estas ‘actividades secundérias" revestem um aspecto muito dife- rente no quadro de um distrito que funciona bem. Limitar-nos-emos a dizer que, a par dos assalariados a tempo inteiro, estes trabalhado- res ao domicilio e a tempo parcial contribuem para aumentar os beneficios para além do estri- tamente necessério. Estas actividades desempenham um papel essencial: por um lado, amortecem parcialmen- te as flutuagdes externas, gragas aos ajustamen- tos orcamentais internos préprios dos indivi- duos e das familias, atenuando assim os efeitos do ciclo econémico sobre a estrutura industrial de base do distrito; por outro lado, alimentam ¢ regeneram o reservatério de recrutamento dos pequenos empresérios. ‘O mercado ‘Apesar da intensa concorréncia que se verifica tanto no seio dos distritos como entre eles, © mercado que melhor Ihes corresponde nao ¢ uma vasta aglomeracao uniforme de comprado- res (ou de vendedores) indiferentes aos locais de producio e apenas interessados no preco das ‘matérias-primas, das maquinas, dos bens e dos servigos, cuja qualidade seria reconhecida. Bem pelo contrério, no mercado do distrito indus- trial, o prego nao é um elemento determinante das escolhas; de ondea necessidade de fornecer, juntamente com a mercadoria, amplas informa- ‘ges complementares. Isto significa que: a) o processo daquilo a que se chama o mar- ee | | (© DISTRITO MARSHALLIANO- 25 keting do produto final nao ver acrescen- tar-se a actividade de transformagio do distrito; pelo contrério, existe sima osmo- se perfeita entre ambos; b) o bom funcionamento dos mercados in- ternos aos distritos condiciona a fisiono- mia e a evolugéo de cada um deles (tomados como sistemas de valores e de instituigdes); esse condicionamento tem por objectivo fornecer gratuitamente luma parte da informacio necesséria. Se considerarmos que o distrito industrial cons- titui um factor especial no céleulo dos agentes, e nao um simples indicador de origem geogré- fica, 0 distrito no se caracteriza apenas pela existéncia de uma rede especializada de agentes econdmicos cuja fungao consiste em fornecer 0s inputs ¢ em colocar os produtes finais nos mer- cados; distingue-se também por uma imagem bem especifica, simultaneamente diferente da das unidades que ocompoem e da das empresas dos outros distritos. Noutros termos, para se diferenciar das suas concorrentes, a "mercado- ria representativa” de cada distrito deve apre- sentar caracteristicas particulares, quer ao nivel qualitativo (matérias-primas utilizadas, trata- mentos técnicos, etc.), quer ao nivel da comer- cializacéo (prazos de entrega, regularidade das séries, etc). Em suma, para bem motivar as escolhas, € preciso que exista mais alguma coisa por detrés do simbolo unificador (como, por exemplo, a louca de Sassuolo). ‘Como o distrito ¢ igualmente um grande con- sumidor de matérias-primas, tende a concentrar no seu seio um nimero relativamenteimportan- te de compradores especializados, o que permi- te realizar beneficios suplementares sobre essas matérias-primas, os quais vém acrescentar-se 0s obtidos com as actividades de producdo. Ao fazerem aparecer um diferencial cada vez mais nitido em favor dos distritos mais importantes ‘e mais dindmicos, estes factores favorecem a procura de economias de escala ao nivel de cada ‘um deles. Os lagos que os unem aos mercados que os abastecem de matérias-primas, ou Aque- les que Ihes fornecem a sta tecnologia, podem além disso constituir vias de colocacao dos seus proprios produtos nesses mercados. ‘A origem e 0 desenvolvimento do distrito industrial nao resultam pois unicamente da convergéncia localizada (¢ aliés facil de realizar) de certos tragos socioculturais proprios de de- terminada comunidade (sistema de valores, comportamentos e instituicies), de caracteristi- cas historicas e naturais particulares de uma zona geografica (orografia, vias de comunicagio ce centros de trocas, modo de urbanizacao, etc.) ¢ de especificidades técnicas inerentes a deter- ‘minado proceso produtivo (processos decom- pontveis, séries limitadas, etc. sio igualmente fruto de um processo de interaccio dinémica (Girculo virtuoso) entre a divisdo e a integracao do trabalho praticadas no distrito, a procura permanente de novos mercados para a sua pro- ducdo e a constituigéo de uma rede de sélidas relagées com os mercados externos. Todos estes elementos se interpenetram, ainda que isso nem sempre seja automatico, dado que, para cada distrito, os mecanismos de expansao se véem limitados pelo duploimperativo da distribuicso dos beneficios eda quota maxima que um sector pode ocupar—em relagéo as necessidades fun- ‘damentais— em fun¢do de certo rendimentono mercado mundial. O volume de vendas realiza- das de modo rentével pelo conjunto das empre- sas, no seio de um distrito ou fora dele, para 2 satisfagio das necessidades fundamentais, nio é evidentemente ilimitado; evolui em funcio das leis de desenvolvimento do mercado. Beste, de maneira muito sucinta, o contexto da concor- réncia que se verifica entre as empresas dos distritos industriais e as empresas exteriores a eles. O estudo dos aspectos macroeconémicos do distrito est4 ainda numa fase embrionéria, ‘mas existem jé alguns elementos tedricos relati- vos aos paises e aos sectores industrializados, 05 quais podem por conseguinte ser adaptados a0 nosso propésito. 6 A HIPOTESE DOS DISTRITOS INDUSTRIAIS Concorréncia e solidariedade que se disse sobre o mercado do frabalho dé aentender quea populacao do distrito se encon- trasubmetida a uma espécie de luta hobbesiana, impiedosa ¢ incessante, de todos contra todos. Isto € verdade apenas no sentido em que cada ‘um se bate constantemente para melhorar 0 seu Proprio estatuto (eo da sua familia), e em que ninguém pode sentir-se satisfeito com condigé- es econémicas nitidamente inferiores aquelas que predominam no exterior do distrito. Se a vida no seio do distrito fosse efectivamente um combate de todos contra todos, sem qualquer espécie de solidariedade entre os beligerantes, em que toda a fraqueza, mesmo passageira, acarretasse um castigo impiedosoe em que toda a desvantagem fosse fatal, a incerteza reinante seria de tal ordem que os derrotados nunca mais teriam direito a uma segunda oportunidade, Na verdade, 0 distrito postula a renovagdo do jogo da concorréncia, e aquele que perde um desafio, tendo respeitado as regras da comunidade, é autorizado a tentar de novo a sua sorte. O mercado de maquinas em segunda mao é um mecanismo que permite aumentar a liqui- dez. do capital no seio de uma estrutura, como 0 distrito, caracterizada pela existéncia de empre- sas que, pelo seu estatuto, nao tém fécil acesso 0s mercados financeiros; permite-Ihes mante- rem-se mais facilmente em actividade. Se um Pequeno empresério se visse na impossibilida- de total de revender, sem sofrer pesadas perdas, uma maquina que deixou de Ihe interessar, as- sistir-se-ia ao abrandamento dos investimentos ‘emnovos equipamentos (e portanto da introdu- 0 do progresso técnico incorporado) e, de modo mais geral, a degradacao da mentalidade ‘empresarial. Pelo contrério, no distrito, gracas A variedade das necessidades da produgao e a utilizagdo intensa das méquinas, um equipa- ‘mento que deixou de interessar a um patrao pode convir a outro. Quando este tipo de situa- sfo se repete frequentemente, surge em geral um mercado local de maquinas em segunda ‘mo, o que permite uma reparticao optima dos equipamentos existentes (novos e usados) e fa vorece 0 espirito de empresa De entre as regras, escritas ou néo, conheci das ¢ amplamente respeitadas por todos, que Tegem a concorréncia no seio do distrito, algu- ‘mas dizem respeito a0 modo de fixagdo das tarifas dos bens e dos servigos mais procurados, nomeadamente dos produtos intermédios e dos servigos mais especializados. Estes precos locais dependem dos que sdo praticados nosmercados nacional e internacional, a cuja influéncia néo Podem furtar-se, Mas, além disso, dependem também das leis da oferta e da procura local, e, sobretudo, 0 seu ciclo ¢ estabilizado pela inter- vencio de instituicdes locais, tais como as asso- ciagdes de produtores intermédios, e pelos hé- bitos locais. De tudo isto, resulta um tipo hibrido entre precos administrados e precos de mercado. Certos acontecimentos imprevistos poderiam incitar os empresérios a introduzirem redugées salariais, ou os assalariados a decidi- rem interromper subitamente a produgao, mas, dada a longa experiéncia que, de certo modo, se tomou regra de comportamento intemo para os agentes do distrito e parte integrante dos habi tos e das instituigdes locais, essas eventualida- des so quase sempre postas de parte. Em con- sequéncia disto, os precos locais desses bens ¢ servigos variam menos que os dos mercados externos, 0 que dé origem a uma espécie de subsistema local de precos. Isto proporciona a cada um uma certa garantia de estabilidade dos beneficios, dos custos de producto e das redes. de comercializacio, bem maior que a dos agen- tes que operam no seio de mercados completa- mente abertos. Se considerarmos os resultados globais do distrito, veremos que existe nele, a par de uma atitude muito concorrencial, uma solidariedade forcada entre os seus membros, que é fruto da ‘maneira tinica como o sistema sociocultural im- pregnae estrutura o mercado no proprio seio do distrito, a o « “ - a oa - - - = - - - o- - o- - oo i ! (DISTRITO MARSHALLIANO 27 Um sistema adaptavel ‘Uma comparacdo, mesmo répida e sucinta, en- tre esta forma de organizacéo da producéo — em que as deficiéncias no processo sao constan- temente postas em causa, tanto a partir de den- tro como a partir de fora — e as caracteristicas da empresa verticalmente integrada, poderé ajudar-nos a compreender melhor a Iogica eco- némica do distrito. E um facto bem conhecido que o controle eficaz de qualquer fase do processo produtivo no seio da grande empresa — piiblica ou priva- da — é dificultado pela tendéncia natural da ‘empresa para 0 imobilismo, inversamente, a "maquina social" do distrito parece ter sido cria- da para exercer esse controle. As profundas ¢ sistematicas divergéncias de interesses verifica- das entre os membros do distrito adaptam-se répida e judiciosamente a evolucao permanente da organizagéo produtiva, operando um con- trole quase automatico da eficdcia de cada fase do processo de producéo, Como salientémos jé anteriormente, uma tal situagio nao induz as tensdes habitualmente geradas noutros contex- tos, devido a acgéo do sistema de valores predo- minante no seio do distrito. As inovages tecnolégicas ‘A maneira como se introduz. 0 progresso tecno- logico € outra caracteristica importante da orga- nizacéo do distrito. Num mundo em que o capi- tal humano (quer dizer, baseado na experiéncia) ¢ primordial, as transformagées tecnol6gicas al- teram o valor desse capital — dai a resisténcia que se verifica face & inovacio tecnolégica. Mas se, na grande empresa, a introdugio de inova- ‘goes tecnologicas surge frequentemente como dolorosa e suscita mesmo fortes resistencias, & porque as decisées importantes parecem ser to- ‘madas por uma minoria, com base em céleulos que séo incompreensiveis pata os assalariados sem que estes tenham sido consultados, nem os seus interesses, exigéncias ou expectativas tomados em consideragao. Em contrapartida, no distrito, a introdugio de novas tecnologias aparece como um avango social realizado gragas ‘a uma tomada de consciéncia por parte do con- junto dos segmentos da actividade industrial e de todas as camadas da populagio. Se acrescentarmos a isto que o sistema de valores e de comportamentos predominante no distrito — e que é amplamente partilhado por todas as camadas da populagio — dé grande importancia ao orgulho de se estar na ponta da tecnologia, compreenderemos que toda a dec sio dolorosa — como a eventual reorganizagao derivada da introdugéo de novas méquinas — seja encarada de modo mais positivo, como ne- cesséria para um futuro melhor. A inovagio tec- noldgica néo surge pois de modo nenhum como uma medida dolorosa ou imposta de fora, mas antes como uma oportunidade para reforcar uma posi¢aoj4 adquirida. Um distrito industrial dinamico nao esté necessatiamente condenado ao atraso tecnolégico, em comparacéo com ou- tras formas de organizagao da produgio. sistema de crédito local Um dos maiores obstaculos que as pequenas empresas encontram pela frente, em confronto com as grandes empresas, ¢ a dificuldade de acesso ao crédito. Ora, dada a estreita corres- pondéncia existente entre crédito e desenvolvi mento, é certamente licito perguntarmos como que uma populagéo de pequenas empresas consegue prosperar, face a um sistema de crédi- to tao hostil. E aqui que ver em nosso auxilio aquilo a que poderia chamar-se a "teoria dos bancos jocais". O banco local € origindrie do distrito, em cujo seio se desenvolveu, mantém relagdes muito estreitas com os empresérios lo- cais (e muitas vezes com outros lobbies sociais © politicos do distrito) e encontra-se implantado no coracao da vida local; conhece bem todas as subtilezas do distrito, o que lhe permiteinflectir, em larga medida, a sua evolugao. Com efeito, ‘uma instituigdo deste tipo encontra-se em me- Thor posicio para avaliar as qualidades pessoais de um candidato a um empréstimo, bem como 28 ‘A HIPOTESE DOS DISTRITOS INDUSTRIAIS para apreciar os riscos inerentes a um investi- ‘mento, do que um banco exterior ao distrito — ‘que constitui um incentivo supleméntar & acu- mulagéo no seio do distrito, seja qual for a natu- reza do crédito (0 mais das vezes a curto prazo). Para vingar, a peculiar filosofia de crédito propria do banco local tem que ser praticada ‘com total honestidade. Se os banqueiros conce- derem crédito aos seus amigos sem terem em conta as condigoes econémicas da operacéo, esse incentivo suplementar pode transformar~ se num sério risco para o distrito. A estrutura do distrito éuma densa rede de interdependéncias, de tal modo que uma deciséo problematica por parte de um banco local pode induzir uma reac- do om cadeia de efeitos negativos concentrados no distrito. A estrutura que circunscreve aos limites do distrito 0s efeitos multiplicadores so- bre os rendimentos e 0 emprego produzidos pelo crédito suplementar injectado no sistema, mantém igualmente no interior desses mesmos limites 0s efeitos perniciosos consecutivos ama politica de crédito praticada pelo banco local. Elementos de dinamismo ‘Odinamismo e a renovagio do distrito sao fruto de uma comparacéo permanente entre 0 custo desta ou daquela actividade, consoante seja le- vada a efeito no seio da empresa ou confiada a0 exterior, Devido a uma concorréncia externa comnipresente ¢ impiedosa, essa comparacéo permite ritmar a vida de todos os agentes eco- némicos do distrito. £ preciso observar que nao se trata aqui de uma simples comparagéo entre 0 fabrico pelo proprio e a compra ao exterior, mas de uma comparagio bem particular entre sero proprioa fabricar e mandar fabricar, tendo todo 0 cuidado em escolher por quem, onde, quando e como. Aliés, é interessante verificar que, na maior parte dos casos, se trata de um fabrico em comum. A comparacio é pois, evi- dentemente, sempre relativa ao distrito, mas tem como ponto de referéncia — invisivel mas ‘ominipresente— aquilo que se fabrica (e em que condicoes) fora dos seus limites. Este estudo comparativo baseia-se em custos proprios da cultura do distrito, os quais nao correspondem necessariamente aos de outros contextos sociais, Noutros termos, 0 limite entre aquilo que se pode considerar ou nao como um custo, depende dos mesmos aspects hist6ricos eculturais proprios da identidade do distrito. A comparacao entre fazer o proprio e comprar — que implica a reducéo, implicita ou explicita, directa ou indirecta, de um grande nimero de aspectos da vida quotidiana a uma questo pu- ramentemonetria — faz do distrito o sitioideal para a aplicagdo das normas da andlise econé- mica marshalliana. ‘Ao contrério do que acabamos de dizer, a decisio de externalizar ou de conservar esta ou aquela fase de um dado processo produtivo (mas também de cozinhar em casa ou ir comer fora) nunca é puramente econémica. Quando uma empresa decide, por exemplo, externalizar uma determinada fase do processo produtivo, prescinde do seu controle directo, mas também do dos trabalhadores nela envolvidos, limitan- do-se a exercer o controle indirecto ¢ limitado que lhe € permitido pelo mercado. Sea empresa que externalizou uma fase intermédia do pro- ‘cesso produtivo for a tinica cliente da sua sub- contratada, a diferenca existente ao nivel do exercicio do controle nao € muito significativa; mas, se a empresa subcontratada decidir ter varios clientes, no interior e mesmo no exterior do distrito, nesse caso a empresa contratante perde poder rapidamente. Quando duas ten- déncias hist6ricas convergem até se encontra- rem — como, por exemplo, 0 desejo existente entre a populacao local de criar a sua propria ‘empresa e uma certa indiferenca por parte dos ‘empresérios em relagdo as eventuais repercus- sdes das suas decisdes econémicas, em termos de controle social local sobre a natureza da or- ganizacao da produgio —, entdo o processo de desintegragao pode tomnar-se cumulativo. Se os ‘empresirios adoptarem as solucoes que lhes proporcionam os beneficios mais elevados, no sentido estritamente econémico do termo, sem se preocuparem com o equilibrio politico € so- €@92024622006288 ‘ODISTRITO MARSHALLIANO 29 ciocultural local, considerando-se sem divida suficientemente protegidos pelos equilfbrios existentes ao nivel nacional e internacional, nes- se caso, 0 processo de desintegracao pode apro- ximar-se da forma can6nica do distrito indus- trial ‘Deum ponto de vista estritamente produtivo, o distrito marshalliano é uma populacao de em- presas independentes, pequenas e médias, que, idealmente, se dedicam as mesmas fases inter- médias do proceso de producao, sao governe das por um grupo aberto de empresérios puros, através da subcontratacao, e se apoiam numa miriade de unidades fornecedoras de servigos & produgao, bern como de trabalhadores ao domi- cilio e a tempo parcial. O distrito é susceptivel de certas variagdes na importancia relativa do niicleo capitalista (empresas de fabricantes assalariados) e do invdiucro socioeconémico, sem ultrapassar a forma distrito. Consciéncia, classe social e localidade Sob 0 impulso de relagdes endogenas (as exis- tentes entre cultura, sociedade e economia lo- cais) e exdgenas (efeitos produzidos sobre o dis- trito pelos mercados, as sociedades e as culturas externas) em constante mutacéo, a organizagio da produgao e da estrutura social evoluem per- manentemente entre formas mais ou menos ca- pitalistas, quer se trate da parte da producéo realizada como trabalho assalariado, de uma integragdo vertical mais ou menos acentuada, do grau de concentracdo econémica e financei- ra, da natureza mais ou menos fordista ou neo- artesanal da organizagéo do processo produti- vo, etc. Correspondendo de forma bastante fluida a estas diferentes flutuacdes estruturais, € possivel detectar a emergéncia de pulsdes no sentido de uma tomada de consciéncia indivi- ual, ora de pertencer a uma dada classe social, ora de fazer parte de uma comunidade geogré- fica, Nao se verifica, como € ébvio, o fendmeno de identificagao com a empresa a que se assiste nas zonas onde domina a grande empresa. No distrito, o centro de gravidade desta nocao de identificagao coincide antes com o sentimento de pertencer & comunidade industrial local, vis- fa como fundamento da realizagio individual e familias, a que jé nos referimos antes como sen- do um importante elemento constitutivo do dis- trito. ‘Como limite possivel das flutuagdes acima mencionadas, pode imaginar-se a integragao vertical total do processo produtivo no seio de ‘uma tinica ou de varias empresas, susceptiveis de englobar simultaneamente empresarios pu- 10s e fabricantes intermédios (e de pér termo 20 trabalho domiciliério, bem como aos servicos externos a produgéo). Esta eventualidade daria sem davida origem a uma clara polarizago — ¢,logicamente, a uma divisao social e territorial — entre classes e camadas sociais. Inversamente, pode supor-se também uma desintegracio — chamemos-Ihe pés-moderna —do proceso produtivo, que acabaria por eli- minar todas as fases de transformacio no seio da empresa e conduziria a uma situagio de grande fluidez econémica e de mobilidade so- Gal. Nesta hipétese, cbteriamos uma espécie de ‘comunidade mercantil em que uma mirfade de micro-unidades de producéo, individuais ou fa- miliares, detentoras dos seus préprios instru- mentos de producéo, seria directamente coorde- nada por um grande grupo de empresdrios puros. Nesta hipétese académica, empresa e ac- tividade assalariada desapareceriam completa- mente. Mas, nas duas hipéteses que acabamos de contemplar, saimos do quadro do distrito industrial marshalliano. ‘A forma candnica do distrito marshalliano pode ser encarada como um meio termo entre as duas solugées extremas anteriores. O niicleo capitalista das actividades industriais realiza- das na empresa encontra-se aqui mergulhado no seio de uma rede de relagbes sociais essen- ciais ao seu funcionamento, mas que podem evoluir em vérias direccbes. 30 A HIPOTESE DOS DISTRITOS INDUSTRIAIS O futuro do distrito O facto de o distrito permanecer aberto a diver- sas evolugées possiveis deriva da coexisténcia instavel entre componentes socioculturais e pu- ramente econémicas,tantono seu seio como nas suas relagoes com o exterior. O mais dificil de reservar, num contexto em plena evolugao, ¢a correspondéncia permanente entre as condicdes socioculturais, técnicas e produtivas, por um ado, e, por outro, as ligadas ao mercado, dado ‘que a filosofia predominante no distrito é um factor particularmente complexo, que nao é hoje (esem daivida tao-pouco no mundo de amanha) possivel regular, pelo menos ao nivel local. Se olharmos para os distritos actualmente existen- tes, poderemos desde jé notar sintomas tenden- cialmente desintegradores dos seus sistemas institucionais, bem como dos sistemas de valo- res que os subtendem Dois sintomas de dificuldades evidentes da adaptacdo do distrito industrial as flutuagoes das condigoes exteriores, seriam o aumento do desemprego e a alteragio do récio entre criagbes e faléncias de empresas. Se os empresarios — tanto 0s puros como 0s outros — lideres de opiniao prognosticarem uma breve depresséo, desenhar-se- uma tendéncia mais acentuada para o desenvolvimento do trabalho ao domici- lio e a tempo parcial, paralelamente a uma de- gradacao do racio criagdes/faléncias de empre- ‘sas, que afectaré mais ou menos gravemente as diversas fases do processo produttivo. Se esses mesmos lideres de opiniao prognosticarem uma evolucio positiva a longo prazo, as flutuagoes externas, gracas a estrutura particular do distri- to, provocardo variagdes menos do que propor- cionais do rendimento das familias “tipicas” do distrito, bem como das quantidades globais do trabalho fornecido e das mercadorias produzi- das em todo o distrito. Se, em contrapartida, os lideres de opiniao previrem dificuldades duradouras, 0 ricio cria- (es /faléncias de empresas cai abaixo de 1 e 0 subemprego e o trabalho clandestino transfor- mam-s2 irequentemente em desemprego. Para além de determinado limiar, as faléncias de em- presas provocam uma reaccéo em cadeia ¢ os trabalhadores mais procurados de entre os que perderam os seus empregos decidem deixar 0 distrito, partindo em direccao a outros distritos cotta grandes empresas. Em certos casos, 0 valor da experiéncia e da capacidade produtiva ad- quirida ao longo dos anos (quer dizer, a autén- tica base produtiva do distrito) esbate-se e, em consequéncia, o sistema de valores ¢ a rede de instituigoes locais abrem brechas. Observagoes finals Foi com alguma relutancia que aceitei a publi- cacao destas reflexdes especulativas e ainda in- completas sobre o distrito industrial. Com efei- to, elas servern de trama a um corpo de ideias que desenvolvo nos meus seminarios, em Flo- renga ou noutros locais, e que modifico conti- nuamente em fungao das novidades na literatu- za, da investigagao e das discussdes que vou tendo com os meus colaboradores florentinos (Marco Bellandi, Gabi Dei Ottati e Fabio Sforzi) ‘ou com os meus interlocutores habituais sobre © “distritismo’, italiano ou outro. Até agora, 0 cardcter excepcionalmente extenso dessas nu- ‘merosas trocas intelectuais e 0 caracter provis6- rio daquilo que se pode escrever hoje, tém-me levado sempre a opor-me & sua publicacio. Devo alids referir que apareceram j&, aqui ¢ além, algumas antecipagdes parciais —e, evi- dentemente, diferentes — desta trama, sobretu- do como trabalhos de sintese dos semindrios anteriormente mencionados. Se acabei por acei- tar apresentar de maneira relativamente orde- nada as minhas — ou antes, as nossas — refle- xOes no seu actual estado de elaboracdo, foi porque me apercebi de que, dada a complexida- de e os miltiplos aspectos do problema, o seu cestudo exigia a contribuicdo de trabalhos simul- ‘taneos provenientes de diferentes escolas de in- -vestigacao e de andlise. O complexo de fendme- nos sociais aos quais — na esteira de Marshall — decidimes dar o nome de “distrito industrial” ‘ODISTRITO MARSHALLIANO 31 60 ponto de encontro e de intercambio de pro- cessos tradicionalmente estudados em analise econdmica, como por exemplo os mecanismos domercado e da acumulacdo capitalista, de pro- cessos que tém sido objecto de estudos sociolé- ic0s, tais como a socializacdo ou o desenvolvi- mento e a desintegracao das instituigdes sociais, ow ainda de processos que esto a cavalo nas duas disciplinas, tais como a divisao social do trabalho e a organizacdo do sistema produtivo. O estudo dos distritos industriais foi origina- riamente — e Marshall nao nos desmentiria — reservado as ciéncias econdmicas (para se abrir em seguida a disciplinas extra-econémicas), mas de maneira muito limitada e inadequada: basta recordar a nogdo muito marshalliana de atmosfera industrial". No entanto, jé no século pasado, emanava das ciéncias sociais um certo nimero de contribuigées Gteis & compreensio deste puzzle. Pense-se, por exemplo, na andlise de Tonnies sobre Gemeinschaft e Gesellschaft. Nao parece contudo estar para breve a simbiose das duas correntes de investigacao e de pensamen- to, o que nao deveré surpreender-nos, tendo em, conta as orientacbes tomadas por cada uma das, duas disciplinas. Mas, para todos aqueles que, como eu, esto convencidos de que o principal objecto dos nossos estudos — a saber, o homem em sociedade — deveré transcender a divergén- cia dos métodos, as sinergias entre socidlogos e economistas so ainda demasiado limitadas ¢ efémeras. Estou convencido de que o estudo do distrito industrial numa perspectiva interdisci- plinar € necessério— e constitui uma oportuni dade excepcional — para enriquecer 0 pensa- mento social no seu conjunto (caso contrario, passaremos a0 lado de muitos dos seus aspec- tos). Foi pelo menos esse 0 objectivo que me propus ao publicar estas poucas paginas inaca- badas: possam elas servir de catalisador das discussées entre economistas e sacidlogos (ou outras categorias de investigadores das ciéncias sociais), bem como ajudar-nos a compreender- nos melhor uns aos outros e ao que se passa no mundo.

También podría gustarte