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e So Equatorial |: v5 18 | jan/jun 2018 ISSN: 2446-5674 z T Aescrita contra a cultura Writing Against Culture Lila Abu-Lughod Joseph L. Buttenwieser Professor of Social Science Departamento de Antropologia Universidade de Columbia na Cidade de Nova York/NY 12310@columbiaedu Tradugio: ‘0 Cleiton Vieira Silva do Rego € mestre em Antropologia Social péla Universidade federal do Rio Grande do Norte cleiton.vsr@gmail.com Leandto Durazzo Doutorando em Antropologia Social pela Universidade federal do Rio Grande do Norte leandrodurazz0@gmail.com Revisao técnica: Lu(sa Valentini Dontoranda em Antropologia Social pela iniversidade de Sio Paulo ‘A Eserita da Cultura (CLIFFORD, MARCUS, (1986), coletinea que inscreveu uma nova ¢ profunda forma de ettica as premissas da antropologia cultural, de certa maneita deixou de lado dois grupos fandamentais, cujas posigées claramente expéem e desafiam as mais basicas de tais premissas: feministas e “mesticos/as” — gente cuja identidade nacional ou cultural é misturada em virtude de migracGes, formacSo educacional no exterior ou origens familiares!, Em sva introduc, Clifford (1986a) desculpa-se pela auséncia feminista; ninguém menciona mestigos/as ou antropélogos/as indigenas com quem se telacionam. Talvez no 4 fossem, a época, numerosos o bastante ou suficientemente autodefinidos como um grupo’. A importincia desses dois grupos nio reside em qualquer reivindicagéo de superioridade moral ou de primazia em seu fazer antropol6gico, mas nos dilemas especificos com que se deparam, Tais dilemas revelam, com perfeigéo, os problemas que surgem quando a antropo- logia cultural assume uma distingao fundamental entre si € 0 outro. Neste ensaio, exploro como feministas e mestigos/as, conforme suas priticas antro- poldgicas deslocam as fronteiras entre si ¢ o outro, petmitem-nos refletir sobre a natureza convencional ¢ os efeitos politicos dessa distingio, levando-nos ao ponto de reconsiderar © valor do conceito de cultura do qual tal distingao depende, Sugerirei que “cultura” opera no discurso antropoldgico para reforcar separagdes que inevitavelmente carregam sentidos hierirquicos. Desse modo, antropélogos/as devem buscar, sem esperancas exageradas de «que seus textos venham a mudar o mundo, uma vatiedade de estratégias pata esctevet contra a cultura, Para os interessados em estratégias textuais, analiso as vantagens daquilo que chamo de “etnografias do particular” como instrumento de um humanismo titico. Eus e Outros ‘A nogio de cultura (especialmente quando funciona para distinguir “culturas”), embo- +a ttl durante muito tempo, talvez tenha se tornado algo a que antropélogos/as poderiam se conttapor, em suas teorias, escritas ¢ priticas etnogrificas. Uma boa maneira para comecar a compreender 0 porqué disso ¢ considerar 0 que os elementos compartilhados das antropolo- gjas feminista e mestiga esclarecem sobre a distingio eu/outro, central ao paradigma antropo- légico. Marilyn Strathem (1985, 1987) evidencia alguns aspectos feministas que os ensaios de Clifford e Rabinow citam, em A Escrita da Cultura. Sua tese é de que a relacao entre antropo- logia ¢ feminismo é inadequada. Essa tese leva-a a tentar compreender por que as académicas feministas, apesar de sua tetética de tadicalismo, falharam em alterat fundamentalmente a antropologia, ¢ as razGes para 0 feminismo ter se beneficiado da antropologia ainda menos do que esta se beneficiou do feminismo. ‘A inadequagio, cla argumenta, surge do fato de que apesat do interesse comum nas difereneas, as priticas disciplinares de feministas ¢ antropélogos/as so “diferentemente es- truturadas nas maneitas que eles organizam o conhecimento e delimitam fronteitas” (STRA- THERN, 1987, p. 289) ¢ especialmente na “natureza da reladio dos pesquisadotes com seus objetos de pesquisa” (1987, p. 284). Académicas feministas, unidas por sua oposico comum 20s homens ou ao patriatcado, produzem um discurso composto de muitas vozes; elas “des- cobrem-se a si ao se tornarem conscientes da opressio causada pelo Outro” (1987, p. 289). Antropdlogos/as, cujo objetivo é “dar sentido as diferengas” (1987, p. 286), também se cons- tituem “a si” na relacio com um outro, mas nfo enxergam esse outro “sob ataque” (1987, p. 289), Ao enfatizar a relaco eu/outto, Strathern nos leva ao cetne do problema. Ainda assim, la se distancia da problematica do poder (formativa no feminismo) na sua reptesentagio tio estranhamente acritica da antropologia. Quando define a antropologia como uma disciplina que “continua a se considerar como o estudo do comportamento social ou da sociedade em termos de sistemas e representagdes coletivas” (1987, p. 281), ela subestima a distingao eu/ outro. Ao caracterizar a relacdo entre o eu antropoldgico e 0 outro enquanto algo nao confli- ‘oso, cla ignora seu aspecto mais fundamental. O objetivo mais declarado da antropologia pode ser “o estudo do homem [sic),”, mas ela é uma disciplina construida historicamente na divisio entre o Ocidente ¢ 0 niio-Ocidente. Tem sido ¢ continua a ser ptimariamente 0 estudo do outro nfo-ocidental pelo eu ocidental, mesmo que, em seu novo formato, procure explici- tamente dar voz a0 Outro ou apresentar um diflogo entte o eu ¢ 0 outto, seja textualmente, seja por meio de uma explicagao do encontro no trabalho de campo (tal como nos trabalhos de Crapanzano, 1980; Dumont, 1978; Dwyer, 1982; Rabinow, 1977; Riesman, 1977; Tedlock, 1983; e Tyler, 1986). E o relacionamento entre o Ocidente ¢ 0 nio-Ocidente, ao menos desde © nascimento da antropologia, tem sido constituido pela dominago ocidental. Isso sugere quea inadequagao que Strathern sente na relagao entre o feminismo ea antropologia pode ser melhor entendida como o resultado de processos diametralmente opostos de autoconstrucgio por meio da oposicao a outros sujeitos — processos que se originam em diferentes lados de uma divis6ria de poder. A forca duradoura do que Morsy (1988, p. 70) chamou de “a hegemonia da tradic&io do outro-distinto” na antropologia ¢ traida pela defensividade de excepdes parciais. Antrop6- logos/as que conduzem trabalho de campo nos Estados Unidos ou na Europa questionam se no terlam ctuzado os limites disciplinares entre antropologia ¢ outros campos tais como sociologia ou historia. Um modo de manterem suas identidades como antropdlogos/as € fazer com que as comunidades que estudam paregam-se “outras”. Estudar comunidades ét- nicas ¢ os desprovidos de poder assegura isso*. O que também ¢ assegurado ao se concentra- rem na “cultura” (ou no método holista nela baseado, como argumentou Appadurai [1988), como discutirei adiante. Hé duas questdes aqui. Uma ¢ a convicgao de que alguém nio pode set objetivo sobre sua propria sociedade, algo que afeta antropdlogos/as indigenas (ocidentais ra ou nio-ocidentais). O segundo é um entendimento ticito de que antropdlogos/as estudam o niio-Ocidente; mestigos/as que estudam suas proprias sociedades ou comunidades niio-oci- dentais relacionadas ainda sfio mais facilmente reconhecfveis como antropélogos/as do que ameticanos que estudam os americanos. Se a antropologia continua a ser praticada como o estudo de “outros” externos, fei- to por individuos ocidentais nio-marcados nem problematizados, a teoria feminista, pritica académica que também transita entre eus € outros, em sua hist6ria relativamente curta veio a compreender o perigo de tratar eus € outros como dados. E instrutivo para o desenvolvimen- to de uma critica da antropologia considerar a trajetéria que tem levado, em duas décadas, a0 que alguns podem chamar de uma crise da teoria feminista, enquanto outros, de desenvolvi- mento do pos-feminismo. Desde Simone de Beauvoir considera-se, ao menos no Ocidente moderno, que as mulheres tém sido 0 outro do eu masculino. O feminismo tem sido um movimento devo- tado a ajudar mulheres a se tornarem individuos e sujeitos mais do que objetos ¢ outros dos homens’. A ctise na teoria feminista (relacionada a uma ctise no movimento de mulheres) que se seguiu imediatamente as tentativas feministas de tornarem sujeitos aquelas que haviam sido constitaidas como outros — ou, para usar uma metéfora popular, que tentaram deixar as mulheres falarem — surgiu como o problema da “

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