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ISSN: 2595-4881

CURSO DE FORMAÇÃO EM PRÁTICAS INTERDISCIPLINARES E


INVESTIGATIVAS E AS PERCEPÇÕES INICIAIS DE RESIDENTES PEDAGÓGICOS
EM FORMAÇÃO SOBRE INTERDISCIPLINARIDADE E PESQUISA NO ENSINO

CURSO DE FORMACIÓN EN PRÁCTICAS INTERDISCIPLINARIAS Y DE INVESTIGACIÓN Y


PERCEPCIONES INICIALES DE RESIDENTES PEDAGÓGICOS EN INTERDISCIPLINARIDAD E
INVESTIGACIÓN EN EDUCACIÓN

TRAINING COURSE IN INTERDISCIPLINARY AND RESEARCH PRACTICES AND INITIAL


PERCEPTIONS OF PEDAGOGICAL RESIDENTS ON INTERDISCIPLINARITY AND RESEARCH IN
EDUCATION

Gisele Soares Lemos Shaw1

Resumo
Apesar da necessidade de investimento em formação interdisciplinar e investigativa de
estudantes de licenciatura há carência dessas discussões. Assim, propôs-se um curso de
formação em práticas interdisciplinares e investigativas para 25 licenciandos em ciências da
natureza que participam do Programa de Residência Pedagógica da Universidade Federal
do Vale do São Francisco (UNIVASF). A proposta do curso e as percepções iniciais de dez
desses participantes sobre interdisciplinaridade e da pesquisa no ensino são apresentadas.
Os dados foram coletados por questionários e analisados por análise de conteúdo. Apesar
de a maioria dos participantes entenderem a interdisciplinaridade como processo de junção
de disciplinas e confundirem a pesquisa no ensino como práticas investigativas realizadas
pelos alunos em sala de aula, eles afirmaram terem visto sobre interdisciplinaridade em seu
curso de licenciatura.

Palavras-chave: Formação de professores. Interdisciplinaridade. Pesquisa no ensino.

Resumen
Apesar de la necesidad de invertir en la formación interdisciplinaria e investigativa de los estudiantes
de pregrado, faltan estas discusiones. Por lo tanto, se propuso un curso de capacitación en prácticas
interdisciplinarias e investigativas para 25 estudiantes universitarios de ciencias naturales que
participan en el Programa de Residencia Pedagógica de la Universidad Federal de Vale do São
Francisco (UNIVASF). Se presentan la propuesta del curso y las percepciones iniciales de diez de
estos participantes sobre la interdisciplinariedad y la investigación docente. Los datos fueron
recolectados por cuestionarios y analizados por análisis de contenido. Aunque la mayoría de los
participantes entienden la interdisciplinariedad como el proceso de unir las disciplinas y confunden
la investigación en la enseñanza como prácticas de investigación realizadas por los estudiantes en
el aula, dijeron que vieron la interdisciplinariedad en su licenciatura.

Palabras clave: Formación docente. Interdisciplinariedad. Investigación docente.

1
Doutora em Educação em Ciências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora na
Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF).

Revista Cenas Educacionais, Caetité – Bahia - Brasil, v. 2, n. 2, p. 186-213, jul./dez. 2019.

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Abstract
Despite the need for investment in interdisciplinary and investigative training of undergraduate
students, these discussions are lacking. Thus, a training course in interdisciplinary and investigative
practices was proposed for 25 undergraduates in natural sciences participating in the Pedagogical
Residence Program of the Federal University of Vale do São Francisco (UNIVASF). The course
proposal and initial perceptions of ten of these participants on interdisciplinarity and teaching
research are presented. Data were collected by questionnaires and analyzed by content analysis.
Although most participants understand interdisciplinarity as the process of bringing disciplines
together and confuse research in teaching as investigative practices conducted by students in the
classroom, they said they saw interdisciplinarity in their undergraduate degree.

Keyword list: Interdisciplinarity. Research in teaching. Teacher training.

Introdução

Tem sido consensuado, na área de ensino, especificamente na subárea ensino de


ciências, a importância da formação docente interdisciplinar e investigativa. Esses dois
paradigmas formativos demonstram ser essenciais para formação de professores que
possam promover um ensino de ciências pautado no enfrentamento de problemas reais,
que deem significância aos conteúdos escolares, à medida que propiciem a construção de
conhecimentos, habilidades e atitudes nos estudantes. Entretanto, os cursos de formação
inicial de professores de ciências no Brasil carecem da efetivação dessas propostas.
De acordo com Morin (2000) é preciso educar para o enfrentamento da
complexidade da sociedade em que vivemos, pois a interdisciplinaridade pode promover
uma embate contra a cegueira intelectual em que vivemos, inclusive nas universidades
(FAZENDA, 1994; JAPIASSU, 1976). Nesse sentido, a educação por meio de propostas de
ensino interdisciplinares auxiliam nesse enfrentamento, à medida que proporciona ao
estudante de ensino superior a aquisição de conhecimentos e habilidades necessárias para
atuar em situações complexas, habilidades tais como o pensamento amplo, maior
tolerância à ambiguidade e da capacidade de integração e síntese (NEWELL; GREEN, 1982).
Também, a pesquisa no ensino auxilia na formação de professores em exercício ou
estudantes de licenciatura para lidar com problemas da complexidade dos processos de
ensino e aprendizagem (GARCIA; KRUGER, 2009; SILVA et al., 2012; MEDEIROS; GALIAZZI
2014; SANTOS et al., 2012) e no desenvolvimento de ações interdisciplinares
(AZEVEDO, 2014; GUIMARÃES et al, 2010; JORDÃO, 2005; SHAW, 2018). Por meio
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do processo de pesquisar no ensino é possível refletir sobre a aprendizagem dos


estudantes, problematizar, levantar hipóteses, reestruturar planejamentos de ensino,
experimentar soluções e buscar melhorias no processo de ensino e aprendizagem. Além
disso, a pesquisa no ensino favorece a colaboração e a negociação de relações disciplinares.
Apesar da importância da formação docente interdisciplinar e investigativa e de
prescrições desse tipo de formação em documentos oficias (BRASIL, 2012, 2013), os
professores afirmam não se sentirem preparados para trabalhar nessa perspectiva
(FAZENDA, 2011; JUNIOR; PUNTEL; FOLMER, 2015; THIESEN, 2008).
Assim, diante da necessidade e da importância de formar professores ou futuros
professores que saibam desenvolver práticas interdisciplinares (FAZENDA, 1994, 2008,
2009a, 2009b,2010, 2011, 2013) ou potencialmente interdisciplinares, além do papel da
pesquisa no ensino (DEMO, 2009; LÜDKE, 2012) foi desenvolvido um curso de capacitação
junto a 25 licenciandos em ciências da natureza da UNIVASF, Campus Senhor do Bonfim,
que atuam no programa de residência pedagógica e três professores que são seus
preceptores no mesmo programa, que possibilitasse instrumentalizá-los a refletir sobre o
fenômeno da interdisciplinaridade no ensino, conhecer propostas de práticas
interdisciplinares no ensino e adquirir conhecimentos e habilidades que propiciassem aos
mesmos desenvolver essas práticas (SPELT et al., 2009) durante a regência no programa e
posteriormente, no exercício da prática profissional docente.
Esse curso foi desenvolvido quinzenalmente, por meio encontros na UNIVASF,
Campus de Senhor do Bonfim, Bahia, de modo presencial, além de estudos em casa e
orientações a distância. O curso ocorreu de janeiro do ano de 2019 até janeiro do ano de
2020. Nesse encontros foram realizados seminários, discussões de artigos científicos,
planejamento e avaliação de propostas de sequências didáticas e planos de aula
potencialmente interdisciplinares e de pesquisa no ensino.
Nesse artigo serão apresentadas informações sobre o curso e analisadas percepções
iniciais, sobre interdisciplinaridade e pesquisa no ensino, apresentadas por dez desses 25
participantes do curso, por meio de respostas a questionário diagnóstico aplicado no início
do processo.
A seguir são apresentadas discussões acerca da formação interdisciplinar e
investigativas de licenciados em ciências da natureza, os caminhos do estudo que
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originou esse artigo e os resultados e análises iniciais, concernentes à percepções iniciais


dos participantes sobre interdisciplinaridade e pesquisa no ensino.

Formação investigativa e interdisciplinar no ensino superior

Pesquisas indicam relações intrínsecas entre a formação docente interdisciplinar e


por meio da pesquisa no ensino (AZEVEDO, 2014; JORDÃO, 2005; PIATTI et al., 2008;
PRESTES; SILVA, 2009; ROSA et al., 2003; SHAW; ROCHA, 2017; SHAW; FOLMER; ROCHA,
2017; SHAW, 2018). Essas relações favorecem a formação de professores e futuros
professores quanto a aquisição de saberes da docência e, especificamente, ao
desenvolvimento da capacidade de conectar saberes de campos distintos e de resolver
problemas. Alguns estudos recentes ilustram percepções de licenciados acerca da
interdisciplinaridade e da pesquisa no ensino.
Jordão (2005) investigou um processo de processo de pesquisação no estágio de
licenciandos dos quais era tutora. Segundo Jordão (2005) a pesquisa no ensino proporciona
o exercício da reflexão e, assim, auxilia o licenciando na conscientização sobre sua prática.
Nesse processo, o licenciando ressignifica saberes que possui e adquire novos saberes da
docência. A autora apontou que as reflexões fomentadas propiciaram aos licenciandos a
identificação de limites e possibilidades de articulação interdisciplinar, favorecendo o
exercício da interdisciplinaridade (JORDÃO, 2005).
Azevedo (2014) investigou as contribuições do estágio por pesquisa na formação
científica de sete professores que cursavam licenciatura em Física, Química e Ciências
Biológicas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM).
Esses docentes participaram de dois projetos, um denominado Comunidade Investigativa
de Ciências e o outro, o Projeto do Observatório da Educação (programa promovido pela
Coordenação de Pessoal do Ensino Superior (CAPES) em parceria com o do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP). A autora coletou
dados junto a esses sete professores por meio de gravações em áudio e vídeo, anotações
de campo, diários reflexivos e relatórios de estágio e os analisou por análise textual
discursiva.

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Azevedo (2014) indicou que os docentes participantes da pesquisa desenvolveram


estratégias diversas para trabalhar com seus estudantes no âmbito dos projetos, inclusive
desenvolver trabalhos interdisciplinares e, nesse percurso, por meio da pesquisa no ensino,
adquiriram conhecimentos e habilidades diversas, tais como conhecer seus estudantes,
trabalhar em grupo, ter flexibilidade, dialogar com seus alunos e desafiá-los (AZEVEDO,
2014).
Araújo e Alves (2016) apresentaram percepções de interdisciplinaridade de
participantes de curso de licenciatura em Ciências da Natureza da Universidade Federal do
Pampa, Campus Dom Pedrito. Os dados, coletados por meio de questionário com 30
discentes e seis professores do referido curso, foram analisados por Análise Textual
Discursiva, de Galiazzi e Moraes (2007).
De acordo com Araújo e Alves (2016), o curso de licenciatura que visa formação
interdisciplinar necessita desse tipo de formação para os professores formadores. No caso
tratado, os formadores possuem formações em áreas específicas, que dificulta a execução
das propostas. Esse processo deve começar pelo diálogo acerca que tipo de
interdisciplinaridade se pensa implementar no curso de formação, já que as perspectivas
dos professores formadores são diversas.
Shaw (2018) investigou as contribuições da pesquisa no ensino para a formação
interdisciplinar de licenciandos em ciências da natureza. Para isso, desenvolveu um trabalho
de pesquisação junto a doze licenciandas participaram de atividades de natureza
interdisciplinar, pautadas no protagonismo desses sujeitos como pesquisadores de seu
ensino. Um grupo de licenciandas (n=6) desenvolveu seu primeiro estágio em escolas dos
anos finais do ensino fundamental e por meio do desenvolvimento de oficinas pedagógicas
interdisciplinares, com estudantes da educação básica, mas na universidade. Outro grupo
de licenciandos (n=6), que cursavam a disciplina pedagógica Docência em ciências: cultura
escolar e cultura científica, desenvolveu oficinas pedagógicas interdisciplinares com
estudantes dos anos finais do ensino fundamental, em escolas e na universidade. Os dados
foram coletados por meio de questionários, produções dos licenciandos, relatórios de
estágio, aulas videogravadas, observação participante e entrevistas. A análise dos dados foi
feita por meio de análise de conteúdos e por análise textual discursiva.

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De acordo com Shaw (2018), houve alargamento das concepções de


interdisciplinaridade da maioria dos licenciandos, que passaram a abranger ideias de
interrelação de disciplinas e atitude interdisciplinar. A autora verificou que o estágio foi o
espaço mais adequado à formação interdisciplinar dos licenciandos e ao exercício da
pesquisa no ensino. Com esse estudo, a mesma autora compreendeu que a pesquisa no
ensino favoreceu a formação interdisciplinar dos licenciandos investigados e que esse
movimento é recíproco.
Cerqueira e Carneiro (2018) relataram percepções de 16 licenciandos em pedagogia
de universidade mineira que participaram das disciplinas de Fundamentos Teóricos e
Metodológicos e Prática Escolar em Ciências I e Fundamentos Teóricos Metodológicos e
Prática Escolar em Matemática I. Essas duas disciplinas foram trabalhadas juntas, buscando
um trabalho interdisciplinar com esses licenciandos. Os dados das percepções sobre
interdisciplinaridade desses participantes, a partir da experiência foram coletados por meio
de questionário e analisados por análise de conteúdo.
Segundo Cerqueira e Carneiro (2018), a experiência interdisciplinar vivenciada pelos
licenciandos permitiu que tivessem visão mais crítica do processo de ensino e
aprendizagem dos conteúdos científicos por meio da integração de diferentes áreas do
saber. Esses participantes destacaram que as ciências se relacionam e que pode haver
integração de conceitos e conteúdos por meio de trabalho com um mesmo tema. Para eles,
esse tipo de prática pode ser trabalhada na escola e pode romper com a fragmentação do
saber. O excesso de conteúdos trabalhados na escola foi apontado como ponto negativo
ao trabalho interdisciplinar. Ainda, Cerqueira e Carneiro (2018) indicaram que as respostas
dos licenciandos pontuaram que as práticas interdisciplinares podem partir de perguntas
dos estudantes e de questões de seu cotidiano.
Laurindo e Silva (2018) também investigaram concepções de acadêmicos, de um
curso de formação de professores em ciências naturais pautado na formação
interdisciplinar, da Universidade Federal de Ponta Grossa (UTFPR), localizada no estado do
Paraná. Os dados foram coletados por meio de questionário aplicado com 27 discentes
antes e depois do curso, que ocorreu entre dois meses em quatro encontros. O pré-teste
apontou que dos 27 alunos apenas 12 deles tinham tido alguma experiência interdisciplinar.
Mas, quando questionados sobre suas definições de trabalho interdisciplinar, 15
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estudantes indicaram que ele se constitui por atividades que envolvem mais de uma
disciplina, seis deles trataram o trabalho interdisciplinar como tema central que abarca
outras áreas e um aluno definiu esse trabalho como vivenciar duas coisas em uma. A grande
maioria dos estudantes (n=21) nunca leu texto ou livro sobre interdisciplinaridade, sendo
que os que afirmaram ter lido não o fizeram com autores de base da temática.
Nessa mesma pesquisa de Laurindo e Silva (2018), o pós-teste indicou que, dos 25
estudantes que o responderam, 12 deles afirmaram ter tido alguma experiência
interdisciplinar, o que converge com o observado no pré-teste, considerando que os dois
estudantes que não responderam tenham marcado “não” no pré-teste. Sobre definição de
atividade interdisciplinar, a maioria dos respondentes (n=22) afirmou que atividades
interdisciplinares são aquelas que envolvem várias pessoas e áreas. Sobre se já leram texto
acerca de interdisciplinaridade, nove deles afirmaram que sim, citando autores. Assim,
houve pequeno progresso nas concepções e leituras sobre interdisciplinaridade após a
realização do curso de formação interdisciplinar.
Lopes e Almeida (2019) analisaram limites e possibilidades para adoção da
interdisciplinaridade num curso de licenciatura em ciências naturais da Universidade
Federal da Bahia (UFBA). Os autores coletaram dados por meio de entrevistas
semiestruturadas realizadas com estudantes, professores, coordenadores e um
representante institucional.
Os resultados apresentados por Lopes e Almeida (2019) indicaram que o currículo
do curso investigado possui caráter mais generalista do que interdisciplinar. O pouco
envolvimento de docentes que compõe quadro de professores de outros cursos também
se mostrou como fator dificultador da formação interdisciplinar no curso, além de maioria
dos docentes serem bacharéis e desconhecerem um perfil de curso de licenciatura em
ciências naturais. Entretanto, os licenciandos são vistos como professores interdisciplinares
em potencial.
Além disso, Lopes e Almeida (2019) apontaram que o curso investigado é visto como
desvalorizado pelos participantes do estudo, tendo um mercado de trabalho incerto (maior
preocupação dos estudantes). Também foi apontado o conservadorismo institucional
como aspecto limitante do implementação de práticas inovadoras.

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Os estudos apresentados indicaram que apesar de experiências interdisciplinares no


processo de formação inicial de estudantes potencializarem sua formação interdisciplinar
o exercício desse processo não é fácil, tendo em vista a diversidade da formação docente
universitária, bastante disciplinar e que geralmente não oferece experiências que
relacionem disciplinas.
A seguir, aborda-se o delineamento do curso de formação interdisciplinar e
investigativa proposto e como foi realizada a coleta de dados sobre as concepções dos
licenciandos participantes acerca da interdisciplinaridade e da pesquisa no ensino.

Caminhos da pesquisa

Esse artigo resulta da análise das percepções iniciais sobre interdisciplinaridade e


pesquisa no ensino de dez licenciandos em ciências da natureza da UNIVASF, participantes
de programa de residência pedagógica. Esses licenciandos participaram de um Curso de
Formação de professores: práticas interdisciplinares e investigativas, realizado por sua
docente orientadora e autora desse trabalho. Será apresentada a estrutura do curso e as
concepções iniciais desses estudantes como ponto de partida de análise posterior dos
resultados desse processo.
O Curso de Formação de professores: práticas interdisciplinares e investigativas foi
desenvolvido na UNIVASF, Campus Senhor do Bonfim, com 25 licenciandos em ciências da
natureza e também com três professores de ciências, que são seus preceptores e que
fazem parte do Subprojeto Ciências, núcleo 8186 do programa institucional de residência
pedagógica. O curso foi desenvolvido na universidade de modo presencial, no campus de
senhor do Bonfim, e também à distância, por meio de estudos e orientações desenvolvidas
por meio das ferramentas digitais Whatsapp e correio eletrônico. Quinzenalmente,
ocorreram encontros presenciais com docente orientador e participantes, para realização
de estudos, seminários, discussões, organização, análise e avaliação de propostas didático-
pedagógicas potencialmente interdisciplinares e investigativas.
A proposta desse curso se justificou em três campos: profissional, acadêmico e
social. No âmbito profissional o curso se aliou a projeto de pesquisa, que foi aprovado pelo
comitê de ética da UNIVASF, intitulado “A interdisciplinaridade pesquisa no
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ensino de ciências: relações, limites e possibilidades” 2 . Nesse projeto são investigadas


possibilidades e limites de inter-relações entre a interdisciplinaridade e a pesquisa no ensino
na formação de dez licenciandos em ciências da natureza (que fazem parte do projeto de
residência pedagógica e aceitaram participar do estudo). A pesquisa abarca a produção e
validação de sequências didáticas investigativas e interdisciplinares pelos licenciandos
participantes e curso busca auxiliar na formação dos participantes para sua
instrumentalização de conhecimentos e habilidades necessárias ao desenvolvimento das
sequências didáticas interdisciplinares. Ao mesmo tempo, a proposta se adequa ao núcleo
de Ciências nº 6186 do subprojeto Ciências do programa de Residência Pedagógica da
UNIVASF, composto por 25 licenciandos, o qual propõs desenvolver sequências
pedagógicas interdisciplinares com estudantes da educação básica de escolas localizadas
nos municípios de Senhor do Bonfim e de Campo Formoso. Assim, o curso de formação,
recentemente finalizado, deu suporte à capacitação desses 25 licenciandos para o exercício
da docência em ciências na residência pedagógica.
No âmbito acadêmico, o referido curso deu suporte à referida pesquisa na área de
ensino de ciências e educação e ao Programa Institucional de Residência Pedagógica da
UNIVASF, contribuindo para o desenvolvimento tanto de práticas interdisciplinares, quanto
da pesquisa no ensino e em formação de professores ao mesmo tempo em que promoveu
formação dos licenciandos em formação inicial na instituição.
No campo social, a formação interdisciplinar buscou agregar conhecimentos e
habilidades aos licenciandos participantes, no que se refere à formação para o trabalho
interdisciplinar, investigativo e na aquisição de saberes da docência, de modo geral. Desse
modo, indiretamente, propiciou avanços no ensino de ciências para a educação básica, pois
os mesmos participantes estudantes de licenciatura serão futuros professores de ciências
da educação básica.

2
O projeto A interdisciplinaridade e a pesquisa no ensino de ciências: relações, limites e Possibilidades, segue
os parâmetros de ética na pesquisa conforme Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde, foi
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UNIVASF em 11 de Janeiro de 2019, inscrito no número
CAAEE 03143118.4.0000.5196.

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O curso teve duração de um ano, entre janeiro de 2019 e janeiro de 2020 e pode ser
compreendido a partir do conhecimento das seguintes etapas, expostas no quadro 1.

Quadro 1 – Etapas do Curso de formação em práticas interdisciplinares e investigativa s

Etapas Descrição das etapas


Foram propostas aulas dialógicas para que os participantes entendessem o que é
interdisciplinaridade, quando e como surgiu essa discussão, qual a diferença entre
interdisciplinaridade na pesquisa e no ensino, que eles conhecessem propostas de práticas
I. interdisciplinares na escola, que entendessem acerca da formação interdisciplinar de
professores, que conhecessem o que é e como trabalhar por meio da pesquisa no ensino, o que
são e como planejar sequencias didáticas investigativas. Essas aulas iniciais foram ministradas
por meio de leitura de textos, discussões, reflexões e seminários;
Os participantes produziram propostas de sequências didáticas investigativas e
interdisciplinares, com apoio de professores e/ou especialistas de áreas previstas em suas
II.
propostas, para ser aplicadas, por cada um deles, em seu momento de regência no âmbito do
programa de residência pedagógica nas escolas;
As sequências foram apresentadas e analisadas nos encontros de estudo por todos os
III. participantes, de modo a avaliar se poderia gerar de fato ação interdisciplinar, possibilidade de
melhoria, além de sua eficácia e viabilidade;
Após análise do grupo as sequências foram aprimoradas e reapresentadas, conforme sugestões
IV.
e reflexões;
As sequências foram aplicadas por cada participante, que coletaram dados referentes ao
V. diagnóstico inicial de concepções prévias de seus alunos além de coletarem dados sobre
aprendizagens dos mesmos por meio da sequência;
Os licenciandos organizaram os dados coletados e, a partir de estudos realizados em grupo sobre
VI. análise de conteúdo, analisaram os dados da aprendizagem de seus alunos, orientados pela
docente orientadora;
Cada participante apresentou resultados e considerações de suas experiências ao grupo,
trazendo os sucessos e dificuldades enfrentadas no processo pesquisa no ensino. Todo o grupo
VII.
refletiu, discutiu e contribuiu com cada experiência relatada, propiciando sugestões para a
manutenção ou reorganização da sequência analisada;
Cada participante apresentou sua produção, em comunicação oral e pôsteres em eventos
científicos na universidade e em feira realizada em praça pública, no município de Senhor do
VIII.
Bonfim, sob a orientação da coordenadora e auxílio de professores preceptores do programa de
residência pedagógica.

Fonte: Arquivo da autora.

O objetivo geral do curso foi promover interação entre ações de ensino, pesquisa e
extensão em educação em ciências por meio do desenvolvimento de estudos e de
sequências didáticas interdisciplinares investigativas com licenciandos em ciências da
natureza participantes do núcleo de ciências do programa de residência pedagógica. O
mesmo teve, como objetivos específicos: a) Refletir acerca da interdisciplinaridade no
ensino e suas relações com ensino de ciências; b) Discutir, junto aos demais

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participantes, sobre a interdisciplinaridade no ensino e sobre conhecimentos e habilidades


necessárias para o desenvolvimento de práticas interdisciplinares; c) Compartilhar, com
participantes, propostas de práticas interdisciplinares no ensino; d) Planejar, sequências
didáticas de ensino de ciências de natureza investigativa e interdisciplinar voltadas à
promoção da interdisciplinaridade; e) Proporcionar o desenvolvimento de habilidades de
planejamento, reflexão e cooperação entre os participantes envolvidos no curso; f)
Promover o acompanhamento do planejamento de sequências didáticas de ensino de
ciências que valorizem a investigação e a interdisciplinaridade com estudantes de escolas
de educação básica dos municípios de Senhor do Bonfim e Campo Formoso; g) Verificar,
junto aos licenciandos e professores participantes do curso a eficácia das sequencias
didáticas propostas junto aos estudantes das escolas; h) Promover a divulgação acadêmica
e científica dos achados referentes ao desenvolvimento de sequências didáticas de ensino
de ciências que proponham práticas potencialmente interdisciplinares; i) Contribuir com o
programa de Residência Pedagógica da UNIVASF auxiliando na formação interdisciplinar e
reflexiva de licenciandos em ciências da natureza; j) Subsidiar atividades de pesquisa do
projeto A interdisciplinaridade pesquisa no ensino de ciências: relações, limites e
possibilidades, por meio da formação dos licenciandos participantes.
Dez dos 25 residentes pedagógicos se dispuseram a ter suas concepções e práticas
didático-pedagógicas sobre interdisciplinaridade e pesquisa no ensino investigadas e
responderam a um questionário aberto do tipo pré-teste antes de iniciarem estudos no
curso e se dispuseram a ceder seus materiais de planejamento e ações para análise além de
cessão de entrevista e resposta a um questionário avaliativo do programa, realizados ao
final do processo. As questões do questionário pré-teste estão dispostas no quadro 2.

Quadro 2 – Perguntas do questionário de sondagem de concepções de licenciandos em ciências da natureza


sobre interdisciplinaridade e pesquisa no ensino.

Nº da
Questões
questão
1. O que significa interdisciplinaridade no ensino para você?
Você já desenvolveu ou participou de alguma ação interdisciplinar (seja especificamente durante
2. o curso de Licenciatura em Ciências da Natureza da UNIVASF/Campus Senhor do Bonfim ou em
outros espaços e momentos de sua vida)? Comente.

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3. É possível utilizar a interdisciplinaridade no processo de ensinar ciências? Como?

4. Existem vantagens ou dificuldades em trabalhar de modo interdisciplinar? Quais?

5. O que você sabe acerca de pesquisa na área de ensino?

6. É possível utilizar a pesquisa no ensino no processo de ensinar ciências? Como?

7. Você já participou ou desenvolveu alguma ação de pesquisa no ensino? Comente.

8. Existem vantagens ou dificuldades em trabalhar a pesquisa no ensino? Quais?


A interdisciplinaridade e a pesquisa no ensino se relacionam de algum modo para você?
9.
Comente.
Você considera que o curso de Licenciatura em Ciências da Natureza da UNIVASF/Campus
10. Senhor do Bonfim proporciona uma formação interdisciplinar ou de pesquisa no ensino?
Justifique sua resposta.
No Curso de Licenciatura em Ciências da Natureza da UNIVASF/Campus Senhor do Bonfim já foi
11. ou é proporcionado algum espaço de discussão sobre o tema interdisciplinaridade ou sobre
pesquisa no ensino? De que forma?
12. O que significa interdisciplinaridade no ensino para você?

Fonte: Arquivo da autora.

Os dados das respostas dos dez licenciandos foram transcritos e organizados num
quadro, em arquivo de texto e analisados por análise de conteúdo (BARDIN, 1977). Esse
material foi impresso e foram realizadas diversas leituras, de modo a destacar as principais
informações acerca de categorias de análise elencadas a priori a partir dos conteúdos das
perguntas do questionário. Posteriormente, as informações, organizadas nas categorias
pré-elencadas, foram transcritas e analisadas a luz da literatura selecionada. A seguir são
apresentados resultados e discussões sobre cada categoria de análise encontrada.

Resultados e Discussões

Os dados resultantes da análise das respostas dos dez licenciandos ao questionário


foram organizados em seis categorias: a) Percepções de interdisciplinaridade; b) Práticas
interdisciplinares; c) Percepções de pesquisa no ensino; d) Práticas de pesquisa no ensino;
e) Compreensão da relação entre interdisciplinaridade e pesquisa no ensino; f) A presença
da interdisciplinaridade e a pesquisa no ensino no Curso de Licenciatura em Ciências da
Natureza. O quadro 3 enumera essas categorias e subcategorias agregadas a cada uma
delas.

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Quadro 3- categorias e subcategorias de análise

Categorias Subcategorias
Percepções •
de Junção de duas ou mais disciplinas;
• Disciplinas trabalhando o mesmo conteúdo ou projeto;
interdisciplinaridade
• Comunicação, envolvimento, articulação disciplinar;
Práticas interdisciplinares • Não desenvolveu práticas interdisciplinares
• Acredita ter desenvolvido práticas interdisciplinares
Percepções de pesquisa no • Não explicou;
• Utilização de pesquisa pelos estudantes;
ensino
• Investigação de situações para melhorar ensino.
Práticas de pesquisa no
• O professor como investigador de sua prática;
ensino • Utilização de pesquisa pelos estudantes.

Compreensão da relação • Pesquisa ajuda a resolver problemas da interdisciplinaridade;


• Interdisciplinaridade ajuda a resolver problema de pesquisa no
entre interdisciplinaridade e ensino;
pesquisa no ensino • Interdisciplinaridade pode ser complemento de metodologia de
ensino.
A presença da
• Atividades desenvolvidas no âmbito das disciplinas;

interdisciplinaridade e a pesquisa no Organização curricular;
• Referência dos professores a conteúdos de outras disciplinas;
ensino no Curso de Licenciatura em
• Discussões em sala;
Ciências da Natureza • Não foi suficiente.

Fonte: Arquivo da autora.

A primeira categoria elencada na pesquisa, Percepções de interdisciplinaridade,


abordou como cada participante compreendia, na época da coleta de dados, sua definição
de interdisciplinaridade no ensino, sua percepção sobre a possibilidade de utilizar práticas
interdisciplinares no ensino de ciências e como entendia as vantagens e dificuldades do
trabalho interdisciplinar. Esses conhecimentos são importantes, já que para Spelt et al.
(2009), conhecimentos e experiências prévias com a interdisciplinaridade compõem o rol
de conhecimentos pressupostos para o desenvolvimento do pensamento interdisciplinar
no ensino superior (SPELT et al., 2009). Assim, a percepção de cada residente pesquisado
com esse fenômeno é um dos pontos de partida do trabalho formativo que precisa ser
realizado com cada um deles.

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A forma como os participantes compreendiam o que é interdisciplinaridade no


ensino é diversa. Três deles (RA, RC, RH)3 acreditavam que a interdisciplinaridade acontece
a partir da junção de duas ou mais disciplinas para trabalhar determinado conteúdo,
atividade ou projeto. Essa concepção está voltada a juntar, somar disciplinas, o que se
aproxima da ideia de multidisciplinaridade, em que ocorre a participação de disciplinas
diferentes numa proposta, sem que haja interação entre elas. Para Fazenda (1994), na
multidisciplinaridade há um processo de justaposição de disciplinas diversas ou integração
de conteúdos numa mesma disciplina, não há reciprocidade, trocas.
Três outros residentes pedagógicos (RB, RD, RG) indicaram que a
interdisciplinaridade no ensino ocorre quando disciplinas ou áreas do conhecimento
trabalham um conteúdo ou projeto que consiga envolvê-las ao mesmo tempo. Ou seja, o
conceito de tempo prevaleceu nesse caso, em detrimento da ideia de como esses
elementos devem participar do trabalho, se numa relação de troca ou não. Desse modo,
não fica claro se esses participantes tem percepções de interdisciplinaridade próximas da
multidisciplinaridade, já que não se pode definir se o envolvimento mútuo das disciplinas
ou áreas relatadas por eles envolveu ou não comunicação entre as mesmas. Para Fazenda
(1994) a relação de interdisciplinaridade envolve mutualidade, a colaboração entre
disciplinas diversas, envolve interação.
Os residentes RE, RF, RI, RJ explicaram o que seja interdisciplinaridade no ensino
emanando os termos comunicação, envolvimento, articulação, o que geram uma
perspectiva mais próxima da interdisciplinaridade, conforme ensinamentos de Fazenda
(1994). Também na pesquisa de Araújo e Alves (2014) a maioria dos estudantes e docentes
participantes entendeu a interdisciplinaridade a partir de um trabalho de ligação entre
disciplinas, que dialogam para desenvolverem conhecimento amplo.
Conforme RF, a interdisciplinaridade no ensino busca: “envolver várias disciplinas e
conteúdos e um assunto discutido em sala, fazendo-se um link entre os mesmos, apoiando
um ao outro, favorecendo o processo de ensino e aprendizagem por ambas as partes

3
As identidades dos participantes da pesquisa foram preservadas, assim atribuiu-se identificação por meio do
uso da letra R (representando a palavra Residente) junto a letra entre A e J.

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(professor e aluno)”. Essa perspectiva parece ser uma abordagem solitária da


interdisciplinaridade, em que um professor pode realizar esse trabalho sozinho, por meio
do ato de relacionar conhecimentos de disciplinas diversas em sua aula. No caso tratado
por Araújo e Alves (2014), a maioria dos docentes compreendeu a prática interdisciplinar
como aquela que ocorre pela passagem por várias áreas do conhecimento, ainda que esse
processo seja realizado por um único professor. A possibilidade de realização solitária de
um trabalho interdisciplinar no ensino não é desacreditada, entretanto, não é corriqueiro
que um mesmo professor detenha conhecimentos em áreas distintas, o que tem sido
afirmado por alguns estudiosos da interdisciplinaridade, tal como Raynaut (2011).
Todos os residentes afirmaram ser possível ensinar ciências de modo interdisciplinar,
sendo que o modus operandi de consecução foi diversificado. Dois deles (RA e RJ)
mencionaram a possibilidade de realização de atividades na escola, que pudessem ser
avaliadas por professores de duas disciplinas ou mais. De acordo com essa proposta, cada
docente avaliaria aspecto condizente com sua área. Essa proposta já traz uma
fragmentação, no que tange a divisão do que deve ser avaliado ao invés de uma construção
provinda de diferentes contribuições, ainda que gere o benefício de um trabalho
colaborativo, uma tentativa de prática interdisciplinar. Seria preciso analisar se houve
interação disciplinar para avaliar a atividade com precisão.
Os demais participantes trouxeram diferentes formas de trabalhar disciplinas, seja
por meio de aulas de campo (RB); projetos envolvendo contribuições disciplinares – que
podem resultar em propostas interdisciplinares ou multidisciplinares (RD); feiras de ciências
(RE); atividades temáticas (RF); metodologia de resolução de problemas (RG); abordagem
de mesmo assunto por diferentes disciplinas (RH) - o que geralmente se relaciona a
proposta multidisciplinar; uso de literatura para ensinar ciências (RI) - que traz a dicotomia
conteúdo x método, usar os métodos de uma disciplinar para trabalhar conteúdos de
outras.
Sobre a mencionada dicotomia conteúdo x método, Japiassu (1976) apontou que a
interdisciplinaridade envolve a relação de conteúdos, métodos, linguagens e pressupostos
de diferentes disciplinas. Contudo, é preciso considerar a necessidade de interrelação, de
envolvimento disciplinar, suplantando a ideia de soma, de junção. Afinal de contas, Fazenda

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(1994) deixou claro que a integração disciplinar é pressuposto para a interdisciplinaridade,


o que converge com os ensinamentos de Japiassu (1976).
Todos os participantes afirmaram acreditar que a interdisciplinaridade no ensino é
uma proposta positiva, apesar de haver dificuldades inerentes a sua operacionalização.
Foram atribuídas diversas vantagens de trabalhar a interdisciplinaridade no ensino, desde
o estímulo à motivação dos alunos e a interação entre professor e estudantes (RA, RF, RH),
a integração de conhecimentos como favorecedora da aprendizagem (RB, RD, RE) e a
melhoria do entendimento/compreensão dos assuntos, auxiliando na aprendizagem dos
estudantes (RC, RG, RI, RJ). Na pesquisa de Cerqueira e Carneiro (2018), os licenciandos
participantes também apontaram a viabilidade de práticas interdisciplinares e, por meio do
trabalho interdisciplinar realizado por seus professores, responsáveis por diferentes
disciplinas, puderam perceber possibilidades de relacionar matérias. Ainda, esses
licenciandos indicaram que o trabalho interdisciplinar é facilitador do processo de ensino e
aprendizagem (CERQUEIRA; CARNEIRO, 2018).
Como dificuldades inerentes ao trabalho de interdisciplinaridade no ensino foram
apontadas principalmente as seguintes: falta de conhecimento de disciplinas diversas;
necessidade de superação do ensino tradicional; necessidade de dispor esforço, tempo
e/ou dedicação e individualismo. Segundo RC e RH, há o costume de muitos professores em
trabalhar de modo tradicional, há muitos anos, o que dificulta os acordos entre as partes.
Essa afirmação remete ao trabalho de Lopes e Almeida (2019), que pontuaram dificuldades
da adoção da interdisciplinaridade no curso de ciências naturais na UFBA. Segundo esses
autores, a UFBA possui uma cultura que favorece a fragmentação e o isolamento, pois as
progressões docentes são mais pontuadas pelas produções científicas individuais do que
por trabalhos colaborativos. Assim, os hábitos arraigados nas práticas docentes não
favorecem o trabalho interdisciplinar, que geralmente é desenvolvido de modo
coletivo/colaborativo.
O residente RE destacou a importância de os participantes de um projeto
interdisciplinar disporem esforço, dedicação e tempo no desenvolvimento da proposta,
que deve envolver professores de áreas distintas. RG indicou que esse tipo de trabalho
torna o ensino mais dinâmico, eficaz e requer mais planejamento. Para RH, esses esforços
no ensino se referem principalmente à superação do comodismo instituído nas
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escolas, que insistem em permanecer com velhas práticas. Ainda em referência a Lopes e
Almeida (2019), a maioria dos representantes institucionais participantes indicou o
conservadorismo institucional e a organização curricular como os maiores entraves à
implementação da interdisciplinaridade no curso de ciências naturais. Assim, diante do
cenário institucional de universidades brasileiras, as práticas interdisciplinares e
investigativas podem ser apontadas como inovadoras, apesar das discussões referentes às
mesmas já datarem de décadas.
A segunda categoria, Práticas interdisciplinares, trouxe informações sobre se os
participantes já se envolveram ou participaram de ações interdisciplinares durante o curso
de licenciatura em ciências da natureza. Dos respondentes, apenas dois afirmaram não ter
tido contato com práticas interdisciplinares.
Oito residentes afirmaram já ter participado de práticas interdisciplinares no
decorrer do curso. Dentre eles, metade (RA, RE, RI, RJ) mencionou que teve contato com
atividade interdisciplinar a partir de participação em atividade envolvendo as disciplinas
Estágio I e Evolução. Nessa proposta, os estudantes elaboraram planos de aula que foram
apresentados a banca composta pelas professoras formadoras das disciplinas Estágio e
Evolução, que avaliaram, respectivamente a metodologia e o conteúdo abordados na
proposta. Não é possível avaliar o caráter interdisciplinar dessa referida atividade apenas
pelos relatos dos estudantes nos questionários. Apesar de a proposta ter sido programada
como ação interdisciplinar, seria preciso avaliar o nível de envolvimento e interrelação das
duas disciplinas e dos docentes envolvidos para a consecução da proposta, além do ganho
geral resultante do trabalho à aprendizagem dos estudantes e, particularmente de cada
disciplina individualmente. De modo geral, a avaliação de aspectos separados do plano de
aula aponta para a divisão de olhares e tarefas, o que ocorre em propostas
multidisciplinares. Entretanto, como referido anteriormente, seria preciso entender o
processo de construção dos planos de aula, as trocas estabelecidas, sobre o quanto cada
disciplina contribuiu ou não para a resolução do problema de produção do plano e como
esses conhecimentos puderam ser articulados.
Outros quatro residentes que afirmaram terem se envolvido em atividades
interdisciplinares mencionaram que participaram de atividades interdisciplinares no curso
em situações distintas, que foram: participação em projeto interdisciplinar de
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leitura no âmbito da disciplina acadêmica Resolução de problemas (RC); realização de


atividades interdisciplinares no ensino a partir de orientações que obteve em curso normal
a nível médio (RF); atuação no Centro Juvenil a partir da produção de oficina pedagógica
de inglês e Pepakura (RG) e participação em gincana escolar durante regência de estágio
(RH).
Esse contato dos licenciandos com ações interdisciplinares, ou potencialmente
interdisciplinares, nos dá elementos positivos com relação ao curso de ciências da natureza
da UNIVASF. Na pesquisa de Laurindo e Silva (2018), a maioria dos estudantes afirmou
nunca ter tido experiência interdisciplinar. Além disso, a grande maioria deles indicou nunca
sequer ter lido texto ou livro que tratasse sobre a temática.
Do mesmo modo, Lopes e almeida (2019) mostraram que o curso de licenciatura em
ciências naturais da UFBA possui currículo considerado mais generalista que
interdisciplinar, além de a instituição ter a referida cultura de fragmentação do saber.
Segundo esses autores, os problemas do curso acabam desestimulando os estudantes e
gerando evasão ou transferência interna para outros cursos na área da saúde, na qual se
encontra a lotação do curso de ciências naturais nessa universidade.
A terceira categoria encontrada nos dados foi Percepções de pesquisa no ensino.
Essa categoria apontou as percepções dos residentes do que seja pesquisa no ensino, se
existem vantagens e/ou dificuldades em trabalhar desse modo e também se é possível
realizá-lo.
Sobre as percepções de pesquisa no ensino observou-se que metade dos
participantes não chegou a trazer definição do que seja a mesma (RA, RB, RD, RI, RJ).
Dois deles trouxeram elementos do que pensam estar envolvido nesse processo:
situação em que o aluno investiga a informação, diferente do ensino tradicional (RC) e
atividade em que o aluno se aprofunde em assuntos de seu interesse (RC, RE). Para esses
dois residentes, a pesquisa no ensino não está ligada ao professor enquanto pesquisador
de sua prática pedagógica, e sim à proposta de ensinar por meio de pesquisa realizada pelos
estudantes da escola, em sala de aula.
Já os estudantes RF, RG e RH trouxeram concepções que se relacionam à proposta
de pesquisar no ensino. Assim, apenas esses três residentes pedagógicos possuem
percepções que se relacionam com o processo de pesquisa no ensino conforme
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literatura abordada nesse artigo, trazendo a perspectiva do professor como pesquisador


de sua prática e favorecedor da aprendizagem de seus estudantes. De acordo com RF,
pesquisa no ensino “É uma forma de investigar as situações do local, para poder construir
técnicas ou práticas necessárias para melhorar situação de ensino, adaptando ou
atualizando”.
Todos os participantes afirmaram haver vantagens em trabalhar a pesquisa no ensino,
apesar de alguns deles demonstrarem dificuldades em explicar ou afirmaram não saber
fazê-lo (RB). Quatro deles (RA, RC, RE, RJ) indicaram que ensinar por meio da pesquisa no
ensino promove ampliação de conhecimentos, torna o ensino mais interessante e promove
mais aprendizagem. Os participantes RF e RG indicaram que esse tipo de metodologia
promove a atualização do professor que precisa superar metodologias tradicionalmente
utilizadas.
Dois residentes mencionaram dificuldades em trabalhar a pesquisa no ensino, sendo
que RD tratou do comodismo dos professores em modificar suas práticas de ensino e RI
mencionou o desconhecimento do sentido real de pesquisa (mas não explicou o que
significa isso).
De fato, a maioria dos residentes demonstraram não entender o sentido de pesquisa
no ensino. Eles não perceberam que a pesquisa no ensino significa o ato do professor ser
pesquisador de sua própria prática pedagógica, investigando seu ensino e a aprendizagem
de seus alunos. Assim, apesar de pontuarem o desconhecimento de professores em realizar
esse processo, a maioria dos participantes também mostraram não conhecê-lo.
Sobre a quarta categoria de análise, Práticas de pesquisa no ensino, foi possível
perceber que os três residentes que demonstraram percepções de pesquisa no ensino que
se relacionam à ideia de professor investigador de sua prática (RF; RG, RH), um deles (RH)
apontou não saber como fazer isso. Outros dois explicaram suas ideias indicando que o
ensino de ciências por meio da pesquisa no ensino é realizado a partir da investigação de
metodologias que favoreçam o processo de ensino e aprendizagem dos estudantes em
ciências.
Também, os dois residentes que confundiram a pesquisa no ensino com o processo
de ensinar por meio da pesquisa (RC e RE) mantiveram suas percepções explicando que a
pesquisa no ensino é realizada a partir da utilização de metodologias que levam
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os estudantes à busca de conhecimento. RE mencionou experiência no estágio, em que


trabalhou prática investigativa com seus estudantes:

Durante o meu estágio curricular na turma do 9° Ano eu solicitei que os alunos


observassem o fenômeno da evaporação de uma mistura (água + cloreto de
sódio). Em grupo, pedi que eles levantassem hipóteses para o que ocorreu no
experimento, depois eles leram o capítulo do livro que falava sobre este tipo de
separação de misturas homogêneas. Logo depois eles descartaram as hipóteses
falhas e socializaram em sala a sua melhor hipóteses para o que tinha acontecido
com a mistura.

Do mesmo modo, os demais participantes (RA, RB, RD, RI, RJ), apesar de não terem
demonstrado entender o que seja a pesquisa no ensino, também apontaram que a mesma
é realizada por meio do envolvimento dos estudantes em atividades investigativas, que
promovam a reflexão, a construção do conhecimento, numa conexão teoria-prática.
A despeito de a pesquisa no ensino auxiliar no desenvolvimento de conhecimentos
e habilidades importantes ao exercício da docência (JORDÃO, 2005; AZEVEDO, 2014), é
importante que haja o entendimento de todo processo realizado, inclusive da compreensão
do que seja a pesquisa no ensino. Conforme Jordão (2005), a pesquisa no ensino promove
o processo reflexivo-compreensivo do licenciando no decorrer de seu estágio. É preciso que
esse processo seja consciente para o licenciando, já que envolve a reflexão não somente no
ato de planejar, mas também durante e processo de ensino-aprendizagem e a partir dele.
A quinta categoria, Compreensão da relação entre interdisciplinaridade e pesquisa
no ensino, envolveu o entendimento dos participantes de como a interdisciplinaridade e a
pesquisa no ensino podem estar ligadas. As opiniões dos participantes foram diversificadas,
articulando pesquisa e interdisciplinaridade de diferentes formas.
Para RA, a pesquisa propicia a busca pelo conhecimento, que pode ajudar no
trabalho interdisciplinar, o que também foi apontado pelos estudantes RB, RF, RE e RJ, que
afirmaram que a pesquisa no ensino auxilia na elaboração da proposição de prática
interdisciplinar. Já o estudante RI entendeu que a interdisciplinaridade é que pode auxiliar
no desenvolvimento de pesquisas, já que o trabalho interdisciplinar envolve a articulação
de diferentes áreas do conhecimento e auxilia na contextualização do problema. Também,
os estudantes RC e RH trouxeram a importância de possíveis contribuições tanto da
interdisciplinaridade quanto da pesquisa para a resolução de problemas. Apesar
de RH não ter explicado sobre isso, RC respondeu que “[...] se busca com a
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pesquisa resolver algum problema com o conhecimento interdisciplinar, ou seja, utilizando


de informações de mais de uma disciplina”.
O estudante RG apontou que a interdisciplinaridade pode complementar
metodologia de ensino, que no caso seria de pesquisa no ensino. Talvez sua concepção
esteja voltada, como afirmou RI, à ideia de que a interdisciplinaridade pode ajudar na
pesquisa. Um residente participante não respondeu sobre essa questão (RD).
Autores tais como Azevedo (2014) defenderam que a pesquisa no ensino,
especialmente a promovida por meio do estágio em curso licenciatura pode proporcionar
abordagem de ensino integrada, que favorece o trabalho interdisciplinar. Também, Jordão
(2005) afirmou que a pesquisa no ensino favorece aos licenciandos a tomada de consciência
sobre as possibilidades de articulação de conhecimentos disciplinares. De acordo com Shaw
(2018), há uma relação de retroalimentação entre a pesquisa no ensino e a
interdisciplinaridade no ensino, pois existe favorecimento mútuo no exercício desses dois
processos.
A sexta e última categoria de análise, A presença da interdisciplinaridade e a
pesquisa no ensino no Curso de Licenciatura em Ciências da Natureza, indicou se os
estudantes acreditavam, na época da coleta de dados, se o curso de licenciatura em ciências
da natureza proporciona a formação interdisciplinar e por meio da pesquisa no ensino e se
eles já tiveram espaço de discussão sobre esses temas durante o curso. Para essa categoria,
foram encontradas respostas no âmbito de cinco subcategorias: Atividades desenvolvidas
no âmbito das disciplinas; Organização curricular; Referência dos professores a conteúdos
de outras disciplinas; Discussões em sala; Não ou insuficiente. As respostas de alguns
participantes se enquadraram em mais de uma subcategoria.
Os estudantes RA, RD e RE mencionaram que são desenvolvidas atividades
interdisciplinares no âmbito das disciplinas acadêmicas, ainda que professores trabalhem
com metodologias diferentes. Segundo RA esses trabalhos são realizado no âmbito do
estágio curricular e na residência pedagógica. Para RD o curso dá ferramentas para que o
estudante adquira a formação interdisciplinar e que a pesquisa no ensino é tratada por meio
de palestras, oficinas e aulas de estágio. Conforme o participante RE existem disciplinas que
trabalham com a pesquisa, tal como a de Ecologia e outras que trabalham a
interdisciplinaridade, tal como a disciplina Resolução de Problemas.
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No caso tratado por Lopes e Almeida (2019) apesar da cultura institucional arcaica e
do currículo do curso de ciências naturais da UFBA não propiciar a interdisciplinaridade, os
licenciandos são considerados professores interdisciplinares em potencial e suas
oportunidades de exercer a integração de saberes depende de ações formativas
complementares, tais como a participação de atividades no âmbito do Programa de
Iniciação à Docência (PIBID). Desse modo, é possível perceber que apesar de dificuldades
curriculares e institucionais, espaços diversos podem ser palco de ações interdisciplinares e
locais formativos, seja no âmbito de projetos, palestras, cursos ou estágio.
Para alguns estudantes (RB, RE, RI, RJ) a organização curricular do curso de
licenciatura em ciências da natureza favorece a interdisciplinaridade, dada a interrelação
entre as disciplinas da matriz curricular. Além disso, os estudantes RG, RI e RJ mencionaram
que professores formadores realizam discussões em classe sobre interdisciplinaridade e
levantam a proposta de trabalhar com essa abordagem. Essas assertivas que favorecem o
curso de licenciatura em ciências da natureza da UNIVASF não ocorrem com o curso de
ciências naturais da UFBA, conforme já mencionado (LOPES; ALMEIDA, 2019).
O estudante RF indicou que professores realizam a interdisciplinaridade quando
fazem referências em suas disciplinas a conteúdos trabalhados em outras disciplinas. O
mesmo estudante apontou que a interdisciplinaridade foi mencionada por uma docente
formadora e que práticas interdisciplinares foram propostas e no âmbito do estágio e da
residência pedagógica. Essa disposição de professores formadores se empenharem
buscando discutir acerca da interdisciplinaridade ou de desenvolver práticas
potencialmente interdisciplinares são positivas no curso de ciências da natureza da
UNIVASF. Na pesquisa de Araújo e Alves (2014) os professores afirmaram não se sentir
confortáveis em ultrapassar sua área disciplinar e os estudantes demonstraram
preocupação com a possibilidade de seus professores formadores não conseguirem agir
interdisciplinarmente. No curso de ciências naturais da UFBA, um pequeno grupo de
docentes de fato pertencem a esse curso, que é considerado desvalorizado na instituição
(LOPES; ALMEIDA, 2019).
Outros dois estudantes pesquisados acreditam que o curso de licenciatura em
ciências da natureza da UNIVASF não trabalha com propostas de interdisciplinaridade e
pesquisa no ensino (RH) ou que o faz de modo insuficiente (RC). Para RH, a
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interdisciplinaridade e a pesquisa no ensino não foram trabalhadas no curso, mas houve


espaços para discuti-las em reuniões do programa de residência pedagógica e no estágio.
Tanto no caso de Araújo e Alves (2014) quanto na pesquisa de Lopes e Almeida (2019), tendo
em vista todas as dificuldades da prática interdisciplinar nos cursos de ciências naturais em
que atuam, os professores formadores acreditaram que seus licenciandos é que se
constituem potenciais docentes interdisciplinares.

Considerações finais

Apesar de haver necessidade de formação interdisciplinar e investigativa de


estudantes de licenciatura em ciências da natureza e professores de ciências esse
movimento ainda não é corriqueiro no Brasil. Nesse artigo foi apresentado curso de
formação em práticas interdisciplinares e investigativas realizado na UNIVASF, no campus
de Senhor do Bonfim, com licenciandos em ciências da natureza que fazem parte de
programa de residência pedagógica. Também foram analisadas percepções prévias de dez
desses licenciandos sobre interdisciplinaridade e pesquisa no ensino, logo no início do
curso, coletadas por meio de questionário de sondagem.
Observou-se que apesar de todos licenciandos afirmarem ser possível e vantajoso
utilizar práticas interdisciplinares no ensino, apenas quatro deles relacionaram a
interdisciplinaridade à interação entre disciplinas. A maioria deles apresentou percepções
de interdisciplinaridade voltadas à ideia de juntar disciplinas. Mesmo assim, oito desses
licenciandos afirmaram ter participado de práticas interdisciplinares durante o curso de
ciências da natureza, o que nos leva e entender que as práticas vivenciadas, potencialmente
interdisciplinares, não foram suficientes para levá-los a entendimento de
interdisciplinaridade conforme literatura.
Sobre entendimento dos participantes sobre pesquisa no ensino, metade deles não
trouxe definição e, dentre os que trouxeram, apenas três licenciandos entenderam a
pesquisa no ensino como prática realizada pelo professor de pesquisar seu ensino e a
aprendizagem de seus estudantes. Outros dois licenciandos associaram pesquisa no ensino
a atividades investigativas desenvolvidas pelos alunos das escolas, em classe.

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Sobre possíveis relações entre interdisciplinaridade e pesquisa no ensino metade


dos participantes afirmou que a pesquisa auxilia no desenvolvimento de práticas
interdisciplinares, um deles indicou que é a interdisciplinaridade que ajuda na pesquisa e
outros dois entenderam a reciprocidade de ajuda entre interdisciplinaridade e pesquisa no
ensino.
Ainda, enquanto dois licenciandos acreditaram que o curso de licenciatura em
ciências da natureza não ajuda na formação interdisciplinar e para pesquisa no ensino de
seus estudantes, a maioria deles afirmou que o curso possui diversos mecanismos que
ajudam principalmente na formação interdisciplinar.
Apesar de a maioria dos participantes terem demonstrado não relacionarem a
interdisciplinaridade à interrelação entre disciplinas, que é pressuposto trazido por
estudiosos da área, todos reconheceram a importância dessas práticas e a maioria
reconheceu que o curso de licenciatura em ciências da natureza busca promover discussões
ou práticas interdisciplinares (ou potencialmente interdisciplinares). Ainda, a minoria dos
participantes entendeu a pesquisa no ensino, apesar metade deles reconhecer que a
mesma auxilia no desenvolvimento de práticas interdisciplinares.
A partir dos dados analisados percebe-se a potencialidade do curso de licenciatura
em ciências da natureza da UNIVASF, campus Senhor do Bonfim, em trabalhar a formação
interdisciplinar e investigativa de seus estudantes. O curso de formação apresentado é visto
como um dos elementos que auxiliam esse processo. Entretanto, é preciso realizar
discussões sobre o currículo desse curso e a operacionalização do mesmo no âmbito do
colegiado, de modo a potencializar mais práticas interdisciplinares e de pesquisa no ensino
no âmbito do mesmo.
Essas análises contribuem com estudos sobre interdisciplinaridade no ensino e
formação de professores de ciências, trazendo reflexões sobre o andamento desses
estudos em universidade brasileiras e pontuando possibilidades a partir de olhar sobre o
curso formativo apresentado e de percepções de licenciandos em ciência das natureza da
UNIVASF. Que esses dados gerem propostas de repensar currículos de cursos de
licenciatura em ciências que sejam articulados a partir da interdisciplinaridade e da pesquisa
no ensino, tendo em vista possibilitar formações de professores de ciências no Brasil menos
simplistas e mais reflexivas.
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24782008000300010.

Artigo recebido em: 15 de outubro 2019

Aprovado em: 20 de dezembro 2019

SOBRE A AUTORA

Gisele Soares Lemos Shaw é professora pesquisadora com experiência em


educação/ensino, com ênfase em Ensino de Ciências, atuando principalmente nos seguintes
temas: Autismo, Didática, Ensino de Ciências, Formação de professores,
Interdisciplinaridade. É líder do Núcleo de Pesquisa Educação em ciências – NPC
(http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/47906).

Contato: giseleshaw@hotmail.com

Orcid: 0000-0001-5926-2679

Revista Cenas Educacionais, Caetité – Bahia - Brasil, v. 2, n. 2, p. 186-213, jul./dez. 2019.

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