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Memoria da Independéncia: Marcos e Representagoes Simbélicas RESUMO Este artigo procura resgatar 0 sentido histérico des aconrecimentos gue definiram o Sete de Setembro como 0 marco fundante da navionalidade brasileira, Nesse sentido, analisa a dimensda simbélica da construgdo dessa memiria, buscando idensificur, na forma de sua representaciio ¢ asravés-da endlise critica de documentagio referente e das interpretugdes historiagrificas, as can- dicionantes politicos que encaminharam « definigau do Grito do Ipiranga como e ato inconteste de proclamacdo da Inde~ pendéncia de Brasil Maria de Lourdes Viana Lyra* ABSTRACT This paper seeks to recover the histarical meaning of the facts that esta- blished the 7 af September as the main milestone of the foundation of the Brazi- lian nationality. The symbolic dimensions of the construction of this memorial date are analyzed, antempting to identify, through a critical analysis of the con- cerned dacuments und of the histo~ ringraphical interpretations. the political conditionings which led to the definition of the “Grito do Ipiranga” as the un- chaillengeable act of proclamation of the independence of Brazil . Em estudo anterior sobre os elementos definidores do processo de formagao do Estado mondrquico imperial no Brasil, destacamos 0 caréter utépico do projeto politico elaborado, desde finais do século XVII, pelo reformismo ilustrado luso-brasileiro com 0 objetivo de, a pactir das imen- sas potencialidades do Brasil, fundar um poderoso império portugués, considerando seus dominios no lado ocidental do Atlantico. Nesse estudo, observamos o quanto a particulatidade da vinculagdo Brasil/Portugal, no contexto das relagdes coloniais, influiu no cardter diferenciado do proces- so de Independéncia da América portuguesa em relagdo aos outros mode- los de independéncias coloniais ¢, conseqiientemente, na génese da nova nacionalidade - a brasileira. Percebemos, enti, que a adogao inicial de um modelo emancipador - que nfo implicava ruptura com a “mde-pd- trig”, pelo contrério, baseava-se no pressuposto da unidade nacional luso- brasilica - resultou no encaminhamente de uma politica de aproximagao, e *Professora da Universidad: Federal do Rio de Janeire. Rev. Bras. de Hist. | §. Paulo | v.15,n°29 | pp. 173-206 1995 nao de rejeigao, entre os dois mundos e, ainda, o quanto este movimento. singular influiu no desenvolvimento do Processo de construgao da ordem nacional brasileira. Alguns pontos foram entio ressaliados como merecedores de um estudo mais apurado dessa conjuntura inicial da histéria nacional, para melhor apreensdo do conhecimento sobre os elementos constitutives da sociedade brasileira. A meméria do acontecimento fundador da nacionali- dade brasileira, por exemplo, constitui um desses pontos. A identificagao do fato do Sete de Setembro como marco definidor da Independéncia do Brasil, e a representagiio dessa meméria tanto na historiografia, como nas imagens alegoricas produzidas em pinturas - umas mais, outras menos céle- bres,?- revelam discordancias incoeréncias em aspectos essenciais, indi- cando a necessidade de reviséo; de uma apreciacdo mais atenta, de um tratamento diverso sob novas perspectivas. Aos estudiosos desse periodo, ¢ intrigante a anséncia, na documentagao referente, de registros sobre ¢ Grito do Ipiranga no Sete de Setembro de 1822 como sendo o ato de proclamagao da Independéncia. Nesse sentido, a tarefa que no momento nos propomos ¢ iniciar uma discussio sobre a dimensio simbélica dessa baliza, ou seja, buscar na forma de sua representagao os condicionantes politicos que encaminharam a definigio do Grito do Ipiranga como marco fundante da nacionalidade brasileira. A discussio sobre representagdes simbdlicas da nacionalidade pode fornecer elementos preciosos de roflexio sobre 0 Processo histérico em geral e, particularmente, maior compreensao sobre as estruturas de pensa- mento da sociedade. A anilise do sentido da criagdo de formas ou imagens que compdem os simbolos identificadores de uma determinada sociedade amplia o. campo de estudo sobre os seus préprios componentes definidores. Considerar igualmente os simbolos ¢ as realizagBes as mais expressivas da tradigdo nacional, ¢ os instrumentos de formagao desta tradigao signifi- ca alargar as possibilidades de reflexo sobre a constituigao da identidade politica da nago.’ No caso da discussao sobre o sentide hi t6rico do Grito do Ipiranga como o marco fundador do Estado-Nago brasileiro, a refle- xiio sobre sua dimensao simbélica se mostra particularmente importante Por permitir uma melhor apreensao do nfvel das divergéncias entre as dife- renles concepgoes de sistema de governo representativa e de soberania nacional, o que amplia sobromaneira o conhecimento sobre o sentida dos conflitos entdo existentes na sociedade em formagao, Ocstudo distanciado do enfoque da ambigiiidade e, sobretdo, atento as estruturas de pensamento definidoras da linha de ago politica dos prin- 174 cipais agentes envolvidos no processo de Independéncia, permite novas possibilidades de andlise sobre os componentes formadores do Estado ¢ da ordem nacional brasileira. O olhar mais apurado sobre o perfodo de engendramento dessa nagdo revela facetas insuspeitas que exigem novas investigagao no cendrio dos acontecimentos correspondents, ¢ este se apre~ senta rico em sugestées. ACONJUNTURA HISTORICA DA INDEPENDENCIA Atuando o Brasil, desde 1808, como sede da Monarquia portugue- 8a € centro inconteste do império atlintico portugués - visto entao pelos contempordneos luso-brasileiros com promessas de grandioso futuro ¢, por isso, sempre referide como poderoso império - os grupos sociais de domi~ nagiio, liderados sobretudo por aqueles origindrios das provincias cireunvizinhas da Corte do Rio de Janeiro, cuidaram, desde o inicio, de centrar a acdo politica no sentido de manter 0 modelo de emancipacéo entiio adotado. Ou seja, o modelo que atendia & concep¢ao de Reino Uni- do, institufdo em 1815, 0 qual, para os contemporfineos, constitufa a “Car- ta Magna da Emancipugdo do Brasil". A elevagao do Brasil a Reino, que extinguia oficiaimente o estatute colonial - embora abolido, de fato, desde 1808, quando se libertou das amarras do exclusive comercial ¢ se trans- formou em sede do governo imperial -, e a sua conseqiiente emancipagao significava essencialmente: liberdade de comercializagio e de defini¢ao de suas prioridades, fossem elas de ordem econdmica ou politica, desde que identificadas com os interesses basicos da Monarquia portuguesa ¢ suas decisdes tomadas pelos cortesiios pertencentes A aristocracia lusa. que absolutamente nao encerrava o sentido de ruptura com a “ndae-pd- tria” ou seja, com o Reino de Portugal.‘ Noentanto, a revolucao liberal que rebentou em Portugal, em agos- to 1820, constituiu golpe mortal aesse modelo de emancipagdo do Reino do Brasil. Desencadeada justamente em virtude da situagao de pentiria do velho Reino - provocada pela estagnagao do comércio ¢ da indiistria apés a perda do papel de sede da Monarquiia - essa revolugao, liderada pelos portugueses da Europa, derrabavao absolutismo monérquicoe reivindica- va a redefinig¢do dos papéis atribuidos as partes componentes do Estado portugués, como forma de luta pela regeneragdo do Reino evropeu &, con- seqiientemente, da nagao portuguesa. Ora, o projeto de construgao do im- pério atlantico, que até entio vinha sendo posto em andamento pelo 175 reformismo ilustrado apoiava-se, sobretudo, no “sacrossanto principio de unidade” entre as quatro partes do mundo Portugués, ou seja, na idéia de unidade do Estado monérquico ¢ de identidade do povo portugués, uni- dade essa construida através do sentimento de pertencimento & Monarquia lusa. No ideal de unidade nacional do Estado que abrangia os dois Jados do Atlntico repousava, justamente, esse Projeto politico concebido soba perspectiva de um venturoso destino Para a nagao lusitana. Tanto a trans- feréncia da sede do governo portugués para 0 Rio de Janeiro - projeto longamente acalentado mas s6 realizado face a guerra na Europa que ame- agava extinguir o Estado ¢ a Monarqia portuguesa -, como a oficializago da preeminéncia do Reino do Brasil como sede de governo ¢ centro do império atlantica, significaram decisGes politicas ancoradas no pressupos- to da “unido natural” existente entre as partes do mundo portugués o que ampliava consideravelmente o principio da coexisténcia de Estados iguais unidos pelos interesses reciprocos e pelos lagos de solidariedade nacional. A revolugio de 1820 fazia desmoronar esse quadro tesrico orientador da politica encaminhada pelo reformismo ilustrado. A politica de aliancas pretendida esbarrara na dificuldade de conciliar interesses opos- tos. Isto porque, face a inversdo acontecida em 1808 - que retirara de Lis- bea o papel de sede da monarquia e extinguira exclusive comercial do grupo mercantil de Portugal, o que colocava a antiga metr6pole na condi- ao de uma simples provincia, ou mesmo de “coldnia do Brasil” -, eviden- clava-se a dificuldade de afirmagio da idéia de “unido natural” existente entre as partes do mundo portugues ¢ furdada numa relago de parceria que. em reciproca vantagem, construiria a prosperidade de cada parte ¢ elevatia a nagio portuguesa ‘ao maior auge”. Esse era o pressuposto te6- rico bisico do projeto politico em execugao mas, sobretude para o velho Reino portugués, a parceria ¢ 08 frutos do Reino Unido de Portugal, Bra- sil ¢ Algarves estavam longe de atender aos seus interesses imediatos, 0 que explica a reagdo contra o sistema de monarquia absolutistaea propos- tarevolucionaria de adogao de um governo representativo, através do qual ‘OS gtupos Mercantis € a aristocracia agrdria pudessem alterar as bases do império atlantico lusitano. Reunidos em Cortes, a partir de janeiro de 1821, para deliherarem sobre @ organizagio da Monarquia Constitucional a ser instalada ¢ sobre.os novos caminhos que levassem a prosperidade das rela- ges comerciais entre Portugal e o Brasil, a representagao politica do ve- tho Reino colocava em destaque a discussiio sobre os reais interesses naci- Onais os quais, para cles, consistiam essencialmente naqueles que promo- vessem a regeneragdo das forgas produtivas do Reino eurapeu.’ 176

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