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MARIA AMELIA BULHOES ConsideragGes sobre 0 sistema das Artes Plasticas “O individuo ndo é apenas aquilo que ele prdprio crénem o queo mundo cré; étambém algo mais: éparte de uma conexdoem que ele desempenha um papel objetivo, supra-individual, do qual ndo dé conta necessariamente””. Karel Kosik O desenvolvimento alcancado pelos estudos histéricos e sociolégicos nas ultimas décadas tém abordado as artes plasticas de forma mais inte- grada ao meio social, superando os enfoques idealistas com que foi trata- do este tema até bem recentemente. Na historiografia da arte, soberana por longo tempo, em geral, a arte étratada de maneira idealizada, como produto de uma genialidade indivi- dual venerada pelo puiblico!. No mais das vezes, as analises se voltam para os elementos formais e signicos das obras e sua classificacdo estilistica, sendo minimas as contextualizagdes. Esta histéria das artes manteve-se tradicionalmente dedicada a identificar e consagrar os artistas e obras classicas, incorporando, progressivamente como tais as manifestagdes contempordneas ja absorvidas pelo publico especializado. A sociologia tradicional da arte?, por sua vez, se ateve mais a demonstrar a congruéncia entre formas de organizacdo social e estilos ou temas artisticos do que a analisar a inser¢do social da produgao plastica. Sem considerar a produ- 40 e circulagdo da obra de arte no meio social, de forma apercebé-las em sua dindmica, esta sociologia da arte trabalhou pr a novas abordagens mais amplas e cientificas apresentando dois tragos basi- cos comuns: progressivo abandono da perspectiva de andlise que prioriza ocarater individ ual Ses atividades plasticas e a critica aos aspectos elitistas 26 Porto Arte, Porto Alegre, v. 2,n. 3, maio 1991. Uma série defendéncias, no que diz respeito a pratica da produgao plastica, contribuiram para a formacdo deste nova abordagem social das artes plasticas. Dentre estas tendéncias, se destaca, em primeiro lugar, a alizagao do processo dicos, Como ai tlando Suarez ‘7a conciencia de su importancia (do artista) no es mds que la expression de su valor de cottizacion. Y algo muy importante, con el cambio del status del artista: de protegidos de un mece- nas al de productor de uma mercancia — como es usual en el sistema capi- talista — las obras de arte, como todos los bienes, son mercancias, por lo cual su valor de cambio prevalece sobre su valor de uso. El éxito en el mer- cado hace de los artistas, con talento reconocide, grandes sentores”’ (SUAR 986, p. 40). mercantilizacao atinge todo espaco das artes plasticas, roducdo das obras em si até sua circulagdo em revistas e livros, também mercadorias. As atividades artisticas ficam assim diretamente decorrentes, da sociedade de consumo, resultando paradoxalmente tanto mais aliena. A absorcao das artes plasticas dentro da sociedade de consumo e sua sujeigdo as leis de oferta e demanda ma se- unda tendéncia que é a complexidade crescente dos mecanismo de legiti- ting de comercializacdo tem sido realizado por galerias e marchands, na- cionais e internacionais, a fim de que 9 mercado sonsiea articular harmo- niosamente quadros e esculturas com happenings ¢ ly art (estes ultimos relag6es capitalistas, cadorias de luxo em ta producao: o reconhecimento de um objeto ou evento como artistico e sua inser¢do no circuito comercial com varias etapas nesta legitimacao, di- inicdo consensual daquilo que é ou nao € arte. Somente 0 didlogo constante entre artistas, criticos e outros participantes do ambien- te artistico tem conseguido ratificar regularmente critérios de julgamento e sua aplicacdo. A qualidade e valor das obras sao, assim, definidos atra- vés das estruturas institucionais dentro das quais se insere a produ¢ao, dis- tribuicdo e consumo da arte. Observa-se, ainda, uma complexidade cres- cente nos mecanismos para obtengao de consenso no processo de legiti- 27 macdo da obra de arte./A partir desta dificuldade, se fortalece.a posigo por Marcel Duchamp‘ de que o critério para defini cdo do valoy artistico é a propria qualidade de artista reconhecida em determinado pro dutor. A critica fica sujeita a encontrar formas de abarcar sob a designa’ cdo “‘artes plasticas”’ objetos tao dispares quanto um quadro a dleo pinta do por Salvador Dali e uma lata de cerveja assinada por Andy Warhol Com isto, se evidencia que nao ha valores ou critérios de legitimacdo per. ‘anentes € universalmente reconhecidos, estabelecendo-se os mesmos a gia como mais sari as manifestaoes da “‘arte pela arte’, ‘coloca ane- cessidade de revisdo do papel politico desta aparente despolitizagdo. Para isto, é preciso considerar por um lado, as desilusdes com respeito as possi- bilidades revol icionarias da arte no 6-68 e por outro, ° encobrimento. afin racao da despolitizacao tornou-se, assim, uma forma de ocultagao do papel politico das praticas artisticas nas lutas pelo dominio simbdlico es trés ‘atores — mercantilizagdo da obra de arte, complexidade dos critérios de valor artistico e afirmagao do carater despolitizado da arte —articulados entre si, concorrem para que se venha construindo, nos ul- timos anos, uma nova concepgao da histéria social da arte. Concep¢ao que no aborda o artista individual e seu papel social ou obras em suas tendéncias e estilos ou tampouco grupos sociais como mentores de deter- minadas praticas plasticas, mas sim sistema de relagOes que é responsa: ria social da arte passa, assim, a ter como objeto é 0 de estudo este conjunto de relagSes dentro de uma determinada sociedade em um mo- mento especifico. O trabalho de Néstor Garcia Canclini, (La produccién simbdlica) e o de J. Carlos Durand (Arte, privilégio e disting4o) se encon- tram dentro desta nova concep¢ao. Este novo objeto de estudo coloca a problematica da adogao de um conceito chave para sua apreensdo. Na busca de um conceito novo, 28 encontra-se um mais antigo e ja do senso comum: O “* lasticas”’. Pode-se ainda especificar e aprofundar melhor este conceito, incorporando nele as contribuigdes dos est! uda, ward Becker enuncia Tesponsaveis pela vreducao, eventos por eles mesmos rotulados como artisticos e respons.iveis também pela defini¢ao dos. padroes e limites da ‘arte’ de toda uma sociedade, ao} Assim enuniclado, este conceito apresenta um carater dindmico e to- talizante. Dindmico, porque concebe seu objeto como um conjunto em movimento; totalizante. pois ové como resultado de um conjunto de arti- ¢ a obra de arte. i > € uM seg 0 especific todas as praticas plasticas, que em uma sociedade se realizam. Uma parte destas praticas administradas e controladas pelo sistema das artes plasti- cas constituem, portanto, as ‘‘artes plasticas’” reconhecidas como tal em. um determinado espago e tempo. Nao se pode esquecer que existe todo um amplo conjunto de produgGes plasticas que estao a margem destas manifestagdes denominadas artisticas. A incorpora¢ao ou nao de elemen- tos destas praticas marginais ao conjunto administrado pelo sistema das artes varia amplamente ao sabor de determinantes internas ao sistema, Deve-se observar ainda que a existéncia deste sistema de relaqGes es- pecifico da “‘arte’”’ ndo é um fenédmeno permanente na historia da huma- nidade. Suas origens podem ser localizadas na Europa Renascentista, no bojo de um processo histérico-cultural, em que o desenvolvimento da so- ciedade propiciou um aprofundamento da separacdo entre trabalho ma- nual e trabalho intelectual, com evidente supremacia do segundo sobre 0 primeiro. A figura do “artista” sobrep6s-se gradativamente 4 figura do artesdo, dentro da mencionada supremacia do trabalho intelectual sobre o manual. Os pintores medievais, artesdos andénimos que podiam tanto pintar afrescos como decorar arcas, foram sendo suplantados pelo “‘artis- ta’’, pintor derenome com um status que 0 colocava dentro das Cortes em posigdes privilegiadas. Esta mudanga processou-se através da constitui- Gao do que sepode denominar “sistema das artes”’, na medida em que, para legitimacao da producao de determinados “‘artistas”’ e defini¢do das diferencas entre “‘arte’’ e “‘artesanato”’, estabeleceu-se um circuito de re- lagdes que envolvia artistas, mecenas e fildsofos humanistas. A categoria 29 “arte” surgiu, assim, definida por um conjunto de relagdes, defendendo valores dos setores sociais com Os quais se identificava naquele momento; | nobreza e burguesia. A “‘arte’’ se estabeleceu, ent4o, a partir de uma rup- tura com as demais atividades plasticas (tecelagem, ceramica, joalheria, etc.) que podem ser classificadas, portanto, como suas ancestrais. Esta ruptura operc u-se progressivamente e foi correlata a constituicdo do siste- ma das artes plasticas, dotado de regras proprias, onde se exige uma com- peténcia especifica parm as atividades, separando o profissional do leigo e 0 sagrado do sobre os povos colonizados dos padrdes plasticos de seus colonizadores. Ao apresentar 0s seus critérios particulares como definidores dos produ- tos e praticas a serem considerados “‘artisticos”’ e dando a estes um status superior aos demais considerados “‘artesanato” ou “artes menores”’, 0 “sistema das artes”’ impés uma hierarquizac4o que legitimava seu poder e a superioridade de seus integrantes. A ordem resultante da interagao da- queles que tém acesso ao sistema das artes passou a imp6r uma domina- ao simbdlica sobre os demais, excluidos desta participacdo. Marginalizava-se, assim, a elaboracao simbdlica dos extratos sociais nao integrados do sistema, estabelecendo-se mecanismos de distingao que le- gitimavam a dominac¢ao social pré-existente, da qual o sistema era tam- bem resultante. Esta distingao passou a funcionar, desde entao, como es- tratégia de poder politico dentro da sociedade: uma estratégia que se torna mais eficiente, na medida em que é mais mascarada, aparecendg despolitizada dos criticos e na devocdo abnegada dos consumidores. O que faz com que 0 sistema funcione é a crenga coletiva nos valores por ele estabelecidos. O que cria a magia eo valor “‘artistico”” dos objetos é a tra- a de todos os agentes que Participam do sistema das artes plastic: mamente ligados, sendo maior 0 poder do sistema das artes e 0 valor de 30 seus produtos na medida em que a trama que 0 legitima encontra-se mais oculta, tanto aos que nele est4o envolvidos quanto aos que dele estao ex- cluidos. A magia do sistema das artes é garantida pela convic¢do em seu valor principalmente por parte daqueles que nele atuam. A for¢a do siste- ma das artes esta ligada a sua propria estruturagdo; suas instituigdes, ao peso de sua hist6ria. A institucionalizagao mantém e renova Os rituais, es- tabelecendo discriminages e hierarquizaqdes dentro do variado universo das atividades plasticas. A historia deste sistema de relagdes é fundamental para a compreen- sdo de seu funcionamento atual, pois estabelece as possibilidades os limi- tes do pensar e do realizar no campo das artes plasticas. A autonomia rela- tiva da arte €, portanto, o resultado desta elaboracao que o sistema das ar- tes como um todo faz das demandas e press6es externas. Este sistema, com 0 peso da tradigdo de suas instituigdes, estabelece 0 substrato que mantém a aura da “arte’’. As definig6es de critérios e valores, bem como ds mecanismos para estas definigdes, se estabelecem a partir da historia deste sistema que reforca a crenga em sua sacralidade. Em sua evolucdo, no entanto, este sistema tem apresentado uma sé- tie de alteracdes que correspondem, em ultima analise, a adaptagdes em ua dindmica interna face as grandes mudangas por que passou 0 capita- lismo em sua evolucdo mundial. O sistema académico do século XIX foi um dpice neste processo. Articulado e justificado por um corpo filosdfico (estética), ele pode impor, sem reservas, todo um conjunto de normas e padr6es, onde “9 belo” constituia o valor basico®. (KRISTELER, 1986). Com a evolucdo da sociedade de consumo e a ampliagao do “‘puiblico”’, o sistema tendeu a se abrir, incorporando produgdes que representavam va- lores mais instaveis e visOes diversificadas da arte enquanto processo sim- bélico.O modernime das duas primeiras décadas do século XX introdu- ziu profundas alteragdes, ndo somente nas concep¢oes estéticas, como nas formas de circulagao e consumo dos bens artisticos. Na década de 60, pode-se observar novas transformagdes; este momento, a propria arte, enquanto categoria filosofica e socia!, foi questionada. No entanto, todos estes questionamentos nao conseguiram anular o sistema, enquanto ins- trumento de distincdo. Ao sistema académico do séc. XIX, novas institui- g6es foram agr2gadas (museus e galerias...), outras desapareceram (aca- demias de Belas Artes), outras se modernizaram (sales) e 0 sistema per- maneceu, articulado em sua fun¢ao primordial: distin¢do social das elites. Aparticipa¢ao no sistema das artes, como forma de distingdo social, deve 31 ser observada nao sé em termos de produgdo como também de consumo. O interesse por esta distingdo é um elemento fundamental na determina- do do carter elitista das artes plasticas. Este elitismo interessa a diferen- tes setores de classes dominantes na sociedade, porque lhes justifica 0 po- der através do reconhecimento de sua suposta superioridade, que se ex- pressa simbolicamente na participac4o, como produtores ¢/ou consumi- dores em unrcirculo artistico restrito, que exige uma formacao e informa- co que nao esto ao alcance de todos os individuos. Neste circulo restri- to, as classes dominantes se sobrepdem e as classes subalternas reconhe- cem como legitima a superioridade das primeiras. O consumo de obras de arte tornou-se um simbolo de distingdo, uma marca de poder, de hierar- quia social, de bom gosto, de formag&o cultural erudita enfim de capital cultural que por sua vez é poder. Segundo Orlando Suarez “Hoy dia, las familias de la oligarquia financiera no sélo son coleccionistas — como a las anteriores, el coleccionismo las coloca en una jerarquia social de élite — sino porque de esa manera crean una imagem puiblicas de su classe, co- mo laclasse salvaguardadora de los valores espirituales de la humanidade, simbolizados en el arte” (SUAREZ, 1986, p. 42). A distingao social funciona portanto também como formula de legi- timagdo de poder das classes dominantes. A dominagao simbdlica que s¢ estabelece através do sistema das artes plasticas é especifica ao capitali mo, com ele surgindo e a ele servindo. Assim, 0 conceito “sistema das ar- tes plasticas”’ e a realidade por ele explicada devem ser pensados como his- toricamente datados, negando, portanto orientagdes que pretendem con- siderar a “‘arte’’ como um fenémeno universal e permanente. Esta afirmagao nado deve levar a interpretagdes a respeito da capaci- dade humana criativa nem das necessidades de realizagao plastica do ser humano, estas sim realidades permanentes ao longo da histéria da huma- nidade e presentes na sociedade contemporanea independente de condi- Ao social. O fendmeno da criacao plastica enquanto realizacdo humana é universal e permanente como o préprio homem. A apropriacdo pelas eli- tes, das mais eficientes e adequadas produgdes plasticas, sob a designacao de “arte’’, este sim € um processo recente na historia da humanidade e se realiza, na sociedade contemporanea, dentro de um conjunto de relagdes denominado Sistema das Artes Plasticas. 32 NOTAS 1) Nesta historiografia se enquadram: Everard Upjohn, Histéria Mun- dial da Arte; Germain Bazin, Historia da Arte; Herrmann Leicht, His- t6ria Universal da Arte; Pierre Colombier, Historia da Arte; J. V. Ra- fols, Historia Universal del Arte; Flexa Ribeiro, Histéria Critica da Ar- te; Carlos Cavalcanti, Historia das Artes; E. H. Gombrich, Historia da Arte. 2) Ernest Fischer, A necessidade da Arte; Arnold Hauser, Historia Social da Literatura e da Arte; Pierre Francastel, Peiture et Societé; Roger Bastide, Arte e Sociedade; Nicos Hadjnicolaou, Histéria da Arte e Mo- vimentos Sociais. 3) Pierre Bourdieu, La distincion — Critique Sociale du Jugement; Ha- ward Becker, Les Mondes de L’Art; Néstor Garcia Canclini, La Pro- duccién Simbdlica; Mirko Lauer. La critica del Artesanato; José Car- los Durand, Arte, Privilégio e Distingdo; Orlando Suarez Suarez, La Jaula Invisible. 4) Esta postura de Marcel Duchamp esta expressa em suas agdes, sendo referidos pelos mais diversos autores que analisam seu trabalho. 5) Adiscussao filosdfica sobre a categoria “‘arte’’ ndo é tema do presente estudo; demandaria um aprofundamento que nao € exigido pelo enfo- que escolhido, Nao se discute aqui Os aspectos de criagdo ou qualidades desta criacao, mas sim a maneira como se da sua legitimacdo social e re- conhecimento. No caso do presente estudo, 0 conceito “‘arte’’ esta em intima relacao com o sistema que 0 legitima como tal. 6) Paul Kristeler no livro: “‘E/ pensamiento renascentista y las artes’? — realiza um estudo bastante aprofundado da evolucao do sistema filos6- fico que se estabelece paralelamente a evolugao das praticas artisticas no mundo moderno, servindo de ponto de partida para o presente estu- do. 33 BIBLIOGRAFIA KRISTELER, Paul. E/ pensamiento renascentista y las artes. Madrid: Taurus, 1986. SUAREZ, Orlando Suarez. La jaula invisible. Habana: Ciéncias Socia- les, 1986. MARIA AMELIA BULHOES — Doutora em Historia Social pela USP; Profa. de His- tria da Cultura do Dep. de Historia do IFHC-UFRGS; Profa. do Curso de Pés-Gra- duacao — Mestrado em Artes Visuais do Instituto de Artes — UFRGS. 34

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