Documentos de Académico
Documentos de Profesional
Documentos de Cultura
Ao olharmos para a história do design gráfico é possível identificarmos duas linhas demarcadas
que estruturam a sua evolução: uma dessas linhas leva-nos ao desenvolvimento de formas de
comunicação orientadas para e pelo mercado (a publicidade e o marketing), a outra linha
conduz-nos a formas de comunicação culturais e políticas tendo como referentes os cidadãos e
não apenas os consumidores. A teoria crítica do design distingue-as falando em design de
retaguarda e design de vanguarda, o que se diferencia é, afinal, uma dupla possibilidade de
posicionamento cultural e de orientação disciplinar que tendemos a identificar falando nos
artistas e nos designers como agentes de uma cultura dominante (promovendo continuidades,
legitimando um determinado status quo) e como agentes de contra-cultura (desenvolvendo
rupturas, desencadeando crises).
Sabemos que os conceitos de “vanguarda” e “retaguarda” se tornaram, nos últimos 30 anos, não
apenas difusos como muitas vezes reversíveis. Os códigos fundamentais de uma cultura, códigos
políticos, sem dúvida, mas, essencialmente códigos semióticos – aqueles que regem a linguagem
dessa cultura, os esquemas perceptivos, os seus operadores epistémicos (crenças, evidências,
cientificidades), os seus discursos, os seus valores, as suas técnicas, a hierarquia das suas
práticas – fixam, desde o início, para cada indivíduo, para cada objecto, para cada linguagem as
ordens empíricas que o designam e ordenam.
A publicação, no final da década de 90, do manifesto First Things First (escrito por Ken Garland
e inicialmente publicado em 1964) veio-o trazer o tema da responsabilidade social dos artistas e
dos designers, de novo, para o centro do debate alimentando quer um significativo corpus
teórico quer um, não menos importante, desencadear de acções (exposições, conferências,
intervenções públicas).
Um dos melhores comentários críticos ao manifesto First Things First é-nos dado por Rick
Poynor segundo o qual “the critical distinction drawn by the manifesto was between design as
communication (giving people necessary information) and design as persuasion (trying to get
them to buy things)” , a distinção entre marketing (design de persuasão) e design (pressupondo
uma ética da comunicação) deve ser entendida como radical, como esclarece Poynor “for
Garland and the other concerned signatories of First Things First, design was in danger of
forgetting its responsibility to struggle for a better life for all.”
É conhecida a afirmação de Katherine Mccoy – “Design is not a neutral value-process” –
chamando-nos a atenção da dimensão política ínsita ao projecto de design. A comunicação
utópica (por oposição à “comunicação ideológica” no sentido ricoeuriano) associa ao design uma
tensão de transformação social e cultural inalienável. Steven Heller em “The Graphic
Intervention” tece-nos o “estado da arte” relativamente à prática do design entendendo-o como
“acção socialmente eficaz”.
A história do Design mostra-nos que esta atitude socialmente empenhada não é um exclusivo do
nosso tempo, basta pensar no trabalho do designer alemão John Hartfield nos anos 20-30, na
obra de Herb Lubalin, na acção politica directa dos Atelier Populaire ou dos contemporâneos
Adbusters ou Cactus Network.
Dentro desta linha de pensamento, teoricamente construída por autores como Heller, Ellen
Lupton ou Max Bruinsma (que juntamente com Erik Adiggaard comissariou para a
ExperimentaDesign a exposição Catalysts), foi recentemente publicado o manifesto de design
Carrion Culture disponível on-line para subscrição.
O manifesto Carrion Culture deixa uma série de reflexões que são hoje incontornáveis para
quem projecta. Procuremos sintetiza-las:
3- No manifesto afirma-se, o que deveria ser evidente mas que é frequentemente esquecido: os
designers têm “uma responsabilidade social, politica e cultural perante aqueles com os quais
comunicam”. A criatividade é uma experiência colectiva, é “acumulativa”, caso contrário de
nada vale; os objectos visuais não são o produto do génio criativo individual, mas um contributo
para um ambiente visual colectivo: desafiando, adaptando, sublinhando, opondo,
desenvolvendo. O designer trabalha em diálogo, com outros designers, com outros
acontecimentos, com livros, com sites, com pessoas.
4- Uma acção cultural positiva, proactiva, é aquela em que a acção funciona como catalizador,
reflectindo criticamente sobre os valores e as estruturas existentes; Os agentes culturais devem
reagir à banalização cultural, banalização essa que está directamente ligada à transformação da
cultura em espectáculo e em mercadoria, “coisa” feita para entreter e consumir (ligada ao
consumo lúdico). O sistema capitalista ao tornar a cultura “acrítica” elimina, assim, uma
ferramenta capaz de equilibrar e corrigir as deficiências sociais, consequentemente a liberdade
de acesso, de comunicação, de expressão e de pensamento, fica, assim, condicionada, os direitos
e deveres sócias restringidos à sua mínima parcela de direitos e deveres do consumidor.
Nesta síntese encontramos linhas de orientação teórica que podem ajudar a compreender as
possibilidades de desenvolvimento de um design realista, que assumindo a não-neutralidade da
comunicação, procure definir alicerces conceptuais e politicas de acção visando associar valores
às mensagens. Na certeza de que a comunicação é acção e de que o design pressupõe sempre a
acção socialmente eficaz.