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UNIrevista - Vol.

1, n° 3 (julho 2006) ISSN 1809-4651

A notícia como produtora de sentidos

Paulo Fernando de Carvalho Lopes


Doutor em Comunicação e Cultura, professor adjunto
UFPI, PI

Resumo
Este artigo procura refletir sobre a condição da notícia como produtora de sentidos, a partir da base conceitual
proposta pela Teoria dos Discursos Sociais (Pinto: 2003; 1999) e pela Teoria Social do Discurso ( Fairclough:
2001). Para tanto, parte-se da pressuposição de que as notícias, enquanto práticas discursivas, são produzidas,
circulam e são consumidas sob a lógica de um mercado simbólico. Desta maneira, negociam espaço e articulam
sentidos na tentativa de conquistar a hegemonia.

Palavras-chave: notícia, discurso, poder.

Introdução

Ao iniciar o percurso teórico-investigativo deste artigo faz necessário balizar algumas premissas. Os

fenômenos culturais são considerados fenômenos de comunicação produtores de sentidos. Ou seja, são
considerados como discursos, desta forma, não se busca estabelecer as causas dos conflitos ou das mazelas

sociais, mas sim, problematizar a função dos discursos na construção e nas mudanças na representação de

mundo, efetivadas pelos indivíduos, suas relações e as identidades, que assumem ao longo dos processos
comunicacionais (PINTO, 2003).

É no cotidiano, por meios dos textos, neste caso, das notícias, que batalhas são travadas. Os participantes

do processo comunicacional buscam o poder para dar a última palavra sobre determinado assunto, de modo

que o discurso seja aceito e reconhecido pelos receptores, como legítimo e verdadeiro. Isto implica
compreender que as práticas discursivas moldam e constituem os fenômenos sociais e, conseqüentemente,
que as práticas sociais produzem sentidos.

O discurso, enquanto prática, adquire especificidade, por conta da atuação do sujeito, submetido ao mundo

das regras. No entanto, quem cria o objeto não é, necessariamente, o sujeito, mas o próprio discurso e as
leis de seu funcionamento, isto é, o objeto fala sempre de algum lugar e não fala sozinho. Está perpassado

por condições de produção, como visto, de natureza histórica, política, social, cultural, filosófica ou outras. A

produção do sentido se dá nas relações sociais de acordo com as condições de produção, sejam elas
históricas, sociais, culturais etc.

É impossível afirmar, nesta perspectiva, que o sentido está fechado no objeto, uma vez que ele está sempre

em processo de construção, produzido pelos atos de fala (discursos). O sentido se estabelece na relação do
indivíduo com o Outro, independente de sua presença ou não.

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Em seguida, sob a influência do estudioso Mikhail Bakhtin (1992, 1995), perceber a linguagem como uma

arena dos embates sociais, onde ocorrem acordos e conflitos. Isto é, em primeiro lugar, partimos do
pressuposto de que as noticias são práticas discursivas e em segundo, que a relação entre elas e a prática

social é dinâmica, complexa e ambivalente, o que significa dizer, que, em certos momentos, dão
sustentação à práxis, enquanto em outros, decorrem da referida práxis.

Deste modo, ao refletirmos sobre a notícia, a consideramos como discurso, e, buscamos reconhecer os

mecanismos pelos quais se põe em jogo determinados processos de produção e de efeito de sentidos. A
realidade é formada por contextos distintos e variados, que são, essencialmente, campos de luta simbólica

pela busca de hegemonia. Logo, os sentidos não são dados imanentes, mas sim, construídos a cada situação
de comunicação ou produzidos a cada ato verbal. Os discursos constituem, pois, o espaço primeiro, no qual
se dão os embates sociais, as disputas de sentido e, ainda, as relações de poder.

Se, na Teoria do Espelho, o pressuposto básico é que as notícias são como são, por conta da realidade que
assim as definem (TRAQUINA, 2004), a proposta aqui pensada inverte o foco da problemática em torno do
questionamento e passa a ser: Como as notícias tornam-se o que são?

Considerando as notícias como práticas sociais construídas mediante o emprego de linguagem verbal ou de

outros recursos semióticos que integram um contexto social e histórico, elas possuem a importante função

de produzir, reproduzir, manter e / ou transformar as representações sociais, as identidades e as relações

sociais. De acordo com Pinto (1999, p.24), “[...] é por meio dos textos (discursos) que se travam as

batalhas que, no nosso dia-a-dia, levam os participantes de um processo comunicacional a procurar ‘dar a
última palavra’, isto é, a ter reconhecido pelos receptores o aspecto hegemônico do seu discurso”.

Toda notícia é dependente das regras internas de poder, estabelecidas em cada instituição. As regras que as

constituem são subordinadas tanto às regras institucionais quanto às regras de poder dentro da instituição.

A construção da notícia não se dá de forma totalmente livre como ainda é ensinado nas universidades, em

geral, e apregoado em manuais didáticos. Todos os eixos de poder e instâncias produtivas se movimentam,
segundo um conjunto de regras preestabelecidas a serem seguidas. No momento em que o jornalista propõe
um sentido para um fato, o modo de reconstruir o acontecimento pode seguir diferentes caminhos. Em

outras palavras, a notícia é feita de um jeito, mas poderia ter sido feita de outro modo. Por sua vez,

algumas formas de produção noticiosa são silenciadas, esquecidas ou desqualificadas, de acordo com os
critérios de definição adotados para um tipo de jornalismo: sério, sensacionalista, partidário, independente,
de referência etc.

Por fim, ao propor a TSD, Fairclough (2001) parte do princípio de que qualquer evento discursivo é um

exemplo de discurso, e, é, simultaneamente, um texto, um exemplo de prática discursiva e um exemplo de

prática social. A dimensão do texto cuida da análise lingüística. A dimensão da prática discursiva especifica a

natureza dos processos de produção e interpretação textual: que tipos de discurso (sentido mais sócio-
teórico) são derivados e como se combinam. E a dimensão da prática social cuida de questões de interesse

na análise social: como as circunstâncias institucionais e organizacionais do evento discursivo moldam a

natureza da prática discursiva e os efeitos constitutivos e / ou construtivos de entidades e relações sociais.

Assim, a dimensão do texto centra-se nos conceitos lingüísticos, a dimensão da prática discursiva

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fundamenta-se na intertextualidade e a dimensão da prática social abriga os conceitos de ideologia,


hegemonia e poder.

A notícia como texto

Ao pensar a notícia, várias definições remetem ao campo já solidificado nesta área de saber. Em Rabaça e
Barbosa (1987), é definida como o relato de fatos ou acontecimentos atuais, de interesse e importância para

a comunidade, e capaz de ser compreendido pelo público. Vários livros técnicos trazem a sua conceituação,
a partir do inusitado e do diferente, como o jargão já mencionado acerca do inusitado, ao se ter um homem
que morde o cachorro, e assim, origina uma notícia.

Marcondes Filho (1989) acredita que por existirem relações de dominação no interior da prática jornalística,

notícia é a reelaboração parcial dos fatos da realidade, de acordo com os critérios ideológicos definidos pelas
prioridades de reprodução do capital que a condiciona a tornar-se mera mercadoria, com apelos estéticos,
emocionais e sensacionalistas. Estes apelos atuam como arma de combate ideológico, que oculta os conflitos

de classe e constituem instrumento de incentivo à estrutura econômica dominante. Outros autores a

concebem como uma narrativa com responsabilidade social, interesse, importância e compreensão. Há os
que a vêem como instrumento político de transformação social e os que a consideram técnica delimitada
com base em parâmetros de apuração e noticiabilidade.

Enquanto discurso, a notícia significa, essencialmente, o trabalho ativo de investimento do sujeito no

universo de técnicas, normas e regras, com o intuito de produzir sentidos e não apenas informação, como

discutido, mais adiante, ao tratarmos da mescla de gêneros nos produtos midiáticos. Trata-se de um

enfoque distinto do proposto pela Teoria Marxista do Jornalismo, que elege o jornalismo informativo como
exemplo de jornalismo sério, oposto ao jornalismo sensacionalista.

Segundo o modelo tridimensional do discurso desenvolvido por Fairclough (2001), o texto é socialmente

motivado, comportando razões sociais distintas na combinação entre significantes e significados particulares.
Esta proposição é essencial, quando pensamos o trabalho de investimento de sentido do jornalista na
construção da notícia.

Como as notícias são produzidas para serem lidas, no lugar de espelharem a realidade, possuem significado

potencial, ou seja, diante da multiplicidade de sentidos, o sujeito, jornalista ou leitor, enfrenta,

inevitavelmente, escolhas e ambivalências na hora de construir o seu texto. A seleção de certas palavras, do

estilo gramatical e da forma de estruturar o texto produzem determinados sentidos num contexto, mas

outros, em contextos diferentes. Exatamente por isto, em sua tentativa de interpretação, o leitor busca

reduzir a ambivalência e a multiplicidade, optando por um sentido particular. Esta linha argumentativa é

usada com o intuito de mostrar que o trabalho do jornalista não se restringe a utilizar técnicas. Ele é
socialmente motivado a fazer escolhas, mesmo que não se aperceba deste fato.

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A notícia como prática discursiva

Pensar a notícia como prática discursiva é entendê-la a partir dos processos de produção, circulação e
consumo de sentidos, como um texto redigido para ser lido por alguém. Na etapa da produção, a notícia

obedece a rotinas de produção coletiva, com o envolvimento de diferentes profissionais, a saber: pauteiro,

chefe de reportagem, editores, diagramadores, fontes, repórteres e outros. Como toda prática discursiva, a
notícia segue regras, como as de elaboração do lide, sublide etc., obedecidas em parte ou totalmente, por
este ou aquele jornal, por esta ou aquela seção do jornal, por este ou aquele jornalista.

Quanto à circulação, as notícias podem ter distribuição simples. Neste caso, há uma relação fundamentada

mais num contexto situacional imediato, sem o envolvimento de muitas pessoas ou de meios sofisticados.

Na distribuição complexa, se dá a participação de mais indivíduos, elementos e tecnologias sofisticadas,


maior grau de profissionalização no que tange à produção, além de maior preocupação com a recepção dos
textos.

Aqui, relembramos que o consumo das notícias tem a ver com estes pontos: elas são consumidas em
contextos sociais diversos; o consumo relaciona-se com o investimento de sentido destinado à interpretação;
o consumo considera as possibilidades de interpretação; o consumo pode ser individual ou coletivo. Por

exemplo, a informação repassada ao profissional jornalista por determinada fonte, em off, a fim de que

investigue certo acontecimento; a mesma notícia veiculada no dia seguinte, na primeira página do jornal. No

caso das agências de notícias, certas notícias são transmutadas em novas. Em outros casos, no entanto, a
natureza extradiscursiva da notícia produz efeitos diferentes dos propostos inicialmente.

O exemplo clássico é a transmissão via rádio, em termos de brincadeira, da autoria de Orson Wells, em

Nova York, avisando sobre a invasão da cidade por marcianos. A notícia causou tumulto e pânico geral. Este

exemplo atrela-se à força acional que uma notícia possui. Enquanto produção de sentido em circulação na

sociedade, a notícia provoca ação social muito forte, a partir da força ilocucionária dos atos de fala que
mobiliza.

Duarte (2003, p. 43) comenta que uma oração, no nosso caso uma manchete ou uma notícia transmuta-se

em ato ilocucionário, se satisfizer determinadas regras e convenções fonéticas, semânticas e sintáticas de

uma língua, bem como a condições convencionais e institucionalmente concebidas: “[...] o sucesso dos atos

ilocucionários exige interação com valores culturais e padrões de comportamento que pressupõem um
determinado conjunto hegemônico (portanto um equilíbrio instável) de relações sociais e de poder”.

O caráter intertextual da notícia é outro fator constituinte de sua prática discursiva. A intertextualidade é a

condição que todo texto tem de estar ou ser repleto de fragmentos de outros, os quais podem ser facilmente
identificados ou não. No caso das notícias, toda vez que os jornalistas citam entre aspas, lançam mão de

discursos diretos ou indiretos, recorrem à ironia, usam pressuposições etc., estão no terreno da
intertextualidade manifesta.

Na intertextualidade constitutiva ou interdiscurso, os textos são constituídos, historicamente, através de

elementos da ordem de discurso, resultantes de convenções já existentes e de textos prévios. O processo de


transformação social seja na prática cotidiana da elaboração das notícias, seja no campo teórico da reflexão

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sobre o que é notícia, tem possibilidade de ocorrência, quando determinados elementos da ordem de

discurso são reconfigurados. Como a tendência de certos discursos é se tornarem naturalizados pelo uso
rotineiro das convenções e normas, a mudança criativa, segundo Fairclough (2001) só ocorre com a

produção de novas configurações dos elementos da ordem de discurso e novos modos de intertextualidade
manifesta. Dito de outra forma, a mudança nos discursos, definidores da notícia, pressupõe a mudança dos
elementos que constituem um dizer sobre o que é e como se faz uma notícia.

A notícia como prática social

Ao afirmarmos que uma notícia é a prática discursiva ligada à prática social do jornal, pretendemos reforçar
que a prática social de uma instituição depende, por exemplo, do sistema econômico, político, cultural etc.

Uma das práticas sociais vinculadas ao fazer jornalístico é noticiar eventos recentes. Reiterando que a
prática discursiva é intrínseca à prática social, asseguramos assim, que não existe prática discursiva

dissociada da prática social e a prática social não é apenas discursiva, embora algumas delas sejam
fortemente discursivas e outras não.

Um jornalista quando está diante do computador, produzindo um texto jornalístico, permanece concentrado

no ato produtivo de escrever. O ato de escrever é uma prática social não discursiva. Porem, não é pelo fato
de nem sempre ficar recapitulando os modos, regras e estilos da redação jornalística que ele, no seu ato de

produtivo do texto, não acione, sem se dar conta, as regras de produção noticiosas utilizadas, mesmo que já

estejam tão internalizadas, a ponto de perderem as conexões com as condições sociais de produção e sejam
consideradas naturais. Este exemplo mostra como o modo da construção das notícias, enquanto texto, é
povoado de representações. É o universo das aparências, das linguagens, onde ideologia e poder aparecem
como dimensões construtivas dos discursos e da realidade social.

A presença do elemento ideológico nos textos está mais relacionada com o seu sistema de relações e com as

suas condições sociais de produção do que com uma falsa consciência ou com o processo de manipulação.

Algumas teorias de comunicação propõem que as notícias deveriam ser isentas de ideologia. Trata-se de um

equívoco, pois acreditam que a dimensão do ideológico é uma parte possível de ser separada,

conscientemente, pelo jornalista, no momento em que assume o seu papel de representante imparcial da

sociedade. É como se existisse uma verdade ou a verdade absoluta, ocultada pela ideologia. Em posição
oposta, tanto a TDS quanto a TSD visualizam o ideológico presente em todos os textos, como dimensão

necessária e responsável pela produção dos sentidos sociais, assumindo a força de “[...] um mecanismo
formal de investimento de sentidos em matérias significantes.” (PINTO, 1999, p. 43).

Logo, a dimensão do ideológico está presente em qualquer matéria, notícia, entrevista, enfim, em qualquer

texto, pois o que denominamos de ideologia nunca está totalmente descrita ou desnuda. O sujeito só tem

acesso a alguns fragmentos ideológicos, investidos formalmente nos textos, e que são reconhecidos apenas

em situações comunicacionais específicas. Isto quer dizer que temas relacionados às correntes de

pensamento, e apontados, com freqüência, nas redações e nos manuais, como ideologia, capitalismo,

fascismo, socialismo, neoliberalismo, movimentos verdes e outros, não podem e nem são totalmente

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representados num texto. Ao produzir uma notícia, o repórter mobiliza e representa tão-somente aspectos

da ideologia, que pode até ser nomeada, como fizemos aqui, mas nunca totalmente descrita, porque ele só
tem acesso a alguns fragmentos de seu todo.

Ora, mesmo assim, as notícias são o lugar por excelência do ideológico. Afinal, ele pode estar representado

sob o formato de pré-construídos, referindo-se, sobretudo, às inferências e pressuposições que o receptor


faz, a fim de reduzir os vazios presentes no texto, e imprimir coerência à sua interpretação ao interligar

frases, texto e mundo. Na acepção de Pinto (1999), tanto as inferências como as pressuposições atribuídas
ao bom senso compartilhado, socialmente, pelos sujeitos envolvidos no processo, quanto às regras formais

de investimento de sentido, contribuem, direta ou indiretamente, para a manutenção das relações desiguais
de poder, no contexto dos eventos discursivos.

Reforçamos, porém, o pensamento de que, nem sempre, os leitores percebem os investimentos ideológicos

subjacentes a uma notícia. Às vezes, o ideológico leva tempo para ser devidamente interpretado e só
adquire sentido, quando existem, no jogo das relações de poder, lutas hegemônicas em busca do consenso.

As disputas de sentido produzem relações de dominância entre os discursos reconhecidamente hegemônicos


e os discursos subordinados, favorecendo a naturalização ou reificação dos primeiros.

Nesta perspectiva, a notícia é, em sua essência, uma construção, como nas propostas da Teoria Culturalista

e da Teoria Etnoconstrutivista. O ponto que marca a distinção maior é que nestas duas teorias, a notícia ou

a sua construção não é vista como lugar de luta e lugar de produção de sentido, onde diversas vozes, e não

somente as vozes das fontes oficiais, travam embates discursivos na busca da hegemonia, mesmo que, na

aparência, apenas um único setor tenha visibilidade. O fato é que esta hegemonia é, sempre, instável,

embora certas instituições pareçam tão cristalizadas nas páginas dos jornais, canais de TV e rádio, que
aparentem naturalizadas.

Decerto, este tipo de entendimento devolve ao jornalismo, aos jornalistas e às notícias, em particular, uma

dimensão de luta e mudança social muito sufocada pelos manuais de redação. Vejamos um exemplo
concreto. No Brasil do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), determinada comunidade
discursiva, com certeza, tinha mais acesso do que outras aos meios de comunicação. No Brasil do governo

Lula, outros sujeitos sociais aparecem na mídia. Não obstante, termos, basicamente, as mesmas instituições

que favorecem o acesso à mídia – ministérios, estatais etc. – ou cargos – assessores, porta-vozes, líderes,
ministros – com certeza, no momento atual, as pessoas e os discursos não são os mesmos, as vozes
diferem. A partir de tais diferenças, é que as mudanças ocorrem e vão ocorrer.

A maneira de construir uma notícia pode até sugerir que é a mesma nos diferentes jornais, mas, esta é mais

uma “verdade naturalizada”, como os manuais específicos de redação voltados para a realidade de cada

veículo constatam. Até mesmo a concepção de notícia varia. Os modos de produção, então, além de se
diferenciarem, produzem identidades específicas.

Uma questão de poder

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Os critérios de construção da notícia, aparentemente, continuam os mesmos implantados, ainda na década

de 50, em termos de realidade brasileira, e criados na década de 20, nos EUA. Dentre eles, como visto, os
mais usuais são o lide (com os seus elementos mencionados, previamente) e a pirâmide invertida, do mais

importante para o menos importante. Entretanto, o modo como cada empresa jornalística define o que é
notícia e como deve ser escrita, mostra maior ou menor propensão a mudanças. Acreditamos ser

imprescindível a adoção de uma lógica operacional, a fim de que as empresas cumpram os seus prazos
internos e, com certeza, a implementação destas técnicas muito dinamizou e em muito modificou o modo de
fazer notícia.

Nas atuais circunstâncias, face aos traços marcantes da sociedade contemporânea e diante do estágio em
que o jornalismo se encontra, o essencial não é discutir a supressão, alteração ou adoção das técnicas

referidas. Ao que parece, o essencial é identificar a forma como foram elas se cristalizando, tornando-se

hegemônicas, a ponto de serem padronizadas. Isto leva Bourdieu (1996) a comentar que, por mais que os
produtos jornalísticos aparentem ser iguais e homogêneos, registram-se diferenças evidentes concernentes

à política editorial dos jornais. Em nosso entender, as distinções aparecem não só na política editorial, mas
também, no âmbito das próprias comunidades discursivas.

E mais, pensar o poder na notícia é distanciar-se da visão que propõe “o poder da notícia”. Este modo a vê

na forma de um poder absoluto. É posta de maneira tal, que se produz à crença de que ela domina tudo e a

todos. Deste modo, o poder é visto como algo concreto e único; Trata-se de algo que alguém ou algum
objeto possui. É imanente a si. A idéia que perpassa algumas definições acerca da notícia, coloca-a como

transmissora de conhecimento, correia de transmissão da ideologia, ressaltando o caráter manipulador,


dominador, falseador e fragmentador da realidade.

O poder, como construção na notícia, insere-se na esfera do discursivo e aponta para a disputa presente em

qualquer interação comunicativa. Neste sentido, o poder, às vezes, concretiza-se de forma explicita (batizar,

prender, ter a última palavra num diálogo etc.) ou de implicitamente, mediante a adoção de regras

obrigatórias às interações – polidez, tomada de turno numa conversa, ouvir etc. Diante desta premissa, a
notícia passa a ser um lugar de construção de sentidos, de sujeitos e de realidade. Neste caso, como tantas
vezes repetido, o sentido instável e negociável.

Sob este aspecto, o poder está mais ligado à esfera da recepção do que da produção. O poder de uma

notícia reside nos efeitos que pode ou não produzir na sociedade, ou seja, no nível de recepção dos
indivíduos, se eles a recebem, a reconhecem, a aceitam, a consomem, e, por conseguinte, assimilam ou não
o poder intrínseco a ela. A este respeito, Araújo (2002, p.40), pertinentemente, comenta que,

[...] os modelos de comunicação disponíveis não permitem apreciar adequadamente os processos

de negociação dos sentidos, conferindo à circulação um papel coadjuvante entre produção e

recepção. Neste quadro, os textos são considerados produtos, desprezando os processos discursivos

de produção, circulação e consumo textual. Também, em sua maioria, não desenvolvem uma visão

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multipolar das relações comunicativas, que contemplem a polifonia social. Não é de se estranhar,
diante disto, que os contextos sejam esquecidos.

A ressalva à importância do contexto, deve-se ao fato dele determinar, por exemplo, os produtos
jornalísticos e até mesmo as características formais das notícias, de acordo com o grau de rigidez e de

ritualização de cada empresa. O conjunto de regras, normas e códigos presentes nas notícias são o que as
definem como um gênero de discurso. Assim, o jornalista deve-se amoldar às convenções de cada gênero de

discurso e a cada situação ritualizada de comunicação que enfrentar, como forma de sobrevivência
profissional.

O conceito de hegemonia proposto por Fairclough (2001), a partir da concepção gramsciana de hegemonia,

devolve à notícia uma dimensão, antes reprimida por explicações marxistas e ortodoxas, frankfurtianas,
funcionalistas, positivistas, entre outras. É neste sentido que pensamos a notícia, enquanto eixo de poder

constituinte do campo jornalístico, como instrumento de luta ideológica na dimensão das práticas discursivas
e sociais, e como processo de negociação e articulação de sentidos, no mercado simbólico.

Como eixo de poder, a notícia emerge como faceta da luta hegemônica, a qual contribui, em graus variados,

para a reprodução ou transformação não apenas da ordem de discurso, como também das relações sociais

assimétricas existentes. No mercado simbólico, as instituições, em geral, desenvolvem estratégias de luta,

com o intuito de conquistarem o poder de dar a última palavra sobre determinada temática. Mesmo as que

estão “estabilizadas” hegemonicamente, participam deste processo, entre instâncias discursivas desiguais. O
resultado desta luta, negociação e articulação de sentidos materializa-se, exatamente, na notícia.

Considerações Finais

A construção da notícia não segue uma trajetória livre. Pensar a notícia como discurso é percebê-la como

constituinte de uma prática, que se caracteriza não somente por representar o mundo, mas também por
significá-lo e construí-lo sem perder de vista a constituição discursiva da sociedade como prática social,

firmemente enraizada em estruturas sociais materiais e concretas. Esta afirmação demanda a compreensão

de que as pessoas lidam com práticas concretas na sua existência e no seu dia-a-dia. Logo, os discursos não

atuam sozinhos, mas estão conjugados a outras práticas sociais e, portanto, a constituição per se dos
discursos possui, dialeticamente, restrições e limites provenientes das estruturas sociais, que incluem as
relações e lutas de poder individuais.

Algumas formas vigentes de análise da notícia privilegiam a visão estática das relações de poder, com

ênfase exagerada na função do amoldamento ideológico dos textos lingüísticos, quando da reprodução das
relações de poder. Pouca atenção é dispensada tanto à luta e transformação nas relações de poder quanto

ao papel da linguagem então desempenhado. A ênfase maior recai sobre a descrição dos textos, enquanto

produtos acabados, com bem menor destaque aos processos de produção e interpretação textual ou às
tensões que marcam tais processos.

Ao pensarmos a notícia, por esta perspectiva, nega-se a existência de uma ideologia dominante, como se

acreditava há algum tempo atrás. Existem, sim, ideologias e, por conseguinte, há vários tipos de discursos,

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investidos e reinvestidos ideologicamente, de diferentes formas. O poder reside nas lutas por hegemonia, e

o modo de dominação fundamenta-se em alianças, ou seja, na incorporação de grupos subordinados e na


geração de consentimento. Logo, as hegemonias são produzidas, reproduzidas, contestadas e transformadas
nos discursos, ou seja, nas notícias.

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