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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
CURSO DE MESTRADO EM LETRAS
ÁREA: ESTUDOS DE LINGUAGEM

CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE LEITURA NA EJA: uma experiência


com professores de 4º ciclo

Allan de Andrade Linhares

Teresina-PI
2012
1

Allan de Andrade Linhares

CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE LEITURA NA EJA: uma experiência


com professores de 4º ciclo

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Mestrado


Acadêmico em Letras, da Universidade Federal do Piauí -
UFPI, como requisito para obtenção do grau de Mestre em
Letras, na área de concentração de “Estudos de Linguagem”,
sob orientação da Profª. Drª. Iveuta de Abreu Lopes.

Teresina-PI
2012
2

Allan de Andrade Linhares

CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE LEITURA NA EJA: uma experiência


com professores de 4º ciclo

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Mestrado


Acadêmico em Letras, da Universidade Federal do Piauí -
UFPI, como requisito para obtenção do grau de Mestre em
Letras, na área de concentração de “Estudos de Linguagem”,
sob orientação da Profª. Drª. Iveuta de Abreu Lopes.

Aprovada em 21/06/2012.

Banca Examinadora

______________________________________________________
Profª. Drª. Iveuta de Abreu Lopes - UESPI
(Presidente)

______________________________________________________
Profª. Drª. Maria da Glória Soares Barbosa Lima - UFPI
(Examinadora)

______________________________________________________
Profª. Drª. Catarina de Sena Siqueira Mendes da Costa - UFPI
(Examinadora)

______________________________________________________
Profª. Drª. Maria Auxiliadora Ferreira Lima – UFPI
(Suplente)
3

Ao meu Deus, por ter me feito entender que aos


“[...] homens é isso impossível, mas a Deus tudo é
possível” (MATEUS, 19:26).
4

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, pela confiança depositada em mim e pelo apoio constante. Mesmo não
entendendo exatamente o que significava um curso de Mestrado, mantiveram-se firmes nos
incentivos e palavras de estima.

À Universidade Federal do Piauí, pela condição de realizar o curso de Mestrado.

À minha orientadora, professora Iveuta de Abreu Lopes, pela oportunidade de ter recebido
suas orientações. Sou agradecido por ter me inserido no mundo da pesquisa, concedendo
ensinamentos com muita competência e responsabilidade.

À professora Maria Angélica Freire de Carvalho, pelas incansáveis dicas concedidas,


direcionando críticas e leituras que me deram maior maturidade na percepção do objeto
estudado.

À professora Maria da Glória Soares Barbosa Lima, pelas valiosas dicas na avaliação deste
estudo.

Aos professores do curso, pelas discussões que enriqueceram meu universo de leituras.

À Janice, secretária do Mestrado, pelas gentis e dedicadas orientações concedidas.

À Secretaria de Educação do Estado do Piauí, pelo incentivo à capacitação profissional,


propiciando-me a disponibilidade para frequentar o Mestrado em Letras.

À Secretária Municipal de Educação de Parnaíba por viabilizar meu ingresso nas escolas
envolvidas na pesquisa.

Às diretoras e professoras das escolas em que desenvolvi o estudo, pela aceitação e


colaboração com a pesquisa.

Ao meu amigo-irmão, Joel Araujo dos Santos, pela absoluta dedicação em me mostrar que eu
era capaz. Presto minha sincera gratidão a você que acompanhou tão de perto todas as agonias
5

vividas e, sempre, esteve firme no trabalho de desfazê-las.

Aos amigos Filomena, Marília, Samuel e Manoel, pela torcida para a concretização desta
produção e por entender que os momentos de ausência nas madrugadas poéticas foram tão-
somente resultado do trabalho para a realização de um grande anseio.

Aos meus alunos, fonte de estímulo para a constante busca do conhecimento.

À Aurineide Aguiar, amiga querida, por se desfazer de tantos compromissos profissionais e se


dedicar à revisão textual deste trabalho.

À Leila Patrícia, por toda a força que me concedeu durante todo o período que estive em
Teresina.

Aos colegas do Curso de Mestrado, em especial, a estas que se tornaram amigas: Márcia
Ananda, Luciana Libório e Mackléia Maiara.

A todos que, de alguma forma, estiveram envolvidos na realização deste trabalho e que, no
momento, pela emoção de chegar ao fim de mais uma etapa, pelo enfado mental e físico, eu
não tenha lembrado.
6

O produto do trabalho de produção se oferece ao


leitor, e nele se realiza a cada leitura, num processo
dialógico cuja trama toma as pontas dos fios do
bordado tecido para tecer sempre o mesmo e outro
bordado, pois as mãos que agora tecem trazem e
traçam outra história. Não são mãos amarradas – se
o fossem, a leitura seria reconhecimento de sentidos
e não produção de sentidos; não são mãos livres que
produzem o seu bordado apenas com fios que
trazem nas veias de sua história – se o fossem, a
leitura seria um outro bordado que se lê, ocultando-
o, apagando-o, substituindo. São mãos carregadas
de fios, que retomam e tomam os fios que no que se
disse pelas estratégias de dizer se oferece para a
tecedura do mesmo e outro bordado.

JOÃO WANDERLEY GERALDI


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RESUMO

Entendendo leitura como um processo em que o leitor interage com o texto e a ele atribui
sentidos, desenvolvemos este estudo com o objetivo de investigar as concepções de leitura e
práticas empregadas pelas professoras de 4º ciclo de EJA nesse processo de ensino. A fim de
alcançar o objetivo pretendido, mantivemos diálogo com diferentes autores, entendendo as
múltiplas abordagens da leitura. São alguns deles: Koch (1987, 2009); Kleiman (2002, 2007,
2008a, 2008b, 2010); Solé (1998); Marcuschi (1999, 2003, 2008, 2010); Bortoni-Ricardo,
Machado, Castanheira (2010); PCN (1998); Proposta Curricular para a Educação de Jovens e
Adultos: primeiro e segundo segmentos (2001, 2002). Por se tratar de um estudo que se
dedica à interpretação de ações sociais, a investigação sobre o contexto escolar de leitura em
EJA desenvolveu-se por meio de uma pesquisa de natureza qualitativa, adotando uma
perspectiva etnográfica. Para tanto, utilizamos como procedimentos a observação participante
das aulas de quatro professoras, as quais foram gravadas em áudio. Procedemos, também, a
entrevistas, realizamos notas de campo e recolhemos materiais. Os resultados do estudo
evidenciam que, ao desenvolver o ensino de leitura no cotidiano de orientações leitoras, as
professoras priorizaram, no que dizem e no que fazem, concepções de leitura que pouco
possibilitam ao leitor construir sentidos, haja vista que as com foco no autor e no texto,
aparecem predominantemente. Observamos, também, que o ensino de estratégias claras para o
processo de leitura não foi privilegiado e o que predomina é a interpretação do professor.
Quanto ao material didático usado para ensinar leitura, as professoras ofereceram poucas
oportunidades aos alunos, por meio das atividades selecionadas e da condução delas, para
compreender os gêneros textuais em questão, além de optarem, no que se refere à
compreensão textual, por questões de localização ou construíam respostas para eles. Com o
estudo realizado, percebemos que o ensino de leitura desenvolvido nas turmas pesquisadas
pouco oferece aos alunos de EJA meios para atuar, significativamente, como um leitor social,
mesmo que as professoras tenham tentando uma aproximação com o texto e com a leitura.

Palavras-chave: Ensino de leitura. Concepções de leitura. Práticas de leitura. Material


didático. Sentidos.
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ABSTRACT

Understanding reading as a process in which the reader interacts with the text and it assigns
meanings, this study was developed aiming to investigate the conceptions of reading and
practices employed by female teachers of the fourth cycle of adult and young education (EJA)
in the teaching process. In order to achieve the desired goal, we have maintained dialogue
with different authors, understanding the multiple approaches to reading. Here are some of
them: Koch (1987, 2009), Kleiman (2002, 2007, 2008a, 2008b, 2010); Solé (1998);
Marcuschi (1999, 2003, 2008, 2010); Bortoni-Ricardo, Machado, Castanheira (2010), NCP
(1998); Curriculum Proposal for the Education of Young and Adults: first and second
segments (2001, 2002). Because it is a study devoted to the interpretation of social actions,
the inquiry about the school context of reading in adult and young education school was
developed through a qualitative research, adopting an ethnographic perspective. It was used
procedures such as participant observation of classes of four teachers, which were recorded
with audio. The interviews, collection field notes and gathering materials held along the
process, too. The study results show that in developing the teaching of reading in the daily
guidelines of reading, the teachers prioritized, concerned with what is said and done,
conceptions of reading which enable a bit the reader to construct sense, considering that the
concepts with a focus on the author and the text, appeared predominantly. It was also
observed that the clear strategies of teaching for the reading process was not privileged and
the predominant interpretation is based on the teacher’s view. As for the textbooks used to
teach reading, the female teachers offered few opportunities to students through selected and
guided activities by them; to understand the types of textual genres in question, and beyond
opt, in relation to reading comprehension, for issues location or constructed responses to the
texts. In this study, it was realized that the teaching of reading developed according to the
researched classrooms of young and adult education ( EJA) just a bit, not enough, of means to
the student to act significantly as a social reader, even if the teachers have tried to bring closer
the text with the reading.

Keywords: Teaching Reading. Conceptions of reading. Reading Strategies. Textbook.


Senses.
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CONVENÇÕES PARA TRANSCRIÇÃO

Os nomes dos sujeitos-participantes da pesquisa são representados por letras, e as


convenções para transcrição de fala são as seguintes:

(...) trecho curto não-transcrito


[ ] reconstituição da fala pelo analista
... pausa
[...] trecho incompreensível
::: alongamento de vogal na fala
MAIÚSCULAS: tom de voz com efeito de ênfase
Negrito: ênfase do analista

Foram também utilizados os seguintes sinais convencionais de pontuação gráfica:


vírgula (,); ponto (.); ponto de exclamação (!); ponto de interrogação (?) e as convenções
ortográficas do português.
10

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 13

2 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL............................................. 16


2.1 Primeiras manifestações de EJA no Brasil........................................................................ 16
2.2 Em busca de políticas de conscientização em EJA............................................................ 19
2.3 EJA pós anos 1960 ............................................................................................................ 22
2.4 EJA: práticas em consolidação e desafios para a redemocratização social ...................... 24
2.5 Em busca de novas perspectivas para o trabalho com EJA............................................... 27
2.6 A EJA nos anos 1990: desafios e cenário pré-reformas educativas................................,. 27
2.7 A EJA na atualidade: demandas e perfil ........................................................................... 31
3 A LEITURA COMO UM PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS............. 33
3.1 Abordagens teóricas de leitura ..................................................................................... 34
3.1.1 Abordagens teóricas de leitura na EJA ......................................................................... 41
3.2 Ensino de leitura ............................................................................................................... 42
3.2.1 Ensino de leitura na EJA ............................................................................................ 44
3.2.2 Concepções de leitura e ensino ...................................................................................... 46
3.2.2.1 A leitura focada no autor ............................................................................................. 49
3.2.2.2 A leitura focada no texto ............................................................................................. 51
3.2.2.3 A leitura focada na interação entre autor-texto-leitor ................................................. 53
3.2.3 Estratégias de leitura ...................................................................................................... 54
3.2.4 Leitura: práticas de múltiplos letramentos ..................................................................... 60
3.2.4.1 Letramento na EJA ...................................................................................................... 62
3.2.5 Ensino de leitura e os gêneros textuais .......................................................................... 64
4 A PESQUISA ...................................................................................................................... 67
4.1 A pesquisa qualitativa ....................................................................................................... 68
4.2 O processo de investigação ............................................................................................... 70
4.2.1 Descrição e acesso ao campo ......................................................................................... 70
4.2.2 Os colaboradores da pesquisa ........................................................................................ 75
4.2.3 Métodos de coleta de dados ........................................................................................... 76
5 CONCEPÇÕES E PRÁTICAS NO ENSINO DE LEITURA: o que as professoras
dizem ...................................................................................................................................... 81
5.1 Formação em leitura: atualização profissional .................................................................. 82
11

5.2 Formação em leitura: conhecimentos adquiridos para o exercício da docência................ 85


5.2.1 Professora W .................................................................................................................. 85
5.2.2 Professora M .................................................................................................................. 87
5.2.3 Professora V ................................................................................................................... 88
5.2.4 Professora R ................................................................................................................... 89
5.3 Concepções de leitura das professoras .............................................................................. 91
5.3.1 Concepções adotadas pela professora W........................................................................ 91
5.3.2 Concepções adotadas pela professora M........................................................................ 92
5.3.3 Concepções adotadas pela professora V......................................................................... 93
5.3.4 Concepções adotadas pela professora R ........................................................................ 96
5.4 Experiências das professoras enquanto leitoras ................................................................ 97
5.4.1 Rotina de leitura de W.................................................................................................... 98
5.4.2 Rotina de leitura de M.................................................................................................... 98
5.4.3 Rotina de leitura de V..................................................................................................... 99
5.4.4 Rotina de leitura de R..................................................................................................... 99
5.5 Estratégias eleitas para o ensino de leitura ...................................................................... 102
5.5.1 Estratégias eleitas pela professora W ........................................................................... 103
5.5.2 Estratégias eleitas pela professora M ........................................................................... 105
5.5.3 Estratégias eleitas pela professora V ............................................................................ 107
5.5.4 Estratégias eleitas pela professora R ........................................................................... 109
5.6 O material didático para o ensino de leitura ................................................................... 111
5.6.1 Professora W................................................................................................................. 111
5.6.2 Professora M................................................................................................................. 112
5.6.3 Professora V.................................................................................................................. 113
5.6.4 Professora R.................................................................................................................. 113
6 CONCEPÇÕES E PRÁTICAS NO ENSINO DE LEITURA: o que as professoras
fazem .................................................................................................................................... 115
6.1 Concepções de leitura das professoras ............................................................................ 115
6.1.1 Concepções adotadas pela professora W...................................................................... 115
6.1.2 Concepções adotadas pela professora M...................................................................... 118
6.1.3 Concepções adotadas pela professora V....................................................................... 119
6.1.4 Concepções adotadas pela professora R ...................................................................... 121
6.2 Estratégias eleitas para o ensino de leitura ...................................................................... 123
6.2.1 Estratégias eleitas pela professora W............................................................................ 124
12

6.2.2 Estratégias eleitas pela professora M............................................................................ 130


6.2.3 Estratégias eleitas pela professora V............................................................................. 135
6.2.4 Estratégias eleitas pela professora R............................................................................. 143
6.3 O material didático para o ensino de leitura ................................................................... 151
6.3.1 As escolhas da professora W........................................................................................ 152
6.3.2 As escolhas da professora M......................................................................................... 157
6.3.3 As escolhas da professora V......................................................................................... 162
6.3.4 As escolhas da professora R......................................................................................... 165

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 172

REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 175

APÊNDICE.......................................................................................................................... 181
APÊNDICE A - Questões das entrevistas aplicadas com as professoras colaboradas da
pesquisa ................................................................................................................................. 182
ANEXOS .............................................................................................................................. 184
ANEXO A – Declaração da SEDUC/Parnaíba que autoriza a realização da pesquisa ........ 185
ANEXO B – Dicas de interpretação indicadas pela professora W ...................................... 186
ANEXO C – Texto utilizado pela professora W................................................................... 187
ANEXO D – Material indicado pela professora W para trabalhar o gênero crônica............ 188
ANEXO E – Tipologia das perguntas de compreensão em LDP ........................................ 189
ANEXO F– Avaliação elaborada pela professora V ........................................................... 191
13

1 INTRODUÇÃO

A relação do homem com o mundo se processa em interação, assim, em diversos


contextos ele estabelece diálogos, criando formas de inserção social a fim de não ficar
excluído das práticas sociais pertinentes ao seu meio. Uma das práticas sociais a que o homem
busca adquirir o acesso é a leitura, cujo domínio é visto como forma de alcance de um
prestígio social, possibilitando-o inferir significativamente nas práticas que vivencia.
Concordamos que “a leitura é um processo interativo, no sentido de que os diversos
conhecimentos do leitor interagem em todo momento com o que vem da página para chegar a
compreensão”. (KLEIMAN, 2008a, p. 17). A leitura é entendida nessa produção como um
fenômeno em que sua aprendizagem implica entender como os textos funcionam nas diversas
práticas socioculturais. Considerando essa assertiva, o leitor tem a oportunidade de entender
como os textos funcionam nos mais diversos lugares sociais e elegem estratégias necessárias
para construir sentidos possíveis para os enunciados apresentados.
Entendemos, assim, que o professor necessita, como um agente de letramento, ter
acesso a uma formação teórica em leitura que lhe encaminhe a uma práxis docente que
priorize estratégias e concepções de leitura relevantes para a formação de cidadãos
proficientes, expondo-os às mais diversas práticas socioculturais. Além do que este professor
precisa ter apreço pela leitura, condição necessária para um ensino efetivo.
Consideramos que, não possuindo ou não sabendo ativar as habilidades e os saberes
acima apontados, o professor tem dificuldades para ajudar seus alunos a construírem
conhecimento por meio da leitura. Esse quadro resulta, portanto, em um evento que muito nos
preocupa, quando em nossas experiências como docentes, constatamos práticas de leitura que
negam o trabalho do leitor como construtor de sentidos, as quais desconsideram os vários
conhecimentos que arquiva. Práticas que também não exploram o universo de significação do
texto, pois não são centradas em um trabalho discursivo.
Em relação ao nosso foco de interesse, o ensino de leitura dirigido pelos professores de
EJA, as diretrizes que têm feito parte do ensino de leitura não têm sido diferentes das
abordagens dirigidas aos demais públicos, as práticas são calcadas na reprodução, e não em
processos criativos. No trabalho com o texto, o professor privilegia a capacidade de
memorização do escrito, excluindo a riqueza da experiência e criatividade dos alunos. Para
um trabalho efetivo na EJA, temos o entendimento de que o professor precisa conhecer e
entender o espaço e as vivências desse segmento de ensino, a fim de eleger concepções e
práticas adequadas a esse contexto.
14

Elegemos como objetivo desta pesquisa investigar as concepções de leitura e as práticas


adotadas pelo professor nesse processo de ensino. Especificamente, outros objetivos que
contemplam este estudo são: (i) caracterizar as concepções de leitura escolhidas pelo
professor no cotidiano de orientações leitoras; (ii) analisar as estratégias de leitura adotadas
pelo professor nos encaminhamentos para o estudo do texto; (iii) caracterizar as escolhas e a
forma de abordagem do material didático utilizado pelo professor no ensino de leitura.
A fim de alcançar os objetivos propostos, propusemos alguns questionamentos
norteadores:
 A formação em leitura das professoras reflete no trabalho de leitura?
 Que concepções de leitura permeiam o trabalho das professoras?
 As concepções de leitura eleitas pelas professoras proporcionam aos alunos construir
sentidos para os textos?
 As experiências das professoras enquanto leitoras refletem no seu trabalho com a
leitura?
 As estratégias de compreensão leitora eleitas para a realização do ensino de leitura
permitem uma compreensão leitora eficiente?
 O material didático utilizado e os encaminhamentos para trabalhá-lo são adequados
para o desenvolvimento da competência leitora dos alunos?

A opção por este objeto de estudo deve-se ao fato de considerarmos a leitura um meio
para o cidadão compreender os seus espaços culturais e interagir, conscientemente, neles. Para
chegar a essa condição, ao leitor precisa ser dada a oportunidade de eleger meios para
compreender as leituras a ele dispostas. Para tanto, cabe ao professor a formação desse
sujeito-leitor. Esclarecemos, ainda, que a opção pela aplicação da pesquisa em turmas de EJA
se justifica por entendermos a necessidade de um ensino de leitura que prestigie todos os
conhecimentos acumulados pelos alunos, pois acreditamos que os elementos que distinguem a
EJA das outras modalidades de ensino são os aspectos socioculturais (interesses,
conhecimentos, expectativas) desses alunos, cujos interesses precisam ser respeitados.
Várias abordagens de leitura foram tomadas para construir a base teórica desta
produção, como Kleiman (2002, 2007, 2008a, 2008b, 2010), Koch (2009, 2010), Solé (1998),
PCN (1998), Marcuschi (1999, 2003, 2008, 2010), Durante (1998), Propostas Curriculares
para a EJA: primeiro e segundo segmentos (2001, 2002), dentre outros.
Sabemos que os resultados do estudo desenvolvido nesta dissertação não se estendem a
15

todas as turmas da modalidade EJA, mas acreditamos que proporcionam contribuição para as
pesquisas na área em virtude de termos realizado uma minuciosa descrição do ensino de
leitura empreendido nas quatro turmas de EJA de escolas públicas municipais. Propiciam
reflexões sobre as atividades de leitura desenvolvidas, em especial, sobre as concepções e
práticas que os professores elegem para desenvolvê-las, além dos encaminhamentos utilizados
para trabalhar o material didático que escolhem. Tomando esses estudos como norteadores,
foi possível avaliar os resultados que práticas menos significativas trazem e a possibilidade de
repensar o ensino que oferecemos aos nossos alunos.
Para elaborar esta dissertação, empregamos procedimentos metodológicos da etnografia.
O material coletado durante os três meses de pesquisa, constituído por transcrições, notas de
campo e os materiais recolhidos no local, passaram por uma revisão minuciosa a fim de
selecionar aqueles que descreviam com maior fidelidade possível o que percebemos no
ambiente da pesquisa, ou seja, os que revelavam as concepções e práticas que constituem o
ensino de leitura desenvolvido pelo professor-leitor. Após a sistematização dos dados,
procedemos à interpretação construindo bases comparativas entre as teorias a que nos filiamos
e os dados encontrados.
Estruturamos esta dissertação da seguinte maneira: no primeiro capítulo, apresentamos
os propósitos do trabalho, destacando seu objeto de estudo, objetivos, questões norteadoras e
metodologia empregada. No segundo capítulo, apresentamos esboço histórico da EJA no
Brasil, refletindo sobre as práticas empregadas ao longo dos anos. No terceiro, discorremos
sobre as bases teóricas que norteiam nosso estudo e tratamos, dentre outros aspectos, das
concepções de leitura e práticas para o ensino. No quarto capítulo, apresentamos o percurso
da pesquisa, engendrando pela descrição dos métodos de coletas de dados e pela descrição dos
ambientes em que a pesquisa foi realizada. No quinto e no sexto, após sistematização, fizemos
a interpretação das transcrições, notas de campo e materiais recolhidos no local a fim de
revelar as concepções e práticas que constituem o ensino de leitura do professor-leitor. No
quinto capítulo, tratamos como as professoras dizem realizar o ensino de leitura e, no sexto, o
que elas, de fato, fazem na execução desse ensino. Por fim, no sétimo capítulo, fizemos
algumas considerações acerca do trabalho e incluímos suas possíveis contribuições para o
meio acadêmico, bem como para os professores que trabalham na EJA.
16

2 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL

Para os navegantes com desejo de vento a


memória é um ponto de partida. (EDUARDO
GALEANO)

Este capítulo contextualiza o quadro histórico do desenvolvimento da Educação de


Jovens e Adultos no Brasil. Consideramos que esse resgaste é necessário para a compreensão
das raízes de muitas práticas presentes no ambiente escolar de EJA.
Um histórico das políticas de EJA no Brasil, embora sucinto, faz-se necessário para
entender que os sistemas educacionais e movimentos educativos espelham as condições
sociais, econômicas e políticas de uma sociedade. A EJA é considerada um campo complexo
porque envolve questões além do educacional, as relacionadas à situação de desigualdade
socioeconômica em que se encontra grande parte da população do nosso país (DURANTE,
1998).
Paiva (1973) esclarece que no decorrer da história da educação várias crises foram
deflagradas e, ao mesmo tempo, serviram como fator primordial na ação educativa, sobretudo,
na educação das grandes massas populares, pois os grupos que lideravam a política
encontravam na educação uma forma de fortalecer seu poderio. A educação assumiu,
portanto, um forte meio impositivo de ideologias para manutenção do poder e como um meio
de acesso a ele.

2.1 Primeiras manifestações de EJA no Brasil

A primeira manifestação de EJA no Brasil deu-se no período colonial a partir do


sistema educacional executado pelos jesuítas, que desenvolveram uma sistemática de
aculturação dos nativos, processo que durou por mais de dois séculos.
Segundo Piletti (1988), igreja e coroa portuguesa foram aliadas na conquista das terras
brasileiras a fim de alcançar o objetivo maior, a coroa propiciava o trabalho missionário, ao
passo que os índios eram convertidos aos costumes portugueses. Assim, à medida que os
jesuítas buscavam a salvação das almas, também conduziam o ingresso dos elementos
colonizadores. Acredita-se que a coroa ficou temerosa com a autonomia ganhada pelos
jesuítas na atuação diante do sistema educacional que ora desenvolviam, assim resolveu
combater essa influência ganhada por eles e, consequentemente, interrompeu o processo
missionário através da expulsão dos padres da colônia, o que não foi favorável à elite da
17

época, haja vista a ausência de educação popular.


Defendemos os argumentos de Paiva (1973) quando ele afirma que a educação dos
adultos indígenas era considerada irrelevante, pois dominar os processos de leitura e escrita,
dentre outras habilidades não serviria para atender aos anseios da sociedade colonial, pois
eram basicamente voltados para exportação de produtos; logo, não seria necessário expandir
saberes para toda a sociedade.
Tal quadro se modificou com a mudança da Família Real para o Brasil, porque o
Sistema Educacional deveria, naquele momento, organizar-se para atender à aristocracia
portuguesa.
A educação de adultos passou a delimitar seu espaço na história da educação brasileira a
partir da década de 1930, período em que se consolidou um sistema público de educação. O
processo de industrialização e concentração populacional em centros urbanos marcaram
transformações no cenário demográfico brasileiro.
O ensino básico público foi disponível aos mais diversos setores da sociedade, o que
propiciou a ampliação da educação elementar pelo Governo Federal, que traçou diretrizes
educacionais unificadas, especificando responsabilidades dos Estados e Municípios.
Essa ação também inclui esforços de extensão de ensino aos adultos, cujas práticas,
foram mais incisivas a partir da década de 1940 (BRASIL, 2001). Nessa época, diante das
demandas profissionais, o domínio da leitura e da escrita passou a ser exigência.
O declínio da Era Vargas em 1945 marcou a redemocratização no Estado brasileiro.
Salienta-se que a alfabetização e a educação de adultos foram percebidas como instrumento
de redemocratização, polarizaram as atenções pela possibilidade de utilização da educação em
função de novos objetivos políticos. Segundo a Proposta Curricular para o 1º segmento de
EJA (2001, p.19-20):

[...] A Segunda Guerra Mundial recém terminara e a ONU - Organização das Nações
Unidas - alertava para a urgência de integrar os povos visando a paz e a democracia.
Tudo isso contribuiu para que a educação dos adultos ganhasse destaque dentro da
preocupação geral com a educação elementar comum. Era urgente a necessidade de
aumentar as bases eleitorais para a sustentação do governo central, integrar as
massas populacionais de imigração recente e também incrementar a produção.

Por meio do Decreto-Lei n° 8.529, de janeiro de 1946, foi instituída a Lei Orgânica do
Ensino Primário, que normatizava, no capítulo III do título II, o curso supletivo, destinado a
adolescentes e adultos, realizado em dois anos. Ainda em 1946, a educação foi reconhecida
como direito de todos pela Constituição Federal.
18

Segundo a Proposta Curricular do 1º segmento de EJA (2001), a educação de jovens e


adultos teve sua identidade nacional de massa em 1947 sob a Campanha de Educação de
Adolescentes e Adultos (CEAA), cuja coordenação ficou a cargo do Serviço de Educação de
Adolescente e Adultos (SEAA), órgão do Ministério da Educação que teve por objetivo, em
uma primeira etapa, executar a alfabetização em três meses e compactar o curso primário em
dois períodos de sete meses.
Após esse período, os alunos seriam direcionados a uma chamada “ação em
profundidade”, cuja intenção era capacitação profissional e desenvolvimento comunitário. A
referida campanha contou, inicialmente, com a direção do professor Lourenço Filho que
obteve resultados muito satisfatórios, uma vez que articulou e ampliou os serviços já
existentes, além de tê-los levado para outras regiões do país.
Em um período recorde foram criadas várias escolas de supletivo, contando com o apoio
de diversos profissionais, além de mão-de-obra voluntária. Uma outra contribuição deixada
por essa empreitada foi a modificação da práxis dos educadores de adultos, que era executada
seguindo as mesmas características da educação infantil. Essa postura evidencia a
consideração do adulto não escolarizado como um ser imaturo, “ignorante”; por isso,
entendiam que o processo de alfabetização deveria seguir os mesmos métodos e conteúdos da
escola primária.
Durante a própria CEAA, teorias modernas da psicologia desmentiam postulados de que
a capacidade de aprendizagem dos adultos seria menor do que a das crianças. Em 1945,
Lourenço Filho lançando mão de estudos da psicologia experimental, argumentara nesse
sentido.
É importante esclarecer que a EJA, embora tenha começado a despertar interesse quanto
à abordagem pedagógica mais adequada, não foi desenvolvida sob uma abordagem
metodológica específica. Quanto ao tratamento dado aos processos de leitura e escrita, não se
observaram avanços nas indicações metodológicas, pois a concepção de alfabetização
continuou a ser inspirada na aquisição de um código alfabético e na sua decodificação. Essa
concepção só ganhou novo entendimento, em 1960, com Paulo Freire.
A implementação da CEAA teve como consequência a configuração de um campo
teórico-pedagógico com orientação para discussão sobre o analfabetismo e a educação de
Jovens e Adultos no Brasil. Até esse momento, o analfabetismo era concebido como causa, e
não efeito da situação econômica, social e cultural do país; daí, o entendimento do adulto
analfabeto como incapaz e marginal (CUNHA, 1999). Com o contexto da CEAA ainda em
voga, foi realizado, em 1958, o II Congresso Nacional de Educação de Adultos, com o que se
19

buscava uma redefinição das características específicas dessa modalidade, para a qual
deveriam ser feitas reflexões sobre aspectos sociais, não apenas sobre os aspectos
pedagógicos do processo de ensino-aprendizagem.
A confiança na capacidade de aprendizagem dos adultos e da definição de um método
de ensino de leitura para adultos conhecido como Laubach inspiravam a iniciativa do
Ministério da Educação de produzir, pela primeira vez, por ocasião da campanha de 1947,
material específico para o ensino da leitura e da escrita para todos.
De acordo com a Proposta Curricular (2001), o Primeiro Guia de Leitura, distribuído
para as escolas supletivas do Brasil, orientava o ensino pelo método silábico. As chamadas
lições partiam de palavras-chave selecionadas e organizadas segundo suas características
fonéticas. Essas palavras deveriam remeter aos padrões silábicos. O aluno deveria memorizar
as sílabas e as remontar a fim de formar outras palavras.
As primeiras lições continham, também, pequenas frases elaboradas com as mesmas
sílabas. Nas últimas lições, as frases constituíam textos curtos com orientações sobre
preservação da saúde, técnicas de trabalho, além de mensagens de conteúdo moral e cívico.
Ainda sobre a Proposta Curricular (2001), com o fim dos anos 1950, houve severas
críticas à Campanha de Educação de Adultos, dirigidas às deficiências administrativas,
financeiras e à orientação pedagógica. O aprendizado em nível superficial dado ao curto
período da alfabetização era alvo de denúncias, além do método empreendido na práxis de
EJA em todas as regiões do país. Tais críticas foram mister para a evolução de uma nova
visão sobre o analfabetismo e, também, para a consolidação de um novo paradigma
pedagógico da referida modalidade de ensino, que teve como uma das referências o educador
pernambucano Paulo Freire.

2.2 Em busca de políticas de conscientização em EJA

A partir dos anos de 1960, a educação passou a ser concebida como instrumento para
minimizar as desigualdades sociais. Buscava-se por partes dos setores populares participação
política, engajamento nos diversos setores sociais. Freire (1990) dialogava com esses anseios
e os transformava em proposta pedagógica, surgindo, assim, um novo paradigma teórico e
pedagógico.
Na perspectiva freiriana, o domínio da leitura e da escrita, em oposição ao que se
aplicava até então, seria concebido como instrumento cultural que oferecia condições para que
os sujeitos interviessem na sociedade. Segundo o educador pernambucano, aquele dito
20

alfabetizado deveria ser capaz de usar a leitura e a escrita como meio de entender a realidade e
transformá-la. A EJA seria vista como meio de afirmação e de desenvolvimento da cultura
popular. Segundo Di Pierro (2001), o paradigma freiriano tinha como meta o diálogo como
princípio da práxis educativa e da aceitação do sujeito de EJA no papel de sujeito de
aprendizagem, em sua produção cultural e na capacidade de agir e de transformar o mundo.
Entende-se, assim, que, para Freire, alfabetização e educação se integravam. Alfabetização é o
domínio de técnicas para escrever e ler em termos discerníveis e resulta numa postura atuante
do homem sobre seu contexto.
Essas ideias de Freire se expandiram no país. Em 1963, o governo encerrou a 1ª
Campanha e encarregou Freire de organizar e desenvolver um Programa Nacional de
Alfabetização de Adultos. Porém, em 1964, com o golpe militar, deu-se uma ruptura nesse
trabalho de alfabetização, já que a conscientização proposta por Freire passou a ser vista como
ameaça à ordem instalada.
As propostas de Freire inspiraram os principais programas de alfabetização e educação
popular do início dos anos de 1960. Estudantes, intelectuais e católicos empreenderam vários
desses programas junto aos grupos populares. Desenvolvendo e aplicando essas novas
diretrizes, atuaram os educadores do Movimento de Educação de Base (MEB), ligado à
Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dos Centros de Cultura Popular (CPC),
organizados pela União Nacional dos Estudantes (UNE); dos movimentos de cultura popular,
que reuniam artistas e intelectuais e contavam com o apoio de administrações municipais.
Em janeiro de 1964, o Plano Nacional de Alfabetização foi aprovado, após várias
pressões dos grupos acima citados, o qual previa a disseminação por todo o Brasil de
programas de Alfabetização orientados pela proposta de Paulo Freire. O plano foi
interrompido, então, pelos militares.
O referencial pedagógico que foi constituído nessas práticas baseava-se em um novo
olhar entre problemática educacional e social. O analfabetismo que era antes visto como causa
da pobreza e da marginalização passou a ser interpretado como efeito da situação de pobreza
gerada por uma estrutura social não igualitária. Assim, o processo educativo seria meio de
interferência na estrutura social que produzia o analfabetismo. Reitera-se, então, que a
alfabetização e a educação de base e de jovens e adultos deveriam partir sempre de um exame
crítico de realidade existencial dos educandos, da identificação das origens de seus problemas
e da possibilidade de superá-los. (BRASIL, 2001).
Paiva (1973), fazendo referência às concepções estabelecidas na proposta de Freire,
comenta:
21

A sociedade tradicional brasileira fechada se havia rachado e entrado em trânsito, ou


seja, chegar o momento de sua passagem para uma sociedade aberta e democrática.
O povo emergia nesse processo, inserindo-se criticamente, querendo participar e
decidir, abandonando sua condição de objeto da história. (PAIVA, 1973, p. 251).

Os ideais pedagógicos difundidos, além das dimensões social e política, tinham um


forte componente ético, o que era percebido no comprometimento do educador com os
educandos. Freire reconhecia os analfabetos como pessoas produtivas, seres culturais, fato
que o fez tecer críticas à chamada “educação bancária”, ou seja, o aluno servia apenas como
depósito de conhecimento transmitido pelo professor que o eximia de desenvolver um
potencial criativo.
Ao considerar o educando sujeito de sua aprendizagem, Freire propunha bases
educativas que não desprestigiassem sua cultura, mas que, por meio de diálogo lhes fossem
possibilitadas transformações. Dizia que o sujeito de EJA deveria sair de uma postura crítica,
necessária a um engajamento ativo no desenvolvimento político e econômico da nação.
Freire (1990) lançou mão de uma proposta de alfabetização de adultos conscientizadora
por meio do princípio que a leitura do mundo precede a leitura da palavra. O educador
desenvolveu um conjunto de procedimentos pedagógicos conhecidos como método Paulo
Freire. Ele previa uma etapa preparatória, momento em que o alfabetizador pesquisava a
realidade do grupo; faria, em concomitância, um levantamento do universo vocabular
utilizado para expressar essa realidade. Desse universo, escolheria as palavras que
expressavam as situações existenciais mais importantes. Posteriormente, um conjunto de
palavras que contivesse os diversos padrões silábicos da língua deveria ser organizado,
segundo um grau de complexidade. Tais palavras seriam geradoras e originariam estudo da
leitura e da escrita, bem como o da realidade. Antes do estudo das palavras geradoras, Freire
propunha um momento inicial em que o conteúdo educativo girava em torno do conceito
antropológico de cultura.
O educador deveria dirigir uma discussão a fim de evidenciar o papel ativo do homem
como produtor de cultura e das diferentes formas de cultura (a letrada e não letrada), o
trabalho, a arte, a religião, a sociabilidade. Esse estudo objetivava, antes de iniciar o
aprendizado do código escrito, levar o educando a assumir-se como sujeito de sua
aprendizagem.
Diversos materiais foram desenvolvidos com orientação desses princípios. Eram
caracterizados não apenas pela relevância à realidade dos adultos, mas, principalmente, pelo
anseio de problematizá-la.
22

2.3 EJA pós anos 1960

A conscientização proposta por Freire passou a ser vista como ameaça à nova ordem, o
golpe militar de 1964. Assim, os programas de alfabetização e educação popular que se
haviam multiplicado entre 1961 e 1964 foram entendidos como ameaçadores à ordem e seus
promotores foram reprimidos.
O Plano Nacional de Alfabetização (PNA) foi interrompido e desorganizado, seus
dirigentes foram presos e seus materiais, apreendidos. Tais atitudes representavam tentativa
de acabar com as práticas educativas que priorizavam os interesses populares.
A partir daí, deu-se o exílio de Freire e o início de programas de alfabetização
assistencialistas e conservadores, até que, em 1967, o governo assumiu o controle da
Alfabetização de Adultos criando o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL),
voltado para a população de 15 a 30 anos, objetivando a alfabetização funcional, aquisição de
técnicas elementares de leitura, escrita e cálculo. Com isso, as orientações metodológicas e os
materiais didáticos esvaziaram-se de todo sentido crítico e problematizador, já proposto por
Freire (CUNHA, 1999).
O MOBRAL surgiu como resposta à grave situação do analfabetismo no Brasil, além de
propiciar educação continuada para adolescentes e adultos. Constitui-se como organização
autônoma em relação ao Ministério da Educação, contando com um volume significativo de
recursos. Em 1969, foi lançado numa campanha de alfabetização de massa.
Na década de 1970, ocorreu a expansão do MOBRAL em termos territoriais e de
continuidade, iniciando-se uma proposta de educação integrada, que objetivava a conclusão
do antigo primário, o qual foi pensado pelo Programa de Educação Integrada (PEI). Esse
programa abria a possibilidade de continuidade de estudos para os recém-alfabetizados, bem
como para os analfabetos funcionais, pessoas que dominavam a leitura e a escrita
precariamente.
De forma paralela, alguns grupos dedicados à educação popular continuaram a realizar
experiências pequenas e isoladas de alfabetização de adultos com propostas que inspiravam
criticidade, seguindo postulados freirianos. Tais experiências tinham vínculos com grupos
populares que se organizavam em oposição à ditadura, comunidades religiosas de base,
associação de moradores e oposições sindicais.
Em 1970, período áureo da Ditadura Militar, o MOBRAL, dotado de muitos recursos,
prometia acabar com o analfabetismo, considerado “vergonha nacional”. Em 1974, o
movimento já estava autorizado a emitir certificados com chancela das secretarias municipais
23

ou estaduais de educação.
O movimento recebeu várias críticas relativas ao pouco tempo destinado à alfabetização
e aos critérios usados para verificação da aprendizagem. Assim, o processo de alfabetização
de jovens e adultos passava por um retrocesso, principalmente, no que diz respeito ao ensino
de línguas, pois as práticas de 1940, que objetivavam a escrita do nome para obter título
eleitoral, foram retomadas.
A ineficiência das práticas desenvolvidas pelo MOBRAL foram levantadas nos estudos
de Soares (2004), quando afirmava que as pessoas alfabetizadas pelo referido movimento,
passado um ano, sofriam retrocesso, ou seja, eram desalfabetizadas. Aprendiam a ler, a
escrever sem fazer uso da escrita e, diante da escassez de material impresso, perdiam
habilidade. Leitura e escrita não eram percebidas como práticas sociais. Eram, portanto,
alfabetizadas, mas não letradas1.
Com o fim da década de 1970, o MOBRAL passou por mudanças em seus objetivos,
uma vez que a proposta de resolver o analfabetismo não estava acontecendo. Assim, em 11 de
agosto de 1971, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 5.692/71 consolidou o
projeto educacional. O ensino supletivo foi regulamentado no capítulo IV da referida lei 2,
assegurando que o supletivo se destinava a suprir a escolarização regular para adolescentes e
adultos que não a tinham seguido ou concluído na idade própria. O documento dedicou um
capítulo exclusivo para EJA. Esta Lei limitou o dever do Estado à faixa etária dos 07 aos 14
anos, mas reconheceu a educação dos adultos como um direito à cidadania, o que pode ser
considerado um avanço para a EJA no Brasil.
Segundo o parecer nº 699 de 1972, o ensino supletivo tinha quatro funções:
a) A suplência. O anseio era suprir a falta de escolarização regular a adolescentes e
adultos que não a tivessem concluído na idade própria;
b) Suprir as carências por meio de estudos de aperfeiçoamento ou atualização para
alunos que não tivessem concluído o ensino regular;
c) Aprendizagem. Destinava-se à formação para o trabalho. Ao SENAI e ao SESI
caberia esse papel;
d) Qualificação. A finalidade era profissionalização, a formação de recursos
humanos para o trabalho sem, no entanto, destinar-se à educação geral.

1
Letramento é um conjunto de práticas de leitura e escrita que resultam de uma concepção de quê, como, quando
e por que ler e escrever. (SOARES, 2004, p. 75).
2
Os fundamentos e características da lei foram explicitados em outros dois documentos: o parecer nº 699 de 28
de junho de 1972 e o documento “política para o ensino supletivo” de 20 de setembro de 1972.
24

A novidade trazida pelo parecer nº 699/72 estava em implantar cursos que dessem outro
tratamento ao atendimento da população que se encontrava fora da escola, a partir da
utilização de novas tecnologias.
O ensino supletivo deveria, portanto, recuperar o atraso, qualificar as práticas do
presente, propiciando a formação de mão-de-obra apta a colaborar com o desenvolvimento da
nação. O referido projeto foi apresentado à sociedade como uma proposta de futuro, a qual
contribuiria com a modernização do país, para tanto, foi proposto um projeto de escola que
não distinguisse sua clientela e não atendesse aos anseios de apenas uma classe, como faziam
os modelos dos movimentos de cultura popular. Para executar tais objetivos, priorizaria
soluções técnicas, afastando-se do enfrentamento político da exclusão do sistema escolar de
grande parte da sociedade, isso negaria à classe trabalhadora uma educação de qualidade.
Observa-se que, ainda hoje, a escola desconsidera as especificidades da EJA, o que se
comprova com a adoção de propostas curriculares que constituem transposições didáticas das
propostas utilizadas no ensino regular, o que anula os saberes e as vivências desses sujeitos.
Em 1974, o Ministério da Educação e Cultura propôs a implantação de Centros de
Estudos Supletivos (CES), os quais se organizavam com trinômio tempo, custo e efetividade.
Esses cursos foram bastante influenciados pelo tecnicismo, adotando-se os modos
instrucionais, o atendimento individualizado, a autoinstrução e a arguição modular semestral.
Segundo Soares (1996), as consequências advindas dessas práticas foram a evasão, o
individualismo, o pragmatismo e a certificação rápida e superficial.
Com a ascensão dos movimentos sociais e o começo da abertura política na década de
1980, as experiências paralelas de alfabetização, desenvolvidas dentro de um formato mais
crítico, baseadas nos postulados de Freire, ganharam corpo. Foram se ampliando, construindo
canais de troca de experiência, reflexão e articulação. Surgiram os projetos de pós-
alfabetização, que propunham um avanço na linguagem escrita e nas operações matemáticas
básicas. Em 1985, desacreditado por meios políticos e educacionais, o MOBRAL foi extinto e
surgiu, em seu lugar, a Fundação Educar, que não executou diretamente os programas,
passando a apoiar financeira e tecnicamente as iniciativas existentes: de governos, entidades
civis e empresas conveniadas. Segundo Cunha (1999), na década de 1980, houve a expansão
de pesquisas sobre a língua escrita e isso marcou positivamente a educação de adultos.

2.4 EJA: práticas em consolidação e desafios para a redemocratização social

Após a Ditadura Militar, iniciou-se um período de reconstrução democrática, assim


25

várias propostas para a educação foram repensadas. Muitas experiências de educação


ganharam corpo, reafirmando e dando consistência ao modelo de alfabetização
conscientizadora da década de 1960.
Movimentos sociais, que não tinham legitimidade oficial, ganharam institucionalidade
e, ressurgiram à cena pública. A ação da sociedade civil, ávida por algumas demandas em
políticas sociais, direcionava-se ao processo de elaboração da nova constituição de 1988.
Segundo Souza (2000), a Constituição Federal do Brasil incorporou como princípio que
toda e qualquer educação visava “ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. (BRASIL, 1988, art. 205). Assim,
o autor deixa claro que esse princípio abrigava o conjunto de pessoas e de educandos como
um universo de referência sem limitações. Logo, a EJA, modalidade estratégica de esforço da
Nação em prol de uma igualdade de acesso à educação como bem social, participava desse
princípio e sob esta luz deve ser considerada.
Essas considerações adquirem substância não só por representarem uma dialética entre
dívida social, abertura e promessa, mas também por se tratar de postulados gerais
transformados em direito do cidadão e dever do Estado, até mesmo em âmbito constitucional,
fruto de conquistas e de lutas sociais. Assim, segundo Souza (2000), essa Constituição
estendeu a garantia de ensino fundamental obrigatório e gratuito para todos os que a ele não
tiveram acesso na idade própria (art. 208, I)3. Com o intuito de criar condições para que essa
decisão fosse implementada, o legislador determinou, nas disposições transitórias (artigo 60)
que, pelo menos, cinquenta por cento dos recursos destinados ao ensino (artigo 212) fossem
aplicados para acabar com o analfabetismo, além de universalizar o ensino fundamental. A
Carta Magna estabeleceu que o estado devia, irrestritamente, oferecer ensino obrigatório e
gratuito e, caso não o fizesse, seria de responsabilidade da autoridade competente. Percebeu-
se que a história da EJA do período subsequente à promulgação da Constituição Federal de
1988 é envolta por contradição entre a garantia do direito juridicamente posto e a negação
pelas políticas públicas.
Esclarece-se, ainda, que embalado pelo discurso de desqualificação da educação de
jovens e adultos contido nas propostas de educadores brasileiros, a Emenda Constitucional nº
14/96, já citada acima, introduziu uma novidade por meio de uma sutil alteração do inciso I
do artigo 208. O governo manteve a gratuidade da educação pública a todos que não tiveram

3
Esta colocação encontra-se na Emenda Constitucional n° 14/96. Mas cumpre sinalizar o modo registrado pela
redação original. Dizia-se: I- ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram
acesso na idade própria.
26

acesso à escolaridade básica, independente da idade, colocando a EJA no mesmo patamar da


Educação Infantil, reconhecendo que a sociedade foi incapaz de garantir escola básica para
todos na idade adequada. Junto a essa reconstrução democrática, experiências em
alfabetização dos anos 1960 foram enriquecidas, repensadas e, portanto, ganharam
consistência.
Destaca-se como avanço dessas experiências mais recentes a inclusão de uma visão de
alfabetização como processo que necessitava de certo grau de continuidade e sedimentação.
Desde os anos 1950, as campanhas de alfabetização sofriam várias críticas pela tentativa de
alfabetizar em poucos meses, com perspectivas vagas de continuidade, o que se constatava
pelos altos índices de regressão ao analfabetismo. Os programas mais atuais destinavam um
tempo maior à alfabetização e pós-alfabetização de 1 a 3 anos. Tais iniciativas visavam à
garantia de que o jovem ou o adulto atingissem maior domínio da cultura letrada, a fim de
prepará-los para utilizar esses saberes na vida diária, bem como prosseguir os estudos.
Os materiais didáticos, seguindo essa nova tendência, tentavam refleti-la. No processo
de alfabetização inicial, as palavras geradoras com suas imagens codificadas e quadros de
famílias silábicas vêm acompanhadas de atividades complementares, como: exercícios de
coordenação motora e exercício para associar palavras e frases a figuras, etc. Outros optavam
por análise de frases geradoras, as quais serviriam para compor pequenos textos4 ( BRASIL,
2001).
Na alfabetização, o material é mais resumido, quase sempre há repetição dos livros
didáticos utilizados no ensino fundamental menor, adaptados, apenas, para temáticas adultas.
Quase sempre as atividades são simplificadas, assim como para o estudo das temáticas
desenvolvidas nos textos. Nos exercícios de escrita, os mais comuns são questionários que
buscam reproduzir os conteúdos dos textos, além da introdução de tópicos gramaticais.
Os educadores de EJA vêm assimilando como princípio pedagógico que a realidade e a
cultura dos sujeitos precisam estar integradas aos conteúdos trabalhados. A EJA tem sido
pensada a partir de um perfil metodológico que considere o caráter crítico e problematizador
dos alunos. Todavia, os livros didáticos trazem, ainda, textos que inspiram visão restritiva
sobre os conteúdos e exercícios que impossibilitam criticar, dialogar com a produção. Há,
portanto, a dissociação entre as leituras de mundo e a leitura da palavra.

4
Verifica-se um maior interesse das publicações em ofertar materiais de leitura adaptados aos chamados neo-
leitores.
27

2.5 Em busca de novas perspectivas para o trabalho com EJA

Com a chegada dos anos 1980, houve a expansão de várias pesquisas no Brasil sobre a
língua escrita com base em fundamentos linguísticos e psicológicos. Essas pesquisas foram
definitivas para a mudança nas práticas de alfabetização, pois a leitura e a escrita passaram a
ser vistas como processos que vão além da decodificação de códigos e sons, mas, sim
envolvendo atividades que criam significados. Esse momento foi marcado por críticas aos
métodos de alfabetização que desconsideravam os contextos significativos de produção dos
textos, bem como o potencial criativo dos alunos.
As contribuições da psicopedagoga argentina Emília Ferrero foram essenciais para rever
e ultrapassar limitações existentes nos métodos baseados na silabação. Ferrero desenvolveu
estudos com adultos analfabetos e constatou que, assim como as crianças, eles possuem uma
série de informações e construção de hipóteses sobre escrita que a escola não as percebe, fato
que interfere negativamente no processo de ensino-aprendizagem.
O trabalho com EJA passou a valorizar os saberes que os alunos detêm (conhecimento
de mundo, de língua, sociointeracionais) e tomá-los como partida para orientar as práticas. As
atividades de leitura foram pensadas a fim de proporcionar criticidade e diálogo com o texto.
Assim, o educador deve ter a preocupação de viabilizar o máximo de textos para que os
alunos possam desenvolver seus saberes (contexto sociocognitivo) e seu repertório
linguístico. É necessário que os sujeitos possam reconhecer as funções das escolhas
linguísticas dos textos que leem e escrevem, além de reconhecer as funções desses textos.

2.6 A EJA nos anos 1990: desafios e cenário pré-reformas educativas

O desafio com EJA , nos anos 1990, passou a ser o estabelecimento de uma política de
metodologias criativas, para tanto, havia a necessidade de universalizar o ensino fundamental
de qualidade.
No cenário internacional, a EJA teve grande reconhecimento como fortalecedora da
cidadania e da formação cultural da população que depende dessa formação, devido às
conferências organizadas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO), que foi criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e tem a
responsabilidade de fomentar o desenvolvimento da educação nos países em
desenvolvimento.
A UNESCO propunha uma chamada nacional para a discussão sobre o assunto, com
28

convocação de delegações de todo o país, tal movimento proporcionou a criação de Fóruns


estaduais de EJA, os quais se expandiram em todo o território nacional. A ONU declarou
1990 como Ano Internacional da Alfabetização.
Os anos iniciais da década de 1990, no que se refere às políticas educacionais, não
foram produtivos. Pelos históricos de EJA traçados até então, percebeu-se o governo federal
como grande articulador das empreitadas de educação de jovens e adultos. Porém, em 1990, o
governo de Fernando Collor de Melo extinguiu a Fundação Educar5, fato gerador do
empobrecimento no que se refere a políticas de apoio ao setor.
Essa iniciativa do governo foi tomada com o intuito de enxugar a máquina
administrativa, pois o então presidente entendia que não se justificava fazer investimentos na
modalidade de EJA. O Ministro da Educação da época, José Goldemberg, em entrevista ao
Estado de São Paulo de 22 de agosto de 1991, confirmou esse posicionamento ao ser
questionado se o analfabetismo deixava de ser prioridade do MEC: “Deixa, sim, e depois de
três dias com o ministro já recebi muitas manifestações de apoio pela medida. Temos de
estancar a fonte do analfabetismo, nos primeiros anos da escola, e não tentar alfabetizar os
adultos”. (O ESTADO DE SÃO PAULO, 22/08/1991).
Percebe-se, com a fala do Ministro, que o governo colocava a educação de crianças e a
de adultos como alternativa mutuamente excludente.
Ratificando a pouca importância dada à EJA pelo governo da época, o ministro da
Educação do Governo Collor, afirmou explicitamente que os investimentos de recursos
materiais e humanos para a referida modalidade de ensino não se justificavam. Em entrevista
ao Jornal do Brasil, afirmou:

O grande problema de um país é o analfabetismo das crianças e não o dos adultos. O


adulto analfabeto já encontrou o seu lugar na sociedade. Pode não ser um bom lugar,
mas é o seu lugar. Vai ser pedreiro, vigia de prédio, lixeiro ou seguir outras
profissões que não exigem alfabetização. Alfabetizar os adultos não vai mudar muito
a posição dentro da sociedade e pode até perturbar. Vamos concentrar novos
recursos em alfabetizar a população jovem. Fazendo isso agora, em dez anos
desaparece o analfabetismo. (JORNAL DO BRASIL, 23/08/91).

Pelo que foi exposto na fala do ministro, vemos um total desrespeito aos jovens e
adultos e ao direito que todos os públicos têm ao acesso à educação de qualidade. O
representante do governo deixava explícito que os jovens e adultos não faziam parte dos
planos da administração porque ocupavam um lugar social que não necessitava de acesso à

5
Extinta a Fundação Educar, a União transfere a responsabilidade pública dos programas de alfabetização e pós-
alfabetização de jovens e adultos para os estados e, principalmente, para os municípios (HADDAD, 1993).
29

formação, haja vista que não empreenderiam ações que atendessem aos interesses econômicos
do governo.
Di Pierro (2000), fazendo uma análise das políticas públicas de EJA no Brasil, no então
chamado período de redemocratização da sociedade e das instituições políticas brasileiras
entre 1985 a 1999, tomando como base o estudo dos programas federais para educação básica
de jovens e adultos, afirma:

[...] analfabetismo no Brasil não é um problema residual herdado do passado,


suscetível ao tratamento emergencial ou passível de superação mediante a simples
sucessão geracional e sim uma questão complexa do presente, que exige políticas
públicas consistentes, duradouras e articuladas a outras estratégias de
desenvolvimento econômico, social e cultural. (DI PIERRO, 2000, p.204).

Estudos como o de Haddad (1997 a e b) e Di Pierro (2000) apontam que além da


insuficiência da oferta, as políticas públicas promovidas pelo Estado para a EJA, no ensino
fundamental, têm se constituído em ações emergenciais, quase sempre se caracterizam como
movimento ou campanha. São programas e projetos de curta duração, realizadas sem as
condições estruturais necessárias, limitando-se à alfabetização inicial, sem garantia da
continuidade. Tais projetos consideravam, ainda, a alfabetização como processo de ensinar a
ler e a escrever, desconsiderando, portanto, as experiências de vida dos sujeitos.
Como mostrado anteriormente, a União deixava aos poucos de se responsabilizar pela
EJA e foi tornando os municípios os responsáveis pela modalidade. Tal fato foi perceptível,
por exemplo, com extinção da Fundação Educar no Governo Collor. Com o fechamento,
criou-se, a partir de setembro de 1990, o Projeto Nacional de Alfabetização e Cidadania –
PNAC, cujas propostas de mobilização nacional eram ambiciosas e envolviam para a
execução comissões que integravam órgãos governamentais e não-governamentais. Sua
existência foi de apensas um ano, concretizando o esvaziamento das políticas públicas
federais para a modalidade. O programa foi abandonado no governo do então presidente
Itamar Franco.
No governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1995, ainda se presenciava
uma contenção de gastos6 públicos em todos os setores visando à estabilização econômica, o
que propiciou uma reforma educacional. Esta reforma tinha diretrizes que mantiveram a
educação básica de jovens e adultos na posição marginal que ela já ocupava nas políticas de
âmbito nacional, isso intensificava as tendências à descentralização de financiamentos para o

6
A redução e gastos ocorreu em todos os setores como: cortes de salários real, austeridades nas políticas fiscal e
monetária, mesmo que para a concretização dos objetivos fossem necessárias reformas constitucionais.
30

setor. Para o governo de Fernando Henrique, o país não apresentava problemas de


financiamento na área educacional, não havia mais no país problemas relacionados à demanda
e os recursos investidos eram suficientes. O problema, porém, estava no gerenciamento e
aplicação desses recursos.
Partindo para o âmbito legal da questão, verifica-se que a educação de jovens e adultos
não teve espaço efetivo no plano das políticas federais.
Segundo o MEC, embora tendo responsabilidade por qualificar a educação brasileira
com ações do tipo: reconhecimento do direito à educação básica, vinculação de 50% de
recursos para acabar com o analfabetismo no prazo de dez anos, autonomia do ensino
municipal, dentre outras; a Constituição Federal de 1988 não garantiu a universalização do
acesso à educação básica, além de não ter conseguido efetividade no que diz respeito à
descentralização esperada pelo governo federal. Houve vários incentivos para a
descentralização, mas a efetividade não foi alcançada. É inegável que a EJA seja vista como
uma conquista da sociedade brasileira, fato que se consagrou quando o poder público,
somente com a Constituição Federal de 1988, reconheceu a demanda da sociedade brasileira
em dar aos jovens e adultos que não tinham realizados sua escolaridade, o mesmo direito de
ensino regular. Tal direito foi efetivado no contexto do processo de democratização da
sociedade brasileira que buscava implementar nova ordem jurídica e democrática.
Com a aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira- LDB n°
9394/96 foi promulgada a primeira referência sobre EJA. No título III, os artigos 4° e 5°
fazem de forma mais incisiva amparo legal ao ensino fundamental de EJA, o que trazia
ganhos significativos à modalidade, pois desencadeou processo de institucionalização.
Segundo Haddad (2007), a nova LDB precisava explicitar que a EJA, diferentemente de um
ensino supletivo, revertia-se à construção de processos próprios, autônomos. Nesse sentidos,
as ideias do autor alertavam sobre a necessidade de a legislação prover meios para que o
alunado possa frequentar programas de EJA. Além disso, a referida lei não priorizou as
discussões sobre o analfabetismo.
Entre os anos de 1996 e 1997, a EJA foi alvo de muitas discussões, muitas delas foram
alavancadas pelos fóruns de EJA. A criação dos fóruns de EJA se deu em virtude de um
processo preparatório da V Conferência Internacional de Educação de Jovens e Adultos
(CONFINTEA), realizada em Hamburgo em 1997. As consequências advindas dessa ação
foram vários conflitos e demandas como resultado do processo de desrespeito ao direito à
EJA e como resultado da aprovação do FUNDEF e da LDB.
A criação de fóruns logrou êxito, pois deram seguimento às suas ações com autonomia.
31

Houve o surgimento de fóruns estaduais de EJA em vários estados, os quais passaram a ser
um espaço de diálogo e troca de informações. As políticas públicas em EJA, agora, passaram
a ser controladas por esses fóruns, os quais se reúnem anualmente nos Encontros Nacionais de
Educação de Jovens e Adultos (ENAJAS), em cumprimento às indicações de Hamburgo.
Esses encontros desenvolveram dimensões que vão além da ampliação do conceito de
alfabetização, uma vez que já amadureciam as concepções de analfabetismo e letramento,
assim conceberam uma dimensão da natureza individual (processo de apropriação alfabética
da língua) e sociocultural (uso de leitura e escrita).
Destaca-se, ainda, que a forte presença da sociedade na reivindicação de direitos, bem
como a coerção por mais participação nas decisões na gestão pública, marcaram a conquista
do direito à EJA, além do processo de sua redemocratização no meio político nas décadas de
1980 e 1990. Para tanto, os subsídios como o do Conselho Nacional de Educação n° 11/2000
foram responsáveis por incorporar a nova concepção de EJA às diretrizes e normas da
educação básica. Esse parecer foi uma forma de reconhecer uma dívida social e a necessidade
de investimento pedagógico na modalidade. (HADDAD, 2007).
No quadro da educação brasileira, a experiência de Paulo Freire na Secretaria Municipal
de Educação de São Paulo em 1990 influenciou vários municípios, os quais começaram a
desenvolver programas de alfabetização e escolarização de jovens e adultos. Pode-se destacar,
nesse cenário, a criação do Movimento de Alfabetização (MOVA). Tal modelo surgiu na
gerência de Freire e fortaleceu, na sociedade civil, a demanda por EJA, pois envolveu
movimentos sociais e entidades.

2.7 A EJA na atualidade: demandas e perfil

Atualmente, o quadro de EJA é marcado pela exclusão em relação ao Governo Federal.


O país ainda precisa de uma efetiva atuação do Estado na modalidade, já que o governo
federal continua delegando para outras instâncias representadas pelos municípios, sociedade
civil e setores privados, o serviço de atendimento ao jovem e adulto que desde as décadas de
1970 e 1980 estava sob sua responsabilidade.
Os atuais programas para a educação de jovens e adultos mantêm parceria entre agentes
governamentais e não governamentais. Com essa ação, há uma redução drástica nos gastos
públicos com a EJA.
Hoje, com inúmeras discussões travadas sobre o tema, além de um amparo legal
estabelecido, a EJA não pode mais se limitar, como ainda tem feito, à reprodução do que se
32

faz no ensino regular. É preciso atentar para as especificidades do público, uma vez que
repetir para os adultos uma versão sucinta dos conteúdos do ensino regular, destinado a
crianças e adolescentes é um engano e uma supressão do potencial criativo dos sujeitos da
EJA. A valorização do conhecimento prévio e, portanto, o reconhecimento dos alunos como
portadores de cultura e saberes diversos é uma atitude essencial.
Concordamos com Arroyo (2005) quando descaracteriza a EJA de uma concepção
meramente compensatória. O autor diz que é preciso desfazer a visão reducionista, cujo
processo educativo de EJA sempre foi baseado, caracterizado por atividades incompletas.
Segundo ele, a EJA precisa ser reconfigurada como uma política coletiva de direitos sociais e
coletivos.
33

3 A LEITURA COMO UM PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS

Na medida em que a leitura é para nós


iniciadora cujas chaves mágicas abrem o
fundo de nós mesmos a porta das moradas
onde não saberíamos penetrar, seu papel na
nossa vida é salutar. (PROUST, 1989, p. 35)

A leitura, hoje, é vista como um processo que se constitui a partir do momento em que o
leitor interage com o texto e a ele atribuem sentidos. Para tanto, esse leitor necessita ativar
saberes de vários tipos, motivados por seus objetivos e, para isso, parte das marcas ou
sinalizações textuais elaboradas no propósito da interação. O leitor, nesse processo, é tido
como um caçador de sentidos, que se mune de estratégias de várias ordens para construir
compreensão para os textos. Temos a certeza de que essa afirmação não é inédita, mas
sintetiza parcialmente o aparato teórico cujo diálogo com vários autores nos autorizou a
construir.
As teorias que aqui serão apresentadas e discutidas fazem-se necessárias para a análise
do nosso objeto de pesquisa, o ensino de leitura desenvolvido pelos professores de EJA. Na
trajetória de construção de nosso aparato teórico, autores de várias linhas de estudo foram
envolvidos, o que se justifica pela natureza plural da leitura.
Considerando, portanto, as múltiplas abordagens a partir das quais se discute a leitura,
dialogamos com diferentes autores, tais como: Koch (2009, 2010), por exemplo, quando
consideramos a leitura como uma atividade em que o leitor interage com o autor, mediado
pelo texto. Nesse processo, é necessário considerar as pistas que o texto oferece. Com isso,
entendemos que o texto é lugar de constituição e de interação dos sujeitos. Com Kleiman
(2007, 2008a, 2008b, 2010), adentramos na Teoria Cognitiva. A autora considera os
procedimentos mentais envolvidos na produção de sentidos, mas, também se filia a
abordagens de leitura numa perspectiva interacionista de base discursiva, entendendo a
natureza dialógica e social da linguagem. Tratamos da leitura, ainda, considerando-a sob a
visão dos Estudos do Letramento, que considera os processos sócio-históricos e culturais
envolvidos nas construções de sentido. Os estudos de Kleiman (2002); Bortoni-Ricardo,
Machado, Castanheira (2010); Soares (2004, 2005); Vóvio (2007); Mollica e Leal (2009) são
algumas das referências utilizadas.
34

3.1 Abordagens teóricas de leitura

Tal como propõem os estudiosos elencados na seção anterior, adotamos a perspectiva de


que a leitura é uma atividade complexa de produção de sentidos, que pressupõe a interação
entre autor, texto e leitor. Isso significa que o sentido não está no autor e nas suas intenções
nem está no texto, ou seja, na materialidade linguística. Assim, não se recorta, destaca,
sublinha o sentido do texto, concepção outrora adotada e que ainda está presente em muitas
aulas de leitura. O sentido também não está unicamente no leitor, mas, sim na interação do
autor com ele e com o texto. É essa interação, esse tripé que deve ser considerado em se
tratando da atividade de leitura e, portanto, de produção de sentido.
O leitor, em sua postura ativa diante do texto, constrói significação considerando os
conhecimentos que carrega consigo e aquilo que o autor selecionou e está materializado na
superfície textual. É claro que, para assumir o papel de co-autor do texto, o leitor deve
considerar as pistas que o autor deixa, não se pode preconizar a admissibilidade de qualquer
leitura no texto, pois como diz Possenti (1999, p. 174) “[...] pode haver leitores com
enciclopédias, que lhes permitem ler corretamente certos textos e leitores que não conseguem
ler certos textos senão de forma equivocada”. Possenti admite que o sentido tem intrínseca
ligação com os conhecimentos prévios do leitor e, esses conhecimentos, podem ser falhos na
construção de certos sentidos. O papel do professor diante disso é “não a correção de tal
leitura, mas descobrir com o leitor os passos desta caminhada, para que esse leitor/aluno
perceba onde os encadeamentos feitos poderão estar sendo responsáveis pelo sentido final
inadequadamente produzido” (GERALDI, 1996, p. 125-126). Deve-se perceber, portanto, as
pistas dispostas no texto, as hipóteses sobre a intenção do autor, os conhecimentos e objetivos
do leitor na atividade de construir sentido. Reportamo-nos ao texto de Kleiman (2008a), pois,
concordamos com seu posicionamento, que completa o que afirmamos acima:

A leitura é considerada um processo interativo, no sentido de que os diversos


conhecimentos do leitor interagem em todo momento com o que vem da página para
chegar a compreensão. A leitura não é apenas análise das unidades que são
percebidas para, a partir daí, chegar a uma síntese. Também a partir da síntese ele
procede à análise para verificar suas hipóteses, num processo em que, repetimos,
tanto os dados da página como o conhecimento do leitor interagem como fontes de
dados necessários à compreensão. (KLEIMAN, 2008a, p. 17-18).

Se produto de interação, a leitura é um processo dialógico, já que todo texto é


essencialmente dialógico. A respeito disso, recorremos mais uma vez a Geraldi:
35

Ao ler um texto, o leitor não pode despojar-se de seus saberes para preencher o
espaço vazio assim conseguido com os saberes do autor. Isto seria negar-se ante o
texto. Mas também não pode escudar-se em seus ‘saberes como verdades absolutas e
imutáveis. Isto seria negar o texto. Mesmo quando não concordamos com os pontos
de vista defendidos pelo texto que lemos, para podermos criticá-los precisamos estar
abertos para compreendê-los e por isso mesmo não aceitá-los (GERALDI, 1996, p.
126).

Nesse sentido, “cabe ao professor um papel ativo nesse processo, perguntando, fazendo
refletir, fazendo argumentar, escutando as leituras de seus alunos para com elas e com eles
reaprender o seu eterno processo de ler” (GERALDI, 1996, p. 126).
Para Goodman (1976 apud KLEIMAN, 2008a, p. 29), a leitura é uma “atividade de
interação entre o pensamento e a linguagem. [...] é um processo complexo através do qual o
leitor reconstrói, até certo ponto, uma mensagem encodificada por um escritor”. Esse processo
interativo exige uma participação ativa do leitor a fim de que este possa contribuir para a
construção de sentidos do texto, o qual vai para além da noção de material escrito. Goodman
desenvolve um modelo em que a dimensão preditiva da leitura é caracterizada, segundo o qual
o leitor necessita de vários tipos de informação no processamento leitor, uma vez que a leitura
é uma atividade altamente preditiva, isto é,

Leitura é um processo não linear, dinâmico na interrelação de vários componentes


utilizados para o acesso ao sentido, e é uma atividade essencialmente preditiva, de
formação de hipóteses, para a qual o leitor precisa utilizar seu conhecimento
lingüístico, conceitual, e sua experiência. (KLEIMAN, 2008a, p.30).

Ainda conforme o autor citado, (1976 apud KLEIMAN, 2008a, p.30), “a leitura não é
um processo serializado de percepção e identidade sequencial, mas um processo que envolve
seletividade e a capacidade de antecipar a informação”. Assim, a leitura é um processo
interativo que se realiza mediante a participação de autor e do leitor.
Ler criticamente é o julgamento de validade ou valor do que se lê com base em critérios
ou padrões desenvolvidos pela experiência prévia. Implica dizer que o leitor precisa ativar
vários conhecimentos que lhe permitirão ir além da decodificação, um dos procedimentos que
se utiliza na leitura, análise da superfície textual (elemento material). Somos autorizados,
ainda, a dizer que se ao leitor forem dadas oportunidades de ampliação de seus conhecimentos
a fim de renová-los, as leituras possíveis de um mesmo texto serão ampliadas ou novas
leituras poderão surgir. Assim, a cada nova leitura, um novo sentido será aplicado a ela. Já
que se admite que ao ler os sujeitos constroem, produzem sentidos, entendemos que é no
processo de interação, portanto, de construção ativa, desencadeado pela leitura que o texto se
36

constrói. (SOARES, 2005).


Adepta aos pensamentos ora expostos, Lajolo (1982) diz que o leitor é dono de sua
vontade e, como tal, significa o que lê em processo criativo. Em sua obra, afirma

Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido de um texto. É a partir
do texto, ser capaz de atribuir-lhe significado, conseguir relacioná-lo a todos os
outros textos significativos para cada um, reconhecer nele o tipo de leitura que seu
autor pretendia e, dono da própria vontade, entregar-se a esta leitura, ou rebelar-se
contra ela, propondo outra não prevista. (LAJOLO, 1982, p. 59).

Dentre as capacidades do ato de ler crítico, incluem-se averiguar a credibilidade do


autor, sua interação, seu propósito, como também, avaliar a exatidão, a lógica, a
confiabilidade e a autenticidade do texto. E, ainda, identificar sua forma literária,
componentes e recursos através de uma análise envolvendo aspectos de sua composição e
conteúdo. O leitor está, constantemente, ao processar um texto, dialogando com esse texto.
Ele critica, contrasta, avalia as informações e vai buscando sentidos.
Para Orlandi (1999):

[...] a leitura é o momento crítico da constituição do texto, pois é o momento


privilegiado do processo da interação verbal: aquele em que os interlocutores, ao se
identificarem como interlocutores, desencadeiam o processo de significação [...] é na
interação que os interlocutores instauram o espaço da discursividade. Autor e leitor
confrontados, definem-se em suas condições de produção e os fatores que
constituem essas condições é que vão configurar o processo de leitura. (1999, p. 47-
48).

Podemos, então, considerar que o texto nunca está pronto, completo, acabado, já que se
trata de um processo complexo de produção de sentido por meio de uma ação colaborativa do
leitor ante o texto e o autor que o produziu. Ao longo do texto, deverão ser preenchidas pelo
leitor as lacunas, a gama de implícitos deixadas pelo autor. Koch e Elias (2010) esclarecem
que ao leitor não basta conhecer a língua e se deter na superfície do texto porque não há textos
totalmente explícitos. Todo texto tem uma enorme gama de implícitos que é preciso trazer
para a leitura objetivando completar o sentido do texto.
Então, por isso, vai depender do repertório de cada leitor a riqueza da leitura que vai
fazer, uma vez que precisa recorrer aos seus conhecimentos prévios (de mundo, da vida
social, de língua, interacionais, de outros textos), além da ativação de um contexto, para
construir um sentido para o material que lê. Todos esses saberes a que o leitor recorre
compreendem o contexto sociocognitivo. Leitor é sujeito ativo, não traduz o que o autor
pensa, já que essa tarefa é impossível. Ao contrário da passividade, um leitor eficiente, o que
37

constrói sentido, mobiliza seus conhecimentos e seleciona estratégias necessárias para a tarefa
de preencher as naturais lacunas existentes nos textos.
Marcuschi (1999) compartilha com esses argumentos ao afirmar:

[...] os conhecimentos individuais afetam decisivamente a compreensão, de modo


que o sentido não reside no texto. Assim, embora o texto permaneça como o ponto
de partida para a sua compreensão, ele só se tornará uma unidade de sentido na
interação com o leitor. (p. 96).

A respeito dessa afirmação feita por Marcuschi, dialogamos com Solé (1998) a fim de
completar essas ideias, chamando atenção para o projeto de dizer do autor, uma vez que,
embora o leitor construa um significado para o texto, não podemos desconsiderar que esse
texto carrega uma carga de sentido construída pelo autor. Assumimos a posição de Solé e a
percebemos implicitamente nos demais autores aqui elencados:

[...] minha primeira afirmação sobre o que é ler, gostaria de ressaltar o fato de que o
leitor constrói o significado do texto. Isto não quer dizer que o texto em si mesmo
não tenha sentido ou significado; felizmente para os leitores, essa condição costuma
ser respeitada. Estou tentando explicar que o significado que um escrito tem para o
leitor não é uma tradução ou réplica do significado que o autor quis lhe dar, mas
uma construção que envolve o texto, os conhecimentos prévios do leitor que o
aborda e seus objetivos. (SOLÉ, 1998, p. 22).

A leitura é, assim, um processo produtivo que, mais do que ativo, é interativo. E é o


momento crítico da constituição do texto, em que os interlocutores (autor e leitor),
identificando-se como tais, desencadeiam o processo de significação (ORLANDI, 1983). E
não poderia ser concebido de outra forma, pois, “se um texto é marcado por sua incompletude
e só se completa no ato da leitura; se o leitor é aquele que vai fazer ‘funcionar’ o texto, na
medida em que opera através da leitura, o ato de ler não pode se caracterizar como uma
atividade passiva” (BRANDÃO; MICHELETTI, 1997, p.18).
Como lembra Geraldi (1988, p. 80), “ao ler, o leitor trabalha produzindo significações e
é nesse trabalho que ele se constrói como leitor. Suas leituras prévias, sua história de leitor,
estão presentes como condição de seu trabalho de leitura e esse trabalho o constitui leitor e
assim sucessivamente”.
Quando o processo de significação é desencadeado, como já esclarecido com o texto de
Orlandi, acima, o leitor passa a compreender. Assim, a compreensão, enquanto processo, é
individual e se dá de acordo com as condições de produção de leitura. A esse respeito,
Dell`Isola (2001) comenta:
38

Em muitos casos, certas compreensões se devem a problemas de organização do


texto, de obscuridade, de vocabulário, de desconhecimento dos códigos manejados
pelo autor e do seu patrimônio cultural. Fatores de compreensão são também
provenientes do leitor: a compreensão vai depender, em parte, dos códigos que o
leitor maneja, de seus esquemas cognoscitivos, de seu patrimônio cultural e das
circunstâncias da leitura. (DELL`ISOLA, 2001, p. 36).

Assim considerada, a compreensão de um texto é variável para cada indivíduo. Um


texto, então, pode suscitar inúmeras possibilidades de leitura em leitores diferentes ou em um
mesmo leitor em épocas diferentes. A respeito disso, Soares (2005) afirma “Assim: um
mesmo texto multiplica-se em infinitos textos, tantos textos quantas leituras houver. Cada
leitura constituirá um novo texto, produto de determinações múltiplas” (SOARES, 2005, p.
28).
No processo de leitura, o leitor desencadeia compreensão, quando se depara com uma
produção escrita, significa que ele assume, de forma autônoma, um sentido pretendido, bem
como o poder de transformar o que já conhece sobre o assunto e, mediante a apreensão de
novos saberes, atribuir novos sentidos aos textos já lidos. Toma-se, aqui, a leitura como uma
atividade que desencadeia compreensão, transformação, inferências. Isso quer dizer que o
leitor age, cria significados, raciocina, apoiado em contextos sociocognitivo-discursivos.
A fim de enriquecer essa discussão, o diálogo com Colomer e Camps segue o mesmo
entendimento esboçado até o momento. Segundo as autoras,

(...) nos modelos interativos o leitor é considerado como um sujeito ativo que utiliza
conhecimentos de tipo muito variado para obter informação do escrito e que
reconstrói o significado do texto ao interpretá-lo de acordo com seus próprios
esquemas conceituais e a partir de seu conhecimento do mundo. A relação entre o
texto e o leitor durante a leitura pode ser qualificada como dialética: o leitor baseia-
se em seus conhecimentos para interpretar o texto, para extrair um significado, e
esse novo significado, por sua vez, permite-lhe criar, modificar, elaborar e
incorporar novos conhecimentos em seus esquemas mentais. (COLOMER; CAMPS,
2002, p. 31).

A leitura, como um processo de construção de sentidos é, pois, um ato de raciocínio, já


que, como dizem Colomer e Camps (2002), trata-se de um saber orientar vários tipos de
raciocínio a fim de elaborar uma construção de uma interpretação do texto escrito a partir das
informações dispostas no texto e dos conhecimentos do leitor e, ao mesmo tempo, proceder a
outros vários raciocínios para manter domínio sobre o processo dessa interpretação de forma
que se percebam as possíveis incompreensões que aparecem durante a leitura. O leitor
proficiente supervisiona constantemente sua própria compreensão.
Numa visão sociointeracionista da linguagem, o ato de ler constitui-se num processo
39

que envolve não apenas as informações da página impressa (oriunda do texto e fornecida pelo
autor), mas também, um processo cognitivo que envolve estratégias e conhecimentos prévios
do sujeito-leitor (LOPES, 1996). Diferentemente de um processo solitário, monológico e
passivo de suposta (porque impossível) decodificação, a leitura é um processo dialógico entre
leitor/autor mediado pela palavra, vale dizer, uma relação recíproca entre falante e ouvinte
[autor/leitor] ou uma relação entre os ditos e presumidos (FREITAS, 1995, p. 13)
confundindo-se com uma tomada de posição ativa do que é dito e compreendido (BAKHTIN,
1992). Nele, estão em jogo não apenas a historicidade do texto, mas também a própria ação da
leitura, a sua produção (ORLANDI, 2008).
Mas, não pensemos que o leitor se constitui apenas por suas leituras. Ele se faz presente
já no próprio processo de geração do texto que será lido (GERALDI, 1988; BRANDÃO;
MICHELETTI, 1997; ORLANDI, 2008; 1983). Como diz Eco (1983 apud BRANDÃO;
MICHELETTI, 1997, p. l8-19), “[...] um texto postula o próprio destinatário como condição
indispensável não só da sua própria capacidade comunicativa concreta, como também da
própria potencialidade significativa”. Na verdade, o leitor é, ao mesmo tempo, co-enunciador
e enunciador7 do texto. Enquanto leitor virtual, ele participa da produção textual como co-
enunciador. Enquanto leitor real, é enunciador da significação que construiu em sua leitura,
em que o autor, nesse momento, passa a co-enunciador (GERALDI, 1988). Mas, vale
lembrar: o leitor idealizado pelo autor pode não se identificar com nenhum leitor real, e
distintos leitores reais podem construir sentidos distintos a partir de um mesmo texto. O ato
de ler, portanto, é um trabalho interlocutivo de construção de sentidos. Por tudo isso,
concordamos com Rocco (1994, p. 39) quando ela faz a seguinte afirmativa:

a leitura não se constitui em ato solitário, nem em atividade monológica do


indivíduo, pois este indivíduo, ao ler um texto, um livro, interage não propriamente
com o texto, com o livro, mas com os leitores virtuais criados pelo autor e também
com esse próprio autor. O texto passa assim a exercer uma mediação entre sujeitos,
tendo, pois, a incumbência de estabelecer relações plurais entre leitores reais ou
virtuais, que são plurais também, já que o ato de ler só se dá verdadeiramente entre
‘um leitor virtual que é constituído no próprio ato da escrita’ e um leitor real, na
medida em que esse leitor imaginário, criado pelo autor, ‘dialoga com esse leitor
real’, com esse ‘leitor que lê o texto e dele se apropria.

Então, o leitor está, em todos os momentos da leitura, interagindo e, portanto, criando

7
Eliseo Verón (1993) reserva para o sujeito da enunciação a expressão enunciador e para o interlocutor, receptor
idealizado, o termo destinatário. Na visão defendida por esta produção, entende-se mais apropriado o termo
enunciatário, pois sugere a imagem idealizada de um interlocutor que, em si, pressupõe a condição responsiva
ativa, aquele que participa da produção discursiva como expectativa de resposta.
40

sentidos.
Explicitamos até aqui nossa defesa da leitura como atividade de produção de sentido.
De acordo com o nosso posicionamento, destacam-se as considerações sobre leitura segundo
os PCN, a ser considerada no contexto escolar:

A leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e


interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o
assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre linguagem etc. Não se trata de
extrair informação, decodificando letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de
uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência, e
verificação, sem as quais não é possível proficiência. É o uso desses procedimentos
que possibilita controlar o que vai sendo lido, permitindo tomar decisões diante de
dificuldades de compreensão, avançar na busca de esclarecimentos, validar no texto
suposições falsas. (In: Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos
de ensino fundamental: língua portuguesa/Secretaria de Educação Fundamental. –
Brasília: MEC/SEF, 1998, p. 69-70).

Como reforça o trecho, na atividade de leitura, o leitor constrói sentido, utilizando-se,


para tanto, de estratégias, tais como seleção, antecipação, inferência e verificação. A
decodificação é apenas um dos procedimentos utilizados na leitura. Então, dizer que o aluno
lê corretamente quando ele só decodifica o linguístico é uma das concepções de leitura que,
inclusive, tenta-se, atualmente, mostrar que não é suficiente.
Considerando, ainda, os PCN de Língua Portuguesa, sobre a proposta de construção de
sentido por meio da leitura, fica esclarecido “se os sentidos construídos são resultados da
articulação entre as informações do texto e os conhecimentos ativados pelo leitor no processo
de leitura, o texto não está pronto quando escrito: o modo de ler é também um modo de
produzir sentidos”. (BRASIL, 1998, p. 70-71). Para tanto, a escola precisa expandir os
horizontes leitores, seja por meio da aproximação dos alunos com contextos específicos para
a produção de sentidos, seja, como exemplificam os PCN´S, quando fazem referência ao texto
literário, que o professor precisa explorar a funcionalidade dos elementos constitutivos da
obra e sua relação com seu contexto de criação. Entende-se, também, que ao professor
compete auxiliar o aluno a resgatar conhecimentos que já trazem em seu acervo de leituras,
além de criar novos saberes que forem necessários para que ele dialogue com o texto e,
consequentemente, construa sentidos.
Entendemos que as concepções de língua, texto e sujeito estão na base das diferentes
formas de se conceber a leitura. Por essa razão, trataremos das concepções de leitura em uma
seção posterior, todavia já adiantamos o nosso entendimento de que a abordagem
sociocognitiva de leitura é importante para um processo de construção significativa e
41

producente para o papel de leitores proficientes. Segundo essa abordagem, os aspectos


cognitivo, linguístico e sociointerativos são fundamentais para a construção dos sentidos no
universo das práticas de linguagem. Em tal perspectiva, o sujeito-leitor interage com o texto,
desencadeando a compreensão. Para chegar à atribuição de sentidos, vários fatores precisam
ser considerados, razão pela qual priorizaremos a discussão no decorrer desse texto.

3.1.1 Abordagens teóricas de leitura na EJA

Na Educação de Jovens e Adultos, modalidade de ensino afirmada pela Lei de


Diretrizes e Bases da Educação, a Lei 9.394 (BRASIL, 1996), nem sempre a leitura é
concebida como um processo complexo e interpretativo, embora, segundo a legislação que a
legitima, essa modalidade deva ser entendida como educação continuada, compreendendo a
educação formal e permanente, a educação não-formal e toda uma série de oportunidades de
educação informal e ocasional existentes em uma sociedade educativa e multicultural.
Assim, como acontece também em muitas classes de ensino regular, na EJA, as
práticas de leitura e interpretação são, inúmeras vezes, calcadas na reprodução, e não em
processos criativos. Na interação com o texto, o que é proposto pelos professores, não
raramente, privilegia apenas a capacidade de memorização do que está escrito, deixando de
lado toda a riqueza que poderia surgir da experiência e criatividade dos alunos.
Para construir uma educação na EJA que produza seus processos pedagógicos
considerando a complexidade dos sujeitos, faz-se necessário pensar sobre as possibilidades de
transformar a escola que os atende em uma instituição que valorize seus interesses,
conhecimentos e expectativas; que motive, mobilize e desenvolva conhecimentos que partam
da vida desses sujeitos; que demonstre interesse por eles como gente e não somente como
objetos de aprendizagem (PICONEZ, 2004; PINTO, 2003).
O texto, então, é o material privilegiado para uma atuação com e sobre a linguagem na
EJA, atrelado ao discurso8 e à construção de sentidos. Quando se observa, aqui, a necessária
presença do texto nas relações de ensino, não se está elegendo simplesmente um material de
apoio pedagógico às aulas de Língua Portuguesa ou às aulas de qualquer outra área de
conhecimento. Vai, além disso. O que se pretende é possibilitar a percepção de sujeitos de
interação a esses alunos, a fim de serem conscientes dos sentidos construídos nas mais

8
Segundo Orlandi (2008, p. 22), “a análise do discurso tem como unidade o texto. Na perspectiva da análise do
discurso, o texto é definido pragmaticamente como a unidade complexa de significação, consideradas as
condições de sua produção. O texto se constitui, portanto, no processo de interação.
42

diversas situações de interação.


A EJA, então, deverá eleger o texto como objeto de ensino, numa nova abordagem
dos fenômenos linguísticos, entendendo-o agora como “colocação em funcionamento de
recursos expressivos de uma língua com certa finalidade” (POSSENTI, 2001, p. 64), numa
instância concreta e entre um locutor e um alocutário, sempre.

3.2 Ensino de leitura

Antunes (2009) considera que o ensino de leitura tem sido falho nas escolas brasileiras.
Aponta que ainda reina a decifração de sinais gráficos, uma das etapas da leitura. O livro não
tem assumido referência para o trabalho de formação de leitores. Afirma-se que o ensino de
gramática toma todo o tempo em sala de aula, o que torna a atividade de leitura secundária. A
autora lança críticas ao “tal ensino de gramática”, quase sempre resumido ao ensino das
classes de palavras, feito de forma descontextualizada de práticas interacionais e sem
proporcional percepção das funções no texto.
Ensinar a ler é possibilitar acesso a bens culturais. Os alunos precisam ser seduzidos e, a
respeito disso, Antunes (2009, p. 201) lança questionamentos: “A quem compete desenvolver
o gosto pela busca de informação que está nos livros? A quem compete despertar o interesse
pelas particularidades da escrita?” E, responde: “formar leitores, desenvolver competências
em leitura e escrita é uma tarefa que a escola tem que priorizar e não pode sequer protelar”.
Fica entendido que, ao incluir a escola, a figura do professor está inclusa no processo.
Na visão dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), o ensino e a
aprendizagem processam-se através de três variáveis: o aluno, o objeto de ensino e
aprendizagem (o conhecimento) e a mediação do professor. O documento esclarece, ainda,
que:

Ao professor cabe planejar, implementar e dirigir as atividades didáticas, com o


objetivo de desencadear, apoiar e orientar o esforço de ação e reflexão do aluno,
procurando garantir aprendizagem efetiva. Cabe também assumir o papel de
informante e de interlocutor privilegiado, que tematiza aspectos prioritários em
função das necessidades dos alunos e de suas possibilidades de aprendizagem.
(BRASIL, 1998, p. 22).

A atividade de mediação realizada pelo professor é fundamental no processo, pois é ele


o organizador de ações e o orientador das atividades, até que o aluno consiga maturidade
leitora. No trabalho com a leitura de textos escritos, não se pode perder de vista o
43

compromisso da escola com a formação do aluno para o exercício pleno da cidadania. Assim,
em meio a um número quase ilimitado de textos, que variam em função da época, das culturas
e das finalidades sociais, o professor deve priorizar

os textos que, por suas características e usos, podem favorecer a reflexão crítica, o
exercício de formas de pensamento mais elaboradas e abstratas, bem como a fruição
estética dos usos artísticos da linguagem, ou seja, os mais vitais para a plena
participação numa sociedade letrada. (BRASIL, 1998, p. 24).

Vários espaços escolares são constituídos por práticas que mantêm o leitor numa
postura passiva diante do texto. Como consequência desse quadro é a imposição do professor
de uma leitura única, a sua própria ou a do autor, da qual ele é intérprete. A consciência de
que um texto possibilita leituras várias não é implantada ou não é prioridade.
Kleiman (2008a) admite que

[...] ensinar a ler com compreensão não implica em impor uma leitura única, a do
professor ou especialista, como a leitura do texto. Ensinar a ler, é criar uma atitude
de expectativa prévia com relação ao conteúdo referencial do texto (...) é ensinar a
utilização de múltiplas fontes de conhecimento - lingüísticas, discursivas,
enciclopédicas - para resolver falhas momentâneas no processo; é ensinar, antes de
tudo, que o texto é significativo, e que as seqüências discretas nele contidas só tem
valor na medida em que elas dão suporte ao significado global. Isso implica em
ensinar não apenas um conjunto de estratégias, mas criar uma atitude que faz da
leitura a procura da coerência: as proposições estão em função de um significado,
devem ser interpretadas em relação a esse significado; as escolhas lingüísticas do
autor não são aleatórias mas são aquelas que, na sua visão, melhor garantem a
coerência de seu discurso. (KLEIMAN, 2008a, p. 152).

A autora defende que o professor precisa criar condições para que o aluno interaja com
o texto de forma global. Talvez, assim, essas condições possibilitarão o engajamento do aluno
com o processo de compreensão. Um processo de ativação prévia de conhecimentos precisa
ser feito para que um objetivo à leitura seja percebido e as estratégias leitoras, lançadas.
O leitor precisa eleger recursos adequados para chegar a uma compreensão do texto.
Assim, entende-se que é função do professor dirigir o aluno à construção dessas estratégias,
bem como proporcionar horizontes de sentidos possíveis por meio não percebidos pelo leitor,
o que é proporcionado em um ambiente de contextualização. Solé (1998, p. 19), afirma:

A aprendizagem da leitura e de estratégias adequadas para compreender os textos


requer uma intervenção explicitamente dirigida a essa aquisição. O aprendiz leitor
[...] precisa da informação, do apoio, do incentivo e dos desafios proporcionados
pelo professor ou pelo especialista da matéria em questão. Desta forma, o leitor
incipiente pode ir dominando progressivamente aspectos da tarefa de leitura que, em
princípio, são inacessíveis para ele.
44

Damos sequência a esse posicionamento, trazendo, mais uma vez, a perspectiva de Solé
(1998):

O processo de leitura deve garantir que o leitor compreenda o texto e que pode ir
construindo uma idéia sobre seu conteúdo, extraindo dele o que lhe interessa, em
função dos seus objetivos. Isto só pode ser feito mediante uma leitura individual,
precisa, que permita o avanço e o retrocesso, que permita parar, pensar, recapitular,
relacionar a informação com o conhecimento prévio, formular perguntas, decidir o
que é importante e o que é secundário. É um processo interno, mas deve ser
“ensinado”. (SOLÉ, 1998, p. 31-32, grifo nosso).

Kleiman (2001) partilha com o posicionamento acima, quando esclarece que a formação
do leitor não ocorre de forma espontânea, uma vez que estratégias precisam ser levantadas e
um contexto construído, os quais devem ser intermediados pelo professor. A autora, assim,
considera:

O trabalho de construção de um contexto de reflexão por meio da linguagem cabe ao


professor, que, em princípio, teria tanto a fundamentação teórica como o domínio de
uma prática discursiva que se fundamenta na análise da linguagem. (KLEIMAN,
2001, p. 203-204).

Segundo os autores citados, não raro constatamos que o texto em sala de aula, além de
se prestar a outras finalidades que nada têm a ver com a construção de sentidos, apenas dá
suporte a discussões, nem sempre críticas, sobre o seu conteúdo temático.

3.2.1 Ensino de leitura na EJA

Os cursos destinados à Educação de Jovens e Adultos devem oferecer a quem os


procura tanto a possibilidade de desenvolver as competências necessárias para a
aprendizagem dos conteúdos escolares, quanto a de aumentar sua consciência em relação ao
estar no mundo, ampliando a capacidade de participação social no exercício da cidadania. A
proposta curricular do 2º segmento de EJA orienta que o professor de Língua Portuguesa deve
priorizar:

[...] o curso de Língua Portuguesa para alunos da EJA deve, em primeiro lugar,
servir para reduzir a distância entre estudante e palavra, procurando anular
experiências traumáticas com os processos de aprendizagem da leitura e da produção
de textos. Deve ajudá-los a incorporar uma visão diferente da palavra para
continuarem motivados a compreender o discurso do outro, interpretar pontos de
vista, assimilar e criticar as coisas do mundo. Deve, também, fortalecer a voz dos
muitos jovens e adultos que retornam à escola para que possam romper os
45

silenciamentos impostos pelos perversos processos de exclusão do próprio sistema


escolar, capacitando-os a produzirem respostas aos textos que escutam e lêem,
pronunciando-se oralmente ou por escrito. (BRASIL, 2002, p. 12).

Podemos, então, afirmar que, em se tratando de ensino e aprendizagem da leitura na


EJA, é indispensável oportunizar aos educandos a compreensão de que a linguagem orienta o
discurso no sentido de determinadas conclusões — com exclusão de outras —, sendo,
portanto, uma forma de ação sobre o mundo dotada de intencionalidade, veiculadora de
ideologia. Se a nossa preocupação é garantir que homens e mulheres, jovens e adultos, não
continuem afastados do direito de ler criticamente, teremos que viabilizar uma práxis
pedagógica significando que o querer dizer representa sempre um querer fazer, como bem
acentua Koch (1987).
Pensa-se que o ensino de Língua Portuguesa que deseja contribuir para o
desenvolvimento da proficiência leitora dos jovens e adultos, com vistas à construção de
sentidos desse tipo de aluno, não poderá limitar-se a trabalhar temáticas trazidas pelos textos.
Terá que oportunizar, também, a esses educandos a reflexão de como o texto funciona em
termos de discurso, a partir da análise das pistas formais deixadas pelo autor.
A escola precisa assumir a função de formar leitores, para tanto deve ter um projeto
comprometido com essa empreitada, estabelecendo relações entre os diversos tipos de textos
(função e valor) e seus graus de complexidade.
Chegamos à reflexão, que por outras vezes será discutida nessa produção, de que o
professor precisa ter formação específica e fundamentação teórica para compreender as
formas de construção dos conhecimentos prévios e para poder criar situações de
aprendizagem que considerem esses conhecimentos. A escola deve ter clareza de que a EJA,
público que pesquisamos, mas não apenas ela, deve trabalhar com conteúdos que possam
ampliar as características do leitor: conteúdos conceituais que diversifiquem seus
conhecimentos de mundo e linguísticos, e conteúdos procedimentais e atitudinais para que se
tornem leitores competentes. (DURANTE, 1998).
Temos convicção de que o professor precisa ser leitor para ensinar leitura, conhecer
concepções de leitura, bem como os conteúdos que vai discutir. Além disso, deve ter
consciência da importância da leitura para as várias disciplinas e para a continuidade dos
estudos. Acreditamos que o sucesso da leitura feita pelo aluno depende do empenho e prazer
que o professor tem, pois o professor leitor é criativo e, assim sendo, mesmo que a escola não
ofereça condições para esse trabalho, ele encontra uma forma para a promoção da leitura.
Segundo Tardif (2002, p. 20) “ensinar supõe aprender a ensinar, ou seja, aprender a dominar
46

progressivamente os saberes necessários à realização do trabalho docente”. Não restam


dúvidas de que ser professor de EJA implica deter saberes docentes, além de saberes da
experiência advindos da práxis pedagógica.

3.2.2 Concepções de leitura e ensino

É consenso entre os estudiosos que as concepções de leitura que permeiam o contexto


escolar decorrem das concepções de língua, texto e de sujeito. A forma de tratar esse trinômio
é condição para práticas redutoras9, simplistas de leitura ou para propostas de leitura baseadas
na interação e, portanto, na construção de sentidos.
Segundo Silva (1999), possivelmente, as práticas e concepções teóricas simplistas de
leitura têm seu enraizamento e permanência na escola em decorrência da estagnação docente e
das condições objetivas para a convivência com textos dentro do ambiente escolar. Nesse
sentido, afirma:

[...] a pobreza material do contexto escolar no que se refere à ambientação para as


práticas de leitura é diretamente proporcional ao empobrecimento de pensamento
daqueles que têm por responsabilidade planejar e orientar essas práticas. (SILVA,
1999, p.12).

É necessário, porém, não esquecer que o professor pode chegar à escola desejoso por
fazer um trabalho inovador, baseado nas concepções de que a leitura e a escrita são fatores
fundamentais para a inclusão social e a inserção do aluno no mundo letrado. Todavia, o
silêncio imposto pelos perversos processos de exclusão do próprio sistema escolar, seja
refletido por meio do diretor da escola ou outros professores, acaba por sufocar esse
pretensioso desejo de mudança em virtude das poucas bases teóricas para fazê-la. A respeito
disso, dialogamos com Kleiman por esboçar claramente o pensamento que ora defendemos,

(...). E encontramos, na maioria dos casos e muito rapidamente o professor novo


(recém-chegado ou recém-formado e com uma proposta renovadora e inovadora)
que desiste, em parte pelo fato de ele se encontrar dentro da estrutura de poder da
escola, no degrau mais baixo, e também, pelo fato de sua proposta estar baseada
apenas numa convicção de necessidade de mudança, mas sem a formação necessária
para essa mudança. Por isso, acreditamos na formação teórica do professor na área
de leitura. (KLEIMAN, 2007, p. 17).

Fica claro, portanto, que a formação do professor é elemento necessário pela opção de

9
Por redutora, Silva (1999), em seu artigo Concepções de leitura e suas consequências no ensino, entende as
práticas que desprezam os elementos fundamentais da leitura, diminuindo a sua complexidade processual.
47

concepções adequadas para o ensino de leitura, bem como a eleição de estratégias para
realizá-lo. É por meio desses saberes que ele elegerá os gêneros adequados para esse trabalho,
considerando as necessidades, o lugar social e os saberes dos alunos.
Não se pode perder o foco de que, como afirma Silva (1992), a leitura possibilita ao
homem usufruir dos bens culturais e expandir seus conhecimentos. Pensando assim, o
professor precisa revestir o trabalho com a Língua Portuguesa, sobretudo a atividade de
leitura, na EJA, de seu caráter político e social, mantendo-o vivo e conexo com o mundo real,
como, aliás, requer qualquer trabalho numa perspectiva de educação popular. Sem esquecer,
com Bakhtin (1995, p. 179), que “a vida começa apenas no momento em que uma enunciação
encontra outra, isto é, quando começa a interação verbal, mesmo que não seja direta, “de
pessoa a pessoa”, mas mediatizada pelo texto”. A EJA deve oferecer a possibilidade de
desenvolver as competências necessárias para a aprendizagem dos conteúdos escolares, bem
como a possibilidade de aumentar a consciência em relação ao estar no mundo, ampliando a
capacidade de participação social, no exercício da cidadania.
As discussões e ideias apresentadas nos levam a entender que atividades de leitura que
não oportunizam criar sentido, fazer o aluno se perceber leitor de um texto, capaz de obter
informações são concepções que engessam o processo significativo em leitura.
No decorrer de toda essa produção, somos levados a construir argumentos
fundamentados em práticas observadas em sala de aula de que a formação leitora do professor
e as concepções de leitura que detém são aspectos decisivos para práticas de leitura, formando
leitores esclarecidos ou passivos. A respeito disso, cabe lembrar as colocações de Kleiman
(2007), que as práticas pouco significativas já começam desde muito cedo, ainda nas séries
iniciais e, independente do nível de escolaridade, perduram. Assim,

Após esse primeiro e desapontador contato com a palavra escrita, a desilusão


continua, e o fracasso se instala como uma constante na relação com o livro. Muitas
das práticas do professor nesse período após a alfabetização sedimentam as imagens
negativas sobre o livro e a leitura desse aluno, que logo passa a ser mais um não-
leitor em formação. (KLEIMAN, 2007, p. 16).

Fica claro que as práticas isentas de motivação advêm de concepções equivocadas sobre
texto, leitura e linguagem. Infelizmente, percebe-se um quadro de equívocos do que seja
ensinar português. A concepção sociointeracional de linguagem, aquela em que sujeitos ativos
interagem em busca de uma atividade sociocomunicativa, não é entendida ou, se é, com
limitações.
Consideramos que a escola precisa assumir efetivamente o ensino da língua na
48

abordagem da diversidade textual em seu cotidiano escolar. Para isso, é preciso garantir o
reconhecimento de suas funções sociocomunicativas, o uso e a compreensão das
especificidades dos gêneros, bem como conhecer o que os distingue uns dos outros, seus
conteúdos, estrutura composicional e estilo. Isso possibilitará ao aluno as condições
necessárias para desenvolver competências de leitura e escrita, além das que ele já conhece.
Em alguns casos, parece que o ensino de língua, ao contrário da perspectiva ora apresentada,
resume-se ao conhecimento fragmentado e mecânico de gramática.
Tomando como foco as afirmações feitas no parágrafo acima, entendemos que o aluno
adulto ao chegar à escola chega resistente a atividades de leitura, pois se sente incapaz de
realizá-la, por já ter sido exposto, ao longo de outras experiências, a práticas que não
esclarecem o verdadeiro significado da atividade, contentando-se, portanto, com a decifração
de letras. Sobre isso, destacamos o depoimento: “Eu não quero trabalhar textos, eu quero
aprender a ler”. (Discurso proferido por um adulto em processo de alfabetização em um curso
supletivo, extraído de KLEIMAN, 2007, p. 16-17).
A respeito desse depoimento, percebemos que o aluno exige a decodificação e cópia de
letras e sílabas, não entendendo que isso faz parte dos passos para se fazer leitura.
Acreditamos que pensar assim é produto da postura-refém de práticas que não concebem o
texto nas relações de ensino a fim de imitar a vida, uma vez que é defendido nessa produção
como manifestação real e concreta da língua10 em um processo intersubjetivo e dialógico que
tem caráter de acontecimento enunciativo, isto é, como instância discursiva. Esse
entendimento poderá contribuir para uma práxis educativa que não forneça elementos a
convicções baseadas numa concepção de saber linguístico desvinculada do uso da linguagem.
Como já mencionado no decorrer desta seção, a maneira de tratar língua, texto, sujeito
e, consequentemente a adoção de uma noção de sentido, conduzirá para uma visão de leitor
baseada numa postura ativa, aquele que participa da construção dos sentidos dos textos ou um
leitor que assume um papel passivo diante do texto, reproduzindo o que está explícito na
materialidade textual, seja apenas reconhecendo o sentido das escolhas linguísticas
selecionadas para compor a produção e da estrutura nela cristalizada ou reconhecendo o que o
autor tinha por intenção para produzi-lo. Para tornar essas afirmações claras e dar conta do
nosso objeto de estudo, discorreremos sobre algumas concepções, baseadas, sobremaneira,
nos estudos de Koch (2009, 2010): leitura com foco no autor, no texto e na interação do leitor

10
Essa concepção entende a linguagem pela interação comunicativa mediada pela produção de efeitos de sentido
entre interlocutores, em uma dada situação e em um contexto sócio-histórico e ideológico, sendo que os
interlocutores são sujeitos que ocupam lugares sociais.
49

com os outros dois componentes da produção de sentidos. É necessário esclarecer que nossa
disposição aqui não é meramente classificatória, mas direciona para a percepção de como a
eleição por uma dessas concepções incorre em práticas suficientes, que encaminham para a
proficiência leitora ou a limitam.

3.2.2.1 A leitura focada no autor

Koch e Elias (2010) afirmam que, considerando língua como representação do


pensamento, há uma correspondência de sujeito individual, dono de suas ações e vontades.
Tal sujeito constrói mentalmente representações e intenciona que os seus interlocutores as
percebam exatamente como as construiu.
De acordo com essa concepção, a enunciação é um ato puramente individual
(monológico) que independe das circunstâncias de produção e do “outro” a quem se fala. Do
ponto de vista da pessoa que fala, enunciar é expressar sua consciência individual, seus
desejos, interesses, gostos, impulsos criadores, etc., sendo negada a possibilidade de
participação do externo (o social) nesse processo.
O psiquismo individual é, então, considerado a fonte da língua, tomada como processo
criativo (estilístico) ininterrupto de construção que se materializa no ato individual de fala
(BAKHTIN, 1995). “As leis da criação linguística são essencialmente as leis da psicologia
individual, e da capacidade de o homem organizar de maneira lógica seu pensamento
dependerá a exteriorização desse pensamento por meio de uma linguagem articulada e
organizada” (TRAVAGLIA, 2000, p. 21).
Essa concepção iluminou e tem iluminado os estudos linguísticos voltados à gramática
normativa. Nesses estudos, a preocupação principal é estabelecer as normas gramaticais do
falar e escrever “bem”, justificadas pela ótica distorcida de que a “organização lógica do
pensamento” — e consequentemente da linguagem — requer o cumprimento das regras
eleitas, abstratamente construídas, como necessárias (TRAVAGLIA, 2000). Vale, então, fazer
uso das palavras de Geraldi (1997a, p. 41), dando-lhes, aqui e agora, uma conotação de
desaprovação e advertência: “se concebemos a linguagem como tal, somos levados a
afirmações — correntes — de que pessoas que não conseguem se expressar não pensam”.
Como ensina Bakhtin (1995), todas as teorias da expressão só se puderam desenvolver
sobre um terreno idealista e espiritualista. Tudo o que é essencial é interior, o que é exterior só
se torna essencial a título de receptáculo do conteúdo interior, de meio de expressão do
espírito. Temos, então, na concepção de linguagem como “representação (espelho) do mundo
50

e do pensamento”, a anulação do homem enquanto ser histórico-social, numa redução


simplista da língua como um sistema formal, distinto de um exterior significado por ela (o
real), e constituindo em si mesma um domínio próprio, um objeto de conhecimento particular,
sem se confundir com o seu exterior material. Vemos realizar-se aqui, plenamente, o processo
de separação da linguagem e do real.
Nessa concepção de que a língua representa o pensamento do autor, que é dono de seu
dizer, o texto é tido como produto daquilo que o autor pensa. Portanto, ao leitor não cabe o
papel de construir nada, ele apenas deve captar o pensamento do autor, adotando, assim, uma
postura passiva no que se refere à construção de sentidos. O leitor não demonstra propósitos,
posicionamentos, sentimentos, atitudes.
Pensar assim é entender a leitura como uma atividade em que o leitor capta as ideias do
autor, excluindo-se os conhecimentos sociocognitivos deste. Segundo Kock e Elias (2010, p.
10) não se leva em conta “[...] a interação autor-texto-leitor com propósitos constituídos
sociocognitivo-interacionalmente. O foco da atenção é, pois, o autor e suas intenções, e o
sentido está centrado no autor, bastando tão-somente ao leitor captar essas intenções”.
A esse respeito, Silva (1999) esclarece que, quando o professor é adepto dessa
concepção, despreza o repertório prévio e interesse dos estudantes, o que coloca esses leitores
na condição de entidades vazias – de conhecimentos e sentimentos – a quem sabe somente
decodificar e “engolir” as mensagens dos múltiplos textos estudados. (SILVA, 1999).

3.2.2.2 A leitura focada no texto

Em língua como estrutura há uma correspondência de sujeito determinado pelo sistema,


o que não tem consciência de suas ações. De acordo com Koch e Elias (2010), a explicação
para qualquer fenômeno e de qualquer comportamento dos sujeitos tem como base o sistema.
A concepção de língua como código vista, portanto, como instrumento de comunicação,
está atrelada à Teoria da Comunicação. Essa teoria vê a língua como sistema abstrato ou
código estruturado (conjunto de signos que se combinam segundo regras), possibilitador de
comunicação. Do ponto de vista dessa teoria, a comunicação se dá, grosso modo, a partir do
seguinte esquema: um emissor “competente” transmite certa mensagem (informação
codificada), através de um canal (ondas sonoras e luminosas, por exemplo), a um receptor
também “competente”, que recebe os sinais codificados, recuperando a mensagem original
tida como unívoca, realizando assim a decodificação. A língua é, então, vista como um
sistema estável e imutável de formas linguísticas.
51

Decorre que, para a comunicação se efetivar, a língua enquanto código deveria ser
dominada e utilizada de forma semelhante pelos falantes em escala social, e aí residiria o
papel da Linguística: seus estudos deveriam se limitar ao funcionamento interno da língua.
Numa visão monológica e imanente, a língua deve ser estudada em seus aspectos formais,
separada do homem no seu contexto social e do seu uso efetivo. Tem-se, assim, como um dos
principais representantes desta concepção, o Estruturalismo de Saussure. (TRAVAGLIA,
2000).
A teoria saussuriana inspirou todo o Estruturalismo nas Ciências Humanas e, de certa
forma, ainda inspira muitos trabalhos em que a língua é estudada em si mesma, como um
sistema abstrato. Fatores “extralinguísticos” que participam da prática discursiva são
secundarizados em nome do reconhecimento da língua como sistema de regras. Essa limitação
da Linguística foi justificada por Saussure (1970, p. 14), pois, para ele, “língua é forma e não
substância”.
Nessa visão, a língua (langue) é considerada um fato social, porque produto de várias
gerações, mesmo não trazendo marcas contextuais ou de subjetividade. O discurso, confinado
à fala (parole), longe de ser (re) criação de sujeitos num ato enunciativo, é a “aplicação”
individualizada de uma linguagem (por vezes distorcida) que a sociedade ministrou/impôs. Os
atos individuais de fala constituem, do ponto de vista da língua, refrações ou variações
fortuitas ou deformações das formas normativas, não servindo, pois, de objeto de estudo da
linguística, dada a sua variabilidade. Percebendo a língua como está, a fala (parole) — que, a
nosso ver, explica a mudança histórica das formas da língua — é considerada desprovida de
sentido do ponto vista de um sistema que não admite mudanças como resultado da (re) criação
da língua pelos sujeitos que têm sua individualidade construída social e historicamente
(BAKHTIN, 1995). Segundo Saussure (1970, p. 27),

[...] a língua existe na coletividade sob a forma duma soma de sinais depositados em
cada cérebro, mais ou mesmo como um dicionário cujos exemplares, todos
idênticos, fossem repartidos entre os indivíduos. Trata-se, pois, de algo que está em
cada um deles, embora seja comum a todos e independa da vontade dos depositários.

Na visão estruturalista, portanto, a língua tomada como um código virtual, desligada da


situação de uso e da criação/reflexão dos sujeitos, torna-se um sistema fechado, um fato
objetivo externo à consciência individual e que independe desta.
Nessa concepção de língua como código, o sujeito é assujeitado pelo sistema, pois a ele
cabe apenas encontrar na estrutura linguística respostas sobre o texto, ou seja, o texto é visto
52

como produto de codificação feito pelo autor e será decodificado pelo leitor, o qual deverá
demonstrar domínio apenas do código escrito, uma vez que sua bagagem sociocognitiva não
será ativada, não há uma atitude interacional, já que o texto é totalmente explícito. Aqui, mais
uma vez, o leitor assume atitude passiva diante do texto. (KOCH, 2009).
Em consequência desse posicionamento, a leitura é vista como uma atividade em que
do leitor é exigido o foco no texto, já que tudo está posto e dito na superfície linguística. A
respeito disso, Koch afirma “se na concepção anterior (foco no autor), ao leitor cabia o
reconhecimento das intenções do autor, nesta concepção, cabe-lhe o reconhecimento do
sentido das palavras e estruturas do texto” (KOCH; ELIAS, 2010, p. 10, grifo nosso). Fica
evidente que nas duas concepções o leitor assume postura de reprodutor, executa atividades
de reconhecimento.
Assim, não restam dúvidas de que essa proposição vê o texto como um produto da
domesticação de palavras. É conveniente, ainda, lembrar que essas atividades forçam o leitor
a assumir uma postura passiva, não se dando o trabalho de buscar um entendimento.
Acreditamos que somos autorizados a afirmar que essa concepção aliena os sujeitos e forma
pseudo-leitores. Situação semelhante está nas atividades em que se explora tão somente a
decodificação, como diz Kleiman (2007) “[...] para responder a uma pergunta sobre alguma
informação do texto, o leitor só precisa o passar do olho pelo texto à procura de trechos que
repitam o material já decodificado da pergunta.” (p. 20).
As concepções de linguagem até aqui tratadas, portanto, não dão conta da realidade
concreta da língua, pois “a língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal
concreta, não no sistema linguístico abstrato das formas de língua nem no psiquismo
individual dos falantes” (BAKHTIN, 1995, p. 124). A linguagem, vista apenas como
“expressão de pensamento” ou “instrumento de comunicação”, exclui da sua natureza mesma
a vida; dessa, a história; da história, o discurso; e deste último, limitando-se à formalização
abstrata, os próprios sujeitos. Em outros termos, esvazia-se a linguagem quando se exclui dela
sua dimensão histórica, pedagógica (interação pelo “outro“) e discursiva (interação pela
palavra).

3.2.2.3 A leitura focada na interação entre autor-texto-leitor

Nesta concepção, a língua é vista como processo interacional (dialógica) e os sujeitos,


portanto, são construtores sociais. Aqui, entende-se o dialogismo como essencial, pois o leitor
ao processar um texto está constantemente dialogando com ele. Logo, o texto é o próprio
53

lugar da interação e os sujeitos (interlocutores) nele se constroem e são construídos. (KOCH,


2009). Diferentemente das concepções anteriores, o processo interacional entre autor-texto-
leitor para construção de sentidos é condição necessária, haja vista que o texto não é
considerado totalmente explícito, há uma gama de implícitos, percebidos pelos participantes
da interação a partir de seus contextos sociocognitivos. Logo, a partir do momento que os
sujeitos dialogam com o texto, os sentidos nascem, porque eles não preexistem à leitura.
Assim, entendemos como Koch que a leitura

[...] é uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que se


realiza, evidentemente, com base nos elementos lingüísticos presentes na superfície
textual e na sua forma de organização, mas que requer a mobilização de um vasto
conjunto de saberes (enciclopédia) e sua reconstrução no interior do evento
comunicativo. (KOCH, 2009, p. 17, grifo da autora).

Fica claro que no processo de construção de sentido o leitor interage com o texto e
mobiliza seus conhecimentos e estratégias necessárias para preencher os vazios do texto em
busca de satisfazer suas intenções, todavia precisa estar atento para as pistas deixadas pelo
autor, já que todo texto tem um projeto de dizer, o qual não pode ser ignorado pelo leitor.
Acreditamos ser necessário ratificar e esclarecer que para produzir sentido é necessário
que o leitor o faça a partir de um contexto. A partir das leituras de Koch (2009, 2010),
deixamos claro nosso entendimento de que todos os saberes necessários pelo leitor para
interagir com o texto estão inclusos na noção de contexto sociocognitivo, como já foi dito
outrora. Os sentidos criados pelo leitor são determinados pelo acervo sociocognitivo que ele
detém, o qual pode e deve ser ampliado pelo professor.
Diante do entendimento que essa concepção de leitura prioriza, defendemos como
adequada para um trabalho que almeja à proficiência leitora, o que é defendido pelos PCN,
documento norteador de nossas práticas. Em se tratando da EJA, público de nossa pesquisa,
não resta dúvidas do rico acervo cultural acumulado, são sujeitos que têm compreensão das
funções sociais da língua e que devem ser capazes de fazer antecipações significativas e
pertinentes para os textos de uso social, o que torna mais fácil chegar ao que diz o texto. Tal
prioridade é fruto do conhecimento que têm da função social da escrita e por considerarem o
contexto do texto, para realizar as antecipações. (DURANTE, 1998).
Assim, as práticas de ensino de leitura na EJA devem priorizar o ensino de leitura
norteadas pela concepção sociocognitiva (em que o cognitivo, o linguístico e os aspectos
sociointerativos são fundamentais para a construção dos sentidos no universo das práticas de
linguagem), pois a julgamos adequada para aumentar a consciência do estar no mundo,
54

ampliando a participação social e o universo sociocultural no exercício da cidadania dos


sujeitos jovens e adultos. Aproveita-se, portanto, toda a bagagem já trazida por esse público e
os encaminha para os processos interacionais necessários para dialogar com os textos e,
consequentemente, com a vida, já que a leitura é uma ferramenta essencial à mobilidade
social e à cidadania.

3.2.3 Estratégias de leitura

Segundo Solé (1998, p. 69-70), estratégias leitoras “são procedimentos de caráter


elevado, que envolvem a presença de objetivos a serem realizados, o planejamento das ações
que se desencadeiam para atingi-los, assim como sua avaliação e possível mudança”. Na
atividade de construir sentido por meio da leitura, o leitor precisa utilizar várias estratégias
sociocognitivas a fim de realizar o processamento textual, que depende não só das
características internas do texto, como do conhecimento que armazena, pois é esse
conhecimento que define as estratégias a serem utilizadas na produção/recepção do texto. O
processo de produção textual é caracterizado por ser um processo ativo e contínuo do sentido
e se liga a redes de unidades e elementos suplementares, ativados de acordo com um dado
contexto sociocultural, constituinte ímpar para a construção do sentido.
A ativação das estratégias de leitura implica, segundo Koch (2009), a mobilização de
três grandes redes de conhecimento: o linguístico, o enciclopédico e o interacional. É essa
rede de conhecimento que permitirá ao leitor interagir com textos de gêneros variados de
acordo com o contexto11 e seus objetivos de leitura.
Já que ficou entendido que os leitores buscam informações em seus conhecimentos para
construir sentidos, faremos uma breve discussão sobre a natureza desses conhecimentos,
levando em consideração as leituras feitas a partir de Koch (2009; 2010), Kleiman (2010) e
Heinemann e Viehweger (1991). São eles:

a) Conhecimento linguístico: corresponde ao conhecimento da gramática e do léxico, é


responsável pela organização do material linguístico na superfície textual e pelas

11
A perspectiva atual, que se pauta nos elementos sociointeracionais, considera que o contexto sociocognitivo é
mister para que se estabeleça a interlocução entre os interactantes sociais. Assim, entende-se por contexto, na
visão defendida atualmente pela Linguística Textual, não só o contexto (elemento material), mas, também a
situação de interação mediata (entorno sociopolítico-cultural) e imediata, além do contexto sociocognitivo
(conhecimento de mundo, sociointeracional, etc) dos interlocutores. O contexto sociocognitivo abarca todos os
outros. (KOCH, 2009). Portanto, considerando o contexto sociocognitivo dos sujeitos sociais, admitem-se
leituras diversas para um mesmo texto.
55

escolhas dos termos. A escolha dos elementos coesivos nos processos12 de reiteração,
associação e conexão também fazem parte do conhecimento linguístico dos sujeitos.
Esse conhecimento abrange desde o saber pronunciar português, passando pelo
conhecimento de vocabulário e regras da língua, estendendo-se até as noções sobre o
seu uso.
b) Conhecimento enciclopédico ou conhecimento de mundo: compreende todas as
informações arquivadas na memória dos sujeitos. São conhecimentos gerais sobre o
mundo, bem como referentes às nossas vivências, além de eventos situados no espaço
e no tempo. No momento do processamento textual, para haver compreensão, a parte
do nosso conhecimento de mundo envolvida para a leitura do texto, deve ser ativada.
c) Conhecimento sociointeracional: envolve nosso entendimento sobre as formas de
interação por meio da linguagem. Relaciona-se com a realização de certas ações por
meio da linguagem. Esse tipo de conhecimento envolve:
c.1) Conhecimento ilocucional: possibilita reconhecer os propósitos dos falantes em
situações de interação;
c.2) Conhecimento comunicacional: são os meios adequados para atingir os objetivos
desejados. Trata, por exemplo, da escolha pela variante linguística adequada a cada
situação de comunicação; os gêneros adequados às situações comunicativas;
c.3) Conhecimento metacomunicativo: conhecimento sobre ações linguísticas que
possibilitam ao locutor assegurar a compreensão textual e conseguir aceitação de seus
objetivos pelos leitores. Extingue-se (on-line ou a posteriori) perturbações na
comunicação. As paráfrases, parênteses de esclarecimentos, procedimentos de
atenuação são meios para evitar equívocos;
c.4) Conhecimento superestrutural: relativo ao reconhecimento dos textos que se
encaixam às diversas situações da vida social. Referem-se, ainda, sobre as unidades
globais que caracterizam e distinguem os vários tipos de texto, sobre sua ordenação ou
sequenciação. Além disso, também, tratam da conexão entre objetivos e estruturas
textuais globais.

12
Para Antunes (2005), a continuidade observada nos textos é proveniente da continuidade semântica
estabelecida entre os vários segmentos. Tais relações são semânticas e diferem quanto à natureza do nexo que
estabelecem. São realizadas por meio de três processos: por reiteração, por associação e por conexão. A
reiteração é a relação pela qual os elementos do texto vão de algum modo sendo retomados, criando-se um
movimento constante de volta aos seguimentos prévios. A associação é o tipo de relação que se cria no texto
graças à ligação de sentido entre as diversas palavras presentes. Já a conexão diz respeito às relações semânticas
estabelecidas entre diferentes segmentos textuais, isto é, entre orações, períodos, parágrafos ou blocos
supraparagráficos.
56

Reitera-se que esses tipos de conhecimento precisam ser ativados durante a leitura para
se chegar à compreensão, quando as partes se juntam para gerar um significado. Com o olhar
sobre isso, Kleiman (2010) comenta:

O mero passar de olhos pela linha não é leitura, pois leitura implica uma atividade
de procura por parte do leitor, no seu passado, de lembranças e conhecimentos,
daqueles que são relevantes para a compreensão de um texto que fornece pistas e
sugere caminhos, mas que certamente não explicita tudo o que seria possível
explicitar. (KLEIMAN, 2010, p. 27).

Assim, para chegar ao entendimento de um texto, o leitor precisa colocar em ação todas
as estratégias necessárias para preencher os vazios, uma vez que a leitura é uma atividade de
solução de problemas. Embasado em conhecimentos como os descritos acima, o leitor
selecionará estratégias de ordens cognitivas, sociointeracionais e textuais. Sobre elas,
discorreremos.
As estratégias de ordem cognitiva são referentes ao uso que o leitor faz do
conhecimento que arquiva. Tal uso dependerá dos objetivos traçados para a leitura, dos
conhecimentos disponíveis no texto, bem como no contexto. Isso oportunizará o leitor
reconstruir sentidos pertinentes ao projeto de dizer do autor ou, até mesmo, sentidos bem
diferentes. Segundo Koch (2009), essas estratégias são referentes a cálculos mentais
realizados pelos agentes de leitura, como é o caso das inferências, segundo as quais o leitor
poderá, partindo de um dado contexto, criar novas informações a partir daquelas disponíveis
no texto. Já que o texto não é explícito, as inferências constituem estratégias cognitivas.
As estratégias de ordem sociointeracionais referem à manutenção dos objetivos traçados
durante a interação verbal. São determinadas socioculturalmente e são relacionadas, dentre
outras, à polidez, preservação de das faces, desconstrução de mal-entendidos.
As estratégias textuais, como diz Koch (2009, p. 51) “[...] não deixam de ser também
interacionais e cognitivas em sentido lato”, são referentes às escolhas textuais feitas pelos
interlocutores a fim de produzir sentido. São referentes ao projeto de dizer do produtor do
texto, ou seja, as sinalizações por ele deixadas.
Tomando como base o pensamento de Solé (1998, p. 19) de que “a aprendizagem da
leitura e de estratégias adequadas para compreender os textos requer uma intervenção
explicitamente dirigida a essa aquisição”, bem como as colocações de Kleiman (2001, p. 203)
que refletem que “a formação do leitor crítico não ocorre espontaneamente, trata-se de uma
tarefa de ordem cognitiva e de ordem social [...]. Sem atividades que permitam refletir,
retomar, reelaborar, avançar nesse processo, será a resposta pronta que predominará”,
57

entendemos a necessária participação do professor no ensino de estratégias leitoras. Os alunos


precisam ser orientados para a construção de sentidos sobre o que leem, processo em que
devem ser combinadas as informações visuais presentes no texto e os conhecimentos do
leitor.
Solé (1998) deixa claro que ao ensinar estratégias de compreensão leitora, entre os
alunos deve predominar a construção e o uso de procedimentos de tipo geral, que possam ser
transferidos sem maiores dificuldades para situações de leitura múltiplas e variadas. Assim,
apoiado naquilo que a Proposta Curricular do 2º segmento de EJA (2002) propõe, o professor
pode contribuir para alargar a competência leitora exercitando estratégias de leitura, como:
a) O professor precisa incentivar os alunos a observar o texto, fazendo leitura do título,
observando imagens, gráficos que estejam no texto. Tal comportamento deve gerar
antecipações dos sentidos do texto pelo aluno, que se valerá dos seus conhecimentos
prévios e dos dados da observação. Essa é uma estratégia de ordem cognitiva.
b) O professor deve levar os alunos a checar as hipóteses construídas preliminarmente a
fim de julgar a validade. Como um trabalho de construção, essas hipóteses podem ser
reformuladas.
c) O professor deve esclarecer o que pretende com as atividades de leitura lançadas aos
alunos, pois para toda leitura tem-se um objetivo, que é fator responsável para a
eleição de um procedimento para a leitura.
d) No decorrer do processamento leitor, os sujeitos constroem sínteses mentais
objetivando compreender o texto, o que se torna inviável para um leitor não-
proficiente. Assim, o professor pode realizar leituras colaborativas 13 para incluir esses
leitores no processo de significação. O professor faz a leitura, pausadamente, em voz
alta, acompanhada de questionamentos, intervenções constantes para estimular o aluno
a, dentre outras, elaborar hipóteses; confirmá-las ou refutá-las; identificar novas
hipóteses e justificá-las com base no sentido já atribuído e em pistas linguísticas
presentes na superfície; verificar a relação entre os textos (intertextualidade), etc. Esse
trabalho se torna ainda mais importante com gêneros e assuntos desconhecidos pelo
leitor.
e) O professor precisa estimular o aluno a realizar paráfrases dos textos lidos, pois isso
vai proporcionar uma verificação do entendimento que o aluno teve sobre o texto,

13
Segundo os PCN (1998, p. 72), “a leitura colaborativa é uma atividade em que o professor lê um texto com a
classe e, durante a leitura questiona os alunos sobre os índices linguísticos que dão sustentação aos sentidos
atribuídos”.
58

além de aproximá-lo do código escrito.


f) O professor deve realizar conexões entre o teor do texto lido com outros que já
conhecem (propagandas, filmes, músicas, etc). É importante, também, que o professor
favoreça a expansão dos contextos sociocognitivos dos alunos levando outros textos
que tratem do mesmo assunto.
g) Sabendo que os textos são plurissignificativos, uma vez que os sujeitos têm
conhecimentos prévios distintos, é necessário que o professor proponha discussões
sobre as leituras feitas para que haja reflexão sobre a leitura, os alunos vão concordar,
negar algumas leituras e, assim, a reflexão e a criticidade vão acontecendo.
h) O professor precisa tornar as fontes de informação acessíveis ao aluno, pois elas
facilitarão na leitura dos textos. O leitor precisa manter domínio sobre o que está lendo
e, para isso, precisa verificar sua compreensão, a qual pode ser dificultada por meio de
algum termo que pode ser irrelevante diante do universo textual, capaz de desfazer o
enigma; mas, em alguns momentos, precisa recorrer a outras fontes, ação que pode ser
facilitada pelo professor. (BRASIL, 2002).

É de interesse de nossa pesquisa, dentre outros, verificar se o professor conhece as


concepções de leitura e tem definição, essencialmente, daquela que defende uma abordagem
interacional de língua; se está familiarizado com as diversas estratégias facilitadoras da
leitura, além de um acervo amplo de conhecimentos prévios sobre os assuntos em estudo.
Verificamos, ainda, nesse contexto se o professor tem a necessária formação como agente de
letramento, ou seja, aquele que promove de forma efetiva as práticas de leitura e de escrita
tornando-as relevantes para a formação de cidadãos que por meio da língua (inter) agem na
recepção e produção de textos, orais e escritos, de forma dialógica e contextualizada. Com
base nas leituras de Bortoni-Ricardo; Machado; Castanheira (2010, p.16) “[...] todo professor
é por definição um agente de letramento” e “todo professor precisa familiarizar-se com
metodologias voltadas para as estratégias facilitadoras da compreensão leitora”. Assim,
munido dessas características, o professor conduzirá os alunos para a compreensão e
construção de sentidos.
O ensino de estratégias leitoras se justifica pela necessidade de formação de leitores
autônomos, capazes de dialogar com textos diversos, muitas vezes, diferentes dos utilizados
durante a instrução. Esses textos podem ser complexos, pela alta criatividade ou não estarem
bem redigidos. De qualquer maneira, como partem de uma grande variedade de objetivos,
cabe esperar que a estrutura textual também seja variada, bem como as possibilidades de
59

compreensão. (SOLÉ, 1998).


A formação de leitores autônomos também pode ser entendida como formação de
leitores capazes de aprender por meio dos textos. Por essa razão, o leitor deve ser capaz de
interrogar a sua compreensão, relacionar o que lê com suas vivências e acervo cultural,
questionar seu conhecimento e chegar a modificá-lo, construir generalizações que
possibilitem transferir o que aprendeu para contextos diferentes. O ensino de estratégias de
leitura contribui para dar aos alunos os recursos necessários para que eles possam aprender a
aprender. O aluno precisa ter controle do que lê e tomar decisões adequadas segundo os seus
objetivos.
Solé (1998) traz a contribuição de Bruner e colaboradores (WOOD, BRUNER, ROSS,
1976), os quais desenvolvem uma metáfora denominada “andaime” a fim de explicar o papel
do ensino em relação à aprendizagem do aluno. Segundo tal metáfora, assim como os
andaimes se localizam acima do edifício que colaboram na construção, os desafios advindos
do ensino devem estar além dos que o leitor consegue resolver. Mas, assim como os andaimes
são retirados após a construção do edifício se o trabalho for a contento, também as ajudas do
professor devem, progressivamente, cessar, logo que os alunos se mostrem competentes e
puderem controlar a aprendizagem.
Assim, entendemos que o ensino eficiente é aquele que garante a interiorização do que
foi ensinado e o uso autônomo por parte do aprendiz nas mais variadas situações advindas das
práticas sociais.

3.2.4 Leitura: prática de múltiplos letramentos

Segundo os estudos de Soares (2004), encontramos uma importante contribuição para a


nossa pesquisa, quando define:

(...) o que o letramento é depende essencialmente de como a leitura e a escrita soa


concebidas e praticadas em determinados contexto social; letramento é um conjunto
de práticas de leitura e escrita que resultam de uma concepção de quê, como, quando
e por que ler e escrever. (SOARES, 2004, p. 75).

Percebe-se, assim, que o letramento acontece considerando práticas e eventos


particulares. As práticas de leitura e escrita ocorrem em situações/contextos de interação, as
quais devem ser percebidas pelas práticas de letramento.
A aprendizagem da leitura sob a perspectiva dos estudos do letramento, segundo
60

Kleiman (2002), implica saber como os textos funcionam nas diversas práticas socioculturais.
As práticas de letramento desvinculadas da realidade não atendem à real necessidade do aluno
que precisa interferir na sua realidade social e utiliza a leitura para isso. Se assim
considerarmos, a leitura é vista, portanto, como uma prática de múltiplos letramentos, haja
vista que o leitor precisa conhecer as práticas sociais e culturais exercidas em vários contextos
e, a partir dessas demandas, entender como os textos funcionam, a função social que
carregam/exercem a fim de discernir, em contextos mais amplos, a aplicabilidade de um texto
e, consequentemente, das leituras dele.
Para Barton (1994), em sua abordagem integrada do letramento ou letramento
funcional, o letramento é situado na vida diária, propondo que o letramento influencia e é
influenciado pela demanda social. Por isso, hoje, fala-se em letramentos. Para o autor,
diferentes letramentos estão associados a diferentes domínios da vida em diferentes níveis e
situações, sendo identificados como forma de interação entre os indivíduos. (CHAVES,
2008).
Ainda seguindo essas orientações, Chaves (2008) afirma-se que o letramento funcional
auxilia os sujeitos a adentrar no mundo dos letrados e isso vai além da aquisição de códigos,
pois chega às práticas sociais. Assim, é plenamente possível sua aplicabilidade no contexto da
sala de aula para que se conheçam os diversos contextos de letramento dos alunos (verifica-se
se têm discernimento do papel do letramento em suas vidas ou se aprendem com ele) a fim de
propor atividades.
Adentrando nas práticas desenvolvidas em sala de aula, refletimos com Chaves (2008,
p. 11):

O letramento não está restrito ao sistema escolar, mas é de competência da escola,


fundamentalmente, levar os indivíduos a um processo mais profundo e autônomo
nas práticas sociais que envolvam a leitura e a escrita. Saber ler e escrever um
montante de palavras não é o bastante para capacitar o indivíduo para a leitura
diversificada. Neste ponto entende-se que surge a necessidade de se desenvolver
graus de letramento nos indivíduos envolvidos no processo de aprendizagem para
que estes possam inteirar-se de forma crítica à sociedade.

Pensando no ensino em sala de aula, percebe-se que a escola tem passado por
dificuldades para ajudar seus alunos a construírem habilidades de leitura como ferramenta de
apreensão do conhecimento. Porém, a partir de pesquisas lideradas por Bortoni-Ricardo;
Machado; Castanheira (2010), fica esclarecido que o professor, quando tem acesso a uma
pedagogia de leitura, tende a fazer bom aproveitamento de suas estratégias e a melhorar seu
trabalho pedagógico. A autora defende que todo professor é um agente de letramento, o que
61

promove de forma efetiva práticas de leitura e de escrita tornando-as relevantes para a


formação dos cidadãos, e precisam se familiarizar com metodologias voltadas para as
estratégias facilitadoras da compreensão leitora a fim de tornar seus alunos mais proficientes.
Bortoni-Ricardo; Machado; Castanheira (2010, p. 17) apontam outros fatores que vão
além das dificuldades de trabalho pedagógico encontradas em sala de aula, assim afirmam:

[...] temos que considerar também que a formação de professores em nosso país vem
se negligenciando dimensões de natureza mais prática, metodológicas, em benefício
de uma suposta superioridade de conteúdos teóricos provenientes das ciências
humanas.

Fica evidente a ideia de que a formação pela qual os professores têm passado não
prioriza o exercício da teoria na prática. Muitas vezes, o professor não domina essa teoria e,
quando domina, não consegue aplicá-la na prática como os alunos. Para tornar a discussão
mais completa, as autoras trazem como exemplo uma pesquisa realizada pelo norte-americano
Martin Carnoy sobre a escola brasileira, o qual justifica a falta de práticas efetivas de leitura,
deixando claro que a fragilidade na capacitação dos professores para o exercício da práxis é
um dos problemas principais. Por entender que esse diálogo contribui com nossa pesquisa,
transcrevemo-lo:

Falta ao Brasil entender o básico. Os professores devem ser bem treinados para
ensinar – e não para difundir teorias pedagógicas genéricas. As faculdades precisam
estar atentas a isso. Um bom professor de matemática ou de línguas é aquele que
domina o conteúdo de sua matéria e consegue passá-lo adiante de maneira atraente
aos alunos. Simples assim. O que vejo no cenário brasileiro, no entanto, é a difusão
de um valor diferente: o de que todo professor deve ser um bom teórico. O pior é
que eles se tornam defensores de teorias sem saber sequer se funcionam na vida real.
Também simplificam demais linhas de pensamento de natureza complexa. Nas
escolas, elas costumam se transformar apenas numa caricatura do que realmente são.
(MARTIN CARNOY, Veja.com. Edição. 2132 30/9/09 apud BORTONI-
RICARDO; MACHADO; CASTANHEIRA, 2010, p. 17).

Esse quadro de repleta descontextualização e ausência de práticas efetivas de leitura está


presente em todos os níveis de ensino, inclusive na EJA, nosso objeto de estudo. Além do que
foi esclarecido na pesquisa citada, acrescentamos uma contribuição a respeito da ausência de
práticas de sucesso, seja a inserção de estudos linguísticos, especialmente as teorias da leitura
nos cursos de formação de professores. É preciso investir na formação prática do professor
como agente de multiletramentos. Alerta-se, ainda, que o trabalho de estratégias de leitura de
forma a conduzir os alunos para a construção de sentidos, é um trabalho de todos os
professores da educação básica.
62

3.2.4.1 Letramento na EJA

Segundo Soares (2004), sendo o uso das habilidades de leitura e escrita para o
funcionamento e a participação adequados na sociedade, e para o sucesso pessoal, o
letramento é considerado como responsável por produzir resultados importantes:
desenvolvimento cognitivo e econômico, mobilidade social, profissional, cidadania.
Pessoas jovens e adultas em processo de escolarização estão expostas a situações e
materiais de leitura variados em suas casas, na rua por onde andam, no trabalho, na religião,
nas atividades de lazer. Todos esses materiais são relacionados às atividades desenvolvidas
nesses âmbitos nas quais se constroem representações sobre o que é ler, como se lê, sobre ser
ou tornar-se leitor, o que pode ser lido e que tipos de materiais e textos são valorizados
socialmente. São ideias, opiniões e pontos de vista sobre si mesmos e sobre os outros, sobre
ações, materiais construídas nas experiências compartilhadas com leitores, nas imagens e
discursos veiculados pelos meios de comunicação e nas situações que compartilham
cotidianamente, que influem no modo como se engajam na aprendizagem da leitura. Para
Vóvio (2007, p. 91) “essas representações são acionadas em variados momentos e podem, por
meio das atividades e interações que se realizam nas turmas de EJA, serem confirmadas,
transformadas, ressignificadas e/ou apagadas [...].” Assim, o professor precisa conhecer e
entender o espaço e as vivências de EJA para que possa saber a metodologia certa a ser
aplicada e o que se deve aplicar, desde que chame a atenção do público e seja útil para ele,
além de ser capaz de compreender as respostas do público às propostas lançadas.
Ler sob a perspectiva dos Estudos do Letramento é saber como funcionam os textos nas
diversas práticas socioculturais. De acordo com Vóvio (2007), entendendo essa colocação, é
possível inferir, pelo menos, duas consequências para a práxis na EJA. A primeira está na
necessidade de inserção dos estudantes em práticas legitimadas e que permitam interagir
culturalmente em variados âmbitos sociais. Temos, assim, o desafio de apresentar uma
diversidade tal de situações de interação nas quais a leitura e a escrita estão presentes que, de
modo geral, correspondam às práticas socialmente valorizadas de uso da linguagem escrita e
necessárias às demandas sociais mais amplas. A segunda faz referência ao aprendizado do
sujeito segundo alguns valores, conhecimentos e necessidades que estão condicionadas
localmente e que refletem as motivações e os interesses dos interactantes. Logo, o agente de
letramento que atua na EJA precisa descobrir os gêneros com os quais os estudantes estão
familiarizados (orais e escritos) e quais preferem e necessitam em suas práticas sociais; os
quais serão referência para apresentar novos gêneros. A aprendizagem não pode perder de
63

vista neste processo a realidade social dos estudantes e das comunidades a que pertencem,
tornando esse processo mais significativo. A aprendizagem, aqui, é negociada em função dos
interesses dos grupos envolvidos.
Vóvio (2007) elenca, ainda, um outro desafio: as práticas de leitura envolvem vários
conhecimentos, os quais já foram apresentados em outras seções desse texto. Mas, ratifica-se
que o leitor precisa selecionar saberes arquivados de suas experiências de vida, sobre gêneros
e o modo como os textos são produzidos, etc. O professor precisa considerar, na práxis da
leitura, que uma boa parte do público de EJA não teve contato, senão pouco, e em vivências
fora da escola, com textos escritos, os quais demandam saberes dos recursos linguísticos
selecionados pelo autor a fim de construir sentidos. Assim, o trabalho de construção de
estratégias para o ensino de leitura deve considerar esses fatos. A respeito disso, Mollica e
Leal (2009) dialogam com Fonseca (2005), esclarecendo que a nomenclatura alfabetização de
adultos embora induza a uma modalidade de ensino que tem a faixa etária como foco
principal, o que a diferencia em relação a outros grupos é o aspecto sociocultural. Por isso,
“(...) as ações educativas destinadas a jovens e adultos devem levar em conta a escolarização
anterior, incompleta e inexistente, num contexto mais amplo de exclusão social e cultural”
(MOLLICA; LEAL, 2009, p. 58). E, continuam, referenciando Gadotti (1995) a fim de
mostrar que a origem social marca inevitavelmente a carreira escolar dos indivíduos.
Talvez nos tornemos repetitivos, mas, em virtude da importância atribuída à questão,
cabe dizer que a leitura só se torna significativa quando guiada por objetivos, quando
problematizada, não perdendo de vista o que o público almeja, interagir socialmente, o que só
é possível por meio do entendimento dos textos a que estão dispostos. Portanto,

[...] no processo de aprendizagem pela própria função da EJA é o objetivo de ler


para aprender, que implica a organização de propostas coletivas que abordam
informações, conhecimentos e competências substanciais para o tratamento de temas
e problematizações. (VÓVIO, 2007, p. 93, grifo da autora).

Assim, o professor precisa incluir textos informativos de diversas áreas do


conhecimento, textos jornalísticos, relatos históricos, textos literários e didáticos, além de
listas, esquemas, tabelas, gráficos, mapas e imagens, tudo com finalidade de ampliar o
contexto sociocognitivo.
Fica entendido que a grande preocupação educacional dos últimos anos é construir
cidadãos conscientes e atuantes na sociedade. Acredita-se no desabrochar de uma cidadania a
partir de um ensino calcado, em primeira instância, no desenvolvimento do raciocínio, do
64

senso de observação e da visão crítica de mundo.


Para tanto, não se pode deixar de priorizar, como bem lembram Mollica e Leal (2009),

a diversidade de níveis de letramento social e escolar encontrada nas classes de


alfabetização de jovens e adultos, tantas vezes tratada como um empecilho para o
planejamento das atividades pedagógicas, além de ser respeitada e conhecida, deve
ser levada em conta. Assim, o educador pode, a partir do conhecimento das
experiências de seus alunos como indivíduos “não-crianças”, quase sempre
excluídos da escola e participantes de diferentes grupos culturais e sociais (cf.
Oliveira 1999), construir um fio condutor para interligar as vivências comuns com
as práticas de sala de aula. (MOLLICA; LEAL, 2009, p. 59, grifos das autoras).

As autoras chamam atenção para a valorização dos saberes dos sujeitos de EJA, além de
deixarem explícito que as atividades lançadas a eles não devem tentar infantizá-los, prática
recorrente em turmas dessa modalidade. Acentuam que o agente de letramento deveria
aproveitar os saberes dos alunos para as discussões de leitura propostas e, assim, tornar o
sujeito mais esclarecido e se perceber como agente de interação.
A EJA deve priorizar, então, uma formação inicial e continuada específica para atender
às reais necessidades dos alunos jovens e adultos: garantir a melhoria das condições de
mercado de trabalho, as necessidades de aprendizagem, adquirir competências da leitura e da
escrita para atingir melhores condições de vida e desenvolver níveis maiores de letramento.
Suas práticas educativas devem privilegiar a realidade de vida dos sujeitos e o diálogo
constante entre professor e aluno.

3.2.5 Ensino de leitura e os gêneros textuais

Como os textos utilizados na vida em sociedade têm formatos, estruturas e intenções


variadas, a prática pedagógica para formar leitores proficientes tem de desenvolver
experiência de leitura que promovam o uso de estratégias por meio dos mais variados gêneros
textuais, uma vez que o uso eficaz de estratégias de leitura está relacionado com o gênero que
se lê e o propósito de leitura que se tem em mente. Bronckart (1999, p. 103) defende que “a
apropriação dos gêneros é um mecanismo fundamental de socialização, de inserção prática
nas atividades comunicativas humanas”, ou seja, os gêneros textuais são instrumentos de que
os sujeitos dispõem para atuar nos diferentes domínios da atividade humana. Marcuschi
(2010) corrobora com a ideia ao afirmar que os gêneros constituem textos empiricamente
realizados, cumprindo funções em situações comunicativas, uma vez que respondem a uma
necessidade, atendem a uma expectativa.
65

Swales (1990) considera que não há como entender e interpretar um texto apenas por
meio de uma análise linguística. Para ele, o texto deve ser visto em seu contexto, ou seja, o
conhecimento do gênero depende de conhecimentos que vão além do texto, como, por
exemplo, a comunidade discursiva, seus valores, suas práticas e expectativas.
Segundo os PCN, a escola precisa, no trabalho com a leitura, considerar a diversidade
dos gêneros textuais e atentar para a forma de recepção desses textos a fim de que o aluno
perceba o tratamento diverso que precisa ser dado ao texto diante dos propósitos discursivos
que ele tem. Esses propósitos serão definidos diante do contexto situacional. Os alunos
precisam ter clareza das características linguísticas e discursivas dos gêneros estudados.
Fica claro nos PCN que “[...] todo texto se organiza dentro de determinado gênero em
função das intenções comunicativas, como parte das condições de produção dos discursos, as
quais geram usos sociais que os determinam”. (BRASIL, 1998, p. 21). Logo, para que o aluno
consiga interagir com a leitura de um dado texto necessita reconhecer as suas intenções
comunicativas.
O professor ao trabalhar com os gêneros nas atividades de leitura precisa, segundo a
proposta curricular do 2º segmento de EJA (2002), estar comprometido com as mais diversas
práticas sociais que estão em torno desses gêneros. Dessa forma, “para trabalhar a diversidade
de textos, é fundamental considerar os modos de ler tais gêneros e as características dos
suportes em que circulam”. (BRASIL, 2002, p. 42).
O aluno deve ter a maturidade de, como sujeito da sua leitura, perceber ao variados
pontos de vista, diferenças e semelhanças nas abordagens que estão por trás das construções
de sentido do projeto do autor, objetivos discursivos, dentre outros. Para e por isso, cabe à
escola dispor textos pertencentes aos mais variados gêneros, mesmo aqueles que não estão,
rotineiramente, presentes no livro didático. Essa vivência oportunizará a geração de
construtores de sentido.
É importante observar que não basta o professor manter uma rotina de trabalho com
textos diversos, com gêneros diversos, no contexto de EJA, senão possibilita a percepção de
seus propósitos, ou seja, fazendo uma interlocução com as práticas em sociedade. Sobre isso,
Albuquerque comenta:

Mesmo trazendo para a sala de aula textos de circulação social (notícias, letras de
música, textos literários, etc.), muitos professores da EJA continuam praticando um
ensino do sistema de escrita baseado no tradicional método silábico de alfabetização.
Muitas vezes cria-se uma evidente contradição: lêem-se e escrevem-se textos
interessantes, mas o ensino da escrita alfabética não muda (ALBUQUERQUE,
2004, p. 67-68).
66

Portanto, as práticas de leitura em EJA não podem deixar de lado a compreensão de


que o uso da linguagem é estruturado pelos gêneros, fato que resulta no ensino de leitura
organizado segundo a aprendizagem de diferentes gêneros.
As abordagens teóricas de leitura aqui levantadas foram necessárias para a análise do
ensino do ensino de leitura desenvolvido pelas professoras de EJA. No capítulo que segue,
discorreremos sobre a pesquisa que desenvolvemos para investigar as concepções de leitura e
práticas adotadas pelas professoras nesse processo de ensino.
67

4 A PESQUISA

Ou o texto dá um sentido ao mundo, ou ele


não tem sentido nenhum. E o mesmo se pode
dizer de nossas aulas. (LAJOLO, 1997, p. 15)

Durante o último ano da graduação plena em Letras/Português realizada na


Universidade Estadual do Piauí - UFPI, campus professor Alexandre Alves de Oliveira –
Parnaíba/PI, comecei a trabalhar em um projeto de educação de jovens e adultos, denominado
Todas as Letras. Esse projeto selecionou algumas pessoas na nossa cidade para fazerem parte
da coordenação de vários núcleos e professores para formarem turmas nesses núcleos. Fui
selecionado para ser coordenador e, para exercer tal função, deveria acompanhar todas as
turmas distribuídas em vários núcleos a fim de verificar se a proposta do projeto estava sendo
bem executada pelos professores. Com isso, tive a oportunidade de vivenciar vários
momentos de práticas de profissionais com curso superior, ensino médio e curso pedagógico,
com os quais dialoguei por dois anos. Muitas experiências observadas nos chamaram a
atenção por conhecer mais de perto as peculiaridades daquele público, a necessidade de um
trabalho mais qualificado, que nem sempre os professores conseguiam realizar.
Como coordenador desse projeto, tive a oportunidade de participar de vários momentos
de discussão (formações) realizados em Recife-PE e em Teresina-PI, nos quais foram
disponibilizadas muitas informações que cada vez traziam maior curiosidade em desenvolver
um trabalho de pesquisa. Concluída a minha participação nesse projeto, mesmo período em
que saí da graduação, iniciei uma pós-graduação lato sensu em Estudos Linguísticos na cidade
de Sobral-CE. Durante os estudos dessa especialização, cursei uma disciplina de Teoria de
Leitura, a qual me tornou mais íntimo da temática e inspirou o desenvolvimento de um
projeto para a construção da monografia em ensino de leitura na modalidade EJA. Fiz uma
construção teórica sobre o ensino de leitura na EJA, porém não me dirigi a um campo de
pesquisa a fim de perceber como esse ensino acontecia. Assim, meu objeto de estudo ainda
não havia sido satisfeito.
Em 2010, ingressei no Programa de Mestrado em Letras da Universidade Federal do
Piauí, desejo que já me acompanhava mesmo antes de concluir a graduação. No ano de
ingresso, eu já era professor da Rede Estadual de Ensino do Piauí, a qual me disponibilizou
para fazer o curso.
Ao ingressar no mestrado, cursei vários créditos de áreas de investigação em linguagem
e dois outros créditos específicos em estudos de leitura.
68

Logo no começo dos encontros de orientação, a orientadora já me questionava a respeito


da delimitação do estudo e me direcionou a uma pesquisa-piloto a fim de ter clareza do tal
objeto de estudo. Realizei a pesquisa em duas turmas de EJA de uma escola no bairro Dirceu
em Teresina. Observei apenas uma professora, pois ela era a titular dos dois ciclos
observados, terceiro e quarto. Essa etapa foi extremamente importante porque me encaminhou
para vários questionamentos e deu clareza sobre o foco de pesquisa, o professor enquanto
agente de letramento, portanto responsável pelo ensino de leitura, orientador de estratégias
leitoras. Interessava-me, pois, investigar a bagagem teórica desse profissional, bem como suas
vivências enquanto leitor, definidoras do sucesso dessa atividade.
Após essa etapa, chegava a hora de começar a pesquisa definitiva, porém ainda não
sabia se iria realizá-la em Teresina ou Parnaíba. Percebendo que não haveria maiores
problemas para a pesquisa, minha orientadora consentiu que eu realizasse a pesquisa em
Parnaíba. Assim, voltei à minha cidade em dezembro.
Os primeiros contatos com as escolas de EJA em Parnaíba foram feitos em janeiro. Fui
à 1ª Gerência Regional de Educação do Estado para verificar a disponibilidade de turmas em
EJA, as etapas ou ciclos oferecidos e o horário de funcionamento. O mesmo trabalho fiz na
Secretaria Municipal de Educação e percebi que, a princípio, não havia nenhum impedimento
para a aplicação da pesquisa nas redes estadual e municipal de ensino, todavia uma situação
foi definidora para a minha opção pelas escolas da rede municipal, uma greve iniciada nas
escolas do estado. Tal evento grevista atrasou o início do período letivo e, certamente, o da
pesquisa. Assim, optei por iniciá-la nas escolas do município, o que aconteceu a partir de
março a pedido da coordenadora de EJA, pois embora as aulas tenham iniciado no dia
21/02/2011, a coordenadora ponderou que os alunos precisavam ter uma vivência com a
professora antes de uma pessoa de fora adentrar. Quanto ao diálogo com a secretaria de
educação municipal, com as escolas e o início da pesquisa, discorrerei nas próximas seções.
Descrevo, agora, de forma breve, a abordagem escolhida para desenvolver a pesquisa
qualitativa realizada e os métodos para a geração, coleta e análise dos dados.

4.1 A pesquisa qualitativa

A investigação sobre o contexto escolar de leitura da EJA, a qual centra sua


preocupação nas concepções e práticas de leitura do professor dessa modalidade,
desenvolveu-se por meio de uma pesquisa de natureza qualitativa, adotando uma perspectiva
etnográfica.
69

A abordagem qualitativa se constrói com base no paradigma interpretativista e se dedica


à interpretação das ações sociais. Tal paradigma entende que não há como observar o mundo
independentemente das práticas sociais e significados vigentes. (BORTONI-RICARDO,
2008, p. 32). A capacidade de compreensão daquele que pesquisa, enraíza-se em seus próprios
significados, pois este sujeito não é relator passivo, porém um agente ativo.
Uma abordagem qualitativa, segundo Bogdan e Biklen (1982), supõe o contato direto e
prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada. Em tal
abordagem, há entre os sujeitos participantes o estabelecimento de uma relação continuada, na
qual o pesquisador entra no mundo do sujeito, e permanece, ao mesmo tempo, fora dele, ou
seja, deve-se ir a campo

não como alguém que faz uma pequena paragem ao passar, mas como quem vai
fazer uma visita; não como uma pessoa que sabe tudo, mas como alguém que quer
aprender; não como uma pessoa que quer ser como o sujeito, mas como alguém que
procura saber o que é que é ser como ele. (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p. 113).

Segundo Bortoni-Ricardo (2008), o etnógrafo, ao conduzir sua pesquisa, participa da


vida da comunidade pesquisada por períodos longos a fim de observar todas as características
culturais. Faz perguntas, reúne informações com o intuito de conhecer, profundamente, a
cultura dessa comunidade, que é foco de estudo. Para a autora:

Hoje em dia, as pesquisas qualitativas, especialmente as pesquisas conduzidas em


instituições, como presídios ou escolas, não são necessariamente desenvolvidas por
extensos períodos de tempo. Quando ouvimos menção a “pesquisas etnográficas em
sala de aula”, por exemplo, devemos entender que se trata de pesquisa qualitativa,
interpretativista, que fez uso de métodos desenvolvidos na tradição etnográfica,
como a observação, especialmente para a geração e análise de dados. (2008, p. 38).

O método etnográfico tem a finalidade de desvendar a realidade através de uma


perspectiva cultural. Assim, essa pesquisa representa a tentativa de estudar a sociedade e a
cultura, seus valores e práticas, a partir de sua “descrição densa”, entendida como mais do que
a mera compilação de fatos externos ao pesquisador. Segundo Geertz:

Praticar etnografia é estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever textos,


levantar genealogias, mapear campos, manter um diário, e assim por diante. Mas não
são essas coisas, as técnicas e os procedimentos determinados, que definem o
empreendimento. O que o define é o tipo de esforço intelectual que ele representa:
um risco elaborado para uma “descrição densa”. (GEERTZ, 1989, p.15).

Segundo Lüdke e André (1986), a pesquisa etnográfica descreve-se em três etapas:


70

exploração, decisão e descobertas, as quais serão observadas nesta pesquisa.

4.2 O processo de investigação

4.2.1 Descrição e acesso ao campo

Como dito na introdução deste capítulo, defini como campo de aplicação da pesquisa as
escolas da rede municipal de educação que ofertavam EJA. Para adentrar ao campo, dirigi-
me, no final do mês de janeiro de 2011, à coordenação da Educação de Jovens e Adultos do
município de Parnaíba, localizada na Secretaria de Educação a fim de apresentar um
documento que me vinculava ao Programa de Mestrado Acadêmico em Letras da
Universidade Federal do Piauí e explicar o propósito de estudo, o objetivo da pesquisa à
gerente da coordenação. Em diálogo com a coordenadora, tive acesso às escolas que
ofereciam turmas de EJA, os horários em que essas turmas funcionavam, o endereço das
escolas, nomes dos professores e diretores. A coordenadora, no momento de nossa conversa,
sugeriu-me algumas escolas que, segundo ela, eu teria menos problema de aceitação por parte
dos professores.
Aproveitei a conversa para saber como funcionava a relação da secretaria de educação
com o programa de EJA. Indaguei sobre a construção dos planos de curso, dos planejamentos
e formações realizadas para os professores. A coordenadora não nos deu respostas muito
direcionadas. Disse-me, apenas, que os professores eram orientados pela direção na
construção dos planos de aula, pois essa atividade acontecia em cada escola e relatou, ainda,
que não havia uma pessoa responsável pela supervisão dessas turmas. Informou que a evasão
no programa ainda é muito grande e atribui isso ao trabalho de acompanhamento que o gestor
da escola precisa fazer. Segundo ela, é preciso que ele verifique, por exemplo, as atividades
menos significativas, pois muitos professores ainda realizam atividades longe do ideal.
Apontou, também, a necessidade de promoverem projetos de leitura na escola, atividades que
os alunos possam ver o valor e a funcionalidade das práticas de leitura e escrita. Com relação
à evasão, ainda não havia recebido dos diretores os dados do ano passado, mas sabia que eram
números altos. Disse, ainda, que as escolas, até o momento, não haviam recebido o livro
didático da escolha deste ano e que a escolha tinha sido feita pelos professores, que
reclamavam muito dos livros anteriores, pois os julgavam resumidos e tradicionais. Afirmou
que acreditava que os professores tinham como superar as deficiências do material utilizado,
71

mas muitos não “extrapolavam”14 o livro, eram resistentes a atividades mais criativas.
Em relação às formações realizadas pela Secretaria de Educação do município, a
coordenadora da EJA reconheceu a necessidade de fazer uma formação mais específica, mais
direcionada ao trabalho com EJA. Costumavam realizar formações no início de cada ano mas,
até o momento, por uma questão de administração de recursos, isso ainda não havia sido
possível. A coordenadora relatou que a equipe de formação continuada da Secretaria já tinha
uma proposta de realizar uma formação com temática geral “Letramento linguístico” a fim de
tratar mais minuciosamente sobre a “sistematização” da leitura e escrita. Os professores
tinham objetivo de fazê-la acontecer até o final de fevereiro, haja vista que as aulas estavam
previstas para começar no dia 21 do referido mês.
Feito esse diálogo, a coordenadora se prontificou a elaborar um documento15 que
esclareceria o objetivo da pesquisa e, portanto, autorizava-me a adentrar nas escolas.
Esclareço que a coordenação não fez qualquer tipo de restrição ao meu ingresso no campo de
pesquisa, solicitou, apenas, que ele fosse feito a partir do dia 14 de março, período posterior
ao carnaval.
Durante o período que aguardávamos para o início da pesquisa, dia 14 de março de
2011, delimitamos o campo da pesquisa. De acordo com o material disponibilizado pela
SEDUC, constatamos a existência de 116 turmas de EJA no município, das quais
acompanhamos 04 turmas desse total, o que corresponde a 3,5% das turmas. Optamos por
turmas de 4º ciclo. A escolha pelo quarto ciclo se deu por julgarmos que o professor poderia
desenvolver atividades de leitura que exigissem uma maturidade leitora mais aguçada,
considerando os saberes acumulados por esses alunos nos períodos anteriores. O
acompanhamento dessas escolas foi feito por três meses, tempo que julgamos necessário para
observar as práticas que constituiriam este corpus, pois acompanhamos a vivência do
professor de Língua Portuguesa em sala de aula de dois a quatro dias por semana. As escolas
eram urbanas e de ensino noturno e têm público com grande diversidade, constituído por
adolescentes, adultos e idosos, público de extenso conhecimento enciclopédico. Tal fato foi
decisivo para nossa escolha pelo ensino noturno, além de ser o período que dispúnhamos
integralmente para nos dedicar a esta pesquisa. A escolha dessas escolas foi feita de forma
aleatória, não adotamos nenhum critério definidor.
A partir do dia 14 de março, dirigimo-nos às escolas portando documento expedido pela

14
Os termos aspeados relevam escolhas lexicais dos entrevistados, as quais não foram modificadas a fim de não
comprometer os sentidos construídos por eles.
15
A declaração elaborada pela SEDUC está nos anexos desta dissertação.
72

SEDUC que nos oportunizava desenvolver o estudo. Diante disso, os diretores e professores
precisavam consentir a nossa entrada, por isso, ao ingressar no campo a ser pesquisado,
discutimos com os professores da disciplina em questão e os diretores a natureza e os
objetivos de nossa pesquisa, a fim de obter autorização para frequentar a escola, entrar nas
salas de aula, assistir às aulas e coletar os dados (gravações em áudio, notas, etc). Garantimos
sigilo com todos os dados coletados, bem como na sua divulgação, a qual foi discutida com os
professores envolvidos. Além disso, esclarecemos a eles que tinham liberdade para
permanecerem anônimos e aos diretores que o nome das escolas também seria preservado se
assim preferissem. Como no decorrer da pesquisa, uma das quatro professoras pediu para não
ser identificada, resolvemos nomeá-las pelas iniciais de seus nomes com o intuito de preservar
suas identidades. O mesmo fizemos com as escolas, que foram chamadas de escolas A, B, C e
D. Pedimos às professoras para realizar as gravações em áudio das aulas e não houve muita
resistência, pois explicamos a natureza dos procedimentos etnográficos para a geração de
registros, que originariam dados para a análise. Neste momento, tivemos contato com os
horários das aulas, o que definiu quantas poderíamos acompanhar. Fizemos uma tabela a fim
de evitar choques e, diante da comparação com os horários das quatro escolas, foi possível
acompanhar uma média de duas a quatro aulas por semana.
A seguir, descrevemos as escolas pesquisadas e a maneira como fui recebido em cada
uma delas.

a) Escola A

A primeira escola que visitamos foi a escola A, situada no Bairro São Benedito.
Funciona nos três turnos com turmas de EJA do 1º ao 4º ciclos à noite. A escola tem uma
estrutura muito boa, possui uma média de 10 salas de aula amplas e bem iluminadas, todas
com quadro acrílico e ventiladores; pátio; 01 laboratório de informática com 11 computadores
conectados à internet; 01 sala de leitura; biblioteca; cantina; sala de professores; dentre outras
instalações. A escola estava sempre limpa e, durante a pesquisa, encontramos por várias vezes
a diretora verificando a higienização dos espaços. Lembramos, nesta seção que caracteriza as
escolas envolvidas na pesquisa, que solicitamos a proposta pedagógica em todas as escolas,
pois entendemos que seja reveladora das concepções de leitura pensadas pela instituição e,
nosso anseio, era verificar se havia espaço para o ensino de leitura nos projetos das escolas e
como esse ensino era executado. Porém, das quatro escolas, apenas duas tinham o documento
em seus arquivos, as outras duas justificaram dizendo que passavam por atualizações e, até o
73

final da pesquisa teríamos contato, mas isso não aconteceu. A escola A, agora caracterizada,
possuía a proposta pedagógica nos arquivos do computador da secretaria e, sem problemas,
disponibilizou-nos. Tivemos acesso, também, ao regimento interno.
Ao chegarmos à escola no primeiro dia, a diretora nos acolheu com muita receptividade.
Conferiu o documento que nos encaminhava e nos mostrou o horário das aulas. Em seguida,
dirigiu-nos à professora W, a qual, inicialmente, não se mostrou muito receptiva. Sabedora do
tema de nossa pesquisa, adiantou16 que não existia leitura em EJA, pois os alunos não liam
nada. Acrescentou que, para piorar, os alunos ainda não tinham recebido os livros e que não
sabia como era possível trabalhar com português sem utilizar o livro. Disse-nos que o livro do
ano passado era péssimo, não tinha textos e os conteúdos eram elementares, além do que os
textos e as questões propostas eram muito infantilizantes. Em tom de denúncia, informou que
não participou da escolha do livro deste ano porque não era a qualidade que estava em jogo,
“a prefeitura comprava o mais barato”. Presenciamos, durante o processo de pesquisa,
depoimentos da professora que os profissionais de EJA eram postos na sala de aula pela
SEDUC, mas não passam por capacitações e isso é uma maneira de mostrar o pouco
comprometimento com a educação e com o público de jovens e adultos.
Sugeriu-nos que acompanhássemos só as aulas do 4º ciclo B, pois os alunos eram mais
participativos. Nós, de fato, acompanhamos quatro aulas semanais no 4º ciclo B em virtude
dos horários terem sido mais favoráveis para conciliar com as outras escolas. Não
demonstrando muita satisfação com nossa presença, a professora informou que ainda não
estava havendo aula de leitura, pois realizava revisões de conteúdos gramaticais. Por fim,
confessou que não acreditava no sistema de ciclos de EJA, pois o tempo é muito resumido.
Várias vezes, durante a pesquisa, embora sabedora de nossa presença por três meses,
questionou a conclusão do trabalho, em um explícito incômodo com nossa presença, fato que
foi vivenciado diariamente com silêncio e gestos. As práticas desenvolvidas serão discutidas
no capítulo de análise.

b) Escola B

A escola B localiza-se no bairro Rodoviária. Funciona nos três turnos, sendo que no
turno da noite, ensino de jovens e adultos com turmas do 1º ao 4º ciclos. A escola possui
estrutura conservada, mas um ambiente pouco informativo, sem cara de escola. Possui uma

16
Estas afirmações que fizemos sobre o relato das professoras foram possíveis por meio da recuperação na
memória em momento posterior ao diálogo e, em seguida, fazíamos notas.
74

média de 06 salas de aula amplas e bem iluminadas, todas com quadro acrílico e sem
ventiladores; cantina; biblioteca; sala de professores; não possui laboratório de informática
nem sala de leitura. O prédio da escola sempre estava bem limpo.
Ao chegarmos à escola no primeiro dia, a diretora nos recebeu gentilmente. Apresentou-
nos à professora da única turma de 4º ciclo, a professora M, que foi receptiva e bem breve.
Disse-nos os horários das aulas e nos deu as boas vindas.
A proposta pedagógica da escola foi solicitada várias vezes, mas a direção, apesar de
protelar a entrega, não a disponibilizou durante os três meses de pesquisa. Segundo a diretora,
a proposta tinha sido atualizada e estava sendo digitada.

c) Escola C

A escola C está localizada no bairro Santa Luzia, conhecido como um dos bairros mais
violentos da cidade, em virtude de residirem vários traficantes de drogas. Funciona nos três
turnos. À noite, há turmas do 2º ao 4º ciclos de EJA. A estrutura da escola era constituída por
uma média de sete salas, todas com quadro acrílico e algumas pouco iluminadas e sem
ventiladores; nesta escola não há laboratório de informática nem sala de leitura; 01 sala de
professores; 01 biblioteca; cantina; uma pequena área antes da cantina; 01 pátio, dentre
outros. No interior da sala do 4º ciclo, sala na qual coletamos dados, havia uma mesa em um
canto com vários livros e dicionários empilhados, todos velhos e rasgados.
No primeiro dia que entramos na escola, fomos recebidos de forma bem impessoal pela
diretora, que não escutou a nossa proposta. Ela informou o nome da professora que trabalhava
no 4º ciclo único e os dias em que poderíamos encontrá-la, mas não tinha os horários e pediu
que voltássemos posteriormente. Assim, fizemos. Apesar do trato impessoal, a diretora
consentiu com a realização da pesquisa e recebeu o nosso encaminhamento. Já sabedores dos
horários da professora, voltamos para conversar com ela. A professora V entendeu a proposta,
informou-nos os horários e nos orientou que acompanhássemos as duas aulas das terças-feiras
porque eram seguidas. Passamos a acompanhar as duas aulas das terças. A professora
solicitou para que não fosse identificada na pesquisa, mas não havia problema em gravar as
suas aulas.

d) Escola D

A escola D está localizada no bairro de Fátima, bem próximo ao Centro da cidade.


75

Funciona pela manhã e à tarde com ensino fundamental e EJA à noite, com duas turmas de
EJA (3º e 4º ciclos). Possui em média seis salas de aula com quadros acrílicos e algumas com
ventiladores. Dispõe de 01 sala de multimeios; 01 laboratório de informática com dez
computadores conectados à internet; 01 sala de leitura que funciona junto à sala da direção; 01
sala de professores; cantina; secretaria; pátio amplo, dentre outros.
No nosso primeiro contato com a escola, fomos bem recebidos pelo diretor, que
demonstrou interesse pela pesquisa e se colocou à disposição para o que fosse necessário.
Apresentou-nos o quadro de horários e nos direcionou à professora R, a qual foi bem
receptiva e também não manifestou nenhum empecilho para a nossa presença. No decorrer da
pesquisa, questionava se já não tínhamos muito material para analisar, indagando, assim, a
necessidade de permanecermos por três meses na escola. Iniciamos a pesquisa acompanhando
duas aulas da professora, todavia, em virtude de mudanças nos seus horários, passamos a
acompanhar três aulas por semana.

4.2.2 Os colaboradores da pesquisa

Esta pesquisa de bases etnográficas tem como foco o ensino de leitura que é
desenvolvido pelo professor.
Como já esclarecido nas seções anteriores, apresentamos nossa proposta aos diretores e
professores e eles ficaram livres para aderir. Nas quatro escolas selecionadas, todos os
professores resolveram colaborar com a pesquisa e, a forma como fomos recebidos, já foi
esclarecida na seção anterior. Portanto, as quatro professoras participantes foram W, M, V, R,
assim denominadas para resguardá-las.
Diante das muitas caracterizações que foram feitas para as professoras colaboradoras da
pesquisa, na análise, por meio das entrevistas realizadas, faremos, no quadro abaixo, uma
breve caracterização delas, considerando formação acadêmica, tempo de magistério em EJA,
rotina de leitura, dentre outros.
76

Quadro 1 – Caracterização das professoras colaboradoras da pesquisa


PROFESSORA Formação Tempo de Teoria de Forma como Rotina de
Acadêmica magistério leitura que vê o leitura
em EJA conhece trabalho
com leitura
W - Graduada em 5 anos W. Geraldi Prioridade Não lê
Letras/Português e M. Soares diariamente
- Especialista em
Linguística
M - Graduada em 4 anos Não citou Prioridade Não se
Letras/Português considera
leitora
V - Graduada em 5 anos Não citou Base de tudo Não tem
Pedagogia hábito
- Especialista em
Administração e
Organizações
Educacionais
R - Graduada em 6 anos Não citou Essencial Mantém
Letras/Português hábito
- Especialista em
Língua Portuguesa
e Informática na
Educação
Fonte: Entrevistas concedidas pelas professoras colaboradoras da pesquisa.

4.2.3 Métodos de coleta de dados

Quanto aos procedimentos metodológicos utilizados para coletar dados para esta
pesquisa qualitativa em leitura, utilizamos a combinação de diferentes métodos e técnicas, que
são reveladores do significado da prática. Aplicamos, assim, uma metodologia qualitativa que
se vale de procedimentos etnográficos para a geração de registros, os quais foram objeto de
reflexão e análise. (BORTONI-RICARDO, 2008). Tais registros tornaram-se dados,
analisados nos capítulos IV e V.
Os registros de diferentes naturezas oportunizaram a triangulação dos dados.
Triangulação, segundo Bortoni-Ricardo (2008), é o recurso de análise que compara dados de
diferentes tipos a fim de confirmar ou desconfirmar uma antecipação dos resultados que a
pesquisa pode trazer.
Como já mencionado, a coleta de dados de nossa pesquisa aconteceu em salas de 4º
ciclo de EJA, turno noturno, em quatro escolas municipais de Parnaíba-PI.
A coleta dos dados de nossa pesquisa em leitura, junto aos professores de escolas
públicas municipais do ensino noturno de EJA, foi realizada através de diferentes métodos e
técnicas: observação participante, entrevista semi-estruturada, gravações em áudio, notas de
77

campo e documentos recolhidos no local.


A observação participante proporcionou uma convivência efetiva com os envolvidos na
pesquisa em leitura e desvendou sutilezas observadas em nuances de seus comportamentos.
(LOPES, 2006). Assim, a opção pela observação participante nos deu a oportunidade de
perceber diversos aspectos que causam interferência nas práticas dos professores e nas
relações que estabelecem com os sujeitos envolvidos nesse processo, neste caso, os alunos de
EJA.
A opção por esse método de pesquisa nos proporcionou entender como acontecem todas
as atividades de leitura em sala de aula, como os professores interagem com os alunos a fim
de ensinar leitura. Foi possível, por meio das atividades observadas, perceber as escolhas de
estratégias de leitura feitas pelo professor, o entendimento que tem dessas estratégias, bem
como da (s) concepção (ões) de leitura defendida (s), as quais refletem a sua formação leitora.
Os dados coletados durante essa fase de observação refletiram para nós perfil de práticas do
momento de tal observação, não temos condição de afirmar que durante todo o ano o
professor continua executando as mesmas práticas.
A nossa rotina de observação consistia no ingresso à escola a fim de acompanhar as
aulas do professor. Costumávamos chegar um pouco antes do horário da aula com o intuito de
conviver com práticas do dia-dia da escola, como o relacionamento dos gestores com os
alunos, a organização de eventos promovidos pela instituição e a inserção dos alunos nesses
eventos, o compromisso em prover aulas efetivas, o cumprimento dos horários, etc. Essas
observações geravam notas que foram sistematizadas em dados.
Costumávamos esperar o professor na sala dos professores ou no corredor da escola e
adentrávamos à sala de aula junto a eles. Alguns nos cumprimentavam quando nos viam. Ao
adentrar, saudávamos os alunos e nos sentávamos em qualquer cadeira vaga da sala. No início
da pesquisa, como já era esperado, houve um estranhamento dos alunos com a nossa presença,
o que causou “certa” timidez nos primeiros dias, mas logo se adaptaram e interagiram
naturalmente. Sentávamos, colocávamos o gravador sobre a mesa e pegávamos uma caderneta
a fim de fazer as notas sobre as aulas do professor. Tomando com referência os ensinamentos
de Lopes (2006), esclarecemos que as audio-gravações foram transcritas de acordo com o
sistema ortográfico oficial e a elas acrescentamos as anotações necessárias a fim de
contextualizá-las, como também, inserir as impressões sobre a postura dos participantes. Toda
a dinâmica da aula era observada e registrada. Os vários momentos de trabalho com leitura
foram observados uma vez que eles consistiam no real interesse de nossa análise.
Era comum presenciarmos momentos em que os professores, quando denominavam
78

aula de leitura ou estudo de texto, liam os textos sozinhos ou pediam para que os alunos
lessem pedaços deles. Dificilmente essas leituras eram acompanhadas de debate sobre o texto,
aproximando contextos para as possíveis construções de sentido. Houve situações em que os
alunos faziam construções, mesmo sem serem solicitados e acabavam manifestando opiniões
diferentes daquelas construídas pelo professor. Era prática corriqueira o professor levantar
algumas construções para o texto e logo passar para o estudo das questões do material
didático ou das questões que ele mesmo propunha e registrava no quadro. Quando esse
“estudo” era realizado, era comum o professor localizar respostas no texto ou ele mesmo as
ditava.
As notas de campo consistem nos registros coletados durante o processo de observação.
Tudo o que envolve o ambiente de leitura pesquisado foi objeto dessas notas. Embasados em
Lopes (2006),

[...] o registro escrito permitia resgatar os contextos em que as atividades


comunicativas se realizavam e, assim, subsidiar e oferecer mais segurança às
análises do material coletado, além de já significar uma seleção prévia do que era
relevante para o trabalho. (p. 72).

Durante a observação das aulas, além das gravações em áudio, como dito anteriormente,
fazíamos notas que incluíam os registros do professor no quadro, os exercícios propostos,
além das notas de aula. Em notas, também, foram inclusas as nossas impressões sobre as
escolhas do professor por metodologias, a maneira como conduzia a aula, as reações do
professor diante dessa execução, dentre outras. A cada dia da pesquisa, acrescentávamos nas
notas feitas na caderneta a data, o nome da escola pesquisada, o horário do início e término da
aula, além do número da aula observada a fim de facilitar a análise dos dados. As gravações
em áudio foram completadas com as notas realizadas e a análise previu o diálogo entre esses
dados.
Já relatamos em seção anterior que observávamos a dinâmica do contexto escolar, as
relações entre os sujeitos que dela fazem parte como um dado para a pesquisa que se estendia
à sala de aula. Essas observações foram objetos de notas. Fazíamos um registro dessas
experiências em um momento fora da escola, para isso tentávamos recuperar na memória
todas essas percepções a fim de descrevê-las, ou seja, sistematizá-las objetivando a geração de
dados para a pesquisa.
Esclarecemos, ainda, que, durante as entrevistas com os professores, não fazíamos
notas, as quais eram feitas na ausência dos informantes. Para tanto, recuperávamos todas as
79

impressões que tínhamos sobre a conduta do professor nesse evento. As percepções de medo,
insegurança, postura da face, ou seja, as realizações pertinentes ao aspecto extralinguístico.
Esses dados são importantes porque representam a segurança que o professor manifesta de
suas práticas de ensino de leitura.
Na presente pesquisa realizamos a gravação em áudio de todas as aulas a que assistimos
a fim de coletar dados que dessem conta do nosso estudo. Além da gravação das aulas,
realizamos, também, a gravação das entrevistas concedidas pelas professoras. Já foi
esclarecido que a autorização para fazer as gravações foi feita pelos envolvidos.
Essas gravações foram transcritas considerando o sistema ortográfico oficial e a adoção
de uma convenção, as quais estão no corpo deste trabalho. Esclarecemos que às transcrições
realizadas fizemos o acréscimo das anotações necessárias considerando a contextualização e
as nossas impressões sobre os eventos.
Os documentos recolhidos no local foram de extrema importância para o nosso estudo
porque são reveladores das práticas e concepções de leitura do professor. Assim, as provas,
planos de aula, cópias de texto, dentro outros, contribuíram muito para nosso estudo.
É importante lembrar que embora tenhamos solicitado por várias vezes os planos de
aula dos professores, não tivemos acesso a eles porque as professoras diziam que no momento
da aula não estavam com os planos. Essa afirmação se confirma porque solicitamos aos
diretores os planos bimestrais e, em todas as escolas, disseram-nos que os professores ainda
não haviam entregado. Alguns diretores justificaram que não foi possível planejar porque os
professores ainda não haviam recebido os livros. Lembramos que fizemos essas solicitações
nos dois primeiros meses da pesquisa.
A proposta pedagógica e o regimento interno foram solicitados em todas as escolas,
pois entendemos que sejam reveladores das concepções de leitura pensadas pela instituição e,
nosso anseio, é verificar se há espaço para o ensino de leitura nos projetos das escolas e como
esse ensino deve ser executado. Porém, das quatro escolas, apenas duas (escolas A e D)
tinham o documento em seus arquivos, as outras duas justificaram-se dizendo que estavam
passavam por atualizações e, até o final da pesquisa teríamos contato, o que não aconteceu.
Outro método utilizado para a geração dos dados foi a entrevista. Entendemos assim
como Gaskell (2002, p. 65) que a entrevista de natureza qualitativa “fornece os dados básicos
para o desenvolvimento e a compreensão das relações entre os atores sociais e sua situação”.
Objetiva-se com tal instrumento compreender os valores, atitudes, motivações das pessoas em
determinados contextos sociais. (GASKELL, 2002).
Inicialmente, conversamos com os professores sobre o objetivo da pesquisa a fim de
80

obter aceitação para participar da atividade, momento em que também perguntamos se


consentiam com a audio-gravação. Todos os professores aceitaram participar. As entrevistas
foram realizadas nas escolas, especificamente, na sala dos professores em dias que tinham
horários vagos ou horários pedagógicos. As entrevistas ocorreram de forma calma, natural a
fim de deixar os professores tranquilos, embora durante a gravação alguns se mantiveram
pouco entendimento aos questionamentos.
Com o objetivo de elucidar o perfil de leitor, a formação em leitura (métodos,
estratégias utilizadas, concepções de leitura) estruturamos um roteiro de entrevista dividido
em tópicos norteadores, porém não houve uma sequência rígida de perguntas e respostas,
além de se tratar se uma entrevista semi-estruturada, outras indagações foram feitas ao longo
da atividade dada à fluidez da discussão. Outras foram desconsideradas por julgarmos não
atender aos nossos reais objetivos.
A entrevista foi transcrita para posterior análise. Os registros dessas transcrições foram
analisados e serviram para a constituição dos dados obtidos nas observações das aulas e do
ambiente escolar.
A opção por esses procedimentos metodológicos deu-se em virtude de entendermos
que a pesquisa etnográfica contempla as técnicas e os instrumentos que destacamos acima,
além de serem favoráveis ao processo de reflexão crítica coletiva, imprescindível para o
confronto e a reconstrução das práticas dos professores envolvidos na investigação.
Todo o material coletado durante os três meses de pesquisa, constituído por
transcrições, notas de campo e os materiais recolhidos no local, passaram por uma revisão
minuciosa a fim de selecionar aqueles que descreviam com maior fidelidade possível o que
percebemos no ambiente da pesquisa, ou seja, os que revelavam as práticas que constituem o
ensino de leitura desenvolvido pelo professor-leitor. Assim, após a sistematização, fizemos a
interpretação construindo bases comparativas entre as teorias que defendemos e os dados que
encontramos. A interação entre os dados reais e suas possíveis explicações teóricas
permitiram a estruturação de um quadro teórico, dentro do qual o fenômeno pôde ser
interpretado e compreendido.
A compreensão de todos esses dados, descritos e interpretados no capítulo V,
permitiram-nos chegar a algumas considerações sobre o trabalho com a leitura dos
professores de EJA de escolas noturnas do município de Parnaíba.
81

5 CONCEPÇÕES E PRÁTICAS NO ENSINO DE LEITURA: o que as professoras


dizem

Sentimos muito bem que nossa sabedoria


começa onde a do autor termina, e
gostaríamos que ele nos desse respostas,
quando tudo o que ele pode fazer é dar-nos
desejos. Esses desejos, ele não pode despertar
em nós senão fazendo-nos contemplar a beleza
suprema à qual o último esforço de sua arte
lhe permitiu chegar. [...] não podemos receber
a verdade de ninguém e que devemos criá-la
nós mesmos), o que é o fim de sua sabedoria
não nos aparece senão como o começo da
nossa, de sorte que é no momento em que nos
disseram tudo o que podiam nos dizer que
fazem nascer em nós o sentimento de que
ainda nada nos disseram. (PROUST, 1905, p.
30-31).

Neste capítulo e no que segue, procederemos à análise e interpretação do corpus de


nossa pesquisa, constituído pelas transcrições das aulas e das entrevistas com os professores,
notas de campo e dos materiais recolhidos no local pesquisado. A análise desses dados nos
permitirá identificar as atividades de leitura desenvolvidas pelos professores e, em especial, as
concepções e práticas de leitura que orientam o seu trabalho em sala de aula.
Para chegar ao nosso objetivo, delineamos seções que revelam o que o professor, no seu
pensamento e na sua prática, concebe para o ensino de leitura. Essas seções refletem sobre os
objetivos que traçamos para esta dissertação. Para tanto, trilharemos uma interpretação que
parte do nível geral para o particular. O geral é a identificação de práticas leitoras diversas e
controversas sobre a produção de sentidos, e o particular é a interpretação que faremos das
práticas de leitura à luz da teoria que nos fundamentamos.
É preciso esclarecer, antes de interpretar os dados que constituem o corpo desta
pesquisa, que entendemos ser a escola uma instituição reguladora e que pode interferir
negativamente na formação do leitor, e o professor é um representante dessa regulação, ao
tempo que pode ser um mecanismo de afastamento do “espaço controlado” proporcionado
pela instituição escola. Faz-se necessário discutir, também, a condição de alguns professores
como alvo de formações que refletem o poder de regulação da escola, além do mais, não
podemos perder de vista que os perversos processos de exclusão do próprio sistema escolar
podem sufocar o pretensioso desejo de inovar implantado nas concepções de um professor
82

recém-formado, que munido de poucas bases teóricas e metodológicas, sucumbem. Sobre


essas colocações, faremos comentário após a interpretação dos dados, pois os dados obtidos
transparecem a participação do professor no universo das práticas leitoras.
Assim, analisaremos, neste capítulo, o que as professoras dizem sobre o ensino de
leitura que empreendem, quais concepções e práticas de leitura são escolhidas. Essas escolhas
nos permitirão perceber se as professoras oportunizam ao leitor condições para se portar como
um construtor de sentidos. Iniciaremos a interpretação fazendo uma caracterização sobre a
formação em leitura do professor, pois acreditamos que ela tem reflexos sobre as escolhas
feitas para o ensino de leitura.

5.1 Formação em leitura: atualização profissional

A formação leitora do professor é aspecto imprescindível para opção de concepções de


leitura adequadas para o ensino, bem como a eleição de estratégias para realizá-lo. Fica claro,
portanto, que a formação teórica em leitura do professor reflete as escolhas das práticas e
concepções que poderão tornar seu trabalho mais eficaz e inspiram o potencial criativo dos
leitores.
É necessário esclarecer que nosso trabalho de análise prioriza interpretar as concepções
e práticas de leitura em uma perspectiva plural, empregadas no trabalho para a condução do
processo leitor realizado pelo docente. É de nosso interesse, assim, analisar a práxis de
interlocução com o texto para a construção de sentidos, e não as práticas que constituem o
ensino de gramática ou aquelas que julgam o ensino de língua como o conhecimento
fragmentado e mecânico de gramática.
A respeito da formação em leitura que as professores já tiveram acesso, no que se refere
à atualização profissional, destacamos alguns trechos extraídos das entrevistas realizadas com
elas:

Pesquisador: Você costuma participar de formações, seminários ou


grupos de estudo que versem sobre como trabalhar a língua
portuguesa, o texto, o ensino de leitura em sala de aula? Você já
participou de alguma formação sobre ensino de leitura em EJA?

Professora W: Sempre que é oferecido pela universidade ou outras


instituições, eu estou presente. A prefeitura sempre, no início do ano,
83

faz uma formação continuada pra professores de EJA, mas nada


muito específico pra leitura, de uma forma geral.

Professora M: Eh, assim, a formação que eu participei, não é, sobre o


ensino de leitura em sala de aula, foi promovida pe:::la SEDUC, né,
do município, mas foi algo assim NÃO continuado, foi assim mesmo
encontros, não é, mas não, assim, um curso mesmo de longa duração.
Nunca participei sobre formação de ensino de leitura em EJA.

Professora V: Oh, especificamente, não. Eu iniciei, agora, a


Licenciatura Plena em Letras/Português pela UESPI, tô cursando no
período de férias e alguns cursos que eu tenho nessa área ou é
oferecido pela prefeitura ou então quando eu participo das jornadas
de educação pela Ludus. A última que eu participei agora foi pela
APEP, mas não estava relacionada à leitura porque NÃO são muito
oferecidos cursos pela instituição que eu trabalho que é a prefeitura
municipal, né. Então, a gente, eu não tenho realmente assim MUITO
conhecimento DIRECIONADO à leitura, eu não me lembro ... a
experiência que eu tô adquirindo agora porque é um curso [falando
do curso de Letras] totalmente diferente do que eu fiz de Pedagogia
porque eu também sou, eu tenho o antigo curso profissionalizante da
Escola Normal e a experiência mesmo que eu tenho é com crianças,
leitura de crianças, trabalhar com crianças. (...) Então, eu tenho
dificuldade SIM para trabalhar leitura e eu sinto necessidade de uma
... formação continuada, especificamente, para essa área. (...) a
prefeitura, em si, nesses últimos dois anos, não tem feito muita coisa
nessa área de leitura, como o professor trabalhar leitura em sala de
aula.

Professora R: Sim, costumo participar de todos os seminários que


tem da Ludus, da ... agora mesmo teve essa que foi da própria ... é o
sindicato dos trabalhadores em educação, todos os seminários que
vem pro EJA eu estou participando. Já fiz um curso específico só pra
ensino de leitura em EJA no CEFET/Parnaíba.
84

Percebemos, por meio dos depoimentos, que as professoras demonstram interesse em


participar de discussões sobre o ensino de Língua Portuguesa e, especificamente, sobre o
ensino de leitura. Informaram, portanto, que já participaram de momentos de reflexão sobre
ensino de língua, mas não foi possível perceber pelos relatos um engajamento em debates
sobre o ensino de leitura. Nas colocações das professoras M e V, identificamos uma resposta
mais direcionada. M disse que já participou de momentos de reflexão sobre ensino de leitura
promovida pela SEDUC, e V esclarece que não participou de nenhum momento de formação
sobre ensino de leitura e considera que há carência desses diálogos no sistema de ensino do
qual faz parte. Com relação ao ensino de leitura, especificamente para o público de EJA,
verificamos que três das quatro professoras disseram que nunca participaram de eventos para
discutir a práxis leitora no segmento de ensino em discussão. A professora W disse que já
participou de formações propostas pela prefeitura para professores de EJA, mas nada
específico para ensino de leitura. As professoras M e V disseram não ter formações
específicas sobre ensino de leitura na EJA, inclusive V observou que sente dificuldade na
execução do processo leitor com EJA e julgou necessária a realização de formações
específicas para a realização do trabalho. Destacou, ainda, que não tem muito conhecimento
sobre o ensino de leitura. Apenas a docente R relatou ter feito curso sobre a execução do
trabalho de formação leitora em EJA.
Diante dos depoimentos acima, observamos que as professores relatam a carência de
momentos de discussão sobre o ensino de leitura no ambiente escolar. A maioria afirma que
não tem acesso a reflexões sobre a prática leitora para EJA, o que pode refletir negativamente
na eficiência do trabalho em sala de aula, como identificamos no próprio discurso de V ao
afirmar:

Então, eu tenho dificuldade SIM para trabalhar leitura e eu sinto


necessidade de uma... formação continuada, especificamente, para
essa área [refere-se à EJA]. (Professora V)

A natureza dessa discussão travada com os professores sobre o acesso a formações


continuadas já era alvo de reflexões de Silva (2009) quando considera:

[...] a essência do ser professor ou do que-fazer educativo dirige-se exatamente para


o crescimento, o aprofundamento e a renovação constantes do saber epistêmico, sem
o qual corre-se o risco de esclerose didática pelo desconhecimento nas ininterruptas
conquistas culturais. (p. 59-60).
85

O autor entende que atualização permanente está bastante presente na caracterização da


identidade dos professores. As habilidades são exigíveis a fim de o professor se situar
objetivamente no seu tempo histórico.

5.2 Formação em leitura: conhecimentos adquiridos para o exercício da docência

Outro questionamento feito às professoras sobre a formação teórica em leitura foi a


respeito de como foi executado o processo de formação leitora para o exercício da docência.
Esse questionamento ganhou voz considerando as colocações feitas por Bortoni-Ricardo;
Machado; Castanheira (2010), as quais repercutem sobre a necessidade de o professor ter
acesso a uma formação anterior em leitura. Tal acesso, segundo as autoras, tende a
proporcionar um bom aproveitamento das estratégias lançadas pelo professor e a melhoraria
do ensino. Esclarecem que os docentes precisam se familiarizar com metodologias voltadas
para as estratégias facilitadoras da compreensão leitora a fim de formar leitores proficientes.
A respeito disso, lançamos questionamentos da seguinte natureza:

Pesquisador: Quais foram os encaminhamentos sugeridos durante a


sua formação em leitura, na academia, para a práxis docente? Como
você se viu na atuação, no dia-a-dia com a prática e com o seu
público real de trabalho? O que percebeu em relação à teoria e à
prática? Caso perceba impasses entre a teoria a que teve acesso e a
prática, como os resolve?

As professoras assim se manifestaram:

5.2.1 Professora W

Professora W: (...) a vivência de uma acadêmica do curso de Letras,


né, é aquele estudo de algumas ... de alguns teóricos como Wanderley
Geraldi, Magda Soares que têm as suas estratégias específicas, mas
que na verdade nenhum deles trabalha a questão da educação de
jovens e adultos. Então, a dificuldade que nós sentimos hoje eh...
para aplicar essas técnicas na nossa realidade é bem grande. Os
professores deveriam ter realizado mais discussões de como nós
86

trabalharmos leitura na prática de sala de aula. (...) voltando pra


nossa realidade, (...) os nossos alunos, eles trazem uma leitura já
porque são adultos, têm uma vida profissional, têm uma vida
emocional que interfere muito nesse processo, então nós não fomos,
na universidade, treinados para essa realidade. Talvez nós tenhamos
sido treinados pra uma leitura mais direcionada, isso a gente não
pode realizar na educação de jovens e adultos. Os fundamentos, né,
aqueles dos teóricos é o que tentamos aplicar, mas assim, fugimos
muito daquelas regrinhas porque a realidade da educação de jovens e
adultos é BEM diferente. Eu, como professora de Língua Portuguesa,
eu procuro todos os meios possíveis para aproximá-los da leitura,
inclusive trazendo é ... textos deles que falem muita da vida, do
cotidiano, trabalho muito com crônicas pra tentar fazer essa
aproximação.

A professora W esclarece a falta de direcionamentos para trabalhar com leitura e não


trata de nenhuma vivência com a prática em sua formação, o que torna clara a ausência de
estudo específico para o ensino de leitura. Esse fato dificulta um ensino que visa à construção
de sentidos, pois como afirma Kleiman (2001), o trabalho de construção de contextos de
reflexão sobre e por meio da linguagem é tarefa do professor, o qual, a priori, teria
fundamentação teórica e domínio de práticas discursivas que têm como fundamento a análise
da linguagem. (p. 203-204).
Quando a professora W afirma, no que tange à formação para leitura em EJA, que [...]
nós não fomos, na universidade, treinados para essa realidade. Talvez nós tenhamos sido
treinados pra uma leitura mais direcionada, isso a gente não pode realizar na educação de
jovens e adultos, demonstra uma falta de intimidade teórica com o ensino de leitura, pois
considera que as estratégias desenvolvidas com outros públicos não se adequam ao segmento
de ensino em discussão. Quando, na verdade, o que particulariza a EJA é que, como todos os
outros públicos, a instituição deve valorizar seus interesses, conhecimentos e expectativas,
mobilizando conhecimentos que surjam da vida dos envolvidos. (PICONEZ, 2004; PINTO,
2003). O ensino na EJA deve estar organizado para a formação de sujeitos históricos, o que
implica práticas reais e significativas. Daí a necessidade de o professor conhecer e entender o
espaço e as vivências de EJA para a eleição de uma metodologia adequada.
Ainda, segundo a professora W, [...] os fundamentos, né, aqueles dos teóricos é o que
87

tentamos aplicar, mas assim, fugimos muito daquelas regrinhas porque a realidade da
educação de jovens e adultos é BEM diferente. Diante do comentário, percebemos que a
professora não mostra prioridade ao aplicar suas escolhas de estratégias para ensino, embora
em situações futuras perceberemos um trabalho de práticas significativas para o ensino de
leitura nas colocações presentes na fala da professora, mas que contrariam os eventos da
prática em sala de aula, o que transparece que o trabalho prático difere daquilo que declara
nas entrevistas e isso, muito possivelmente, seja indício de fragilidade na formação leitora,
como já mostrado nas afirmações feitas na entrevista: Os professores deveriam ter realizado
mais discussões de como nós trabalharmos leitura na prática de sala de aula[...]”, “[...]nós
não fomos na universidade, treinados para essa realidade. Essa falta de prioridade para
disseminação do ensino já era refletida nas pesquisas realizadas por Martin Carnoy divulgadas
em Bortoni-Ricardo; Machado; Castanheira (2010) sobre a ausência de treino dos professores
para ensinar, dominando teoria e prática. O autor afirma que, muitas vezes, o professor não
domina a teoria e, quando a domina, não consegue aplicá-la na prática com os alunos.

5.2.2 Professora M

Professora M: Olha .... foi mesmo assim ... superficial, eu acho que
eles, os professores, eles simplesmente pediam pra gente ler, não é,
quem quisesse ler. Sempre foi assim. Eles não faziam discussão dos
textos com a gente. Não tinha assim uma maneira de como
trabalhar o texto não, né? Olha, no curso de graduação a gente não
viu essa parte não, né, mas, quando eu fiz o curso pedagógico de 1988
a 1991 a gente via, né, essa questão metodológica, mas hoje em dia
nem trabalham mais daquela forma. Assim, ... hoje em dia eu vejo,
em algumas reuniões pra falar sobre essa questão de leitura, mudou
um pouco, assim, mas às vezes só os termos, né, porque elas sempre
passavam pra gente como aluno é trabalhar como professor com os
alunos primeiro fazer aquela ... que hoje chamam de mobilização, não
é, a gente antes tinha que fazer assim uma (...) eles sempre diziam que
a gente tinha que começar o trabalho da leitura com uma
incentivação, né, que hoje essa incentivação seria uma dinâmica, né,
alguma atividade surpresa.
88

A professora M demonstra pouca intimidade com as questões de natureza prática, pois


segundo ela não teve acesso, na sua formação, fato que a fez julgar negativamente, como já
foi mostrado em parágrafos anteriores. Por meio da afirmação [...] no curso de graduação a
gente não viu essa parte não, né, mas, quando eu fiz o curso pedagógico de 1988 a 1991 a
gente via, né, essa questão metodológica, mas hoje em dia nem trabalham mais daquela
forma, fica claro o julgamento de que os suportes disponíveis para a execução da prática na
sua graduação eram, para ela, falhos. Relata, ainda, “[...] elas sempre passavam pra gente
como aluno é trabalhar como professor com os alunos primeiro fazer aquela ... que hoje
chamam de mobilização, não é, [...] que hoje essa incentivação seria uma dinâmica, né,
alguma atividade surpresa”, fato que demonstra uma insipiência nas ações do trabalho com
leitura, fruto de uma formação que, possivelmente, não fora amparada pelos estudos
linguísticos, especialmente as teorias de leitura.

5.2.3 Professora V

Professora V: (...) eu vou agora para o terceiro bloco de


Letras/Português e eu já tive assim uma iniciação de como se
trabalhar a leitura em sala de aula (...) e, lá no curso de Letras, eu tô
vendo uma outra forma de se trabalhar leitura, totalmente diferente
daquela que eu vi na Pedagogia, né. (...) A Pedagogia ela é uma área
estritamente voltada para a criança, trabalhar a criança, e não
trabalhar o adulto que chega em sala de aula e já vem cansado, que
já vem de uma realidade totalmente diferente e eu tento falar de uma
maneira calma com eles e fazer ... tecer uma rede assim ... tentar
fazer com que essa leitura seja mais interessante pra eles.

A professora V, talvez, por ainda não ter muitas vivências com as teorias linguísticas,
uma vez que está no começo do curso de Letras, no relato mostra, também, que não teve
contato com as discussões no curso de Pedagogia, pois não descreve as experiências na
formação para o ensino de leitura. Referente ao curso de Pedagogia, afirma que os
encaminhamentos propostos para a formação só contemplam o trabalho com criança. Sabe-se,
porém, que as vivências de tal curso devam ser também norteadas pelos estudos linguísticos e
proporcionem um trabalho leitor em quaisquer públicos. A ausência desse discernimento pela
professora caracteriza uma formação leitora com lacunas. A respeito desse quadro, é oportuno
89

dialogar com as considerações de Kleiman (2008b, p. 488):

Uma das razões para as incertezas do professor face à mudança paradigmática


profissional, que coincide com um ambiente de desprestígio e exacerbação dos
docentes é o desconhecimento, por parte do alfabetizador e do professor de língua
portuguesa, das teorias de linguagem que embasam os documentos oficiais, pois elas
não fazem parte da maioria dos programas dos cursos de Pedagogia e de Letras que
os formam (SOARES, 1997).

A autora esclarece a necessidade das teorias linguísticas fazerem parte da formação dos
professores a fim de lhes proporcionarem subsídios para executar o ensino, no nosso caso, o
de leitura. Assim, o centro da culpa das prática menos prestigiada não seria apenas do
professor, pois ele acaba sendo produto das formações a que foi exposto e do modelo de
educação imposto pelo sistema. Na Proposta Curricular de EJA do 2º segmento (BRASIL,
2002, p. 12), vem expresso que o ensino de língua deve “[...] fortalecer a voz dos muitos
jovens e adultos que retornam à escola para que possam romper os silenciamentos impostos
pelos perversos processos de exclusão do próprio sistema escolar [...]”, afirmação que
coaduna com a nossa discussão a respeito da forte influência dos discursos soberanos
impostos pelo sistema que se materializam em muitas práticas presentes em nossas escolas.
Ainda a respeito das considerações da professora V, faz-se uma avaliação positiva da
incipiente formação que já teve contato, quando afirma, [...] lá no curso de Letras, eu tô
vendo uma outra forma de se trabalhar leitura, totalmente diferente daquela que eu vi na
Pedagogia, né, porém não houve um discernimento das atividades que considera exitosas e
que, portanto, traria para o seu cotidiano de orientações leitoras. A análise das estratégias
empregadas pela professora nos fará perceber que se elegem orientações para construção de
sentidos, as quais contemplariam os encaminhamentos que caracteriza como positivos na sua
atual formação.

5.2.4 Professora R

Professora R: Foi muito bem abordado, eu tive ótimas professoras


que abordaram bastante a questão da leitura, né e toda essa parte de
leitura, inclusive eu ... um dos itens que eu mais me preocupo em sala
de aula é a questão da leitura.

A professora R, assim como as demais, não descreveu as atividades desenvolvidas para


90

o ensino de leitura na sua formação. Embora não tenha feito isso, julgou positivamente as
abordagens leitoras executadas. Segundo ela, foi muito bem abordado, eu tive ótimas
professoras que abordaram bastante a questão da leitura, né e toda essa parte de leitura.
Verificaremos, nas seções que seguem, se a sua formação julgada como positiva repercute na
prática que executa no cotidiano escolar.
É importante considerar que as discussões levantadas nesta dissertação analisam a
formação teórica em leitura como um viés de extrema importância no ensino de leitura
desenvolvido no ambiente escolar e, a fim de interpretar e compreender as orientações que
constituem este quadro, entendemos, assim como Kleiman (2007), que a escola contribui para
um processo não exitoso de formação de leitores, quando, por exemplo, oferece uma
formação limitada ou menos específica de uma grande parcela de professores que não são
leitores e a eles cabe a tarefa de ensinar a ler e a ter prazer pela leitura. A autora considera
“[...] a necessidade de conhecimento do professor na área específica de leitura (além, é claro,
de sua formação linguística), a fim de evitar propagação de concepções obsoletas que. apesar
de serem comprovadamente ineficientes, são legitimadas [...]”. (2007, p. 30). Logo,
acreditamos, diante dessas bases teóricas, que o professor precisa de uma formação teórica em
leitura que o capacite a ensinar.
Conforme vimos nos trechos acima, extraídos das entrevistas, duas das quatro
professoras são enfáticas ao relacionar a formação a que tiveram acesso e as lacunas presentes
em suas práticas. Assim, as professoras W e M deixam claro que não tiveram acesso a uma
formação em leitura que favorecesse a execução de um ensino de leitura exitoso na EJA.
Essas professoras construíram uma visão negativa dos discursos leitores empreendidos pela
escola para a condução do processo leitor. As falas ecoam afastamento das práticas que
constituíram suas formações, o que nos leva a entender que excluem práticas como essas de
suas orientações para leitura no cotidiano de sala de aula. A confirmação disso será percebida
na análise que faremos das estratégias de leitura, em seção posterior, selecionadas pelo
professor na condução do ensino. A professora V demonstra que a formação em Pedagogia
não lhe proporcionou meios para ensinar leitura e julga a atual formação pela qual está
passando proveitosa, mas não mostra discernimento de orientações leitoras. A professora R,
diferente das demais, julga sua formação de forma positiva, todavia não descreve nenhuma
orientação leitora.
91

5.3 Concepções de leitura das professoras

A eleição por uma determinada concepção de leitura pode alargar ou limitar o universo
de construção de sentidos das práticas leitoras. Analisaremos alguns trechos das falas das
professoras nas entrevistas que representam as concepções a que são filiadas: foco no autor,
no texto ou na interação. Como já dito, as concepções priorizadas pelas professoras refletem
marcas da formação teórica em leitura a que tiveram acesso.
Transcreveremos alguns momentos da entrevista em que as professoras definiram o
foco de leitura que elegem na condução das atividades que propõem, as quais serão menos
significativas para o aluno ou mais significativas, neste último caso, quando chamada a
dialogar com o texto.

5.3.1 Concepções adotadas por W

Professora W: A leitura ela é a célula, certo? (...) A leitura é o ato


para entender tudo. A leitura mais profunda é o que tem de mais
importante no estudo de um texto, tirar o aluno daquela leitura
superficial, onde eles apenas leem o texto de uma forma bem
imparcial que eles não se envolvem, que eles não participam... do
texto. Então, assim, a interpretação parte daí, dessa capacidade de
ler nas entrelinhas, de fazer descobertas ... no texto. Se eles não
forem capazes disso, eles não tão... na minha concepção como
professora, ainda não atingiram o nível de leitura necessário para se
desenvolver.

A professora W assume, na sua fala, postura contraditória às concepções que engessam


o processo significativo em leitura. Filia-se à leitura como processo de construção de sentidos
quando afirma: “Então, assim, a interpretação parte daí, dessa capacidade de ler nas
entrelinhas, de fazer descobertas... no texto”. Para ela, só se caracteriza leitura quando o
leitor é capaz de fazer descobertas, de criar, e não reproduzir. Percebe-se pelo argumento
exposto a leitura mais profunda é o que tem de mais importante no estudo de um texto, tirar o
aluno daquela leitura superficial [...] que a professora corrobora com o pensamento de
Kleiman (2007), o qual considera que as atividades restritas à decifração de palavras não
podem ser consideradas leitura. O aluno precisa, portanto, criar, interagir com o material
92

linguístico.
Diante da posição assumida pela professora W, consideramos que o foco privilegiado é
o da interação entre autor-texto-leitor. Segundo Koch (2009), nessa concepção os sujeitos são
construtores sociais, dialogam com o texto ao processá-lo. Os participantes da interação
precisam dialogar com o texto, haja vista que ele não é considerado totalmente explícito e,
para perceber o que está por trás da materialidade, é preciso o leitor ativar os saberes que
acumula. A respeito da necessidade da interação para ir além da explicitude, a professora
reconhece que é necessário ler as entrelinhas, como exemplificado em trecho já transcrito
acima. Assim considerando, a professora entende que o texto tem vazios que precisam ser
preenchidos pelo leitor a fim de satisfazer intenções, tarefa daquele que se distancia da
passividade nos processos de construção de sentidos.

5.3.2 Concepções adotadas por M

Professora M: Pra mim, leitura não é só... você compreender as


palavras, conhecer as palavras e decifrar aquele código, mas eu
acho que é bem abrangente, ... a leitura é o que se faz com vários
sentidos, né, é uma percepção do ambiente que rodeia, né, o
indivíduo, então, é uma atividade de observação também que a pessoa
que lê, ela vai dizer o que ela observa, né, ao seu redor, além do que
... as palavras podem dizer. Algo que vai além das palavras.

A professora M, assim como a W, entende que o leitor não pode ser passivo diante do
texto. Também se filia a uma concepção interacional de leitura, pois afirma que leitura não é
só... você compreender as palavras, conhecer as palavras e decifrar aquele código, mas eu
acho que é bem abrangente, ... a leitura é o que se faz com vários sentidos e, segundo as
colocações de Silva (1999, p. 16), “ler é sempre uma prática social de interação com signos,
permitindo a produção de sentido(s) através da compreensão-interpretação desses signos”, o
que nos encaminha para uma atividade de construção, que vai além da simples decodificação,
como disse a professora.
Percebemos que M entende o texto como desencadeador de múltiplos sentidos, fato
constatado ao afirmar [...] a leitura é o que se faz com vários sentidos [...]. Segundo Silva
(1999, p. 16) “a riqueza maior de um texto reside na sua capacidade de evocar múltiplos
sentidos entre os leitores”. Logo, percebemos filiação ao discurso de construção. Parece-nos
93

que M entende a importância de ativar contextos para a atividade de leitura ao relatar [...] é
uma percepção do ambiente que rodeia, né, o indivíduo, então, é uma atividade de
observação também que a pessoa que lê, ela vai dizer o que ela observa, né, ao seu redor,
além do que... as palavras podem dizer. A partir das leituras de Koch (2009, 2010),
entendemos que todos os saberes de que o leitor precisa para interagir com o texto estão
inclusos nos contextos sociocognitivos, daí a importância da afirmação da professora.

5.3.3 Concepções adotadas por V

Professora V: Leitura é um entendimento de uma determinada


situação colocada para o aluno, a leitura não é para o professor, a
leitura é para que o aluno se familiarize com um texto., com um
determinado fato vivido dentro daquele texto. De acordo com a
modalidade desse texto é o que o professor vai extrair o que ele tem
de melhor pro seu aluno. Então, eu acho que o texto não é só uma
coisa desvinculada do real. O texto, por mais simples que ele seja, ele
traz uma lição para o aluno. Se você for pegar aquele texto e você for
trabalhar pedaço por pedaço, frase por frase, aí você vai fazendo com
que o aluno veja que aquele texto tem significações com o real, com o
presente. (...) Um texto não tem só uma interpretação. Eu gosto
quando o aluno questiona outra coisa que o texto não tá dizendo (...).
O aluno constrói o próprio sentido dele dentro do texto. A
interpretação do autor não pode ser vista só como a verdade
absoluta, nós sabemos que nós temos vários pontos de vista, cada
mente é um universo e cada pessoa constrói um significado diferente.
O autor não deve ser visto como a verdade absoluta. (...) Eu sei que o
sistema ... cobra a interpretação que o autor sente, mas não deveria
ser assim. Eu discordo nesse momento da Língua Portuguesa. Eu
acho que nós deveríamos ter considerações. (...) Apesar que eu sei
que isso não é válido, o que vale é o ponto de vista do autor. Eu não
desconsidero, totalmente, o ponto de vista do meu aluno. (...) Claro
que o correto é o que tá ali, a situação do autor, mas também o
professor deve valorizar aquilo que o aluno também diz se tiver
sentido. (...) O professor tem que mostrar dos dois lados: olha, o seu
94

entendimento é esse, mas o entendimento correto é esse aqui.

A professora V, diferentemente das posturas das profissionais acima, não centraliza seu
entendimento em, apenas, uma das concepções. Foi possível perceber uma mistura de
concepções envolvidas no trecho da entrevista. Consideramos que, ao afirmar: de acordo com
a modalidade desse texto é o que o professor vai extrair o que ele tem de melhor pro seu
aluno, ela adere a uma postura de engessamento do processo significativo do texto, em que ao
leitor cabe reconhecer uma resposta que já se encontra na superfície linguística e ele deve
reproduzir, não precisando ativar sua bagagem sociocognitiva. Assume, nesse trecho, uma
concepção de leitura focada no texto, pois, segundo Koch e Elias (2010), nessa concepção,
cabe ao leitor o reconhecimento do sentido das palavras e estruturas do texto, já que o texto é
totalmente explícito.
Ainda segundo o mesmo fragmento extraído da entrevista, no parágrafo anterior, a
professora afirma que cabe ao professor protagonizar o trabalho de lançar-se sobre o texto e
identificar, ou como ela diz, extrair um possível sentido. Constatamos que a professora, com
tal afirmação, distancia-se das ideias defendidas por Kleiman:

Mas ensinar a ler com compreensão não implica em impor uma leitura única, a do
professor ou especialista, como a leitura do texto. Ensinar a ler, é criar uma atitude
de expectativa prévia com relação ao conteúdo referencial do texto (...) é ensinar a
utilização de múltiplas fontes de conhecimento - lingüísticas, discursivas,
enciclopédicas - para resolver falhas momentâneas no processo; é ensinar, antes de
tudo, que o texto é significativo, e que as seqüências discretas nele contidas só tem
valor na medida em que elas dão suporte ao significado global. (KLEIMAN, 2008a,
p. 152).

O professor, então, precisa, na verdade, criar condições para que o aluno interaja com o
texto. Argumento semelhante está posto nos PCN, documento que deve inspirar nossas
práticas: “Ao professor cabe planejar, implementar e dirigir as atividades didáticas, com o
objetivo de desencadear, apoiar e orientar o esforço de ação e reflexão do aluno, procurando
garantir aprendizagem efetiva”. (BRASIL, 1998, p. 22). O documento deixa claro que o
professor precisa planejar. Entretanto, cabe ao aluno, a tarefa de refletir sobre o que lê e
atribuir sentido. Constatamos um claro distanciamento da professora ao entender que o
professor deve protagonizar a ação com o texto, bem como de que as informações já estão
construídas nele, não dando ao leitor a oportunidade de criar.
A professora V, ainda desconsiderando uma concepção de leitura como processo, em
que as várias partes do texto se aglutinam a fim de formar uma unidade, ponderou que Se você
95

for pegar aquele texto e você for trabalhar pedaço por pedaço, frase por frase, aí você vai
fazendo com que o aluno veja que aquele texto tem significações com o real, com o presente,
tal afirmação não encontra prioridade em Koch (2009), já que ela percebe o texto como uma
unidade em que várias ligações de sentido estão presentes, já que é uma ocorrência linguística
dotada de unidade sociocomunicativa. Priorizando o entendimento advindo dos PCN,
respaldamo-nos mais uma vez na visão da leitura como processo:

A leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e


interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o
assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre linguagem etc. Não se trata de
extrair informação, decodificando letra por letra, palavra por palavra. (BRASIL,
1998, p. 69).

Segundo o documento, a leitura não se resume ao trabalho de localizar informações já


construídas nem de fragmentar a necessária unidade textual, a qual possibilita construir
sentidos.
Assumindo outra concepção de leitura, a professora esclarece “Eu gosto quando o
aluno questiona outra coisa que o texto não tá dizendo (...). O aluno constrói o próprio
sentido dele dentro do texto. [...] nós sabemos que nós temos vários pontos de vista, cada
mente é um universo e cada pessoa constrói um significado diferente”. Diante das
ponderações, julgamos, agora, uma filiação à concepção interacional de leitura, porquanto
admite que o sentido surge no curso de uma interação que é situada cognitivamente, fato que
permite as alterações de leitura para um único texto, já que o olhar leitor não é aprisionado.
Essa abordagem é validada pelos PCN, como já exposto em citação acima, ao entenderem que
o leitor realiza trabalho ativo de compreensão a partir de sua bagagem de conhecimentos e
objetivos pretendidos.
A mesma professora assevera, ainda, discurso filiador à concepção de leitura focada no
autor. Assim como a concepção focada no texto, o foco no autor toma o leitor como passivo
no que se refere à construção de sentidos. A docente afirma:

Eu sei que o sistema ... cobra a interpretação que o autor sente, mas
não deveria ser assim. Eu discordo nesse momento da Língua
Portuguesa. Eu acho que nós deveríamos ter considerações. (...)
Apesar que eu sei que isso não é válido, o que vale é o ponto de vista
do autor. Eu não desconsidero, totalmente, o ponto de vista do meu
aluno. (...) Claro que o correto é o que tá ali, a situação do autor, mas
96

também o professor deve valorizar aquilo que o aluno também diz se


tiver sentido. (PROFESSORA V).

Quando diz que o correto é o que tá ali, a situação do autor assume que a atividade de
interação autor-texto-leitor não é prioridade na leitura. A professora admite postura em que o
foco das atenções é o da autoria do texto. Segundo Koch e Elias (2010, p. 10), em tal
concepção não se considera “a interação autor-texto-leitor como propósitos constituídos
sociocognitivo-interacionalmente”. O que se prioriza na concepção da professora é “o autor e
suas intenções, e o sentido está centrado no autor, bastando tão-somente ao leitor captar essas
intenções” (p.10).
A professora V afirma que o sistema impõe o foco do olhar sobre o estudo do texto na
identificação das ideias do autor e reconhece que essas considerações não são positivas: Eu
sei que o sistema... cobra a interpretação que o autor sente, mas não deveria ser assim. Eu
discordo nesse momento da Língua Portuguesa, pois considera, também, as ponderações do
aluno sobre o texto (foco na interação): mas também o professor deve valorizar aquilo que o
aluno também diz se tiver sentido, todavia se mostra sujeita às imposições do sistema ao
dizer: Apesar que eu sei que isso não é válido, o que vale é o ponto de vista do autor. Tal
sujeição se deve aos modelos de educação impostos, a qual acaba gerando certa ambiguidade
na compreensão do processo pelas professoras, as quais se dividem entre o desejo de inovar e
escapar das amarras impostas pelos discursos soberanos, mas as bases teóricas frágeis
(ausência de conhecimentos das teorias linguísticas, por exemplo) a que tiveram acesso,
durante a formação, podem não os capacitar a fugir do espaço de controle da escola.
Quando a professora julga como inadequadas as ações vislumbradas pelo sistema,
percebemos fundamento, pois, mesmo não conhecendo o documento, o texto da Proposta
Curricular de EJA do 2º segmento (2002), de fato, afirma que o trabalho da língua portuguesa
deve ser uma forma de romper os silenciamentos pelo excludente sistema escolar.

5.3.4 Concepções adotadas por R

Professora R: Leitura pra mim é o caminho, é o essencial para o


aluno se desenvolver em todas as outras disciplinas. Através da
leitura que ele terá base pra desenvolver em [...] todas as disciplinas.
(...) Importante no estudo de um texto é que o aluno possa captar a
ideia principal do texto, isso pra mim é muito importante.
97

A professora R entende como importante, no estudo de um texto, a extração de uma


ideia, o que nos leva a entender que parte do princípio de que tudo está posto na superfície
linguística. Não é necessário criar, já que o texto traz uma mensagem pronta, a qual deve ser
reconhecida pelos leitores. Kleiman (2007) entende esse tipo de concepção como alienadora,
pois o leitor precisa apenas passar o olho sobre o material escrito e buscar trechos que
constituiriam um certo entendimento sobre ele. Marcuschi (1999, p. 96) é enfático ao dizer
que o sentido não está no texto, pois “embora o texto permaneça como o ponto de partida para
a sua compreensão, ele só se tornará uma unidade de sentido na interação com o leitor”.
Sobre seu entendimento de leitura, R diz que “Leitura pra mim é o caminho, é o
essencial para o aluno se desenvolver em todas as outras disciplinas”. Assim, compreende o
caráter da abrangência de saberes carregados, (re) criados por meio da leitura. Surge, porém,
uma incoerência de considerações sobre o interagir (concepção interacionaista) e o reproduzir
(concepção focada no texto), mas que, bem como foi percebido com a professora V, deve
representar o perfil de formação impositiva e restritiva a bases teóricas que possibilitem
dinamizar as práticas, proporcionado ao aluno a percepção das várias leituras que podem
surgir de um mesmo texto.
Após a análise das concepções eleitas, nas entrevistas, pelas quatro professoras,
percebemos que W elege a concepção com foco na interação como prioridade em suas
orientações de leitura. M, também, julga a concepção interacionista como adequada. A
professora V considera as três concepções, e R elege as concepções com foco no texto e na
interação. Analisaremos, no próximo capítulo, as escolhas feitas na práticas de orientações
leitoras a fim de analisar se há concordância entre essas escolhas.

5.4 Experiências das professoras enquanto leitoras

Nesta seção, temos como objetivo apresentar e discutir as experiências das professoras
enquanto leitoras. Refletiremos sobre a falta de rotina de leitura como um condicionante que
afeta o ensino de leitura, haja vista que “sem professores que sejam leitores maduros e
assíduos [...] fica muito difícil, senão impossível, planejar, organizar programas que venham a
transformar, para melhor, as atuais práticas voltadas ao ensino da leitura”. (SILVA, 2009, p.
60). Para chegarmos a reflexões sobre este último condicionante, interpretaremos as
colocações feitas pelas professoras nas entrevistas:
98

Pesquisador: Você tem hábito de leitura? Que tipos de leitura


costuma fazer?

As professoras manifestaram-se:

5.4.1 Rotina de leitura da professora W

Professora W: Eu gosto muito de ler. Costumo ler revistas, jornais,


mas não faço isso diariamente. Trabalho em três turnos, aí você já
sabe... quando chego em casa, estou muito cansada e mal dá tempo
para pensar nas atividades do outro dia. Preci:::so elaborar as aulas
do dia seguinte e você sabe como dá trabalho.

A professora W assume que gosta de ler, elenca entre as suas escolhas revistas e jornais,
mas não realiza a atividade diariamente. Justifica a ausência de rotina de leitura dizendo que
tem uma carga horária de trabalho em sala de aula muito grande, o que a faz acumular muitas
atividades a serem feitas, também, em casa. Diante da cansativa jornada de trabalho, W relata
que o cansaço físico a impede de realizar leituras.

5.4.2 Rotina de leitura da professora M

Professora M: Olha, não posso dizer assim que sou uma leitora,
sabe? Porque pra mim, ser leitor é ter assiduidade. Leio muito o livro
que a gente usa aqui, né? Leio os textos pra discutir com eles. A
leitura que eu mais me dedico assim, agora, fora a leitura aqui dos
livros é a bíblia.

A professora M não se considera uma leitora, pois entende que para tal atividade é
necessário haver assiduidade. Não justifica o motivo da falta de rotina e informa que a leitura
que executa, exceto a do livro didático usado na sala de aula, é a da bíblia. Vejamos que a
professora não considera como atividade para hábito de leitura a que realiza com o livro
didático e com a bíblia.
99

5.4.3 Rotina de leitura da professora V

Professora V: Ultimamente, preciso confessar que não estou tendo


hábito não. Comecei neste ano a ler um livro de autoajuda, mas ainda
nem consegui terminar porque estou sempre muito cheia de coisas
para corrigir. Fora aqu4 as leituras do texto da escola, eu... preciso
confessar que não estou lendo muito não.

Não diferente das demais, V também afirma que não tem hábito de leitura. Informa, em
tom de reprovação, a leitura inacabada de um livro de autoajuda, mas atribui o insucesso da
atividade ao acúmulo de trabalho. Foi enfática ao dizer que não tem feito muitas leituras fora
a dos textos usados em suas atividades em sala de aula. Assim como M, não considera as
leituras feitas em sala de aula como hábito.

5.4.4 Rotina de leitura da professora R

Professora R: Eu leio algumas coisas, não tudo o que eu gostaria.


Assisto muitos jornais, procuro tirar um tempo na semana pra ler
algumas revistas assim de assuntos que dê pra gente discutir em sala
de aula. Não tenho lido mais livros porque o tempo é curto.

Diferentemente das demais professoras, R informa que tem conseguido manter uma
rotina de leitura. Declara que assiste a jornais e faz leituras de revistas que tragam assuntos
que possam enriquecer sua discussão em sala de aula. Diz que sua rotina de leitura não é mais
qualificada por falta de tempo.
Percebemos pelos relatos acima que três professoras afirmam que não têm a leitura
como hábito. As professoras W e V declaram que a falta de rotina de leitura tem relação com
o acúmulo de atividades provenientes do trabalho. Já a professora M, não justifica a falta de
rotina de leitura. A professora R disse-nos que mantém rotina de leitura.
Diante do quadro desenhado acima, consideramos que

[...] se a relação do professor com o texto não tiver um significado, se ele não for um
bom leitor, são grandes as chances de que ele seja um mau professor. E, à
semelhança do que ocorre com ele, são igualmente grandes os riscos de que o texto
não apresente significado nenhum para os alunos, mesmo que eles respondam
satisfatoriamente a todas as questões propostas. (LAJOLO, 1982, P. 53).
100

A autora reflete sobre a responsabilidade do professor na formação de leitores, mas,


para assumir esse papel, precisa ser um leitor. Observamos, acima, nos relatos das professoras
envolvidas em nossa pesquisa, que a maioria delas afirma não ter uma rotina de leitura, fato
que, possivelmente, torne suas práticas menos significativas, não oportunizando ao aluno, em
suas orientações de leitura, a condição de se tornar um construtor de sentidos. A condição de
leitor potencializa o professor no sentido de pensar em atividades de leitura que estimulem os
alunos a ler, seja por aproximá-los de contextos dos quais os alunos pertençam, pois se
reconhecerão como sujeitos dessa leitura; seja por lhes dar condições de ampliar os seus
conhecimentos leitores, aproximando-os de outros contextos. Para realizar essas atividades, o
professor precisa ter leituras anteriores que lhe proporcione, por exemplo, fazer conexões
entre os temas dos textos lidos por seus alunos com outros textos, quando sinaliza pela
consulta aos conhecimentos prévios de leitura de seus alunos, a necessidade de ampliá-los.
(GERALDI, 1996).
Segundo Guedes (2006), o professor de português “precisa ensinar-se a ler, começando
por apropriar-se dos sentidos que sua leitura pessoal atribui – a partir de suas crenças, de sua
experiência de vida e de leitura – ao que lê, mesmo aos textos dos quais deve falar a seus
alunos”. (p. 74-75). O professor deve refletir sobre a sua leitura, ter consciência sobre o que lê
a fim de criar condições de assumir esse papel diante de seus alunos e, assim, torná-los
leitores que assumem posição dialógica diante do texto.
O professor leitor ensina o seu aluno a ler tal como se ensinou a ler, pois, segundo
Guedes (2006), “o professor não é um leitor como qualquer outro: ele precisa aprender como
se aprende a ler para descobrir como se ensina a ler e não tem outro jeito a não ser observar-se
aprendendo a ler”. (p. 75). Espera-se que os modelos de leitura do professor possam capacitar
os alunos para

[...] reconstruir, em face de uma leitura de um texto, a caminhada interpretativa do


leitor: descobrir por que este sentido foi construído a partir das pistas fornecidas
pelo texto.
Isto significa se perguntar, no mínimo, que variáveis sociais, culturais e linguísticas
foram acionadas pelo aluno para produzir a leitura que produziu. Isto significa dar
atenção ao fato de que a compreensão é uma forma de diálogo. É dar às
contrapalavras do aluno, em sua atividade responsiva, a atenção que a palavra
merece. É fornecer-lhe contrapalavras que outros leitores deram aos mesmos textos.
Não é por nenhuma opção ideológica prévia que é necessário dar a palavra a quem
foi silenciado: é uma necessidade linguística ouvi-la se se quiser compreender a
atividade com textos como uma atividade de produção de sentidos. (GERALDI,
1997b, p. 112).

Percebemos que, para o professor assumir as posturas referidas nas colocações acima,
101

como fornecer aos alunos contrapalavras que outros leitores deram ao mesmo texto a fim de
assumir posicionamento crítico diante dele, precisa ser um leitor, pois assumindo tal postura,
dá suporte para os alunos se tornarem leitores. Por essa razão, Geraldi (1996) diz que o
professor precisa ser um mediador de leituras, “cabe ao professor um papel ativo nesse
processo, perguntando, fazendo refletir, fazendo argumentar, escutando as leituras de seus
alunos para com elas e com eles reaprender o seu eterno processo de ler”. (p. 118). Diante
dessas ideias, percebemos que as professoras envolvidas em nossa pesquisa, em vários
momentos das atividades desenvolvidas ou durante as entrevistas, assumem postura que
inibem o aluno de interagir com o texto, fato que, segundo discussões acima, podem refletir
na ausência de rotina de leitura do professor.
Descrevemos abaixo alguns fragmentos do nosso corpus no que se refere a concepções
de leitura do professor, as quais demonstram posicionamentos limitadores do papel do aluno
ante o texto. De acordo com nossa interpretação, tomando como base as afirmações sobre as
rotinas de leitura das professoras expostas no início desta seção, acreditamos que as
concepções priorizadas pelas professoras, também, têm ligação com os hábitos de leitura do
professor e, possivelmente, refletem a formação em leitura que tiveram acesso. Sobre esse
último aspecto, nosso objetivo não é criar generalizações, mas interpretar, diante do nosso
corpus, indícios que encaminham para as afirmações feitas até aqui. Vejamos que, em
entrevistas já apresentadas (seção 4.2), três das quatro professoras, afirmaram que seus
professores não as capacitaram de maneira adequada. As rotinas das professoras têm relação
com as concepções de leitura que eles adotam. Observemos o que dizem nos trechos abaixo:

Professora W: Você não vai sobrepor a sua ideia sobre aquela


[segundo ela, a ideia do autor] porque o texto não é seu. (Extraído de
Concepções de leitura adotadas na execução do trabalho em sala de aula)

Professora M: Tem um textozinho aí que por esse parágrafo dá pra


responder a primeira questãozinha. De que fala o texto, ou seja, qual
o sentido dele?
Aluna: Fala de um moço chamado Severino que decidiu correr o
mundo para fazer fortuna.
Professora M: Isso. Todos responderam assim? (Extraído de Concepções
de leitura adotadas na execução do trabalho em sala de aula).
102

Professora V: [...] De acordo com a modalidade desse texto é o que o


professor vai extrair o que ele tem de melhor pro seu aluno. (Extraído
de Concepções de leitura do professor).

Professora R: Na primeira questão diz o seguinte: de que modo os


leitores (nós) podemos participar da campanha [...]. Aqui diz no
texto. Onde é que tá a resposta? Já localizaram? (Extraído de Concepções
de leitura adotadas na execução do trabalho em sala de aula).

Percebemos, a partir do recorte acima, que todas as professoras optam por perfis
parecidos, os quais limitam a condição do aluno de construtor de significações, devendo
assumir ideias do autor ou localizar ideias construídas no texto ou assumir a resposta
protagonizada pelo professor, enfim assumir postura passiva. Considerando as entrevistas
sobre o perfil de leitor do professor, percebemos que todos os que disseram não ter uma rotina
de leitura, não ponderam que os sentidos são construídos a partir da interação estabelecida
entre autor-texto-leitor com propósitos constituídos sociocognitivo-interacionalmente.
(KOCH; ELIAS, 2010). Diante das considerações estabelecidas até o momento, parece-nos,
portanto, que há uma ligação entre o perfil de leitor do professor e suas escolhas, a partir, por
exemplo, do que entende sobre leitura para trabalhar o texto na sala de aula.
Vejamos que R, a única professora que afirma ter uma rotina de leitura, também
concebe a leitura com foco no texto, pois solicita que os alunos encontrem uma resposta
“Aqui diz no texto. Onde é que tá a resposta? Já localizaram?”. Embora R julgue
positivamente a formação a que teve acesso “Foi muito bem abordado”, constatamos que
também assume, no recorte analisado, postura que inibe o potencial criativo dos alunos.
Percebemos, então, que a maioria das professoras declara não ter uma rotina de leitura
e, esse fato, parece-nos ter reflexo nas práticas com a leitura, pois as concepções de leitura
eleitas por essas professoras inibem o aluno de se comportar como um construtor de sentidos.

5.5 Estratégias eleitas para o ensino de leitura

Segundo Solé (1998), entende-se por estratégias leitoras os procedimentos que


envolvem “objetivos a serem realizados, o planejamento de ações que se desencadeiam para
atingi-los, assim como sua avaliação e possível mudança. (p. 69-70). Assim, as estratégias são
procedimentos e, como tal, conteúdos de ensino, logo, o ensino de estratégias para a
103

compreensão dos textos precisa ser feito.


As estratégias leitoras precisam ser ensinadas pelos professores a fim de evitar que a
resposta pronta predomine no estudo de um texto. Ensinam-se estratégias de compreensão
textual para formar leitores autônomos, aqueles que aprendem por meio da leitura, mantendo
relações entre seus conhecimentos prévios e as informações advindas dos textos. (SOLÉ,
1998). Como já afirmado outrora, a formação do professor é fator importante para a eleição de
estratégias utilizadas no ensino de leitura. Nesta seção, identificamos por meio de trechos de
falas das professoras, as estratégias por elas usadas para ensinar leitura. Para chegar a esta
reflexão, perguntamos a elas que estratégias elegiam nas suas orientações de leitura.
Atentemos para as escolhas:

5.5.1 Estratégias eleitas pela professora W

Professora W: [...] eu procuro todos os meios possíveis para


aproximá-los da leitura, inclusive trazendo eh... textos deles que
falem muito da vida, do cotidiano, trabalho muito com crônicas pra
tentar fazer essa aproximação. As estratégias que nós usamos pra
esse público é exatamente aquela de fazer eles sentirem contato com
o texto como alguma coisa mais concreta, né, (...) porque não têm
tempo pra sentar e se deleitar com o livro. Então, a gente aproveita a
sala de aula pra trazer eh... jornais pra sala de aula, pequenos livros
que eles possam manusear, ter o contato direto com o texto aqui na
escola porque quando eles saem da escola eles não se deparam com
esse tempo, com esse privilégio de parar pra ler, pouquíssimos deles a
gente pode... dizer que fazem isso. Costumo levar para a biblioteca ou
sala de leitura e realizamos oficinas, distribuindo vários textos para
escolherem. Eles fazem a leitura e depois a gente discute o que
construíram, peço para eles exporem as construções para os textos.
Então, nós tentamos usar o máximo, eu pelo menos uso oitenta por
cento da minha aula trabalhando leitura, trabalhando estratégias,
trabalhando dicas pra leitor e pra escritor. Algo desse nível. Eu
incentivo muitas formas de leitura, que eles assistam jornais, que eles
participem eh... de:::... uso de programas, de revistas voltadas pro
público pra vê se eles conseguem ampliar esse universo da leitura que
104

é muito restrito pra eles.

Entendemos que, na entrevista, a professora W elege encaminhamentos de leitura que


possibilitam os alunos construir sentidos, porém não descreve as estratégias utilizadas para
esse trabalho: As estratégias que nós usamos pra esse público é exatamente aquela de fazer
eles sentirem contato com o texto como alguma coisa mais concreta [...]. A professora não
descreve procedimentos para trabalhar leitura e segundo Solé (1998, p. 70) “[...] as estratégias
de leitura são procedimentos e os procedimentos são conteúdos de ensino, então é preciso
ensinar estratégias para a compreensão de textos”.
Embora a professora não tenha descrito como encaminha os alunos para acessar
estratégias de compreensão leitora, ela vai, ao longo da sua fala, elencando atividades que,
mesmo implicitamente, capacitam os alunos para elegerem estratégias. Quando afirma eu
procuro todos os meios possíveis para aproximá-los da leitura [...], a professora mantém
postura semelhante com a indicação de que o professor precisa tornar as fontes de informação
acessíveis ao aluno, pois facilitarão na leitura dos textos. Essa indicação que consiste na
ampliação do conhecimento de mundo leitor está prevista nas estratégias para alargar a
competência leitora, estabelecidas pela Proposta Curricular do 2º segmento de EJA.
Destacamos, ainda, outro indício de eleição de estratégias leitoras em [...] eu procuro
todos os meios possíveis para aproximá-los da leitura, inclusive trazendo eh... textos deles
que falem muito da vida, do cotidiano [...]. A ampliação de leituras e a aproximação do aluno
de temas que ele já conhece ajudarão a acessar os conhecimentos prévios fundamentais para
fazer previsões sobre o texto. (SOLÉ, 1998). Ativar conhecimentos arquivados por meio de
questionamentos, por exemplo, consiste em uma estratégia de ordem cognitiva.
A professora afirma que diversifica as orientações propostas a fim de aproximar os
alunos da leitura e fazerem reconhecê-las nos contextos que se inserem, para isso, faz uso de
gêneros como a crônica. Quando relata [...] eu procuro todos os meios possíveis para
aproximá-los da leitura, inclusive trazendo eh... textos deles que falem muito da vida, do
cotidiano, trabalho muito com crônicas pra tentar fazer essa aproximação, adequa-se aos
PCN, pois entendem que todo texto se organiza em determinado gênero por conta das
intenções comunicativas que carregam. Fica claro que ela parece tentar selecionar textos de
usos sociais mais frequentes. Podemos pontuar que ao se preocupar com o trabalho de
percepção das características dos textos, W se integra ao que os PCN orientam sobre a
necessidade de reconhecer características formais e funcionais dos gêneros para eleger
estratégias para compreendê-los.
105

Com relação à aproximação do aluno ao mundo a que faz parte, ao dizer: [...] textos
deles que falem muito da vida, do cotidiano [...], a professora vai ao encontro do que Brandão
e Micheletti (1997, p. 22) consideram: “a leitura como exercício da cidadania exige um leitor
privilegiado [...] que seja capaz de ultrapassar os limites pontuais de um texto e incorporá-lo
no seu universo de conhecimento de forma a levá-lo a melhor compreender seu mundo e seu
semelhante [...]”.
Consideramos oportuna a decisão da professora em disponibilizar diversos tipos de
leitura para os alunos e de lhes dar a oportunidade de escolhê-los. A Proposta Curricular do 2º
segmento de EJA esclarece que o professor não deve ser o único a escolher os textos, pois é
preciso educar para a liberdade de escolha. Esclarecemos, porém, que as atividades de
construção de estratégias serão necessárias, também, para chegar a tal anseio.
Oportuno, também, é dar voz aos alunos para eles manifestarem as suas opiniões, logo a
opção por [...] levar para a biblioteca ou sala de leitura e realizamos oficinas, distribuindo
vários textos para escolherem. Eles fazem a leitura e depois a gente discute o que
construíram [...], habitua os alunos a se tornarem leitores autônomos, aqueles que, segundo os
PCN, são capazes de interrogar-se sobre a própria compreensão, mantendo relação entre o que
leu e sua bagagem de conhecimentos. Mais uma vez lembramos que não se constrói um leitor
autônomo sem um professor mediador. (SOLÉ, 1998). A Proposta Curricular do 2º segmento
de EJA trata da necessidade de o professor propor discussões sobre as leituras realizadas a fim
de abrir reflexões e despertar criticidade. Logo, parece-nos que a professora descreve uma
conduta de práticas que a encaminham para essa estratégia.
A professora W elege, nas suas falas dispostas na entrevista, encaminhamentos de
leitura que oportunizem aos alunos construir sentidos. Embora não descreva os procedimentos
de leitura que constituem suas estratégias para o ensino, fato que julgamos estar ligado com a
formação leitora a que teve acesso, descreve atividades que, possivelmente, capacitam os
alunos na eleição de estratégias para a leitura.

5.5.2 Estratégias eleitas pela professora M

Professora M: Olhe, hoje em dia a gente procura trazer textos que


realmente chame a atenção, a gente não vai passar pros alunos
qualquer texto, né. Um texto que possivelmente eles não irão gostar,
né, mas trazer um texto que... eles se interessem em ler e, às vezes, um
texto assim não muito longo também, né porque muitos já não
106

querem ler, né. Às vezes, leem pela insistência da gente porque a


gente procura também conscientizar os alunos da importância da
leitura, não é, na vida prática deles, na vida secular e aí com essa
conscientização a gente, e com a insistência também, muitos acabam
lendo, né?

Assim como W, a professora M não descreveu procedimentos que envolvessem a


presença de objetivos a serem realizados. Não nomeou ações para atingir tais objetivos por
meio da leitura. Constrói, sutilmente, encaminhamentos de atividades para trabalhar o ensino
por meio do texto, os quais, se realizados com a mediação do professor, podem desenvolver
nos alunos meios para escolherem estratégias de compreensão leitora.
Quando diz: [...] a gente procura trazer textos que realmente chame a atenção, a gente
não vai passar pros alunos qualquer texto, né, percebemos que entende as atividades de
leitura como desencadeadora de desejo e prazer, já que deixa clara a importância de seleção
de atividades que os alunos [...] se interessem em ler. Essa posição mantém concordância
com Kleiman (2007) ao citar Bellenger (1978), o qual pondera que a leitura se baseia no
desejo, cuja experiência com o texto pode transformar as experiências de vida. Diante dessa
colocação, entendemos que M trata a leitura como atividade criadora de sentido e que, se
mediada, pode encaminhar o aluno para estratégias de ordem cognitiva, como o acesso a
conhecimentos prévios. Solé (1998) caracteriza essa atividade como estímulo a expor o que os
alunos conhecem do tema.
A professora afirma que tenta dispor texto que não seja [...] muito longo também, né,
porque muitos já não querem ler, né. Parece-nos que responsabiliza os alunos pela falta de
desejo para ler, o que contraria com afirmações apontadas acima, em que dizia considerar o
interesse dos alunos pela leitura. Em relação à extensão do texto, M a percebe como uma
saída para chamar a atenção do leitor, fato que é oposto ao que os PCN entendem:

Analisando os textos escritos que costumam ser considerados adequados para os


leitores iniciantes, verifica-se que, na grande maioria, são curtos, às vezes apenas
fragmentos de um texto maior - sem unidade semântica e/ou estrutural - ,
simplificados, em alguns casos, até o limite da indigência. Confunde-se capacidade
de interpretar e produzir discurso com capacidade de ler e escrever sozinho.
(BRASIL, 1998, p. 50).

Os próprios alunos devem selecionar marcas, construir hipóteses e testá-las, dentre


outras instruções que o encaminhem à compreensão do texto. Essas instruções, obviamente,
107

precisam ser ensinadas. Em se tratando de seleção textual para o trabalho em sala de aula, os
PCN elencam como estratégia elegível para ampliar o conhecimento de mundo leitor o
desafio. O texto longo pode ser desafiador e romper como o universo de expectativa dos
alunos, considerando sua condição atual. Os parâmetros enfatizam que os professores
precisam orientar a leitura para que essa estratégia se efetive.
Com relação ao trabalho de conscientização da importância da leitura, M considera: [...]
a gente procura também conscientizar os alunos da importância da leitura, não é, na vida
prática deles [...], a professora não informou quais procedimentos usa para fazer com que os
alunos entendam que a leitura os capacita a usar os conhecimentos apreendidos em outros
contextos. Há a necessidade não apenas de conscientizar, mas, também encaminhar atividades
que permitam ao aluno interagir com o texto. Segundo Kleiman (2001), a formação do leitor
autônomo não ocorre espontaneamente, pois é uma tarefa de ordem cognitiva e social.
Percebemos que a professora M não descreve as estratégias que usa para o ensino de
leitura, demonstrando que se confirma a afirmação feita na entrevista sobre a falta de
encaminhamentos para a construção de orientações leitoras em sua formação teórica. (Ver
seção 4.2). Acreditamos que, possivelmente, a falta de acesso a bases teóricas na formação
leitora reflete sobre as escolhas utilizadas pela professora.

5.5.3 Estratégias eleitas pela professora V

Professora V: [...]então eu tô tentando melhorar, eu tô tentando fazer


pontes entre a leitura e situações reais que eles vivem, comparar o
texto com algum momento da vida deles pra eles verem que essa
leitura tem significado entre a vida do aluno, e não é só a leitura por
si só, uma leitura solta desvinculada daquilo que ele já viveu (...).
fazendo assim ligações com a realidade, fazendo com que essa leitura
se torne mais significativa pra ver se eles se sentem mais empolgados
em ler [...] o texto é a base de tudo, então partindo do texto eu tenho
que partir para a gramática, eu tenho que partir para situações
reais. O caminho metodológico é o texto, é a contextualização do
texto. Então, eu tô tentando aos poucos começar a trabalhar essa
metodologia.

A professora V, não diferente das demais, lança algumas orientações para leitura, mas
108

não descreve com clareza os procedimentos envolvidos na capacitação dos alunos para
analisar as possíveis falhas de compreensão e a flexibilidade para encontrar soluções,
realizando operações regulares para abordar o texto.
Vimos que a professora cita na sua fala orientações leitoras que, embora não descrevam
os procedimentos ensinados para fazer os alunos chegarem à compreensão, podem
encaminhá-los a construir estratégias. Quando diz: [...] eu tô tentando fazer pontes entre a
leitura e situações reais que eles vivem, comparar o texto com algum momento da vida deles
pra eles verem que essa leitura tem significado entre a vida do aluno [...], encaminha o leitor
a fazer predições, estratégia de ordem cognitiva, as quais estão apoiadas no conhecimento
prévio (conhecimento de mundo) do aluno. Entendemos que a professora deve proporcionar
esses encaminhamentos, mas o aluno precisa protagonizá-los. Afirmamos isso porque, ao
dizer: [...] eu tô tentando fazer pontes [...], gerou-nos incerteza se protagoniza a ação ou a
orienta, fato que será confirmado na próxima subseção, análise da práxis leitora. Mantém
aproximação com a afirmação de Kleiman (2007, p. 52):

[...] o leitor eficiente faz predições baseadas no seu conhecimento de mundo. Na


aula de leitura é possível criar condições para o aluno fazer predições, orientado pelo
professor, que além de permitir-lhe utilizar seu próprio conhecimento, supre
eventuais problemas de leitura do aluno, construindo suportes para o enriquecimento
dessas predições e mobilizando seu maior conhecimento sobre o assunto.

Esse encaminhamento levaria o aluno a incorporar os conhecimentos adquiridos, no


texto, ao seu universo de saberes para que possa compreender melhor o seu mundo.
A professora entende que a leitura precisa ser [...] significativa pra ver se eles se sentem
mais empolgados em ler [...]. Demonstra, dessa forma, entendimento de que a leitura é uma
atividade que só gera sentidos quando o aluno consegue ver objetivos, sente-se seduzido por
ela. Implicitamente, a professora aponta ligação com estratégias que antecedem a leitura como
o esclarecimento que o aluno precisa ter sobre os objetivos da atividade, os quais serão mais
ou menos significativos dependendo dos seus conhecimentos prévios. Se tiverem
conhecimentos sobre o assunto, a leitura, certamente, será mais significativa. O professor
precisa ativar e atualizar se necessário os conhecimentos prévios dos leitores, mas, para isso,
precisa diagnosticar o que já sabem a respeito do tema. (SOLÉ, 1998; BORTONI-RICARDO;
MACHADO; CASTANHEIRA, 2010). Portando, uma série de medidas precisam ser tomadas
pelo professor para que o aluno desencadeie a construção de sentidos. A professora V não
possibilitou a percepção desses passos no ensino de leitura.
Com a afirmação: [...] partindo do texto eu tenho que partir para a gramática, eu tenho
109

que partir para situações reais. O caminho metodológico é o texto, é a contextualização do


texto parece-nos que a base que usa para elaborá-la teria sido extraída do senso comum, pois
não direciona procedimentos que a constituiriam. Afirma, apenas, que caminho metodológico
seria o texto e a sua contextualização. Entendemos que quando fala de caminho metodológico
refere-se às estratégias de compreensão leitora.
Apesar da ausência de procedimentos, V entende que o texto deve ser tomado como
unidade de ensino e, a partir dele, vários estudos podem ser feitos, dentre eles, o gramatical.
Confirmamos a prioridade da afirmação a partir dos PCN:

Quando se toma o texto como unidade de ensino, os aspectos a serem tematizados


não se referem somente à dimensão gramatical. Há conteúdos relacionados às
dimensões pragmática e semântica da linguagem, que por serem inerentes à própria
atividade discursiva, precisam, na escola, ser tratados de maneira articulada e
simultânea no desenvolvimento das práticas de produção e recepção de textos.
(BRASIL, 1998, p. 78).

A partir das considerações, fica entendido que o ensino de língua não tem
funcionalidade se desarticulado das práticas de linguagem, da mesma forma que o ensino de
gramática, haja vista que a constituição do texto é uma constituição gramatical.
Embora não tenhamos como medir, parece-nos que a professora V demonstra pouco
entendimento sobre as estratégias de leitura, mas faz direcionamentos que, se bem mediados,
conduziriam o leitor à compreensão.

5.5.4 Estratégias eleitas pela professora R

Professora R: Sim, trabalhar com filmes, trabalhar com músicas em


sala de aula, poesias, principalmente poesias, né? [...] eles faltam
MUITO, eles não têm muito assim... têm alunos que passam uma
semana sem vir para a sala de aula, tem aluno que passa até quinze
dias, até um mês, de repente eles retornam. Então, a teoria e a
prática... ela se torna muito difícil por isso. Trabalhar com EJA é
difícil nessa parte.

Através dos depoimentos da professora R, não foi possível perceber nenhuma estratégia
de leitura eleita. Citou, apenas, a preferência por [...] trabalhar com filmes, trabalhar com
músicas em sala de aula, poesias, principalmente poesias [...], todavia não explicou a razão
110

dessas escolhas nem mesmo da poesia, já que deu maior ênfase a ela. Os recursos citados
podem ser de extrema importância, quando utilizados com a mediação do professor, para
expandir os conhecimentos de mundo leitor dos alunos.
A Proposta Curricular do 2º segmento de EJA cita como estratégias de compreensão
leitora a realização de conexões entre o teor do texto lido com outros que já se conhecem
como propagandas, filmes, músicas a fim de favorecer a ampliação dos contextos
sociocognitivos dos alunos, o que possibilitará maior desenvoltura quando se depararem com
outros textos que tratem do mesmo assunto. Não temos como definir se as conexões postas
pela proposta são realizadas pela professora. Nós a citamos, apenas, pelo fato de a professora
ter feito referência a esses recursos em sua fala.
Embora tenhamos questionado a professora sobre as estratégias eleitas para o ensino de
leitura, tivemos como argumento: [...] eles faltam MUITO, eles não têm muito assim... têm
alunos que passam uma semana sem vir para a sala de aula, tem aluno que passa até quinze
dias, até um mês, de repente eles retornam. Então, a teoria e a prática... ela se torna muito
difícil por isso, o que nos leva a caracterizar tal resposta como um impasse percebido pela
professora para a execução da prática. Então, responsabiliza os alunos pela falta de êxito entre
o trabalho teórico e o prático.
Entendemos que, provavelmente, a falta de bases teóricas na formação da professora
tem relação com a ausência de procedimentos de leitura que, de fato, possibilitem aos alunos
se tornarem leitores autônomos. A professora julgou, em entrevista, positivamente a formação
a que teve acesso: Foi muito bem abordado, eu tive ótimas professoras que abordaram
bastante a questão da leitura [...], todavia os depoimentos ora analisados não refletem os
ensinamentos dessa formação, o que não impede de a percebermos nas escolhas feitas no
trabalho prático analisado no próximo capítulo.
Concordamos com Silva (1999) quando diz que, possivelmente, as práticas e
concepções teóricas simplistas de leitura têm como causa a estagnação docente e suas
condições objetivas para a convivência com textos no ambiente escolar. O autor é enfático ao
dizer que “[...] a pobreza material do contexto escolar [...] para as práticas de leitura é
diretamente proporcional ao empobrecimento de pensamento daqueles que têm por
responsabilidade planejar e orientar essas práticas”. (p. 12).
Com as análises realizadas, percebemos que as professoras não procedem ao ensino de
procedimentos de leitura, embora manifestem, tentativamente, aproximar os alunos do texto e
da leitura. Não descrevem as estratégias de leitura que os alunos devem acessar para chegar à
compreensão.
111

5.6 O material didático para o ensino de leitura

Objetivamos, nesta seção, analisar os encaminhamentos selecionados, nas entrevistas,


pelas professoras para trabalhar o material didático utilizado no ensino de leitura.
Analisaremos, assim, a seleção e a forma de abordagem dos textos escolhidos, além dos
encaminhamentos propostos para explorar esses textos.
Iniciaremos as discussões com a análise de trechos das entrevistas realizadas com as
professoras quando tratamos das características do material didático utilizado nos aspectos do
estilo de questões para a compreensão do texto e adequação delas ao gênero em estudo.
Esclarecemos que a observância às características dos gêneros se dá em virtude da
necessidade de o leitor conhecê-las para atribuir sentido aos textos. Essas respostas servirão
de parâmetro para percebermos as escolhas feitas nas falas e as desenvolvidas na práxis de
leitura.

Pesquisador: As questões propostas pelos materiais escolhidos por


você ou indicados pelo livro didático utilizado proporcionam aos
alunos fazer reflexão crítica, permitem expansão ou construção de
sentidos? As funções ou propósitos comunicativos dos gêneros
textuais são atendidos por esses materiais? Caso isso não aconteça, o
que você faz?

Vejamos as considerações:

5.6.1 Professora W

Professora W: Eu tento trabalhar todos os gêneros, inclusive os não


contemplados pelo livro, por isso costumo trazer poesia, quadrinhos,
jornal. Costumo, sempre que possível eh... trabalhar com outros tipos
de leitura, como filmes para eles interpretarem.

A professora W afirmou que tenta trabalhar com todos os gêneros, não apenas aqueles
selecionados pelo livro didático utilizado. Ela deixa transparecer um certo desconhecimento
do que seriam os gêneros, haja vista a infinidade de gêneros existentes, o que não
possibilitaria um trabalho que contemplasse todos, como afirma. Segundo Marcuschi (2008,
112

p. 155), “[...] os gêneros são entidades empíricas em situações comunicativas e se expressam


em designações diversas, constituindo em princípio listagens abertas”. Se os gêneros realizam
linguisticamente situações sociais particulares, as quais são infindáveis, não constituem
listagens fixas. Assim, entendemos a impossibilidade de se contemplar todos os gêneros em
nosso trabalho em sala de aula. Os PCN são diretivos ao entender que “a grande diversidade
de gêneros, praticamente ilimitada, impede que a escola trate todos eles como objeto de
ensino; assim, uma seleção é necessária". (BRASIL, 1998, p. 53).
Cita alguns gêneros com os quais costuma trabalhar: Eu tento trabalhar todos os
gêneros, inclusive os não contemplados pelo livro, por isso costumo trazer poesia,
quadrinhos, jornal, todavia mantém algumas inconsistências conceituais, como o trato do
jornal como gênero, uma vez que ele é um suporte. Refere-se à “poesia” quando seria poema
e “quadrinhos” quando seriam os gêneros dos quadrinhos. Informa, ainda, que proporciona o
trabalho com filmes para os alunos interpretarem. Durante a nossa pesquisa, não houve
atividades com vídeo.
Vejamos que W não se voltou a responder às perguntas dirigidas por este pesquisador,
porque não julgou as questões propostas pelo material didático utilizado quanto à
compreensão do texto e à adequação ao propósito dos gêneros.

5.6.2 Professora M

Professora M: Sim. Olha, as questões são assim pertinentes, embora


sempre é necessário acrescentar alguma coisa, né?

De forma, extremamente, sucinta a professora M afirmou que as questões são assim


pertinentes, embora sempre é necessário acrescentar alguma coisa, né?. Não teceu
comentários sobre o estilo das questões destinadas à compreensão nem respondeu às
indagações sobre a maneira como essa questões tratam os gêneros. Quando a professora usa a
palavra “embora”, admite que existem incompletudes nas questões a serem revistas pelo
professor. Nós questionamos que possíveis medidas tomava caso houvesse lacunas na
proposição das questões referentes aos exercícios de compreensão e adequação ao gênero,
todavia M são se manifestou.
113

5.6.3 Professora V

Professora V: Bem, as questões nem sempre atendem o propósito do


gênero não. Mas veja só: o texto em si atende essa modalidade do
gênero textual. As questões, elas permitem ao aluno perceber o
propósito dos gêneros, mas vou lhe dizer que o professor pre::: cisa
extravasar as questões do livro.

A professora V inicia afirmando que [...] as questões nem sempre atendem o propósito
do gênero não, mas, em seguida, demonstrando desvios teóricos diz: Mas veja só: o texto em
si atende essa modalidade do gênero textual. Entendemos que quando se reporta a nós e diz:
“mas veja só”, parece-nos que considerou a nossa pergunta como redundante, pois não
haveria percebido a necessidade de as questões serem construídas em concordância com os
propósitos discursivos do gênero, uma vez que elas já viriam explícitas no texto. Não temos,
porém, como prever se a professora considera os gêneros como textos empiricamente
realizados que cumprem funções em situações comunicativas, respondendo a uma
necessidade. (MARCUSCHI, 2010).
Assumindo postura contraditória afirma: as questões, elas permitem ao aluno perceber
o propósito dos gêneros. Não demonstra muita segurança se tem entendimento do que sejam
as funções ou propósitos dos gêneros ou se costuma avaliar a necessidade de haver uma
interlocução das questões com os gêneros em que os textos estão materializados. A
contradição foi construída pelo fato de ter afirmado acima que as questões nem sempre
atendiam ao propósito dos gêneros. Declara que o professor precisa extravasar as questões dos
livros, mas não esclareceu por que precisa executar a referida ação, embora tenhamos
perguntado que medidas deveriam ser tomadas, caso o professor julgasse necessário fazer
alguma adaptação ao material. Em sua resposta, V não considerou se as atividades
encaminham os alunos a reflexões críticas sobre os textos lidos.

5.6.4 Professora R

Professora R: As questões são muito bem elaboradas, o livro traz...


muito bom e permitem sim. As funções dos gêneros também eh... são
contempla::: das. A poesia, a música, as narrativas que eles
[materiais] trazem atendem.
114

A professora R respondeu afirmativamente às perguntas feitas, não fazendo comentários


sobre o estilo das questões. Ao afirmar: a poesia, a música, as narrativas que eles [materiais]
trazem atendem, parece-nos certa insipiência sobre o que seriam os gêneros textuais, pois
perguntamos se as questões propostas para discutir os textos atendiam às funções dos gêneros
e a professora afirmou que eles têm função e, tal afirmação, é óbvia. Além disso, R cita, por
exemplo, as narrativas como gênero, o que a levou a um equívoco conceitual.
Constatamos que as professoras não fazem comentários sobre as características das
atividades propostas por elas ou alguma modificação naquelas elaboradas pelos materiais
didáticos selecionados. Por meio dos relatos, as professoras não mostraram reconhecer
características de questões que proporcionam ao leitor compreender os textos e perceber a
função dos gêneros em estudo. Perceberemos, com a descrição das atividades encaminhadas,
as características das questões e, implicitamente, o entendimento que as professoras têm sobre
leitura como construção de sentidos.
115

6 CONCEPÇÕES E PRÁTICAS NO ENSINO DE LEITURA: o que as professoras


fazem

Leio e me ponho a pensar... Minha leitura


seria então a minha impertinente ausência.
Seria a leitura um exercício de ubiquidade?
Experiência inicial, até iniciática: ler é estar
alhures, onde não se está, em outro mundo; é
constituir uma cena secreta, lugar onde se
entra e de onde se vai à vontade; é criar
cantos de sombra e de noite numa existência
submetida à transparência tecnocrática e
àquela luz implacável que, em Genet,
materializa o inferno da alienação social. Já o
observava Marguerite Duras: “Talvez se leia
sempre no escuro... A leitura depende da
escuridão da noite. Mesmo que se leia em
pleno dia, fora, faz-se noite em redor do
livro”. (CERTEAU, 1998, p. 269).

Neste capítulo, avaliaremos as concepções e práticas de leitura defendidas pelas


professoras na execução das aulas de ensino de leitura a fim de verificar se há uma
correspondência entre as ideias defendidas nas entrevistas e na prática. Essa percepção nos
ajudará a compreender as razões das possíveis semelhanças ou dessemelhanças entre práxis e
teoria. Para conseguir chegar ao objetivo desta seção, interpretaremos trechos das aulas das
professoras que atendem ao anseio de nosso foco de análise.

6.1 Concepções de leitura das professoras

Nesta seção, analisaremos os encaminhamentos de leitura selecionados pelas


professoras na práxis com o texto a fim de perceber a(s) concepção (ões) eleita (s) nessas
atividades.

6.1.1 Concepções adotadas por W

Professora W: Não podemos mais pegar o texto e fazer aquela


leituri:::nha básica. Qual foi a mensagem maior daquele texto? O que
aquele texto quis nos mostrar de forma bem clara? A questão dos
valores [fazendo referência ao texto O Diamante], não era? E a gente
116

percebe a intenção do texto na primeira leitura? (...) E aí tá faltando


o quê? Maturidade pra gente observar o que tá por trás daquelas
informações, o que que realmente aquilo quis nos informar. A
malícia... de perceber a intenção do autor, certo?, e a concentração
porque ninguém lê um texto conversando (...). O momento da leitura
tem que ser exclusivo da leitura. Viaje no texto, se você não viajar no
texto, você não consegue descobrir muita coisa sobre ele, você não
consegue dialogar com o texto.

Esse fragmento foi retirado de um comentário feito pela professora W sobre algumas
dicas que propôs para trabalhar a interpretação de um texto. Elencou, em anotações no quadro
(registro feito em notas de campo), dez passos e as denominou de boas dicas de
interpretação17. Após a anotação, dedicou-se a comentar cada um dos itens. O texto destacado
acima constitui um comentário para a instrução de número cinco que dizia: Ler com malícia,
concentração e maturidade.
No comentário da professora, é possível perceber a coexistência de três concepções de
leitura com focos no autor, texto e leitor. Comecemos nossa discussão a partir do exemplo
lançado pela professora para discutir a dica em estudo. Referiu-se ao texto “O Diamante”,
objeto de estudo de aulas anteriores, e afirmou que a produção tratava sobre valores. Em
análise futura, percebemos se os alunos conseguiram chegar a essa constatação ou se ela foi
construída pela professora. Sobre o assunto do texto, a professora questionou se era possível
perceber a intenção do texto em uma primeira leitura, fato que deixa claro o direcionamento
dado aos alunos para localizarem, na superfície textual, o que o texto tem intenção de dizer.
Com tal entendimento, a professora posiciona-se à ideia do texto como repositório de
mensagens e informações, o que fica exposto em Kleiman ao afimar que, segundo essa
hipótese, “[...] o texto é um depósito de informações e, por outro, na crença de que o papel do
leitor consiste em apenas extrair essa informação, através do domínio das palavras que, nessa
visão, são o veículo de informações”. (2007, p. 18).
Ao dizer que os alunos precisam ter A malícia... de perceber a intenção do autor,
certo?, desprestigia-se mais uma vez, assim como o primeiro foco já enfatizado, o papel ativo
do leitor ante o texto. Como expõe Kleiman (2007), tal atitude tenta conscientizar o aluno da
intencionalidade do autor, a partir da escolha de palavras, haja vista que a professora diz que

17
As dicas anotadas no quadro partiram de um material com 20 itens, o qual foi entregue pela professora.
Registramos, em anexo, a apostila com essas dicas.
117

falta maturidade para perceber o que está por trás das palavras escolhidas pelo autor do texto.
Ainda a respeito da adoção do foco centrado no autor, W foi categórica ao elencar a
dica de número oito sobre os passos para uma boa interpretação, dizendo: Não permitir que
suas ideias prevaleçam sobre as do autor. O comentário feito para discutir esse
direcionamento foi:

Professora W: Isso foi o que o autor quis lhe dizer, que o hindu era
desprovido de: “não professora, ele tinha mais era que entregar a
pedra mesmo que ele achou. Ele achou nos trilhos, não era dele
mesmo. Aí, ele deixou valores materiais e prevalecer os valores
espirituais. E o que um aluno meu me disse prevalecer as ideias dele
sobre as ideias do autor. Endendeu? Tudo bem, cada um tem que ter
o seu ponto de vista na leitura, você pode concordar ou discordar,
mas você vai discordar de uma idei:::a que existe, de uma ideia real,
você não vai sobrepor a sua ideia sobre aquela porque o texto não é
seu. Você pode até ler e reescrever o texto, você pode continuar o
texto com ideias no:::vas.

Para discorrer sobre o comentário acima, W fez alusão mais uma vez ao texto “O
Diamante”. Comentava com os alunos que o personagem hindu era desprovido de valores
materiais e entregou uma pedra preciosa que havia encontrado. Percebendo essa colocação
como fonte única de sentido, questionou o fato de um aluno ter discordado da atitude do autor
do texto. E, sobre esse posicionamento do aluno, criticou: Aí, ele deixou prevalecer as ideias
dele sobre as ideias do autor. Endendeu? [...] você pode concordar ou discordar, mas você
vai discordar de uma idei:::a que existe, de uma ideia real, você não vai sobrepor a sua ideia
sobre aquela porque o texto não é seu. Categoricamente, foi possível perceber que a
professora se distancia do poder de criticidade e de criação que o leitor deve ter diante de um
texto. O leitor precisa, a partir de seus conhecimentos, criar sentidos para os textos, partindo
das pistas que o texto lhe dispõe. A postura da professora não ganha respaldo, segundo as
colocações de Brandão e Micheletti (1997, p. 22):

A leitura, como exercício da cidadania, exige um leitor privilegiado, de aguçada


criticidade, que num movimento cooperativo, mobilizando seus conhecimentos
prévios [...], seja capaz de preencher os vazios do texto, que não se limite à busca
das intenções do autor, mas construa a significação global do texto percorrendo as
pistas [...] que seja capaz de ultrapassar os limites pontuais de um texto e incorporá-
118

lo reflexivamente no seu universo de conhecimento [...].

Além dos focos acima privilegiados, mostra-se adepta, também, ao foco interacional.
Ao afirmar, na primeira transcrição acima registrada, Viaje no texto, se você não viajar no
texto, você não consegue descobrir muita coisa sobre ele, você não consegue dialogar com o
texto, o aluno é convidado a construir sentidos, uma vez que ao processar um texto está em
constante diálogo com a produção. A postura assumida é defendida por Koch (2009) quando
diz que o leitor dialoga com o texto, uma vez que este é o próprio lugar de interação e os
interlocutores nele se constroem e são construídos.
Após algumas considerações sobre as concepções eleitas na condução da práxis leitora,
percebemos que não há uma concordância entre o trabalho elencado na fala e o desenvolvido
no cotidiano de orientação leitora, uma vez que, na entrevista, a professora assume postura
favorável aos processos em que o leitor constrói sentidos para o que lê e, no trabalho prático,
além de considerar leitura como interação, também entende que o leitor deve assumir papel
passivo diante do texto. Acreditamos que essas mudanças de postura ocorram devido à
fragilidade de bases teóricas na formação leitora.

6.1.2 Concepções adotadas por M

Para constatarmos a concepção eleita pela professora M na condução do cotidiano das


orientações para leitura, selecionamos uma atividade realizada com o texto “A volta ao
mundo em cinquenta e duas histórias”, cujo trabalho de estudo foi feito a partir de algumas
questões propostas pela professora (registro em notas de campo) e copiadas no quadro. O
diálogo abaixo entre um aluno e a professora ilustra a concepção priorizada:

Aluna: Professora, essa pergunta aqui “qual o sentido do texto?”, é


para dizer que fala do moço [...] que correu o mundo para fazer
fortuna, né?
Professora M: Isso. Tem um textozinho aí que por esse parágrafo dá
pra responder a primeira questãozinha. De que que fala o texto, ou
seja, qual o sentido aí dele?
Aluna: Fala de um moço chamado Severino que decidiu correr o
mundo para fazer fortuna.
Professora M: Isso. Todos responderam assim?
119

Percebemos que a professora propôs uma questão que perguntava qual seria o sentido
do texto e, a partir dela, direciona os alunos a localizarem respostas que extraíssem a ideia do
referido texto, quando diz: Tem um textozinho aí que por esse parágrafo dá pra responder a
primeira questãozinha. De que que fala o texto, ou seja, qual o sentido aí dele?. Com essa
atitude, notamos o trato dado por M ao texto como produto de domesticação de palavras, fato
que causa alienação leitora, uma vez que o leitor é levado a tomar como verdade o que está
posto na materialidade linguística e, inclusive, a localizar resposta prevista em determinada
parte do texto, o que Kleiman (2007) já entendia como atividade que tira o leitor da posição
de criador e o encaminha a passar os olhos no texto à procura de um determinado trecho, cujo
sentido já está construído. A concordância da professora à pergunta feita pela aula: [...] essa
pergunta aqui “qual o sentido do texto?, é para dizer que fala do moço [...], é prova disso.
Quando a professora pergunta se todos os alunos haviam respondido da mesma forma:
Isso. Todos responderam assim?, parece-nos que a professora pretende fazer o que Kleiman
(2008) já alertava como característica de atividades dessa natureza: uniformização de resposta
e imposição de uma única leitura, a da especialista, como a leitura do texto. Essa práxis de
condução do trabalho com a leitura tem um perfil que a afasta de proposições defendidas
pelos PCN, as quais entendem que ao professor cabe dirigir as atividades a fim de apoiar e
orientar o esforço de reflexão do aluno, ou seja, o professor medeia um processo criativo que
deve ser desenvolvido pelo aluno-leitor.
A professora M, por meio da eleição da concepção de leitura com foco no texto, afasta-
se da posição construída na entrevista, cujo foco escolhido foi o da interação entre autor-
texto-leitor.

6.1.3 Concepções adotadas por V

Com o anseio de analisar a concepção de leitura que a professora V prioriza,


destacamos de suas orientações para leitura uma atividade realizada com o texto “A escola da
mestra Silvina”, que se encontra no livro didático utilizado no ano anterior. O fragmento
abaixo surgiu do momento em que a professora havia proposto uma atividade para o estudo
do texto. Vejamos a concepção eleita:

Professora V: Gente, o nosso texto é escrito... é um texto escrito em


verso porque é uma poesia e qual é o assunto principal que ela trata
aqui? Ele descreve que ambiente? O que o texto tá querendo dizer aí?
120

Percebemos que a professora questiona os alunos sobre o assunto do texto, mas,


também sobre a mensagem que ele traz. Mais uma vez, percebemos a tendência de uma
orientação que isenta o leitor da construção de um possível sentido para o texto, acreditando
que o sentido já está construído. Essa orientação afasta-se do que Geraldi (1997b, p. 166)
afirma: “o produto de trabalho de produção se oferece ao leitor [...] não são mãos amarradas –
se o fossem, a leitura seria reconhecimento de sentidos e não produção de sentidos [...]”.
Consciente ou não desse encaminhamento, a professora afasta o leitor de uma atividade
criativa.
A partir do trabalho com o texto “A senhora tabuleta”, o qual está no livro didático18
adotado a partir de 2011, V discutia com os alunos algumas questões propostas. O diálogo
entre ela e um aluno surgiu a partir de uma questão trazida pelo livro: Que intenção tem a
personagem ao dizer: “- Meus amigos, esta é uma leiteira campeã de torneios. É a maior
conquista do nosso plantel! Linhagem nobre! Nome de rainha!”? A partir do diálogo
percebemos a concepção de leitura priorizada:

Professora V: Qual a intenção dele de caracterizar a vaca desse


modo? Qual a intenção do autor quando ele fez algumas
caracterizações para a vaca?
Aluno: Para engrandecer ela. Era uma grande vaca leiteira.
Professora V: Uma grande vaca leiteira, né? Ele quer chamar o quê?
Atenção, né? Quer dizer que é uma vaca famosa. Engrandecendo ela,
né? Elogiando, né? Fazendo também com que os peões, o quê?
Fiquem felizes em cuidar, em ter um animal muito...
Aluno: Destacado.
Professora V: Destacado, campeão de leite, né? A intenção era essa.

A questão proposta pelo material encaminhava o aluno para a interlocução entre as


personagens, a razão de terem atribuído certas caracterizações para o animal, o que fez a
professora direcionar a proposta para identificação da ideia do autor e suas atribuições. A
professora conduz o estudo do texto e cria sentidos para as atribuições dadas à vaca, dizendo
que o objetivo seria “chamar atenção”, mostrar que ela era “famosa”. Segundo ela, essas
atribuições seriam pensadas pelo autor, quando diz “a intenção era essa”. A professora elege,
portanto, a concepção em que o autor é o foco. Com tal encaminhamento para a orientação de
18
EJA 8º ano – Volume 2, 2. ed. São Paulo: IBEP, 2009.
121

leitura, V se distancia de ideias como as defendidas por Geraldi (1997b), segundo as quais, ao
professor cabe fazer o aluno verificar as pistas presentes no texto para criar determinados
sentidos. Assim, o trabalho não seria priorizar a leitura desejada pelo professor, que usa como
argumento para representar uma ideia criada pelo autor, mas dar ao aluno oportunidade de
criar, observando as marcas textuais que justifiquem essas criações.
Identificamos, nas concepções priorizadas na prática, que a professora V prioriza os
focos de leitura centrados no texto e no autor. A posição construída nas entrevistas a filiava às
três concepções de leitura.

6.1.4 Concepções adotadas por R

Não optando por estratégias diferentes, analisamos a partir dos encaminhamentos


práticos para ensinar leitura a(s) concepção (ões) empregadas pela professora R. Iniciamos
com o exemplo de uma atividade para estudo de um texto descritivo chamado “A escola da
mestra Silvina”. A professora propôs no quadro algumas questões (registradas em notas de
campo) para a discussão e a respeito da atividade destacamos para a nossa análise a primeira
questão proposta e os encaminhamentos sugeridos pela professora para que os alunos a
respondessem. O exercício dizia: Retire do texto dois versos que comprovem tratar-se de
lembranças da infância. Sobre a construção da questão e encaminhamentos sugeridos,
vejamos a concepção priorizada:

Professora R: Na primeira questão, vocês vão tirar um fragmento do


texto pra provar que o texto mostra lembranças da infância da Cora
Coralina.

Foi possível perceber que o texto foi tratado com uma domesticação de palavras que
veiculam informações. Essa condição retira do leitor, como já foi dito em outros momentos
desta dissertação, o papel de protagonizar a construção de sentidos e de aprender. Percebe-se
que o foco selecionado foi o texto, haja vista que a professora pede para “tirar um
fragmento” que prove algo sobre ele. A ideia, portanto, já está construída ao longo da
sequência textual, pronta para ser localizada e extraída. Esse entendimento diverge do que os
PCN afirmam, pois deixam claro que a leitura não é uma atividade de extrair informações,
mas um trabalho de interpretação e compreensão a partir da eleição de várias estratégias e
saberes acumulados.
122

O foco no texto, também, esteve presente nos encaminhamentos de leitura da atividade


abaixo, a qual partiu de um exercício para discutir um anúncio publicitário (documento
recolhido no local). Para discutir a primeira questão: O anúncio faz parte de uma campanha
ecológica. De que modo os leitores podem participar da campanha?, a professora considerou:

Professora R: A primeira questão diz o seguinte: de que modo os


leitores (nós) podemos participar dessa campanha? O que vocês
acham? Aqui diz no texto. Onde é que tá a resposta? Já localizaram?
No texto menorzinho diz. Está lá: “é muito simples, interativo e
gratuito (...)”. Pronto! Se você fizer isso, você está entrando na
campanha. Mais uma pessoa que vai ajudar essa campanha de
divulgação. Passem a resposta para o caderno.

Notamos que a professora, taxativamente, conduz os alunos para localizarem e


extraírem respostas que estão no texto, não dando oportunidade de contemplá-lo como um
processo em que predominam atividades cognitivas e discursivas. (MARCUSCHI, 2003). É
um tipo de atividade que, como já afirmado aqui por meio de ideias de Kleiman (2007), o
leitor procura trechos que repitam o material decodificado da pergunta. Concepção como essa
prevê posturas contrárias àquelas apontadas por Marcuschi (2003, p. 51) ao afirmar: “Os
exercícios de compreensão raramente levam a reflexões críticas sobre o texto e não permitem
expansão ou construção de sentido, o que sugere a noção de que compreender é apenas
identificar conteúdos”. Notemos, ainda, que a professora localiza para os alunos e responde à
questão. Transmite uma versão que passa ser a autorizada do texto. Em seção posterior,
trataremos mais desse tipo de comportamento do professor.
Ainda a respeito do Anúncio publicitário previsto para a atividade acima mencionada,
destacamos outro momento das orientações para leitura em que o foco é o autor. Vejamos o
comentário feito pela professora para a pergunta: No texto principal do anúncio, a anunciante
se dirige diretamente ao leitor e o torna evidente por meio da palavra ajude (você). E por
meio de outra palavra ele também se mostra e se inclui. Qual é essa palavra?:

Professora R: A palavra nossa. Bem claro, né? É só uma questão de


leitura. Quando você lê o texto... a pergunta do texto, automa-
ticamente o autor do texto sugere a resposta. Quando ele diz “nossa”,
isso quer dizer que a terra é dele como também do leitor, né?
123

Nessa orientação, o autor foi privilegiado e o leitor desprestigiado com relação à


construção de sentidos. A professora diz aos alunos que o autor já encaminha o sentido e
deixa explícito que os alunos devem percebê-lo. Tal atitude não concebe o texto como
processo que envolve atividades cognitivas e discursivas, além de os sentidos produzidos
como fenômenos colaborativos e dinâmicos, mas, sim como produtos fixos previamente
criados pelo autor. (MARCUSCHI, 2003). O professor impõe uma leitura que prioriza o autor
e encaminha o aluno sem fazê-lo questionar o que está escrito.
Constatamos, assim, que a prioridade das concepções eleitas pela professora R nas suas
práticas com o trabalho de leitura são aquelas que privilegiam o foco no autor e no texto.
Assim, como as demais professoras, manteve o trabalho prático em discordância às posições
construídas na entrevista, segundo a qual R elegeu como foco a interação e o texto.
Nosso objetivo com esta seção foi fazer reflexão sobre as concepções que têm sido
adotadas pelos professores nas orientações de leitura. Observamos que foi recorrente a eleição
de mais de uma concepção no trabalho prático e nos posicionamentos construídos nas
entrevistas, bem como a existência de contradições na eleição de algumas concepções
priorizadas. O reflexo dessas contradições e a falta de prioridade na eleição de uma concepção
que oportunize ao leitor compreender os textos dá-se em virtude de fatos que, provavelmente,
têm ligação com a formação anterior do professor, pois além de os fazerem eleger concepções
ineficientes, mantêm-nos, muitas vezes, reféns de algumas ideologias impregnadas nos
espaços escolares, as quais limitam o poder criativo. (BRASIL, 1998, 2002; KLEIMAN,
2007, 2008b; SILVA, 2009).

6.2 Estratégias eleitas para o ensino de leitura

Nesta seção analisaremos as estratégias de compreensão leitora utilizadas pelas


professoras para o ensino de leitura a fim de verificar se há harmonia entre o trabalho eleito
nas entrevistas e o prático. Após essa constatação, será possível entender as possíveis
concordâncias ou discordâncias entre teoria e prática. Para chegar ao objetivo que
percorremos, faremos a interpretação de trechos das aulas das professoras que atendem ao
foco de análise selecionado. Organizaremos a análise das estratégias considerando os
incentivos do professor antes, durante e depois da leitura, opção norteada pelas propostas de
Solé (1998). O objetivo do olhar sobre os procedimentos adotados nessa sequência é ressaltar
que as estratégias de leitura devem estar presentes ao longo de toda a atividade de leitura. É
possível que muitas estratégias possam aparecer em outra ordem e outras poderão estar
124

presentes antes, durante e depois da leitura.


Atentemos para as estratégias adotadas nos encaminhamentos de leitura realizados pelas
professoras a partir de trechos de algumas atividades selecionadas.

6.2.1 Estratégias eleitas pela Professora W

Para iniciar a atividade, a professora W distribuiu os textos para os alunos, orientou a


fazer uma leitura silenciosa fez algumas considerações sobre o texto em estudo e,
posteriormente, procedeu à leitura junto com os alunos. Vejamos as estratégias eleitas a partir
do trecho transcrito da atividade, para o qual realizamos a análise que segue.

Professora W: Nesse texto aqui eh... nós vamos trabalhar a questão,


além da questão do texto em si que eu acho muito interessante, não
sei se vocês... o que vocês perceberam desse texto já na primeira
leitura? Alguma coisa especial? Sim? O quê?
Aluno 1: Uma mensagem aqui muito importante pros dias de hoje.
Professora W: Muito importante mesmo, né? Quando a gente... qual o
título do texto?
Alunos: O diamante.
Professora W: O diamante, né? Quando a gente fala em diamante a
gente lembra do quê? De uma pedra? Pre:::ciosa. E essa pedra, essa
pedra está muito ligada a valores materiais, né isso? E aí, o que que
o texto mostra pra gente sobre esses valores? O que que esse... rapaz
aqui... consegue, dentro do texto, eh nos surpreender... A gente não
surpreende com a reação dele no texto? Quando a gente se coloca no
lugar dele, será se é fácil a gente se desfazer de coisas materiais, se
desprender facilmente como ele? É? Sinceramente?
Aluno 1: Impossível.
Professora W: Então, esse texto além da gente trabalhar a questão
dos valores, nós vamos procurar, também, exercitar o conteúdo que
nós vimos na semana passada que nós não tivemos a oportunidade de
trabalhar no texto. (...) Vamos fazer uma leitura coletiva, mais eu
gostaria que todo mundo lesse justamente pra exercitar, certo, a
leitura... eu não vou lê esse texto sozinha, se eu sentir que eu tô lendo
125

sozinha, vou parar pra escutar a voz de vocês. Vamos lá.

A professora começa, então, a ler com os alunos.

Professora W: Pronto, a gente parando o texto bem aqui, na primeira


parte do texto, o que que a gente percebe? Alguém que, né, na aldeia,
já estava de olho na pedra preciosa. Ia abordar o hindu atrás dessa
pedra. Continuando, a partir daí é que o texto vai nos surpreender,
vai dar uma... peguem aí o texto, vamos continuar... Vamos lá,
pessoal! Todo mundo lendo a última parte, que a parte mais
interessante do texto.

Depois da leitura:

Professora W: Então, certo. Esse texto realmente é uma riqueza,


vocês não acham? Ele dá uma lição de desprendimento.
Aluno 2: Eu queria um diamante desse!
Professora W: Aí a gente se faz essa pergunta: E eu, né? E o que que
o texto nos leva a pensar, nos leva a refletir? E você, daria o
diamante? E é claro que a gente se pergunta isso, né? E eu? Como é
que eu estou agindo em relação a esses valores? Então, é interessante
que a gente se coloque sempre no lugar dos dois porque o outro
também foi capaz de perceber, certo? Olha, vocês têm que
perceber..., vocês precisam perceber as duas atitudes, tanto daquele
que conseguiu dar o diamante e o outro que recebeu o diamante e
foi embora, mas ele... o que foi que aconteceu com ele? Ele conseguiu
perceber a grandiosidade, né da atitude do outro porque, de repente,
ele foi buscar o diamante e ele achava que ia ter uma reação, que ele
não ia receber o diamante, e tão facilmente, ele recebeu.

As transcrições acima surgiram da proposição de uma atividade para o estudo do texto


“O Diamante”. A professora W entregou cópias para os alunos, os quais foram orientados a
fazer uma leitura em dupla. Informou que após a leitura silenciosa seriam feitas considerações
para a leitura. Mesmo antes de informar o objetivo da leitura ou lançar estratégias para
126

perceber os conhecimentos prévios dos alunos, a professora propôs uma leitura silenciosa em
dupla.
A professora inicia a atividade de estudo do texto informando impressões construídas
por ela: Nesse texto aqui eh... nós vamos trabalhar a questão, além da questão do texto em si
que eu acho muito interessante, não sei se vocês..., fato que já evidencia ausência dos
procedimentos para compreender a produção que devem ser lançados antes da leitura do
texto, como: informação sobre os objetivos da leitura, diagnóstico de conhecimentos prévios,
ativação e/ou atualização de conhecimentos prévios, formulação de previsões sobre o texto.
Sabemos que o primeiro passo a ser tomado, antes da leitura, para atingir a compreensão
de um texto é identificar o objetivo a que ela se destina, pois segundo esse objetivo as
estratégias aplicadas serão diferenciadas. Percebemos que a professora W não segue esse
passo. Bortoni-Ricardo; Machado; Castanheira (2010) asseveram que ao professor cabe
delimitar o objetivo da leitura: “[...] antes da leitura, é importante que o professor determine
os objetivos daquela leitura e esclareça para que o texto deverá ser lido”. (p. 56). Solé (1998,
p. 92-93) manifesta entendimento sobre a eleição de estratégias adequadas para cada situação
“[...] os bons leitores, não lemos qualquer texto da mesma maneira, e que este é um indicador
da nossa competência: a possibilidade de utilizar as estratégias necessárias para cada caso”.
Segundo Bortoni-Ricardo; Machado; Castanheira (2010, p. 56-57), “além de explicitar
os objetivos, antes de iniciar a leitura, é relevante também ativar e/ou atualizar os
conhecimentos prévios dos leitores” e para chegar a esse objetivo é preciso “fazer um
diagnóstico do que os leitores sabem acerca do tema. Com esse diagnóstico será possível
avaliar a necessidade de prestar mais informações acerca do assunto”. Antes mesmo de ativar
e/ou atualizar os conhecimentos prévios dos alunos, a professora W já havia solicitado uma
leitura silenciosa e sobre ela questionou [...] o que vocês perceberam desse texto já na
primeira leitura? Alguma coisa especial? Sim? O quê?, fato que a impediu de saber o que os
alunos já conheciam e os seus interesses para abordar o texto. Os alunos, ainda, não haviam
sido encaminhados a construir hipóteses a serem testadas durante a leitura silenciosa. Solé
(1998) manifesta posição contrária sobre essa prática:

Esta bagagem condiciona enormemente a interpretação que se constrói e não se


refere apenas aos conceitos e sistemas conceituais dos alunos; também está
constituída pelos seus interesses, expectativas, vivências... por todos os aspectos
mais relacionados ao âmbito afetivo e que intervêm na atribuição de sentido ao que
se lê. (p. 104).

Logo, perceber os conhecimentos prévios (sobre assunto do texto, sobre autor, época da
127

obra, gênero textual) que os alunos detêm é tarefa necessária para proporcioná-los meios para
a construção de previsões sobre o texto. A fim de fazer essa construção, o professor deve
ajudar os alunos a prestar atenção a vários aspectos que os auxiliem a fazer ativação de
saberes, como: formato do texto, ilustrações, títulos e subtítulos, estrutura textual. (SOLÉ,
1998). A ausência de um efetivo trabalho inferencial não proporciona aos alunos antever o
conteúdo do texto e se questionar sobre as previsões realizadas.
Quando W perguntou sobre o que os alunos haviam percebido do texto na primeira
leitura, um aluno respondeu: Uma mensagem aqui muito importante pros dias de hoje. A
ausência de construção de antecipações pode proporcionar a esse aluno uma leitura única para
o texto, já que não foi orientado sobre as possibilidades que do texto poderiam surgir a partir
da construção de hipóteses, as quais devem ser testadas, reformuladas, até o leitor perceber,
no limite dos seus conhecimentos e das informações concedidas pela professora, sentidos
autorizados para o texto. Diante da resposta do aluno, comentou: Muito importante mesmo,
né?. Não identificamos a professora buscando informações do aluno que justificassem o
motivo da importância atribuída ao texto. Segundo Solé (1998), o professor precisa questionar
o aluno sobre as marcas do texto para construir uma interpretação, bem como a formulação e
testagem de hipóteses.
Mesmo sem ativar os conhecimentos prévios dos alunos, a professora invoca o título,
uma forma de construção de previsão que, geralmente, reflete o que será tratado no texto.
Detectamos, porém, que embora o título antevenha sentidos para o texto, a maneira como a
professora W conduziu a atividade, não desencadeou esse resultado. A professora pergunta:
[...] qual o título do texto?, os alunos respondem que seria o diamante e ela, apenas, confirma
a afirmação. Solé (1998) diz que o professor pode pedir aos alunos que leiam o título e, diante
disso, questione-os sobre o que trata a história, o que impulsionará a construção de
inferências.
No nosso caso, a professora W confirmou a resposta dada pelos alunos à pergunta meta-
linguística19 “qual o título do texto” e protagonizou interpretação, dizendo: Quando a gente
fala em diamante a gente lembra do quê? De uma pedra? Pre:::ciosa. E essa pedra, essa
pedra está muito ligada a valores materiais, né isso?. A professora adianta uma possível
resposta e a impõe como a única autorizada. Vejamos que ela se limita a suscitar previsões
para o texto, quando poderia fazê-los questionar, dentre outros, se o texto fala, de fato, de uma
pedra preciosa ou não, questionamentos que seriam respondidos e validados com a leitura do

19
Esse tipo de pergunta pertence a um estudo de Marcuschi (2003) denominado Tipologia das Perguntas de
Compreensão em LDP. Trataremos dessas tipologias em uma próxima seção desta dissertação.
128

texto.
Com base na constatação de que a professora protagoniza a leitura e desprestigia as
possíveis construções de previsões feitas pelos alunos, notamos que durante toda a atividade,
W não os instiga a assumir responsabilidade frente à leitura, a sua única estratégia é fazer com
que os alunos respondam aos questionamentos lançados por ela, eximindo-os de elaborar
interrogações. Essa informação fica clara a partir de: E aí, o que que o texto mostra pra gente
sobre esses valores? O que que esse... rapaz aqui... consegue, dentro do texto, eh nos
surpreender... A gente não surpreende com a reação dele no texto? Quando a gente se
coloca no lugar dele, será se é fácil a gente se desfazer de coisas materiais, se desprender
facilmente como ele? É? Sinceramente?. Um aluno responde a esse questionamento dizendo
apenas: Impossível. Mais uma vez, entendemos como Solé (1998, p. 110) que:

[...] podemos afirmar que, em seu ensino, os professores dedicam a maior parte das
suas intervenções a formular perguntas aos alunos e estes, logicamente, dedicam-se
a respondê-las, ou pelo menos a tentar. No entanto, alguém que assume
responsabilidade em seu processo de aprendizagem é alguém que não se limita a
responder às perguntas feitas, mas que também pode interrogar e se auto-interrogar.

Segundo a autora, quando o aluno-leitor cria perguntas pertinentes para o texto, utiliza
seu conhecimento prévio sobre o tema e, até sem intenção, conscientiza-se do que sabe e não
sabe sobre o assunto.
Durante a leitura do texto, o professor atua como mediador. Isso significa que os alunos
precisam, por intermédio do professor, selecionar marcas do texto, verificar hipóteses
construídas, reconstruí-las se necessário, devem, portanto, interpretá-lo. Para essa etapa da
atividade de leitura, além da leitura silenciosa, momento em que, segundo Solé (1998), o
aluno vai verificar se suas previsões se confirmam, o professor deve, em seguida, fazer uma
leitura simultânea com os alunos. Partilhamos com os PCN que esse momento consiste numa
atividade de colaboração entre professor e aluno. Colaborativa no sentido de que, durante a
atividade, o professor lê o texto com a classe e vai questionando os alunos sobre os índices
linguísticos que dão sustentação aos sentidos atribuídos. (p. 72).
Para realizar esse processo, a professora propôs: Vamos fazer uma leitura coletiva, mais
eu gostaria que todo mundo lesse justamente pra exercitar, certo, a leitura... eu não vou lê
esse texto sozinha, se eu sentir que eu tô lendo sozinha, vou parar pra escutar a voz de vocês.
Vamos lá. Vejamos que a professora propõe a estratégia de uma leitura coletiva e justifica
dizendo que seria para exercitar a leitura. Tal comentário nos possibilitou entender que a
professora está considerando, apenas, a leitura em voz alta como tarefa preponderante numa
129

atividade de leitura compartilhada, haja vista que asseverou: [...] se eu sentir que eu tô lendo
sozinha, vou parar escutar a voz de vocês.
A leitura em voz alta pode fazer parte da leitura simultânea, todavia ela não pode ser
apontada como meio para exercitar a leitura, como afirmou a professora W. Caso o objetivo
do professor seja outro, exceto a compreensão, isso será possível. A respeito dessa colocação,
apoiamo-nos em ideias defendidas por Kleiman (2008a) quando diz que se o professor tem
por objetivo perceber se o aluno conhece as regras ortográficas da língua (grafia e som),
perceber a dificuldade no reconhecimento e pronúncia das palavras, perceber se reconhece os
valores dos sinais de pontuação, a leitura em voz alta é adequada porque é possível avaliar
tudo isso por meio da decodificação. Todavia, se o interesse é a capacidade para compreender
um texto, fica inviável a opção pela leitura em voz alta. (p. 152-153).
Ainda a respeito de a professora W solicitar uma leitura coletiva que encaminha, mesmo
implicitamente, para decodificação, esclarecemos que o real objetivo do professor ao solicitar
uma leitura simultânea com os alunos seria fazê-los apreender todas as dimensões do texto.
A professora continua fazendo a leitura simultaneamente com os alunos, porém não
opta pela condução de estratégias para a compreensão do texto. Em determinado momento da
leitura, a professora para e chama atenção dos alunos: Pronto, a gente parando o texto bem
aqui, na primeira parte do texto, o que que a gente percebe? Alguém que, né, na aldeia, já
estava de olho na pedra preciosa. Ia abordar o hindu atrás dessa pedra. Constatamos que a
professora assume a construção de sentidos para o texto e o aluno é levado a tomá-la como
versão autorizada. Não observamos a professora W oportunizando os alunos a discutirem com
o texto por meio de intervenções, questionamentos que os instigassem a construir sentidos
autorizados e justificar por que são autorizados.
Após ter construído algumas ideias sobre o texto, W chama os alunos a prosseguirem a
leitura e afirma: Continuando, a partir daí é que o texto vai nos surpreender, vai dar uma...
peguem aí o texto, vamos continuar... Vamos lá, pessoal! Todo mundo lendo a última parte,
que a parte mais interessante do texto. A professora continua empreendendo uma
interpretação para o texto e a direcionando aos alunos, além de apontar a última parte do texto
como a mais importante. Quando a professora faz essa última consideração, parece-nos não
entender leitura como processo em que as várias partes do texto se aglutinam a fim de formar
uma unidade. (SILVA, 1999).
Após a leitura, consideramos que o professor deve verificar se os alunos realmente o
compreenderam. É o momento de avaliar a leitura. Depois da leitura do texto “O Diamante”, a
professora considerou: Esse texto realmente é uma riqueza, vocês não acham? Ele dá uma
130

lição de desprendimento. A professora W não verifica, por meio dessa colocação, o que se
apreendeu da leitura, mas, sim continua a construir uma interpretação como a autorizada para
o texto, prática recorrente em outros trechos analisados.
Ao final do processo de leitura, a professora W não utiliza o recurso de avaliação dessa
leitura, o que se comprova com o longo, porém necessário, trecho em destaque: Aí a gente se
faz essa pergunta: “E eu, né? E o que que o texto nos leva a pensar, nos leva a refletir? E
você, daria o diamante? E é claro que a gente se pergunta isso, né? E eu? Como é que eu
estou agindo em relação a esses valores? Então, é interessante que a gente se coloque sempre
no lugar dos dois porque o outro também foi capaz de perceber, certo? Olha, vocês têm que
perceber..., vocês precisam perceber as duas atitudes, tanto daquele que conseguiu dar o
diamante e o outro que recebeu o diamante e foi embora, mas ele... o que foi que aconteceu
com ele? Ele conseguiu perceber a grandiosidade, né da atitude do outro porque, de repente,
ele foi buscar o diamante e ele achava que ia ter uma reação, que ele não ia receber o
diamante, e tão facilmente, ele recebe.
A partir do trecho acima, não temos dúvidas de que a professora não levanta
questionamentos a fim de fazer com que os alunos refletem e formulem perguntas sobre o
texto para auxiliá-los na compreensão, contudo antecipa um sentido por ela construído.
Estabiliza o sentido informando aos alunos Olha, vocês têm que perceber..., vocês precisam
perceber, levando, assim, os leitores a extrair informações já construídas no texto. Ela não
priorizou, por exemplo, a elaboração de resumos, paráfrases ou quaisquer outras atividades
que fizessem os alunos avaliarem a compreensão do texto, preferindo, na sequência, propor
uma outra atividade sem qualquer ligação com a leitura realizada.
Diante das estratégias de leitura para trabalhar o texto “O Diamante”, verificamos que a
participação dos alunos foi mínima. Eles não interagiram, significativamente, com o texto e o
trabalho de mediação não foi eficaz.
Na prática, em sala de aula, pelo fato de não ensinar estratégias de compreensão leitora,
W não incentiva os alunos a assumir responsabilidade pela leitura, pois a resposta pronta
predomina durante toda a atividade. Verificamos que, no cotidiano de orientações leitoras, a
professora não ensina estratégias de leitura, além de não haver uniformidade no entendimento
de texto como desencadeador de vários sentidos a serem construídos pelo leitor.

6.2.2 Estratégias eleitas pela professora M

Analisaremos, agora, os procedimentos de leitura selecionados pela professora M a fim


131

de fazer o estudo da crônica “A outra noite”. Esse texto está no livro didático adotado no ano
anterior à nossa pesquisa. Vejamos as estratégias selecionadas:

Professora M: Aí, nós temos um exemplo de uma narrativa que é uma


crônica de Rubem Braga. Qual é o título?
Alunos: A outra noite
Professora M: Certo. Le:::ia aí o vocabulário, Adriano. São aquelas
palavras que o autor do livro destaca aqui no texto. Vamos ver aí esse
texto, gente. Então, uma crônica é uma narrativa, certo, que
apresenta esses elementos que a gente acabou de ver [refere-se aos
elementos da narrativa], são acontecimentos que acontecem em
algum lugar, num determinado momento, eh... e há um
desenvolvimento, né de ações e é um texto não muito longo... e que
relata fatos, né, que aconteceram e que o... quem escreve aqui ele usa
assim uma linguagem eh... uma linguagem assim diferente, sabe?,
enfeitada. Vocês vão ver quando tiverem lendo o texto, tá? Ele não
usa assim uma linguagem muito comum, não é? Mas ele usa uma
linguagem especial, assim enfeitando, como nas poesias, tá? Não é
uma poesia, mas um relato. Vamos ver quem gostaria de ler. Você
[referindo-se a uma aluna] pode ler o primeiro parágrafo. Vamos
prestar atenção aí, gente. Pra quando ela terminar, outra pessoa
continuar. Aí você lê até a palavra linda e... quem vai terminar de ler
esse texto?
Alunas leram o texto, após a leitura, a professora perguntou:
Professora M: Ele descreveu aí, o quê? As...
Aluno 1: As paisagens.
Professora M: As nuvens, não foi? Observe aí a linguagem, viu?
Como ele usa as palavras, né? Quem tá contando a história, o
narrador. Aí as formas verbais, viu? Vocês viram aí que o texto...
ele... vocês viram aí que aparecem algumas descrições? Viram? Há
uma descrição, ele descreve o quê?
Aluno 1: O céu, as nuvens...
Professora M: E ah...? A noite né? Quer dizer, ele descreve o tempo,
como ele tava, mas ele também já fala como é que... que... deve estar
132

a noite acima das nuvens, não é? Que abaixo das nuvens, como se vê
aqui na terra, tava fechado, né isso, escura, ele usa a palavra preta,
mas ele imagina como é que tá o céu acima das nuvens. (...) Mas aí
ele conta também o quê? Acontecimentos, não é? Olha, gente... vamos
dar mais uma lidinha no texto.

Observamos, nesse trecho, que a professora M não realiza os procedimentos esperados


para antes da leitura. Os alunos não foram informados sobre o objetivo da leitura, e esse deve
ser o primeiro passo a ser tomado antes do seu início. Pesquisas discutidas por Solé (1998)
divulgam que “os objetivos da leitura determinam a forma em que um leitor se situa frente ela
e controla a consecução do seu objetivo, isto é, a compreensão do texto”. (p. 92). Quando o
leitor tem discernimento dos objetivos traçados para a leitura, ele seleciona as estratégias
adequadas para a sua compreensão.
A professora inicia dizendo Aí, nós temos um exemplo de uma narrativa que é uma
crônica de Rubem Braga. Qual é o título?. Sabemos que antes de a professora proporcionar
meios, como ativar o título do texto, para construir previsões, precisa ativar e /ou atualizar os
conhecimentos prévios (saberes sobre autor e assunto do texto, gênero em que o texto foi
escrito) por meio de um diagnóstico do que os alunos sabem a fim de conceder mais
informações. Após esse diagnóstico, o professor pode encaminhar os alunos para elementos
como o formato, a estrutura e o título do texto, os quais permitem levantar hipóteses a serem
testadas durante a leitura. Com a atitude tomada pela professora, anula-se uma etapa de
extrema importância para o trabalho inferencial.
Em relação ao título do texto, elemento importante para antecipar sentidos para o texto,
percebemos que M apenas pergunta aos alunos sobre qual seria o título do texto e eles
respondem A outra noite. A professora não faz nenhum questionamento sobre o que trata a
história, de forma que o seu comportamento, na mediação da atividade, não oportunizou aos
alunos antecipar informações sobre o texto. Não foram levados a abrir discussões sobre os
possíveis sentidos da produção, mas, apenas, localizar o título e reproduzir. Esse tipo de
prática é discordante ao que os PCN preveem: “Ao professor cabe planejar, implementar e
dirigir as atividades didáticas, com o objetivo de desencadear, apoiar e orientar o esforço de
ação e reflexão do aluno [...]”. (p. 22).
Como já visto na teoria levanta para a análise das estratégias da professora W, durante a
leitura do texto, cabe ao professor ser o fornecedor de instruções para que o aluno-leitor
chegue à compreensão do texto. Exige-se do leitor que encontre marcas textuais, observe a
133

efetividade das hipóteses construídas e, caso não sejam exitosas, tenham condições de
reconstruí-las.
Para iniciar a leitura, a professora assim se manifestou: Le:::ia aí o vocabulário, X. São
aquelas palavras que o autor do livro destaca aqui no texto. A professora solicita que o aluno
leia o vocabulário que foi trazido pelo livro após o texto. O aluno leu as palavras todas, mas
em nenhum momento foi percebida o valor que assumiam dentro de uma situação contextual.
Tal prática não é vista como a melhor forma de se chegar ao sentido de um vocábulo, haja
vista que é possível inferir o significado a partir do contexto linguístico, tal atitude repercute
sobre as estratégias de inferência lexical.
Na sequência, a professora não procede a uma leitura simultânea com os alunos. Não
assume papel de mediadora, atitude necessária para que o aluno, por meio das instruções
fornecidas, possam analisar marcas textuais, testar sentidos construídos ou elaborar novos
sentidos. (BRASIL, 2002). Ao invés de discutir o texto e incluir os alunos no processo de
significação, M traça algumas características sobre o gênero crônica. Observemos as
características priorizadas: Vamos ver aí esse texto, gente. Então, uma crônica é uma
narrativa, certo, que apresenta esses elementos que a gente acabou de ver [refere-se aos
elementos da narrativa], são acontecimentos que acontecem em algum lugar, num
determinado momento, eh... e há um desenvolvimento, né de ações e é um texto não muito
longo... e que relata fatos, né, que aconteceram e que o... quem escreve aqui ele usa assim
uma linguagem eh... uma linguagem assim diferente, sabe?, enfeitada.[...] Mas ele usa uma
linguagem especial, assim enfeitando, como nas poesias, tá? Não é uma poesia, mas um
relato.
Observamos que a professora demonstra pouca prioridade para tratar do gênero crônica.
Ressaltamos que a caracterização dos encaminhamentos de leitura para trabalhar com alguns
gêneros selecionados pelos professores será feito na próxima seção deste texto. A professora
não levanta discussões sobre os sentidos do texto em estudo, traça, apenas, algumas
caracterizações sobre o gênero crônica como uma narrativa breve que relata fatos do
cotidiano. Não demonstra prioridade quando trata da linguagem usada nas crônicas: [...] quem
escreve aqui ele usa assim uma linguagem eh... uma linguagem assim diferente, sabe?,
enfeitada.[...], pois é característica do gênero empregar linguagem simples.
Nas considerações feitas para a crônica, M desconsidera aspectos comunicativos e
interacionais, os quais serão necessários para os alunos perceberem a função (como discussão
sobre os problemas sociais e as fraquezas do homem a fim de amadurecer a sua visão de
mundo) desempenhada pelo gênero. Segundo os PCN, reconhecer forma e função dos gêneros
134

são aspectos importantes para que o leitor selecione procedimentos adequados para a leitura
em quaisquer outros contextos que apareçam. A professora não selecionou estratégias que
permitissem os alunos construir sentidos para o texto.
M não optou pela leitura simultânea. Em vez disso, convoca: Vamos ver quem gostaria
de ler. Você [referindo-se a uma aluna] pode ler o primeiro parágrafo. Vamos prestar
atenção aí, gente. Pra quando ela terminar, outra pessoa continuar. Aí você lê até a palavra
linda e... quem vai terminar de ler esse texto?. A falta de opção pela leitura colaborativa, não
estimula os alunos a criarem sentidos para o texto. A atividade de leitura não foi orientada
satisfatoriamente, pois M solicitou que fizessem leitura, mas não preparou os alunos para
engajarem seus conhecimentos prévios antes de ler a fim de facilitar a compreensão.
Além disso, a professora procedeu a uma segmentação do texto quando pediu que cada
aluno fizesse a leitura de um fragmento: Você [referindo-se a uma aluna] pode ler o primeiro
parágrafo.[...] quando ela terminar, outra pessoa continuar. Aí você lê até a palavra linda
e... quem vai terminar de ler esse texto?. De acordo com Kleiman (2008a), a segmentação do
texto impede o leitor de integrar as informações do texto, pois somente com uma leitura
global, os leitores têm condições de integrar as informações e realizar paráfrases por meio de
um texto coeso e coerente. (p. 155).
Após a leitura realizada pelas alunas, a professora não propôs reflexão. De acordo com a
Proposta do 2º segmento de EJA, sabendo que os textos são plurissignificativos, já que os
sujeitos têm conhecimentos de mundo leitor diferentes, é necessário que o professor proponha
discussões sobre as leituras realizadas a fim de inspirar reflexões sobre elas. Os alunos vão
concordar ou discordar de algumas leituras, típico movimento para haver reflexão e
criticidade. Concentrou-se, apenas, em fazer constatações do que estava inscrito no texto.
Percebamos essa constatação na fala de M: [...] ele descreve o tempo, como ele tava, mas ele
também já fala como é que... que... deve estar a noite acima das nuvens, não é? Que abaixo
das nuvens, como se vê aqui na terra, tava fechado, né isso, escura, ele usa a palavra preta,
mas ele imagina como é que tá o céu acima das nuvens. (...) Mas aí ele conta também o quê?
Acontecimentos, não é?.
Após essas considerações, a professora propõe: Olha, gente... vamos dar mais uma
lidinha no texto. Percebemos que, talvez, por polidez linguística a professora tenha usado a
forma “nós”, pois a leitura foi feita apenas por ela, enquanto os alunos escutavam. No
decorrer da leitura, a professora não parou em nenhum momento para fazer qualquer
discussão sobre o texto, não fez questionamentos para estimular os alunos na construção de
sentido.
135

Após a leitura, M considerou:

Professora M: Ok. Essa crônica aí é de Rubem Braga. Bem, então... a


crônica é um texto narrativo que conta fatos do dia-dia, coisas que
podem acontecer com a gente. Vamos, agora, responder aí essas
questões sobre a crônica.

Percebamos que a professora não estimulou os alunos a fazer avaliação da leitura.


Porém, repetiu algumas afirmações como a consideração que o texto era uma narrativa que
pertencia ao gênero crônica, a qual trata de fatos do cotidiano e que o seu autor era Rubem
Braga. Anunciou, também, que os alunos deveriam responder algumas questões sobre o texto,
uma atividade proposta pela professora. Seria importante que a professora, também, desse
oportunidade para os alunos criarem perguntas para o texto, e não, apenas, responder àquelas
que o professor propõe.
Contatamos que na práxis de orientações leitoras não houve ensino de procedimentos
metodológicos. Os alunos não foram incentivados a construir compreensão para o texto. .

6.2.3 Estratégias eleitas pela professora V

Partimos, agora, para a análise das estratégias utilizadas pela professora V a fim de
realizar o estudo do texto “A escola da Mestra Silvina”. Esse texto está no livro didático
adotado no ano anterior à nossa pesquisa. A professora começou a atividade fazendo
considerações sobre o vocabulário trazido pelo livro, prosseguiu fazendo comentários sobre o
texto e, posteriormente, fez a leitura acompanhada por alguns alunos. Vejamos o trecho:

Professora V: Vamos ver aqui o vocabulário desse texto. Vou ler aqui
o vocabulário que o livro trouxe para a gente aprender o significado
dessas palavras. Eu quero que vocês relembrem que esse texto aqui tá
escrito em prosa ou em verso? É em verso, né? Se ele tá escrito em
verso ele é uma poesia, né? Ele é uma poesia que tem uma linguagem
bem... medida, né, tem palavras que a gente não usa mais, como
alcova que significa quarto de dormir. A poetisa Cora Coralina,
quando escreveu esses versos aqui, ela tava relembrando... uma
época da vida dela em que ela estudava e que se você for comparar as
136

situações que ela viveu, ela disse que lá no canto, bem aqui ela
relembra uma parte que ela diz que tinha uma palmatória, né?
Quando eu estudei a:::inda tinha palmatória, né? E, hoje, é bem
diferente a forma como os professores trabalham, como os
professores tratam os alunos [...] Bom, e outra, na parede, ela
relembra que tinha a foto de quem? Vocês estão lembrados?
Alunos: Deodoro e Floriano.
Professora V: E quem foi Deodoro e Floriano?
Alunos: Dois presidentes.
Professora V: Dois presidentes da república, né? Ela... descreve, é
uma poesia descritiva, né? Uma poesia que ela descreve com detalhes
a sala de aula, ela relembra do nome dos amigos da chamada, né?
Ela fala Antônio, Juca, João de Araújo. Ela se lembra dos detalhes,
ela se lembra até do cheiro de rabugem dos cachorros, né, que é uma
doença que o cachorro tem que ele perde o pelo. Ela lembra da mesa
que era uma mesorra. Pois vamos fazer uma leitura aí, por favor.
Queria que vocês acompanhassem e tentassem ler junto comigo.

A professora procedeu à leitura do texto e alguns alunos


acompanharam.

Professora V: Gente, o nosso texto é escrito... é um texto escrito em


verso porque é uma poesia e qual é o assunto principal que ela trata
aqui? Ele descreve que ambiente? O que o texto tá querendo dizer aí?
Aluno: Sala de aula.
Professora V: Sala de aula, né? Se vocês fizerem uma comparação
dessa sala de aula na Cora Coralina do tempo que ela estudou com a
nossa sala de aula vocês vão... tem alguma situação parecida? Ele
descreve um ambiente detalhado: o corredor era de laje. Hoje em dia
nós ainda temos escolas com corredores? Não, hoje elas são bem
abertas, né, bem amplas. As escolas antigamente eram mais fechadas,
cheias de corredores escuros, a mesa, naquela época, as mesas... era
uma mesa grande, coletiva para vários alunos e, hoje, ainda é assim?
Alunos: Não.
137

Professora V: Não é não, né? Bom, nas escolas, nós ainda


encontramos a foto... a fotografia dos presidentes da república?
Alunos: Não.
Professora V: A gente normalmente vê nas escolas a foto do patrono
da escola. Aqui é pra ter na entrada uma foto da professora (...), eu
mesma não conheço. Então, a gente... nas escolas, elas recebem um
nome em homenagem a uma pessoa ilustre da cidade que trabalhou
pela educação ou que foi um cidadão que trabalhou muito. Então, a
professora (...) deve ter sido uma professora muito dedicada pra
receber uma homenagem, né? Então, a mestra Silvina que ela
homenageia aqui nessa poesia deve ter sido muito dedicada, apesar
da rigidez. A gente percebe que na parede tinha o que dependurada?
Alunos: Palmatória.
Professora V: A palmatória, né? Eu perguntei quem estudou na época
da palmatória, eu estudei... . O senhor J [aluno da turma] também
estudou. Eu perguntei à G [aluna da turma] se ela conhecia a palavra
alcova como quarto de dormir porque é uma palavra muito antiga. Eu
nunca tinha ouvido falar nessa palavra. Antigamente, tinha escola só
pra rapazes e escola só pra moças. Nós temos o Colégio Estadual ali,
ele foi criado tem uns setenta anos e foi criado só pra rapazes. E
tínhamos a escola Normal que era só pra moças e tínhamos, ainda,
numa época mais antiga, há cem anos atrás, quando foi fundado o
Colégio das Irmãs, era só pra moças e lá o propósito era formar
do:::nas de casa. A maioria dos rapazes, como o colégio São Luiz
Gonzaga que é o Colégio Diocesano hoje era um colégio pra
seminário, para formar padres. Era muito tradicional, nas famílias de
um século atrás, toda família queria que tivesse um padre e as moças
tinham que ser pren:::dadas ou tinha que ter uma freira. Então, as
escolas..., bem na época que a Cora Coralina estudou, eram rígidas.
Lembram que ela fala bem aqui que toma a bença à mestra, né? Os
professores eram muito rígidos, não tem essa abertura que tem hoje
do aluno conversando com o professor. Até na época que eu estudei, o
professor ficava num certo... mantinha uma certa distância do aluno.
Hoje em dia o professor... ele... ganhou intimidade com o seu aluno,
138

mas essa intimidade também trouxe um lado ruim que foi o


desrespeito. O desrespeito para com o professor ele é bem maior. Se
você for comparar a situação em que a mestra Silvina deu aula com
uma professora de hoje, com uma professora dos nossos dias, você vê
crianças pequenas que desrespeitam o professor. Naquela época eles
temiam o professor, o professor era uma autoridade e, hoje, não. O
professor é visto de igual pra igual, né? Ela é uma poesia descritiva
porque ela descreve detalhadamente a sala de aula, a professora, o
colégio. Ela se lembra do armário que era muito velho, da mesa...
Eu vou pedir a Y que leia seis versos do texto e depois eu peço para
outro continuar. Olha, outra coisa que eu queria falar pra vocês... era
isso aí [...] um momento que ela reviveu da vida dela na infância [...]
ela já era uma senhora bem idosa quando ela começou a publicar os
livros dela, né, essa escritora, ela era goiana e se você percebe pela
riqueza de detalhes [...] ela voltou no tempo para reviver isso aí, né?
Outra coisa que eu achei interessante foi o vocabulário usado por ela,
né, palavras que nós praticamente não usamos mais hoje. Eu pedi
também para vocês responderem as questões de interpretação do
texto, mas se não tiverem respondido não tem problema não.

Notemos que, mais uma vez, deparamo-nos com a ausência de tarefas que antecedem à
leitura do texto. Para que a leitura tenha o sucesso pretendido, preliminarmente, espera-se que
o professor explicite a finalidade dela, o objetivo a que se destina. Kirsh (2004 apud
BORTONI-RICARDO; MACHADO; CASTANHEIRA, 2010, p. 56) afirma que “a leitura é
realizada de acordo com o objetivo que se tem diante de um texto, uma vez que os leitores
reagem a um determinado texto de maneiras diversas à medida que buscam utilizar e
compreender o que estão lendo”. A professora V não segue esse passo, pois inicia o texto
fazendo a leitura das palavras trazidas pelo vocabulário do livro.
A professora não ativa os conhecimentos prévios dos alunos, assim não tem prioridade
do que os alunos conhecem ou dos conhecimentos que precisa atualizar, processo de expansão
do conhecimento de mundo leitor. A etapa seguinte, que ainda faz parte das tarefas realizadas
antes do início da leitura, consiste em fazer previsões sobre o texto. Para realizar tal ação, o
leitor deve trazer seus objetivos e conhecimentos arquivados. Durante a leitura, com a
139

mediação do professor, o aluno deve testar as antecipações construídas. Esta etapa do trabalho
inferencial não foi realizada pela professora. Percebamos que, durante toda a discussão, V não
se referiu ao título, elemento que já prediz ideias que serão tratadas no texto.
Segundo as teorias já apresentadas, durante a leitura do texto, o professor deve
encaminhar o aluno a assumir o papel de protagonista da leitura. Para isso, deve fornecer
orientações para que os próprios leitores construam sentidos, e não assumam postura passiva,
por exemplo, repetindo aquilo que o professor pode construir. Os alunos devem buscar
indícios textuais para testar suas hipóteses ou, se necessário, reconstruí-las, apoiados em seu
conhecimento. O professor assume, nessa atividade, o papel de mediador que poderá oferecer
suportes para enriquecer as predições. A professora V não colabora com esse processo, haja
vista que não oportunizou os alunos a realizarem uma leitura silenciosa, cuja atividade
consiste em checar as previsões construídas.
Inicia a leitura com a seguinte colocação: Vamos ver aqui o vocabulário desse texto.
Vou ler aqui o vocabulário que o livro trouxe para a gente aprender o significado dessas
palavras. Leu todas as palavras trazidas pelo vocabulário do livro e julgou que a leitura
levaria a aprender o significado. Vejamos que não faz referência ao emprego dessas palavras
em situação contextual. Não incentivou os alunos a perceber que o significado das palavras
deve ser construído dentro do texto. Constatamos que a professora não incentiva os alunos a,
durante a leitura, chegar a um significado aproximado para os termos desconhecidos, pois
eles, nem sempre, impedirão o entendimento.
O professor, neste caso, não se dá conta de que palavras poderão ser desconhecidas
pelos alunos, mas inferíveis por meio do contexto, bem como aquelas que não podem ser
inferidas e aquelas que têm uma significação, também contextualizada, contudo mais exata.
Em seguida, V não opta por fazer a leitura com os alunos a fim de lhes encaminhar
questionamentos, constantes intervenções que proporcionarão julgar entendimentos
construídos ou reorganizá-los com base em elementos da estrutura textual. Não discute o texto
para incluir os alunos no processo de significação e pondera: Eu quero que vocês relembrem
que esse texto aqui tá escrito em prosa ou em verso? É em verso, né? Se ele tá escrito em
verso ele é uma poesia, né? Ele é uma poesia que tem uma linguagem bem... medida, né, tem
palavras que a gente não usa mais, como alcova que significa quarto de dormir. Observamos
que a preocupação inicial da professora é com a forma em que o texto foi escrito, se em prosa
ou verso. Lança a pergunta e, em seguida, responde-a: É em verso, né?. Faz caracterizações
sobre a linguagem da poesia e informa que o texto é composto por palavras linguisticamente
saturadas: [...] tem palavras que a gente não usa mais, como alcova que significa quarto de
140

dormir. A professora não oportunizou os alunos perceberem o uso dessas palavras e não
optou por estratégias para que chegassem a essa percepção.
Mesmo sem, ainda, ter solicitado uma leitura silenciosa ou ter realizado uma leitura
simultânea, as quais dariam ao aluno oportunidade de participar da construção de sentidos do
texto, V constrói ponderações: A poetisa Cora Coralina, quando escreveu esses versos aqui,
ela tava relembrando... uma época da vida dela em que ela estudava [...] ela disse que lá no
canto, bem aqui ela relembra uma parte que ela diz que tinha uma palmatória, né? ... quando
eu estudei a:::inda tinha palmatória, né? E, hoje, é bem diferente a forma como os
professores trabalham, como os professores tratam os alunos [...]. Com essas colocações,
fica claro que a professora não estimula os alunos a assumirem responsabilidade pela leitura,
pois levanta contextualizações que deveriam ter sido criadas, por meio de um trabalho de
mediação, pelos alunos.
Considerando o trecho transcrito no parágrafo acima, Kleiman (2007, p. 49) afirma que
“[...] a leitura é um ato individual de construção de significado num contexto que se configura
mediante a interação entre autor e leitor [...]”, portanto cada leitor usa seus conhecimentos,
interesses e objetivos na construção de um possível sentido. Reiteramos que V não
proporciona essa construção, nem mesmo, teria bases para eleger procedimentos de leitura,
haja vista que ainda não havia realizado uma checagem dos conhecimentos prévios dos
alunos.
Embora a professora não tenha solicitado e realizado com os alunos leitura do texto,
questiona-os: Bom, e outra, na parede, ela relembra que tinha a foto de quem? Vocês estão
lembrados?. Acreditamos que assume essa postura em virtude de ter solicitado, em aula
anterior, que os alunos fizessem a leitura do texto em casa. Neste caso, a professora apenas
confere se o aluno cumpre uma tarefa. Não é possível verificar as construções realizadas pelos
alunos já que não houve uma leitura compartilhada nem um trabalho inferencial, os quais
necessitam de mediação.
Em resposta à pergunta de quem seria a foto que estava na parede, os alunos
responderam: Deodoro e Floriano. V questionou quem seriam eles e teve como resposta: dois
presidentes. Sobre a resposta dos alunos a professora comentou: Dois presidentes da
república, né. Não questionou o fato de haver ou não, em algumas escolas, fotos de
presidentes da república ou a razão da existência de fotos dos fundadores das instituições, no
entanto, encaminhou os alunos para um sentido por ela pretendido ao questionar: Bom, nas
escolas, nós ainda encontramos a foto... a fotografia dos presidentes da república? Vejamos
que a professora encaminha os alunos para uma resposta negativa, fato que se verifica pelo
141

uso do advérbio “ainda” e a construção da interrogação. À pergunta, os alunos se


manifestaram: não.
A respeito das fotos dos fundadores das instituições, vejamos que a professora não fez
os alunos refletirem sobre a razão da existência dessas fotos e o que a ausência delas
denunciaria. Motivou-se a construir uma constatação ao dizer: A gente normalmente vê nas
escolas a foto do patrono da escola. Aqui é pra ter na entrada uma foto da professora (...) [o
nome da escola foi dada em homenagem a essa professora], eu mesma não conheço. Então, a
gente... nas escolas, elas recebem um nome em homenagem a uma pessoa ilustre da cidade
que trabalhou pela educação ou que foi um cidadão que trabalhou muito. Então, a professora
(...) deve ter sido uma professora muito dedicada pra receber uma homenagem, né? Então, a
mestra Silvina que ela [a autora do texto] homenageia aqui nessa poesia deve ter sido muito
dedicada, apesar da rigidez. Solé (1998) diz que ao professor cabe a tarefa de fazer o aluno se
interrogar sobre a leitura, pois o leitor é o responsável pelo seu processo de aprendizagem.
Notamos que V não propicia que essas atitudes sejam tomadas.
Em vários momentos, a professora vai antecipando informações e construindo
significados sem saber se os alunos necessitam dessas intervenções: [...] ela relembra do
nome dos amigos da chamada, né? Ela fala Antônio, Juca, João de Araújo. Ela se lembra dos
detalhes, ela se lembra até do cheiro de rabugem dos cachorros, né, que é uma doença que o
cachorro tem que ele perde o pelo. Ela lembra da mesa que era uma mesorra. O trabalho de
construção de sentidos permanece concentrado nas mãos da professora.
Após ter feito várias considerações sobre o texto, a professora propôs: Pois vamos fazer
uma leitura aí, por favor. Queria que vocês acompanhassem e tentassem ler junto comigo.
Embora V tenha feito a leitura em voz alta acompanhada por alguns alunos, não desempenhou
o papel de mediadora, visto que não incluiu os leitores no processo de significação. O trabalho
colaborativo em leitura se justifica como uma forma de compreender o texto, logo os alunos
precisam testar e, se necessário, refazer algumas previsões. Não entendemos que V tenha
procedido a um estudo simultâneo, mas, sim a uma leitura sem orientação, pois não preparou
os leitores “para engajar seu conhecimento prévio antes de começar a ler” (KLEIMAN,
2008a, p. 154).
Após ter realizado a leitura, V continua não dando aos alunos condições de interagir
com o texto. Vejamos o que considerou: Gente, o nosso texto é escrito... é um texto escrito em
verso porque é uma poesia e qual é o assunto principal que ela trata aqui? Ele descreve que
ambiente? O que o texto tá querendo dizer aí?. Não realiza nenhuma consideração quanto à
função do gênero e, quanto à forma, justifica que o texto é uma poesia porque está escrito em
142

verso.
Em referência ao processo de significação, vejamos que a professora pergunta aos
alunos o que o texto está querendo dizer. Com tal postura, V desconsidera a bagagem
sociocognitiva do leitor e o inibe a assumir atitude interacional diante do texto.
A professora continua assumindo a interpretação do texto e, em certos momentos, tenta
aproximar os alunos de contextos que tenham uma ligação com o que trata o texto, porém V
não oportuniza aos alunos ativar esses contextos, ela mesma vai assumindo a interpretação e
os ativando. Vejamos alguns trechos em que esse comportamento fica nítido: Se vocês fizerem
uma comparação dessa sala de aula da Cora Coralina do tempo que ela estudou com a nossa
sala de aula vocês vão... tem alguma situação parecida? Ele descreve um ambiente
detalhado: o corredor era de laje. Hoje em dia nós ainda temos escolas com corredores? E
continua em outros momentos do texto: Era muito tradicional, nas famílias de um século
atrás, toda família queria que tivesse um padre e as moças tinham que ser pren:::dadas ou
tinha que ter uma freira. Então, as escolas..., bem na época que a Cora Coralina estudou,
eram rígidas. Lembram que ela fala bem aqui que toma a bença à mestra, né? Os professores
eram muito rígidos, não tem essa abertura que tem hoje do aluno conversando com o
professor. Até na época que eu estudei, o professor ficava num certo... mantinha uma certa
distância do aluno. Hoje em dia o professor... ele... ganhou intimidade com o seu aluno, mas
essa intimidade também trouxe um lado ruim que foi o desrespeito. O desrespeito para com o
professor ele é bem maior.
Vejamos que os contextos ativados são interessantes, têm ligação com o sentido global
do texto, todavia são protagonizados pela professora e retira dos alunos a oportunidade de
utilizar seus conhecimentos prévios para situar a leitura e atribuir sentidos a ela.
Em determinado momento, durante a discussão do texto protagonizada pela professora,
solicita: Eu vou pedir a Y que leia seis versos do texto e depois eu peço para outro continuar.
Observamos que após a leitura realizada pelas alunas não foi proposta nenhuma reflexão, logo
não se percebeu um real objetivo para a atividade. Observamos, ainda, que a professora
fragmenta a leitura, pedindo para cada aluno ler um “pedaço” do texto.
Em última análise, V explicita interpretações realizadas por ela: Olha, outra coisa que
eu queria falar pra vocês... era isso aí [...] um momento que ela reviveu da vida dela na
infância [...]20 Outra coisa que eu achei interessante foi o vocabulário usado por ela, né,
palavras que nós praticamente não usamos mais hoje. Não construiu estratégias para perceber

20
Esta sinalização não faz parte das convenções de transcrição. Foi utilizada aqui para marcar que de uma fala
maior retiramos apenas alguns trechos.
143

se os alunos têm o mesmo entendimento, atitude que centraliza o texto nas mãos do professor.
Após a leitura do texto, V diz: Eu pedi também para vocês responderem as questões de
interpretação do texto, mas se não tiverem respondido não tem problema não. Percebemos
não ter havido avaliação da leitura. A professora não aplica estratégias para verificar se
realmente houve compreensão do texto.
Após análise das possíveis estratégias eleitas pela professora na prática de orientações
para leitura constatamos que não há ensino de estratégias leitoras. Os alunos não são
encaminhados para a construção de sentidos. V apresenta algumas orientações para leitura,
todavia não ensina para os alunos procedimentos que devem acessar para chegar à
compreensão dos textos.

6.2.4 Estratégias eleitas pela professora R

Analisaremos, agora, as estratégias de leitura selecionadas pela professora R para fazer


o estudo do texto “A escola da Mestra Silvina”. Esclarecemos que, assim como a professora
V, R também utilizava o mesmo livro, cuja adoção foi feita por todas as escolas do município
até o ano anterior à nossa pesquisa. A professora inicia a atividade fazendo algumas
considerações sobre o texto, fez uma leitura dele, em seguida, teceu mais alguns comentários
e, posteriormente, pediu que os alunos fizessem a leitura em voz alta. Vejamos:

Professora R: Quando a poetisa escreveu esse texto, ela tinha uma


lembrança assim muito carinhosa da escola. Assim como nós, vocês
que já passaram por outras escolas, que gostaram, com certeza, tem
alguma escola que já marcou a vida de vocês, né? Aí vocês lembram
da professora, lembrar dos colegas, né? E ela, fez essa poesia num
momento em que ela estava assim muito emocionada, saudosa. O
nome do texto é A escola da Mestra Silvina. Esse é o título do texto.

A professora fez a primeira leitura do texto.

Professora R: Eu vou fazer a primeira leitura e depois alguém vai ler


pra gente puder [...].

Professora R: Deu pra perceber que aqui é uma descrição? Deu, né?
144

Então, ela faz uma descrição da infância dela numa escola que ela
estudou, certamente, ela deve ter passado... ela morava numa cidade
grande e, de repente, ela voltou pra sua infância numa cidade menor
onde ela estudou e deu aquela saudade de ver aquela escola. E lá ela
imaginou como é que estava a escola, então, ela viu mentalmente a
escola, como é que estava: ela viu uma caneca enferrujada, viu na
parede a foto de duas pessoas que ela diz o nome aqui (Deodoro e
Floriano). Quem são essas duas pessoas? Eram amigos dela ou eram
assim... figuras ilustres?
Alunos: Ilustres.
Professora R: Quem são essas pessoas ilustres? Vocês lembram quem
é Deodoro?
Aluno: Deodoro da Fonseca.
Professora R: Deodoro da Fonseca, né? E o outro? Floriano?
Peixoto... Esse Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto eles já foram
o quê? Representaram o que na nossa vida política? Foram
governadores, foram presidentes? O que que eles foram? Foram
presidentes, né? Então, foram presidentes da república. Ainda...
quando ainda era república. Eram dois presidentes que faziam parte
daquela escola. Então ela viu, ela chegou naquela escola e
mentalmente ela viu a foto dos dois presidentes, ela viu ah... ela viu,
mentalmente, a mestre. Como ela fazia quando era criança: ela dizia
pra mestre: “- Bença, mestre”. Porque naquela época, não sei se
vocês já ouviram os pais de vocês falarem, mas o professor era
considerado realmente assim, mestre. Veja que a palavra mestre tá
até com letra maiúscula. Então, o aluno tinha assim um respeito
enorme pelo professor. Chegava dava a bença, era realmente assim
uma pessoa... A quem dera se nós pudéssemos voltar a esse período...
assim esse período pelo respeito que os alunos tinham pelos seus
mestres, né? Hoje em dia os alunos não respeitam o professor.

A professora solicitou que os alunos fizessem a leitura.

Professora R: Eu já fiz a leitura, agora, é a vez de vocês.


145

Alguns alunos fizeram a leitura do texto.

Professora R: Então, o texto não é difícil, né? Tem alguma palavra


aqui que vocês não sabem o significado?
Aluna: Mesorra
Professora R: O que quer dizer mesorra? É um substantivo ou não é?
É um substantivo, né? E o que vocês entendem por mesorra?
Aluna: Não é uma mesa grande?
Professora R: É uma mesa gran:::de. Então, essa palavra é um
substantivo que se encontra no aumentativo, certo? Agora sim ficou
fácil, né? A gente dificilmente usa mesorra, a gente costuma usar
mesa grande, né? As pessoas dizem também mesona, né? Tem outra
palavra aí que alguém não saiba o significado? Essa palavra alcova
não é muito comum. Quando alguém diz assim: “- Eu vou lá pra
alcova”, pra onde será que ele está indo? Pra cozinha, pra sala?
Aluna: Pro quarto.
Professora R: Pro quarto de dormir. Então, a poetisa usou palavras
do tempo... do curso dela, né? Hoje não se usa mais a palavra alcova.
Se usa mesmo a palavra quarto. Quando assistirem às novelas de
época e escutarem alcova já sabem. Outra palavra que vocês
entenderam o significado?
Aluno: Forja.
Professora R: Forja. Me diga qual é o verso que a palavra está? Ah!
“Num prego de forja saliente na parede”. Quer dizer que a foto de
Deodoro e Floriano estava pregada na parede.

Orientou os alunos a verificar o vocabulário. Leu cada uma das


palavras.

Professora R: Alguma pergunta sobre esse texto? Vocês gostaram do


texto?

Propôs um exercício sobre o texto e comentou:


Professora R: Na primeira questão, vocês vão tirar um fragmento do
146

texto pra provar que o texto mostra lembranças da infância da Cora


Coralina (...).

Assim, como todas as outras professoras, R inicia a atividade sem esclarecer o objetivo
da leitura, passo anterior ao processo leitor. Como já esclarecido algumas vezes durante esta
dissertação, espera-se que o aluno faça a leitura do texto “selecionando procedimentos de
leitura adequados a diferentes objetivos e interesses”. (BRASIL, 1998, p. 50). Logo,
dependendo dos objetivos da leitura, o leitor autônomo selecionará estratégias adequadas para
ela.
A professora inicia a atividade afirmando: Quando a poetisa escreveu esse texto, ela
tinha uma lembrança assim muito carinhosa da escola. Assim como nós, vocês que já
passaram por outras escolas, que gostaram, com certeza, tem alguma escola que já marcou a
vida de vocês, né? Aí vocês lembram da professora, lembrar dos colegas, né? E ela, fez essa
poesia num momento em que ela estava assim muito emocionada, saudosa. O nome do texto é
A escola da Mestra Silvina. Esse é o título do texto.
Vejamos que a professora se exime de ativar os conhecimentos prévios dos alunos
dando, por exemplo, informações gerais sobre o que se vai ler. Não fez um diagnóstico do que
eles sabiam para, assim, verificar a necessidade de lhes conceder algumas informações
necessárias sobre o assunto do texto. Vejamos, no parágrafo acima, que R inicia as
considerações sem que os alunos construam previsões a serem testadas durante uma leitura
silenciosa. Não os encaminhou a observar o formato do texto, a superestrutura, o título, os
quais permitem elaborar previsões. Como o texto é uma descrição, Solé (1998) afirma que a
superestrutura já traria várias pistas que ajudariam a “formular e a ensinar a formular
perguntas pertinentes sobre o texto”. (p. 111).
Percebemos que a professora apenas informa o título do texto: O nome do texto é A
escola da Mestra Silvina. Esse é o título do texto, mas não incentiva os alunos perceberem o
que será tratado nesse texto. É possível constatar, ainda, que a professora inicia fazendo
considerações: Quando a poetisa escreveu esse texto, ela tinha uma lembrança assim muito
carinhosa da escola; E ela, fez essa poesia num momento em que ela estava assim muito
emocionada, saudosa. Tal comportamento denuncia que ela desconsidera possíveis
percepções que os alunos poderiam ter para o texto e traz um sentido criado por ela como o
único possível. Os alunos deveriam formular essa construção por meio de indagações e do
discernimento de que existem marcas linguísticas que permitem chegar a um sentido possível.
Nesse caso, o leitor não é sensibilizado para observador as pistas linguísticas que dão suporte
147

ao quadro referencial proposto pelo autor.


Ainda sobre a primeira fala destacada, percebemos que a professora antecipa
informações sobre o entendimento dos alunos sem antes ter informações sobre seus
conhecimentos prévios e elabora um possível entendimento para eles. Fica clara essa postura
quando afirma: Assim como nós, vocês que já passaram por outras escolas, que gostaram,
com certeza, tem alguma escola que já marcou a vida de vocês, né? Aí vocês lembram da
professora, lembrar dos colegas, né?. A professora, por meio da marca de oralidade “né”,
constrói um artifício retórico, pois dirige a pergunta ao aluno, sendo que já tem uma resposta
impositivamente construída.
Durante a aula, a professora não solicitou uma leitura silenciosa, passo importante para
um contato inicial com o texto e para julgamento de previsões. Não optando, também, por
uma leitura simultânea, a professora fez a primeira leitura do texto sozinha e não
desempenhou o papel de mediadora, explorando-o a partir de pontos de vista bem diferentes,
como: semântico, pragmático e sintático. Esse momento é imprescindível para a condução de
procedimentos de leitura que levarão à compreensão do texto. Essas afirmações ficam claras
por meio da ausência de diálogos em nossas transcrições que ilustrem um momento de leitura
colaborativa.
Após a leitura realizada pela professora R, continuou protagonizando construções para o
texto: Então, ela faz uma descrição da infância dela numa escola que ela estudou,
certamente, ela deve ter passado... ela morava numa cidade grande e, de repente, ela voltou
pra sua infância numa cidade menor onde ela estudou e deu aquela saudade de ver aquela
escola. E lá ela imaginou como é que estava a escola, então, ela viu mentalmente a escola.
Além de isentar os alunos de estratégias para compreender o texto, R cria sentidos,
provavelmente, sem pistas linguísticas que a autorizem proceder dessa forma.
Vejamos que ao afirmar ela estudou, certamente, ela deve ter passado... ela morava
numa cidade grande e, de repente, ela voltou [...], usa o advérbio certamente porque sua
afirmação inspira dúvidas. Além de não fazer os alunos perceberem a existência de pistas que
autorizam ou não uma hipótese construída, R imprime sentidos sem marcas que a autorizem.
Em seguida, a professora faz outras constatações sobre o texto dizendo: [...] viu na
parede a foto de duas pessoas que ela diz o nome aqui (Deodoro e Floriano). Quem são essas
duas pessoas? Eram amigos dela ou eram assim... figuras ilustres?. Vejamos que se os alunos
não tivessem atentado para a existência das fotos, seria oportuno questioná-los, todavia a
professora não só os questiona, mas dá duas possibilidades como resposta: eram amigos ou
pessoas ilustres?. Os alunos responderam que seriam pessoas ilustres. Após a resposta dos
148

alunos, a professora pergunta o que Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto tinham


representado na vida política. Entendemos que estabiliza as possibilidades de sentido, uma
vez que informa que foram políticos. Não dando condições para chegarem a um
entendimento, a professora responde: Foram presidentes, né? Então, foram presidentes da
república. Ainda... quando ainda era república. A professora emitiu uma informação
equivocada ao afirmar que foram presidentes quando ainda não era república, sendo que
Deodoro da Fonseca liderou a proclamação da república.
A professora informou que Deodoro e Floriano eram dois presidentes que faziam parte
daquela escola. Entendemos que os alunos poderiam ser levados a ativar contextos que os
fizessem refletir sobre a razão da presença das fotografias daqueles dois presidentes na escola.
A informação concedida pela professora não contribui para a construção de sentidos.
Continuou assumindo a interpretação e, consequentemente, retirando dos alunos a
oportunidade de utilizar seus conhecimentos de mundo para situar a leitura e formular
sentidos. Vejamos a consideração: [...] ela dizia pra mestre: “- Bença, mestre”. Porque
naquela época, não sei se vocês já ouviram os pais de vocês falarem, mas o professor era
considerado realmente assim, mestre. Veja que a palavra mestre tá até com letra maiúscula.
Então, o aluno tinha assim um respeito enorme pelo professor. Chegava dava a bença, era
realmente assim uma pessoa... A quem dera se nós pudéssemos voltar a esse período... assim
esse período pelo respeito que os alunos tinham pelos seus mestres, né? Hoje em dia os
alunos não respeitam o professor.
Observando a citação acima, R faz algumas considerações sobre a leitura. Considera
que os professores eram vistos com muito respeito, o que ficava claro pelo pedido da bênção.
Além disso, esclarece a atribuição da denominação mestre dada aos professores em virtude,
também, do respeito que inspirava. Mostra aos alunos que a autora grafa a palavra “mestre”
com letra maiúscula para ratificar o destaque que o professor tinha ou, até mesmo,
considerando-a um substantivo próprio em virtude da importância que tinha. Lamenta a
mudança de comportamento dos alunos com os professores, haja vista que hoje não são mais
respeitados com antes.
Quanto às caracterizações construídas pela professora no parágrafo acima, ponderamos
que embora R ative contextos oportunos, não propicia aos alunos a autonomia de sua leitura,
pois não foram motivados a ativar os contextos a que estão inseridos e manterem uma relação
com o que A escola da Mestra Silvina foi construído. A leitura é protagonizada pela
professora.
Em meio à discussão, a professora encaminha: Eu já fiz a leitura, agora, é a vez de
149

vocês. Solicita que alguns alunos façam a leitura do texto e, após a atividade, não houve
reflexões, fato que explicita a falta de objetivo claro. A leitura foi fragmentada, pois o texto
foi dividido para que alguns alunos o lessem.
Não observando a importância do contexto para a atribuição do significado das
palavras, a professora indagou: Tem alguma palavra aqui que vocês não sabem o
significado?. Uma aluna respondeu que não conhecia a palavra “mesorra”. A professora
perguntou o que entendiam por mesorra e uma aluna respondeu que deveria ser uma mesa
grande. Vejamos que essa aluna conseguiu depreender o sentido da palavra por meio do
contexto ou conseguiu ativá-la de contextos por ela conhecidos. Entendemos, portanto, que
levar os alunos a refletirem sobre o valor dos vocábulos no contexto linguístico é de
fundamental importância para o trabalho de inferência lexical.
Ainda discutindo o vocabulário do texto, a professora pontuou que a poetisa usou
palavras do tempo... do curso dela, né? Hoje não se usa mais a palavra alcova. Se usa mesmo
a palavra quarto. Nesse caso, a ausência de um procedimento para inferência lexical,
possivelmente, impossibilitou os alunos perceberem que com o tempo as palavras podem se
tornar linguisticamente saturadas ou até assumir novos significados.
Após a leitura do texto, R perguntou: Alguma pergunta sobre esse texto? Vocês
gostaram do texto?. Ela não se dedicou à análise do que os alunos compreenderam da leitura,
o que ela lhes acrescentou. A professora precisaria elaborar propostas que levassem os alunos
a discutir com o texto, a testar suas construções. Encaminhou-os a um exercício que dentre
outras questões, destacamos: Na primeira questão, vocês vão tirar um fragmento do texto pra
provar que o texto mostra lembranças da infância da Cora Coralina. A questão descrita não
encaminha o aluno a interagir com o texto, mas com um trecho para justificar a resposta.
Após análise das estratégias eleitas nas falas que constituem as entrevistas e as da práxis
em leitura, contatamos que R não realiza ensino de estratégias de leitura. Os alunos não são
encaminhados a discutir com o texto e a se perceberem protagonistas de suas leituras,
realizando o trabalho inferencial necessário.
Nosso objetivo nesta seção foi analisar as estratégias para o ensino de leitura eleitas
pelas professoras no trabalho de orientações leitoras em sala de aula. Observamos que, no
universo prático, as professoras não empreenderam ensino de procedimentos de leitura.
Entendemos que a falta de bases teóricas na formação leitora dos professores pode ter
relação com a ausência de procedimentos de leitura que viabilizam a formação do leitor
autônomo. Para tanto, precisa selecionar estratégias de compreensão de várias ordens a fim de
compreender os textos, os quais precisam ser ensinados pelo professor. Esse professor
150

necessita, portanto, ter formação que o possibilite fazer essa seleção.


Quanto à restrita formação do professor, Kleiman (2008a, p. 151) considera que “a
formação precária do professor na área de leitura, bem como o desconhecimento dos
resultados da pesquisa na área trazem consequências negativas para a qualidade de ensino”.
Ainda segundo Kleiman (2008b), a formação do professor não os embasa sobre as teorias de
linguagem previstas nos documentos oficiais, como os PCN, que não estão previstos na
maioria dos programas de cursos que os formam. (p. 488). O desconhecimento dos PCN, por
exemplo, afasta-os de conhecimentos sobre a teoria de leitura, estratégias leitoras, dentre
outros aspectos. Podemos destacar um trecho dos PCN que ratificam nossa afirmação:

A leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e


interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o
assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem etc. [...] Trata-se de
uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e
verificação, sem as quais não é possível proficiência. É o uso desses procedimentos
que possibilita controlar o que vai sendo lido, permitindo tomar decisões diante de
dificuldades de compreensão, avançar na busca de esclarecimentos, validar no texto
suposições feitas. [...] Nessa condição, o professor deve preocupar-se com a
diversidade das práticas de recepção dos textos [...]. (BRASIL, 1998, p. 69-70).

Destacamos, ainda, considerações sobre o trabalho de Silva (2009), pois este mantém
concordância com nossa argumentação. Segundo o autor, a partir de pesquisas realizadas
sobre aspectos da identidade de professores do ensino fundamental, o trabalho docente é
afetado, significativamente, pela formação anterior do professor, além de sua possibilidade de
atualização continuada e pelas ideologias impositivas manifestadas pelo sistema escolar. De
acordo com o autor, a preparação prévia dos professores para o encaminhamento de leitura é
considerada muito fraca ou inexistente. Descrevemos a caracterização por ele construída
sobre o quadro em discussão, entendo sua importância para este estudo:

Ainda que a leitura seja o pulmão da vida docente e discente e esteja intimamente
relacionada com o sucesso escolar do estudante, são raros os cursos que tematizam
esse processo (o de leitura) por meio de disciplinas específicas ou mesmo dentro das
existentes no currículo. Dessa forma, por falta de embasamento na área das teorias
de leitura, o professor se vê extremamente desamparado no momento em que tem
que ensinar ou orientar a leitura entre seus alunos. Perante as lacunas teóricas, os
procedimentos alternativos mais comuns para o professor são: a total dependência
dos livros didáticos e suas famigeradas lições ou então a imitação ingênua dos seus
antigos professores de outrora... (SILVA, 2009, p. 59, grifo do autor).

Temos a clareza de que não podemos criar generalizações sobre a ligação existente entre o
ensino desenvolvido pelo professor e a sua formação anterior em leitura, todavia,
151

considerando alguns encaminhamentos de leitura já apresentados que constituem exemplos


extraídos do nosso corpus e a teoria que nos ampara, entendemos que, possivelmente, existe
reflexo da formação a que o professor teve acesso e o ensino, por exemplo, de estratégias para
compreensão leitora, foco desta seção.

6.3 O material didático para o ensino de leitura

Analisaremos, nesta seção, a seleção e a forma de abordagens dos textos escolhidos para
o ensino de leitura, assim como os encaminhamentos propostos para explorar esses textos.
Selecionamos para chegar ao nosso objetivo atividades realizadas pelas quatro professoras.
Esclarecemos que essa seleção está constituída por atividades retiradas do livro didático
utilizado pela escola, material elaborado pelo professor (exercícios e provas), textos
escolhidos de outros materiais didáticos. Faremos a análise de, apenas, uma atividade de
leitura para cada professor, pois não era frequente, após a discussão oral dos textos, haver
encaminhamentos de leitura com questões que refletissem sobre o gênero textual em que o
texto se encontrava e, consequentemente, questões propostas para refletir sobre a
compreensão textual.
Para procedermos às análises das atividades, é imprescindível que pensemos a
necessidade de a escola e, consequente, de o professor considerar a diversidade de gêneros
textuais no trabalho com a leitura e considerar a forma de recepção desses textos diante dos
propósitos que eles têm. Como já afirmado nesta dissertação, tais propósitos serão definidos a
partir do contexto situacional. As questões propostas para trabalhar os gêneros precisam,
portanto, proporcionar aos alunos reconhecer as intenções comunicativas, bem como suas
características linguísticas e discursivas. Se os alunos não as reconhecem, não selecionam
procedimentos adequados para a compreensão textual. Os PCN entendem que os textos
precisam ser trabalhados em uma perspectiva enunciativo-discursiva, segundo a qual os textos
são tratados em articulação com os gêneros.
O ensino de leitura não pode se escusar das habilidades descritas no parágrafo acima e,
diante disso, salientamos que as atividades de compreensão de textos devem considerar o
texto como um processo em que convergem atividades cognitivas e discursivas. Assim, as
questões precisam exigir dos alunos a construção de sentidos, processo que envolve
conhecimentos de várias naturezas.
152

6.3.1 As escolhas da professora W

Analisaremos, agora, os encaminhamentos de leitura selecionados e a forma como


foram trabalhados pela professora W. A atividade abaixo descrita consiste em um exercício
escolhido pela professora para trabalhar a crônica “Pneu Furado” de Luís Fernando
Veríssimo, abaixo registrada.

PNEU FURADO
O carro estava encostado no meio-fio, com um pneu furado. De pé ao lado do
carro, olhando desconsoladamente para o pneu, uma moça muito bonitinha.
Tão bonitinha que atrás parou outro carro e dele desceu um homem dizendo
"Pode deixar". Ele trocaria o pneu.
- Você tem macaco? - perguntou o homem.
- Não - respondeu a moça.
- Tudo bem, eu tenho - disse o homem - Você tem estepe?
- Não - disse a moça.
- Vamos usar o meu - disse o homem.
E pôs-se a trabalhar, trocando o pneu, sob o olhar da moça.
Terminou no momento em que chegava o ônibus que a moça estava esperando.
Ele ficou ali, suando, de boca aberta, vendo o ônibus se afastar.
Dali a pouco chegou o dono do carro.
- Puxa, você trocou o pneu pra mim. Muito obrigado.
- É. Eu... Eu não posso ver pneu furado. Tenho que trocar.
- Coisa estranha.
- É uma compulsão. Sei lá.
(Luís Fernando Veríssimo. Livro: Pai não entende nada. L&PM, 1991).

As questões apresentadas pela professora foras as seguintes:

1. Porque esse texto é uma crônica?


2. Fale sobre o autor Luiz Fernando Veríssimo.
3. Entre as características da crônica, quais você identifica no texto?
4. Releia o texto e responda:
a) O que fez o homem parar para trocar o pneu?
b) Como você vê o comportamento da moça?
c) Qual o momento de grande surpresa e decepção para o homem?
153

5. Encontre no texto:
a) Monossílabas (5)
b) Polissílabas (5)
c) Palavras acentuadas (5)

Antes de analisarmos a atividade acima, entendemos que o gênero escolhido é


extremamente oportuno. Os PCN apontam a crônica como gênero privilegiado para o trabalho
de leitura de textos literários escritos.
Analisaremos a adequação das questões ao gênero em discussão, assim como os
utilizados pelas demais professoras, considerando a perspectiva sociointeracionista 21 de
gênero. Segundo essa perspectiva, os gêneros realizam propósitos sociais. (SWALES, 1990).
Logo, são “reflexo de estruturas sociais recorrentes e típicas de cada cultura”. (MARCUSCHI,
2010, p. 34). Assim, quando o professor prioriza essa perspectiva nas atividades lançadas, dá
condições de o aluno identificar, em qualquer contexto, características do gênero em uma
situação comunicativa. Reconhecendo o gênero, o leitor é capaz de selecionar estratégias
adequadas para a leitura.
Diante das questões destinadas pela professora para a análise do gênero e das atitudes
lançadas na condução da atividade, entendemos que ela não prioriza os aspectos
sociocomunicativos e funcionais, pois além dos aspectos formais do gênero, características
textuais, estruturas gramaticais, o gênero crônica, assim como todo gênero, tem função social.
Para Cândido (1980) a crônica tem, dentre outros propósitos sociais, o objetivo de levantar
discussões sobre os problemas da sociedade e as fraquezas do homem a fim de amadurecer a
sua visão de mundo. O indivíduo é levado a entrar de modo profundo no cotidiano dos atos e
sentimentos a fim de estabelecer uma crítica social.
Quando a professora pergunta na primeira questão: Porque esse texto é uma crônica?,
perceberíamos relevância se tivesse dado condições para que os leitores refletissem sobre as
situações vividas em seu domínio social com o intuito de estabelecerem comparações com o
contexto da produção analisada. Porém, a ação tomada difere disso, pois ao comentar a
questão, W afirma:

Professora W: Já leram o texto uma vez, duas vezes, três vezes? Já dá


para retirar algumas informações dele, né? Então, por que esse texto

21
Segundo essa perspectiva, os gêneros são reflexos de estruturas sociais e típicas de cada cultura e
desempenham ação social. (MARCUSCHI, 2010). John Swales (1990), Carolyn Miller (1984), Charles
Bazerman (1994), Bakhtin (1997), Marcuschi (2005, 2010) são alguns representantes dessa perspectiva.
154

é uma crônica? Qual a característica principal que logo de cara


identifica o texto como uma crônica? O que é uma crônica? Leiam
para mim aí o que é uma crônica. [aludindo a uma conceituação
registrada nas orientações da apostila entregue]. (...) Esse texto Pneu
Furado é um fato que a gente pode visualizar no cotidiano? Muito
né? Então, só isso aí já revela que é uma crônica. Narrativa pequena
que conta fatos cotidianos. Identifique algumas características no
texto Pneu Furado, não são todas, só as que aparecem aí.

A professora encaminha os alunos para o entendimento do que seja o gênero crônica


aludindo apenas a uma característica textual, ao caracterizar como uma narrativa curta, e que
acontecia no dia-a-dia: Esse texto Pneu Furado é um fato que a gente pode visualizar no
cotidiano? Muito né? Então, só isso aí já revela que é uma crônica. Narrativa pequena que
conta fatos cotidianos. Embora a crônica seja uma narrativa breve, simples, rápida, essas
características não são exclusivas dela, assim não oportunizam ao leitor reconhecer o seu
traço distintivo, reconhecer as situações sociais que carregam e como elas repercutem em seu
meio cultural.
Desprestigiando os aspectos funcionais do gênero em análise, a professora entregou aos
alunos uma apostila, registrada nos anexos deste texto, com características pertinentes ao
aspecto formal do gênero, a aspectos textuais, mas não havia nenhuma referência aos aspectos
sociocomunicativos e funcionais. Essas características selecionadas pela professora serviram
de base para os alunos responderem às questões.
É necessário esclarecer que, embora não tenhamos esboçado em nossa fundamentação
teórica a classificação das tipologias das perguntas de compreensão, norteamos nossa análise
a partir dela. Para tanto, explicamos o que fundamenta as tipologias eleitas pelas professoras e
registramos, nos anexos desta dissertação, um quadro elaborado por Marcuschi (2003) com a
explicação de cada tipologia e exemplos que as configuram. Essas tipologias serviram para a
classificação das questões utilizadas por todas as professoras. Quanto ao estilo da primeira
questão do exercício sugerido por W, nós a julgamos de natureza inferencial, pois os alunos
precisariam usar vários tipos de conhecimento arquivados sobre as características formais e
funcionais das crônicas. Porém, a atitude de W na condução da atividade trata a questão de
uma forma a limitar a construção de sentidos, pois constrói os seguintes posicionamentos: Já
leram o texto uma vez, duas vezes, três vezes? Já dá para retirar algumas informações dele,
né?. Identifique algumas características no texto Pneu Furado, não são todas, só as que
155

aparecem aí. Os alunos são estimulados a desenvolver atividade mecânica de identificar e


transcrever características. A compreensão se limita a identificar conteúdos. Os PCN
desconsideram atividades de leitura como essa, pois durante a leitura deve haver:

articulação entre conhecimentos prévios e informações textuais, inclusive as que


dependem de pressuposições e inferências (semânticas, pragmáticas) autorizadas
pelo texto, para dar conta de ambigüidades, ironias e expressões figuradas, opiniões
e valores implícitos, bem como das intenções do autor. (BRASIL, 1998, p. 56).

Questões que limitam a construção de sentidos incapacitam o leitor de perceber


ambiguidades, ironias, sentidos figurados, dentre outros.
Vejamos que a segunda questão: Fale sobre o autor Luiz Fernando Veríssimo, tem sua
importância, pois se se reconhece as características do estilo de um autor é possível explicitar
expectativas referentes à forma e ao conteúdo do texto. É preciso indagar, porém, que essa
questão não proporciona depreender as características formais e funcionais da crônica.
Poderíamos até obter discernimento sobre o estilo das crônicas escritas por Veríssimo, mas
antes o leitor precisa reconhecer as características do gênero crônica e, por meio dessa
proposição, isso não é possível.
Com relação à compreensão e ao estilo da questão, entendemos que falar sobre o autor
não vai ser relevante para compreender o texto. Porém, caso o aluno tenha informações sobre
o autor, como informado no parágrafo anterior, isso poderá facilitar a compreensão. A
professora poderia ter provido meios para que os alunos conhecessem o citado autor a fim de
explicitar expectativas quanto à forma e ao conteúdo da produção. Entendemos que apenas
conhecer o autor não garante compreender o texto.
A terceira questão da atividade propunha: Entre as características da crônica, quais
você identifica no texto?. Mais uma vez, W não atentou para o entendimento de que os
gêneros espelham as experiências dos usuários e um contexto de reflexão não foi possível ser
montado a partir dessa colocação. Acrescentamos, ainda, que os alunos tinham como
referência para buscar as características do gênero, como já referido, um material entregue
pela professora, segundo o qual não havia esclarecimentos dos aspectos sociocomunicativos e
funcionais. Se compreendemos que os gêneros carregam uma proposta social, logo as
atividades devem proporcionar aos alunos realizar linguisticamente objetivos específicos em
contextos particulares.
No aspecto compreensão textual, a terceira questão enquadra-se na tipologia cópia. Com
a escolha pela pergunta, fica claro que compreender é sinônimo de identificar conteúdo.
156

Atividades como essa deixam de contemplar o raciocínio, habilidades argumentativas e


pensamento crítico.
As perguntas que são encaminhadas na quarta questão, mais uma vez, não refletem
sobre os propósitos discursivos da crônica. O trato com as questões não favoreceu a prática
social, uma vez que o texto deve ser visto em seu contexto situacional, assim, conhecer
gênero depende de conhecimentos além dos presentes na superfície textual, como a
comunidade discursiva, seus valores, suas práticas e expectativas. (SWALES, 1990).
Exemplificamos nossas colocações analisando a pergunta: O que fez o homem parar para
trocar o pneu?. Vejamos que essa pergunta não estimula reflexão, pois para chegar à sua
resposta basta voltar-se ao texto e extrair um conteúdo que está “objetivamente inscrito no
texto”, a resposta está no texto e o leitor não precisa com ele interagir.
A professora, ao comentar a questão referida no parágrafo anterior, orientou os alunos,
dizendo: Eu quero que vocês digam por que vocês acham que ele parou, o que que o autor
pensou aí como motivo pra ele parar. Percebemos, nitidamente, a centralização do sentido no
autor do texto. O aluno deve captar as intenções do autor. A respeito disso, Marcuschi (2003),
reflete que questão como essa se baseia numa abordagem estruturalista, cujo entendimento
para texto, e não poderia ser diferente, não o contempla como um processo em que
predominam atividades cognitivas e discursivas.
Percebendo o elemento social presente na crônica, o professor poderia eleger estratégias
que permitissem aos alunos construir sentidos para o texto, considerando os seus contextos
situacionais e as funções do referido gênero. Construir críticas sociais sobre a atitude da
personagem que troca o pneu do carro, observado no texto, seria oportuno, pois o leitor estaria
convidado a abrir discussões sobre os problemas da sociedade e as fraquezas do homem.
Dentre tantos sentidos possíveis, seria conveniente indagar sobre os interesses que
determinam as ações humanas. O homem que troca o pneu do carro concede ajuda a outrem
por engano, pois imaginou que o carro fosse da bela jovem que dele estava perto. Será que se
o verdadeiro dono do carro estivesse ali, a ajuda seria concedida? Indagações como essa
poderiam ser construídas a partir dos elementos culturais com que cada leitor convive.
A última questão encaminhada prestigia a localização de elementos gramaticais. A
professora propõe: “Encontre no texto: a) Monossílabas (5); b) Polissílabas (5); c) Palavras
acentuadas (5)”. O estilo de questão se repete e, no caso em particular, a prioridade é com a
localização de palavras a fim de ensinar norma gramatical.
Quanto à adequação ao gênero, o perfil de atividade se mantém. A observância à
situação comunicativa não foi feita, fato constatável pelo desprezo a aspectos enunciativos,
157

discursivos, temáticos, os quais variam conforme dada situação de comunicação. Com base
nessas colocações, destacamos o entendimento de Bezerra:

[...] a escola sempre trabalhou com gêneros, mas restringe seus ensinamentos aos
aspectos estruturais ou formais dos textos. É justamente essa desconsideração de
aspectos comunicativos e interacionais que contribui para que alunos e professores
se preocupem mais com a forma do texto do que com sua função [...]. (2010, p. 44).

Portanto, verificamos que o perfil das questões selecionadas por W não contempla a
função do gênero trabalho nem, consequente, proporciona o diálogo entre os alunos e o texto,
nem mesmo os leva a compreender a leitura.
Na eleição de questões e direcionamentos para discuti-las, constatamos que as seleções
não atendem ao propósito dos gêneros nem permitem ao leitor depreensão do significado
global do texto. Apenas a questão Porque esse texto é uma crônica? por ser inferencial, exige
do leitor buscar informações nos conhecimentos arquivados, todavia a atitude da professora
na condução da atividade limita a construção de sentidos suscitada na questão quando
encaminha: Já leram o texto uma vez, duas vezes, três vezes? Já dá para retirar algumas
informações dele, né?, Identifique algumas características no texto Pneu Furado [...].
Parece-nos que a falta de discernimento tratada acima e a mudança de postura entre o estilo da
questão e o comentário da professora na condução da atividade deve ter ligação com a falta de
acesso a teorias específicas durante sua formação em leitura.

6.3.2 As escolhas da professora M

Analisaremos, agora, as características das questões selecionadas no encaminhamento


de leitura e a forma como a professora M conduziu a atividade. A proposição elencada abaixo
foi retirada do caderno de atividades do livro utilizado no ano anterior a fim de trabalhar a
crônica “A Outra Noite” de Rubem Braga, registrada abaixo.

A OUTRA NOITE
Rubem Braga

Outro dia fui a São Paulo e resolvi voltar à noite, uma noite de vento sul e
chuva, tanto lá como aqui. Quando vinha para casa de táxi, encontrei um amigo e
o trouxe até Copacabana; e contei a ele que lá em cima, além das nuvens, estava
158

um luar lindo, de lua cheia; e que as nuvens feias que cobriam a cidade eram,
vistas de cima, enluaradas, colchões de sonho, alvas, uma paisagem irreal.
Depois que o meu amigo desceu do carro, o chofer aproveitou o sinal fechado
para voltar-se para mim:
-O senhor vai desculpar, eu estava aqui a ouvir sua conversa. Mas, tem mesmo
luar lá em cima?
Confirmei: sim, acima da nossa noite preta e enlamaçada e torpe havia uma
outra - pura, perfeita e linda.
-Mas, que coisa...
Ele chegou a pôr a cabeça fora do carro para olhar o céu fechado de chuva.
Depois continuou guiando mais lentamente. Não se sonhava em ser aviador ou
pensava em outra coisa.
-Ora, sim senhor...
E, quando saltei e paguei a corrida, ele me disse um "boa noite" e um "muito
obrigado ao senhor" tão sinceros, tão veementes, como se eu lhe tivesse feito um
presente de rei.

Abaixo, apresentamos as questões:

1. Copie trechos do texto para justificar suas respostas.


a) Qual foi a origem e o destino da viagem de volta feita pelo
cronista?
b) Que meios de transporte o cronista utilizou para voltar para casa?
c) Como estava a noite em São Paulo e no Rio de Janeiro?
2. O cronista utiliza uma expressão em sentido figurado, isto é, em um
sentido que não é o habitual, para se referir às nuvens. Que expressão
é essa?
3. Qual foi a primeira reação do motorista ao ouvir a descrição da
imagem:
a) Dirigiu com mais cuidado, preocupado com a chuva.
b) Fechou os vidros do carro.
c) Olhou para o céu e ficou pensativo.
d) Imaginou a cena vista do alto.

Assim como W, a professora M também elegeu o gênero crônica em suas orientações


para leitura. Considerando a função social desempenhada pelo gênero, as questões de
compreensão não podem deixar de contemplá-la, haja vista que o conhecimento de gênero é
necessário para a atividade de leitura. (BRASIL, 1998).
A partir das afirmações acima, percebemos que as questões selecionadas pelo material
159

não atendem aos propósitos do gênero, haja vista que os aspectos sociocomunicativos e
funcionais não foram priorizados. Prova disso está nos encaminhamentos selecionados nas
questões. Observamos que o enunciado da primeira questão orienta os leitores a realizar
cópia: Copie trechos do texto para justificar suas respostas. A questão, não tratou de
elementos funcionais do gênero. A respeito da falta de condições dadas aos alunos para
interagir e criar sentidos para o texto, fato percebido com a proposição da primeira questão
Copie trechos do texto, Kleiman (2008a) considera,

[...] a leitura, a julgar pelos exercícios de compreensão e interpretação dos livros


didáticos e da sala de aula, fica reduzida, quase sem exceções, à manipulação
mecanicista de sequências discretas de sentença, não havendo preocupação pela
depreensão do significado global do texto. (2008a, p. 18).

Observamos que essas contribuições de Kleiman serão aplicáveis a todas as questões do


exercício proposto por M. É preciso, porém, esclarecer que embora as questões não primem
pela construção de sentidos, há algumas que misturam noções de decodificação e/ou
transcrição, ou seja, aquelas para as quais a resposta está exclusivamente no texto com noções
de aspectos ligados ao conhecimento prévio dos leitores.
No trabalho de Marcuschi (2003) sobre as tipologias das perguntas de compreensão em
livros didáticos, a orientação para responder às três perguntas lançadas na primeira questão do
exercício ora analisado, seria chamada de cópia, pois consistiria em uma atividade mecânica
de transcrição.
Na condução da atividade proposta, M assim se manifesta:

Professora M: Usem reticências para vocês não precisarem copiar


tudo, só o que interessar, né? A partezinha que você vai provar, você
escreve, o resto você coloca reticências.

A condução realizada por M foi claramente limitadora da construção de sentidos, pois


orienta os alunos a usar, por exemplo, reticências para não copiar as partes do texto que não
interessassem. As questões que se adequassem ao que os textos estivessem pedindo, deveriam
ser copiadas, extraídas do material. Vejamos que um aluno, no decorrer da atividade,
demonstra sinais de que aquele tipo de pergunta fazia parte do estilo de questão usada nas
orientações de leitura, pois lança a seguinte pergunta: Professora, a resposta do primeiro eu
começo a copiar a partir de onde?. Incentivando a cópia, M responde: Procure aí um trecho
160

... que traga o que pede a questão.


A professora se dedicou a ler as questões e a perguntar as respostas que os alunos
haviam retirado do texto, em seguida, elaborou uma resposta com esses fragmentos e
registrou no quadro a fim de que os alunos copiassem. Percebemos que, além de os alunos
serem orientados a extrair respostas, a professora elaborou modelos que deveriam ser tomados
como resposta. Para visualizarmos, descrevemos trechos da aula que esclarecem as
orientações de M para uns dos questionamentos da primeira questão:

Professora M: Qual o lugar de origem e o destino dele na viagem?


Alunos: Rio de Janeiro
Professora M: Aí não diz para onde ele ia, mas como entenderam que
ele ia para o Rio de Janeiro?
Aluno 1: Porque aqui dizia que o amigo estava em Copacabana.
Professora M: Ok. Então, botem aí: “... fui a São Paulo e resolvi
voltar...”, “Quando vinha para casa de táxi, encontrei, um amigo e o
trouxe até Copacabana”.

Ao propor Qual o lugar de origem e o destino dele na viagem?, o aluno deveria ler e
extrair que a pessoa havia ido a São Paulo, informação que estava no texto. Para chegar ao
entendimento de que a personagem morava no Rio de Janeiro, o leitor precisaria ativar seus
conhecimentos enciclopédicos a fim de inferir que Copacabana era um bairro do Rio de
Janeiro, pois no texto relata que a personagem pegou um táxi e um dos destinos era
Copacabana. Depreendemos que a questão exige duas posturas: extrair informações postas na
materialidade textual e ativar conhecimentos das coisas do mundo a fim de produzir sentido,
tomando como referência o elemento linguístico constituído na materialidade textual.
(KOCH; ELIAS, 2010). Questões como esse perfil são consideradas como questões mistas,
pois além de indagar sobre conteúdos inscritos objetivamente, também exigem do leitor
construção de inferências.
Percebemos que esse tipo de questão envolve abordagens de língua diferentes: como
instrumento de comunicação, a qual é desvinculada dos usuários e uma abordagem dialógica,
segundo a qual os leitores são construtores sociais. Parece-nos que o livro didático não
uniformiza a concepção adotada. Não temos como prever se faz esclarecimentos sobre as
concepções adotadas e as teorias que seguem.
161

Com relação à condução feita pela professora para a questão ora analisada: Qual o lugar
de origem e o destino dele na viagem?, percebemos que ela prioriza a reprodução de
informações e limita o potencial criativo, pois encaminha os alunos para fragmentos do texto
a fim de estruturar uma resposta: Então, botem aí: ... “fui a São Paulo e resolvi voltar ...”,
“Quando vinha para casa de táxi, encontrei, um amigo e o trouxe até Copacabana”. Embora
tenha questionado Aí não diz para onde ele ia, mas como entenderam que ele ia para o Rio de
Janeiro?, a professora não discutiu a construção da inferência, pois quando o aluno respondeu
Porque aqui dizia que o amigo estava em Copacabana, M apenas respondeu ok.
Situação similar acontece na segunda pergunta lançada na primeira questão: Quais
meios de transporte ele utilizou para voltar para casa?. Percebemos que para responder à
questão o aluno além de extrair informação do texto, deveria também ativar conhecimentos
arquivados, pois o texto traz informação explícita que a personagem pegou um táxi. Para
depreender que o outro meio de transporte seria o avião, precisaria relacionar alguns índices
textuais como “lá em cima”, “além das nuvens” a conhecimentos enciclopédicos arquivados.
A professora, porém, na condução da atividade, considerou:

Professora M: Quais meios de transporte ele utilizou para voltar para


casa?
Alunos: De avião.
Professora M: Ele usou o avião e o automóvel. Que parte do texto
prova isso? Registrem aí: “... lá em cima, além das nuvens, estava um
lugar lindo...” e “Quando vinha para casa de táxi...”.

Indagados sobre os meios de transporte utilizados, os alunos referiram-se, apenas, ao


avião. Essa resposta precisaria ser inferida a partir das marcas textuais. A professora
acrescentou à reposta o táxi e não fez nenhuma discussão sobre a construção inferencial.
Deteve-se, mais uma vez, à consideração da compreensão como extração de informações, pois
pontuou: Registrem aí: “... lá em cima, além das nuvens, estava um lugar lindo...” e
“Quando vinha para casa de táxi...”. Não percebemos com tal atitude as atividades de
compreensão como processo de criação.
Na segunda questão, entendemos que prevalece, sobretudo, a localização de
informações, pois, embora o aluno precise construir inferências para chegar à resposta, a
questão não encaminha o leitor para essa construção. O foco nos parece estar centrado na
reprodução, característica comum às demais questões.
162

Não fugindo do estilo das demais, na terceira questão “Qual foi a primeira reação do
motorista ao ouvir a descrição da imagem”, caracterizamo-la como uma questão objetiva,
aquela que, apenas, indaga sobre conteúdos objetivamente inscritos no texto, numa atividade
de pura decodificação. O aluno deveria marcar a alternativa que trazia a informação correta,
centrada, exclusivamente, no texto.
Como já discutido, a crônica “A outra noite” não foi trabalhada como um texto
empiricamente realizado, pois se assim fosse alguns objetivos específicos da situação
particular desenvolvida no texto teriam sido ponderados. O leitor mergulharia em contextos
de sua vida diária a fim de compreendê-los. Assim, a eleição de estratégias que
encaminhassem, dentre outros sentidos, a perceber o espaço dado aos atos e sentimentos
humanos no referido texto, aproximaria o leitor das funções do texto. Dentre os possíveis
sentidos a serem considerados em “A outra noite”, seria oportuno refletir sobre a atitude da
personagem ao dar informações sobre como é a experiência de andar de avião, as
características do espaço aéreo que foram tão significativas ao taxista em virtude de uma
curiosidade ou anseio que foi satisfeito. O passageiro atentou para a riqueza de pequenos
gestos a quaisquer pessoas que podem ser muito significativos. A partir de abordagens como
essa, o aluno poderia compreender e criticar alguns atos e sentimentos humanos em seu meio
cultural.
Percebemos que o material utilizado pela professora não contempla os propósitos do
gênero e as questões para a compreensão envolvem posturas diferentes: extrair informações
postas na materialidade textual e ativar conhecimentos das coisas do mundo a fim de produzir
sentido.
Como as questões propostas para o texto não foram elaboradas por M, estamos
analisando o comportamento na condução das orientações de leitura. Percebemos que a
condução prioriza a reprodução de informação, pois se destinou a conduzir os alunos a extrair
pedaços do texto para elaborar uma resposta. Mesmo as questões que sinalizavam a
necessidade de construção de inferências, a professora não as considerou. Entendemos que a
professora não adequou as questões propostas pelo livro didático, seja para desfazer a dupla
postura assumida quando às questões de compreensão, seja para adequá-las ao gênero.

6.3.3 As escolhas da professora V

Passaremos, agora, à análise das características das questões do encaminhamento de


leitura selecionadas pela professora V. Esclarecemos que, diferentemente das análises feitas
163

acima, não teremos como discutir a postura da professora na condução da atividade, pois a
atividade consiste em uma prova, por meio da qual foram propostas questões para estudo do
gênero notícia. Apresentamos abaixo o texto e as questões que constituem o seu estudo. Em
anexo, encontra-se a prova a que nos referimos. A atividade foi assim registrada:

O texto abaixo é um fragmento de uma notícia de jornal. Leia-o e


responda às questões que seguem.
A internet é uma rede que liga milhões de computadores no
mundo inteiro.
Através dela, você pode “conversar” com outras pessoas pelo
computador. Pode jogar games, pode trocar cartas, pode mandar e
receber programas de computador.
Muitas pessoas usam a internet para trabalhar, para fazer
pesquisas e estudar, e também para se divertir.
[...]
Folha de São Paulo, 3 de março. 1995. Folhinha.

1. Qual o assunto da notícia?


2. Escreva, no mínimo, três utilidades da Internet.

Antes da análise da adequação das questões para a compreensão do gênero selecionado,


esclarecemos que os PCN classificam a notícia como gênero privilegiado para o trabalho de
leitura de textos de imprensa na linguagem escrita. Segundo Marcuschi (2008), a notícia
pertence ao domínio discursivo jornalístico de modalidade escrita.
O gênero notícia, assim como todos os jornalísticos, tem a finalidade de formar opinião,
fazer o cidadão refletir sobre a sociedade, especificamente, sobre as relações sociais
estabelecidas no seu meio cultural. Essas atitudes assegurariam a sua participação como
cidadão. Para Benassi (2009), a notícia é um formato que se destina a divulgar um
acontecimento. De acordo com a autora, a notícia

[...] normalmente reconhecida como algum dado ou evento socialmente relevante


que merece publicação numa mídia. Fatos políticos, sociais, econômicos, culturais,
naturais e outros podem ser notícia se afetarem indivíduos ou grupos significativos
para um determinado veículo de imprensa. [...] a notícia pode ter conotações
diferenciadas, justamente por ser excepcional, anormal ou de grande impacto social,
como acidentes, tragédias, guerras e golpes de estado. (BENASSI, 2009, p.1793).
164

Para a autora, outro fato importante na notícia é o lide, abertura do texto. Concentrado
nos primeiros parágrafos do texto, antecipa questionamentos básicos sobre o tema, resume e
mantém o leitor informado sobre os aspectos mais importantes da notícia. Os temas
recorrentes tratam de fatos do meio social, os quais devem ser norteados por dados que os
fundamentem, que os deem veracidade. É importante, também, que esses fatos sejam
acompanhados de data e do lugar em que aconteceram. É comum, ainda, a presença de
depoimentos dos envolvidos nos fatos. (BENASSI, 2009). Assim, como em todo texto, o
título é um indicador que permite formular previsões. Em especial, na notícia, indica o
principal enfoque do tema.
Antes de analisarmos as questões propostas para trabalhar a compreensão do gênero
pretendido, precisamos esclarecer que o encaminhamento da prova para o estudo do texto O
texto abaixo é um fragmento de uma notícia de jornal. Leia-o e responda às questões que
seguem deixa clara a falta de observância ao propósito comunicativo do gênero e,
consequentemente, essa inobservância também será percebida nas questões que constituem
essa proposição. Vejamos que V, ao selecionar a questão para a prova, na fase de sua
elaboração, segmentou a materialidade linguística do texto e isso dificulta a categorização do
gênero e, em decorrência, a percepção de suas características sociocomunicativas e
funcionais.
Diante da ausência de porções textuais, não se proporcionou perceber esses elementos.
Observamos, em várias discussões teóricas, que a escola tem preterido preocupação com a
depreensão do significado global do texto, priorizando o estudo de sentenças isoladas e
fragmentadas do texto. Vejamos que, inclusive o título do texto, não foi registrado no
fragmento transcrito e, de acordo com informações previstas acima, ele informaria o principal
enfoque do tema da notícia.
Portanto, diante desse quadro, as questões propostas para a compreensão do gênero
desprestigiam o aspecto funcional do gênero. Na primeira questão Qual o assunto da notícia,
não é possível identificar propósito discursivo, haja vista que o assunto poderia ser objeto de
discussão de qualquer outro gênero. Quanto à tipologia das perguntas de compreensão, essa
pergunta seria considerada global. A pergunta permitiria ao leitor usar seus conhecimentos
para construir sentidos, mas a fragmentação pela qual o texto passou, dificulta esse
procedimento.
Na segunda questão Escreva, no mínimo, três utilidades da Internet, o leitor precisaria
apenas decodificar e localizar a resposta que se encontra posta na materialidade textual. Não
havendo construção de sentidos, seria uma questão objetiva. Como já informado, não mantém
165

ligação com o elemento social do gênero.


Percebemos que não há critério na seleção de questões de natureza diferente: uma que
exige do leitor localização de informação; outra que estimula dialogar com o texto,
envolvendo seus conhecimentos arquivados
Ainda com relação às características do texto selecionado por V, não temos como julgar
a classificação feita por ela como notícia, pois a ausência de marcas linguístico-enunciativas
nos impedem de construir efeitos de sentido, assim como impediriam aos alunos. Benassi
(2009) afirma que as marcas linguístico-enunciativas estão relacionadas ao tema do texto, às
suas condições de produção, à estrutura. Considerando essas ponderações, não teríamos como
classificar o texto como notícia considerando apenas o tema, haja vista que houve ausência de
elementos definidores das condições de produção e da estrutura linguística. Assim, a
possibilidade de categorizar o texto como, por exemplo, em outro gênero do domínio
discursivo jornalístico seria possível. O recorte da materialidade textual feito por V
impossibilita reconhecer, sobremaneira, a função do gênero, o que não favorece ao aluno
aproximar o texto de seu contexto social e reconhecê-lo dentre outros gêneros.
Na escolha das questões feitas para a avaliação analisada, não foi possível perceber
consideração à função da notícia, pois o texto teve a sua materialidade segmentada. Uma
delas exige do aluno apenas localização de informações já previamente construídas e, a outra,
estimula a construção de sentidos. Julgamos que a inobservância aos elementos linguístico
enunciativos da notícia na estrutura do texto, bem como nas questões para a compreensão do
gênero constituem lacunas na formação teórica em leitura do professor.

6.3.4 As escolhas da professora R

Interpretaremos, agora, os encaminhamentos selecionados pela professora R para


trabalhar o gênero “anúncio publicitário” e a sua atitude na condução da atividade. A
atividade selecionada foi retirada de um livro didático que não era o adotado pela escola.
Apresentamos abaixo o texto e as questões:
166

Figura 1: Atividade proposta pela professora R.

Fonte: Documento concedido pela professora R.

Antes de interpretarmos a adequação das questões para a compreensão do gênero


anúncio e a condução dos encaminhamentos pela professora, informamos que Marcuschi
(2008) localiza o anúncio no domínio discursivo publicitário de modalidade escrita. O
anúncio, na verdade, é um gênero publicitário e tem caráter persuasivo, geralmente, aborda
fenômenos históricos relacionados à vida social e cultural dos indivíduos.
O anúncio publicitário tem o propósito de estimular o desejo de posse do consumidor ou
de aguçar o desejo de assumir uma ideia veiculada. Esse gênero é utilizado a fim de testar
ideias e produtos ou provocar ações e assume um mecanismo de dominação social.
Para Figueiredo (2005), os anúncios apresentam um plano global, constituído por
características, como: título, imagem, slogan, tamanho das letras, cores, linguagem. Em
virtude de sua fluidez, o anúncio pode não apresentar todas essas caraterísticas.
A apresentação do conteúdo temático do anúncio quase sempre ocorre organizada em
parágrafos, associados à imagem, à marca, ao slogan. O parágrafo prototípico é constituído
por frase núcleo, acompanhada de tempo, espaço, enumeração de detalhes, alusão histórica,
167

dentre outras. Há predomínio do pretérito perfeito e do imperfeito, exceto nos anúncios de


caráter institucional em que o tempo presente predomina, além da presença de frases
declarativas e baixa densidade verbal. A hibridez também é característica, pois costuma
envolver o verbal e o não verbal. O modo imperativo predomina a fim de aconselhar, dirigir
uma ordem de compra ou aproximar produtor e destinatário. As escolhas lexicais dos
anúncios são determinadas pelo tema predominante no texto. (FIGUEIREDO, 2005).
Para a discussão das questões, R fez os seguintes esclarecimentos:

Professora R: Mas pra nós falarmos de pronome possessivo, nós


vamos ler essa propaganda. Olha... essa propaganda foi tirada desse
livro aqui, veja que o fundo é verde. Então, vamos ver aqui. Vamos
trabalhar os pronomes através desse texto. Todos vocês sabem o que é
uma propaganda publicitária, né? O que que dizem nas letrinhas
maiores do texto? “Ajude a devolver (...)”. Aí no meio nós temos o
endereço de um site, né, no formato de uma mão e tipo uma árvore.

A professora esclarece que o objetivo da atividade seria o estudo dos pronomes


possessivos. Cita algumas marcas linguístico-enunciativas como a cor verde do fundo da
notícia, um “link” em formato de árvore, todavia não os considera para a percepção dos
propósitos comunicativos do anúncio. Percebemos, também, que se refere ao gênero anúncio
como propaganda. Não temos meios para afirmar se R apenas se enganou ao se referir ao
gênero, uniformizou-os ou se acredita que as características do texto analisado, de fato,
enquadram-se em uma propaganda. As duas últimas hipóteses impediriam os alunos de
reconhecer as funções do anúncio. Vejamos que ao fazer a pergunta com tom retórico Todos
vocês sabem o que é uma propaganda publicitária, né?, anula a necessidade de esclarecer
quais são as características do gênero. Caso tivesse respondido a essa pergunta, ficaria clara a
categorização do gênero.
Esclarecemos, porém, que propaganda e anúncio são dois gêneros, apresentam
distinções entre características linguístico-discursivas, embora participem do mesmo domínio
discursivo. Marcuschi (2008) esclarece que domínio “constituem práticas discursivas nas
quais podemos identificar um conjunto de gêneros textuais que às vezes lhe são próprios ou
específicos como rotinas comunicativas institucionalizadas e instauradoras de relação de
poder”. (p. 155). Fica claro que esses gêneros têm características próprias.
A primeira questão lançada no exercício O anúncio faz parte de uma campanha
168

ecológica. De que modo os leitores podem participar da campanha?, não prioriza reflexão
sobre os propósitos do gênero, pois, além de já informar o objetivo do anúncio, lança uma
pergunta que aos alunos caberia apenas passar os olhos no texto e identificar a resposta, uma
vez que estava explícita na materialidade. Essa questão seria caracterizada como cópia.
Na condução da atividade, R se manifesta sobre a primeira questão:

Professora R: A primeira questão diz o seguinte: de que modo os


leitores (nós) podemos participar dessa campanha? O que vocês
acham? Aqui diz no texto. Onde é que tá a resposta? Já localizaram?
No texto menorzinho diz. Está lá: “é muito simples, interativo e
gratuito (...)”. Pronto! Se você fizer isso, você está entrando na
campanha. Mais uma pessoa que vai ajudar essa campanha de
divulgação. Passem a resposta para o caderno.

Vejamos que R assume postura de limitação da construção de sentidos, uma vez que
encaminha os alunos para uma resposta pronta no texto No texto menorzinho diz. Está lá: “é
muito simples, interativo e gratuito (...)”. Pronto!. A professora, assim, não apenas direciona
os alunos para o texto, como localiza a resposta para eles e solicita o registro da resposta
localizada “Passem a resposta para o caderno”. Tal postura difere, plenamente, do que os
PCN declaram:

os sentidos construídos são resultados da articulação entre as informações do texto e


os conhecimentos ativados pelo leitor no processo de leitura, o texto não está pronto
quando escrito: o modo de ler é também um modo de produzir sentidos. Assim, a
tarefa da escola [...] é, além de expandir os procedimentos básicos aprendidos [...]
explorar, principalmente no que se refere ao texto literário, a funcionalidade dos
elementos constitutivos da obra e sua relação com seu contexto de criação.
(BRASIL, 1998, P. 70-71).

Para a segunda questão A palavra verde geralmente é um adjetivo e significa um tipo de


cor, dois encaminhamentos foram propostos. O primeiro questionava Qual é o sentido dessa
palavra no anúncio?. Entendemos que, para chegar à resposta, o leitor precisaria usar seus
conhecimentos enciclopédicos e perceber as condições de produção do anúncio, pois apenas
ativando um contexto seria possível depreender o significado. Embora a questão leve o leitor
a construir sentidos, ela não permite perceber aspectos sociocomunicativos e funcionais do
gênero. Essa questão seria caracterizada como inferencial.
A professora R, discutindo a atividade, posicionou-se:
169

Professora R: Segunda questão. No anúncio, verde significa o quê?


Planta, né? O verde aí significa planta, significa mata, quando ele diz
assim “Ajude a devolver o verde”, quer dizer ajude a devolver a mata
atlântica, as florestas, é isso né? Porque quando se fala em planta, em
verde, automaticamente, vem na nossa a ideia, justamente, de planta,
de árvores. A planta não tem a cor verde, suas folhas, né? Então, o
sentido é esse.

Consideramos que R não oportunizou aos alunos construir uma resposta para o texto,
mas foi fornecendo uma resposta. Fundamentando-nos em Kleiman (2008a), conseguimos
interpretar que os alunos não foram levados a perceber que, para um texto pode haver leituras
múltiplas, não apenas a resposta que R contruiu como a única possível. Estabeleceu, portanto,
A planta não tem a cor verde, suas folhas, né? Então, o sentido é esse.
Observamos que nem o material didático nem a professora perceberam o elemento cor
como um constituinte do plano global do anúncio e se utilizada a favor da informação e da
comunicação levaria ao reconhecimento do propósito do gênero.
Outro questionamento proposta na segunda questão dizia: No anúncio, a que classe
gramatical (ou classe de palavra) ele pertence?. A questão referia-se, ainda, à palavra verde.
Vejamos que a questão não media compreensão do gênero em estudo e da leitura, mas apenas
o discernimento de classificação de classe gramatical. Entendemos que o ensino de gramática
feito com base no entendimento da organização linguística na relação com a construção de
sentidos tem grande importância, todavia o objetivo da questão proposta não foi esse.
A professora, ao discutir esse encaminhamento, considerou:

Professora R: É o próprio substantivo. Veja o que vem antes da


palavra verde? É um ozinho não é? Essa palavra é um artigo, né
isso? Então, a palavra verde na questão anterior diz o seguinte (...).
Quando eu digo o verde, aí é o próprio substantivo. Coloquem aí.

Constatamos que R se dedicou a encontrar justificativa para a classificação gramatical, e


não a perceber a função dessa palavra para a construção de sentidos.
A esse tipo de questão, Antunes considera que
170

o mais grave é que aquilo que se concebe como sendo “ensino de gramática”, na
verdade, é apenas o ensino de classes de palavras, fora de qualquer contexto de
interação, com ênfase em sua nomenclatura e quase nada sobre suas funções na
construção e na organização dos textos [...]. (ANTUNES, 2009, p. 186).

Marcuschi (2003), também, opõe-se a esse tipo de encaminhamentos por entender que o
conhecimento gramatical se destina a construção de textos. Quanto às questões de
compreensão, o autor considera que muitos problemas ainda são referentes à falta de
organização nas propostas, pois muitas questões que tratam de outros assuntos, como No
anúncio, a que classe gramatical (ou classe de palavra) ele pertence?, aparecem misturadas
às que refletem sobre os sentidos do texto.
No material didático analisado, percebemos que as questões propostas para trabalhar o
anúncio não atendem ao propósito comunicativo do gênero nem facilitam a compreensão da
leitura e envolvem posicionamentos diferentes: questões de localização de informação e
aquelas que exigem ativação de saberes pelo leitor.
Quanto à condução da professora no trabalho com o texto, não percebemos
consideração à função do anúncio, pois no início da atividade, R o categoriza como
propaganda e, no decorrer do trabalho com as questões, não foi possível perceber se a
professora reconhecia a diferença entre os gêneros. Nos exercícios de compreensão, R
priorizou a localização de informações e seleção de respostas para os alunos, inclusive na
única questão que indicava a necessidade de construção de inferências, ela não a considerou.
Não se percebeu adequação às questões de compreensão do texto a fim de acabar com a dupla
postura assumida, além de não as ter adequado ao propósito do gênero.
Analisamos, nesta seção, a seleção e a forma de abordagem das professoras para o
material escolhido na execução do ensino de leitura. O comportamento na condução das
orientações de leitura, evidenciado nas questões propostas, não priorizou a construção de
sentidos, haja vista que era comum optarem por questões de localização ou construírem
respostas para os alunos. Não percebemos, também, comportamento que levasse os alunos a
reconhecer as características funcionais dos gêneros. Diante das questões elaboradas pelos
materiais selecionados, as professoras não desfizeram as inobservâncias aos propósitos dos
gêneros ou desfizeram as inadequações quanto às questões de compreensão dos textos
quando, por exemplo, exigiam do leitor ora criar sentidos, ora reproduzir informações
construídas.
Acreditamos que as posturas acima seguidas pelos professores têm relação com a falta
de subsídios teóricos na formação em leitura a que tiveram acesso. Percebemos que, na
171

condução das atividades e nas escolhas feitas pelas professoras, não foi possível perceber a
riqueza do funcionamento da língua e do texto.
172

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo desse estudo foi investigar as concepções de leitura e as práticas adotadas


pelo professor nesse processo de ensino. Especificamente, buscamos: (i) caracterizar as
concepções de leitura escolhidas pelo professor no cotidiano de orientações leitoras; (ii)
analisar as estratégias de leitura adotadas pelo professor nos encaminhamentos para o estudo
do texto; (iii) caracterizar as escolhas e a forma de abordagem do material didático utilizado
pelo professor no ensino de leitura.
Para desenvolver o estudo, buscamos suportes teóricos relativos à leitura e ao ensino de
leitura, especificamente, no que se refere às concepções e práticas, além da escolha e
abordagem do material utilizado para esse ensino. A investigação sobre esse contexto foi
ancorada em uma pesquisa de natureza qualitativa, adotando uma perspectiva etnográfica. Os
passos trilhados na condução da pesquisa vislumbravam responder às questões eleitas que
norteavam o desenvolvimento do trabalho.
Para chegarmos aos resultados desejados, trilhamos um extenso percurso que começou
pelo levantamento do histórico da educação de jovens e adultos no Brasil, passando pela
exposição dos pressupostos teóricos que fundamentaram a pesquisa, além do ingresso ao
campo (escolas de EJA de 4º ciclo) a fim de acessar os meios que refletiam o ensino de leitura
desenvolvido e, por fim, a interpretação do corpus constituído pelas transcrições das aulas e
das entrevistas com as professoras, notas de campo e dos materiais recolhidos no local
pesquisado. Diante da análise desse corpus buscamos responder às questões de pesquisa.
A primeira questão de pesquisa indagava se a formação em leitura das professoras
reflete no trabalho de leitura. Com a pesquisa, foi possível perceber que a formação das
professoras reflete as escolhas das concepções e práticas de leitura, como veremos na reflexão
das demais questões de pesquisa. Algumas professoras foram enfáticas ao dizer que não
tiveram acesso a uma formação que favorecesse a execução de um ensino de leitura exitoso.
Destacamos um trecho da fala da professora V que demostra a presença de lacunas nas
experiências anteriores de leitura: Eu tenho dificuldade SIM para trabalhar leitura e eu sinto
necessidade de uma... formação continuada (...). Esclarecemos que as professoras que
caracterizaram, positivamente, as suas formações, não optaram por concepções e práticas
produtivas para o ensino de leitura.
A segunda questão buscava investigar que concepções de leitura permeavam o trabalho
das professoras e a terceira buscava saber se essas concepções proporcionavam aos alunos
construir sentidos para os textos. Constatamos que, no cotidiano de orientações leitoras, as
173

professoras priorizaram concepções que não possibilitavam ao leitor construir sentidos, pois
aquelas com o foco no texto e no autor foram predominantes nas escolhas, todavia não houve
uniformidade, pois percebemos, na prática da maioria das professoras, a coexistência de mais
de uma concepção. Nas entrevistas, também, foi constatado a existência de mais de uma
escolha.
Podemos afirmar, então, que não houve concordância entre o trabalho que fazem e o
que dizem, já que, nas entrevistas, todas as professoras sinalizaram a eleição pelo foco
interacional de leitura, todavia, no trabalho prático, M, V e R não elegeram a concepção
interacionista (M adotou como no texto, V foco no texto e no autor, R foco no texto e no
autor) e W elegeu as três concepções. Percebemos, assim, que a falta de uniformidade nas
escolhas não dá ao leitor, possivelmente, a condição de ter seu universo de leituras ampliado,
haja vista que, para isso, ele precise se portar como um construtor de sentidos.
Na quarta questão, buscávamos investigar se as experiências das professoras enquanto
leitoras refletem no seu trabalho com a leitura. A maioria das professoras relatou não ter uma
rotina de leitura. Diante disso, constatamos a relação existente entre as escolhas feitas pelo
professor na sala de aula no que se refere à concepção de leitura e os hábitos leitores, pois
todas as professoras que privilegiam concepções que consideram a postura passiva do leitor
diante do texto relataram não ter uma rotina de leitura.
A quinta questão propunha investigar se as estratégias de compreensão leitora eleitas
para a realização do ensino de leitura permitem uma compreensão leitora eficiente, ou seja, se
os alunos aprendem por meio da leitura. Percebemos que, tanto naquilo que dizem quanto
naquilo que fazem, as professoras não procedem ao ensino de estratégias de leitura. Algumas
descreveram, nas entrevistas, encaminhamentos de atividades que possibilitariam aos alunos
construir sentidos, no entanto, não descreveram as estratégias utilizadas para alcançar esse
trabalho, embora tenhamos questionado quais procedimentos elegiam em suas orientações de
leitura.
Na práxis de sala de aula, também, não constatamos o ensino de estratégias leitoras. Na
maioria dos encaminhamentos presenciados, as professoras limitaram a participação dos
alunos na atribuição de sentidos ao texto, pois era comum protagonizarem interpretação e
apresentarem aos alunos como a única possível. Assim, consideramos que, para um leitor
assumir autonomia sobre suas leituras, precisa eleger estratégias de compreensão leitora, cujo
ensino caberia ao professor.
A última questão objetivava saber se o material didático e os encaminhamentos para
trabalhá-lo são adequados para o desenvolvimento da compreensão leitora dos alunos. Ao
174

analisar os nossos dados, notamos, no que as professoras dizem, desconhecimento sobre o


estilo de questões destinadas à compreensão textual e ao reconhecimento dos propósitos dos
gêneros textuais analisados. Observamos, também, alguns equívocos conceituais sobre a
teoria dos gêneros. No que fazem, comumente, optavam por questões de localização ou
procediam à construção de respostas para os alunos, isentando-os do processo de significação.
Ainda a respeito da condução das atividades, não percebemos as professoras provendo
meios para os alunos perceberem as características funcionais dos gêneros, haja vista que isso
facilitaria compreender o texto. Diante das questões elaboradas pelos materiais didáticos
escolhidos, as possíveis inobservâncias desses materiais quanto aos propósitos dos gêneros
não foram desfeitas pelas professoras ou as inadequações quanto às questões de compreensão
dos textos, quando, por exemplo, havia o convívio de encaminhamentos que exigiam a
postura do leitor de forma ativa na construção de sentidos e aqueles em que bastava ao leitor
localizar informações.
Com o estudo realizado, percebemos que o ensino de leitura desenvolvido pelas
professoras das turmas envolvidas não dá ao sujeito de EJA meios para atuar,
significativamente, como um leitor social, construindo sentidos para os textos com que tem
contato na escola e, por consequência, em seu meio cultural. Não é nosso objetivo, porém,
culpar o professor pela ausência de práticas que oportunizem ao aluno aprender por meio da
leitura, pois percebemos através de relatos como estes: “os professores deveriam ter
realizado mais discussões de como nós trabalharmos leitura na produção de sala de aula [...]
nós não fomos, na universidade, treinados para essa realidade” (PROFESSORA W); “[...]
eu acho que eles, os professores, eles simplesmente pediam pra gente ler [...]. Sempre foi
assim. Eles não faziam discussões dos textos [...] não tinha assim uma maneira de como
trabalhar o texto, né” (PROFESSORA M), que algumas professoras consideraram as
formações a que tiveram acesso como limitadoras e, as que julgaram suas formações de forma
positiva, afastaram-se delas nas práticas que desenvolveram.
Apesar das limitações sinalizadas pelas professoras acima e do afastamento a posições
relatadas como positivas por outras, entendemos que o ensino de leitura empreendido busca,
dentro de suas limitações teóricas e/ou práticas, aproximar o aluno da leitura, embora não os
apontem meios para assumir a postura de um leitor autônomo.
175

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181

APÊNDICE
182

APÊNDICE A – Questões das entrevistas aplicadas com as professoras envolvidas na


pesquisa

Formação acadêmica:

1) Qual curso de graduação você cursou? Em qual instituição? Este curso foi realizado em
modalidade regular ou especial, presencial ou à distância?
2) Concluiu algum curso de pós-graduação? Informe o nome do curso. Este curso foi
realizado em modalidade presencial ou à distância?
3) Você costuma participar de formações, seminários, grupos de estudo que versem sobre
como trabalhar a língua portuguesa, o texto, o ensino de leitura em sala de aula?
4) Você já participou de alguma formação sobre ensino de leitura em EJA?
5) A secretaria de educação provém formações que visem ao aperfeiçoamento do ensino de
leitura?

Formação do professor:

a) Perspectiva de estudo:

1) Quais foram os encaminhamentos sugeridos durante sua formação pedagógica em leitura,


na academia, para a práxis docente?
2) Quais caminhos metodológicos lhes foram apontados para a prática com os alunos?
3) Como você se viu na atuação, no dia-a-dia com a prática e com o seu público real de
trabalho? O que percebeu em relação à teoria e à prática?
4) Caso perceba impasses entre a teoria a que teve acesso e a prática, como os resolve?
5) Em seu plano de aula há direcionamentos para o ensino de leitura?

b) A abordagem de leitura do professor:

1) O que você entende por leitura?


2) Você tem hábito de leitura? Que tipo de leitura costuma fazer?
3) Como você vê a importância da leitura na escola?
4) Você integra o ensino de leitura a outras disciplinas?
5) Como você desenvolve o seu trabalho de ensino de leitura? Quais são as dificuldades
183

enfrentadas? Quais as alternativas empregadas?


6) O que considera importante na compreensão e no estudo de um texto?
7) Que estratégias de leitura você elege nas suas orientações de leitura?
8) Como integra a atividade de leitura de um texto a outras atividades de ensino?

Material didático utilizado


1) Você participou da escolha do livro didático utilizado na escola? Caso não tenha
participado diga por quê.
2) As questões propostas pelos materiais escolhidos por você ou indicados pelo material
didático utilizado proporcionam aos alunos fazer reflexão crítica, permitem expansão ou
construção de sentidos? As funções ou propósitos comunicativos dos gêneros textuais são
atendidos por esses materiais? Caso isso não aconteça, o que você faz?
184

ANEXOS
185

ANEXO A – Documento da SEDUC/Parnaíba que autoriza a realização da pesquisa


186

ANEXO B – Dicas de interpretação indicadas pela professora W


187

ANEXO C – Texto utilizado pela professora W

O diamante

O Hindu tinha chegado aos arredores de certa aldeia e aí sentou-se para dormir,
debaixo de uma árvore.
Chega correndo, então, um habitante daquela aldeia e diz quase sem fôlego:
- Aquela pedra! Eu quero aquela pedra!
- Mas que pedra? Perguntou-lhe o Hindu.
- Ontem à noite, eu vi, meu Senhor Shiva e, num sonho, ele disse que viesse aos
arredores da cidade, ao pôr-do-sol; aí, devia estar o Hindu que me daria uma pedra muito
grande e preciosa que me faria rico para sempre.
Então o Hindu mexeu na sua trouxa e tirou fora a pedra e foi dizendo: “Provavelmente
é desta que ele falou: encontrei-a num trilho de floresta alguns dias atrás; podes levá-las.”
E assim falando, ofereceu-lhe a pedra.
O homem olhou maravilhado para a pedra. Era um diamante e, talvez, o maior jamais
visto no mundo, do tamanho de uma cabeça humana!
Pegou, pois, o diamante e foi-se embora.
Mas, quando veio a noite, ele virava de um lado para outro em sua cama e nada de
dormir. Então, rompendo o dia foi ver de novo o Hindu e o despertou dizendo:
- Eu quero que me dê essa riqueza que lhe tornou possível desfazer-se de um diamante
tão grande assim tão facilmente!
(Anthony de Mello)
188

ANEXO D – Material indicado pela professora W para trabalhar o gênero crônica

As características a seguir são referidas por vários autores


que buscaram compreender a estrutura da crônica como estilo
literário
Lembramos que Chronos é relativo a tempo, e podemos perceber claramente a vinculação
entre Chronos e crônica.
A crônica, breve registro de um determinado momento, está dentro da categoria de textos
narrativos, pois relata algum fato ou situação usando o tempo cronológico e a descrição dos
acontecimentos.

- Texto ligado á vida cotidiana;


- Narrativa informal, familiar, intimista;
- Uso de oralidade na escrita: linguagem coloquial;
- Sensibilidade no contexto com a realidade;
- Síntese; (a crônica se passa em um curto período de tempo, pois isso os fatos não podem
ter grandes desdobramentos).
- Uso de fato cotidiano, corriqueiro, como meio ou pretexto para o artista exercer seu estilo e
criatividade;
- Uma certa dose de lirismo;
- natureza ensaísta
- Leveza;
- Diz coisas sérias através de uma aparente conversa fiada;
- Uso do humor;
- Brevidade, geralmente é um texto curto;
- Por ser baseada em um fato contemporâneo (da época em que o autor escreva: está sujeita
a uma rápida desatualização e à fugacidade do tempo).
189

ANEXO E – Tipologia das perguntas de compreensão em LDP

Quadro 1 – Quadro de tipologia de perguntas de compreensão em LDP (MARCUSCHI, 2003, p. 56-57).


190
191

ANEXO F – Avaliação elaborada pela professora V

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