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Ele saiu do beco usando os novos óculos escuros!

Caminhava se arrastando pelos corredores de


vento uivante, mas não ouvia o som do vento. Era impossível discernir pois seus ouvidos
estavam protegidos pelo elmo digital. Nenhum som senão os da estação ultra wifi que ele havia
programado para aquele dia, batidas retorcidas de alguma nova música dos Future Samplers.
Eles eram a sensação do momento! Já estavam em evidência há seis semanas inteiras. Na
votação da ultra web 8.0 era difícil alguém sobreviver mais que duas semanas. Seus passos o
levavam em direção ao Fim do Mundo! Aquele bar era sensacional, os murais digitais de
resolução 100k das paredes traziam à vida filmes de animais exóticos que viveram séculos antes,
tigres, leões, lobos, cobras, elefantes e crocodilos. Lá em cima zunia uma algazarra de veículos
de todo tipo, era impressionante que mesmo com o transcendport que levava pessoas de um
locala outro instantaneamente tanta gente insistia em pilotar aquelas engenhocas flutuantes.
“Ostentação” pensou ele com um sorriso disfarçado. Sorriu porque ele próprio adorava andar
solitário a pé pelos becos e vielas do submundo, hábito que a sociedade high tech baniu. Mas
ele não, sentia-se confortável em caminhar e explorar aqueles becos e passagens. Seu elmo
digital lhe protegia dos gases tóxicos há tempos assentados no nível mais baixo do solo, a visão
noturna e o radar scan 3d mapeava cada porta lacrada e cada esquina. Nada sobreviveu ao fim
da era do gás carbônico. Quando o petróeo foi abandonado e os infinitos túneis subterrâneos
de onde eram drenados foram instantaneamente invadidos pelas águas salgadas dos mares e
oceanos a humanidade já havia migrado para as alturas. Abandonaram os alicerces de concreto
aqui em baixo e foram viver lá em cima. Ele fazia isso há mais de cinco anos, solitário e feliz. Seu
coração desenvolvera tanto ódio pelo mundo das luzes lá em cima que só se sentia confortável
no silêncio aqui de baixo. Não tinha nada a temer, afinal nenhuma vida sobreviveu ali, nem
mesmo ratos ou baratas. O culto dos ultratechs pregava há anos que a escuridão lá em baixo
era amaldiçoada e que nada de bom poderia emergir de lá. Ele ria sozinho quando por acaso seu
olho selecionava involuntariamente aquelas propagandas religiosas no hud interno do seu elmo.
Se “eles” soubessem o que havia sido plantado lá em baixo. E a caminhada daquela noite era a
última!
Depois de longos cinco anos seguindo rigorosamente seu plano hoje ele terminaria sua obra.

Sentou-se numa poltrona do Fim do Mundo, bebeu uma água hidronizada como sempre fazia.
O Fim do Mundo era o primeiro bar vindo lá de baixo, ficava já na altura das luzes, de suas janelas
só se via escuridão quando se olhava lá em baixo. Sob a base da coluna de concreto que
sustentava infinitas casas e lojas e entre eles o Fim do Mundo ele havia instalado a última black
nuke. Um explosivo tão medonho que ao seu redor pelo menos outras vinte colunas de concreto
seriam pulverizadas junto. Ele havia plantado mais de duas mil dessas, nenhuma das colunas
sobreviveria aquele ato de libertação. Seu coração se encheu de alegria e esplendor.

Sentia-se realizado por antecipação! Terminou de engolir sua água e pegou uma garrafa para
viagem, despediu-se do atendente como se aquela máquina fosse um humano. Passou seu olho
no scan e pagou liberando a porta lazer do bar para que pudesse sair, e sumiu na ofuscante luz
lá de fora. O robô atendente ainda tentava encontrar um código para retribuir o agradecimento
quando ele desapareceu.

Ninguém, nunca, jamais sonhara com o plano dele.

Caminhou e se transportou várias vezes até chegar ao topo, de ode podia ver toda aquela luz.
Sem os óculos novos teria ficado cego em instantes. Todos os humanos o usavam em tempo
integral. Acabou de secar a garrafa e num ato criminoso passível de pena de morte atirou a
garrafa ao vento!

Imediatamente ouviu as sirenes e vislumbrou o piscar de luzes emergindo lá de baixo, as


autoridades o encontrariam em minutos.

Sentou-se e tirou os óculos.

Refletiu por alguns momentos.

“Vou apagar essa luz. Vou levar comigo uma legião de viciados em vidas artificiais. Vou por fim
a essa sociedade barulhenta viciada em silêncio. Hoje é o aniversário do Fim do Diálogo. O
evento que marcou o nascimento desse mundo de zumbis vivos. Há três séculos o homem falou
pela última vez, os bebês desse mundo estão começando a nascer sem língua, sinais da
adaptação ao novo mundo. O Fim do Diálogo encerrou todas as chances de evoluirmos, desde
então todo mundo se preocupou em criar apps e ferramentas para tudo e para todos, de modo
que ninguém mais precisou dialogar. Jantamos pílulas e bebemos água hidronizada para evitar
todo tipo de doença, mas paramos de viver há tempo demais.

Vou apagar essa luz! Sei que muitas outras ainda sobreviverão, mas no meu anonimato talvez
despertem, voltem a plantar árvores, voltem a se ver, voltem a falar uns com os outros, pois um
ato não terá explicação. Buscarão respostas e só as encontrarão se perguntarem uns aos outros.

Alguns chamarão isso de terrorismo, eu chamo de libertação!”


Seu pensamento foi imediatamente lançado na rede ultra wifi e invadiu sistemas de
comunicação de cada humano em seus universos de dados digitais individuais em todas as
cidades iluminadas.

Então pressionou o pulso no exato instante em que os veículos de patrulha robotizada o


avistaram sentadas sobre o telhado iluminado.

Então eclodiu do submundo uma sinfonia de explosões negras sincronizadas e a cidade inteira
afundou numa imensa nuvem negra de detritos pulverizados e silenciou completamente
algumas horas depois.

Apenas mais uma mancha escura em meio á grande escuridão que cobria o mundo lá em baixo.

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