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Sentou-se numa poltrona do Fim do Mundo, bebeu uma água hidronizada como sempre fazia.
O Fim do Mundo era o primeiro bar vindo lá de baixo, ficava já na altura das luzes, de suas janelas
só se via escuridão quando se olhava lá em baixo. Sob a base da coluna de concreto que
sustentava infinitas casas e lojas e entre eles o Fim do Mundo ele havia instalado a última black
nuke. Um explosivo tão medonho que ao seu redor pelo menos outras vinte colunas de concreto
seriam pulverizadas junto. Ele havia plantado mais de duas mil dessas, nenhuma das colunas
sobreviveria aquele ato de libertação. Seu coração se encheu de alegria e esplendor.
Sentia-se realizado por antecipação! Terminou de engolir sua água e pegou uma garrafa para
viagem, despediu-se do atendente como se aquela máquina fosse um humano. Passou seu olho
no scan e pagou liberando a porta lazer do bar para que pudesse sair, e sumiu na ofuscante luz
lá de fora. O robô atendente ainda tentava encontrar um código para retribuir o agradecimento
quando ele desapareceu.
Caminhou e se transportou várias vezes até chegar ao topo, de ode podia ver toda aquela luz.
Sem os óculos novos teria ficado cego em instantes. Todos os humanos o usavam em tempo
integral. Acabou de secar a garrafa e num ato criminoso passível de pena de morte atirou a
garrafa ao vento!
“Vou apagar essa luz. Vou levar comigo uma legião de viciados em vidas artificiais. Vou por fim
a essa sociedade barulhenta viciada em silêncio. Hoje é o aniversário do Fim do Diálogo. O
evento que marcou o nascimento desse mundo de zumbis vivos. Há três séculos o homem falou
pela última vez, os bebês desse mundo estão começando a nascer sem língua, sinais da
adaptação ao novo mundo. O Fim do Diálogo encerrou todas as chances de evoluirmos, desde
então todo mundo se preocupou em criar apps e ferramentas para tudo e para todos, de modo
que ninguém mais precisou dialogar. Jantamos pílulas e bebemos água hidronizada para evitar
todo tipo de doença, mas paramos de viver há tempo demais.
Vou apagar essa luz! Sei que muitas outras ainda sobreviverão, mas no meu anonimato talvez
despertem, voltem a plantar árvores, voltem a se ver, voltem a falar uns com os outros, pois um
ato não terá explicação. Buscarão respostas e só as encontrarão se perguntarem uns aos outros.
Então eclodiu do submundo uma sinfonia de explosões negras sincronizadas e a cidade inteira
afundou numa imensa nuvem negra de detritos pulverizados e silenciou completamente
algumas horas depois.
Apenas mais uma mancha escura em meio á grande escuridão que cobria o mundo lá em baixo.