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Outro efeito simplificador – preocupante, ademais, se pensarmos sobre ao que ele induz em termos
de imaginário de “mudança científica”, junto aos graduandos em Geografia – é o design de uma
trajetória unilinear, contínua ou descontínua, que parte de uma determinada era, atravessa estações
de alteração e aporta numa temporada pluralista. Como ilustração de um desenho do tipo
descontínuo, é comum encontrarmos nos manuais o esquema geral: era tradicionalista (dos
inventários descarregados de teoria), percurso por estações mais normativas (que alguns enaltecerão
como revolucionárias) e alcance de uma temporada polifônica (que outros alguns exaltarão como
aquela em que teria sido definitivamente sancionada a natureza social da ciência geográfica).
Por outro lado, baseados numa literatura amostral anglo-saxônica, francesa e hispânica, pudemos
intuir serem atenuáveis as discordâncias desde que proponhamos uma perspectiva ainda mais
1
Organização do autor, a partir de um rastreamento em <https://www.google.com.br/advanced_search>, com filtros de
configuração (“expressão exata”, “idioma” e arquivo em formato “.PDF”), nos dias 15 e 16 Jul. 2016. [Nestas ocasiões
identificamos o seguinte número de ocorrências para cada termo: “Schools...” (998), “Écoles...” (164) e “Escuelas...”
(513); “Currents...” (7), “Courants...” (123) e “Corrientes...” (639); “Trends...” (1410), “Tendances...” (14500) e
“Tendencias...” (239).].
radicalmente destoante. Explicamos: conquanto essa intuição pareça contraditória, a ideia reside no
fato de que, a despeito dos desacordos, paira sobre as leituras uma relativa “sintonia”; harmonia esta
que, sendo alvo de uma modelagem teórica, constituiria a guia para uma nova leitura interpretativa –
embora, de fato, a sistematização vá repousar agora sobre uma outra sorte de parâmetros.
Partimos da noção de “3 Quadrantes”, segundo a qual as sistematizações preveriam
enquadramentos complementares:
• o primeiro (Q1), abstraindo tempo e espaço (isto é, o modelo neste caso apenas ressaltaria os
“Timbres” gerais dos estudos geográficos);
• o segundo (Q2), abstraindo conjunturas espaciais (quando o modelo apenas faz demarcar numa
linha abstrata de tempo as “Grandes Épocas” da prática e pensamento geográficos); e
• o terceiro (Q3), dando, enfim, ênfase às conjunturas espaciais (quadrante em que a noção de
“Escola” – de pensamento e/ou prática – estaria, a nosso juízo, efetivamente habilitada).
Remontando a partir do conceito de Escola (que definiria, pois, o alcance de uma “Geografia da
Ciência”), passaríamos pelos conceitos de “Corrente” e “Matiz” (respectivamente delimitadores de
“tendências investigativas” e de “variantes de tendência” em pesquisa científica), e atingiríamos
o conceito de “Vertente” (o qual seria uma espécie de derivação – com vistas a viabilizar reflexões
aplicadas – de determinados “Sistemas de Pensamento”, já de ordem particularmente filosófica).
Ou, se preferirmos, em ordem inversa, teríamos uma relativa “descendência” do tipo: Sistema de
Pensamento > Vertente > Corrente > Matiz > Escola.
Pensamos que a sistematização aqui proposta apresenta uma vantagem funcional no âmbito do
ensino de história e filosofia da ciência geográfica.
Figura 2 – As Três Trilhas Discursivas da Geografia
(sent. horário: “postura política”, “prática científica” e “postura estética”)
2
Sugestão de timbre particular para a prática (das mais antigas na história de nossa disciplina) dos inventários
“catalográficos” a campo, descarregados de qualquer grade teórica sofisticada.
3
Sugestão de timbre particular para a prática (tão ou mais datada que a catalográfica) das representações geométricas e
estabelecimento de sistemas de localização. Timbre que aproximou, por largo tempo, geógrafos e astrônomos.
duas últimas seriam, particularmente, as variantes da Corrente “Modelística” de Geografia; enquanto
a primeira, uma ramificação de sua Corrente Irracionalista).
Um modelo de classificação que interponha esses específicos dois timbres (da Corrente e do Matiz)
é particularmente oportuno para o caso do ensino de Epistemologia da Ciência Geográfica (E:cg).
Isso porque os manuais correntes também costumam difundir (talvez mesmo a despeito das boas
intenções de seus autores) a imagem de “paradigmas” da investigação geográfica que seriam quase
que perfeitamente homogêneos, identitários, em suas (aparentes) estritas manifestações –
“Geografía Clásica” (Gomez-Mendonza; Muñoz-Jiménez; Ortega-Cantero, 1994), “Applied
Geography” (Martin; James, 1993), “Humanistic Geography” (Dikshit, 2013) –; sendo que com o
certo agravante de, frequentemente, haver uma multi-rotulagem para cada um destes (supostos)
paradigmas identitários: “Geografía teorética” e “Geografía cuantitativa” (Capel, 1983), “nouvelle
géographie” (Deneux, 2006; Claval, 2008).
Figura 3 – Dos Sistemas de Pensamento Filosófico aos Matizes de Investigação Científica
Nesta opção de tratamento, relativamente mais previsível e simples, admitimos a imagem clássica de
uma linha do tempo (LT) que não realça as conjunturas de espaço. Trata-se, portanto, de um modelo
bastante tradicionalista; e cuja originalidade – se assim podemos denominar – vai ser apenas
residual (se bem que igualmente útil para conferir alguma versatilidade ao ensino de E:cg): ele
remaneja os termos correntes nos manuais, a fim de pontuar as visíveis inflexões havidas na história
da Geografia (geografias “Antiga”, “Moderna”, “Científica”, etc.).
Em nossa LT é proposto o séc.18 como marco temporal fronteiriço entre uma longa “era pré-
científica” da Geografia e a atual “era científica”. O referido século é escolhido em função de ter
ambientado não as primeiras, decerto, mas as mais expressivas iniciativas de promover a
institucionalização dos saberes geográficos (neste contexto, saberes já concluindo sua decisiva
articulação com as instâncias político-administrativas e com os modernos códigos de localização e
representação do espaço).
Propomos, contudo, que dados os notórios feitos empreendidos por personagens precursores (tais
como Bernhard Varen, 1622-1650), a faixa temporal entre os séculos 17 e 18 constitua a “época
pré-moderna” – uma temporada de antecedentes; ou, de preparação da nova era a eclodir. Nesta
estreita faixa de tempo se arquitetarão, aos poucos, os princípios canônicos da vindoura ciência
Geografia: localização, distribuição, conectividade, dicotomia.
Por conseguinte, a época inaugural da era científica receberia a denominação de “época moderna”,
que entendemos se estender por cerca de dois séculos de meio (do séc.18 até meados dos anos
1950s). Uma temporada suficientemente longa para que se concebessem, disseminassem,
adaptassem e cristalizassem progressivas sistematizações do trabalho e da linguagem do geógrafo –
mas tendo havido em seus cerca de oitenta derradeiros anos um incremento discursivo e
bibliográfico mais substantivo (“Período Clássico”, nomearíamos). Esta brilhante microtemporada
seria sucedida pela “época contemporânea”, a contar dos anos 1950s.
Como todos sabemos, esta nossa época está fundamentalmente caracterizada pelo emprego
generalizado de protótipos teóricos que, como a adjetivação já indica, operam na interposição de um
parâmetro analítico-interpretativo a partir do qual os geógrafos estimam a causalidade (ou os
significados) dos fenômenos e processos.
No sentido de uma hipotética “ponta” extrema oposta dessa LT, estaria demarcada a “época
antiga”. Difícil de estabelecer qualquer marco preciso de sua eclosão, o fato é que ela (excetuando
aquela pequena temporada sugerida, pré-moderna) praticamente coincidiria com a grande era pré-
científica. E se admitirmos a ideia de que os saberes geográficos já teriam estado presentes e ativos
quando o exercício das faculdades cognitivas habilitou nossa espécie, em tempos já remotos, a
desenharem as estratégias de sobrevivência que tinham a ver com táticas de mobilidade e
demarcação de territórios de uso, então essa extensa era deverá ser contada em dezenas de milênios.
Isto é, a “tardia” ciência geográfica teria numa antiquíssima prática sociobiológica da geografia
(uma geografia da sobrevivência, praticamente) sua ancestralidade.
3. Quadrante terceiro (Q3): o advento de “escolas”, numa geografia das práticas científicas
Este terceiro âmbito do modelo geral de sistematização eleva a Geografia ao piso dos ângulos já
metacientíficos. Isto é, a disciplina deixa de ser apenas “mais um” objeto a ser examinado pela
Epistemologia (logo, filosófica e historicamente), e passa a constituir, também ela, uma lente
analítica disposta sobre (possivelmente) outras ciências que não ela própria – a exemplo do que faz
uma Sociologia da Ciência, lente analítica mirando as relações de grupo operantes na prática da
Física, por exemplo. Assim, sem qualquer dúvida, se fariam estudos, por exemplo, de “Geografia da
Química”, “Geo. da Ciência Política”, etc. Isso porque, digamos, uma “geografia do pensamento e
da prática científicos” falaria do advento (sempre local) de certo estilo interpretativo (ou modalidade
técnica) que, uma vez perceptível (o que chamaríamos “eclosão”), se desenrolaria por um
determinado lapso de tempo, findo o qual (por fatores naturais de amadurecimento) poderíamos
atribuir a essa etapa de epílogo o termo “ocaso”. Há, portanto, neste quadrante três, fortemente a
presença da noção de tempo; muito embora, é claro, seja a ênfase na conjuntura espacial o que
interessa à análise. “Onde” se constituíram (ou foram adaptados/reinterpretados, ou pura e
simplesmente aplicados, ou, ainda, retransmitidos) certo modelo teórico ou artefato/procedimento
técnico? Um Δt decorre e fala da trajetória de um local tornado bastante vívido: um coletivo de
professores de ações bem harmonizadas, um programa de pós-graduação centrado em projetos
originais e fecundos, uma agremiação de pesquisadores bem estribada em infraestrutura laboratorial
e favorecedora de interlocuções efervescentes ... enfim, places onde os empreendimentos – tenham
ocorrido por um jogo caprichoso de contingências, ou sido perfeitamente deliberados pelos atores do
lugar – tenderão a atrair mais sujeitos, vindos “de fora” (novos jovens doutorandos, p.ex.), bem
como a propagar ideários e exportar profissionais capacitados. Numa dinâmica local (provisória,
mas com prazo não fixo) onde passam a operar o que poderíamos referir como forças “centrípetas”
e “centrífugas”.
Mas então o que teria de significar um necessário “quarto quadrante”? Uma abstrata geografia onde
pudessem estar rebatidas filosofia, história e geografia da(s) ciência(s)? Não saberíamos por ora
asseverar.
O certo é que as confusões que se manifestam no imaginário dos estudantes de Geografia, muito
previsivelmente, decorrem desta falta de aclaramento: em que precisos momentos sobre a prática ou
postura geográfica (a da investigação científica ou a do engajamento político) cabe fazer uma
análise filosófica? E de que natureza ela precisaria ser, caso a caso? Já de saída é preocupante ver
que, pelo menos em se tratando de Brasil, não é tão frequente na literatura sobre Epistemologia da
Geografia o recurso a tudo aquilo que a bibliografia mais específica em Filosofia da Ciência tem
documentado aos interessados. Como é perturbador notar que, talvez mirando alvos errados, temos
estado a extrair de uma filosofia continental generalista orientações que se provam, na realidade,
débeis se a nossa meta é compreender e avaliar a prática da investigação especialmente “científica”
em Geografia.
A referida bibliografia – literatura longeva e extensa –, sem dúvida, poderia nos auxiliar, numa das
trilhas da Geografia, a melhor perceber os entretons dos sistemas de pensamento e suas dimanações
até os terrenos da metodologia científica. Não é que pelos quadrantes queiramos trazer à vista vieses
originais; é quase o contrário. Pelo modelo apenas intentamos propor o design de unidades didáticas
mediante as quais “melhor enquadrar” (a nosso modesto juízo) três questões-chave para o ensino de
natureza da ciência geográfica: (a) como sistemas de pensamento filosófico se transpõem ou
desembocam nos variantes tipos de procedimento investigativo do geógrafo; (b) como os
empreendimentos sucessivos na história da Geografia podem ser distribuídos em eras e épocas,
tirando-se proveito das principais denominações já correntes nos manuais; e (c) como ressaltar que a
própria Geografia pode constituir-se em uma perspectiva analítica a mais dentro das disciplinas
metacientíficas – validando-se aí o campo da “Geografia da Ciência” e, nesta precisa mira de tiro, o
termo “Escola”.
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