Está en la página 1de 15

Um modelo de classificação e de periodização dos estudos científicos em Geografia

Dante F. C. Reis Jr.


Prof. Adjunto, Departamento de Geografia, Universidade de Brasília
LAGIM, Laboratório de Geo-Iconografia e Multimídias
dantereis@unb.br
Resumo
Design de um modelo “tripartido”, pelo qual propomos o tratamento de temas de história e filosofia
da ciência geográfica mediante (i) rearticulação lógica entre termos correntes mas de uso descuidado
(Sistema de Pensamento, Vertente, Corrente), (ii) rearranjo simples de grandes marcos temporais e
(iii) configuração de um campo particular para os estudos de “geografia da ciência” (caso exclusivo
em que o termo “Escola” estaria habilitado). Os dois primeiros aspectos do modelo dizem respeito a
uma “Epistemologia da Geografia”; enquanto o terceiro, a uma “Epistemologia Geográfica”. O
protótipo, portanto, pode ter serventia no ensino universitário, a fim de propiciar exercícios
interpretativos da dimensão tanto científica, quanto metacientífica da Geografia.
Palavras-chave: sistemas de pensamento filosófico; correntes de prática científica; geografia da
ciência
Abstract
Design of a “three-way” model for which we propose an approach of history and philosophy of
geographical science topics by (i) logic re-articulation between current terminology although of
careless use (Thought System, Strand, Current), (ii) simple rearrangement of large turning points
and (iii) setting up a particular field for studies in “geography of science” (the single case in which
“School” term would be enabled). The first two aspects of the model relate to an “Epistemology of
Geography”; the third, to an “Geographical Epistemology”. The prototype therefore may have
usefulness in higher education, in order to provide interpretative exercises about scientific and meta-
scientific dimensions of Geography.
Keywords: systems of philosophical thought; currents of scientific practice; geography of science

Introdução: o problema e algumas táticas de abordagem


Manuais correntes que tratam de “pensamento geográfico” (geographical thought, pensée
géographique, pensamiento geográfico) nem sempre esclarecem com precisão os muito diferentes
ângulos pelos quais uma análise filosófica pode ser feita. Por exemplo, para o caso Geografia,
mesmo – que tanto compreende setores que seguem uma trilha alinhada com os cânones da prática
científica (ou seja, com a normatividade dos critérios de validação), quanto envolve a manifestação
de posturas estéticas e políticas (ou seja, para além daquela trilha, onde paixões e afiliações, embora
se infiltrem, têm de ser minimamente controladas, a fim de que não tornem a processualística refém
de seus pendores ideológicos).
Numa tomada genérica, para a Geografia poderíamos traçar dois particulares ângulos de ataque para
uma análise filosófica: um de segunda ordem (epistemológico, portanto) e um de “ordem zero”,
digamos assim (ontológico, presumivelmente). Em Reis Jr. (2016) definiu-se este último ângulo
como “Filosofia da Geografia” (notação simbólica “F:G”). Demarca análise de “ordem zero” por
constituir âmbito em que se trata de questões que não chegam propriamente a interferir de modo
direto na prática da ciência. O “filósofo da Geografia”, neste caso, especula detalhes
“essencialistas”; se pergunta coisas do tipo: “Que ‘espaço’ é esse que interessa a Geografia?”;
“Qual sua ‘natureza’?”; “Qual a ‘condição existencial’ dos sujeitos que têm experiências em/com
‘ele’?”; “Que ‘significa’ explora-lo, produzi-lo, percebê-lo?”; “Qual é, afinal, seu estatuto
realístico?” ... é uma materialidade “constatada”, um panorama “enaltecido”, uma estrutura
“organizada”, um sistema “planejado”, um território “apropriado”, um mundo “vivido”? Em F:G
tendemos a nos aproximar de filosofias generalistas. Um procedimento natural e não grave – posto
que (se presume) o filósofo da Geografia deva estar, decerto, consciente de que, servindo-se de
autores clássicos associados aos sistemas filosóficos pivôs, não se chega necessariamente em
teorização robusta sobre o conhecimento científico. Em outras palavras, abre-se em F:G margem a
juízos estéticos e morais (mais sintonizados, por conseguinte, com aquelas referidas “posturas”, não
normativas); juízos que, realmente, não são diretos interferentes na prática da investigação
científica. Por outro lado, em F:G o exercício intelectual de diagnosticar incorporação de orientações
filosóficas pode redundar em análises interessantes, tais como a de uma “poética do espaço”
(aproximação potencial com as artes) ou a de “injustiça espacial” (com o pensamento político,
agora).
Já numa mirada especialmente dirigida à produção de conhecimento científico, em Reis Jr. (2016)
definiu-se o patamar da “Epistemologia da Ciência Geográfica” (notação “E:cg”). Este ângulo
exprime sua especialidade numa espécie de “redução”, visto que no domínio metateórico dos
estudos de natureza da ciência (entendamos: já além ou “acima” das investigações sobre, p.ex.,
fenômenos da natureza – logo, uma típica ação epistemológica, de “mezanino”; e mais um pouco
acima ainda das especulações essencialistas do gênero “natureza da natureza” – ontológicas, de
“subsolo”), o agora “epistemólogo da ciência geográfica” examina os aspectos internalistas e
externalistas da produção do conhecimento particularmente científico, em Geografia. Ou seja, tanto
os expedientes racionais envolvidos na representação abstrata das dinâmicas de interface
natureza|sociedade (racionalidade presente na semiologia dos mapas, p.ex.), quanto as circunstâncias
conjunturais motivadoras da (ou intervenientes na) prática social desta geociência. Em síntese, o
epistemólogo (filósofo “reduzido”) da Geografia se interessa antes pelas normatividades e contextos
– todos eles fatores mobilizados na geração de saberes de “ordem um” (sobre, digamos, feições
paisagísticas ou padrões de ocupação e uso do solo).

Figura 1 – Encontros entre Filosofia e Ciência, em “Três Pisos”

Duas ordens de sistematização (sobre a natureza e a história) da ciência geográfica encontram,


naqueles mesmos manuais, propostas díspares. Porque apesar de haver certa proximidade entre
algumas delas, são também notáveis os dissensos e as divergências. Resulta disso, por exemplo, o
emprego livre de terminologias que, a nosso juízo, mereceriam uma categorização mais
disciplinada: “escolas” (schools of geographical thought; écoles géographiques; escuelas de
pensamiento geográfico), “correntes” (currents of geographic thought; courants géographiques;
corrientes de pensamiento geográfico), “tendências” (trends in geographic thought; tendances de la
géographie; tendencias del pensamiento geográfico), etc.

Quadro 1 – Análise Bibliométrica da Ocorrência de Termos1

Outro efeito simplificador – preocupante, ademais, se pensarmos sobre ao que ele induz em termos
de imaginário de “mudança científica”, junto aos graduandos em Geografia – é o design de uma
trajetória unilinear, contínua ou descontínua, que parte de uma determinada era, atravessa estações
de alteração e aporta numa temporada pluralista. Como ilustração de um desenho do tipo
descontínuo, é comum encontrarmos nos manuais o esquema geral: era tradicionalista (dos
inventários descarregados de teoria), percurso por estações mais normativas (que alguns enaltecerão
como revolucionárias) e alcance de uma temporada polifônica (que outros alguns exaltarão como
aquela em que teria sido definitivamente sancionada a natureza social da ciência geográfica).
Por outro lado, baseados numa literatura amostral anglo-saxônica, francesa e hispânica, pudemos
intuir serem atenuáveis as discordâncias desde que proponhamos uma perspectiva ainda mais

1
Organização do autor, a partir de um rastreamento em <https://www.google.com.br/advanced_search>, com filtros de
configuração (“expressão exata”, “idioma” e arquivo em formato “.PDF”), nos dias 15 e 16 Jul. 2016. [Nestas ocasiões
identificamos o seguinte número de ocorrências para cada termo: “Schools...” (998), “Écoles...” (164) e “Escuelas...”
(513); “Currents...” (7), “Courants...” (123) e “Corrientes...” (639); “Trends...” (1410), “Tendances...” (14500) e
“Tendencias...” (239).].
radicalmente destoante. Explicamos: conquanto essa intuição pareça contraditória, a ideia reside no
fato de que, a despeito dos desacordos, paira sobre as leituras uma relativa “sintonia”; harmonia esta
que, sendo alvo de uma modelagem teórica, constituiria a guia para uma nova leitura interpretativa –
embora, de fato, a sistematização vá repousar agora sobre uma outra sorte de parâmetros.
Partimos da noção de “3 Quadrantes”, segundo a qual as sistematizações preveriam
enquadramentos complementares:
• o primeiro (Q1), abstraindo tempo e espaço (isto é, o modelo neste caso apenas ressaltaria os
“Timbres” gerais dos estudos geográficos);
• o segundo (Q2), abstraindo conjunturas espaciais (quando o modelo apenas faz demarcar numa
linha abstrata de tempo as “Grandes Épocas” da prática e pensamento geográficos); e
• o terceiro (Q3), dando, enfim, ênfase às conjunturas espaciais (quadrante em que a noção de
“Escola” – de pensamento e/ou prática – estaria, a nosso juízo, efetivamente habilitada).
Remontando a partir do conceito de Escola (que definiria, pois, o alcance de uma “Geografia da
Ciência”), passaríamos pelos conceitos de “Corrente” e “Matiz” (respectivamente delimitadores de
“tendências investigativas” e de “variantes de tendência” em pesquisa científica), e atingiríamos
o conceito de “Vertente” (o qual seria uma espécie de derivação – com vistas a viabilizar reflexões
aplicadas – de determinados “Sistemas de Pensamento”, já de ordem particularmente filosófica).
Ou, se preferirmos, em ordem inversa, teríamos uma relativa “descendência” do tipo: Sistema de
Pensamento > Vertente > Corrente > Matiz > Escola.
Pensamos que a sistematização aqui proposta apresenta uma vantagem funcional no âmbito do
ensino de história e filosofia da ciência geográfica.
Figura 2 – As Três Trilhas Discursivas da Geografia
(sent. horário: “postura política”, “prática científica” e “postura estética”)

1. Quadrante primeiro (Q1): modelo de “timbres”, a partir de uma imagem de fluência

Descreveremos o esquema seguindo aquela linha de descendência acima referida (SP>V>C>M>E).


Em nossa proposição os “Sistemas de Pensamento” (SP’s) são os timbres formados pelas grandes
orientações filosóficas do entendimento humano. Grandes visões de mundo que, muito
naturalmente, tenderão a estar infiltradas (“mais adiante”, na cadeia das constituições explanatórias)
nos esquemas científicos de descrição/interpretação. Três pares de SP’s são particularmente
motrizes, sendo que há uma certa predisposição de um dos constituintes do par inserir-se no plano
do concreto e dos sentidos (enquanto o outro parece enraizado mais no plano do abstrato, da razão ...
com alguma migração possível à sensibilidade emocional). Os três pares seriam: Empirismo e
Racionalismo, Realismo e Idealismo, Materialismo e Humanismo. A História da Filosofia
demonstra quão vasta pode ser se tomarmos cada um destes seis SP’s como uma “família” ou
“ordem” de pensamento. Fato verificado já pela heterogeneidade de autores possíveis de vincular,
por dado motivo, a uma dessas famílias.
Podemos enxergar os Sistemas como que canais encravados num altiplano. Quando, porém, escoam
em declive assumem a condição as Vertentes.
“Vertente” viria a ser, portanto, uma derivação a partir de um ou vários SP’s; sendo que detentora já
de uma característica muito peculiar: tem intenção concentrada (ou, ação centrada) a um fim.
Descola-se das moções meramente especulativas e/ou essencialistas, rumando a um plano que logo
poderá redundar em argumentações propriamente resolutivas, ou pelo menos dirigidas a contextos
mais aplicados. Isso significa, então, que uma Vertente, de certo modo, intermedeia ou conecta um
planalto de reflexões filosóficas a uma planície de práticas científicas. E, como se presume, também
pode ser entendida como uma ordem mais especial de SP’s “antecedentes”. O Positivismo Lógico,
assim como as várias modalidades de Pragmatismo, seriam bons exemplos de Vertentes – chamando
a atenção para o fato de que o primeiro verteria uma mescla ou confluência dos sistemas empirista e
racionalista.
[Em pesquisas anteriores já nos referimos a essa transição PhiSci como uma “introjeção” de
“preceitos filosóficos” em “premissas científicas” (Reis Jr., 2014), ou como uma “correspondência”
relativa entre “cláusulas” do sistema filosófico e “atributos” do discurso científico (Reis Jr. et al.
2016).].
Realizada a “derivação” encontramo-nos, por fim, no baixo terreno do pensamento e da prática
científicos. Por esta planície mundana escoam todos aqueles canais que serão, em última análise,
“rebatimentos” (no plano agora das investigações normatizadas) de SP’s e V’s ascendentes. É nesta
planície ou campo aberto que localizaremos a atuação de uma ciência. E chamaremos “Corrente”
cada possível manifestação (já, é claro, embebida em projetos aplicados e/ou resolutivos) de
pensamentos filosóficos redivivos. Ela consiste, então, de uma “tendência” verificada dentro de um
campo científico.
Seguindo na analogia fluvial, é conveniente incorporarmos também a imagem dos canais que se
ramificam em avulsão. Estes ramos instituiriam o timbre “Matizes”.
“Matiz” representaria uma “variante” alternativa de certa tendência. Sendo assim, considerando o
caso da ciência geográfica, enquanto tendências que aqui denominaríamos Geografia “Descritivo-
Classificatória”2, Geo. “Matemático-Mensurativa”3, Geo. “Modelística” e Geo. “Irracionalista”
configurariam Correntes, variantes de tendência tais como (digamos) Geografia “I.-Humanística”,
G.“M.-Quantitativa” e G.“M.-Representacional” configurariam Matizes. (Ressaltando que estas

2
Sugestão de timbre particular para a prática (das mais antigas na história de nossa disciplina) dos inventários
“catalográficos” a campo, descarregados de qualquer grade teórica sofisticada.
3
Sugestão de timbre particular para a prática (tão ou mais datada que a catalográfica) das representações geométricas e
estabelecimento de sistemas de localização. Timbre que aproximou, por largo tempo, geógrafos e astrônomos.
duas últimas seriam, particularmente, as variantes da Corrente “Modelística” de Geografia; enquanto
a primeira, uma ramificação de sua Corrente Irracionalista).

Quadro 2 – Exemplo de Proposta de Reclassificação

Um modelo de classificação que interponha esses específicos dois timbres (da Corrente e do Matiz)
é particularmente oportuno para o caso do ensino de Epistemologia da Ciência Geográfica (E:cg).
Isso porque os manuais correntes também costumam difundir (talvez mesmo a despeito das boas
intenções de seus autores) a imagem de “paradigmas” da investigação geográfica que seriam quase
que perfeitamente homogêneos, identitários, em suas (aparentes) estritas manifestações –
“Geografía Clásica” (Gomez-Mendonza; Muñoz-Jiménez; Ortega-Cantero, 1994), “Applied
Geography” (Martin; James, 1993), “Humanistic Geography” (Dikshit, 2013) –; sendo que com o
certo agravante de, frequentemente, haver uma multi-rotulagem para cada um destes (supostos)
paradigmas identitários: “Geografía teorética” e “Geografía cuantitativa” (Capel, 1983), “nouvelle
géographie” (Deneux, 2006; Claval, 2008).
Figura 3 – Dos Sistemas de Pensamento Filosófico aos Matizes de Investigação Científica

2. Quadrante segundo (Q2): “grandes épocas”, num modelo de marcos temporais

Nesta opção de tratamento, relativamente mais previsível e simples, admitimos a imagem clássica de
uma linha do tempo (LT) que não realça as conjunturas de espaço. Trata-se, portanto, de um modelo
bastante tradicionalista; e cuja originalidade – se assim podemos denominar – vai ser apenas
residual (se bem que igualmente útil para conferir alguma versatilidade ao ensino de E:cg): ele
remaneja os termos correntes nos manuais, a fim de pontuar as visíveis inflexões havidas na história
da Geografia (geografias “Antiga”, “Moderna”, “Científica”, etc.).
Em nossa LT é proposto o séc.18 como marco temporal fronteiriço entre uma longa “era pré-
científica” da Geografia e a atual “era científica”. O referido século é escolhido em função de ter
ambientado não as primeiras, decerto, mas as mais expressivas iniciativas de promover a
institucionalização dos saberes geográficos (neste contexto, saberes já concluindo sua decisiva
articulação com as instâncias político-administrativas e com os modernos códigos de localização e
representação do espaço).
Propomos, contudo, que dados os notórios feitos empreendidos por personagens precursores (tais
como Bernhard Varen, 1622-1650), a faixa temporal entre os séculos 17 e 18 constitua a “época
pré-moderna” – uma temporada de antecedentes; ou, de preparação da nova era a eclodir. Nesta
estreita faixa de tempo se arquitetarão, aos poucos, os princípios canônicos da vindoura ciência
Geografia: localização, distribuição, conectividade, dicotomia.
Por conseguinte, a época inaugural da era científica receberia a denominação de “época moderna”,
que entendemos se estender por cerca de dois séculos de meio (do séc.18 até meados dos anos
1950s). Uma temporada suficientemente longa para que se concebessem, disseminassem,
adaptassem e cristalizassem progressivas sistematizações do trabalho e da linguagem do geógrafo –
mas tendo havido em seus cerca de oitenta derradeiros anos um incremento discursivo e
bibliográfico mais substantivo (“Período Clássico”, nomearíamos). Esta brilhante microtemporada
seria sucedida pela “época contemporânea”, a contar dos anos 1950s.
Como todos sabemos, esta nossa época está fundamentalmente caracterizada pelo emprego
generalizado de protótipos teóricos que, como a adjetivação já indica, operam na interposição de um
parâmetro analítico-interpretativo a partir do qual os geógrafos estimam a causalidade (ou os
significados) dos fenômenos e processos.
No sentido de uma hipotética “ponta” extrema oposta dessa LT, estaria demarcada a “época
antiga”. Difícil de estabelecer qualquer marco preciso de sua eclosão, o fato é que ela (excetuando
aquela pequena temporada sugerida, pré-moderna) praticamente coincidiria com a grande era pré-
científica. E se admitirmos a ideia de que os saberes geográficos já teriam estado presentes e ativos
quando o exercício das faculdades cognitivas habilitou nossa espécie, em tempos já remotos, a
desenharem as estratégias de sobrevivência que tinham a ver com táticas de mobilidade e
demarcação de territórios de uso, então essa extensa era deverá ser contada em dezenas de milênios.
Isto é, a “tardia” ciência geográfica teria numa antiquíssima prática sociobiológica da geografia
(uma geografia da sobrevivência, praticamente) sua ancestralidade.

Figura 4 – Linha do Tempo com Grandes Épocas

3. Quadrante terceiro (Q3): o advento de “escolas”, numa geografia das práticas científicas

Este terceiro âmbito do modelo geral de sistematização eleva a Geografia ao piso dos ângulos já
metacientíficos. Isto é, a disciplina deixa de ser apenas “mais um” objeto a ser examinado pela
Epistemologia (logo, filosófica e historicamente), e passa a constituir, também ela, uma lente
analítica disposta sobre (possivelmente) outras ciências que não ela própria – a exemplo do que faz
uma Sociologia da Ciência, lente analítica mirando as relações de grupo operantes na prática da
Física, por exemplo. Assim, sem qualquer dúvida, se fariam estudos, por exemplo, de “Geografia da
Química”, “Geo. da Ciência Política”, etc. Isso porque, digamos, uma “geografia do pensamento e
da prática científicos” falaria do advento (sempre local) de certo estilo interpretativo (ou modalidade
técnica) que, uma vez perceptível (o que chamaríamos “eclosão”), se desenrolaria por um
determinado lapso de tempo, findo o qual (por fatores naturais de amadurecimento) poderíamos
atribuir a essa etapa de epílogo o termo “ocaso”. Há, portanto, neste quadrante três, fortemente a
presença da noção de tempo; muito embora, é claro, seja a ênfase na conjuntura espacial o que
interessa à análise. “Onde” se constituíram (ou foram adaptados/reinterpretados, ou pura e
simplesmente aplicados, ou, ainda, retransmitidos) certo modelo teórico ou artefato/procedimento
técnico? Um Δt decorre e fala da trajetória de um local tornado bastante vívido: um coletivo de
professores de ações bem harmonizadas, um programa de pós-graduação centrado em projetos
originais e fecundos, uma agremiação de pesquisadores bem estribada em infraestrutura laboratorial
e favorecedora de interlocuções efervescentes ... enfim, places onde os empreendimentos – tenham
ocorrido por um jogo caprichoso de contingências, ou sido perfeitamente deliberados pelos atores do
lugar – tenderão a atrair mais sujeitos, vindos “de fora” (novos jovens doutorandos, p.ex.), bem
como a propagar ideários e exportar profissionais capacitados. Numa dinâmica local (provisória,
mas com prazo não fixo) onde passam a operar o que poderíamos referir como forças “centrípetas”
e “centrífugas”.

Figura 5 – Geografia dos Pensamentos e das Práticas Científicas


Considerações finais

Mas então o que teria de significar um necessário “quarto quadrante”? Uma abstrata geografia onde
pudessem estar rebatidas filosofia, história e geografia da(s) ciência(s)? Não saberíamos por ora
asseverar.
O certo é que as confusões que se manifestam no imaginário dos estudantes de Geografia, muito
previsivelmente, decorrem desta falta de aclaramento: em que precisos momentos sobre a prática ou
postura geográfica (a da investigação científica ou a do engajamento político) cabe fazer uma
análise filosófica? E de que natureza ela precisaria ser, caso a caso? Já de saída é preocupante ver
que, pelo menos em se tratando de Brasil, não é tão frequente na literatura sobre Epistemologia da
Geografia o recurso a tudo aquilo que a bibliografia mais específica em Filosofia da Ciência tem
documentado aos interessados. Como é perturbador notar que, talvez mirando alvos errados, temos
estado a extrair de uma filosofia continental generalista orientações que se provam, na realidade,
débeis se a nossa meta é compreender e avaliar a prática da investigação especialmente “científica”
em Geografia.
A referida bibliografia – literatura longeva e extensa –, sem dúvida, poderia nos auxiliar, numa das
trilhas da Geografia, a melhor perceber os entretons dos sistemas de pensamento e suas dimanações
até os terrenos da metodologia científica. Não é que pelos quadrantes queiramos trazer à vista vieses
originais; é quase o contrário. Pelo modelo apenas intentamos propor o design de unidades didáticas
mediante as quais “melhor enquadrar” (a nosso modesto juízo) três questões-chave para o ensino de
natureza da ciência geográfica: (a) como sistemas de pensamento filosófico se transpõem ou
desembocam nos variantes tipos de procedimento investigativo do geógrafo; (b) como os
empreendimentos sucessivos na história da Geografia podem ser distribuídos em eras e épocas,
tirando-se proveito das principais denominações já correntes nos manuais; e (c) como ressaltar que a
própria Geografia pode constituir-se em uma perspectiva analítica a mais dentro das disciplinas
metacientíficas – validando-se aí o campo da “Geografia da Ciência” e, nesta precisa mira de tiro, o
termo “Escola”.

Literatura Consultada
ADÚRIZ-BRAVO, A.; MORALES, L. El concepto de modelo en la enseñanza de la física:
consideraciones epistemológicas, didácticas y retóricas. Caderno Catarinense de Ensino de Física,
v. 19, n. 1, p. 76-89, abr. 2002.
AUDI, R. (Ed.). The Cambridge dictionary of philosophy. 2. ed. Cambridge: CUP, 1999. 1001p.
CLAVAL, P. Histoire de la géographie. 3. ed. Paris: PUF, 2008. 127p.
CAPEL, H. Filosofía y ciencia en la geografía contemporânea: una introducción a la geografía. 2.
ed. Barcelona: Barcanova, 1983. 509p.
DENEUX, J.-F. Histoire de la pensée géographique. Paris: Belin, 2006. 255p.
DIKSHIT, R. D. Geographic thought: a contextual history of ideas. 12. ed. Delhi: PHI Learning,
2013. 300p.
FLECK, L. Genesis and development of a scientific fact. Chicago: UCP, 1979 [1935]. 203p.
GOMEZ-MENDONZA, J.; MUÑOZ-JIMÉNEZ, J.; ORTEGA-CANTERO, N. El pensamiento
geográfico: estudio interpretativo y antología de textos (de Humboldt a las tendencias radicales). 2.
ed. Madrid: Alianza, 1994. 545p.
LAMEGO, M. Genius loci: duas versões da geografia quantitativa no Brasil. Terra Brasilis (Nova
Série), n. 5, p. 1-12, 2015.
LATOUR, B. Reassembling the social: an introduction to actor-network-theory. New York: OUP,
2005. 301p.
LIVINGSTONE, D. N. Putting science in its place: geographies of scientific knowledge. Chicago:
UCP, 2003. 244p.
MARTIN, G. J.; JAMES, P. E. All possible worlds: a history of geographical ideas. 3. ed. New
York: J. Wiley, 1993. 585p.
PESSOA JR., O. A classificação das diferentes posições em filosofia da ciência. Cognitio-Estudos:
Revista Eletrônica de Filosofia, v. 6, n. 1, p. 54-60, jan./jun. 2009.
REIS JR., D. F. C. Universais de filosofia, história e geografia das ciências ... e o exemplar fértil da
ciência geográfica. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA DA CIÊNCIA E DA
TECNOLOGIA. 14., 2014, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: UFMG, 2014. 15p. Disponível
em: <http://www.14snhct.sbhc.org.br/arquivo/download?ID_ARQUIVO=1679>.
REIS JR., D. F. C. Filosofia da geografia, epistemologia da ciência geográfica e geografia da
ciência: definições e correspondências. In: Encontro de Filosofia e História da Ciência do Cone Sul,
10., 2016, Águas de Lindoia. Anais ... São Paulo: AFHIC, 2016.
REIS JR., D. F. C.; SOARES, E. A. S.; MOURA, L. D. M.; BEZERRA, R. R. D. Epistemologia e
linguagem: conjectura de um “modelo de correspondência” e ensaio-teste em um experimento
preliminar. Geographia Meridionalis, v. 2, n. 1, p. 63-83, jan./jun. 2016. Disponível em:
<https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/Geographis/article/view/6178/5821>.
RÉE, J.; URMSON, J. O. (Ed.). The concise encyclopedia of western philosophy. 3. ed. London:
Routledge, 2005. 416p.
WARNAVIN, L.; PINTO, L. R.; SILVA, A. M. A. Recortes epistemológicos em textos de
epistemologia da geografia – aplicações dos termos: escola, corrente, vertente e tendência. In:
Simpósio Paranaense de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, 6., Guarapuava, 2012. Anais ...
Guarapuava: UNICENTRO, 2012. p. 1141-1156.

También podría gustarte