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CHORO : EXPRESSÃO MUSICAL BRASILEIRA

Caminhos de aproximação ao universo do choro

Alexandre Branco Weffort

Dezembro de 2002
Dedicatória:

À minha mulher, Leonor, e minhas filhas Joana, Inês e Sofia.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 1


AGRADECIMENTOS
(por ordem alfabética)

A
Adelina Santos, Arthur Loureiro de Oliveira Filho, Carla Fonte,
Carlos Agenor, Carlos Silva e Sousa (Caçula), Déo Rian, Egeu Laus,
Eli Camargo, Filipe Cardoso, Haroldo Costa, Joel Nascimento,
Leonardo Miranda, Leonor Cardoso, Luiz Otávio Braga, Mª Emília
Leite Velho, Marília Trindade Barboza, Márcia Taborda, Marcílio
Lopes, Maurício Carrilho, Ricardo Cravo Albin, Sérgio Prata, Valter
Silva e a todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para a
prossecução desta pesquisa e não foram, por lapso, referidos.

E
Ao Ministério da Cultura do Governo Federal do Brasil
À Secretaria da Cultura do Estado do Rio de Janeiro
Ao MIS - Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro
Ao ICCA - Instituto Cultural Cravo Albin

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 2


PREÂMBULO
Os caminhos aqui percorridos para o conhecimento do Choro foram
construídos por gerações de músicos e pesquisadores que, através dos
seus testemunhos, criações musicais, obras literárias e pesquisas
publicadas transportaram até nós a sua experiência, vivida em busca
do seu próprio caminho.
O Choro, como ocorre com muitas formas de expressão popular, é
uma prática cativante. E, como tal, a realização de uma pesquisa
participada que nos aproxime à qualidade de “chorão” reduz
drasticamente o distanciamento face ao objeto de estudo. O que,
podendo prejudicar, de certa forma, a capacidade de leitura crítica
sobre os dados recolhidos, contribuiu para um entendimento mais
profundo das particularidades dessa prática musical.
Os caminhos percorridos tiveram, como na prática do Choro, uma
dimensão coletiva, de contínua interação com os seus protagonistas. E
a contribuição dada por eles foi de valor incalculável.
Assim, fico devedor a Arthur de Oliveira as várias e longas
conversas sobre o Choro e a música popular brasileira em geral, bem
como a disponibilidade para apreciar criticamente, à minúcia, as idéias
que ia expondo.
A Marília Barboza, o me ter aberto as portas desse universo para, no
aproveitamento máximo do tempo disponível para o trabalho de
campo, encontrar os contatos mais profícuos.
A Ricardo Cravo Albin, o ter acolhido e estimulado o projeto e
cedido o espaço do Instituto Cultural Cravo Albin, único na sua
ambiência e beleza, para a realização das gravações.
A Luiz Otávio Braga, a realização impecável da direção musical dos
trabalhos de gravação e a contribuição, discreta mas essencial, para o
sucesso dessa fase da pesquisa.
A Leonardo Miranda e Maurício Carrilho, a partilha das suas
idéias e experiência sobre o Choro e a cedência de materiais a que
muito dificilmente teria acesso.
Aos músicos que me acompanharam nesse caminho, Valter Silva,
Caçula, Sérgio Prata, Carlos Agenor e Marcílio Lopes, a
possibilidade de experimentar na pele a musicalidade do Choro e de
fruir esteticamente a sua companhia musical.

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Esta foi uma oportunidade excepcional de entrar no quotidiano
artístico dos Chorões de agora, de entrar pela porta mais rica e
profícua para o estudo dessa forma de expressão musical brasileira, a
da experimentação estética.
A possibilidade de participar da dimensão estética do Choro permitiu
integrar os dados historiográficos, as sínteses e as opiniões colhidas na
pesquisa bibliográfica e, assim, compreender melhor o Choro
enquanto forma popular de expressão musical brasileira.
A experimentação estética é excepcional. Mas, como ensina Florestan
Fernandes, na abordagem estética, «o excepcional é excluído da esfera
do contingente e passa a servir como fonte de reconstrução e de
explicação das condições ou das situações em que pode ocorrer»1.

Lisboa, dezembro de 2002

1
Fernandes, Florestan. O Folclore em Questão. São Paulo: Hucitec (1978).

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ÍNDICE

PREÂMBULO..................................................................................... 4
ÍNDICE ............................................................................................. 5
INTRODUÇÃO.................................................................................... 6
I QUESTIONAMENTOS ........................................................................7
1. PARA UMA LEITURA RETROSPECTIVA DA HISTÓRIA .................................................. 7
2. QUANDO COMEÇA A HISTÓRIA DO CHORO? .............................................................. 8
3. ENCONTRAR O SENTIDO MUSICAL DO TERMO «CHORO» ........................................... 9
4. M ÚSICA POPULAR E MÚSICA ERUDITA .................................................................... 13
5. DA MÚSICA POPULAR À MÚSICA TRIVIAL ................................................................. 15
6. A MÚSICA TRIVIAL EUROPÉIA DO SÉCULO XIX E O CHORO ..................................... 16
7. O CHORO E VILLA -LOBOS ..................................................................................... 19
8. O VERBO “A BRASILEIRAR” .................................................................................... 21
9. O CHORO SERÁ MESMO UM GÊNERO MUSICAL?...................................................... 23
10. APONTAMENTOS SOBRE O PROCESSO INTERPRETATIVO NO CHORO ........................ 25
11. A RODA DE CHORO ................................................................................................ 27
12. A IMPROVISAÇÃO NO CHORO ................................................................................. 29
13. APRENDIZAGEM DO CHORO ................................................................................... 30
14. A QUESTÃO DA SONORIDADE NO CHORO ................................................................ 33

II CAMINHOS ....................................................................................36
1. DA GESTAÇÃO E NASCIMENTO AO RESGATE DO CHORO ......................................... 36
2. O CHORO ENQUANTO GÊNERO ............................................................................... 40
3. DO INSTRUMENTAL DO CHORO .............................................................................. 41
4. A “RODA DE CHORO” E A MUDANÇA MUSICAL NO CHORO .................................... 44
5. QUESTÕES PARA A DIDÁTICA DO CHORO ................................................................ 46

III NA RODA DE CHORO .....................................................................53


1. SOBRE OS AUTORES DOS CHOROS GRAVADOS NA PESQUISA ................................... 54
2. ALINHAMENTO DO CD «RODA DE CHORO» ........................................................... 58
3. FICHA TÉCNICA ...................................................................................................... 58

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 5


CHORO : EXPRESSÃO MUSICAL BRASILEIRA
Caminhos de aproximação ao universo do choro

INTRODUÇÃO
CHORO : EXPRESSÃO MUSICAL BRASILEIRA é o produto de uma pesquisa
realizada no Rio de Janeiro, entre Julho e Dezembro de 2002. O
propósito da pesquisa é o esboço de um caminho para o conhecimento
do Choro enquanto prática musical, numa aproximação feita através
tanto da análise de dados documentais, testemunhos da história do
Choro, como pela pesquisa prática sobre o desempenho musical. Os
exemplos sonoros apresentados foram resultantes dessa pesquisa
prática.
As fontes da pesquisa se distribuíram por quatro grandes grupos:
i) Bibliografia sobre a música brasileira em geral, sobre a música
popular brasileira e, especificamente, sobre o Choro;
ii) Discografia do Choro, onde alguns dos textos inclusos vieram
enriquecer os dados disponibilizados pela bibliografia;
iii) Documentação acessível na Internet, com dezenas de sites dedicados à
música popular brasileira, muitos especificamente ao Choro;
iv) Pesquisa musical participada, realizada no Rio de Janeiro, junto de um
grupo de músicos de Choro (Marcílio Lopes, Sérgio Prata, Valter
Silva, Caçula, Carlos Agenor, com a orientação musical de Luiz
Otávio Braga). Além da interação com esse grupo de músicos, houve
ainda a oportunidade de participar em algumas rodas de Choro e
contatar diversos músicos (contatos, alguns meramente ocasionais e
outros mais longos) com Déo Rian e seu filho Bruno, com Joel
Nascimento, Leonardo Miranda, Odette Ernest Dias e Maurício
Carrilho, entre outros.

O texto está estruturado em três partes. Na primeira são explanados os


questionamentos que guiaram a pesquisa. Na segunda, à guisa de
conclusões, são explanados os caminhos encontrados. Na terceira são
expostos os dados sobre o produto áudio da pesquisa experimental (as
doze faixas correspondentes às músicas gravadas durante a pesquisa
da Roda de Choro que constitui a parte áudio do CD-ROM “Na Roda
de Choro”).

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I QUESTIONAMENTOS

1. PARA UMA LEITURA RETROSPECTIVA DA HISTÓRIA


Criamos um determinado entendimento do passado quando nele
reconhecemos um interesse, estabelecendo com ele uma relação de
intimidade. E o conhecimento histórico que assumimos sobre o
passado estará impregnado dessa intimidade e desse interesse.
O conhecimento histórico - a consciência que partilhamos sobre o
percurso da nossa existência social - é atual, fazendo-se sempre no
presente.
No caso, o Choro manifesta a sua existência entre os limites de uma
prática musical do passado, revivida na nossa contemporaneidade
enquanto objeto portador de sentido2, e de uma forma de expressão
cultural contemporânea, atenta às contingências sociais, tecnológicas e
culturais do nosso tempo.
Ao estudo do Choro - prática musical com mais de um século de
existência - colocam-se necessariamente duas questões: Quando se
inicia a história do Choro? Qual o significado original (na sua acepção
musical) do termo «Choro»?
Da consideração genérica exposta sobre o sentido do conhecimento
histórico, podemos partir para a resposta à primeira questão: o
entendimento histórico do Choro se faz e se refaz a partir do momento
presente.
Quanto ao significado do termo musical «Choro», seguindo o
raciocínio anterior, pretendemos encontrá-lo na atualidade, no modo
como o conceito é entendido no momento presente e, a partir daí,
traçar um caminho regressivo, em busca do significado que lhe foi
atribuído em momentos anteriores.
E podemos fazer esses dois questionamentos tanto através da busca de
evidências historiográficas que validem ou confrontem as diversas
hipóteses já apresentadas como seguindo a manifestação de opinião,
patente na bibliografia, sobre o sentido que o termo «Choro» assumiu.

2
Menezes, Ulpiano. A História, cativa da memória?. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São
Paulo (1992)

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2. QUANDO COMEÇA A HISTÓRIA DO CHORO?
A questão, assim colocada, nos remete para a busca de um momento
cronológico, uma época, uma data. E essa busca tem sido realizada
por diversos estudiosos que se debruçaram sobre o Choro e a sua
história. A época encontrada para o nascimento do Choro situa-se
entre o último quartel do século XIX e o primeiro do século XX,
embora haja quem tente apontar de forma mais precisa a década de
18703 e quem estenda essa data até 1845 4 ou mesmo a 18305.
Ary Vasconcelos é, segundo Marília Trindade Barboza, «quem
apresentou a primeira e única tentativa de periodização da história
do choro, na qual consta a existência de seis gerações de chorões»6.
Atendendo a essa periodização e tendo como marcos intermédios a
chegada da Corte de D. Maria I com o Príncipe Regente ao Brasil e o
início da bossa nova, Arthur Loureiro de Oliveira Filho equaciona a
história da música popular brasileira em três grandes períodos:
período de formação (de 1500 a 1808); período de consolidação (de
1808 a 1958); período de globalização 7 (de 1958 aos dias de hoje).
Ao tentar periodizar a história do Choro, Henrique Cazes sublinha o
papel das grandes figuras tutelares do Choro, Pixinguinha e Jacob do
Bandolim, sem esquecer o papel desempenhado por Radamés
Gnatalli8.
Mas, para encontrar na cronologia da história o momento do
nascimento do Choro será necessário estabelecer o que se entende por
«Choro» em cada momento histórico. A origem e o significado
musical do termo «Choro» não obtêm, no entanto, consenso dos
pesquisadores.

3
Vasconcelos, Ary. E o próprio Alexandre Gonçalves Pinto em O Choro: Reminiscências dos Chorões
Antigos.
4
Cazes, Henrique. Choro: do quintal ao municipal. Pg.19: «Se eu tivesse que apontar uma data para o
início da história do Choro, não hesitaria em dar o mês de julho de 1845, quando a polca foi dançada pela
primeira vez no Teatro São Pedro»
5
Barboza, Marília. Chorando no Rio. Pg.10 «...poderíamos começar por descrever a trajetória do choro
partindo da Europa, lá por volta das décadas de 30 e 40 do século dezanove, entre as duas revoluções
francesas de 1830 e 1848.
6
Barboza, Marília. Pelos caminhos do choro . Os períodos enunciados são os seguintes: 1870 a 1889;
1889 a 1919; 1919 a 1930; 1930 a 1945; 1945 a 1975; 1975 até aos dias de hoje. A proposta de Ary
Vasconcelos consta de Carinhoso Etc (História e inventário do Choro).
7
O conceito de globalização utilizado por Arthur Oliveira é o elucidado por John Kenneth Galbraith,
citado no livro 500 Anos da Música Popular Brasileira editado pelo Museu da Imagem e do Som do Rio
de Janeiro: «Não é um conceito sério. Nós, os americanos, o inventamos para dissimular a nossa política
de entrada econômica nos outros países».
8
Cazes, Henrique. Choro: do quintal ao municipal.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 8


3. ENCONTRAR O SENTIDO MUSICAL DO TERMO «CHORO»
Várias hipóteses são defendidas por estudiosos de renome, entre eles,
Luís da Câmara Cascudo (para quem «Choro é a designação de certos
bailaricos populares»), José Ramos Tinhorão (que relaciona Choro
com uma forma melancólica de se executarem as baixarias no violão)
e Ary Vasconcelos (que atribui a origem de Choro à corporação dos
«Choromeleiros», sendo o termo Choro uma possível abreviação
daquela designação). Entre estes autores encontramos as definições
mais difundidas na bibliografia da música popular brasileira. Mas há
outras opiniões e propostas também a considerar, como a de Jacob
Bittencourt (o Jacob do Bandolim), registradas no seu depoimento ao
MIS.
Cada uma das hipóteses explicativas apresenta, no seu prisma
particular, sinais de grande plausibilidade mas, sendo divergentes,
apontam para uma certeza: que a sua veracidade não deverá ser
concomitante.
O sentido musical do termo «Choro» observará assim um processo de
metamorfose: de evento social a prática musical, de prática a
repertório instrumental, de repertório a estilo interpretativo, de estilo a
gênero. Gênero considerado em sentido lato, de múltiplas formas
musicais, praticadas sob formações organológicas diversificadas.
Provavelmente, será através do estudo dessas formações
organológicas que melhor se poderão entender os elementos de gênese
do Choro. Se existe a possibilidade de traçar uma genealogia do
Choro, ela estará patente nas práticas musicais antecedentes.
A delimitação do conceito «Choro» dada por Mário de Andrade é
ampla: «O Chôro implica no geral participação de pequena orquestra
com um instrumento mais ou menos solista, predominando o
conjunto»9.
O Choro apresenta grande diversidade organológica, fazendo recurso
não exclusivo a instrumentos portáteis, encontramos agrupamentos de
instrumentos de sopro (flauta, oficleide, clarinete, trombone,
saxofone), ou de cordofones dedilhados (bandolim, cavaquinho,
violão), ou ainda a combinação destes grupos organológicos, além dos
instrumentos de percussão (pandeiro, surdo, ganzá). Mas o Choro está

9
Andrade, Mário. «Pequena História da Música Brasileira».

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também presente na escrita pianística (ressaltando, neste âmbito, a
obra de Ernesto Nazareth 10).
O terno flauta, violão e cavaquinho 11 é apresentado como sendo a
primeira formação de Choro e está na base organológica da formação
conhecida como «regional», que apresenta no seu quadro mais típico,
ainda, o violão de sete cordas e o pandeiro.
O pandeiro, que terá surgido no Choro numa fase já avançada, é hoje
o instrumento de percussão mais utilizado no Choro, com presença
quase obrigatória nas formações de tipo «regional». Embora a
presença da percussão no Choro tenha incorporado outros
instrumentos como o surdo, o reco-reco ou o ganzá, o pandeiro
assumiu forte protagonismo na área da percussão, talvez derivado à
sua versatilidade politímbrica.
Mas, a busca da resposta à questão inicial sobre quando começa a
história do Choro e à questão complementar sobre qual o significado
original do termo musical Choro obriga-nos a esclarecer o modo
como são observados os dados históricos.
A bibliografia disponível sobre o Choro apresenta um traço
recorrente: constituem representações da memória sobre o seu objeto.
Os dados historiográficos acessíveis são regra geral escassos12,
havendo grande profusão de textos de opinião sobre o Choro, mas que
não são baseados em fontes primárias. Na sua maior parte são
testemunhos, ou relatos sobre testemunhos, em que o prisma dos
autores se manifesta de forma considerável.
Jacob do Bandolim afirma assertivamente no seu depoimento ao MIS
que «Pixinguinha deu rítmica ao Choro. O Choro, até então, era
considerado uma colecção de música para chorar, fazer chorar»13.
A vinculação estética do termo «Choro» ao sentimentalismo, traço
presente na estética do romantismo musical, é presente também em
Ramos Tinhorão, referindo a «impressão de melancolia que acabaria
conferindo o nome de choro a maneira de tocar, e a designação de
chorões aos músicos de tais conjuntos». Citado por Hermínio Bello de

10
Embora se possa aventar que a escrita de Nazareth procura transpor para o piano o esquema
organológico dos conjuntos baseados em flauta, violão e cavaquinho
11
Também na formação de quarteto: flauta, dois violões e cavaquinho.
12
No momento em que este texto era finalizado foi disponibilizado ao público um importante material
sobre a Casa Edison do Rio de Janeiro. Esse material, organizado em dois volumes, contendo um livro, 19
CD áudio e 5 CDROM constitui o maior acervo sobre a música brasileira da primeira metade do século
XX, tornado acessível no mercado. A frase que justifica esta nota ficou, assim, claramente comprometida.
13
Trecho do depoimento ao MIS, constante do CD «Sem Jacob, com Jacob».

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Carvalho no texto que acompanha o disco Vivaldi & Pixinguinha,
afirma-se assim a preferência por uma tese que melhor exprime essa
idéia de aceitação comum.
Aliás, muitas das considerações sobre a estética do Choro têm por
base considerações sobre o perfil psicológico do povo brasileiro em
que ressalta o sentido da nostalgia. A Flor Amorosa de três raças
tristes, poema de Olavo Bilac, é citada por Renato de Almeida, na
História da Música Brasileira e este é referido como fonte por muitos
outros autores. No entanto, Arthur de Oliveira contradiz essa idéia de
tristeza como sendo característica psicológica do povo e da música
brasileira: «as “Três Raças Tristes” das elucubrações irreais de Bilac
(...) não nos transmitiam um travo de tristeza musical, até porque o
que existe no mundo real da nossa música é antes um laivo claro de
alegria».
Procurar estabelecer uma correlação entre o caráter nostálgico
atribuível a uma determinada forma de expressão musical e um perfil
psicológico típico de tristeza é um problema antigo da estética musical
e, também, uma tarefa inglória.
A fonte mais citada nos textos sobre a história do Choro é o livro
intitulado O Choro - Reminiscências dos Chorões Antigos, de
Alexandre Gonçalves Pinto. «Lembrando factos de 1870 para cá», o
autor oferece, em 1936, uma memória dessa prática musical. No livro
de Alexandre Gonçalves Pinto encontramos diversos sentidos para o
termo Choro: evento social («os choros em Catumby eram um tanto
arriscados, porque ali se abrigavam os maiores valentões da época»),
grupo musical («finalizado o baile, alta madrugada, o “choro” saía
tocando uma polka dengosa», repertório («vou ver se me lembro de
alguns choros belíssimos que se tocavam [e refere entre outros:
«Salomé, polka de Callado», «Geralda, quadrilha de Rangel»])14.
Curiosamente, uma prática musical tão significativa e reconhecida
hoje como a mais importante forma de música instrumental brasileira
só apresenta registro historiográfico dedicado em 1936, mais de meio
século após o momento considerado para o seu surgimento.
Este desfasamento tão amplo merece ser equacionado. O livro de
Alexandre Gonçalves Pinto, Choro - Reminiscências dos Chorões
Antigos, é declaradamente um ato de construção da memória e os
14
Corrobora este sentido do termo Choro, a apresentação à polca Só para moer de Viriato Silva, em
registro de 1902 da casa Edison (ODEON 40.047). Diz o locutor: «Só para moer, polca executada por
Patápio Silva, para a casa Edison do Rio de Janeiro... escutem só que choro gostoso...». Franceschi,
Humberto. A Casa Edison e seu Tempo.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 11


dados nele contidos devem ser vistos à luz da sua significação
enquanto memória, formulada num momento histórico preciso que é
bastante posterior ao dos fatos relatados e possivelmente influenciada
pelos valores do momento em que é fixada.
Quando Alexandre Gonçalves Pinto relata as suas memórias sobre o
Choro, o nacionalismo brasileiro tinha já imposto o seu referencial
ideológico dominante.
Com os “Choros”, Villa-Lobos chamou essa forma popular de
expressão musical à ribalta da chamada música culta, transfigurando-a
através dos processos de erudição.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 12


4. MÚSICA POPULAR E MÚSICA ERUDITA
Na bibliografia brasileira, a música é normalmente dividida em três
categorias: música folclórica, música popular e música erudita.
A necessidade de se recorrer a definições diferenciadoras entre
práticas musicais é esclarecida por Oneyda Alvarenga, considerando
que «quaisquer definições devem ser consideradas essencialmente
instrumentos de trabalho» e devem «abranger, pelo menos como
hipótese de trabalho, um campo de contornos definidos e extensão
delimitada»15.
Se o conceito de música folclórica pode ser assumido na decorrência
de um método de pesquisa, o conceito de música popular revela
maiores dificuldades na sua delimitação. O conceito de música
popular é utilizado para designar a música urbana e designa uma
categoria distinta da chamada música erudita.
Sendo fácil reconhecer a necessidade de diferenciação, os conceitos
com que se traçam esses contornos obrigam a, pelo menos, alguma
reflexão.
A delimitação dos conceitos de música popular e música erudita não é
tarefa fácil. Uma das razões para essa dificuldade reside no fato de se
procurar aquela diferenciação sobretudo no produto «música» em vez
de se colocar o enfoque na caracterização do processo «fazer música».
Obras de referência da musicologia, como o New Grove Dictionary of
Music and Musicians, fazem sistematicamente a distinção entre folk
music, englobando a música folclórica e a música popular, e art music,
considerando nessa categoria a chamada música erudita.
A delimitação musical do conceito de art music aparece mais
claramente assumida num estudo de Edward Cone sobre a forma
musical e a prática artística16, referindo-se o termo art music à
composição musical que não apenas apresenta claramente uma
estrutura com princípio, meio e fim, mas em que esse princípio e esse
fim derivam da forma musical e não da simples exigência de um fator
externo.
Assim, por exemplo, a música de dança, que pode ser repetida as
vezes necessárias ao ato da dança, por razões extrínsecas à música,
escapará ao conceito proposto de art music.

15
Alvarenga, Oneyda. Música Folclórica e Música Popular.
16
Cone, Edward. Musical Form and Musical Performance.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 13


Mas o autor referido coloca ainda outro parâmetro para a delimitação
do conceito de art music, desta feita ao nível da atenção do ouvinte,
propondo uma diferenciação entre ouvir e escutar.
Outros autores abordam a questão da diferenciação entre tipos de
atenção na audição (entre eles, Pierre Schaffer e Edwin Gordon). Há
música para ouvir e, como dizia Pixinguinha, «músicas que a gente
precisa prestar atenção»17.
A questão da relação entre a música popular e a música erudita tem
sido objeto de polêmica com forte carga ideológica. Uma compilação
sobre essa polêmica é abordada em A Música Popular Brasileira
Estilizada, de Henrique Pedrosa. Esse autor remete a problemática
para a esfera social: «sempre preconceituosamente se julgou a música
popular como algo inferior tecnicamente, e por essa visão
equivocada, uma parcela de valor da cultura popular foi perdida ou
esquecida. Os profissionais da mpb afinal não podem ser
considerados povo, nem burguesia, nem aristocracia. Simplesmente
uma categoria profissional que produz algo consumido às vezes por
todas as classes: de acordo com o produto existe uma maior ou menor
aceitação nesta ou naquela esfera social».
Mas a chamada música popular não se realiza apenas na esfera das
práticas profissionais. E a própria fronteira entre a prática musical
profissional e não profissional não está delineada com precisão.
Esmiuçando um pouco a questão, poderemos encontrar práticas
musicais características ou originadas em determinados estamentos
sociais que migram (enquanto objeto portador de sentido) e se
transformam em práticas profissionais desempenhadas ou fruídas em
outras camadas sociais.

17
Pixinguinha. Série Depoimentos. MIS.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 14


5. DA MÚSICA POPULAR À MÚSICA TRIVIAL
Num livro biográfico dedicado a Jacob do Bandolim é indicado que
«Jacob possuía um caderno intitulado Repertório trivial, que constava
de mais de 329 títulos, assim distribuídos: 165 choros, 31 tangos e 97
valsas, 8 frevos, 18 schottischs e 10 gêneros diversos» 18.
O título «repertório trivial» dado por Jacob a esse caderno de músicas
é interessante. Repertório trivial terá, neste contexto, o significado de
repertório comum (o feijão com arroz da música).
Na musicologia, o conceito de «música trivial» foi apresentado pelo
historiador Carl Dahlhaus 19, referindo-se exatamente à música de
entretenimento praticada no século XIX. Tratando de um universo
musical semelhante - das músicas de dança de salão e da música de
varanda ou de taberna - a proposta de Dahlhaus a respeito da «música
trivial» pode ajudar à apreciação da prática do Choro.
Se a «música trivial» a que refere Carl Dahlhaus era a música
praticada sobretudo pela burguesia urbana na Europa do século XIX, e
atendendo ao critério assumido por Ramos Tinhorão, que relaciona o
nascimento da música popular brasileira a existência das cidades,
podemos verificar uma certa sobreposição entre os dois conceitos.
Entre os gêneros da música brasileira, o «Choro» é aquele que,
conjuntamente com a modinha dos seresteiros (ou as «serenatas de
cantigas», como indica Luiz Edmundo em O Rio de Janeiro do Meu
Tempo), revela maiores semelhanças com os gêneros abrangidos pela
«música trivial».
E mesmo a definição de Choro dada por Mário de Andrade não afasta
a hipótese: «Choros e serestas são nomes genéricos aplicados a tudo
quanto é música noturna de caráter popular, especialmente quando
realizada ao relento».

18
Paz, Ermelinda. Jacob do Bandolim.
19
Dahlhaus, Carl. The Nineteenth-Century Music.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 15


6. A MÚSICA TRIVIAL EUROPÉIA DO SÉCULO XIX E O CHORO

Aplicar ao Choro o conceito música trivial não será certamente


matéria pacífica. O termo trivial carrega uma conotação de julgamento
estético que tem implicações a acautelar. E, no caso do Choro, o
problema tem surgido, mesmo que com outra terminologia.
No século XIX, afirma Dahlhaus, a chamada «música trivial» era
caracterizada pela presença paradoxal de sentimentalismo e
mecanização. As melodias eram, regra geral, pouco mais que
paráfrases de acordes reduzidas a duas funções harmônicas: tônica e
dominante.
Não podemos deixar de reconhecer a semelhança com alguns
componentes do Choro. O sentimentalismo, a padronização tonal
(embora mais desenvolta que o mero recurso às funções de tônica e
dominante) e a forte presença do elemento acórdico na construção dos
motivos melódicos. O Choro, gerado no século XIX, foi fortemente
marcado pelos ideais estéticos e pelos procedimentos musicais da
época, não sendo estes especificamente brasileiros.
Num artigo de opinião publicado na revista Roda de Choro, essa
prática musical foi caracterizada como «música típica de varanda»20.
A reação, publicada na mesma revista em número posterior, foi
truculenta. Diz Maurício Carrilho, autor da réplica: «Lendo a coluna
Opinião da RdC número dois fiquei surpreso com a presença
ideológica do abominável «baú do pirata» em nossa revista». Mais
adiante, indica que «a máxima porém da ideologia de baú foi a
seguinte: ao contrário da cosmopolita bossa nova, o choro é música
típica de varanda»21.
No início da resposta, o Carrilho sentenciava: «falar de Choro é para
quem quer. Tocar um Choro é para quem sabe. Entender a
importância do gênero como uma das mais fundamentais expressões
do da cultura do nosso povo é para quem pensa, e muito».22
Para aquele autor, «Baú de Pirata» é a designação para um «fenômeno
da psicologia chorística [que] aparece aos primeiros acordes de uma
roda de Choro (...). É um teórico acima de tudo (...). É chato que dói.
Toca mal algum instrumento e, talvez por isso nunca o leve para as
rodas, onde fica via de regra, botando defeito nos executantes (...)»23.

20
Silva, José Fernando. Jacob e a Bossa Nova. Roda de Choro nº 2.
21
Carrilho, Maurício. Choro na teoria e na prática. Roda de Choro nº 5
22
Idem.
23
Ibidem.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 16


A citação é extensa e justifica-se pelo que aporta de revelador para a
compreensão dos processos de afirmação dos praticantes do Choro na
atualidade e dos territórios24 em que essa prática musical se organiza.
Mas reação é também sinal revelador de uma problemática que marca
o debate entre os chorões atuais: o reconhecimento do Choro como
prática musical aberta a todas as correntes estéticas da música
instrumental.
Como nos alerta Carl Dahlhaus em relação à música trivial européia,
devemos evitar a comparação direta do repertório do Choro com o
repertório da chamada música erudita. Seria uma comparação
enganadora e apenas reforçaria a impressão do que no Choro se
apresenta como traços de «banalidade musical» sobretudo no que
respeita aos recursos composicionais empregados25.
Contrariando aquela idéia de «banalidade musical», podemos referir
um interessante trabalho intitulado Chorinho Gerativo26, em que são
enunciados e aplicados procedimentos analíticos propostos por
Heinrich Schenker, enquadrados no conceito de gramática generativa
da música proposto por Fred Lerdahl e Ray Jakendorff, na seqüência
da teoria da gramática generativa de Noam Chomsky.
A expressão «banalidade musical», levada ao pé da letra, pode até ser
entendida como pejorativa. Mas a análise da questão se impõe quando
a confrontamos com repertório equivalente, nos seus requisitos
técnicos e nas suas ambições estéticas, de autores da chamada música
erudita como, por exemplo, F. Chopin ou D. Schostakovitch.
Chopin compõe, para flauta e piano, as Variações sobre um tema de
Rossini (retirado da ópera La Cenerantola). Se, na parte de flauta, o
tema é recriado com alguma desenvoltura, fazendo uso das técnicas
básicas de variação, a parte do piano mantém-se na realização de um
acompanhamento banal de tônica e dominante (banalidade essa que já
não teria cabimento no quadro da prática chorística, que é bastante
mais desenvolta).
As quatro valsas para flauta, clarinete e piano de Schostakovitch27
revelam uma escrita que prima pela economia de meios (e,

24
Nomeadamente, ideológicos, conforme revela Maurício Carrilho em entrevista ao autor.
25
O conceito de banalidade musical aqui considerado é o proposto por Hans Mersmann, como sendo a
música para a qual a análise técnica será praticamente desnecessária. Referido por Dahlhaus em The
Nineteenth-Century Music.
26
Pedroso, Bruno. Chorinho Gerativo. Publicado na Internet, no site da Universidade de Brasília, em
http://primordial.cic.unb.br/lcmm/projetos/chorinho/chorinho.html
27
Editadas com instrumentação de Leon Atovmian.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 17


novamente, no piano pouco mais fazendo que um acompanhamento
nas funções de tônica e dominante).
Se aquelas obras, referidas a título de exemplo, podem num plano
formal ser equiparadas às obras que integram o repertório do Choro, já
o mesmo não ocorre com obras de maior amplitude daqueles autores
(seja ao nível da dimensão temporal, do tratamento instrumental ou
dos recursos composicionais empregues). Nesse caso, a simplicidade
formal do Choro não proporciona uma comparação frutífera.
Olhando para a cronologia desses autores, Chopin faleceu um ano
após o nascimento de Joaquim Callado, sendo este último
contemporâneo de Johannes Brahms, enquanto D. Schostakovitch foi,
por sua vez, contemporâneo de Pixinguinha.
A simplicidade formal do Choro que, na comparação com as obras de
maior porte tanto do repertório camerístico como do repertório
sinfônico, seria sublinhada pela negativa, é no entanto uma das suas
qualidades estéticas mais relevantes. E os autores de «Choro» tinham
consciência disso.
Vale a pena relembrar as palavras de Pixinguinha sobre Villa-Lobos,
no seu depoimento ao MIS: «em particular, ele tocava com a gente...
[e ele acompanhava bem no violão?] Naquela época, acho que ele já
era muito moderno para o nosso jeito de tocar mas ele gostava de
tocar connosco [você acha que Villa-Lobos foi um gênio?] Reconheço
que sim. Tem obras do Villa-Lobos que ... Não são o Chorinho
número 1 nem o Chorinho número 2, não. Mas ele tem músicas que a
gente precisa prestar atenção. Aquele Uirapuru, o efeito que ele tirou
do material... Villa-Lobos, para mim é um Stravinski, um Wagner.
Não é nem questão de sentir, é o efeito. É uma grande arte. Esse
negócio de sentimento é outra coisa. ...»28.

28
Pixinguinha. Série Depoimentos. MIS.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 18


7. O CHORO E VILLA-LOBOS
Embora o enfoque do tema seja o Choro na sua acepção popular,
Villa-Lobos constitui uma referência incontornável. Os seus Choros
constituem peças marcantes na história da música brasileira. O
compositor foi ele próprio freqüentador das rodas de Choro e este está
presente sob tratamento erudito na sua obra.
Discorrendo sobre o Choro popular na introdução aos Choros de
Villa-Lobos, Adhemar Nóbrega afirma que «a denominação de choro
não deve ser entendida como forma de música popular (...) mas sim
um gênero que se subordina, como outras modalidades da música
popular, à forma rondó em cinco seções: A-B-A-C-A» 29.
Sabemos que os Choros de Villa-Lobos começaram a ser compostos
em 1920. Aliás, a presença do termo «Choro» na obra de Villa-Lobos
é elucidativa da evolução do próprio conceito. Na Suite Popular
Brasileira, que é datada de 1908 a 1912, os títulos dados às peças são
Mazurca-Choro, Schottisch-Choro, Valsa-Choro, Gavota-Choro e
Chorinho.
Mas, a partir de 1920, a designação genérica dada a um conjunto de
dezesseis obras é, no plural, Choros. Em 1926 é finalizada a
composição do Choros n.º 10, para orquestra e coro misto, tendo a
primeira apresentação pública ocorrido em novembro desse mesmo
ano. É assinalável a presença, no quadro temático dessa obra, da
schottisch «Yara», de Anacleto de Medeiros30.
Os Choros de Villa-Lobos não estão organizados segundo a
cronologia da sua composição. Conforme explica Adhemar Nóbrega,
«o motivo do anacronismo foi o desejo do autor de fazer prevalecer
um escalonamento por ordem instrumental e por complexidade
crescente de estrutura»31.
A valoração da dimensão e complexidade estrutural assumida por
Villa-Lobos na criação dos seus Choros sublinha, por contraste, a
natureza do Choro enquanto forma de expressão popular: em termos
estruturais, o Choro se mantém dentro de limites praticáveis enquanto
comportamento musical quotidiano.
Citando novamente Adhemar Nóbrega, «as obras musicais de autores
brasileiros, até à década de vinte, se chamavam canções, valsas,

29
Nóbrega, Adhemar. Os Choros de Villa-Lobos..
30
Apropriada antes disso por Catulo da Paixão Cearense, quando a edita com versos seus, sob o título
«Rasga o Coração».
31
Nóbrega, Adhemar. Idem.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 19


schottiches, polcas, prelúdios, suites, sinfonias, etc., ou se pautavam
por esses gêneros e formas tradicionais mesmo quando traziam outros
títulos circunstanciais»32.
Villa-Lobos foi testemunha ativa do Choro enquanto comportamento
musical popular. E, com Villa-Lobos, o Choro ganhou
reconhecimento pleno como expressão de identidade cultural
brasileira.

32
Nóbrega, Adhemar. Ibidem.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 20


8. O VERBO “ABRASILEIRAR ”
“Abrasileirar” é um verbo de uso costumeiro quando se fala do Choro,
mas de sentido intrinsecamente contraditório.
Recentemente, em finais da década de 90, Cazes opinou sobre o
sentido do termo Choro, considerando que ele traduzia «com precisão
a maneira exacerbadamente sentimental com que os músicos
populares abrasileiravam as danças européias»33.
Este é um ponto de vista com forte aceitação ao nível do senso
comum. O Choro será, assim, a resultante de um processo de
abrasileiramento que se caracteriza pelo caráter sentimental dado às
músicas européias 34.
Hermano Vianna sublinhou, em O Mistério do Samba, o papel da
intelectualidade na promoção de um determinado sentido de
identidade brasileira. Gilberto Freyre e os sinais da sua passagem pelo
Rio de Janeiro em 1926 são o ponto nodal de desenvolvimento de uma
tese que, embora referindo sistematicamente ao Samba, interessa
também ao Choro.
Vianna cita um encontro entre Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e
Prudente de Moraes Neto: «Com eles saí de noite boemiamente.
Também com Villa-Lobos e Gallet. Fomos juntos a uma noitada de
violão, com alguma cachaça e com os brasileiríssimos Pixinguinha,
Patrício, Donga.»
Pixinguinha, Patrício e Donga são guindados a paradigma da
«brasilidade», boemiamente, numa noitada de violão. E o Samba é a
referência iconográfica desse paradigma. Embora Pixinguinha tenha
dito expressamente que ele é do Choro (e que o Samba era «com João
da Baiana»), observam-se sinais de proximidade entre as duas
práticas.
Mas qual a característica musical intrinsecamente brasileira do Choro?
Maurício Carrilho afirma que a questão está no ritmo 35. Darius
Milhaud intrigou-se com a questão da síncope. No mesmo sentido,
seguindo a trilha de Mário de Andrade, Muniz Sodré equacionou a
questão do ritmo iterativo em Samba, o dono do corpo, questão
também desenvolvida por Enio Squeff em Música - reflexões sobre
um mesmo tema.

33
Cazes, Henrique. Choro - do quintal ao municipal
34
Vimos já que o sentimentalismo é um dos traços caracterizadores de parte da música europeia no século
XIX (a chamada música trivial), portanto, não exclusivo nem caracteristicamente brasileiro.
35
Carrilho, Maurício. Choro na teoria e na prática. Revista Roda de Choro n.º 5.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 21


Ambos os autores afloraram a questão da gestualidade do corpo no
ritmo do Samba, sendo essa gestualidade um traço cultural que
evidencia a raiz africana na cultura brasileira.
Mas o Samba a que referem Squeff e Sodré é o praticado no terreiro
do candomblé (festa religiosa também chamada macumba, no Rio de
Janeiro) e não o samba carioca, “urbanizado” sob a forma de canção,
de que trata Vianna.
O abrasileiramento tem, na música, protagonistas como Pixinguinha,
Anacleto de Medeiros, Ernesto Nazareth, Joaquim Callado,
compositores que, fazendo uso de processos e produtos culturais
exógenos, eruditos, os incorporam no patrimônio cultural comum,
popular, cumprindo assim, também eles, a função de mediadores
culturais.
No circuito de passagens entre a prática musical erudita e a popular,
onde numa ponta temos a sala de concerto e na outra o terreiro-de-
candoblé, passamos pelo quintal-de-samba, pelo salão-de-baile e pelo
sarau36, como espaços intermediários de socialização (e o Choro,
enquanto processo social e prática musical, se situará precisamente na
zona intermediária desse circuito).
O conceito de «abrasileiramento» está intimamente relacionado com a
afirmação do sentido de identidade nacional brasileira. A afirmação de
um determinado sentido de identidade, através de paradigmas como o
estabelecido por Gilberto Freyre através do enfoque em Pixinguinha,
Patrício e Donga.
Sendo abrasileirar a expressão que se utiliza para assinalar o processo
de afirmação da identidade cultural brasileira, é também a que melhor
sintetiza o processo de enculturação 37 da sociedade brasileira pelos
processos e produtos da cultura ocidental, nas suas expressões
européia e norte-americana. O Choro é uma evidência musical desse
processo.

36
José Wisnik apresenta essa relação («sala-de-comcerto -- sarau -- salão-de-baile -- quintal-de-samba --
terreiro-de-candomblé») em Getulio da Paixão Cearense (Villa-Lobos e o Estado Novo), editado em
parceria com E. Squeff (também citado neste texto) no livro Música, col. o Nacional e o Popular na
Cultura Brasileira. São Paulo: Brasiliense (1983).
37
Prefiro, neste contexto, o termo enculturação a aculturação ou a assimilação pois o primeiro reforça
melhor o fato de a sociedade brasileira ser portadora de um quadro cultural que a identifica, não obstante
a transformação operada na assimilação dos valores culturais de outras culturas, por exemplo as de
origem anglo-saxônica, como hoje ocorre mundialmente por força da sua presença dominante nos midia.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 22


9. O CHORO SERÁ MESMO UM GÊNERO MUSICAL ?
Basta referir duas propostas discográficas sobre a apresentação em
jeito de choro de outros gêneros musicais (de Altamiro Carrilho, com
Clássicos em Choro, onde são apresentadas obras de Bach e Mozart,
entre outros, e de Henrique Cazes, com o repertório dos Beatles) para
justificar a questão.
O Choro é gênero musical ou será antes estilo interpretativo? A
linguagem do Choro está nas características estruturais do gênero ou
na interpretação musical? Para responder, temos de primeiro
esclarecer o que se entende por «gênero musical».
Os conceitos de «gênero» e de «forma» sobrepõem-se com freqüência.
«Para a definição de um gênero concorrem vários pontos de vista:
instrumentação, função, lugar de execução e estrutura da
composição»38.
No caso do termo «Choro», a sua consideração como gênero musical
é necessariamente questionada quando as definições propostas
começam por ressalvar que, «inicialmente não [sendo] propriamente
um gênero [o Choro] acabaria por se impor como um fascinante
gênero musical»39, ou afirmam categoricamente que «a denominação
de Choro não deve ser entendida como forma de música popular, que
não é, mas sim um gênero que se subordina, como outras
modalidades da música popular, à forma rondó...»40, ou, pelo
contrário, afirmam a importância do «gênero como uma das
fundamentais expressões da nossa cultura»41. Ou, ainda, numa
tentativa de síntese, resumem que «o Choro foi primeiro uma maneira
de tocar. Na década de 10 passou a ser uma forma musical definida.
(...) Mais recentemente o Choro voltou a significar uma maneira de
frasear, aplicável a vários tipos de música brasileira»42.
Na bibliografia da música popular brasileira, a importância do Choro é
sublinhada por ser «a forma nobre por excelência da música popular
brasileira»43 e há até quem aponte a «presença do choro em tudo o
que foi criado em nossa música a partir de Chiquinha e Nazareth»44.

38
Michels, Ulrich. Atlas de música, volume I.
39
Vasconcelos, Ary. Choro: Um Ritmo Todo Nosso. Em Brasil Musical.
40
Nóbrega, Adhemar. Os Choros de Villa-Lobos.
41
Carrilho, Maurício. Choro na teoria e na prática. Revista Roda de Choro, n.º 5.
42
Cazes, Henrique. Choro, do quintal ao municipal.
43
Oliveira, Arthur. Chorando no Rio. Artigo publicado na revista do Museu da Imagem e do Som, n.º 0.
44
Carrilho, Maurício. O Choro vai muito bem, obrigado.... Revista Roda de Choro n.º 0.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 23


Mas, se a nível musicológico, o conceito de «gênero» apresenta
alguma elasticidade, a sua utilização indicia a necessidade de uma
organização taxonômica e de uma delimitação minimamente funcional
dos conceitos, necessidade que é patente em alguma bibliografia do
Choro.
A dificuldade reside na própria delimitação do conceito de gênero,
freqüentemente utilizado numa acepção de senso comum, onde se
sobrepõem e, muitas vezes, se confundem os vários pontos de vista:
instrumentação, função, lugar de execução e estrutura da
composição.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 24


10. APONTAMENTOS SOBRE O PROCESSO INTERPRETATIVO NO CHORO
Villa-Lobos e outros compositores afamados da chamada música
erudita como Darius Milhaud, que contataram com essa forma de
expressão popular brasileira na segunda década do século XX
encontraram na prática do Choro elementos distintivos relevantes,
elementos que não derivam necessariamente da sua escrita (ou do ato
formal da sua composição), mas sim no da sua recriação, no processo
interpretativo.
A interpretação é construída na interação entre os diversos
instrumentistas, cada qual na sua função específica, aplicando seus
procedimentos de improvisação ou de variação. Na síntese de Mário
Aratanha, «o que há de mais sofisticado no Choro (...) é justamente o
seu caráter polifônico, onde o solista da vez é desafiado em
contraponto, ou um centro bem comportado pode de repente
desembestar em um improviso de resposta»45.
Sublinhando outro aspecto, Paulo Moura refere que se deve a
Pixinguinha o reconhecimento da «importância da verticalidade na
interpretação do Choro, essa maneira de tocar dentro de um grupo
que dialoga com o contracanto e a sobriedade precisa na variação
melódica improvisada»46.
Mas consideremos as opiniões registradas na bibliografia do Choro:
Darius Milhaud deixou um testemunho sobre a questão: «Os ritmos
dessa música popular me intrigavam e me fascinavam. Havia, na
síncope, uma imperceptível suspensão, uma respiração molenga, sutil
parada, que me era muito difícil de captar. Comprei então uma
grande quantidade de maxixes e de tangos; esforcei-me por tocá-los
com suas síncopes, que passavam de uma para a outra mão. Meus
esforços foram recompensados e pude, enfim, exprimir e analisar esse
pequeno nada tão tipicamente brasileiro»47.
Jacob do Bandolim é assertivo. «Há dois tipos de chorões: há o
chorão distante, que eu repudio, que é aquele que bota o papel para
tocar choro e deixa de ter, perde a sua característica principal que é
a da improvisação, e há o chorão autêntico verdadeiro, aquele que
pode decorar a música pelo papel, e depois dar-lhe o colorido que

45
Aratanha, Mário. A essência musical da alma brasileira. Revista Roda de Choro n.º 2.
46
Moura, Paulo. De Paulo Moura para Pixinguinha. No CD Choro (1906-1947), editado por Philippe
Lesage.
47
Milhaud, Darius. Notes sans Musique, citado por Arthur Oliveira em 500 Anos da Música Popular
Brasileira.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 25


bem entender, este me parece o verdadeiro, o autêntico, o honesto
chorão».48
Sobre Pixinguinha, Jacob disse que «Pixinguinha deu rítmica ao
choro, deu graça ao choro. Esta leveza do choro, esta malícia,
malícia que só Pixinguinha sabe dar (...) porque, até então o choro
era tocado meio quadrado ...»49.
Mário Séve é autor de um livro intitulado Vocabulário do Choro50 .
Nesse trabalho, analisando os padrões harmônicos, melódicos e
rítmicos preponderantes sobretudo na obra de Pixinguinha, o autor
extrapola esses padrões como módulos constituintes de um
“vocabulário” comum ao estilo de fraseado e aos processos
improvisatórios característicos do choro.
No texto introdutório sobre as «divisões rítmicas do fraseado», Mário
Séve adianta que «o fraseado europeu que deu origem ao choro foi se
modificando à medida em que a música se expunha à dança, sempre
se adaptando aos novos gingados do brasileiro». Acrescenta que, «na
música popular, principalmente quando associada à dança, permite-
se grande liberdade de interpretação. Com relação às partituras,
pode-se dizer que “o que se escreve nem sempre é o que se toca”»
pois a notação «muitas vezes corresponde apenas a um esboço ou
proposta».
O autor referido assinala que a síncope no choro «está, em sua
interpretação, entre [a síncope e a tercina]». E que outras figurações
rítmicas são executada com exatidão em andamentos ligeiros, mas
tendem a ser modificadas em andamentos mais lentos, apresentando,
seguidamente um conjunto de modos de variação das divisões
rítmicas.
Introduzindo a questão das acentuações e das alterações nas divisões,
Mário Séve considera que estas «devem obedecer à estrutura rítmica
dos acompanhamentos» e que, por exemplo, «uma mesma frase em
um choro pode ser tocada diferente para se adaptar a um samba». A
introdução estende-se a indicações sobre ornamentos e articulações,
bem como aflorando aspectos rítmicos e harmônicos dos
acompanhamentos.

48
Em depoimento ao MIS.
49
Bittencourt, Jacob. Depoimento ao MIS. Registro sonoro no Cdplus Sem Jacob, com Jacob.
50
Séve, Mário. Vocabulário do Choro. Rio de Janeiro: Lumiar Editora, 1999.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 26


11. A RODA DE CHORO
A hipótese sobre a qual se desenvolve este trabalho é a que o Choro é
sobretudo um processo musical, portanto, social. E, enquanto processo
social específico, realiza-se num espaço de interação que leva a
designação de «Roda de Choro».
A «Roda de Choro» é a forma de realização em que este se manifesta
de forma mais característica, onde adquire a sua maior significação
cultural. A «Roda de Choro» é o momento onde o Choro adquire a sua
dimensão plena de expressão musical brasileira.
«O Choro pode ser ouvido no palco de um teatro, casa noturna ou
entre as mesas de um bar, mas não há dúvida que o habitat natural
desse tipo de música é a roda de Choro, um encontro doméstico»51.
Na Roda de Choro, quando o executante do tema propõe um tema
desconhecido, apenas indicando a tonalidade de partida, o Choro
requer aos participantes a demonstração de uma capacidade de
antecipação sobre o sentido do movimento tonal e das harmonias
possíveis. Essa capacidade é uma das qualidades fundamentais que
permite à música funcionar como linguagem.
E, se no Choro de tipo camerístico52 as possibilidades serão as mais
amplas, na Roda de Choro, fazendo recurso sistemático àquela
capacidade de antecipação do movimento tonal, surgirão certamente
comportamentos padronizados, no estabelecimento das harmonias e
dos contracantos, essenciais à interação musical.
Na roda, o Choro ocorre subordinado ao exercício da memória e do
pensamento musical, que se manifesta de forma plena na capacidade
de improvisação. A interação musical ocorre de forma próxima à da
conversação.
Contrariando esta ideia Hermano Vianna sugere a hipótese que «não
se improvisava nas rodas de choro»53. A sugestão, baseada na
ausência de situações de improviso assinalada por H. Cazes na sua
observação dos primeiros registros discográficos, aponta para dois
problemas que merecem ponderação.

51
Henrique Cazes: Choro, do quintal ao municipal.
52
Entenda-se aqui por camerística a prática musical de grupo, com recurso à pauta ou a esquemas de
notação.
53
No prefácio ao livro de Henrique Cazes: Choro, do quintal ao municipal, Vianna assinala que «até às
primeiras décadas deste século, o improviso era um elemento inexistente na totalidade das gravações de
choro (o que torna muito provável a afirmação de que não se improvisava nas rodas de choro)».

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 27


Em primeiro lugar, o da delimitação do conceito de «improvisação»;
em segundo lugar, o de saber se a «inexistência da improvisação» nas
gravações discográficas permite a extensão dessa constatação às rodas
de Choro, isto é, saber se o Choro realizado na roda pode ser aferido
pelos mesmos parâmetros que o Choro gravado. A constatação de uma
correlação não autoriza, por si, o estabelecimento de uma relação
causal.
Pixinguinha, no segundo depoimento ao MIS, faz uma revelação
importante acerca das primeiras gravações de choros. Questionado
sobre se havia partes escritas para as gravações dos Batutas,
Pixinguinha responde «não». Quando lhe questionam se não havia
nem partes cifradas, responde «não, era choro». Mas, quando
questionado sobre o processo de preparação para as gravações,
Pixinguinha responde que «o que fazíamos era ensaiar». À pergunta
seguinte, se «era na base do improviso», responde: «Não.
Ensaiado»54.
Ocorrem algumas diferenças fundamentais entre a roda e o estúdio.
Um aspecto a considerar quando se estabelece a correlação entre o
Choro gravado e o que acontece na roda tem a ver com a diferença
entre processo e produto: na roda, o Choro é processo, interação social
e, não deixando de ser processo também no estúdio, o seu destino é
ser produto discográfico. Contrariamente ao que ocorre num estúdio,
«uma roda de verdade é aquela que mistura profissionais e amadores,
gente que toca melhor e pior, sem nenhum problema»55.
O tempo, no estúdio é contado, enquanto a roda dura sem
compromisso. E há também o ambiente sonoro e social que
caracteriza um e outro espaço. O estúdio existe por forma limitar o
ruído ambiente, permitindo a melhor captação do som. O
relacionamento é fortemente condicionado. A roda de Choro é um
momento de convívio, requer um espaço doméstico, «de preferência
uma varanda ou um quintal»56.

54
MIS. Série Depoimentos: Pixinguinha.
55
Henrique Cazes: Choro, do quintal ao municipal. Curiosamente, é no prefácio deste livro que Vianna
emite a sua hipótese sobre a ausência da improvisação nas rodas de choro.
56
Idem

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 28


12. A IMPROVISAÇÃO NO CHORO
A improvisação no Choro é subordinada a elementos prévios: o tema,
regra geral fixado na escrita musical sob a forma melódica, as
possibilidades harmônicas implícitas nessa melodia e os
procedimentos padronizados de harmonização. Sobre esses dois
pressupostos se desenvolvem processos de improvisação ou variação
rítmica, melódica e harmônica, observando, todavia, as funções tonais
que garantem coesão à estrutura musical.
O valor do Choro não residirá tanto na complexidade, na sofisticação
ou mesmo na originalidade dos recursos composicionais empregues,
mas no fato de, por se remeter a recursos de domínio comum, poder
ser partilhado enquanto «linguagem musical»57.
Creio que é exatamente a observação desses recursos de domínio
comum que permite, no Choro, a prática da improvisação e, como diz
Luiz Filipe Lima, a existência de «músicos que não tocam
instrumentos harmônicos, nunca estudaram harmonia, mas são
grandes “acompanhadores”(sic.)»58.
Falando sobre o «Ingênuo» de Pixinguinha, Jacob do Bandolim diz:
«eu improviso quando interpreto, mas improviso não com o desejo de
improvisar, mas sim de aumentar a gama, aumentar a faixa de
sentimento daquilo que ele compôs (...) Não é o desejo de improvisar
ou ser original» 59.

57
A questão da “linguagem musical” justifica a introdução de um parêntesis. Em rigor, a música não será
uma linguagem (falta-lhe tanto o nível semântico como o gramatical), mas a observa, como a linguagem,
um nível sintáctico.
58
Lima, Luiz Filipe. Choro: aprenda você mesmo. Revista Roda de Choro n.º 4.
Creio haver aqui necessidade de precisar o que se entende como acompanhamento pois, em sentido
estrito, no Choro, o acompanhamento é realizado por instrumentos harmónicos. O contracanto realizado
pelos instrumentos melódicos poderá ser considerado acompanhamento apenas em sentido genérico.
59
Que Jacob qualifica, no seu depoimento ao MIS, como representando «o que de mais típico possa ter
um choro, a beleza da melodia, a beleza da harmonia, a rítmica, o encadeamento das modulações muito
bem feito, embora tenha apenas duas partes, isso é a única coisa que ele foge ao choro comum».

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 29


13. APRENDIZAGEM DO CHORO
«Será que o Choro se aprende na escola? Ou prescinde da formação
acadêmica, se não for mesmo incompatível com métodos de
aprendizagem rigorosamente escolásticos? Será mesmo que no
Choro, assim como na letra de Sinhô, “quem quer se fazer não pode,
quem é bom já nasce feito”?»60. As questões, colocadas por Luiz
Filipe Lima em 1996, em artigo publicado na revista Roda de Choro,
apresentam uma face do problema da aprendizagem do Choro.
A aprendizagem do Choro é contrastada com os processos de
aprendizagem formal realizados nos Conservatórios e Escolas de
Música. A necessidade de dominar a decifragem musical, imposta
pelo mercado de trabalho, bem como a aproximação ao Choro de
músicos oriundos de práticas de tipo erudito, pressionam no sentido da
incorporação da notação musical na prática chorística.
A maneira informal mais difundida de aprendizagem instrumental é a
da imitação através da audição de registros discográficos, buscando o
aprendiz as soluções possíveis para reproduzir um determinado tema.
É o recurso mais acessível a quem não domine a leitura musical ou,
pelo menos, os rudimentos da decifragem da escrita musical (que,
como se verá, não é a mesma coisa).
Houve uma época em que o recurso à audição era o mais utilizado na
aprendizagem do Choro. O «enaltecimento das capacidades auditivas
dos músicos 61 » era consagrado na expressão «tocar de ouvido», e na
apreciação das qualidades dos chorões «tinha um ouvido apuradíssimo
... era dificultoso cair62, tal os recursos que tinha naquele
instrumento»63.
O método de aprendizagem baseado no «tocar de ouvido»
concretizava-se tanto através da Roda de Choro quanto pela audição
de gravações em disco. Tal método impõe um exercício apurado da
memória musical.
A questão também pode ser posta de forma inversa. O «tocar de
ouvido» não é contrário à aprendizagem formal da música, embora
muitos dos processos de ensino formal da música (sobretudo nos
instrumentos de sopro) excluam ou limitem essa capacidade musical
essencial que é a aplicação sistemática da memória na prática musical.

60
Lima, Luiz Filipe. Choro: aprenda você mesmo. Revista Roda de Choro n.º 4.
61
Taborda, Márcia. Dino Sete Cordas. Revista do Museu da Imagem e do Som n.º 0.
62
Cair, neste contexto, significa perder a harmonia.
63
Idem Taborda, Márcia. Sobre José Celestino.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 30


Aquilo que muitas vezes é visto de forma quase pejorativa na
aprendizagem formal - tocar de ouvido - corresponde a uma qualidade
fundamental de qualquer músico e o músico de Choro faz uso
costumeiro dessa qualidade.
Acontece também que o uso da memória implicado no «tocar de
ouvido» abre caminho a outra qualidade, não menos importante: a
aplicação sistemática do pensamento sobre o contexto tonal, na
antecipação do movimento harmônico - uma forma de pensamento
intrinsecamente musical, que se irá revelar na capacidade de
improvisação.
Uma proposta concreta para a aprendizagem do Choro foi apresentada
por Mário Séve em Vocabulário do Choro. Baseando-se
essencialmente na obra de Pixinguinha, o autor apresenta um conjunto
de padrões melódicos que considera característicos do Choro e
susceptíveis de configurar um vocabulário musical.
Ressalta, todavia, uma questão: optando por expor cada «padrão» do
seu «vocabulário» em todas as tonalidades, o autor segue o costume
dos métodos de ensino tradicionais dos instrumentos de sopro (os tais
métodos escolares), em que não se requer ao praticante o exercício da
transposição (ela está já feita no papel), remetendo-o para uma relação
mecânica com a partitura 64.
O exercício do pensamento musical é natural ao Choro. No seu
depoimento ao MIS, Pixinguinha faz uma revelação fundamental
quando, acerca da audição de uma peça para violoncelo e piano de
Villa-Lobos, diz: «não entendi nada». Ora, sem entrar na apreciação
da obra de Villa-Lobos, o que importa aqui é a consciência clara de
Pixinguinha sobre a importância de, no Choro, se entender o que se
ouve.
É o entendimento musical que permite a antecipação do sentido de
transformação do contexto harmônico. É o entendimento musical que
permite a improvisação. Contrastando com a valorização do
adestramento mecânico, característica mais presente na didática da
chamada música erudita, no Choro, a música se exercita e se pratica
de forma mais próxima à da linguagem.
E, sem fazer a «apologia romântica do autodidatismo ou do
aprendizado informal» como recomenda Luís Filipe Lima 65, creio que

64
Nesse aspecto particular, diria que o Choro e os tais «métodos escolásticos» não são, de facto,
compatíveis.
65
Lima, Luiz Filipe. Choro: aprenda você mesmo. Revista Roda de Choro n.º 4.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 31


é exatamente essa maior proximidade, essa familiaridade musical, que
faz com que o Choro continue a ser uma forma de expressão musical
popular.
A roda é o espaço mais característico do Choro. Pois só «tocando em
conjunto, experimentando, criando cumplicidade com os outros
músicos, (...) tocando pela primeira vez um choro do qual só se sabe o
tom (...), é assim que se pode capturar a essência do choro»66.
Mas há, na prática musical do Choro, coisas que não se ensinam
através dos processos de aprendizagem formal.

66
Lima, Lu iz Filipe. Choro: aprenda você mesmo. Revista Roda de Choro n.º 4.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 32


14. A QUESTÃO DA SONORIDADE NO CHORO
O ato de ouvir inclui a percepção do som de resposta da sala (o
somatório do som que é percebido diretamente da fonte - os
instrumentos - com a reverberação propiciada pela sala). A sonoridade
é também um parâmetro que caracteriza a sonoridade naturalmente
para um determinado tipo de música.
A questão está em que a nossa cultura auditiva hoje é determinada
sobretudo pela audição do som difundido por aparelhagens. E esse
som é regra geral fabricado. A sonoridade é determinada previamente
nos processos de captação e de masterização, onde são condicionados
diversos parâmetros do som, nomeadamente, a equalização, a
reverberação, a espacialização e a normalização. E o ouvinte pode
ainda regular a amplitude geral do som emitido.
Se observarmos a necessidade de equilíbrio de um determinado
conjunto instrumental que desempenhe sem recurso a amplificação
(sobretudo quando se misturam cordas dedilhadas, instrumentos de
sopro e de percussão), haverá uma sonoridade natural a esperar.
O necessário equilíbrio no volume relativo dos diversos instrumentos
proporcionará uma determinada sonoridade. Se os instrumentos forem
amplificados ou tratando-se de um registro feito com recurso a
gravador multipista, com a plena individualização de cada
instrumento, esses valores poderão ser manipulados. Um instrumento
de menor amplitude potencial poderá (e isso é freqüente nas edições
discográficas) soar com mais presença que outros normalmente de
maior potencial.
Mas além da reconstrução da sonoridade do conjunto, o processo de
masterização coloca outra questão à nossa formação auditiva. Podendo
controlar ao detalhe a sonoridade de cada instrumento, a audição é
guiada. O que não ocorre quando presenciamos uma apresentação ao
vivo ou quando dela somos participantes.
A música é um evento social onde participam interpretes e público. A
interação entre esses participantes, uns mais ativos outros mais
passivos, vai caracterizar a natureza social do evento. O
comportamento social determina uma distância entre intérpretes e
público.
Num auditório, seja ele uma sala de teatro ou em casa (como acontecia
nos saraus em casa de Jacob do Bandolim), o silêncio da assistência é
um requisito que revela uma certa sacralização do evento.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 33


Mas em outros espaços onde a execução do Choro é realizada há um
certo ruído ambiente. O som ambiente não faz parte da música, mas
faz parte do evento. E a música coabita com ele.
O Choro, como toda a música de qualquer gênero, estilo ou forma,
pode certamente ser ouvido em palco de teatro, auditórios das mais
variadas feições, em casa, ao ar livre ou no isolamento dos estúdios. A
questão está em saber qual a influência que o ambiente sonoro tem
sobre o ouvinte e as implicações ao nível da fruição estética.
No estúdio, onde o propósito é construir uma hipótese de som, todos
os passos se focam no propósito de criar uma sonoridade que simule a
realidade do som ouvido na sala. A sonoridade da música gravada por
este processo é fabricada não pelos músicos mas pelo engenheiro de
som.
Enquanto a gravação em estúdio, a mais praticada na música popular,
se submete a um ideal de sonoridade concretizado pelo engenheiro de
som, a gravação ao vivo permite o registro do som da sala em toda a
sua grandeza. O termo grandeza é aqui considerado no sentido
proposto por Tovey como um parâmetro da sonoridade musical. A
definição desse autor sobre o ideal clássico de sonoridade da música
de câmara é lapidar: «o ideal clássico da sonoridade na música de
câmara contempla tanto de grandeza como de intimidade. A
apreciação, pelo ouvinte, de um trio ou quarteto ocorre apenas
quando o som preenche a sala. A noção clássica de grandeza [do
som] determina a forma artística»67.
O conceito de grandeza faz retornar a questão do «Choro música de
varanda». Se constatamos, como aponta Henrique Cazes, «que o
habitat natural deste tipo de música é a roda de Choro, um encontro
doméstico (...)» realizado «de preferência, numa varanda ou num
quintal», teremos de considerar as implicações dessa constatação no
que respeita à sua sonoridade específica do Choro.
Mais radical, Jacob do Bandolim assevera que «não se compreende o
choro sem um quintal e os quintais estão rareando hoje em dia». Na
sociedade contemporânea, a fruição da música é cada vez mais
passiva, sendo o contato com a música feito essencialmente através de
material gravado.

67
Tovey, D. F (1944). Essays in Musical Analysis - Chamber Music. Oxford Univ. Press. «The classical
idea of chamer music implies bigness as well as intimacy, and the listener is not enjoying the normal
effect of a trio or quartet unless the sound is filling the room. The classical notion of bigness determines
the art form».

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Pierre Schaffer, na sua proposta de «Solfejo do Objeto Sonoro» aponta
para a existência de vários tipos de audição, entre elas, o que designou
por «audição acusmática». Trata-se do tipo de audição que efetuamos
quando não há estímulo visual relacionado com o som.
É o tipo de atenção que exercitamos quando ouvimos música através
de um disco ou de emissão radiofônica. É também a situação que hoje
inunda os espaços públicos.
A atenção «acusmática» se impõe na apreciação do Choro até porque
o suporte discográfico foi um dos veículos essenciais para sua difusão
e fixação.
No caso do particular do caminho seguido na pesquisa que é relatada
neste texto, procurou-se privilegiar o som natural. Os registros foram
feitos com captação em estéreo, sempre do conjunto, sem recurso a
amplificação ou à mixagem multipista.
Seguindo os procedimentos mais habituais ao registro de música de
câmara, as gravações foram feitas com a finalidade de se captar o som
da sala (salão colonial do Instituto Cultural Cravo Albin, encrustado
na rocha primária do Pão de Açúcar e cercado por um braço
verdejante da Mata Atlântica, na Urca). A sonoridade registrada foi
aquela que os músicos participantes quiseram e souberam criar.

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II C AMINHOS

1. DA GESTAÇÃO E NASCIMENTO AO RESGATE DO CHORO


O Choro apresenta um período de gestação e um momento em que
nasce enquanto comportamento musical com características
particulares. Enquanto prática musical, o Choro caracteriza um
comportamento social que se manifesta em eventos específicos, os
Chorões do Rio de Janeiro, conduzindo à criação de grupos
instrumentais tipificados, os Choros. O repertório desses grupos era
constituído por composições baseadas nas formas de dança de salão
européias e em algumas formas musicais especificamente brasileiras.
Os músicos participantes nesses eventos eram também designados por
Chorões.
O conteúdo do termo Choro abrange, genericamente, os eventos
(substituindo o termo Chorão, que passa a ser utilizado apenas para
designar o músico do Choro), os grupos, o repertório, o estilo
interpretativo ou, numa acepção ampla, o gênero musical.
A gestação ocorre no Rio de Janeiro, através do cruzamento de
comportamentos musicais predominantes no período histórico
designado, no Brasil, por Belle-Epoque. As músicas de dança
européias, novidades avidamente consumidas em modismos de forte
expressão, adquirem novos traços quando realizadas pelos músicos
seresteiros, herdeiros das tradições musicais antecedentes que se
desenvolveram no Brasil colonial, na interação entre as três culturas
matriciais do pais.
Para o nascimento do Choro colaboram músicos de formação diversa,
reunidos em agrupamentos de tipo organológico também diverso.
Entre os conjuntos de cordofones (como o bandolim, o violão e o
cavaquinho) e os de instrumentos de sopro (onde a flauta adquire
maior presença, registrando-se no entanto a existência de clarinetes,
saxofones, oficleides, bombardinos, etc.), não omitindo a presença do
piano de Ernesto Nazareth, a organologia do Choro é, no seu
nascimento, bastante diversificada.
Quando se dá o nascimento do Choro, esta prática musical ainda
não revela traços plenamente diferenciadores que o definam enquanto
gênero musical. «Choros e serestas são nomes genéricos aplicados a
tudo quanto é música noturna de caráter popular, especialmente
quando realizada ao relento», informa Mário de Andrade.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 36


Mas, em determinado momento da sua história, o Choro participa de
um processo de fusão com a música dos meios populares cariocas.
Essa fusão também tem expressão no instrumental utilizado no
Samba, parte dele oriundo do Choro (nomeadamente, os violões e o
cavaquinho) e, reciprocamente, na progressiva inclusão da percussão
no Choro.
Observando aspectos intrinsecamente musicais, o elemento mais
característico daquela fusão manifesta-se na tercina sincopada que
Darius Millhaud apontou como sendo aquele «tudo nada tão
especificamente brasileiro». Mas há, também, uma transformação no
caráter do Choro. Torna-se mais leve.
Diz Jacob do Bandolim que «Pixinguinha deu rítmica ao choro, deu
graça ao choro. Esta leveza do choro, esta malícia, malícia que só
Pixinguinha sabe dar (...) porque, até então o choro era tocado meio
quadrado». E essa transformação de caráter conduziu, ou permitiu,
uma transformação duradoura, na estrutura organológica do Choro.
Surge a formação de tipo «regional», que consagra o papel do
cavaquinho, dos violões de seis e de sete cordas e da percussão,
realizada hoje sobretudo pelo pandeiro. E essa base mais estável vem
juntar-se aos instrumentos de desempenho melódico solístico (a flauta,
o bandolim, o clarinete, etc) e instrumentos harmônicos como o
acordeão.
E o Choro se define, efetivamente, com Pixinguinha. É quando
adquire aquele traço de leveza que aponta Jacob, sem perder a
potencialidade de expressar ambientes nostálgicos de grande
intimidade. O gênero apresenta uma série de metamorfoses que não se
revelam necessariamente a nível formal, mantendo-se o recurso à
forma rondó, mas sobretudo no ato da interpretação, da recriação, que
ocorre sob a forma de variações melódicas e de contracantos
improvisados.
Não obstante o primado rítmico-harmónico68 que orienta a
improvisação, os contracantos em contraponto, realizados tanto nos
instrumentos de sopro como nos cordofones (procedimento que
assumiu um valor idiomático no violão de sete cordas), levaram ao
surgimento de uma textura polifônica que marca a sonoridade do
Choro enquanto gênero musical.

68
Já assinalado por Mário de Andrade no verbete relativo ao Choro incluído no Dicionário Musical
Brasileiro.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 37


A improvisação abre caminho ao desenvolvimento de procedimentos
de modulação que estabelecem um ritmo harmônico mais desenvolto
que aquele que é frequentemente utilizado nas formas da música
trivial européia que concorreram para o nascimento do Choro.
O Choro afirma-se como prática popular, mas manifesta uma
aproximação progressiva ao universo da chamada música erudita. O
mercado de trabalho impõe alterações ao comportamento musical dos
músicos, pela aquisição de competências ao nível da leitura de
partituras (tanto da notação musical em pentagrama como de cifras
relativas à harmonia). Mas o Choro conserva um reduto na prática
amadora. As rodas de Choro, prática decorrente dos encontros
domésticos tão comuns na fase de gestação, passam a ser o ponto de
contato entre os músicos profissionais e os aprendizes do Choro. E o
seu espaço de realização pode ser a varanda, o quintal ou o botequim.
Após um período de presença na Rádio e no mercado discográfico,
onde pontificam figuras como Luperce Miranda, Jacob do Bandolim,
Meira, Aníbal Sardinha e Benedito Lacerda, o Choro começa a perder
terreno como gênero, passando os músicos de Choro a serem
utilizados como mão-de-obra para o acompanhamento de cantores que
assumiram o papel de protagonistas.
O «regional» passa a ser o conjunto da Rádio, até que as formações
equiparáveis às praticadas no jazz lhe tomam o lugar. Quando se perde
o último vínculo de um «regional» com a rádio, o Choro sofre,
enquanto prática social, um forte declínio. Vai reaparecer na década
de setenta, agora sob a égide de Radamés Gnatalli, quando uma nova
geração de Chorões oriundos dos meios universitários mas com a
experiência juvenil da roda de Choro - prática que se mantinha viva na
Penha (no botequim Sovaco de Cobra) - se organiza numa formação, a
Camerata Carioca, que, contemplando a organologia do «regional»,
se direciona para um tipo de trabalho de âmbito camerístico. Os
festivais surgem como espaços catalisadores impulsionadores desses
grupos de novos intérpretes.
A experiência da Camerata Carioca teve o seu ocaso. Mas os músicos
que nela participaram continuaram ligados ao Choro e assumiram,
cada qual no seu caminho, novos rumos. Surgem iniciativas de âmbito
didático, editorial e de produção discográfica, onde estes músicos dão
corpo a novas formas de atuação que podem ser definidas como a
expressão de um movimento revivalista do Choro.
As figuras tutelares de Jacob e Gnattali somam-se a Pixinguinha.
O processo revivalista de resgate do Choro, a partir da década de 90,

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 38


busca a renovação dos repertórios praticados pelos Chorões, agora
sobretudo em bares e espaços de entretenimento público, contando
com o suporte ativo de instituições públicas como o Museu da
Imagem e do Som, que promoveu o Festival “Chorando no Rio” e
manteve durante vários meses uma presença regular do Choro, aberta,
na Lapa. Este espaço transformou-se num local privilegiado de
lançamento de novos praticantes, coabitando com os grupos de
músicos mais experientes, reatando assim a forma tradicional de
contato dos músicos amadores ou em vias de profissionalização com
os profissionais mais experimentados.
A vitalidade do Choro é preocupação manifesta dos seus
praticantes mais esclarecidos (ou mais intervenientes na formação de
opinião). Surgem iniciativas editoriais como a revista Roda de Choro,
onde alguns dos principais ativistas do movimento revivalista do
Choro apresentam e confrontam pontos de vista. Começa a
manifestar-se a atenção do meio acadêmico, que se envolve na
produção de monografias e teses sobre a história e os personagens do
Choro.
Surgem no mercado algumas iniciativas editoriais sobre a história do
Choro ou sobre a didática de instrumentos típicos do Choro, enquanto
se multiplicam as iniciativas de âmbito discográfico especialmente
dedicadas a este tipo de música. E o Choro acontece na praça, na
Lapa, frente ao Museu da Imagem e do Som, na Cobal de Humaitá e
em outros locais da cidade do Rio de Janeiro, assim como em outras
cidades do Brasil.
O Choro ganha espaço na Internet, com dezenas de sites dedicados
especificamente a ele, e começa a ser projetado além fronteiras através
de músicos de diversos países. A vitalidade do movimento revivalista
é evidente. O resgate do Choro é a bandeira que aglutina interesses tão
diversificados (das pesquisas acadêmicas aos projetos discográficos
ou à indústria do entretenimento) e, ainda, pelo simples mas intenso
prazer de fazer e ouvir música deste tipo, ou numa acepção ampla,
deste gênero de música.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 39


2. DO CHORO ENQUANTO GÊNERO
Retomando a questão colocada anteriormente, a nível especificamente
musical, como é que o Choro se caracteriza enquanto gênero (e
como é que se diferencia de outros gêneros)?
O Choro, enquanto prática musical, apresenta várias transformações
observáveis no decurso da sua história. A sua instrumentação passou
do conjunto composto por flauta, violão e cavaquinho, para
agrupamentos mistos onde se incorporaram tanto o piano como os
instrumentos trazidos das bandas filarmônicas. Outros instrumentos
menos representativos em número de praticantes tiveram presença
assinalável (até pela originalidade) no Choro, como a guitarra
havaiana e a cítara 69.
A função do Choro apresenta um quadro de modificação
característica da música funcional que se transforma em objeto
portador de sentido histórico. Inicialmente era música de baile. Os
gêneros que deram origem ao Choro foram as danças (polcas, valsas,
schottiches, tangos, habaneras, lundus, maxixes, etc.). Hoje o Choro já
não é música de baile. A sua fruição incorporou um comportamento
contemplativo comum ao da música erudita.
O lugar de execução acompanhou o percurso da sua transformação
funcional. De música de varanda ou quintal, o Choro conquistou as
salas, nos saraus familiares e acabou por entrar no território antes
cativo da música erudita, as salas de concerto e teatros.
A estrutura da composição no Choro observou uma fixação na forma
rondó em três partes. A forma bipartida teve o seu primeiro gesto
assinalável em Pixinguinha (com Lamentos e Carinhoso). A duração
do Choro observou uma condicionante tecnológica imposta pelo
processo registro discográfico (os discos de 78 rotações, por exemplo,
restringiam a duração dos fonogramas a cerca de 3 minutos).

69
Da guitarra havaiana há os registros de Aníbal Sardinha e Carolina Cardoso Menezes, em duo com
piano. A cítara tem como figura de referência Avena de Castro.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 40


3. DO INSTRUMENTAL DO CHORO
A organologia do Choro é bastante diversificada. A história da Choro
apresenta um vasto conjunto de registros sonoros, hoje acessíveis ao
público em geral, através da obra de Humberto Franceschi A Casa
Edison e seu Tempo, e do volume Memórias Musicais, onde são
apresentados quinze CDs com uma seleção de fonogramas registrados
e editados na primeira metade do século XX, no Brasil.
Esses registros permitem observar a música através da sua forma de
representação mais direta: o som gravado. A gravação é uma forma de
representação audível do som musical, da mesma forma que a
partitura é uma das suas formas de representação gráfica. Mas o som
gravado, sendo uma representação do fenômeno vivido, deve ser
observado atendendo a dois fatores essenciais: um que diz respeito às
contingências do ato da gravação e o outro e às contingências da
reprodução do som.
Por outro lado, a coleção de registros disponibilizados são uma
escolha sobre um conjunto de registros que, quando foram feitos, já
refletiam critérios de escolha onde entram fatores de ordem comercial,
técnica e estética.
Mas, mesmo atendendo a essas contingências, as gravações da Casa
Edison constituem o maior conjunto de dados acessíveis e, por isso,
fonte incontornável numa pesquisa sobre o Choro.
O conjunto de flauta, violão e cavaquinho é a formação básica da
origem do Choro. A essa formação, que representa a herança
seresteira do Choro, se somam outros instrumentos, nomeadamente, o
oficleide, o bombardino e o saxofone.
Os conjuntos de Metais e as Bandas aparecem nos registros sonoros
do Choro logo na fase da gravação mecânica. Razões óbvias para essa
presença derivam das características acústicas desses instrumentos e
das contingências impostas pelo processo de gravação.
Mas as bandas não se apresentavam para as gravações com os seus
efetivos completos. A sala onde se realizavam essas primeiras
gravações não comportava mais que uma dúzia de executantes. E essa
limitação de espaço pode, dessa forma, ter contribuído para a
manutenção do espírito camerístico do Choro.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 41


O piano aparece nos registros da casa Edison em formas de
participação extremas: como instrumento acompanhador (por
exemplo, nas gravações de Patápio Silva) ou como instrumento solista
(como nas gravações de Ernesto Nazareth).
No início do século XX, os «pianeiros», assim se designavam os
pianistas populares, tocavam em festas, em cinemas e em teatros e
tocavam «também como empregados das casas de música para
demonstrar ao piano as partituras impressas para venda»70.
Os «regionais» resultam da transformação dos grupos de choro do
final do século XIX. «A generalização desse nome, provavelmente,
originou-se na caracterização com roupas folclóricas, com que
determinados grupos se apresentavam [no Rio de Janeiro], no final
dos anos 20, dentre eles, os pernambucanos Turunas Pernambucanos,
Turunas da Mauricéia e o carioca Grupo do Caxangá, com
Pixinguinha»71.
O «regional» foi a forma privilegiada de participação de músicos
populares na Rádio, que se iniciou em 1922, desde a primeira
transmissão radiofônica no Brasil, até os anos 80.
«Durante meio século, de 1930, com a criação do Gente do Morro,
até o inicio dos anos 80, na interrupção da carreira do Regional do
Canhoto, com o falecimento de Meira e Canhoto, essa linhagem de
chorões, que foi se modificando através dos anos, fixou a relevância
musical e histórica de um grupamento instrumental, e até hoje serve
de referência para músicos e estudiosos da nossa música popular»72.

A flauta integra o Choro desde a sua gestação. Inicialmente a flauta


utilizada era em ébano, normalmente de cinco chaves. Posteriormente
introduz-se no Brasil a flauta em sistema Bohem.
Desde o século XIX, com Matheus André Reichert (1830-1880) até
aos dias de hoje, com Odette Ernest Dias e Celso Woltzenlogel, a
flauta teve forte presença no panorama instrumental brasileiro.
No Choro, foi o instrumento de figuras como Joaquim Callado,
Viriato Silva, Patápio Silva, Alfredo da Rocha Vianna Jr.
(Pixinguinha), Benedito Lacerda, Altamiro Carrilho, Nicolino Cópia
(Copinha).

70
Franceschi, Humberto. A Casa Edison e seu Tempo.
71
Prata, Sérgio. A História dos Regionais. (http://www.samba-choro.com.br).
72
Idem.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 42


Instrumento melódico frequentemente utilizado para o desempenho
solístico, a flauta tem no Choro um repertório vasto e diversificado
seja em termos de requisitos técnicos, seja em termos estilísticos.
Mas o desempenho solístico no Choro não é exclusivo nem da flauta
nem dos instrumentos de sopro. Esse desempenho é partilhado, entre
outros instrumentos, com o clarinete, o saxofone, o bandolim ou o
cavaquinho.
A percussão é hoje realizada preponderantemente pelo pandeiro.
Outros instrumentos de percussão, como o surdo, o reco-reco ou o
ganzá, tiveram também utilização no Choro, sendo embora uma
utilização mais restrita. Mais recentemente, também aparece a bateria
em algumas formações de Choro.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 43


4. A “RODA DE CHORO” E A MUDANÇA MUSICAL NO CHORO
Num texto publicado na Internet, em 2001, por ocasião do Festival de
Choro “Chorando no Rio”, promovido pelo MIS 73, Luiz Otávio Braga
sublinha «que o comportamento hoje episódico das rodas de choro
não significa um sintoma de esmaecimento do gênero. O Choro está
longe de ser uma forma “morta”»74.
Duas questões são contidas na pequena citação: do choro - forma
“viva” - e da existência episódica das rodas de Choro. No mesmo
texto, o autor refere o papel do choro e seus instrumentistas na relação
entre o popular e o erudito na música popular brasileira: «mesmo no
ponto culminante da era radiofônica, onde evoluem músicos da
dimensão de um Radamés Gnattali e a orquestração da música
popular é fato marcante, o Choro teve presença notável, porquanto as
grandes estações de rádio jamais abriram mão do conjunto de Choro
- o “regional”».
Sublinhando a sua experiência pessoal, Luiz Otávio Braga assinala
que a geração à qual pertence “principiou a tocar no último quartel da
década de 70, ainda se deu de ver, ouvir, para bem imitar, in loco,
isto é, na roda de choro, músicos como Abel Ferreira, Claudionor
Cruz, Dino Sete Cordas, Arlindo Ferreira (o Cachimbo), Meira”.
Algumas das questões afloradas por Luiz Otávio Braga nesse texto
informaram o enfoque desta pesquisa sobre a Roda de Choro.
A hipótese sobre a qual se desenvolveu este trabalho é a que o Choro é
sobretudo um processo musical, portanto, social que se realiza num
espaço de interação específico: a Roda de Choro. Luiz Otávio Braga
assinala que esse espaço, a Roda de Choro é hoje episódico, mas que,
não obstante isso, o Choro se afirma como «forma “viva”».
Manifesta-se assim um processo de mudança musical: o habitat em
que se desenvolveu o Choro ao longo de mais de cerca de um século,
a Roda de Choro, está em declínio. Mas a prática musical que o Choro
representa sobrevive, migrando para novos espaços. Os protagonistas
também mudam. Os instrumentistas de raiz popular cedem o seu
território às novas gerações de músicos.
A mudança musical assinalada ocorre por força de vários fatores
internos e externos, entre eles o acesso a novos materiais (ou
instrumentos) e a novas tecnologias de produção e difusão do som, e
por interferências de âmbito estético, ideológico ou comercial.
73
Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro.
74
Braga, Luiz Otávio. O Choro e o seu momento no século XXI. Em www.choro.com.br.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 44


As transformações operadas na prática social da música se revelam em
modificações observáveis nos produtos musicais. É o sentido de
mudança musical presente no conceito Choro forma “viva”.
O preparo formal adquirido no circuito acadêmico, nomeadamente
a utilização sistemática da partitura como recurso privilegiado de
representação do som, introduz alterações substanciais na prática
performativa. Ao Choro apresentam-se novos horizontes estéticos,
proporcionados pelos recursos escolares. As instituições acadêmicas
começam a integrar o Choro nos seus horizontes curriculares, trazendo
novas formas de apreciação e valorização da música prática.
Mas nesse processo de mudança o Choro perde alguns traços que o
caracterizaram, perda decorrente da utilização desses novos recursos.
A improvisação chorística, diálogo realizado através dos
instrumentos onde a música adquiria foros de linguagem popular, tem
de se adequar a novos contextos. O Choro - forma “viva” - busca
novos recursos. A música “global” observa novas regras, onde o novo
se apresenta como um dos principais critérios de valoração. O Choro
forma “viva” é contraposto ao “chorinho” (objeto portador de sentido
histórico), prática musical coletiva que se desenvolveu num habitat
próprio, hoje considerado episódico: a Roda de Choro.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 45


5. QUESTÕES PARA A DIDÁTICA DO CHORO
A roda de Choro continua a existir como espaço de formação e de
transmissão oral (ou, antes, instrumental) da tradição. Mas a prática
predominante da roda se observa não em encontros domésticos mas
em espaços de desempenho profissional, nos palcos dos bares e
restaurantes. Nesses espaços, os músicos do Choro cada vez mais
utilizam o recurso de sistemas de amplificação de som, com
implicações profundas na sonoridade e interação de grupo.
Alguns comportamentos característicos do Choro são resultado de
um refinamento, ao longo de décadas, de processos de interação entre
instrumentistas. O contato visual adquire importância primordial no
diálogo musical, mas não se trata apenas de comunicação entre
protagonistas, trata-se da capacidade de ler, objetivamente, no
desempenho gestual dos outros instrumentistas, sinais que conduzem a
interação.
Um exemplo interessante é o da comunicação entre os
instrumentistas no violão de sete cordas e no violão de seis cordas.
Na orgânica do Choro, cabe ao violão de sete cordas realizar os
contracantos na região grave. Ao violão de seis cordas cabe o
preenchimento harmônico. Mas o violão de sete cordas também pode
terminar os contracantos “armando o acorde”75 e o violão de seis
cordas procurar, certas vezes, acompanhar o contracanto do violão de
sete cordas em movimento paralelo.
O contracanto é por regra improvisado, pelo que o violão de seis
cordas tem de antecipar o sentido do contracanto para poder, de forma
quase instantânea, fazer a sua variação em movimento paralelo. O
recurso utilizado é a observação da mão esquerda do violão de sete
cordas, cuja leitura lhe permite conhecer o sentido provável do
contracanto. Trata-se efetivamente de uma leitura, mas sobre um sinal
dinâmico, gestual, interpretado na prática do instrumento.
Esta competência - de ler os sinais gestuais no desempenho de outro
instrumento - foi adquirida no processo da aprendizagem
proporcionado pela roda de Choro e refinada por aqueles
instrumentistas que assiduamente se dedicavam à observação dos seus
modelos, assistindo às gravações da Rádio ou procurando o convívio
musical com eles.

75
“Armar o acorde” corresponde, na gíria do Choro, a terminar o contracanto com a apresentação de um
acorde para preenchimento harmónico.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 46


E o refinamento dessa técnica de comunicação conduziu à ausência de
domínio de outros processos de representação gráfica do som,
nomeadamente da partitura musical76.
Resta saber se o domínio da decifragem da partitura musical poderá
suprir, por si, as necessidades de uma prática musical como Choro, em
que a recriação se faz com freqüente recurso a procedimentos de
variação e improvisação.
Pode acontecer que, por inércia de um processo de adestramento
musical baseado na leitura ou por economia de esforço, a aquisição da
capacidade de decifrar (que não é o mesmo que ler) partituras conduza
ao esmorecimento da capacidade de aplicação prática do pensamento
musical e, no uso sistemático da improvisação, da capacidade de
diálogo musical que caracteriza a prática do Choro.
Estando o processo de mudança musical do Choro fortemente
relacionado com a aproximação da sua prática aos ambientes
escolares, seja pelo tipo de preparação formal que a nova geração de
praticantes apresenta, seja pelo interesse que o Choro começa a
despertar no circuito acadêmico, é muito provável que a sua prática
venha acusar a presença de problemas que hoje são já reconhecidos
pela pedagogia da música erudita.
Uma das últimas contribuições para o desenvolvimento da didática
musical foi o constructo “audiation” apresentado pelo pedagogo
Edwin Gordon77. Segundo ele, Audiation (ou audiação, na tradução
portuguesa78) está para a música assim como o pensamento está para a
linguagem e ocorre quando ouvimos e compreendemos música. Ao
explanar a sua teoria da aprendizagem musical, Gordon coloca a
capacidade de improvisação nos níveis mais elevados de inferência
musical.
Segundo Gordon, a criatividade representa um estádio de prontidão
para a improvisação. Criar é mais fácil que improvisar porque há mais
restrições no ato performativo que no ato criativo. Representando a
criatividade e a improvisação uma relação contínua, para este autor, a

76
Em rigor, não se trata de uma ausência radical, pois a partitura é o modo de fixação e transmissão das
composições originais sobre as quais se realiza o processo interpretativo. E a partitura é de uso frequente
principalmente pelos solistas de sopro (a “rapaziada dos bemóis”, conforme a referência de Luiz Filipe
Lima no artigo Choro: aprenda você mesmo), anteriormente citado.
77
Gordon, Edwin. Learning Sequences in Music. Chicago: GIA (1993).
78
Foi essa a opção de tradução encontrada para o termo cunhado por E. Gordon. Os seus trabalhos, entre
eles a Teoria da Aprendizagem Musical têm sido traduzidos pela Fundação Gulbenkian, em Lisboa.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 47


criatividade requer premeditação, enquanto improvisação faz apelo a
capacidades de reação imediata 79.
Recentemente, a questão da improvisação mereceu deste autor uma
atenção específica, tendo realizado pesquisas sobre a prontidão para a
improvisação rítmica e harmônica80. Edwin Gordon, focando a
questão da improvisação na aprendizagem musical acrescenta: a
improvisação não pode ser ensinada, mas pode ser aprendida.

Mário Séve apresentou uma proposta no seu livro «Vocabulário do


Choro». Nesse trabalho são expostos elementos padrão retirados
sobretudo da escrita de Pixinguinha. A proposta de Mário Séve, da
qual se apresentou já um resumo em momento anterior, suscita duas
questões: por um lado sobre a representatividade dos padrões
selecionados de forma a constituir um “vocabulário do Choro”; por
outro lado, a didática proposta não enfatiza o desenvolvimento do
pensamento harmônico, aspecto essencial da prática chorística (pelo
contrário, ilude o problema fornecendo a transposição de cada
exercício em todas as tonalidades).
Na verdade, o domínio das funções harmônicas é, sobretudo para um
praticante de instrumento melódico, o elemento mais importante para
o desenvolvimento dos contracantos improvisados. Recordemos a
informação dada por Paulo Moura sobre a «importância da
verticalidade na interpretação do Choro»81.
Altamiro Carrilho propõe uma série de Chorinhos Didáticos para
Flauta. O disco apresenta as partituras e gravação das 12 peças
didáticas e mais doze faixas com as bases (os acompanhamentos),
para o aprendiz poder tocar com o apoio de um conjunto pré-gravado.
No mesmo sentido Luiz Otávio Braga havia realizado os LPs Dê
uma canja!. Trata-se sobretudo de material de treino e não,
necessariamente, de propostas de aprendizagem, todavia ambas as
propostas suscitam questionamentos de ordem didática,
nomeadamente ao nível da sequenciação da aprendizagem.
A aprendizagem processa-se segundo uma seqüência que deve
considerar tanto aspectos técnicos como estilísticos. A utilização de
material pré gravado é do maior interesse para veicular modelos de
sonoridade, mas os exemplos para treino não devem ser demasiado
79
Gordon, Edwin. Learning Sequences in Music. Chicago: GIA (1993).
80
Gordon, Edwin. Studies in Harmonic and Rhythmic Improvisation Readiness. Chicago: GIA (2000).
81
Moura, Paulo. De Paulo Moura para Pixinguinha. No CD Choro (1906-1947), editado por Philippe
Lesage.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 48


extensos sob pena de a atenção sobre o essencial se perder. Num
trecho extenso, o enfoque vai provavelmente ser colocado ao nível da
leitura (a partitura é, nos dois exemplos referidos, fornecida junto com
o disco).
Por outro lado, e essa será a maior limitação dos materiais didáticos
pré-gravados, não há interação efetiva. E o Choro tem como
característica primordial a improvisação em grupo, dentro de
parâmetros estilísticos pré-determinados, improvisação suscitada pela
interação entre os diversos instrumentistas. Recordando a definição de
Mário de Andrade, «o Chôro implica no geral participação de
pequena orquestra com um instrumento mais ou menos solista,
predominando o conjunto».
Andréa Ernest Dias apresenta a questão da didática do Choro numa
perspectiva diferente. No texto da sua dissertação de mestrado82
intitulada A expressão da Flauta Popular Brasileira - uma escola de
interpretação, surge uma coletânea crítica onde são reproduzidas 12
peças do repertório do Choro e apresentadas sugestões de
interpretação baseadas na experiência da autora como flautista. Sobre
cada peça é feita uma descrição de aspectos formais e estilísticos, com
a indicação de recomendações sobre o processo de estudo tendo em
vista questões pertinentes à técnica do instrumento.
Bruno de Souza Costa Pedroso apresenta outro tipo de proposta, não
especificamente no âmbito da didática, mas de toda a pertinência para
a questão: se trata de um projeto de software para a realização da
batida do pandeiro com recurso MIDI 83. A proposta de software não é
o que nos atrai especialmente, mas sim o enquadramento histórico e
analítico que a antecede.
Entre os diversos elementos fornecidos, Bruno Pedroso expõe de
forma sintética alguns elementos de análise musical baseados no
conceito de Audição Estrutural proposto por Heinrich Schenker,
integrados na teoria da gramática gerativa da música proposta por
Fred Lerdahl e Ray Jakendorff. Os elementos teóricos expostos são
aplicados na análise de algumas peças do repertório do Choro.

82
Apresentada à Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1996.
83
Pedroso, Bruno. Pandeiro MIDI - Geração automática de acompanhamento de pandeiro para melodias
típicas do estilo Chorinho, baseada em critérios culturais.
Site da Universidade de Brasília - http://primordial.cic.unb.br/lcmm/projetos/chorinho/chorinho.html

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 49


Não se tratando de uma proposta didática vem cobrir uma lacuna no
que refere à adequação de instrumentos teóricos para a análise musical
de peças do repertório do Choro, instrumentos de fácil apreensão e
grande utilidade na estruturação de uma proposta de aprendizagem.
Não obstante os méritos assinaláveis a cada uma das propostas
afloradas, a didática do Choro irá sempre requerer um componente
curricular baseado na prática instrumental em grupo, pois essa será a
única forma de se proporcionar a aprendizagem dos mecanismos de
interação entre instrumentistas. As qualidades musicais próprias do
Choro requerem essa dimensão coletiva.
Outras propostas existem sob a forma de métodos para diversos
instrumentos (cavaquinho, por Henrique Cazes; violão de sete cordas,
por Luiz Otávio Braga ou por Marco Bertaglia, etc.), além de cursos
livres realizados em diversas instituições, alguns orientados por
músicos como Maurício Carrilho e Roberto Gnatalli.
Um problema novo: o reforço do som (amplificação)
Além do domínio técnico do instrumento, da capacitação para a
improvisação dentro de critérios de estilo compatíveis com o gênero, a
performance do Choro requer do executante um sentido de equilíbrio
apurado. Esse será um dos pontos críticos atuais.
Sendo a prática da roda de Choro cada vez mais ocasional e tendo o
mercado de trabalho absorvido a maior parte dos seus praticantes nas
chamadas «casas de choro» (esplanadas, bares e restaurantes) onde o
som é sempre amplificado, o Choro vê dessa forma desaparecer uma
condição essencial ao desenvolvimento da sua sonoridade específica:
a intimidade, construída nos processos de interação auditiva e visual.
Muda a qualidade do som e muda o sentido espacial da fonte do som.
A sonoridade que se realiza na prática das «casas de choro» não é, de
todo, de feição ao desenvolvimento do sentido de intimidade
requerido pelo Choro.
Prática de âmbito camerístico, o Choro desenvolveu-se e adquiriu
características diferenciadoras enquanto “música de varanda”. A sua
sonoridade é característica e diversa da que se obtém em sala de
concerto, teatro, etc. Tal não significa que o Choro não possa ser
executado nesses espaços. Mas requer um esforço de equilíbrio.
Mesmo no âmbito da chamada música erudita, a música de câmara
apresenta, para o repertório das diversas épocas, uma sonoridade
característica e espaços mais adequados à sua realização.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 50


Mas podemos realizar as mais diversas formas de música instrumental
nas mais variadas salas e espaços. Com a tecnologia disponível pode-
se condicionar a reverberação de uma sala ou reforçar o som dos
instrumentos através de sistemas de amplificação. Assim, a questão
não será a de limitar a prática do Choro a um ambiente tido por ideal
mas a de proporcionar os conhecimentos necessários à correta
utilização das tecnologias por forma se obter o som desejado.
O reforço do som através de sistemas de amplificação requer alguns
conhecimentos básicos de acústica de salas, de técnicas de captação,
mistura e amplificação do som e uma idéia muito clara do som que se
pretende dos instrumentos. Saber o que se pode esperar de um
determinado equipamento é a primeira condição para permitir ao
técnico de som a realizar um melhor trabalho.
Embora a engenharia de som seja acessória à prática performativa e
esteja normalmente fora do âmbito de preocupações do músico, hoje
ela está presente no nosso quotidiano de tal forma que o som que
modela o nosso gosto, através da audição de registros discográficos ou
da rádio, é na sua maior parte determinado pelo técnico de som. Se o
músico não quer ou não pode desempenhar essa função, deverá pelo
menos saber dialogar com o técnico de forma a poder interferir
positivamente nessa dimensão do processo.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 51


Em resumo
As várias propostas referidas dão-nos uma súmula de elementos a
integrar numa didática do Choro:
– Recurso a padrões tonais e a padrões rítmicos para o
estabelecimento de um léxico básico do Choro;
– Estabelecimento de rotinas de exercício sobre esse léxico,
adequadas a cada instrumento de acordo com as suas
especificidades e ao papel desempenhado pelo instrumento na
orgânica do Choro;
– Recurso a referências teóricas para a análise musical do repertório,
com vista ao seu pleno entendimento;
– Recurso a material didático de treinamento, baseado na
representação sonora do repertório;
Ao nível curricular:
– Estabelecimento de um currículo que apresente objetivos
organizados sequencialmente de acordo com o processo de
aprendizagem musical;
– Integração, nas práticas curriculares, do espaço de música de grupo
através da recriação da orgânica da roda de Choro;
– Integração, nas práticas curriculares, de componentes tecnológicas
de reforço do som (microfonia, equalização, mistura e
amplificação).

E a didática da música terá muito a ganhar aproximando-se do Choro.


O processo de aprendizagem do Choro, depurado em décadas de
prática por largas centenas de músicos, merece ser estudado ao nível
da pedagogia e da didática da música. Dele se poderão extrair
indicações preciosas para a didática da música, aplicáveis no quadro
da chamada «música erudita».

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 52


III NA RODA DE CHORO
Na parte áudio deste CD é apresentado o produto musical que resultou
da parte experimental da pesquisa.
A gravação foi feita em ambiente natural, doméstico, num espaço
onde poderiam ter ocorrido as rodas de Choro do final do século XIX.
O espaço escolhido foi o salão colonial do Largo da Mãe do Bispo, no
Instituto Cultural Cravo Albin. Situado no sopé do Pão de Açúcar, é
um salão em telha vã, rodeado de denso arvoredo que protege
razoavelmente dos ruídos urbanos.
As gravações foram feitas em duas etapas: a primeira em julho e a
segunda em dezembro de 2002.
Participaram Valter Silva (violão de sete cordas), Carlos Silva e Sousa
“Caçula” (violão), Sérgio Prata (cavaquinho), Carlos Agenor
(pandeiro), Marcílio Lopes (bandolim) 84 e Alexandre Weffort (flauta).
A direção musical foi de Luiz Otávio Braga.

84
Nas gravações de julho.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 53


1. SOBRE OS AUTORES DOS CHOROS GRAVADOS NA PESQUISA
Joaquim Callado (1848-1880), flautista contemporâneo de Matheus
André Reichert, considerado o «pai dos chorões», é autor de A Flor
Amorosa e A Dengosa, bem como de Lundú Característico. «Tornou-
se o instrumentista e compositor mais popular do seu tempo. Callado
foi o organizador pioneiro dos grupos de choro na capital do
Império»85.
«O compositor e flautista Calado é considerado por todos os
estudiosos da música popular brasileira como a figura de proa na
implantação e fixação do "Choro", nos últimos 20 anos do Império no
Brasil. Calado foi pioneiro, e bem pode ser considerado o criador do
choro, ao incorporar a flauta aos violões e cavaquinhos, instrumental
comum aos conjuntos da época. Seu grupo, que ficou conhecido como
"O Choro de Calado", era constituído por um instrumento solista, no
caso a flauta, dois violões e um cavaquinho. Aos três instrumentistas
de cordas exigia-se boa capacidade de improvisar sobre o
acompanhamento harmônico. O compositor trabalhou com inúmeros
instrumentistas, que se destacaram na fase de fixação da nova
maneira de interpretar modinhas, lundus, valsas e polcas»86.
Viriato Silva (1851-1883), «Considerado um dos grandes mestres do
choro. Integrou a Orquestra do Teatro Fênix Dramática do Rio de
Janeiro, dirigida pelo maestro Henrique Alves de Mesquita. Em 1866,
apresentaram-se em São Paulo no Teatro São José. Pioneiro no país
como solista de saxofone. Obteve grande sucesso como compositor
com a polca "Só para moer", editada em 1877 por José Maria Alves
da Rocha e posteriormente por Artur Napoleão, obra até hoje tocada
pelos chorões. Por volta de 1880, empreendeu com grande êxito uma
turnê às capitais do norte do país, seguindo o exemplo do grande
flautista belga André Mateus Reichert. Faleceu no Rio de janeiro,
vítima de tuberculose pulmonar, três anos depois da morte de seu
amigo e mestre [Joaquim] Antônio da Silva Callado»87.
Anacleto de Medeiros (1886-1907), autor do schottisch Yara
(também conhecida pelo título dos versos de Catullo da Paixão
Cearense «Rasga o coração»). Fundou a Banda do Corpo de

85
Diniz, André. Joaquim Callado, o Pai dos Chorões. Rio de Janeiro (2002).
86
Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira.
87
Idem.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 54


Bombeiros, que gravou alguns dos primeiros discos impressos no
Brasil, a partir de 1902.
Ernesto Nazareth (1863-1934), «Um dos compositores de maior
importância para a cultura brasileira, deixou obra essencialmente
instrumental, particularmente dedicada ao piano. Suas composições,
apesar de extremamente pianísticas, por muitas vezes retrataram o
ambiente musical das serestas e choros, expressando através do
instrumento a musicalidade típica do violão, da flauta, do
cavaquinho, instrumental característico do choro, fazendo-o
revelador da alma brasileira, ou, mais especificamente, carioca».88
Pixinguinha (1897-1973). Seu nome completo: Alfredo da Rocha
Vianna Filho. Compositor. Arranjador. Flautista. Saxofonista. Um dos
maiores nomes da música brasileira, Pixinguinha «iniciou sua
actividade profissional por volta de 1912, ainda de calças curtas,
levado por seu irmão China para tocar na Casa de Chope La Concha.
Nessa mesma época, o violonista Arthur Nascimento - Tute, o levou a
substituir o flautista Antônio Maria Passos na orquestra do Cine -
Teatro Rio Branco, da qual se tornou integrante. O sucesso da
interpretação de Pixinguinha lhe assegurou um lugar na orquestra.
Ainda por volta de 1913, passou a integrar o "Grupo do Caxangá",
conjunto organizado por João Pernambuco, de inspiração nordestina,
tanto no repertório, como na indumentária, onde cada integrante do
conjunto adotava para si um codinome sertanejo»89. Autor de
Carinhoso, Lamentos e Vou Vivendo.
Jacob Pick Bittencourt (Jacob do Bandolim), «Bandolinista.
Compositor. Seu primeiro instrumento foi um violino. Não se
adaptando ao uso do arco, passou a tocá-lo com o auxílio de grampos
de cabelo. Foi então que uma amiga de sua mãe explicou que havia
um instrumento próprio para esse tipo de execução, e assim o
bandolim entrou em sua vida. Durante toda a década de 1930, Jacob
se dividiu entre a música e diversos trabalhos: foi vendedor, prático
de farmácia, corretor de seguros, comerciante e escrivão de polícia,
cargo que ocupou até morrer. Por não depender financeiramente da
música, Jacob pôde tocar e compor com mais liberdade, sem sofrer
pressões de gravadoras ou editoras. Nos primeiros anos da década de
1930, fez algumas apresentações amadorísticas. Sua primeira grande
chance ocorreu em 1934, quando o flautista Benedito Lacerda o

88
Idem.
89
Idem.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 55


convidou a participar do "Programa dos Novos - Grande Concurso
dos Novos Artistas", da Rádio Guanabara. Jacob solou o choro
"Segura ele", de Pixinguinha, acompanhado pelos violonistas Lentine
e Luis Bittencourt, Canhoto ao cavaquinho e Russo no pandeiro. O
intérprete Jacob possuía não só estilo, fraseado, toque extremamente
personalizado, mas um vasto repertório que em um caderno de notas
sob o título de "repertório trivial" contava com 329 títulos. Músico
extremamente exigente e perfeccionista era muito rígido na sua vida
pessoal e musical. Através das apresentações no rádio, Jacob firmou-
se na música. Tocou nas mais importantes rádios da época (Rádio
Guanabara, Rádio Educadora, Rádio Mairynk Veiga, Rádio
Transmissora, Rádio Clube do Brasil, Rádio Cajuti, Rádio
Fluminense e na Rádio Ipanema, posteriormente Rádio Mauá). Fato
marcante na carreira de Jacob foi a composição de "Retratos" (1957-
1958) suíte de Radamés Gnattali escrita para solista de bandolim,
especialmente para Jacob»90. Autor de Doce de Coco, Noites
cariocas, entre outras.
Aníbal Augusto Sardinha (Garoto) «Violonista. Compositor. Multi-
instrumentista. O pai tocava guitarra portuguesa e violão. Ao longo
de sua carreira, Garoto estudou música com Atílio Bernardini e
composição com João Sepe, cursando matérias afins com Radamés
Gnatalli. Em 1926, com 11 anos de idade, começou tocando banjo no
conjunto Regional Irmãos Armani. Em março de 1940, apresentaram-
se para o presidente Roosevelt na Casa Branca, na comemoração da
passagem de seu sétimo ano de Presidência. Participou de vários
programas com a pianista Carolina Cardoso de Meneses, com quem
gravou entre os anos de 1942 e 1946, na Victor, seis discos sob o
título "Garoto e Carolina". Em 1953, participou da Temporada
Nacional de Arte, realizada no Teatro Municipal do Rio de Janeiro,
executando sob a regência de Eleazar de Carvalho o "Concertino nº
2" (para violão e orquestra de câmara) de Radamés Gnattali,
dedicado a Garoto, levando pela primeira vez o violão brasileiro ao
Teatro Municipal»91. Autor de Amoroso, Gente humilde, Duas contas,
entre outras.
K-Ximbinho (1917-1980),«Clarinetista, compositor, arranjador e
regente. Segundo o maestro Paulo Moura, K-Ximbinho foi "o mais
original dentre os instrumentistas que se dedicaram à orquestra
popular urbana". Dedicou-se ao "jazz", ao choro e ao conjunto

90
Idem.
91
Idem.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 56


regional. "Sua atuação no "jazz" do Brasil é marcada pela criação de
formações camerísticas, orquestrando para instrumentos até então
pouco utilizados nas pequenas formações." Foi ainda um importante
divulgador do choro, por meio de obras como "Sonhando" e
"Sonoroso"» 92.
Eurico Carrapatoso, compositor português, nascido em 1962, é
professor na Escola de Música do Conservatório Nacional, em Lisboa.
Autor de Chorinho para o mê filh’ António, Carrapatoso apresenta a
sua composição nestes termos elucidativos: «O chorinho foi extraído
de “Dez vocalizos para Leonor e arcos” para soprano e cordas
(1996). É uma caixinha de ressonância do amor pelo meu filho
Antônio».
A versão apresentada com a formação de regional seguiu os
procedimentos típicos da roda de Choro: os temas melódicos foram
tocados na flauta, enquanto os restantes instrumentistas descobriam as
harmonias e teciam, no desempenho dos seus instrumentos, o tecido
polifônico do Choro.

92
Idem.

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 57


2. ALINHAMENTO DO CD «RODA DE CHORO»

Faixa 1 - O chorinho de mê filh’ Antônio (Eurico Carrapatoso)


Faixa 2 - A Dengosa (Joaquim Callado)
Faixa 3 - Escorregando (Ernesto Nazareth)
Faixa 4 - Só para moer (Viriato Silva)
Faixa 5 - Flor Amorosa (Joaquim Callado)
Faixa 6 - Amoroso (Aníbal Sardinha - “Garoto”)
Faixa 7 - Doce de coco (Jacob do Bandolim)
Faixa 8 - Yara (Anacleto de Medeiros)
Faixa 9 - Sonoroso (K-Ximbinho)
Faixa 10 - Carinhoso (Pixinguinha)
Faixa 11 - Vou vivendo (Pixinguinha)
Faixa 12 - As rosas não falam (Cartola)

3. FICHA TÉCNICA
Direção musical: Luiz Otávio Braga
Flauta: Alexandre Weffort
Bandolim: Marcílio Lopes
Violão: Carlos Silva e Sousa (Caçula)
Violão de 7 cordas: Valter Silva
Cavaquinho: Sérgio Prata
Pandeiro: Carlos Agenor

Gravações realizadas em ambiente natural, no ICCA; microfonia em


estéreo (2 microfones AKG 3000).
Registros por realizados por Alexandre Weffort

Alexandre B. Weffort Choro: Expressão Musical Brasileira Página 58

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