Está en la página 1de 19
3. PLURALISMO Estes dois capitulos sobre autores antigos foram conce- bidos como introdugéo as nossas pesquisas antropoldgicas referentes a ética. Quem quiser estabelecer algo sobre a na- tureza humana tera que deduzir, a partir das formas cultu- rais infinitamente varidveis em que ela se manifesta, que ha tendéncias hereditarias, e tera que procurar herancas filogenéticas que, no entanto, nio elaboram o comportamento humano de conformidade com moldes fixos, mas apenas dio como resultado disposigées congénitas, que ficam 4 espera de que a mistura dos afluxos culturais as preencha can- cretamente. De modo que as nossas exposicées anteriores dever&o ser entendidas de varias maneiras. Mostramos como, naquele tempo, uma situacgao imperial e relacional que atin- gira grandes proporcdes podia ser respondida com a men- talidade do “humanitarismo”, aparecido entdo pela primeira vez. Essa mentalidade se desenvolvera e propagara em cir- culos documentados, que hoje chamariamos de intelectuais; na falta de uma posicao social, esses circulos combinaram os seus reconhecimentos com a ambicdo de poder e de atividade publica. Tem-se a impressdo de que a transic¢éo da cultura no sentido de maiores dimensées implicava em reorientacdes Ppoliticas e, por conseqiiéncia, também de ordem moral, por- que o carater exclusivo do patriotismo urbano estava ultra- passado ou porque aqueles que se dedicavam a ele podiam se ver deixados para tras. O grande receptaculo resultante das relagdes internacionais e da criacéo de grandes poténcias recebia entaéo os fluxos de outra mentalidade, cujos arautos eram os pacifistas e os cidadéos do mundo que souberam causar a impressdo de que, através de suas finas vozes, falava -0 espirito universal. 39 Mas, com isso, ainda nfo dissemos nada sobre 0 suposto arraigamento antropolégico dessa forma de mentalidade; sé no 6.° capitulo levantaremos essa questéo. Como agora essas duas “organizagées mundiais” (usamos essa expresso, in- suficiente do ponto de vista filosdfico, por causa de sua brevidade) estavam em contradigéo, presume-se que exista, no homem, uma pluralidade de instancias morais, sobre cujo desenvolvimento muito provavelmente 6 a soma das circuns- tancias objetivas existentes que decide. Assim, opomo-nos a ética abstrata do iluminismo ou ao que Voltaire diz no Dictionnaire Philosophique: “Ha apenas uma moral, do mesmo modo que ha somente uma geometria”. No entanto, pode muito bem haver varias rafizes Ultimas do comporta- mento ético, indepentes entre si, assim como ha também varios sentidos independentes, que podem ou nfo cooperar entre si, Acreditamos que haja nao sé uma pluralidade de instancias morais, mas também de instancias ULTIMAS e, para excluir a idéia de uma origem sobrenatural para elas, vamos falar de “regulagdes sociais”. Nelas nao podemos ver outra coisa do que instalagées instintivas que, em linhas gerais, determinam as harmonias e os conflitos da vida so- cial. Nesta a densidade e a multipla coloragao de seu ver- dadeiro desdobramento dependem dé um sem-numero de fa- tores materiais, espirituais, tradicionais e outros, cuja re- lagdo é 0 que, no dominio dos residuos instintivos do homem, realmente tem validez, Por toda parte, esses fatores podem estabelecer relagdes de discordancia ou inibicéo, da mesma forma como existem também, entre as Ultimas rafzes da mentalidade, tensdes latentes, capazes de se polarizarem, em situagdes provocadoras, até a contradicao. A ciéncia chamada “ética” deveria tratar de apresentar todas as formas de mentalidade — comportamentos exis- tentes (ethos) — e, antes de tudo, estar a par do fato de que um ethos dominante, que dizer, que relativize, subordine ou exclua outros ethos, nao existe sem que haja uma camada social dominante que o proclame e imponha. Deveriamos, agora, tentar descrever, em primeira linha, a situacdo quotidiana, a mistura moral e pratica, cuja apre- sentagdo 6 mais tarefa da arte do que da ciéncia e que muitos romancistas ja souberam solucionar de maneira convincente. Pode-se, em todo caso, dizer que, em todos os lugares, geram- se determinados estilos de comportamento, diferentes tam- 40 bém segundo a classe social, nos quais as determinantes cul- turais parecem como que armazenadas. Ao se encontrarem, em situagdes tipicas, esses estilos tém que tratar, por um lado, para que os convivio deles seja suportavel, mas, por outro, tém que deixar margem a imposicao da robustez e da vontade, caso contrario nada se realiza, Essas decorréncias se ordenam como linhas energéticas em redor das normas, denominadas direito, que indicam até que ponto a sociedade quer exercer o controle pela forga e até que profundidade dos principios, que sfo, por um lado — podemos dizer — normas legais impostas & alma e, por outro, manifestacdo de sentimentos morais, Ninguém duvidara, por exemplo, que se deve cumprir o que se prometeu ou que se devem respeitar os direitos reconhecidos de outrem. Isso nao exclui o fato de que, no meio dos acontecimentos, se possa perseguir du- ramente a vantagem ou a propria causa até o eldstico limite que a propria sensibilidade coloca diante da vulnerabilidade alheia. Essa percepc&%o pode sublimar-se até o limiar das mais sutis reacdes do tato e até mesmo da polidez japonesa. E& necessario, por outro Jado, ter uma epiderme bastante espessa para perseguir seus objetivos através do cipoal do mundo dos negécios. Tudo isso jaz mesclado na alma do homem, bem fixado ainda pelos abencoados hébitos, em que nao se poderia confiar, se nado estivessem sincronizados para produzir o minimo de atrito. Hegel diz: ‘‘o que 6 bom ou nfo é bom, justo ou injusto, para os casos habituais da vida privada, é dado pelas leis e costumes do Estado; saber isso néo oferece maiores difi- culdades”, (Filosofia da histéria, I) Para a média das cir- cunstancias isso é certo. Para essa formula o que conta é o conteudo dos atos e das omissdes e n&o as circunstancias morais que os acompanham, de modo que ela néo menciona a “graxa social” que, nas sociedades superpovoadas, poupa reciprocamente a sensibilidade e faz com que o permitido também possa ser exigido. No entanto, ela também no exclui o fato de que os objetivos validos perante a lei sejam alcangados de forma brutal. Na vida, o homem pratico tem que saber aproveitar a oportunidade, o que encerra um certo teor de agressividade a respeito do qual Gottfried Keller dizia: “Quem nao conhece experiéncias amargas e sofrimen- tos nfo tem malicia; quem nfo tem malicia nio tem o diabo no corpo e quem néo tem este n&o sabe fazer nada 41 deo subsincioso”. (Breitenbruch: Gottfried Keller, 1968). Um Upo comm de bondade sem tenses, em que cada um recebe © que éeu, pode se fazer passar por humanitarismo e pro- duzir wa “absorvente subpressio moral” (W. Schéllgen, Moral tnitrofe, 1948), Esses so exemplos de deslizes e de figuras jeeadentes, que pretendemos apenas registrar, mas @ que yi dedicaremos um interesse maior. Em confronto com aSstuais cireunstancias, cheias de focos ardentes, e com © sopim mundial prestes a ser aceso, a formula de Hegel preee muito inocente, mas, ainda assim, caracteriza certa Rijia do clima moral que, na verdade, encobre dis- crepantis manifestadas agudamente sob a influéncia dos €ncargecoletivos. Por isso, ela faz questéo, muito acerta- dament, de ter validade apenas “nos casos comuns da vida particu”, Tais discrepancias em questdes referentes a prin- Cipios bsicos as vezes sfo legalmente aceitas e regulamen- tadas omo a negativa de prestar o servigo militar por Motivosie consciéncia e, de acordo com o ultimo e espantoso reconhtimento da Justiga Federal (1968), até por motivos Politico; concessio para a qual ainda nao havia disponibi- l'dade ys Guerras Mundiais. Trata-se, nessa questao, de uma berficiéncia ao nervosismo social, ainda nao praticével €m relyio ao exterior, onde n&o seriamos tratados como Darceits sociais” por todas as nagées, de maneira que a divisa “iver e deixar viver” ainda ndo serve como emblema para o wiforme militar. A tqualificacéo da autoridade moral do Estado tem aumento muito nas sociedades ocidentais e isso tem as Suas Coseqiiéncias, Se a legislagio quisesse intervir, proi- bindo «tas posicdes, pelo menos em suas manifestacdes externa; teria que considerar o fato de que a nao legaliza- ¢ao pelEstado esta longe de ter a forga moral que se possa medir «m a obtida facilmente pela opiniéo publica mas- Sificada Como a tendéncia desta é a desinibicgfio de tudo Quanto; dissoltiivel, ela coloca o Estado, sem mais nem menos, a posicio de opressor. A comissio americana da Cimaraios Deputados, que cogitava, em agosto de 1966, de. uma proibigao de todas as acdes e manifestagdes con- trarias iguerra do Vietnam, mas nao chegou a decreté-la, calculoy provavelmente que a acaéo conjunta da resisténcia Passiva jm a imprensa livre poderia comprometer a legis- lagdo, qe ja estava sem pathos. 42 Quando uma sociedade comega a ficar tolerante, isto 6, quando proclama como suportaveis as discordancias em. questées éticas, ou deve entao estar sem inimigos internos ou externos ou considera suficientes suas formulas de tran- quilizaciio. Pode ocorrer também que esteja tonteada pela ba- gatelizacdo ou até j4 tenha erguido um templo a um dominio absoluto, & sombra do qual todos os outros valores se tenham yeduzido a ninharias. Esse templo seria provavelmente de- dicado ao deus Plutdo, considerado, alias, crianga pelos an- tigos e apresentado como tal. A passagem da tolerancia ao niilismo, que praticamente dé transito a tudo, é dificil de delimitar e, por essa razdo, essa virtude pacifica é tao am- bigiia na vida ptiblica, que D. H. Lawrence péde descrevé-la como “pérfida doenca moderna” (A serpente emplumada) . Em situac&o normal, o individuo participante das con- digdes vive as valoragdes validas do ambiente como se elas fossem as suas proprias. Quando, no entanto, uma sociedade est4 se decompondo do ponto de vista politico e tradicional, grupos diversos defenderfio formas opostas de ethos, que, hoje em dia, se tornaraéo notérios devido aos efeitos drama- tizantes e legitimadores dos meios de comunicag&o de massa, quer dizer, produzirao equivalentes de crises. Na crise, au- menta a tendéncia a fazer do que tem opinido divergente um dissidente e isolado, 0 que se consegue com muita efi- ciéncia através da proscrigéo moral. O silenciado por esse processo nfo pode — da mesma forma que um morto — nem acusar, nem se defender e tampouco testemunhar. Tocqueville (L’ancien régime et la révolution, 1856) diz que, no século XVIII, “havia uma espécie de politica abstrata e literaéria que se propagava em todos os escritos”; o mesmo é valido para a “moral pura” praticada por Robespierre, da qual Hegel afirmava que “dar validade as abstragdes em situacdes reais significaria destruir a realidade; o fanatismo da liberdade posta nas méos do povo teria se tornado terrivel” (Prelegées sobre a histéria da filosofia). Ao pesquisar o ci- nismo e o estoicismo, pode-se observar que deles resulta a lei da restituigéio da liberdade & agressaio através da radicali- zagéio da moral. Noutros termos, as mesmas condigdes de yida que levam a polarizacZo dos impulsos éticos a oposigées acentuadas produzem, simultaneamente, a intensificagao da agressividade em ambos os polos, 0 que, afinal de contas, é 43

También podría gustarte