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AS ORIGENS DO
TRABALHISMO
BRASILEIRO
Fundação Leonel Brizola - Alberto Pasqualini
NOTA: A representação dos artigos nessa edição são de inteira responsabilidade do autor.
FUNDAÇÃO LEONEL BRIZOLA -
ALBERTO PASQUALINI (FLB-AP)
PARTE IV
1. O salário mínimo 12
3. A Justiça do Trabalho 28
Carteira de Trabalho
O Ministério do Trabalho foi conhecido, desde seus primeiros dias de funcionamento, como o Ministério
da Revolução, aquele que mais promissor parecia quanto ao cumprimento, até ampliado, dos compromissos
da Revolução de 1930.
A verdade, porém, é que o Ministério do Trabalho foi impedido não só de ampliar tais compromissos,
como também de cumprir todos os seus compromissos iniciais. O Ministério do Trabalho fora criado com a
tarefa prioritária de produzir leis de proteção ao trabalho, tanto o trabalho urbano como o trabalho rural, o
que evidentemente incluía o salário mínimo para o trabalhador urbano e para o trabalhador rural.
Na plataforma da Aliança Liberal, na noite de
2 de janeiro, Getúlio dissera:
O Ministério destinava-se a promover a defesa dos trabalhadores urbanos e rurais, mas, na prática,
legislou quase exclusivamente para os trabalhadores urbanos. Em 1930, Getúlio teve de restringir aos
trabalhadores urbanos a legislação trabalhista, que pretendia universal – abrangendo os trabalhadores
urbanos e também os rurais. Ele percebeu que o governo provisório não teria força suficiente para sobreviver
à imposição dessas leis tanto na cidade quanto no campo.
Era melhor, portanto, fazer o que fosse possível, duradouro e irreversível. No caso do salário mínimo,
anunciado já na plataforma da Aliança Liberal, lida no comício da Esplanada do Castelo, na noite de 2 de
janeiro de 1930, a ação do governo deu um passo considerável com o projeto apresentado em 1931 ao
Presidente Vargas pelo Ministro do Trabalho Lindolfo Collor, para definir os critérios de fixação do salário
mínimo.
- A fixação do salário mínimo é não só uma medida de justiça social e de amparo aos direitos dos que
trabalham, mas ainda, entre os empregadores, um passo decisivo para o cancelamento de injustificáveis
diferenças nos custos de produção, observáveis em centros em que se encontram os mesmos níveis nos
custos de subsistência.
O inquérito nacional sobre o custo de vida em cada região do país estava em andamento quando foi
instalada a Assembléia Nacional Constituinte eleita em maio de 1933. Ainda que o inquérito estivesse
pronto, Getúlio não poderia prevalecer-se dele para decretar as primeiras tabelas de salário mínimo, porque
a Constituinte discutia essa questão e poderia impor critérios diferentes daqueles do governo.
Aprovada a nova Constituição, em julho de 1934, foi preciso esperar por uma lei de 1936, votada pelo
Congresso, para a instalação das Comissões de Salário Mínimo. O trabalho dessas comissões talvez se
superpusesse ao do inquérito nacional sobre o custo de vida, instituido já em 1931, mas foi com base nele
que, em 1938, já no Estado Novo (e revogada a Constituição de 1934), Getúlio regulamentou as normas
acumuladas sobre o salário mínimo e, em 1º. de maio de 1940, decretou as primeiras tabelas desse
salário, a ser pago a partir de agosto do mesmo ano.
Já na plataforma da Aliança Liberal, lida no comício de 2 de janeiro desse ano no Rio, ele tinha dito:
Estava explícito na plataforma que Getúlio preconizava medidas de defesa tanto do trabalhador urbano
quanto do trabalhador rural. Isso valeria até para o salário mínimo, que só entraria em vigor dez anos
depois.
Mas o governo provisório da Revolução de 1930 não era tão forte nem tão invulnerável quanto
poderia parecer – tanto que em 1932, apenas dois anos depois, teve de enfrentar a chamada Revolução
Constitucionalista de São Paulo (em defesa, pretensamente, de eleições que já tinham sido convocadas
por Getúlio). Em 1935, três anos depois, e já em pleno regime da Constituição de 1934, Getúlio enfrentou e
venceu a insurreição, o levante armado da Aliança Libertadora Nacional (ALN), conhecido como a intentona
comunista. E em 1938 quase foi assassinado no Palácio Guanabara, na madrugada de 11 de maio, num
levante da extrema-direita, o Partido Integralista.
Ao assumir o governo, em novembro de 1930, Getúlio queria retomar – e retomou – o tema de seu
discurso de 1906, quando, jovem estudante, saudou o Presidente eleito Afonso Pena, em visita a Porto
Alegre e disse, em nome de seus colegas:
- Vós sois o representante de uma revolução pacífica que mudou os rumos da política nacional. Vós sois
uma reivindicação popular.
Getúlio falava de improviso, mas com tal segurança que contemporâneos da Faculdade de Direito,
estando a seu lado, tinham a impressão de ouvir a leitura de um discurso escrito e longamente meditado.
Ele não quer homenagear Afonso Pena senão na medida do necessário para dizer o que esperam dele e
de seu próximo governo esses jovens de vinte anos que o saúdam.
- Apesar de todas as grandes manifestações de solidariedade patriótica – diz Getúlio – o Brasil ainda
não atingiu o ponto de fusão que caracteriza a formação definitiva de uma personalidade... Mas nós, os
juízes de amanhã, nós temos confiança na grandeza da Pátria futura...
- Quantas causas de estagnação pesam sobre um país novo... Amarga resultante para quem se vê
coacto a comprar, manufaturados no estrangeiro, os gêneros da própria matéria prima que exporta! 1
Isso que Getúlio vê em 1906, pelos sintomas ou pelos efeitos, é o quadro econômico contra o qual ele
vai lutar pelo próximo meio século, pelos 48 anos que ainda viverá. Como tantos outros países periféricos,
o Brasil era exportador de matérias-primas e importador de produtos manufaturados. Nesse momento, o
minério de ferro do Brasil impressiona os técnicos das indústrias siderúrgicas da Europa e dos Estados
Unidos, mas o Brasil importa até enxadas e machados – e o regime tarifário e cambial fechara pequenas
fundições nacionais que produziam essas ferramentas.
Nessas poucas palavras, sobre a coação da história a estrangular o futuro de países como o Brasil,
encerra-se toda a política econômica da Revolução de 1930 e do governo: fazer do Brasil um país que
transformasse em aço o ferro de seu subsolo, que explorasse seu petróleo e suas fontes de energia
elétrica, que produzisse tratores, caminhões, automóveis e até aviões, um país não mais vítima dessa
coação da história, mas protagonista e criador de seu futuro.
Por isso era preciso, na legislação trabalhista, dar prioridade ao trabalhador urbano, o trabalhador na
indústria.
O PACTO
Mais de meio século depois, em 1985, Tancredo Neves, Presidente eleito da República (e Ministro da
Justiça de Getúlio em seu segundo governo, de junho de 1953 até a manhã de sangue de 24 de agosto
de 1954, o momento do suicídio de Getúlio), disse a Francisco Dornelles, ao informá-lo de que Dornelles
seria seu Ministro da Fazenda:
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1
Paul Frischauer, Getúlio Vargas, pgs. 101 a 103. Lutero Vargas, Getúlio Vargas, a Revolução Inacabada, Rio, 1988, p. 13.
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2
Francisco Dornelles ao autor, em várias conversas, confirmadas em entrevistas gravadas para documentários
como Tancredo Neves, mensageiro da liberdade, das produtoras FBL, de Fernando Barbosa Lima e Rozne
Braga, e Lúmen, de Nina Luz e Claudia Castello; José Sarney, um nome na história, da FBL; e Tancredo, a
travessia, da Intervídeo, de Roberto d’Ávila e Cláudio Pereira, dirigido por Sílvio Tendler.
A estabilidade da economia do açúcar e do álcool beneficiava o Nordeste, o Rio Grande do Sul e o resto
do Brasil – e o Instituto do Açúcar e do Álcool foi fundamental para isso.
Embora criado por um gaúcho, o Instituto do Açúcar e do Álcool logo se transformou, assim como o
Ministério da Agricultura, numa trincheira de Pernambuco e de pernambucanos.
O grande jornalista pernambucano Barbosa Lima Sobrinho não apoiara a Revolução de 1930. Por isso
recusou, em 1933, ser candidato à Assembléia Nacional Constituinte por Pernambuco, a convite de seu
amigo Agamenon Magalhães, ligado ao governo provisório de Getúlio Vargas e fundador do Partido Social
Democrático pernambucano.
O substitutivo apresentado por ele não chegou a ser votado, porque a Câmara foi fechada pelo golpe
de novembro de 1937, que instaurou o Estado Novo. Getúlio, porém, adotou o substitutivo de Barbosa
Lima, por achá-lo melhor que seu próprio projeto, e decretou a nacionalização dos seguros e a criação do
Instituto de Resseguros de acordo com as linhas propostas nesse substitutivo.
Isso finalmente aproximou Barbosa Lima de Getúlio. Em 1938, Agamenon Magalhães governava
Pernambuco como interventor federal e convenceu Barbosa Lima a aceitar a presidência do Instituto do
Açúcar e do Álcool. Barbosa Lima conhecia bem a questão econômica do açúcar e do álcool e também
seus dramáticos problemas sociais.
Essa questão vinha de longe e não avançou nos três anos de vigência da Constituição de 1934, que
complicara as relações entre o governo e
o Congresso e deixara o governo de mãos
amarradas, apesar de ter sido a primeira
Constituição brasileira a conter um capítulo
sobre a ordem econômica e social e as
primeiras normas de proteção ao trabalho e
de estímulo à justiça social.
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3
Informações de Barbosa Lima Sobrinho ao autor, na década de 1990,
quando o autor trabalhava em sua biografia.
No minucioso relatório em que prestou contas de sua atuação no Instituto, ao deixá-lo em 1946, Barbosa
Lima Sobrinho reconstituíu todas as etapas e dificuldades transpostas na realização do trabalho.4
No início desse relatório, Barbosa Lima diz, referindo-se a seus oito anos na presidência do Instituto, de
1938 a 1946:
- Oito anos de economia dirigida, numa fase de agitação, encontrando pela frente as realidades e as
consequências uma guerra mundial, constituem, de certo, amplo domínio de experiências e ensinamentos.
Confesso que, não obstante as dificuldades da intervenção, não creio nos regimes que exageram, no domínio
econômico, a invocação da liberdade. A liberdade, em economia, significa supressão e aniquilamento dos
interesses das classes desamparadas, ao passo que permite e assegura a predominância dos que agem
escudados pela organização bancária e pela força esmagadora dos grandes capitais.
Quanto mais de perto encara a realidade da vida econômica, “no entrechoque dos interesses e das
classes”, mais Barbosa Lima se convence da verdade de um conceito da Rerum Novarum, a encíclica de
1891 do Papa Leão XIII:
- A classe rica faz de seus haveres como que uma fortaleza e tem menos necessidade
de tutela pública. A classe indigente, ao invés, sem riquezas para se pôr a coberto
de injustiças, precisa contar principalmente com a proteção do Estado. Que o Estado,
pois, sob particularíssimo título, se faça a proteção dos trabalhadores, que em geral
pertencem à classe pobre.
Além da Rerum Novarum, Barbosa Lima menciona o presidente da Liga Democrática Belga, Arhur
Verhaegen, numa citação deste ao Presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt:
- Nem era diverso [do de Leão XIII] o ensinamento de Franklin Roosevelt, qundo se referia às “exigências
feitas por todos, de que seja posto um fim a essa espécie de licença, muitas vezes erroneamente
_______________________________________________________
4
Barbosa Lima Sobrinho, A ação do Instituto do Açúcar e do Álcool, Rio, 1946, edição do Instituto.
Mesmo com a possibilidade de fazer de seus haveres uma fortaleza, muitos integrantes da classe rica,
talvez por culpa deles mesmos, tinham sido atingidos e ainda o eram pelas consequências econômicas
da crise mundial de 1929. Por isso, o governo tinha de salvar primeiro a economia açucareira, como tivera
antes de salvar a economia cafeeira, para salvar junto os empregos e outras formas de trabalho que
essas economias proporcionavam e para conduzir a melhor tratamento a questão social na agroindústria
canavieira.
- No caso, por exemplo, do Instituto do Açúcar e do Álcool – acrescentava Barbosa Lima Sobrinho –
ao panorama geral do amparo à pequena usina, ao fornecedor de cana, ao colono, ao trabalhador rural,
há que acrescentar a necessidade de conciliar os interesses das regiões brasileiras, dentro das altas
conveniências de uma Federação. Num regime, aliás, de absoluta liberdade de produção de açúcar, os
Estados do Norte, o Estado do Rio de Janeiro e o Estado de Minas Gerais sofreriam crises fatais, ou
profundamente perturbadoras, pois que seria fácil a São Paulo expandir sua produção de açúcar até o
ponto de dispensar qulquer importação dessa mercadoria, indo mesmo fazer concorrência a Minas Gerais
no mercado mineiro. Daí resultaria uma luta comercial mais viva entre os produtores de Minas e os do
Estado do Rio. O colapso dos preços seria inevitável. Nesse momento, a crise alcançaria também São
Paulo, pois que o produtor em desespero teria que admitir quotas de sacrifício para salvar alguma coisa
de seu trabalho.
- Não estamos fantasiando, mas descrevendo apenas um panorama, muito cohecido na história do país.
No período de 1928 a 1931, a crise foi geral e não poupou ninguém. Ficaram praticamente arruinadas as
usinas de todo o país. Mesmo em São Paulo, industriais que figuravam entre os mais empreendedores, não
tinham com que fazer face aos seus maiores compromissos. Pagavam aos seus fornecedores em espécie,
isto é, entregando-lhes açúcar. Houve mesmo quem chegasse a uma situação de verdadeiro desespero.
Por isso os casos das usinas iam formando fila na Carteira de Liquidações do Banco do Brasil. E foi aí que
surgiu, para salvar a indústria, a idéia de uma intervenção que, consubstanciada inicialmente na Comissão
de Defesa do Açúcar, em 1931, convertia-se, em 1933, no Instituto do Açúcar e do Álcool.
Ao deixar a presidência do IAA, em 1946, Barbosa Lima podia afirmar que a economia açucareira, mais
do que salva, estava próspera:
- O maior benefício resultante da criação e da ação do Instituto está na defesa do produtor contra o
intermediário. O comissário de açúcar desapareceu de todos os grandes centros produtores.
- Graças a esses elementos finananceiros, o produtor vende sua mercadoria através das cooperativas
de classe. Vende diretamente aos atacadistas ou aos refinadores dos centros de consumo. O açúcar que é
consumido, por exemplo, no Distrito Federal [então a cidade do Rio de Janeiro], tem o seguinte circuito: é
vendido pelas cooperativas de produtores aos refinadores cariocas, que o distribuem aos estabecimentos
varejistas. Não há possibilidade e maior simplificação no comércio de qualquer produto. Mas isso depois do
Instituto. Antes do Instituto, o açúcar saía do produtor para o comissário e deste para o grande comerciante
do sul, o qual nem sempre era refinador e nunca deixava de parte a possibilidade de especulação... Não
há financiamento do Instituto do Açúcar e do Álcool em favor de intermediários... Como se vê, nessas
linhas gerais, o Instituto defende realmente o produtor, incluindo nessa categoria não só o industrial [o
usineiro] como o plantador de canas e os colonos das usinas.5
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5
Idem, pgs. 1 a 9.
Com todos os problemas que ameaçavam a agro-indústria canavieira, o IAA dedicou-se, desde a eleição
de Barbosa Lima Sobrinho para sua presidência, a tratar do problema trabalhista nessa indústria, do que
resultaria, em 1941, o Estatuto da Lavoura Canavieira.
A grande questão social era conhecida como a questão do colonato. Colonos eram os pequenos
produtores, trabalhadores pobres, que em geral plantavam canas em terras das usinas ou de terceiros, e
aos quais os usineiros não queriam pagar o mesmo que pagavam aos grandes fornecedores.
- O Estatuto – escreveria Barbosa Lima – não se deixou arrastar pela influência da diferença de títulos,
nem considerou o colono como entidade diversa do fornecedor pelo fato de ele ter outro nome. O que ele
considerou foi a situação de cada cultivador de canas, distinguindo-os em duas categorias perfeitamente
destacadas: os que correm e os que não correm o risco agrícola. Aqueles seriam fornecedores e os últimos
salariados. O colono, conforme sua atividade, poderia pertencer a uma ou a outra categoria, dependendo
tudo de sua posição em face do risco agrícola.
A situação era clara. O colono, o pequeno fornecedor, deveria ter tratamento igual ao do grande
fornecedor, porque, trabalhando em terra alheia, corria o risco agrícola. Muitas vezes, embora pequeno e
pobre, precisava contratar auxiliares, para o corte da cana, por exemplo, e pagar por sua conta, não do
usineiro, o ganho desses auxiliares. Se alguma calamidade climática ou alguma praga devastasse seu
plantio, o prejuízo seria dele, não do usineiro.
Os colonos – segundo Barbosa Lima – “lavram as terras com recursos próprios, empregando todos os
membros da família, e, em muitos casos, trabalhadores por eles pagos, utilizando instrumentos de trabalho
que lhes pertencem, empenhando economias próprias no trato da lavoura, pagando ao preço fixado pela
usina todos os serviços de aração, sulcação etc., comprando pelo preço fixado pela usina adubos e mudas
de cana”
Como explicar, então, que a cana por ele entregue à usina, exatamente a mesma
entregue pelos fornecedores reconhecidos, fosse paga à razão de 33,50 cruzeiros, ou menos,
enquanto a cana entregue pelos fornecedores era paga a 54 cruzeiros?
O Estatuto da Lavoura Canavieira, elaborado por Barbosa Lima Sobrinho e pelo consultor jurídico do
IAA, Vicente Chermont de Miranda (com a colaboração de Leonardo Truda, ex-presidente do Instituto,
e do futuro governador de Pernambuco Miguel Arrais, então funcionário do Instituto), enfrentaria todas
essas injustiças, mas antes foi preciso normalizar a economia açucareira, em virtude de um surto de
superprodução.
Até a Revolução de 1930, a economia açucareira do Brasil era dominada e sempre punida pelos
mercados externos, por intermédio das casas comissárias. Se havia super-produção, os preços caíam
vertiginosamente e muitos produtores e seus dependentes eram arruinados de um mês para outro. Com
a Revolução, e antes mesmo da criação do IAA em 1933, as medidas de defesa do açúcar e a gradual
eliminação dos comissários e outros intermediários e especuladores, os preços tornaram-se mais estáveis
e, em seguida, garantidos pelos financiamentos a juros baixos do Instituto.
Isso levou as usinas a terem interesse no plantio da cana, o que antes preferiam deixar sobretudo para
os fornecedores e colonos. Usinas que antes produziam apenas 6% de sua cana passaram a produzir
até 60%, o que exigiu contra-medidas do governo, no Estatuto da Lavoura Canavieira, com a adoção
de quotas garantidas para os fornecedores e colonos e até, para estes, com garantias contra o despejo
arbitrário das terras que alugavam.
Antes do Estatuto e já em 1939 Barbosa Lima Sobrinho teve de tomar medidas efetivas contra a super-
produção, que ameaçava arruinar toda a economia açucareirae a economia de todo o Nordeste.
Ele limitou a produção de açúcar pelas usinas, o que de início seria um sacrifício e um prejuízo para
elas, mas, a longo prazo, a garantia de sua sobrevivência e de suas vendas futuras. Essa limitação foi
compensada por outra medida, das mais inteligentes: a produção de cana não seria limitada – o que
garantia o trabalho e a remuneração dos fornecedores, colonos e seus dependentes. A cana que sobrasse
da produção limitada de açúcar poderia ser usada livremente na produção de álcool-motor.
Em outubro de 1944, o Estatuto foi complementado pelo Decreto-Lei nº. 6969, que adotava medidas
de caráter mais acentuadamente trabalhista, em grande parte inspiradas pela Consolidação das Leis do
Trabalho, CLT, do ano anterior. 6
- Esse decreto estabeleceu algumas garantias de salário, moradia, assistência médica e educacional
e indenização por demissão sem justa causa. Pelo art. 1º., os trabalhadores que realizavam a exploração
agrícola da cana de açúcar sob regime de colonato, co-participação ou parceria em terras pertencentes
às usinas ou a terceiros, seriam considerados fornecedores, com situação regulada pelo IAA. Segundo
Barbosa Lima Sobrinho, esse decreto equivalia a uma reforma agrária setorial.7
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6
V., a seguir, Cap. 13.
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7
Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, , coordenação Israel Beloch e Alzira Alves de Abreu, Rio, ed. Forense Universitária/Finep, 3º. volume, verbete Barbosa Lima
Sobrinho.
De fato, o Estatuto e essa legislação tinham garantido ao trabalhador sem terra a posse da terra
por ele trabalhada, a salvo do despejo arbitrário, e às associações e cooperativas de trabalhadores e
fornecedores o direito de existirem e atuarem. Eram, sem dúvida, experiências pioneiras de reforma agrária
e sindicalização rural.
3. A Justiça do Trabalho
Uma das maiores realizações da Revolução de 1930 e do Ministério do Trabalho, a Justiça do Trabalho
só foi completamente instalada em 1941, embora começasse a ser criada e posta em funcionamento muito
antes, com a criação, em 1932, das primeiras comissões de conciliação e arbitramento.
As primeiras leis trabalhistas, elaboradas pela assessoria jurídica do Ministério do Trabalho, estabeleciam
normas cujo cumprimento deveria ser acompanhado e fiscalizado pelo próprio Ministério, por seus órgãos
de fiscalização. Em certos casos, porém, seria necessária a avaliação judicial ou do conflito individual entre
um empregador e um empregado ou do conflito coletivo entre um conjunto de empregados e um conjunto
de empregadores.
Nesse longo e minucioso depoimento, ele conta como evoluíu a adoção de medidas
que desembocaram na instalação e funcionamento da Justiça do Trabalho.
Em 1932, o Ministro Salgado Filho, sucessor de Lindolfo Collor no Ministério do Trabalho, conseguiu a
aprovação do Presidente Vargas para os projetos mais importantes que haviam sido deixados prontos na
gestão de Collor, criando as Juntas de Conciliação e Julgamento, para os litígios individuais do trabalho, e
as Comissões Mistas de Conciliação, para os litígios coletivos.
- Do funcionamento desses dois órgãos, com o tempo, ergueu-se a Justiça do Trabalho. Órgãos
administrativos do Ministério do Trabalho, as Juntas de Conciliação e Julgamento não tinham poder
de execução. Se o empregador fosse condenado e não cumprisse voluntariamente a decisão, a parte
vencedora tinha de entrar com uma ação executiva na Justiça Comum, que, não raro, revia as decisões,
num processo demorado. Já as Comissões Mistas de Conciliação tratavam apenas de mediar os conflitos
coletivos de trabalho. Obtido o acordo, estava cumprida a sua finalidade. Não obtido o acordo, não havia
uma solução jurídica: cada parte teria de aguentar o que pudesse, para não ceder à outra. Tudo isso daria
origem à criação da Justiça do Trabalho, prevista pela Constituição de 1934.
- Na Assembléia Constituinte, foi o deputado Abelardo Marinho que apresentou a proposta de criação
da Justiça do Trabalho. Simultaneamente, o então deputado Waldemar Falcão – futuro Ministro do Trabalho
– apresentou outra proposição no mesmo sentido. Prado Kelly incumbiu-se de fundi-las e a aprovação se
deu. De maneira que foi a Constuição de 1934 que instituíu ou determinou a criação da Justiça do Trabalho,
fixando sua competência etc.
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6
Organização de Ângela de Castro Gomes, Elina G. da Fonseca Pessanha e Regina de Moraes Morel, publicado pela Editora Renovar (Rio, S. Paulo, Recife).
- Notável foi o debate público que se travou, então, entre o relator e autor
do projeto. Waldemar Ferreir não admitia certas normas intervencionistas da
Justiça do Trabalho, basicamente o seu poder de editar normas ao resolver
um dissídio coletivo. Para ele, isso significava uma deturpação do Poder Judiciário, posto que, do ponto
de vista material, a decisão normativa se equipararia a uma lei, caracterizando delegação de poder que
a Constituição vedava. Oliveira Viana retrucava, dizendo não ser possível examinar o projeto à luz de
conceitos do direito tradicional; era precisamente porque os tribunais da justiça comum não satisfaziam –
ao decidir conflitos coletivos de trabalho - que se pensara em criar uma justiça para o trabalho. Portanto,
ela deveria ter fundamentos e natureza diversos. Lembrava que, como um contrato coletivo de trabalho
podia criar normas para a categoria, tendo, portanto, corpo de contrato e alma de lei (pois criava normas),
assim também a sentença normativa, repetindo uma frase de Carnelutti, o grande processualista italiano,
tinha corpo de sentença e alma de lei, e que tal era necessário.
- Acirrada e extensa, a discussão ... levou a que só em fins de 1937 o projeto fosse examinado na
Comissão de Legislação Social e aprovado na de Constituição e Justiça... Foi quando Getúlio Vargas
instituíu o Estado Novo, também chamado Estado Nacional, e fechou o Congresso, alegando, entre outras
razões, a sua resistência a criar a Justiça do Trabalho.
- Sim. O texto, revisto e atualizado, foi levado a Vargas, que o aprovou, atendendo ao preceituado na
nova Constituição, elaborada pelo então ministro da Justiça Francisco Campos, a quem Oliveira Viana
ajudou na parte trabalhista.
Art. 139. Para dirimir os conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados, reguladas
na legislação social, é instituída a justiça do trabalho, que será regulada em lei e à qual não se aplicam as
disposições desta Constituição relativas à competência, ao recrutamento e às prerrogativas da justiça comum.
- Seria por decreto-lei – e aqui voltamos ao depoimento de Arnaldo Sussekind - que Getúlio Vargas
iria instituir a Justiça do Trabalho, segundo o projeto do novo Ministro do Trabalho, Waldemar Falcão, que
sucedera a Agamenon, nomeado interventor em Pernambuco. Ele criou uma comissão para elaborar os
textos que se tranformariam no Decreto-lei nº. 1.237, de 1939, criando a Justiça do Trabalho...
Nessa mensagem, Getúlio prestava contas dos atos do governo provisório, entre os quais a criação do
Ministério do Trabalho. E acrescentava:
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9
Pgs. 58 a 68.
Getúlio pensava num Código do Trabalho, muito mais complexo que a Consolidação
afinal realizada. Mas teve de contentar-se com a Consolidação, ainda hoje em vigor.
A Consolidação era possível em pouco tempo, o Código exigiria muito mais trabalho.
Ainda assim, a Consolidação só foi possivel em 1943, quando a Constituição de 1934
não existia mais, revogada pela de 1937.
Em 1933, quando dessa mensagem à Constituinte e três anos depois da criação do Ministério do
Trabalho e da decretação das primeiras leis trabalhistas, já se podiam perceber diferenças e contradições
entre essas leis, diferenças e contradições que dificultavam sua aplicação e que se acentuariam a seguir,
com a aprovação e a vigência da nova Constituição, promulgada em julho de 1934.
Assim, nada era mais natural que, no Brasil, a Constituição de julho de 1934, perfilhar as leis já postas
em vigor pelo governo provisório da Revolução de 1930, além de outras.
Art. 115 – A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça e as necessidades da
vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites é garantida a liberdade
econômica.
Art. 120 – Os sindicatos e as associações profissionais serão reconhecidos de confirmidade com a lei.
Parágrafo único – A lei assegurará a pluralidade sindical e a completa autonomia dos sindicatos.
Art. 121 – A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos
campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do país.
Parágrafo 1º. – A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que
colimem melhorar as condições do trabalhador:
a) proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo,
nacionalidade ou estado civil;
b) salário mínimo, capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, as necsssidades
normais do trbalhador;
c) trabalho diário não excedente de oito horas, reduzíveis, mas só prorrogáveis nos casos previsos
em lei;
d) proibição do trabalho a menores de 14 anos, de trabalho noturno a menores de 16; e, em indústrias
insalubres, a menores de 18 anos e a mulheres;
e) repouso hebdomadário, de preferência aos domingos;
f) férias anuais remuneradas;
g) indenização ao trabalhador dispensado sem justa causa;
h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurado a esta descanso, antes e
depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de previdência, mediante contribuição
igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e dos
casos de acidente de trabalho ou de morte;
i) regulamentação do exercício de todas as profissões;
j) reconhecimento das convenções coletivas de trabalho.
Parágrafo 2º. – Para o efeito deste artigo, não há distinção entre o trabalho manual e o trabalho
intelectual ou técnico, nem entre os profissionais respectivos.
Parágrafo 6º. – A entrada de imigrantes no território nacional sofrerá as restrições necesssárias à garantia
da integração étnica e capacidade física e civil do imigrante, não podendo, porém, a corrente imigratória
de cada país exceder, anualmente, o limite de dois por cento sobre o número dos respectivos nacionais
fixados no Brasil durante os últimos cinquenta anos.
Parágrafo 8º. – Nos acidentes de trabalho em obras públicas da União, dos Estados e dos municípios,
a indenização será feita pela folha de pagamento, dentro de quinze dias depois da sentença, da qual não
se admitirá recurso ex-officio.
Artigo 122 – Para dirimir questões entre empregadores e empregados, regidas pela legislaçõ social, fica instituída
a Justiça do Trabalho, à qual não se aplica o disposto no Capítulo IV do Título I.
[Esse Capítulo IV do Título I tratava do Poder Judiciário, de seus órgãos e integrantes, da Corte
Suprema (como era renomeado o Supremo Tribunal Federal), dos juízes e tribunais federais, da Justiça
Eleitoral e da Justiça Militar. Assim, a Justiça do Trabalho ficava fora das regras gerais do Poder Judiciário,
ao qual só seria incoporada pela Constituição de 1946.)
Artigo 123 – São equiparados aos trabalhadores, para todos os efeitos das garantias e dos benefícios da
legislação social os que exercem profissões liberais.
A Constituição de 1934 era complicadíssima e fora feita para tolher os movimentos do governo. Em
sua curta vida de apenas três anos e alguns meses, ela não permitiu que Getúlio, eleito Presidente
constitucional por ela própria, avançasse com sua legislação social. Além disso, ela foi duramente golpeada
pela insurreição militar de novembro de 1935, a chamada intentona, promovida pela Aliança Nacional
Libertadora, na verdade pelo Partido Comunista, para derrubar o governo pela violência.
Dessa tentativa de insurreição resultou a decretação, pelo Congresso, do estado de guerra, que imobilizou
o governo, dominado pelas instituições e comandos militares, e afinal encontrou saída na decretação do
Estado Novo e de sua Constituição, em 10 de novembro de 1937.
Sob o regime do Estado Novo, o governo teve condições, já em 1938, de decretar o Estatudo da
Lavoura Canavieira – objeto do Capítulo 11 deste livro.
Era Ministro do Trabalho o advogado paulista Alexandre Marcondes Filho, que percebeu, desde logo,
a necessidade de pelo menos consolidar a legislação trabalhista, que vinha do governo provisório da
Revolução de 1930, passara pelos três anos do regime constitucional da Constituição de 1934 e entrara no
regime discricionário do Estado Novo e de sua Constituição de 10 de novembro de 1937.
Assim que convidado para o Ministério do Trabalho, Marcondes Filho procurou Arnaldo Lopes Sussekind,
que já trabalhava no Ministério, convidando-o para ser seu assessor:
- Em seu primeiro despacho comigo – contaria Sussekind - Marcondes Filho reportou-se às contradições
e omissões da legislação do trabalho e da previdência, resultantes de fases diferentes...: decretos
legislativos, de ... 1930 a julho de 1934 a Constituição desse ano foi promulgada e entrou em vigor no dia 16
de julho]; leis do Congresso a partir daí até 10 de novembro de 1937 [quando foi decretada a Constituição
do Estado Novo; e decretos-lei dessa data em diante. E pediu-me que montasse um quadro capaz de lhe
dar uma visão de conjunto acerca do assunto. Então minha mulher costurou duas cartolinas, sobre as quais
desenhei uma grande chave de todas as leis em vigor.
- A comissão não deveria ser muito numerosa e eu já estava para dar o despacho por encerrado quando
[Marcondes Filho] reclamou da falta de um nome. Caneta em punho, me dispus a anotá-lo e me surpreendi
ao ouvi-lo dizer: “Arnaldo Sussekind”... Marcondes Filho pretendia, através de nós, assessores dele, manter-
se informado da evolução dos trabalhos.
- Inspiramo-nos nas teses do I Congresso de Direito Social ... nos pareceres de Oliveira Viana e Oscar
Saraiva , aprovados pelo Ministro do Trabalho, criando uma jurisprudência administrativa... na encíclica
Rerum Novarum e nas convenções da Organização Internacional do Trabalho. Essas foram as nossas três
grandes fontes materiais...
- Todos os decretos-leis expedidos entre 1940 e 1942 foram transplantados para a Consolidação,
sem qualquer modificação, uma vez que a Consolidação deveria ser um complemento da lei maior. Outro
capítulo em que, praticamente, não houve alteração alguma foi o da Justiça do Trabalho, instalada em
1941, e o seu processo, sobre o que não cabia modificação. No mais, o que a comissão fez teve por
inspiração essas três fontes materiais a que me referi.
- A alegação de que a CLT é uma cópia da Carta del Lavoro , repetida por 99% de pessoas que nunca
leram esse documento de Mussolini, é absolutamente falsa. Desde logo convém lembrar que a CLT tem 922
O anteprojeto foi publicado no Diário Oficial em 5 de janeiro de 1943 e aberto a críticas e sugestões.
Tenho, até hoje, as folhas em carbono dos originais datilografados dos relatórios que assinamos, na seguinte
ordem: Luís Augusto do Rego Monteiro, Arnaldo Lopes Sussekind, Segadas Viana e Dorval Lacerda.
- Foi no Catete. Toda a comissão estava presente e, além dela, integrantes de outras comissões, que
vinham estudando o Código de Propriedade Industrial e as leis de Previdência Social.
- Em 10 de novembro de 1942, na exposição de motivos redigida por Marcondes Filho ... o presidente
dera um despacho louvando os autores ... e mandando que se designasse uma nova comissão , [à qual]
Em 1930, por exemplo, ao assumir a chefia do governo provisório em seguida ao triunfo da Revolução,
ele pretendia que as leis trabalhistas fossem aplicáveis tanto aos trabalhadores urbanos quanto aos
trabalhadores rurais. Mas logo percebeu que não teria condições para isso e, naquele primeiro momento,
limitou-as aos trabalhadores urbanos.
Em 1963, porém, no governo do Presidente João Goulart, seu ex-Ministro do Trabalho e um de seus
herdeiros políticos, o Congresso aprovou o Estatuto do Trabalhador Rural, que estendia ao homem do
campo a proteção das leis trabalhistas. E o governo de João Goulart conseguiria promover e completar
a organização dos sindicatos rurais, com tal eficiência que os governos do ciclo autoritário pós-1964 não
ousaram acabar com ela.
A morte de Tancredo frustrou as expectativas que, a partir dessa sua compreensão dos dilemas de
Getúlio, ele poderia realizar. Se tivesse sido eleito no pleito seguinte, em 1989, já pelo voto direto, não
há dúvida de que Leonel Brizola teria avançado muito com a reforma agrária, até porque a Constituição
de 1988, votada por uma Assembléia Nacional Constituinte livremente eleita em 1986, já no governo civil
do Presidente José Sarney e longe da sombra e das ameaças dos Atos Institucionais, dava ao governo
poderes para isso,
Para um começo de reforma agrária, a regulamentação das desapropriações por interesse social seria
um primeiro passo indispensável. Nem isso, porém, a maioria conservadora do Congresso permitiu. Mas
a questão da terra teve avanços nos anos seguintes. Leonel Brizola, eleito governador do Rio Grande do
Sul em 1958, quatro anos depois da morte de Getúlio, conseguiu distribuir grandes extensões de terra em
regiões conflagradas por conflitos fundiários – numa experiência pioneira que fez história.
Getúlio também não conseguiu aprovar no Congresso os projetos da Eletrobrás, e queixou-se disso em
sua Carta Testamento. A Eletrobrás, porém, foi criada em 1962, há cinquenta anos, na fase parlamentarista
do governo do Presidente João Goulart, numa curiosa aliança partidária. O Presidente era do PTB, o partido
de Getúlio. O Primeiro-Ministro, Tancredo Neves, do PSD, o maior dos partidos no Congresso, que se
dividira no segundo governo Vargas, uma parte apoiando, alguns fazendo oposição e outros indiferentes.
O Ministro das Minas e Energia era Gabriel Passos, da UDN, o maior dos partidos de oposição a Getúlio
e a Jango, mas também dividido. Gabriel Passos pertencia à minoria nacionalista da UDN e fazia parte
da Frente Parlamentar Nacionalista. Até começar a tentativa de desmontá-la, já na década de 1990, a
Eletrobrás, em trinta anos, aumentara em 500% a capacidade de geração de energia elétrica no Brasil.
Brizola, novamente, deu um grande passo para o avanço da Eletrobrás e para o projeto de Getúlio de
tornar o Brasil senhor e soberano de suas fontes de energia, antes entregues a interesses estrangeiros. Em
1959, recém-empossado no governo do Rio Grande do Sul, Brizola encampou os serviços e o patrimônio da
subsidiária do grupo Bond & Share no Estado. Esse grupo, alegando insuficiência de tarifa, não realizava
investimentos, não expandia seu parque gerador e, assim, paralisava o desenvolvimento da indústria
gaúcha. A desapropriação dessa subsidiária acelerou a votação do projeto da Eletrobrás, a instalação da
empresa e, em seguida, a nacionalização das concessionárias estrangeira no Brasil inteiro. Graças a isso
a Eletrobrás pôde produzir os avanços que produziu, dos quais o mais notável é a Usina de Itaipu, a maior
hidrelétrica do mundo.
Na reconstituição das origens e história do Ministério do Trabalho, chegamos até a decretação da CLT,
a Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943, treze anos após a criação do Ministério em novembro de
1930.
A CLT continua em vigor, apesar do muito que se fez para revogá-la ou desfigurá-la, a pretexto de cortar
o chamado “custo Brasil”, o alegado ônus imposto às empresas pela contratação de trabalhadores, como
as contribuições previdenciárias e outras. Esse “custo Brasil” era muito menor que outro custo, o dos juros,
em alguns momentos os mais altos do mundo, pagos pelas empresas ao sistema bancário para a rolagem
de seu capital de giro (e, às vezes, para a relização de alguns investimentos).
Essas propostas felizmente não vingaram e não prosperou o princípio de que o negociado teria
precedência sobre o legislado. Assim, o que prevalece hoje é a lei, a CLT.
O início da Segunda Guerra Mundial, em setembro de 1939, tumultuou ainda mais a vida econômica
e social de todos os países, entre os quais o Brasil, que saira bem melhor que os países mais ricos das
consequências da crise mundial de 1929.
Ainda assim, o Ministério do Trabalho de certo modo comemorou em 1940 os dez anos de sua criação
com o estabelecimento dos primeiros índices do salário mínimo, que variavam de região para região. Esses
índices seriam reajustados em 1943, em virtude da inflação provocada pela guerra. Com a deposição
do Presidente Getúlio Vargas, em outubro de 1945, os índices do salário mínimo de 1943 permaneceram
congelados ao longo do governo seguinte, do General Eurico Gaspar Dutra, de 1946 a 1951, embora nesse
período a inflação tivesse chegado à marca de 60%.
De volta ao governo, Getúlio decretou um primeiro reajuste do mínimo no início de 1952, um reajuste
nominal de mais de 200%. No dia 1º. de maio de 1954, decretou outro aumento, agora de 100%, metade,
nominalmente, do reajuste anterior, mas muito maior em termos reais (o que, por falta de estatísticas
suficientes, ainda não se podia calcular com um mínimo de certeza).
Esse aumento de 100% no salário mínimo foi uma das razões da violenta campanha desfechada contra
Getúlio em agosto de 1954 e que o levaria ao suicídio na manhã da terça-feira 24 desse mês. O suicídio
garantiu a preservação das conquistas econômicas, sociais e nacionais de Getúlio. O novo governo,
chefiado pelo antes Vice-Presidente Café Filho, não ousou mexer no salário mínimo, nem na Petrobrás nem
em outras iniciativas de Getúlio.
O salário mínimo de 1954, aumentado em 100%, permitiu, pouco depois, que o Presidente Juscelino
Kubitschek, eleito como herdeiro de Getúlio, elevasse o valor do mínimo a 500 dólares, seu maior valor
desde 1940, graças a um projeto acelerado de desenvolvimento em que a economia brasileira crescia
Assim, os fatos de hoje realimentam o projeto do trabalhismo brasileiro, que vem de longe. Não apenas
de Getúlio Vargas, mas das luta pela abolição e pela república, dos ideais da Revolução Farroupilha e até
das generosas propostas de José Bonifácio no momento da independência do Brasil. É uma herança de
quase duzentos anos.
Getúlio Vargas
As As origens
origens do do Trabalhismo
Trabalhismo Brasileiro 47 1
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