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HISTÓRIA DA COMPUTAÇÃO: O CAMINHO DO


PENSAMENTO E DA TECNOLOGIA

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul


Chanceler: Dom Dadeus Grings Reitor: Joaquim Clotet Vice-Reitor: Evilázio
Teixeira Conselho Editorial: Ana Maria Tramunt Ibaños Antônio Hohlfeldt Dalcídio
M. Cláudio Delcia Enricone Draiton Gonzaga de Souza Elvo Clemente Jaderson
Costa da Costa Jerônimo Carlos Santos Braga Jorge Campos da Costa Jorge Luis
Nicolas Audy (Presidente) Juremir Machado da Silva Lauro Kopper Filho Lúcia
Maria Martins Giraffa Luiz Antonio de Assis Brasil Maria Helena Menna Barreto
Abrahão Marília Gerhardt de Oliveira Ney Laert Vilar Calazans Ricardo Timm de
Souza Urbano Zilles EDIPUCRS: Jerônimo Carlos Santos Braga – Diretor Jorge
Campos da Costa – Editor-chefe

Cléuzio Fonseca Filho

HISTÓRIA DA COMPUTAÇÃO: O CAMINHO DO PENSAMENTO E DA


TECNOLOGIA

PORTO ALEGRE 2007

© EDIPUCRS, 2007 Capa: Vinícius de Almeida Xavier Diagramação: Carolina


Bueno Giacobo e Gabriela Viale Pereira Revisão: do autor

F676h Fonseca Filho, Cléuzio História da computação [recurso eletrônico] : O


Caminho do Pensamento e da Tecnologia / Cléuzio Fonseca Filho. – Porto Alegre :
EDIPUCRS, 2007. 205 p. Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader Modo de
acesso: World Wide Web: <http://www.pucrs.br/orgaos/edipucrs/> ISBN 978-85-
7430-691-9 (on-line) 1. Informática. 2. Informática – História. 3. Computação –
Teoria. CDD 004

Ficha catalográfica elaborada pelo Setor de Processamento Técnico da BCPUCRS

EDIPUCRS Av. Ipiranga, 6681 - Prédio 33 Caixa Postal 1429 90619-900 Porto
Alegre, RS - BRASIL Fone/Fax: (51) 3320-3523 E-mail: edipucrs@pucrs.br
http://www.pucrs.br/edipucrs/

Prefácio

Esta obra se propõe a um objetivo bastante ousado: recontar a história da


computação a partir de um panorama de idéias e modelos. Vence este desafio com
galhardia. Neste sentido, a escolha do nome foi feliz e adequada, dado que
realmente busca um ponto de vista original, fugindo de um simples relato de fatos
em ordem cronológica. Bebeu na fonte de autoridades reconhecidas como o
medievalista Jacques Le Goff, um dos criadores da nova historiografia, ou de
historiadores da ciência do peso de Karl Popper, Thomas Khun e Imre Lakatos. Tão

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boa companhia certamente inspirou o autor na concepção de um todo abrangente,
atualizado e inter-relacionado.
Deixa claro, por exemplo, que aquelas geringonças desengonçadas e enormes
do pós-guerra e o mais moderno e colorido equipamento atual, apresentam ainda
muita coisa em comum: rigorosamente seguem o mesmo princípio de
funcionamento. É verdade que os computadores continuam a ganhar poder e
velocidade de forma espantosa, numa evolução sem precedentes na tecnologia.
Seguem possuindo os componentes estabelecidos por Von Neumann há meio
século, como também a sua idéia de programa armazenado, que executado
separadamente do hardware, converteu-o em uma máquina de propósito geral. No
entanto, o processamento paralelo, a engenharia de software e a evolução das
comunicações que culminaram na Internet, elevaram a tecnologia a patamares
jamais sonhados pelos fundadores.
Por outro lado, para desenvolver as postulações que fundamentaram tamanho
avanço, os criadores primevos apoiaram-se em resultados abstratos – e outros nem
tanto – de pensadores do porte de Gödel, Hilbert e Turing, para citar alguns,
devidamente creditados no decurso da obra. Antes mesmo de se construir a
primeira máquina baseada em relês, a estrada para sua concepção estava
aplainada pela contribuição destes visionários, que propuseram soluções teóricas
bem à frente de seu tempo e cuja realização parecia, então, impraticável.
Esta é a melhor contribuição do livro: demonstrar que a computação nasceu
do desejo de se compreender a capacidade que tem o homem em resolver
problemas de forma sistemática. Assim, a tentativa de reproduzir mecanicamente
estes procedimentos, muitos deles exaustivamente repetitivos, lançou as bases
para estabelecer a computação como a conhecemos hoje.
A evolução dos conceitos em informática sempre esteve intrinsecamente
ligada à da matemática. Nas universidades, a computação nasceu dentro dos
Departamentos de Matemática. Isto justifica o resumo da história da matemática,
brilhantemente apresentado segundo uma evolução de conceitos. Evitando quebrar
o ritmo e sem truncar a narrativa, dáse ao luxo de fornecer fatos curiosos e pouco
conhecidos como, só para exemplificar, a dificuldade para a aceitação dos
algarismos indo-arábicos por parte dos mercadores europeus, pois alguns símbolos
sendo parecidos, facilitaria a falsificação.
Todo o texto está tratado de forma leve e agradável, sem se afastar do
necessário rigor. A leitura flui como em um romance. Não cansa com detalhes
desnecessários. Muito ao contrário, chegamos ao final desejando mais. Os anexos
são oportunos, permitindo um aprofundamento de tópicos ligados à
fundamentação, inadequados se incluídos no corpo principal. Vale lembrar que o
primeiro deles é uma cronologia comparada, um grande esforço de compilação,
que permite contextualizar os avanços da matemática e da computação a par de
outras áreas tecnológicas.
Na história mais recente da computação, não se prende somente à evolução
do hardware, que foi fundamental para o desenvolvimento da disciplina, mas
incapaz de justificar tamanha difusão. Mostra o crescimento das linguagens de
computação – do Assembler à Java – a distinção entre os paradigmas de
programação imperativas e declarativas, os aprimoramentos na arquitetura, os
avanços do sistema operacional; enfim, a cristalização da Computação como
Ciência. Não esquece de abordar tópicos destacados como Inteligência Artificial,
Cibernética e o delicado equilíbrio entre o homem e a tecnologia.
Enfim, trata-se de uma obra surpreendentemente abrangente, dado seu
tamanho compacto. Leitura fácil e ágil, despertará interesse não só de
especialistas da área como também de pessoas afastadas do mundo dos

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computadores. No entanto, vislumbramos ganho maior para este texto no ensino
de Computação, pois como afirma com propriedade na conclusão, “Cada conceito
tem o seu lugar, a sua importância e a sua história que é necessário ser ensinado.”
Esta perspectiva sem dúvida enriquecerá a visão dos estudantes, embasando mais
fortemente a essência do assunto, dando subsídos para se tornarem profissionais
melhores. Roberto Lins de Carvalho

Do autor

Fascinante! Ainda recordo esta palavra, dita por quem depois orientaria a
minha dissertação de mestrado, origem deste livro: somente iria para a frente na
futura tese se estivesse fascinado pelo assunto. E devo dizer que foi exatamente
isso que aconteceu.
Excetuando-se alguns círculos mais teóricos, normalmente é considerado pela
maioria das pessoas, inclusive dentro da própria Computação, que os dispositivos
computacionais, que hoje fazem parte do nosso cotidiano, surgiram, por volta da
década de 1940. O século XX teve a glória de materializar tantos artefatos, em
tantas áreas, que esquecemos que na verdade são resultado, fruto, do labor de
muitos que nos precederam. A Computação não escapa a essa lei. Nomes como
Turing, Hilbert, Church, Frege e tantos outros até chegar a Aristóteles e aos
babilônios de 4.000 a.C. misturam-se com lógica matemática, sistemas
axiomáticos, formalismo e álgebra. Ao se estudar um pouco, percebe-se que toda
essa tecnologia é fruto de um devir de séculos, uma auto-estrada de quase 2000
anos, paciente e laboriosamente pavimentada por figuras que são desconhecidas
por muitos de nós, profissionais de informática, ou só superficialmente conhecidas.
Procurar resgatar este ‘lado humano’ e teórico da computação, contribuir de
alguma forma para que outras pessoas da área ou de fora dela possam apreciar
desde outro ângulo os alicerces deste imponente edifício formado pela tecnologia
dos computadores, entusiasmar aqueles que estão entrando na área de
informática, são os objetivos principais deste livro. Não pensei nada de novo, nem
tive pretensões de originalidade. Afinal a história já foi feita! Tudo que escrevi já
estava registrado. Apenas percebi que faltavam, e ainda faltam, trabalhos em
português que tratem dos conceitos e idéias que fundamentaram a Computação.
Logicamente não esgotei nenhum tema, somente procurei traçar uma linha
coerente da evolução destes conceitos, aprofundando um pouco mais em um caso
ou outro, procurando deixar uma boa bibliografia, embora haja muitos livros que
possam ser acrescentados. Espero que este trabalho sirva como ponto de partida
para outros, pois há muita coisa a ser feita para iluminar e tornar mais acessíveis
determinados conceitos.
Gostaria de deixar constantes alguns agradecimentos. Em primeiro lugar ao
prof. Dr. Aluízio Arcela, do Departamento de Computação da UnB, orientador da
minha dissertação de mestrado e quem sugeriu e acompanhou aqueles meus
primeiros estudos, base desta obra. Ao prof. Dr. Nelson Gonçalves Gomes, do
Departamento de Filosofia da UnB, que tanta paciência teve para esclarecer
alguns conceitos lógico-matemáticos e fornecer indicações preciosas de
bibliografia. E um especial agradecimento ao prof. Dr. Roberto Lins de Carvalho
(PUC-RJ) pelo incentivo que deu e entusiasmo que transmitiu ao tomar
conhecimento do que estava fazendo, sem o que possivelmente não teria me
atrevido a escrever coisa alguma. E aos amigos e colegas que me apoiaram e
ajudaram na revisão desse trabalho, e que acabaram por lhe dar uma forma mais
‘amigável’. Cléuzio Fonseca Filho

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Índice

1 INTRODUÇÃO 7
1.1 ORDENAÇÃO DOS ASSUNTOS 7
2 UMA REFLEXÃO SOBRE A HISTÓRIA 8
2.1 A HISTÓRIA E SUAS INTERPRETAÇÕES 10
2.2 A HISTÓRIA DA CIÊNCIA 11
2.3 ENFOQUE HISTÓRICO ADOTADO 12
3 MOTIVAÇÕES PARA SE ESTUDAR A HISTÓRIA DA COMPUTAÇÃO 13
3.1 NECESSIDADE DE DISCERNIR FUNDAMENTOS 13
3.2 INCENTIVO À EDUCAÇÃO PARA A QUALIDADE DO SOFTWARE 14
3.3 TORNAR CLAROS E LIGAR OS FATOS 16
3.4 ACOMPANHAR NOVAS TENDÊNCIAS 16
3.5 REVALORIZAR O FATOR HUMANO 17
4 EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS 17
4.1 PRIMÓRDIOS 17
4.1.1 A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE NÚMERO E DA ESCRITA NUMÉRICA
29
4.1.2 DESENVOLVIMENTOS INICIAIS DA CIÊNCIA DO CÁLCULO 35
4.1.3 A LÓGICA DE ARISTÓTELES 36
4.1.4 A CONTRIBUIÇÃO DOS MEGÁRICOS E ESTÓICOS 39
4.1.5 EUCLIDES E O MÉTODO AXIOMÁTICO 40
4.1.6 DIOPHANTUS, AL-KHARAZMI E O DESENVOLVIMENTO DA
ÁLGEBRA 42
4.1.7 A AUTOMATIZAÇÃO DO RACIOCÍNIO 45
4.2 A MECANIZAÇÃO DO CÁLCULO 49
4.2.1 LEIBNIZ, O PRECURSOR DA LÓGICA MATEMÁTICA MODERNA 49
4.2.2 O PROBLEMA DA NOTAÇÃO 53
4.3 A LÓGICA MATEMÁTICA NO SÉCULO XIX 54
4.3.1 BOOLE E OS FUNDAMENTOS DA LÓGICA MATEMÁTICA E DA
COMPUTAÇÃO 56
4.3.2 A IMPORTÂNCIA DE FREGE E PEANO 58
4.4 O DESENVOLVIMENTO DA LÓGICA MATEMÁTICA 61
4.5 A CRISE DOS FUNDAMENTOS E AS TENTATIVAS DE SUPERAÇÃO 62
4.5.1 A FIGURA DE DAVID HILBERT 64
4.6 KURT GÖDEL: MUITO ALÉM DA LÓGICA 68
4.6.1 UM POUCO DE HISTÓRIA 68
4.6.2 VERDADE E DEMONSTRABILIDADE 71
4.6.3 OUTRAS CONQUISTAS 73
4.7 ALAN MATHISON TURING: O BERÇO DA COMPUTAÇÃO 74
4.7.1 A MÁQUINA DE TURING 75
4.7.2 O PROBLEMA DA PARADA E O PROBLEMA DA DECISÃO 76
4.7.3 OUTRAS PARTICIPAÇÕES 77
4.7.3.1 Decifrando códigos de guerra 77
4.7.3.2 O computador ACE e inteligência artificial 78
4.7.3.3 Programação de computadores 79
4.7.4 O TRISTE FIM 80
4.8 A TESE DE CHURCH-TURING E OUTROS RESULTADOS TEÓRICOS 80
5 PRÉ-HISTÓRIA TECNOLÓGICA 85
5.1 DISPOSITIVOS MAIS ANTIGOS 85

5
5.2 LOGARITMOS E OS PRIMEIROS DISPOSITIVOS MECÂNICOS DE
CÁLCULO 85
5.3 CHARLES BABBAGE E SUAS MÁQUINAS 86
5.3.1 A MÁQUINA DE JACQUARD, INSPIRAÇÃO DE BABBAGE 89
5.3.2 UMA LADY COMO PRIMEIRA PROGRAMADORA 90
5.4 OUTRAS MÁQUINAS DIFERENCIAIS E MÁQUINAS ANALÍTICAS 91
5.5 A ÚLTIMA CONTRIBUIÇÃO DO SÉCULO XIX: HERMAN HOLLERITH 92
5.6 COMPUTADORES ANALÓGICOS 93
5.6.1 PRIMEIRAS EVOLUÇÕES: SÉCULO XV 95
5.6.2 MICHELSON E SEU ANALISADOR HARMÔNICO; I GUERRA
MUNDIAL 96
5.6.3 COMPUTADORES ANALÓGICOS ELETROMECÂNICOS 97
5.7 CIRCUITOS ELÉTRICOS E FORMALISMO LÓGICO: CLAUDE ELWOOD
SHANNON 98
6 AS PRIMEIRAS MÁQUINAS 101
6.1 OS PRIMEIROS COMPUTADORES ELETROMECÂNICOS 101
6.1.1 KONRAD ZUSE 101
6.1.2 AS MÁQUINAS DA BELL E AS MÁQUINAS DE HARVARD 102
6.1.3 A PARTICIPAÇÃO DA IBM 103
6.2 O INÍCIO DA ERA DA COMPUTAÇÃO ELETRÔNICA 103
6.2.1 ESTADOS UNIDOS: ENIAC, EDVAC E EDSAC 104
6.2.2 A CONTRIBUIÇÃO INGLESA: O COLOSSUS 105
6.2.3 OUTRAS CONTRIBUIÇÕES 105
6.3 AS PRIMEIRAS LINGUAGENS 109
6.3.1 ALGUNS ASPECTOS TEÓRICOS 109
6.3.2 DESENVOLVIMENTOS ANTERIORES A 1940 111
6.3.3 AS PRIMEIRAS TENTATIVAS 111
6.3.4 KONRAD ZUSE E SEU ‘PLANCALCULUS’ 112
6.3.5 O DIAGRAMA DE FLUXOS 113
6.3.6 A CONTRIBUIÇÃO DE HASKELL 115
6.4 INTERPRETADORES ALGÉBRICOS E LINGUAGENS INTERMEDIÁRIAS
116
6.5 OS PRIMEIROS ‘COMPILADORES’ 116
6.6 A FIGURA DE VON NEUMANN 117
6.6.1 O CONCEITO DE PROGRAMA ARMAZENADO 119
6.6.2 A ARQUITETURA DE VON NEUMANN 122
7 A REVOLUÇÃO DO HARDWARE E DO SOFTWARE 123
7.1 DA SEGUNDA GERAÇÃO DE GRANDES COMPUTADORES AOS DIAS DE
HOJE 123
7.2 O DESENVOLVIMENTO DAS LINGUAGENS 123
7.3 ARQUITETURAS DE COMPUTADORES E SISTEMAS OPERACIONAIS
127
7.4 UMA NOVA MENTALIDADE 130
7.5 A COMPUTAÇÃO COMO CIÊNCIA 131
7.6 A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL 134
7.7 UMA NOVA DISCIPLINA: A CIBERNÉTICA 137
8 A DISSEMINAÇÃO DA CULTURA INFORMÁTICA 139
8.1 O DOMÍNIO E O CONTROLE DAS INFORMAÇÕES 139
8.2 O EQUILÍBRIO ENTRE O TOQUE HUMANO E A TECNOLOGIA 140
9 CONCLUSÃO 145
10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 147

6
ANEXO – CRONOLOGIA (ATÉ O ANO 2007) 154
ANEXO – O MÉTODO AXIOMÁTICO E AS CIÊNCIAS DEDUTIVAS 174
ANEXO – DEDUÇÃO E INDUÇÃO NA MATEMÁTICA 175
ANEXO - A ARITMÉTICA DE PEANO 179
ANEXO - O MÉTODO DAS DIFERENÇAS 180
ANEXO - A CONCEPÇÃO FORMALISTA DA MATEMÁTICA 182
ANEXO - O PROBLEMA DA DECISÃO NA MATEMÁTICA 186
ANEXO - O TEOREMA DA INCOMPLETUDE DE GÖDEL 187
ANEXO - MÁQUINAS DE TURING 191
ANEXO - ASTROLÁBIO 195
ANEXO - TURING E A MÁQUINA ENIGMA 199
ÍNDICE DE FIGURAS 204

1 Introdução

A ciência normalmente é cumulativa, isto é, constroem-se instrumentos mais


poderosos, efetuam-se medidas mais exatas, precisam-se melhor e ampliam-se os
conceitos das teorias, e assim por diante. Embora os paradigmas possam mudar, as
pesquisas normalmente evoluem com base em resultados do passado, que se
constituem em fundamentos de um desenvolvimento posterior. O cientista estará
mais seguro em suas pesquisas e mais preparado para novos desafios se souber
como seu assunto específico evoluiu historicamente, quais as dificuldades maiores,
as soluções encontradas e os problemas pendentes.
Nas ciências mais tradicionais − Filosofia, Matemática, Física, Biologia, etc. −
existem sempre estudos de história junto a muitos outros dedicados a pensadores,
inventores e conquistadores de primeira, segunda ou terceira grandeza, além de
inúmeras monografias. No caso da Computação, é necessário que apareçam
trabalhos para servir de base e referência aos estudantes, novos pesquisadores e

7
aqueles interessados pelos aspectos teóricos que estão por detrás dessa tecnologia
que domina o cotidiano neste fim e início de milênios.
A História da Computação está marcada por interrupções repentinas, por
mudanças inesperadas e imprevistas, tornando-se difícil a visão da evolução dos
computadores mediante uma mera enumeração linear de invenções-nomes-datas.
O desejo de conhecer as vinculações que o trabalho de determinados homens
estabeleceram no tempo vem acompanhado do impulso de compreender o peso
desses atos no conjunto da História da Computação. Buscar uma compreensão dos
fatos através dos acontecimentos que o precederam é um dos principais objetivos
que estará presente neste estudo da História da Computação.
A computação é um corpo de conhecimentos formado por uma infra-estrutura
conceitual e um edifício tecnológico onde se materializam o hardware e o software.
A primeira fundamenta a segunda e a precedeu. A teoria da computação tem seu
desenvolvimento próprio e independente, em boa parte, da tecnologia. Essa teoria
baseia-se na definição e construção de máquinas abstratas, e no estudo do poder
dessas máquinas na solução de problemas. A ênfase deste livro estará nessa
dimensão teórica, procurando mostrar como os homens, através dos tempos,
buscaram elaborar métodos efetivos para a solução de diversos tipos de
problemas.
A preocupação constante de minimizar o esforço repetitivo e tedioso produziu
o desenvolvimento de máquinas que passaram a substituir os homens em
determinadas tarefas. Entre essas está o computador, que se expandiu e
preencheu rapidamente os espaços modernos pelos quais circulam as pessoas. A
partir do aparecimento da noção de número natural, passando pela notação
aritmética e pela notação mais vinculada ao cálculo algébrico, mostra-se como
apareceram regras fixas que permitiram computar com rapidez e precisão,
poupando, como dizia Leibniz, o espírito e a imaginação. “Descartes acreditava no
emprego sistemático do cálculo algébrico como um método poderoso e universal
para resolver todos os problemas. Esta crença juntou-se à de outros e surgem as
primeiras idéias sobre máquinas universais, capazes de resolver todos os
problemas. Esta era uma crença de mentes poderosas que deixaram obras
respeitáveis na Matemática e nas ciências em geral” [CO98].
Também é intenção do presente estudo procurar compreender e estabelecer
as diretrizes para uma disciplina de História da Computação, mediante a seleção
das idéias, teorias e conceitos que ajudaram os homens em sua busca da
automatização dos processos aritméticos e que conduziram à tecnologia dos
computadores. No Brasil ainda não existem livros que tratem do assunto História
da Computação, observando-se uma lacuna cultural que países do primeiro mundo
preocupam-se em preencher * já faz alguns anos. Pretende-se que este trabalho
seja uma contribuição nesse sentido e um ponto de partida para novos estudos de
História, pois são muitos os campos que poderão ser abertos.

1.1 Ordenação dos assuntos

O desenvolvimento deste livro estará apoiado na seguinte seqüência de


capítulos:
• Uma reflexão sobre a História
• Motivações para se estudar a História da Computação
• Evolução dos conceitos
• Pré-História tecnológica

8
• As primeiras máquinas
• A revolução do hardware e do software
• A disseminação da cultura informática e o controle das informações
• Conclusão
Primeiramente será tratado o tema da História: constatar sua existência e
necessidade, aspectos da evolução da ciência histórica e tocar particularmente o
tema da História da Ciência, que se relaciona com o presente trabalho. Logo a
seguir virá uma breve explanação de motivos que incentivam a aprofundar no
estudo do tema específico da História da Computação.
Em Evolução dos conceitos será mostrado o desenvolvimento dos conceitos
teóricos que formaram a base para o surgimento da Computação. O caminho a ser
usado será o da História da Matemática, desde os seus primórdios por volta do ano
4.200 a.C. – época provável de um calendário solar egípcio [Boy74] –, passando
pelas contribuições das culturas babilônica, hindu, chinesa, árabe e grega, pelo
ábaco, pela primeira máquina de calcular, até Boole, Hilbert, Turing e von
Neumann, entre outros, nos anos 30, 40 e 50 do século XX. A partir daí, a
Computação constrói a sua própria história, embora os laços com a matemática
continuem sempre muito estreitos.
Por Pré-História tecnológica entende-se a enumeração de alguns dispositivos
analógicos primitivos, as primeiras tentativas de se construir um dispositivo de
cálculo com Leibniz, Pascal, Babbage, Hollerith, etc., o surgimento dos dispositivos
analógicos modernos – planímetros, analisadores harmônicos, etc. – e os primeiros
'computadores' eletromecânicos por volta dos anos de 1930 e 1940. Em As
primeiras máquinas ver-se-á a construção dos primeiros dispositivos
computacionais e os primeiros passos que são dados nesse campo essencial da
Computação que são as Linguagens de Programação. Já estava formada a infra-
estrutura conceitual necessária e a tecnologia já possibilitava o desenvolvimento
de dispositivos mais poderosos e precisos para a execução de cálculos.

*Nestes últimos dez anos vários livros já foram publicados em outros idiomas.

Sob o título de A revolução do hardware e do software abordar-se-á o


desenvolvimento posterior da Computação, os avanços da Inteligência Artificial,
das Linguagens de Programação e Arquitetura de Computadores. Segue-se
também uma análise da Computação como uma Ciência, da Teoria da Computação,
das bases matemáticas para Análise de Algoritmos, e do surgimento do tema da
Complexidade Computacional.
No capítulo A disseminação da cultura informática e a proliferação das
informações dois assuntos serão colocados. O primeiro tratará do impacto social
do desenvolvimento da Computação e da necessidade de uma análise mais
cuidadosa dos dados que os computadores tornaram disponíveis ao homem. O
segundo fará algumas considerações sobre alguns limites do uso dos
computadores.

2 Uma reflexão sobre a História

Uma curiosidade de explicar e compreender o mundo é o estímulo que leva os homens a


estudarem o seu passado.
Arnold Toynbee Da curiosidade do homem por si mesmo nasce a história. A. Brunner

Na língua latina a palavra história expressa dois conceitos distintos: plenitude


de suceder e o conhecimento que se possui desse suceder. Sua origem procede de
certa raiz grega que significa inquirir, com inclinação à curiosidade [Fer85].

9
Plenitude de suceder, conhecimento desse suceder, recuperação dos valores
antigos..., palavras que significam algo mais que uma mera enumeração de nomes,
lugares, datas, números, etc. Consiste antes de tudo em um debruçar-se sobre o
passado e formularlhe perguntas para se apropriar do seu legado (da “tradição”,
de traducere, entregar).
Ninguém produz por si mesmo os conhecimentos de que necessita para
sobreviver em meio à sociedade na qual nasce; a grande maioria chega como algo
adquirido, que se recebe pela interação com o meio ambiente. Desde o instante em
que o homem se dá conta do mundo e de si mesmo, percebe-se rodeado de
instituições e tradições que vive e atualiza de um modo natural, sem se dar conta
de que foi forjado nesse entorno, com atitudes e pontos de vista tão arraigados em
seu modo de ser, em sua psicologia, que nada lhe parece estranho ou
desconhecido. Somente quando o homem sai do seu entorno vital e entra em
contato com novas superfícies de valores, tradições, costumes, é que começa a
compará-los com os seus e a se perguntar reflexivamente sobre tais coisas, pelas
verdades de umas e outras.
A história é parte dessa necessidade humana de refletir: é o desejo de explicar
a origem e a verdade das próprias instituições, quem ou qual acontecimento as
estabeleceu. Para responder sobre sua existência atual e conhecer a si mesmo o
homem tem de mergulhar no seu passado, perguntando às gerações anteriores por
que fizeram essas instituições e não outras, por que surgiram esses precisos
costumes e atitudes, por que ele tem essa herança cultural, e assim por diante. Por
possuir uma herança é que cada homem é um historiador em potencial. Assim
como em cada homem há uma evolução biológica necessária, há também a
manutenção de uma identidade ao longo das várias etapas desse desenvolvimento
biológico, que nos distinguem e nos tornam únicos, sendo fator de compreensão do
modo pessoal de ser. Com a história buscamos essa nossa identidade para
compreender o momento presente. E isto pode e deve ocorrer sob pontos de vista
específicos: sociais, psicológicos, filosóficos e tecnológicos.
Paul M. Veyne fala ainda da história como compreensão, contrapondo o uso
deste termo ao uso do termo explicação. Em seu sentido mais forte explicar
significa “atribuir um fato a seu princípio ou uma teoria a outra mais geral” como
fazem as ciências ou a filosofia. Nesse caso, a história seria uma difícil conquista
porque a ciência só conhece leis, sistemas hipotéticodedutivos, e no mundo da
história reinam, lado a lado, a liberdade e o acaso, causas e fins, etc. Para Veyne a
história apresenta um caráter acientífico no sentido de que é difícil buscar
princípios universais que tornem os acontecimentos inteligíveis, ou achar
mecanismos de causa e efeito para se poder deduzir, prever. “(...) a Revolução
Francesa se explica pela subida de uma burguesia capitalista: isto significa,
simplesmente, (...) que a narração da revolução mostra como essa classe ou seus
representantes tomaram as rédeas do estado: a explicação da revolução é o
resumo desta e nada mais. Quando solicitamos uma explicação para a Revolução
Francesa, não desejamos uma teoria da revolução em geral, da qual se deduziria a
de 1789, nem um esclarecimento do conceito de revolução, mas uma análise dos
antecedentes responsáveis pela explosão desse conflito (...)”. Busca-se portanto
uma compreensão dos fatos através dos acontecimentos que o precederam*
[Vey82]. Toda verdadeira investigação edifica-se estabelecendo-se com a máxima
exatidão possível o já sabido, para depois poder perguntar com exatidão, de
maneira que se possam encontrar respostas. Só partindo da informação adquirida
podem ser feitas perguntas capazes de ter resposta, e não perguntas deslocadas,
no vazio, que nunca poderão ser respondidas. É necessário caminhar passo a
passo, um após o outro: em toda busca que se queira chegar a algo é preciso

10
estabelecer com precisão o problema, planejar possíveis linhas de ataque
conceitual e valorar as aparentes soluções.
Tal enfoque será um dos que estarão presentes neste estudo crítico da
História da Computação através de uma visão conceitual. Pode-se aplicar a essa
história a mesma afirmação que faz Thomas Khun sobre a História da Ciência: está
marcada por interrupções repentinas, por inesperadas e imprevistas mudanças,
exigindo modelos de conhecimento que supoêm alterações inesperadas no
processo do seu desenvolvimento ([RA91], vol III). Em função desse fato torna-se
difícil a visão da evolução dos computadores mediante uma mera enumeração
linear de invenções-nomes-datas †, forçando-nos a tentar compreender as forças e
tendências que, no passado, prepararam o presente. O desejo de conhecer as
vinculações que os atos de determinados homens estabeleceram no tempo vai
acompanhado do impulso de compreender o significado de tais atos no conjunto da
História da Computação.

*Se a história é ou não ciência é uma questão muito disputada entre vários autores e tema
ainda polêmico. No tratado História e Memória do medievalista francês Jacques Le Goff [Gof94],
capítulo História, item 1, desenvolve-se uma panorâmica geral dessas correntes e tendências
existentes entre historiadores e teóricos da história.
†Obviamente não se quer tirar aqui a importância da datação. Como diz Le Goff, “o historiador
deve respeitar o tempo que, de diversas formas, é condição da história e que deve fazer
corresponder os seus quadros de explicação cronológica à duração do vivido. Datar é, e sempre será,
uma das tarefas fundamentais do historiador, mas deve-se fazer acompanhar de outra manipulação
necessária da duração − a periodização − para que a datação se torne historicamente pensável”
[Gof94]. Não se dispensará este trabalho de ter uma cronologia, a partir da qual se possa situar no
tempo os homens e os fatos mais representativos de uma determinada corrente de idéias ou
descobertas. No anexo I há uma tabela da evolução conceitual e tecnológica por data.

2.1 A História e suas interpretações

Desde o seu nascimento nas civilizações ocidentais, tradicionalmente situado


na antigüidade grega (Heródoto, século V a.C. é considerado por alguns como o
“pai da história”), a ciência histórica se define em relação a uma realidade que não
é construída nem observada, como na matemática ou nas ciências da natureza,
mas sobre a qual se “indaga”, se “testemunha”. Este aspecto da história-relato, da
história-testemunho, jamais deixou de estar presente no desenvolvimento da
ciência histórica.
A partir do momento em que se começaram a reunir documentos escritos, a
historiografia começa a ultrapassar os limites do próprio século abrangido pelos
historiadores, superando também as limitações impostas pela transmissão oral do
passado. Com a construção de bibliotecas e a criação de arquivos iniciou-se o
desenvolvimento de métodos de crítica. Sobretudo depois do final do século XVII,
estabeleceram-se os fundamentos para uma metodologia aplicada à história, sob
uma radical exigência de submeter todas as investigações à razão crítica [Fer85].
A segunda metade do século XIX impôs o paradigma de uma história que a partir
daí chamar-se-á paradigma “tradicional” ou paradigma “rankeano”, derivado do
nome do historiador Leopold von Ranke (1795-1886). Ranke propunha apresentar
os fatos tais como o “foram na realidade” e os historiadores europeus criaram os
grandes esquemas políticos e institucionais.
Características desse paradigma, conforme Peter Burke, historiador de
Cambridge [Bur92b]
: • a história diz respeito essencialmente à política; • é essencialmente uma
narrativa de acontecimentos;

11
• “visão de cima” no sentido de estar concentrada nos feitos dos grandes
homens;
• baseada em documentos;
• deveria perguntar mais pelas motivações individuais do que pelos
movimentos coletivos, tendências e acontecimentos;
• a história é objetiva, entendendo-se por isso a consideração do suceder
como algo externo ao historiador, suscetível de ser conhecido como objeto que se
põe diante do microscópio, almejando uma neutralidade.
Ainda no século XIX algumas vozes soaram discordantes desse paradigma
histórico. Entre outras coisas devido ao seu caráter reducionista, onde situações
históricas complexas são vistas como mero jogo de poder entre grandes homens
(ou países), e também em função daquilo que se poderia chamar a “tirania” do fato
ou do documento, importantes sem dúvida, mas que não deve levar a abdicar de
outros tipos de evidências. Como relata Peter Burke, “Michelet e Burckhardt, que
escreveram suas histórias sobre o Renascimento mais ou menos na mesma época,
1865 e 1860 respectivamente, tinham uma visão mais ampla do que os seguidores
de Ranke. Burckhardt interpretava a história como um corpo onde interagem três
forças − Estado, Religião e Cultura − enquanto Michelet defendia o que hoje
poderíamos descrever como uma ‘história da perspectiva das classes
subalternas’(...)” [Bur92a]. Outros opositores da “história política” foram os
historiadores da evolução das sociedades sob o ponto de vista econômico e os
fundadores da nova disciplina da sociologia, que começaram a surgir na França.
Dois fatos, no entanto, ocorridos nas quatro primeiras décadas do século XX
acabariam por sacudir e arruinar a confiança nos princípios rankeanos, O primeiro
foi a rápida difusão do marxismo, que renuncia à neutralidade, afirmando que o
materialismo dialético é a única filosofia científica válida para a interpretação da
história; o segundo, a grande crise do ano de 1929, que revelou até que ponto os
fatores econômicos e sociais podem exercer uma ação decisiva.
É desse período o nascimento da revista francesa Annales, considerada uma
das mais importantes propulsoras da chamada Nova História. Nova História é um
termo que data de 1912, quando o estudioso americano James Harvey Robinson
publicou um livro com esse título. Segundo Robinson, história inclui todo traço e
vestígio de tudo o que o homem fez ou pensou desde seu primeiro aparecimento
sobre a terra. Em relação ao método, a ‘nova história’ vai servir-se de todas
aquelas descobertas que são feitas sobre a humanidade, pelos antropólogos,
economistas, psicólogos e sociólogos [Bur92b].
Surgiu a idéia de uma história total, com a qual quiseram os autores da Escola
dos Annales advertir que, frente à unilateralidade e reducionismo do materialismo
dialético, a compreensão do passado exige que todos os dados – políticos e
institucionais, ideológicos, econômicos, sociais, da mentalidade humana, etc. –
fossem fundidos e integrados para conseguir uma explicação correta. Uma tarefa
árdua, na prática quase impossível, mas que marca um ideal, uma direção, uma
meta que é preciso atingir.
Surgiram ainda outros enfoques como, por exemplo, a história do ponto de
vista quantitativo, durante certo tempo em moda na Europa e Estados Unidos, que
procura utilizar fontes quantitativas, métodos de contagem e até modelos
matemáticos na sua pesquisa histórica, ou as histórias que abrangem um
determinado campo da vida humana como a história da arte ou a história das
ciências [GN88].
O panorama atual, de acordo com os historiadores, é o de uma história
fragmentada, detectando-se alguns sinais de busca de uma síntese. Ainda se está a
uma longa distância da “história total”. Na verdade, é difícil acreditar que esse

12
objetivo possa ser facilmente alcançado – ou até que será alcançado –, mas alguns
passos já foram e estão sendo dados em sua direção.
Paralelamente a todos esses esforços, surgiram também os teóricos da
história, que se esforçaram ao longo dos séculos para introduzir grandes princípios
que pudessem fornecer linhas gerais de compreensão para a evolução histórica. A
filosofia da história é o estudo da realidade “latente”, ou melhor, do “pano de
fundo” dos fatos históricos. Qual é a natureza, por exemplo, das crises de
crescimento e decadência de uma civilização, quais foram as causas? Sendo a
história não a simples crônica que apresenta os fatos de um modo minucioso, mas
sim sua investigação, que se esforça por compreender os eventos, captar relações,
selecionar fatos, como fazer isso, qual é a estrutura essencial da realidade
histórica?
A filosofia da história – termo temido por muitos autores porque poderia supor
apriorismos, preconceitos, idealismos – responderá basicamente a duas questões
fundamentais:
• o que são os fatos históricos − historiologia morfológica;
• para qual fim se dirigem − historiologia teleológica.

2.2 A História da Ciência

O nascimento e o desenvolvimento da ciência experimental, a partir do século


XVII, estiveram freqüentemente acompanhados de polêmicas filosóficas: sobre o
alcance do raciocínio científico, seus limites, o que é a verdade na ciência, etc.
Diferentes posturas filosóficas da época moderna tentaram solucionar tais
polêmicas, mas foi no século XX que realmente se chegou a constituir uma filosofia
da ciência como disciplina autônoma. Do Círculo de Viena em 1929, passando por
Karl Popper, Thomas Khun, Imre Lakatos, Paul Feyerabend, Wolfang Stegmüller,
entre outros, protagonizou-se um intenso debate em torno do valor do
conhecimento *.
Para este trabalho, o que interessa é que toda essa movimentação em torno da
racionalidade da ciência também teve seu reflexo na teoria da história, pelas novas
epistemologias científicas que foram surgindo. Os debates trouxeram para o
primeiro plano a questão da função da historiografia da ciência e alguns problemas
teóricos relativos a essa historiografia. A importância de uma história da ciência
que vá além da história episódica ou dos resultados obtidos ficou ressaltada. Em
([RA91], volume III) resume-se quais seriam as funções da História da Ciência:
• sendo a ciência fator de história, não se pode entender o desenvolvimento
dessa história, especialmente da época moderna e da época contemporânea, se
não conhecermos a História da Ciência e da Tecnologia;
• além de ser fator de história, a ciência também é fator de cultura: assim,
estará vedada a compreensão do desenvolvimento da cultura mais ampla se não se
compreende a História da Ciência e seu entrelaçamento e condicionamento
recíproco com a História da Filosofia, as concepções morais, políticas e outras;
• o conhecimento da História da Ciência é necessário para o trabalho do
cientista, porque o pleno entendimento do conteúdo de uma teoria pode ser obtido
mediante o confronto dessa teoria com outras, e essas outras teorias devem ser
buscadas onde quer que estejam disponíveis, tanto no presente como no passado;
• a História da Ciência se revela como mais um ingrediente para a didática
das ciências, tanto no que se refere à motivação do aprendizado, como no que se
refere à educação no antidogmatismo, isto é, no reconhecimento do erro como uma
fonte científica de aperfeiçoamento da teoria;

13
• a História da Ciência possibilita uma maior consciência das normas
metodológicas necessárias ao trabalho de pesquisa.
Os problemas do como realizar essas funções são complexos, bastando
lembrar as diferentes escolas de história. De qualquer maneira, é a disciplina da
história que é revitalizada, despertando a capacidade do homem de assumir o seu
passado e a partir dele dar respostas criadoras aos novos problemas que
aparecem. É muito significativo que entre os sintomas da decadência de uma
cultura ou de uma ciência esteja precisamente isto: o repúdio ao passado que as
valorizava.

*Para aprofundar no assunto, em [Art94] há uma síntese das discussões e evolução das
polêmicas.

2.3 Enfoque histórico adotado


A história não é exclusivamente caos ou acaso: existe no comportamento humano um certo
grau de ordem e padrão observáveis de uma regularidade parcialmente previsível. The Social
Sciences in Historical Study (vários autores)

Uma das intenções do presente estudo é procurar compreender e estabelecer


as diretrizes para uma disciplina da História da Ciência, a História da Computação,
através da seleção das idéias, teorias e paradigmas que ajudaram os homens em
sua busca da automatização dos processos aritméticos e que conduziram à
tecnologia dos computadores. Interessa portanto o enfoque teleológico, citado
anteriormente (A história e suas interpretações).
A historiologia teleológica aplica-se na interpretação, de trás para frente, da
conexão concreta do curso histórico. Trata-se de compreender duas coisas: a
primeira, que na série confusa dos fatos históricos podem-se descobrir linhas,
facções, traços, em suma, uma 'fisionomia', conforme diz Ortega y Gasset; a
segunda, tentar mostrar um sentido para a história, desde a perspectiva do seu
fim. Conforme outro historiador, Toynbee * [Toy87], o ponto de partida da
interpretação histórica, como o de qualquer tarefa intelectual, é o pressuposto de
que a realidade tem algum significado que nos é acessível pelo processo mental da
explicação. Considera-se que a realidade, ainda que não totalmente, tem um
sentido, isto é, que há um ‘acúmulo de ordem’ nas relações entre os milhares de
fenômenos observados na realidade e dissecados pela nossa inteligência. “Todo
raciocínio pressupõe a existência de conexões na natureza, ... e seu único objetivo
é determinar que elementos essas conexões reúnem” [H30].
Na abordagem teleológica, a história não é o fato meramente enumerado, mas
organizado, selecionado, relacionado. Como diz Kenneth O. May, “de modo
semelhante à física, nós não pensamos que o mero registro de uma observação por
um físico é Física. Isso se torna Física quando é interpretado, organizado,
relacionado com outras partes da Física. Do mesmo modo, o conhecimento
cronológico torna-se história somente quando ele é selecionado, analisado,
acompanhado da sua compreensão dentro de um contexto mais amplo. Significa
que a história dos computadores deveria ser compreendida não do ponto de vista
'histórico', mas em relação ao computador propriamente. Deveria dar a
perspectiva, através das idéias, sobre o que o futuro desenvolvimento deveria ser,
ao que as futuras linhas de desenvolvimento devem chegar, e assim por diante”
[May80].
O conhecimento histórico, por sua própria natureza, é inseparável do
historiador, pois é este que, da documentação coletada, destaca o singular,
elevando o fato à condição de histórico. Procurou-se, então, registrar neste livro,

14
tecendo um fio de história, os fatos conceituais, com a mínima periodização e
datações possíveis. Por fatos conceituais entendam-se aqui as idéias e conceitos
relevantes que fundamentaram a incansável busca pela mecanização do raciocínio.
Entre estes estarão: Álgebra, Sistema Axiomático, Lógica Matemática, Sistema
Axiomático Formal, Computabilidade, Máquina de Turing, Tese de Church,
Inteligência Artificial, e outros mais.

*Se bem que em outro contexto, pois tinha uma outra linha de pensamento historiográfico,
mas que serve também para o enfoque adotado no trabalho.

É uma história que se vai tornando incrivelmente complexa, conforme vai


avançando no tempo. Os trabalhos isolados dos precursores da Física e da
Matemática, e mais recentemente da própria Ciência da Computação, justamente
por causa de seu isolamento, são relativamente fáceis de discernir. Mas a partir de
1950, com a proliferação das pesquisas nas universidades, nos grandes
laboratórios, nas indústrias − privadas ou estatais −, observouse um
desenvolvimento acelerado da informática. A Ciência da Computação avançou em
extensão e profundidade, tornando-se difícil até a tarefa de enumeração dos fatos.
Surge a tentação de particularizar mais ainda. Pode-se falar por exemplo de uma
história dos microcomputadores, tomando o ano de 1947 quando três cientistas do
Laboratório da Bell Telefonia, W. Shockley, W. Brattain e J. Bardeen, desenvolveram
sua nova invenção sobre o que seria um protótipo do transistor e de como, a partir
daí, ano após ano, hardware e software progrediram e criaram novos conceitos,
estruturas, em ritmo vertiginoso. E assim também no desenvolvimento das
Linguagens de Programação, dos Compiladores, da Teoria da Computação, da
Computação Gráfica, da Inteligência Artificial, da Robótica, e outras áreas.
Começa a tornar-se difícil separar o que é significativo dentro do enfoque crítico
adotado.
Surge o problema da delimitação das fronteiras, pois as várias especialidades
se misturam muitas vezes *, apesar de ter um corpo central definido. Para se
atender à finalidade de uma História da Computação de caráter conceitual, este
trabalho estará limitado prioritariamente ao campo das idéias, acenando para
outros campos quando necessário se sua repercussão atingir a linha de evolução
seguida.
De qualquer modo, embora enfatizando o aspecto do pensamento – o que se
tinha em mente quando algo foi feito ou definido, e o que este algo fundamentará
mais tarde –, será necessário o estabelecimento de alguns marcos temporais. Os
acontecimentos da história produzem-se em determinados lugares e tempos. Esta
pontualização possibilitará ir unificando esse suceder histórico específico de que
se está tratando, em um processo único que mostre claramente a mudança, o
desenvolvimento e o progresso. Não se dispensará absolutamente o uso das datas
assim como dos fatos tecnológicos que possam ser considerados verdadeiras
mudanças de paradigma †.
Não se deve estranhar o recurso à História da Matemática. Aliás é preciso
dizer que, no início, pelo menos nos círculos acadêmicos, a Computação apareceu
como algo dentro dos Departamentos de Matemática, e ainda hoje, em muitas
Universidades, a Ciência da Computação aparece como um Departamento de um
Instituto de Matemática. Dentre os diversos tópicos científicos sujeitos à
investigação, a Matemática é o que melhor combina um caráter abstrato com um
uso universal em outros campos do conhecimento. Sua relação com a Computação
é muito estreita, quase que inseparável. As primeiras máquinas construídas foram
resultado de buscas por parte dos membros dessa comunidade do conhecimento.

15
*Pense-se na Robótica por exemplo, onde estão incluídas a Inteligência Artificial, as
Linguagens de Programação, a Computação Gráfica, etc.
†No anexo I encontra-se uma tabela cronológica dos acontecimentos conceituais e
tecnológicos, que dará uma visão mais geral da evolução da História da Computação.

3 Motivações para se estudar a História da Computação

Uma vez apontada a importância e necessidade do estudo da história em geral


e, mais especificamente, da história da ciência e da tecnologia, fica fácil perceber
que o estudo da História da Computação é um interessante relevo dentro da vasta
paisagem do conhecimento científico. Basta lembrar que o impacto dessa
tecnologia na nossa sociedade é imenso e nossa dependência dela cada vez maior.
Seguem abaixo outros fatores motivadores para esse estudo.

3.1 Necessidade de discernir fundamentos

Comparada com outras áreas, a Ciência da Computação é muito recente. Mas,


nestes poucos anos (pode-se apontar a Segunda Guerra Mundial como um marco
inicial, quando efetivamente se construíram os primeiros computadores digitais) o
avanço da Computação foi exponencial, abrindo-se em um grande leque de
tecnologias, conceitos, idéias, transformando-se em uma figura quase
irreconhecível. Atualmente falar de estado da arte na Computação tornou-se sem
sentido: sob que ótica, perspectiva, campo ou área? Apesar da sua recente
irrupção na história contemporânea, a partir dos anos 40 do século XX, ela já se
tornou complexa, ampla, geradora de novos enfoques, tornando-se um verdadeiro
desafio a quem queira entendê-la e traçar sua evolução.
Ao mesmo tempo, cada nova geração de informatas depara-se com um duplo
problema: a impossibilidade de ter uma visão global sobre todo o conhecimento
precedente e, mais acentuadamente ainda, a história do desenvolvimento das
várias especialidades. Não estão individualizados os eventos, por vezes complexos,
que antecederam o saber atual e também não se possui um quadro que os reúna,
para se ter uma idéia geral, coerente e significativa. A evolução tecnológica se nos
apresenta abrupta, através de saltos descontínuos, e todo o trabalho que antecede
cada etapa aparece coberto por uma camada impenetrável de obsolescência, algo
para a paleontologia ou para os museus, como se nada pudesse ser aprendido do
passado.
O resultado é um empobrecimento do panorama atual da realidade da
informática. Não se estabelecem conexões entre os vários campos da Ciência da
Computação, caindo-se facilmente no utilitarismo. As camadas mais profundas dos
conceitos não são atingidas, o conhecimento torna-se bidimensional, curto, sem
profundidade. Junto a isso, cedendo talvez a um imediatismo ou deixando-se levar
por uma mentalidade excessivamente pragmática de busca de resultados, há uma
forte tentação de se estabelecerem ementas para o estudo da Ciência da
Computação preocupando-se mais com determinados produtos − linguagens,
bancos de dados, sistemas, aplicativos, etc. − e pouco se insiste na fundamentação
teórica.
Os matemáticos aprendem aritmética e teoria dos números, pré-requisitos
sem os quais não se evolui no seu campo do saber; os engenheiros, cálculo
diferencial, física; os físicos trabalham arduamente na matemática, e assim por
diante. Quais os fundamentos correspondentes na Computação? Conhece-se a

16
Álgebra Lógica de George Boole, um matemático que buscando relacionar o
processo humano de raciocínio e a Lógica Matemática, desenvolveu uma
ferramenta para os futuros projetistas de computadores? Sabe-se que a revolução
da Computação começou efetivamente quando um jovem de 24 anos, chamado
Alan Mathison Turing, teve a idéia de um dispositivo teórico para buscar a
resposta a um desafio do famoso matemático David Hilbert – um dos primeiros a
falar sobre computabilidade –, e que em um ‘journal’ de matemática comentou aos
seus colegas que era possível computar na teoria dos números, por meio de uma
máquina que teria armazenadas as regras de um sistema formal? Que as pesquisas
de Turing estão relacionadas com o trabalho de Gödel – cujo Teorema que leva o
seu nome é considerado um dos mais famosos resultados do século XX, dentro da
matemática? Pode-se citar ainda a Tese de Turing-Church que possibilitou aos
cientistas passarem de uma idéia vaga e intuitiva de procedimento efetivo para
uma noção matemática bem definida e precisa do que seja um algoritmo. E antes
de todos esses, o esforço de dezenas de pensadores de diferentes culturas, para
encontrar melhores formas de usar símbolos, que viabilizou o desenvolvimento da
Ciência Matemática e Lógica, e que acabaram fundamentando toda a Computação.

3.2 Incentivo à educação para a qualidade do software

A investigação histórica sob o prisma citado − das idéias e conceitos


fundamentais que formaram a base do desenvolvimento da Computação − poderá
contribuir para uma questão que assume importância decisiva e crucial: a
qualidade do software.
É preciso aqui tecer um comentário relacionado ao tema da qualidade. A
expressão “crise do software” [Nau69] apareceu no final da década de sessenta na
indústria tecnológica da informação. Referia-se aos altos custos na manutenção de
sistemas computacionais, aos custos relativos a novos projetos que falhavam ou
que consumiam mais recursos que os previstos, etc., realidades presentes no dia a
dia de muitos centros de processamento de dados. Ao lado disso, havia, e ainda há,
uma disseminação anárquica da cultura informática, impregnando cada dia mais a
vida social e trazendo, como conseqüência, uma dependência cada vez maior da
sociedade em relação ao computador. Torna-se fundamental, portanto, diminuir as
incertezas presentes no processo de elaboração dos sistemas de computação.
A resposta a esses desafios já há alguns anos vem sendo formulada no sentido
de se estabelecer uma execução disciplinada das várias fases do desenvolvimento
de um sistema computacional. A Engenharia de Software surgiu tentando melhorar
esta situação, propondo abordagens padronizadas para esse desenvolvimento.
Algumas dessas propostas vão em direção ao uso de métodos formais * nos
processos de elaboração do sistema, basicamente através da produção de uma
especificação formal em função das manifestações do problema do mundo real que
estiver sendo tratado e através da transformação dessa especificação formal em
um conjunto de programas executáveis.
Há também pesquisas dentro da Computação que caminham em direção ao
desenvolvimento de métodos numéricos, em direção à lógica algébrica. George
Boole, em sua obra que deu início a uma nova arrancada no desenvolvimento da
Lógica Matemática e da Computação, como se verá, já dizia: “A lógica simbólica ou
lógica matemática nasce com a vocação de ferramenta para inferência mecanizada
através de uma linguagem “simbólica”[Boo84]. Busca-se por essa vertente a
criação de uma metalinguagem lógicomatemática para o desenvolvimento de
sistemas, de tal maneira que se possa constituir no instrumento que transfere a

17
precisão da matemática aos sistemas. A figura abaixo, conforme [Coe95], serve
como ilustração dessa idéia.
*Um método se diz formal quando o conjunto dos procedimentos e técnicas utilizadas são
formais, isto é, têm um sentido matemático preciso, sobre o qual se pode raciocinar logicamente,
obtendo-se completeza, consistência, precisão, corretude, concisão, legibilidade e reutilização das
definições abstratas.

Figura 1: O desenvolvimento de sistemas através de especificações formais

Técnicas provenientes da área da lógica matemática vêm sendo aplicadas a


diversos aspectos do processo de programação de computadores *. Não é sem
dificuldades que evoluem as investigações sobre o papel do raciocínio formal
matemático no desenvolvimento do software. Mas é preciso ressaltar a sua
importância pois através da especificação formal e verificação obtém-se uma
excelente guia para o desenvolvimento de programas corretos e passíveis de
manutenção. Talvez não se possa pedir que todo programa seja formalmente
especificado e verificado, mas é de se desejar que todo programador que almeje
profissionalismo esteja ao menos familiarizado com essas técnicas e seus
fundamentos matemáticos [BBF82]. Concluindo-se o comentário sobre os
problemas relativos à qualidade do software, pode-se dizer que a solução para o
problema do desenvolvimento de software passa por um treinamento formal mais
intenso na formação dos futuros cientistas da computação. Desde os primeiros
anos da universidade é necessário que se estudem os princípios matemáticos, e em
alguns casos até físicos (como se poderá falar em Computação Gráfica se não se
sabe quais são as propriedades de um sistema de cores), que formam o substrato
da Computação: o que é computável (metamatemática, computabilidade), a
complexidade que exige a execução de um cálculo (análise de algoritmos, teoria da
complexidade), fundamentos de algumas abstrações (teoria dos autômatos, teoria
das linguagens formais, teoria de rede, semântica denotacional, algébrica, etc.),
fundamentos dos raciocínios que se fazem em programação (sistemas de provas,
lógica de Hoare), etc. Ou seja, seria interessante notar que na Ciência da
Computação há um forte componente teórico. É um corpo de conhecimentos,
sistematizado, fundamentado em idéias e modelos básicos que formam a base das

18
técnicas de engenharia e eletrônica usadas na construção de computadores, tanto
no referente ao hardware como ao software. Como não falar de indução
matemática quando se deseja seriamente explicar a programação de
computadores? Ou falar de uma linguagem de programação sem introduzir a teoria
dos autômatos? Com o desenvolvimento de conceitos matemáticos adequados será
possível estabelecer um conjunto de procedimentos que assegure aos sistemas a
serem desenvolvidos uma manutenção gerenciável, previsível e natural, como
ocorre na engenharia.

*Entre os aspectos estudados encontram-se: (i) verificação (prova de corretude): a prova de


que um dado programa produz os resultados esperados; (ii) terminação: a prova de que um dado
programa terminará eventualmente a sua execução; (iii) derivação (desenvolvimento): construção
de um programa que satisfaz a um conjunto de especificações dadas; (iv) transformação:
modificação sistemática de um programa dado para obter um programa equivalente, como
estratégia para a derivação de novos programas por analogia a soluções conhecidas ou como método
de otimização da eficiência de programas [Luc82].

O estudo da História da Computação, não já sob o enfoque de datas e nomes −


importantes também e necessários, para não se cair na pura especulação −, mas
sob o aspecto das idéias, de seus fundamentos e suas conseqüências, pode ser uma
sólida base, um ponto de partida, para sensibilizar e entusiasmar o aluno sobre a
importância dos fundamentos teóricos, para ajudá-lo a ver o que um determinado
conceito tem como pressupostos.

3.3 Tornar claros e ligar os fatos

Entre os objetivos da ciência histórica pode-se aceitar como axiomático o de


procurar dar um significado aos acontecimentos. É a busca de se dar sentido à
história. Este trabalho, feito dentro de uma perspectiva teleológica da história,
procurará estabelecer uma conexão causal entre eventos, para se começar a
entender o sentido do passado, dispondo-o numa espécie de sistema organizado,
para torná-lo acessível à compreensão.
Sob outro enfoque, pode-se ver a História da Ciência da Computação como um
“olhar para trás com o fim de descobrir paralelismos e analogias com a tecnologia
moderna, com o fim de proporcionar uma base para o desenvolvimento de padrões
através dos quais julguemos a viabilidade e potencial para uma atividade futura ou
atual” [Lee96]. Quer dizer, analisar o passado e reconhecer tendências que nos
permitam prever algum dado futuro. Dizia John Backus, criador do FORTRAN e da
Programação Funcional: “Na ciência e em todo trabalho de criação nós falhamos
repetidas vezes. Normalmente para cada idéia bem sucedida há dúzias de outras
que não funcionaram” (1994, discurso ao receber o prêmio Charles Stark Draper).
A história cataloga e registra tais falhas, que então se tornam uma fonte especial
de aprendizado, ensinando tanto quanto as atividades bem sucedidas. Mais ainda,
dão-nos o caminho, por vezes tortuoso, por onde transcorreram as idéias, as
motivações, as inovações. Ou seja, é interessante e instrutivo o estudo da história
de qualquer assunto, não somente pela ajuda que nos dá para a compreensão de
como as idéias nasceram − e a participação do elemento humano nisso − mas
também porque nos ajuda a apreciar a qualidade de progresso que houve.

3.4 Acompanhar novas tendências

É sintomático notar que pela primeira vez incluiu-se no curriculum para

19
Ciência da Computação, desenvolvido pela ACM (Association for Computing
Machinery) e IEEE (Institute of Electrical and Electronics Engineers) Computer
Society Joint Task Force, em 1991, módulos relativos à história em 4 áreas:
Inteligência Artificial, Sistemas Operacionais, Linguagens de Programação e
Temas Sociais, Éticos e Profissionais. Mais recentemente ainda, na 6a IFIP
(International Federation for Information Processing), evento realizado dentro da
Conferência Mundial dos Computadores na Educação, transcorrida em
Birmingham, Inglaterra, de 20 a 24 de julho de 1995, estimulou-se não só “a
preservação das peças de computadores, o registro de memórias dos pioneiros e a
análise do impacto exterior das inovações nos computadores, mas também o
desenvolvimento de módulos educacionais na História da Computação” [Lee95].
Significativo também é a introdução, nos cursos de Ciência da Computação, da
disciplina História da Computação, principalmente a partir da década de 1990, em
algumas universidades. Pode-se citar a Universidade de Stanford e o Instituto
Charles Babbage, da Universidade de Minnesota dedicado a promover o estudo da
História da Computação, EUA, o arquivo Nacional para a História da Computação
da Universidade de Manchester, Inglaterra, Universidade de Waterloo (Canadá) e
similar em Bordeaux, França, Universidade de Wales Swansea, Austrália, etc.
Também aumentaram o números de museus e instituições governamentais ou
particulares que prestam esse serviço de preservação da história da tecnologia
informática, como por exemplo o museu de Boston, os museus de instituições
militares americanas e organizações do porte do IEEE. Esta última promoveu em
1996 o lançamento de pelo menos quatro livros sobre o assunto História da
Computação, tendo construído um “site” na Internet, narrando os eventos dessa
história desde o século XVII. Na Internet proliferaram os museus de imagens e
cronologias sobre assuntos específicos como Microcomputadores, Computação
Paralela, Linguagens de Programação, etc.

3.5 Revalorizar o fator humano

Finalmente há o grande tributo que se deve fazer a esses homens que, ao


longo da história da ciência Matemática, Lógica, Física, e mais recentemente da
Computação, não se deixaram levar pelo brilho atraente daquilo que chama a
atenção e das demandas mais imediatas. Motivados pela pura busca do saber
formaram o arcabouço, a infra-estrutura que possibilitou a revolução da
informática. Os bits e todas as partes de um computador (incluindo o software) são
na verdade o resultado de um processo, de uma evolução tecnológica de vários
séculos, partilhada por inúmeros personagens, cada um acrescentando sua
pequena ou grande contribuição.
“Qualquer que seja, porém, o destino da informática, ela já tem o seu lugar na
História, constituindo-se num dos fatores preponderantes que moldam o
conturbado mundo no fim do século XX. Sem a compreensão do seu papel social,
não será possível entender o processo histórico em marcha, nem a direção do
futuro. Desse modo, a pesquisa da História da Computação tem um significado
fundamental no presente” [Mot96].

4 Evolução dos conceitos

Considerando as idéias e os conceitos como uma das linhas que conduzirão ao


grande desenvolvimento tecnológico da Computação a partir da década de 40 do
século XX, este capítulo faz referência a alguns aspectos da evolução da

20
Matemática, e mais especificamente de alguns dos seus ramos, no caso a Álgebra e
a Lógica Simbólica ou Matemática, de onde nos vieram o rigor e o método
axiomático, até chegar às noções de computabilidade e procedimento, com Turing
e Church.

4.1 Primórdios

4.1.1 A evolução do conceito de número e da escrita


numérica *

Talvez o passo mais fundamental dado nestes primeiros tempos tenha sido a
compreensão do conceito de número, isto é, ver o número não como um meio de se
contar, mas como uma idéia abstrata. O senso numérico foi o ponto de partida.
Trata-se da sensação instintiva que o homem tem das quantidades, atributo
participado também pelos animais irracionais (a gata mia quando um dos filhotes
não está no ninho; determinados pássaros abandonam o ninho quando um dos seus
ovos foi mudado de lugar); na vida primitiva bastava esse senso numérico. Mas
com o começo da criação dos animais domésticos era necessário saber algo mais,
pois se a quantidade não fosse melhor conhecida, muitas cabeças se perderiam.
Inventou-se a contagem através do estabelecimento de uma relação entre duas ou
várias quantidades, na qual cada elemento de uma corresponde a um elemento de
outra e nenhum elemento deixa de ter o seu correspondente (por exemplo,
pedrinhas de um monte com ovelhas de um rebanho).
No entanto essa relação biunívoca se dá somente no âmbito mental (ovelhas e
pedra estão na natureza e não se dão conta um do outro). Não está registrado de
que forma ocorreu o reconhecimento, pelos nossos antepassados mais primitivos,
de que quatro pássaros caçados eram distintos de dois, assim como o passo nada
elementar de associar o número quatro, relativo a quatro pássaros, e o número
quatro, associado a quatro pedras. Essa correspondência é um pensamento que é
uma espécie de linguagem. Nessa linguagem estão envolvidas a quantidade, a
correspondência biunívoca (o número) e a sua expressão (os elementos usados
para contagem: pedras, dedos, seqüências de toques no corpo, e outras formas
mais primitivas de expressar um numeral).
A visão do número como uma qualidade de um determinado objeto é um
obstáculo ao desenvolvimento de uma verdadeira compreensão do que seja um
número. Somente quando, de acordo com um dos exemplos dados, o número
quatro foi dissociado dos pássaros ou das pedras, tornando-se uma entidade
independente de qualquer objeto – uma abstração, como diriam os filósofos –, é
que se pôde dar o primeiro passo em direção a um sistema de notação, e daí à
aritmética. Conforme Bertrand Russell, “foram necessários muitos anos para se
descobrir que um par de faisões e um par de dias eram ambos instâncias do
número dois” [Dan54].
E assim como se criaram símbolos escritos para expressar idéias, também
criou-se a escrita numérica. Os numerais escritos surgem nas civilizações antigas
(egípcia, babilônica e chinesa) e se baseiam na repetição de símbolos. No caso dos
egípcios, ao se completar o décimo elemento, tomava-se um outro símbolo para
representar o número.

*Este item está baseado em [Dan54], [Wil97] e [New56], principalmente no segundo

21
Figura 2: Sistema numérico clássico de adição egípcio baseado em hieróglifos
[Wil97]

Foram criadas várias escritas numéricas: os gregos e os romanos usavam


letras do alfabeto. Os algarismos romanos foram tão difundidos que existem até
hoje, pelo menos para certas funções especiais como marcar horas em relógios e
numerar capítulos em livros, especialmente livros formais como a Bíblia. Este
amplo processo de criação conclui-se com a escrita numérica criada pelos hindus,
há vários séculos.
O advento do que nós chamamos de sistema numérico hindu-arábico, com seu
rígido esquema de valores e posições, juntamente com o zero (que era usado para
representar um espaço em branco), foi uma das grandes invenções da
humanidade, e possibilitou o desenvolvimento dos métodos matemáticos e
aritméticos, que a partir disso evoluíram muito mais do que qualquer coisa que se
conhecia até então*.
O uso do zero não era incomum em certos sistemas numéricos posicionais
primitivos. Os babilônios usaram um caráter parecido com o zero para representar
uma coluna vazia no meio do número por volta do ano 200 a.C., mas isso não era
muito comum no sistema deles. Se um número, por exemplo 1024, precisasse de
um zero para separar o dígito 1 do dígito 2, eles usavam o símbolo do zero do
mesmo modo que se faz hoje. No entanto, se eles tivessem que representar um
número como o 1000, parece que eram incapazes de conceber o fato de que o
símbolo zero pudesse ser usado para simplesmente “cobrir” os espaços restantes,
e eles representavam apenas o número 1, deixando ao leitor a tarefa de descobrir
se aquilo significava 1000, e não 10, 100 ou até mesmo 1.

* Olhando-se para trás na História, parece que a invenção de um sistema numérico de posições
rígidas, e ainda de um símbolo para designar o zero, deveria ter sido um extensão óbvia de alguns
dos primeiros sistemas numéricos de posições. Essa idéia é falsa: basta pensar que escapou à
percepção de grandes autores da Antigüidade, como Arquimedes ou Apollonius de Pergam, mesmo
quando eles percebiam as limitações de seus sistemas.

Exatamente onde e quando os homens começaram a utilizar o atual sistema


numérico posicional, e os 10 dígitos em que eles eram baseados, continua a ser um
fato obscuro. Certamente veio até a Europa pelos árabes, e é bem certo de que
eles o obtiveram do povo do subcontinente indiano. Onde e quando os indianos
obtiveram esse sistema não é conhecido. Pode ter sido uma invenção indígena, ou
ter vindo do leste da Indochina, ou um desenvolvimento do uso babilônico do
símbolo da coluna vazia. Na Índia antiga, bem como em muitas sociedades, a arte

22
da aritmética foi desenvolvida em um maior grau do que o necessário para o
comércio, por causa da sua importância para a religião local. Todas as três
primeiras religiões indianas (Janaísmo, Budismo e Hinduísmo) consideravam a
aritmética importante, como mostra o fato de ser exigida entre os estudos
fundamentais a serem feitos pelos candidatos ao sacerdócio.
O uso mais antigo que se tem notícia da matemática indiana está em trabalhos
escritos em forma de verso, onde complicados expedientes literários eram
utilizados para representar números, de modo a se preservar a rima e a métrica
dos poemas. Até mesmo documentos que usam numerais para denotar números
nem sempre são guias seguros para informar quando tal prática começou a
aparecer. Parece que, em alguma época no século XI, foi feita uma tentativa para
se racionalizar o sistema de propriedade da terra em partes da Índia, o que levou
muitas pessoas a produzirem documentos forjados para pedir seus vários lotes.
Das 17 inscrições conhecidas usando numerais antes do século X, todas, à exceção
de duas, mostraram ser falsificações. A mais antiga e indubitável ocorrência do
zero na inscrição escrita na Índia foi em 876 d.C., com os números 50 e 270 sendo
representados em uma versão local dos dígitos indianos.
A história do nosso sistema numérico fica muito mais clara a partir do século
IX d.C. No século VII, quando a dinastia dos Califas começou em Bagdá, o
aprendizado das culturas adjacentes foi absorvido em uma nova e expansiva
cultura árabe. Quando os árabes conquistavam um país, eles costumavam adquirir
seu modo de escrita, particularmente a notação dos numerais do povo conquistado
e procurar traços de conhecimento na literatura que sobreviveu à guerra.
Graças aos trabalhos do matemático al-Kharazmi (mais a frente se falará da
importância deste homem originário da Pérsia), o uso dos numerais hindus
rapidamente se expandiu por todo o império árabe. A eventual expansão desses
numerais pela Europa é mais facilmente explicada a partir dos contatos gerados
entre árabes e europeus pelo comércio e pelas guerras. É provável que os
comerciantes italianos conhecessem o sistema de contas de seus parceiros
comerciais, e que os soldados e sacerdotes que retornaram das cruzadas também
tivessem uma ampla oportunidade de ter contato com o sistema de notação e
aritmética árabes. O mais antigo manuscrito europeu contendo numerais hindu-
arábicos de que se tem notícia foi escrito no claustro Albeda, na Espanha em 976
d.C. Os novos numerais também foram encontrados em outro manuscrito espanhol
de 992 d.C., em um manuscrito do século X encontrado em St. Gall, e em um
documento do Vaticano de 1077 d.C. Entretanto seu uso não foi muito difundido
durante esse período inicial, e é provável que pouquíssimas pessoas tenham
entendido o sistema antes da metade do século XIII.

23
Figura 3: Mais antigo manuscrito europeu com numerais indoarábicos, cfr. [Ifr89]

A primeira grande tentativa de introduzir essa nova forma de notação foi feita
por Leonardo de Pisa (1175 a 1250), mais conhecido pelo nome de Fibonacci (que
veio de filius Bonaccio, o filho de Bonaccio), um dos melhores matemáticos
europeus da Idade Média. Durante o tempo de Fibonacci, Pisa era uma das
grandes cidades comerciais da Itália, e por isso entrou em contato com toda a área
do Mediterrâneo. O pai de Fibonacci era o chefe de uma das casas de comércio
ultramarino, em Bugia, na costa da África Norte. Bugia era um importante centro
para mercadores e estudantes da época e Fibonacci foi mandado, quando tinha 12
anos, para se juntar a seu pai, tendo uma chance de ouro para observar os
métodos árabes. Certamente obteve parte de sua educação enquanto estava em
Bugia, e a lenda diz que ele aprendeu árabe e aritmética por um mercador local.
Visitou depois o Egito, Síria, Grécia e França, onde se esforçou para se informar
sobre os sistema aritméticos locais. Ele achou todos esses sistemas numéricos tão
inferiores aos que os árabes utilizavam que, quando voltou a Pisa, escreveu um
livro para explicar o sistema árabe de numerais e cálculo. Esse livro, nomeado de
Liber Abaci (O Livro do Ábaco) foi publicado pela primeira vez em 1202, e revisto e
ampliado em 1228. Era um tomo muito grande para a época, constituído de 459
páginas divididas em 15 capítulos. Os capítulos 1 a 7 introduziam a notação árabe
e as operações fundamentais com números inteiros; os capítulos 8 a 11 tratavam
de várias aplicações, enquanto os restantes eram dedicados aos métodos de
cálculo envolvendo séries, proporções, raízes quadradas e cúbicas, e uma pequena
abordagem sobre geometria e álgebra. Foi em um desses últimos capítulos em que
ele introduziu o famoso problema do coelho e as séries de números que agora
levam seu nome.
O Liber Abaci não foi tão influente quanto deveria ser porque era muito
grande, e portanto difícil de copiar em uma época em que não havia imprensa.
Também continha material avançado que só poderia ser entendido por estudiosos,
tendo sido conhecido apenas por poucas pessoas, nenhuma das quais parecia ter
muita influência nos métodos de cálculo usado nas transações diárias.

24
Mas embora os esforços de Fibonacci tivessem pouco sucesso, a idéia dos
numerais hindu-arábicos foi gradualmente se expandindo na Europa. As principais
fontes de informação foram as várias traduções, algumas parciais, do trabalho de
al-Kharazmi. O fato de ser a língua árabe totalmente diferente de qualquer língua
européia foi uma grande barreira para a disseminação das idéias científicas
árabes. Para aprender o árabe, era geralmente necessário viajar a um país de
língua árabe, e isso era uma tarefa difícil, já que alguns árabes não eram
simpáticos aos visitantes cristãos (e vice-versa). Esse problema foi parcialmente
resolvido em 1085, quando Alphonso VI de Leon recapturou Toledo dos mouros e
uma grande população de língua árabe veio à esfera da influência européia. A
maioria das primeiras traduções, ou pelo menos as pessoas que ajudaram os
tradutores, vieram dessa população.
Os dois principais trabalhos que espalharam o conhecimento aritmético hindu-
árabe pela Europa foram o Carmen de Algorismo (o Poema do Algorismo) de
Alexander De Villa Dei por volta de 1220 e o Algorismus Vulgaris (Algorismos
Comuns), de John de Halifax, mais conhecido como Sacrobosco, por volta de 1250
d.C. Esses dois livros foram baseados, pelo menos em parte, nos trabalhos de al-
Kharazmi ou de um de seus sucessores. Foram elaborados para uso em
universidades européias e não pretendiam ser explicações completas do sistema;
preferiram dar simplesmente o básico que o professor pudesse explicar, linha a
linha, para seus alunos. O Carmen de Algorismo era particularmente difícil de ser
seguido, especialmente na discussão do cálculo de raízes, porque foi escrito em
versos hexassílabos. Apesar disso ele ficou muito popular, sendo copiado muitas
vezes no latim original e sendo até traduzido em inglês, francês e irlandês. Parte
dessa popularidade se deveu ao fato de que Alexander de Villa Dei (? a 1240), que
era nativo da Normandia e escrevia e ensinava em Paris, já era famoso por uma
gramática de latim, também em versos, que era muito utilizada nas escolas da
época. Também o fato de possuir somente 284 linhas o fazia facilmente copiável
pelos escribas, e assim, enquanto se produzia uma cópia do Liber Abaci, centenas
de cópias do Carmen podiam ser feitas e distribuídas. O mesmo acontecia com o
Algorismus Vulgaris, que tinha somente 4.000 linhas. Sacrobosco, que também
ensinava em Paris durante a primeira metade do século XIII, era conhecido por seu
trabalho em astronomia, e isso sem dúvida contribuiu para o sucesso do
Algorismus Vulgaris, que continuou a ser usado como um texto universitário em
aritmética até mesmo depois da invenção da imprensa. Edições impressas são
conhecidas a partir do fim dos séculos XV e XVI.
Uma dos primeiros tradutores do trabalho de Al-Kharazmi foi Adelard de Bath
que, por volta do ano 1120, produziu um texto em latim cujas primeiras palavras
eram Dixit Algorismi … (assim disse o algorismo…), e que resultou nessa nova
ciência que ficou conhecida como algorismo. Esse termo, e as várias corruptelas
originadas por autores diferentes, finalmente se espalhou através de todas
linguagens européias até o ponto de o processo de fazer aritmética com os
numerais hindu-arábicos ser chamado algarismo, e isso nos deu o termo algoritmo
que é tão familiar aos estudantes de Ciência da Computação. A conexão do
Algorismi com al-Kharazmi perdeu-se e muitos autores inventaram até outras
pessoas, como um que citava o ‘Rei Algor’, a quem a origem desses métodos
poderia ser atribuída...
A troca dos numerais adicionais romanos para o sistema posicional dos
hinduárabes foi lenta, durou alguns séculos. Não era fácil para os europeus
entenderem o uso do zero que, enquanto representando o nada em si, podia
magicamente fazer outros dígitos crescerem dramaticamente em valor. A palavra
hindu para o sinal do zero era sunya que, muito apropriadamente, queria dizer

25
vazio ou desocupado. Quando o sistema foi adotado pelos árabes, eles usaram sua
própria palavra para desocupado, que é geralmente escrita como sifr no nosso
alfabeto. Essa palavra árabe foi simplesmente escrita no alfabeto latino ou como
zephirum, de onde veio a nossa palavra zero, ou como cipher, de onde derivou o
antigo verbo inglês to cipher, que significava “fazer aritmética”. Parte do mistério
com que o novo sistema era considerado pode ser observado pelo fato de que a
mesma palavra para a raiz elevou termos que eram envolvidos em mágica e escrita
secreta, como calcular ou decifrar um texto em código. Esse ar de mistério foi
realçado pela atitude de algumas pessoas que, depois que conheciam o algarismo,
acharam que isso era um conhecimento para ser mantido entre um grupo secreto,
e não para ser explicado para pessoas comuns. Essa atitude é ilustrada em várias
figuras do fim da Idade Média, uma das quais mostra duas pessoas fazendo
aritmética, uma usando os métodos antigos do ábaco enquanto o outro,
escondendo seu trabalho do primeiro, estava usando o novo algarismo.
Por volta de 1375 o uso dos numerais hindu-arábicos firmou-se na Europa.
Eles começaram a aparecer em muitos documentos diferentes, embora ainda
existisse uma grande resistência para a adoção dos novos números. Em 1229, a
cidade de Florença proclamou uma lei que proibia o uso dos numerais hindu-
arábicos, pois eram fáceis de serem alterados ou forjados (por exemplo,
transformar um 0 em um 6 ou 9 deveria ser bastante fácil). Os mercadores
desenvolveram vários truques para prevenir esse tipo de coisa com os numerais
romanos; por exemplo, XII era escrito como Xij, então um i extra não poderia ser
adicionado ao fim sem gerar suspeitas e, fazendo o primeiro caracter maiúsculo,
eles evitavam que qualquer um colocasse caracteres à esquerda do número.
Passaria apenas pouco tempo para que se desenvolvessem dispositivos
semelhantes para os novos numerais, mas ainda por volta de 1594 os mercantes da
Antuérpia eram alertados para que não os usassem em contratos ou em ordens de
pagamento bancárias.
Os italianos rapidamente viram a utilidade do novo sistema para propósitos
mercantis e influenciaram toda a Europa para a adoção do sistema de valor
posicional. Algarismos já eram bem difundidos por volta de 1400, mas os
mercadores mais conservadores continuaram utilizando os numerais romanos até
por volta de 1550, e muitos monastérios e faculdades os usaram até o meio do
século XVII. Até mesmo por volta de 1681 encontram-se evidências de que o novo
sistema ainda não tinha sido completamente compreendido. Um livro publicado
naquele ano teve seus capítulos numerados como: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, X, X1, X2,
X3, X4 … XXX, XXX1, 302, 303… XXXX, 401, 402,…
Essa permanência dos métodos antigos de notação foi causado não por falta
de conhecimento sobre o novo, mas pelo medo de que, sem um entendimento
completo do sistema, alguma coisa poderia dar errado. Esse tipo de medo é visto
de vez em quando até hoje, mas dois exemplos do século XVII podem ajudar a
ilustrar o fenômeno. Willian Oughtred, que se encontrará mais a frente neste livro
ao se falar da régua de cálculo, preferia calcular ab + ac a calcular a(b+c) por
causa do medo de que algum tipo de erro poderia acontecer em um sistema
abreviado. Muitas formas diferentes de numerais foram usadas na Europa, alguma
das quais não seriam reconhecidas da maneira que elas são agora. As versões
manuscritas dos antigos trabalhos são particularmente difíceis de se ler porque o
autor e o copista usaram as formas de numerais com que eles eram mais
familiarizados. Livros produzidos em regiões próximas, ou separados por poucos
anos, usaram caracteres diferentes para pelo menos alguns dos numerais. Foi a
invenção da imprensa que os padronizou na forma em que nós os conhecemos
agora, embora até hoje as formas do 5 e do 7 variem ligeiramente entre europeus e

26
americanos. É interessante notar que, apesar do fato de que os europeus
obtiveram o sistema dos árabes, as duas culturas utilizam formas de numerais
notavelmente diferentes hoje. O turista europeu tem constantemente problemas
com o fato de que o círculo é usado nos países árabes como símbolo para o dígito
cinco e algo parecido com um ponto é usado para o símbolo do zero.

4.1.2 Desenvolvimentos iniciais da ciência do cálculo

Pode-se dizer que os primeiros passos em direção aos computadores digitais


foram dados nas antigas civilizações da China, do Egito e da Babilônia, há mais de
quatro milênios, com os sistemas de medidas de distâncias, previsão do curso das
estrelas e tabelas gravadas em tábuas de barro usadas para ajudar cálculos
algébricos. Durante a civilização grega algumas destas pré-ciências tomaram
forma através dos sistemas axiomáticos *. Enquanto isso, é geralmente aceito que
a Álgebra desenvolveu-se em cada civilização passando por sucessivas etapas,
denominadas retórica, sincopada e simbólica †. Um museu em Oxford possui um
cetro egípcio de mais de 5.000 anos, sobre o qual aparecem registros de 120.000
prisioneiros e 1.422.000 cabras capturadas [Boy74]. Apesar do exagero dos
números, fica claro que os egípcios procuravam ser precisos no contar e no medir,
bastando lembrar o alto grau de precisão das pirâmides. Medir as terras para fixar
os limites das propriedades era uma tarefa importante nas civilizações antigas,
especialmente no Egito. Ali, as enchentes anuais do Nilo, inundando as áreas
férteis, derrubavam os marcos fixados no ano anterior, obrigando os proprietários
de terras a refazer os limites de suas área de cultivo. Em algumas ocasiões, a
questão era refazer os limites com base em informações parciais; conhecida a
forma do terreno, tratava-se por exemplo de reconstruir os lados restantes se um
deles se havia preservado. Em outras ocasiões, destruídas por completo as
fronteiras, tratava-se de refazê-las, de modo a remarcar o desejado número de
propriedades, conservando as áreas relativas que possuíam no passado. Os
egípcios tornaram-se hábeis delimitadores de terra e devem ter descoberto e
utilizado inúmeros princípios úteis, relativos às características de linhas, ângulos e
figuras − como por exemplo, o de que a soma de três ângulos de um triângulo é
igual a dois ângulos retos, e o de que a área de um paralelogramo é igual à do
retângulo que possua a mesma base e a mesma altura.

*Em um sistema axiomático parte-se de premissas aceitas como verdadeiras e de regras ditas
válidas, que irão conduzir a sentenças verdadeiras. As conclusões podem ser alcançadas
manipulando-se símbolos de acordo com conjuntos de regras. A Geometria de Euclides é um clássico
exemplo de um procedimento tornado possível por um sistema axiomático.
† “A álgebra retórica é caracterizada pela completa ausência de qualquer símbolo, exceto,
naturalmente, que as próprias palavras estão sendo usadas no seu sentido simbólico. Nos dias de
hoje esta álgebra retórica é usada em sentenças do tipo ‘a soma é independente da ordem dos
termos’, que em símbolos seria designada por ‘a+b = b+a’ ”[Dan54]. A sincopada é a notação
intermediária que antecedeu a simbólica, caracterizada pelo uso de abreviações que foram sendo
contraídas até se tornarem um símbolo [idem].

Provavelmente os egípcios obtiveram esses princípios por intermédio de


raciocínios indutivos, fruto da observação e experimentação: mediam muitos
triângulos e ângulos retos, áreas de muitos paralelogramos e retângulos, e parece
que tais conhecimentos limitaram-se a habilitar os egípcios a resolver problemas
de traçados de limites, de comparação de áreas, de projetos arquitetônicos e de
engenharia de construções. No Egito antigo e na Babilônia existiam calculadores
profissionais chamados escribas pelos egípcios e logísticos pelos gregos. As
primeiras tentativas de invenção de dispositivos mecânicos para ajudar a fazer

27
cálculos datam dessas épocas, como, por exemplo, o ábaco e o mecanismo
Antikythera, sobre os quais se falará mais detidamente no capítulo da Pré-História
Tecnológica.
Os gregos assimilaram os princípios empíricos dos egípcios e deram, a esse
delimitado conhecimento, o nome de Geometria, isto é, medida da terra. Mas
diferentemente daqueles, estudaram a Geometria mais sob seu aspecto teórico,
desejando compreender o assunto por ele mesmo, independentemente de sua
utilidade. Procuraram encontrar demonstrações dedutivas rigorosas das leis
acerca do espaço e mostraram um crescente interesse pelos princípios
geométricos. Pitágoras considerava que, em sua forma pura, a geometria se
aproximava bastante da religião e para ele era o arché, o princípio de tudo,
buscado tão intensamente pelos filósofos cosmológicos[Bar67]. Com a obra
Elementos, de Euclides, reúnem-se e são apresentados de modo sistemático as
principais descobertas geométricas de seus precursores, sendo considerado, até o
século XIX, não somente o livrotexto da Geometria, mas o modelo daquilo que o
pensamento científico deveria ser.
Resumindo, deve-se ver nestes tempos as tentativas de conceituação do
número, o estabelecimento das bases numéricas, o estudo da Álgebra e da
geometria e a busca de uma sistematização do raciocínio, que tanto atraíram os
antigos. Tempos de evolução lenta e, em termos de produção efetiva de
conhecimento matemático, bem abaixo da quantidade e qualidade produzida quase
que exponencialmente a partir do século XV d.C., mas não menos importantes. De
fato, para se compreender a História da Matemática na Europa é necessário
conhecer sua história na Mesopotâmia e no Egito, na Grécia antiga e na civilização
islâmica dos séculos IX a XV.

4.1.3 A Lógica de Aristóteles

Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.) é um filósofo ‘atual’: a ‘questão aristotélica’,


isto é, o que Aristóteles realmente escreveu , o que se deve a ele ou antes, a seus
discípulos, é algo complexo, onde não há acordo definitivo, e provavelmente
segundo alguns nunca haverá, sendo uma questão sobre a qual se continua
escrevendo. Aristóteles passou quase vinte anos na Academia platônica e educou
Alexandre Magno (se Platão estivesse vivo teria visto a realização de seu maior
sonho, o de que os governantes filosofassem). Preocupava-o, como a todos os
gregos, a vida política, a cidade, porém o que mais o interessava era o saber. E foi
sábio em quase todos os domínios: ciências naturais, lógica, física, poética,
astronomia, ética, política, retórica, psicologia, entre outras. Mestre de lógica para
centenas de gerações, aplicouse, sobretudo, em assentar as bases da “ciência que
buscamos”, a “filosofia primeira”, o que depois chamou-se Metafísica. Interessa
neste estudo sobretudo a lógica aristotélica e o seu método axiomático.
A Lógica foi considerada na tradição clássica e medieval como instrumento
indispensável ao pensamento científico. Atualmente é parte importante na
metodologia dedutiva das ciências, além de constituir-se como um saber próprio,
com ligação a relevantes problemas teóricos. Da Lógica Científica nasceu a Lógica
Matemática e, dentro desta, várias filosofias da lógica que interpretam os cálculos
simbólicos e sua sistematização axiomática. Para a História da Computação
interessa abordar em particular a questão do pensamento dedutivo e matemático,
seus limites, o problema da relativa mecanização do pensamento quantitativo e o
problema da Inteligência Artificial. Da discussão e busca da solução desses
problemas, que entram também no campo filosófico, formou-se a base conceitual,

28
teoria da computabilidade, necessária para o advento do computadores.
O início da ciência da Lógica encontra-se na antiga Grécia [Kne68] [Boc66]. As
polêmicas geradas pela teoria de Parmênides e os famosos argumentos de Zenão *,
que negavam a realidade do movimento fazendo um uso indevido do princípio da
nãocontradição, contribuíram para a distinção dos conceitos, para se ver a
necessidade de argumentar com clareza, mediante demonstrações rigorosas, e
assim responder às objeções dos adversários. Mais tarde, as sutilezas dos sofistas,
que reduziam todo o saber à arte de convencer pelas palavras, levaram Sócrates a
defender o valor dos conceitos e tentar defini-los com precisão. Assim a Lógica
como ciência vai se formando pouco a pouco, principalmente com Sócrates e
Platão. Mas Platão pensava que qualquer conteúdo da mente existia tal qual na
realidade e Aristóteles reage ao seu mestre, dizendo que as idéias existem somente
na mente humana, mas correspondendo a realidades.
Com Aristóteles é que se dá o verdadeiro nascimento da Lógica como ciência
das idéias e dos processos da mente. “Até hoje não existe forma alguma concebível
de lógica, por muito distinta que seja da lógica formal, que não tenha algum tipo
de conexão com a obra aristotélica” [Sch31]. Ele foi o primeiro lógico formal da
história, tendo desenvolvido ao menos duas formas distintas de lógica formal,
elaborando algumas de suas partes de maneira praticamente completa e deixando
esboçados outros tipos de lógicas que somente na época atual foram novamente
tratadas †.

*Parmênides (540 a 470 a.C.) negava a existência do movimento (“devir”) e afirmava a


existência de um único ser (panteísmo), tendo enunciado o princípio da não contradição: ‘algo não
pode ser e não ser ao mesmo tempo, sob o mesmo aspecto e no mesmo sujeito’. Seu discípulo Zenão
(490 a 430 a.C.) foi o fundador da dialética e radicalizou a negação do movimento. Este envolveria
um paradoxo: para mudar completamente é preciso antes mudar parcialmente, e assim
infinitamente, o que levaria a concluir que o movimento não existe (paradoxos de Aquiles e a
tartaruga e os pontos de percurso de uma flecha)
† Além do mais interessa o estudo das obras do Filósofo pois tem um especial valor
pedagógico, ao apresentar de maneira unitária a maior parte dos problemas lógicos, contemplados
com o vigor característico que acompanha uma ciência emergente, e mais acessível ao principiante
que muitas apresentações modernas de lógica formal.

Aristóteles escreveu uma série de trabalhos que seriam editados por


Andrônico de Rodes no século I d.C. e que receberam posteriormente o nome de
Organon (“Instrumento”), de acordo com a concepção segundo a qual a Lógica
deveria fornecer os instrumentos mentais necessários para enfrentar qualquer tipo
de investigação. Essa obra compreende os seguintes livros: Categorias, Analíticos
I, Analíticos II, o Peri Hermeneias (ou sobre a interpretação), Tópicos e Refutação
de argumentos sofistas. A grande novidade aristotélica está nos Analíticos, com o
silogismo. Aristóteles chamava a Lógica com o termo “analítica” (e justamente
“Analíticos” são intitulados os escritos fundamentais do Organon). A analítica (do
grego analysis, que significa “resolução”) explica o método pelo qual, partindo de
uma dada conclusão, resolve-se precisamente nos elementos dos quais deriva, isto
é, nas premissas e nos elementos de que brota, e assim fica fundamentada e
justificada.
Aristóteles construiu uma sofisticada teoria dos argumentos, cujo núcleo é a
caracterização e análise dos chamados silogismos, os típicos raciocínios da lógica
aristotélica. O argumento Todo homem é mortal Sócrates é homem Logo Sócrates
é mortal é o exemplo típico do silogismo perfeito. Conforme o próprio Aristóteles,
“o silogismo é um discurso no qual, sendo admitidas algumas coisas, outra coisa
distinta resulta necessariamente dessas coisas afirmadas primeiro, pelo único fato
de que essas existem” [Per88].

29
Figura 4: Aristóteles

Nos Primeiros Analíticos, Aristóteles desenvolveu minuciosamente o sistema


dos silogismos, mostrando os princípios maiores que o sustentam e as regras que
lhe devem moldar a construção. A análise do Filósofo é tão ampla quanto
engenhosa e envolve também as assim chamadas “modalidades” e os silogismos
modais *.
Entre as características mais importantes da silogística aristotélica está a de
se ter pensado pela primeira vez na história da lógica em fazer uso de letras que
poderiam ser usadas para representar uma expressão substantiva qualquer,
fundamental para o desenvolvimento do simbolismo lógico. É também com
Aristóteles que se encontra uma das primeiras tentativas de se estabelecer um
rigor nas demonstrações matemáticas. Ao definir os dois tipos de demonstração,
quia (dos efeitos às causas) e propter quid (das causas aos efeitos), dizia (I Anal.
Post., lect. 14) que as matemáticas utilizam preferencialmente esse modo de
demonstrar, e por isso esta ciência é essencialmente dedutiva: “algumas vezes o
mais conhecido por nós em si mesmo e por natureza é também o mais cognoscível
em si mesmo e por natureza. Assim acontece nas matemáticas, nas quais, devido à
abstração da matéria, não se efetuam demonstrações mais do que a partir dos
princípios formais. E assim as demonstrações procedem desde o mais cognoscível
em si mesmo”.
No entanto, para que haja demonstração, os primeiros princípios devem ser
indemonstráveis, já que, do contrário, se procederia a uma regressão ao infinito. E
como se conhece a verdade dos primeiros princípios? Por indução. “À força de
contemplar a freqüência dos acontecimentos, buscando o universal”. Os primeiros
princípios não são inatos; são adquiridos na experiência, analisando-se as
percepções que contém um elemento universal. No entanto esta ‘indução’ citada
por Aristóteles nada tem a ver com ‘demonstração por indução completa’ ou o
‘método da indução finita’ ou, mais ainda, ‘raciocínio por recorrência’, estabelecido
pelo matemático italiano Giuseppe Peano. Sobre esta temática ver anexo sobre
Dedução e Indução na Matemática.
E no meio de tudo isso emergiu aquela que é considerada uma das mais
definitivas contribuições do Organon: o método axiomático, que recebeu
precisamente no século XX sua maior valoração, ao apresentar-se como o caminho
universal dentro do qual se enquadram todas as ciências dedutivas. Um pouco
mais sobre este assunto é exposto no anexo O método axiomático e as ciências
dedutivas.

4.1.4 A contribuição dos megáricos e estóicos

Embora Aristóteles seja o mais brilhante e influente filósofo grego, outra


importante tradição argumentativa formou-se na antiga Grécia, com os megáricos

30
e estóicos. Pouco conservada pela tradição, merece um melhor tratamento dos
historiadores, porque o que deles se conhece sugere que esses gregos eram
altamente inteligentes.
Os megáricos (em função de sua cidade, Mégara) interessaram-se por certos
enigmas lógicos como o conhecido “paradoxo do mentiroso”: quem diz “O que eu
afirmo agora é falso”, enuncia algo verdadeiro ou falso? Um deles, Diodoro Cronus,
que morreu por volta de 307 a.C., formulou interessante concepção modal,
relacionando possibilidade, tempo e verdade, enquanto outro megárico, de nome
Fílon, estudou proposições do tipo “Se chove então a rua está molhada”,
construída com o auxílio das expressões “se..., então...” conhecidas como
condicionais. Ele as definiu em termos extremamente polêmicos, mas que seriam
assumidos como corretos, vinte e três séculos mais tarde pelos fundadores da
Lógica Contemporânea.

*Modalidades são as expressões do tipo “é possível que...”, “é necessário que...”.

Os estóicos (da chamada escola filosófica de “Stoa”, que quer dizer “pórtico”)
desenvolveram também notáveis teorias lógicas. Tinham bastante presente a
diferença que há entre um código de comunicação específico, de um lado, e o que
se pode expressar através do uso de tal código. Assim sendo, um conceito de
“proposição” análogo ao usado na atual Lógica, já estava presente, de modo
virtual, na filosofia estóica da linguagem.
Porém a mais notável contribuição estóica à Lógica foi obra de Crísipo de
Soles (280-206 a.C.), homem de vasta produção poligráfica (750 livros). Ele
estudou as sentenças condicionais e também as disjuntivas (regidas pela partícula
“ou”) e as copulativas (regidas pelo “e”), tendo também reconhecido claramente o
papel lógico desempenhado pela negação. Além disto, Crísipo foi capaz de
relacionar tais idéias com as modalidades, elaborando, então, um sistema de
princípios lógicos que, no seu campo específico, foi muito além dos poucos
resultados obtidos por Aristóteles e seu discípulo Teofrasto. Por tal razão, Crísipo é
reconhecido como o grande precursor daquilo que hoje se chama “Cálculo
Proposicional”, o primeiro capítulo da Lógica desenvolvida a partir do último
quarto do século XIX [Bri79b].

4.1.5 Euclides e o Método Axiomático

Figura 5: Representação de Euclides

Com sua obra Elementos, o matemático grego Euclides (330 a.C. - 277 a.C.)
deu uma forma sistemática ao saber geométrico, implementando as idéias sobre
axiomatização, de Aristóteles, para uma ciência exata. No primeiro livro dos
Elementos, ele enuncia vinte e três definições, cinco postulados e algumas noções
comuns ou axiomas *. Em seguida ele deduz proposições ou teoremas, os quais
constituem o saber geométrico, como por exemplo: “se em um triângulo dois

31
ângulos são iguais entre si, também os lados opostos a esses ângulos são iguais
entre si”. Postulados, axiomas e definições constituem os pontos de partida para as
demonstrações de Euclides. Seu objetivo é mostrar todos os outros princípios
geométricos − primeiro os da Geometria Plana e depois os da Geometria Espacial
−, revelando que são decorrências necessárias dos princípios fundamentais.
Quais são os traços característicos das técnicas adotadas por Euclides? Em
primeiro lugar ele enuncia as sua leis em forma universal: não se detém em
determinada figura ou linha, mas examina as propriedade que todas as figuras e
todas as linhas de tal ou qual tipo devem ter. Formula tais leis de maneira rigorosa
e absoluta e, mais ainda, demonstra-as. Seu livro, na verdade, consiste em
demonstrações colocadas de maneira sistemática, não indutiva, mas dedutiva, por
meio das quais procura estabelecer as suas conclusões com o rigor da lógica.
Euclides visava aperfeiçoar o conhecimento acerca de pontos, linhas e figuras,
tornando mais rigorosas as demonstrações de leis já conhecidas, e procurava
aumentar esse conhecimento, demonstrando leis novas, até então desconhecidas.
Mas talvez não se esgotasse aí a motivação − ou pelo menos as conseqüências −
do que elaborou o geômetra. A colocação de axiomas e teoremas em forma
dedutiva deu à Geometria uma apresentação mais elegante e transparente,
tornando facilmente perceptíveis as interessantes conexões lógicas ali
introduzidas. A axiomatização do saber Geométrico abriu um sem fim de
perspectivas para os estudiosos das ciências exatas, que adotam as exposições
axiomáticas − e buscam axiomatizações mais elegantes e econômicas − não só
para dar rigor às suas demonstrações, mas descobrir novas conexões lógicas.
Esse é portanto o modo como Euclides ordena o conhecimento geométrico no
chamado sistema euclidiano. Durante séculos esse sistema valeu como modelo
insuperável do saber dedutivo: os termos da teoria são introduzidos depois de
terem sido definidos e as proposições não são aceitas se não forem demonstradas.
Euclides escolhia as proposições primitivas, base da cadeia sobre a qual se
desenvolvem as deduções sucessivas, de tal modo que ninguém pudesse levantar
dúvidas sobre a sua veracidade: eram auto-evidentes, portanto isentas de
demonstração. Leibniz afirmaria mais tarde que os gregos raciocinavam com toda
a exatidão possível em matemática e deixaram à humanidade modelos de arte
demonstrativa ([RA91], volume III).
Em resumo, Euclides, como já fizera Aristóteles, buscou o ideal de uma
organização axiomática, que em última instância se reduz à escolha de um
pequeno número de proposições em princípio aceitas naquele domínio do
conhecimento, e à posterior dedução de todas as outras proposições verdadeiras
desse domínio, a partir delas. Surge com Euclides e Aristóteles (estará plenamente
desenvolvida no início do século XX com a escola formalista de Hilbert) a busca de
uma economia do pensamento (um bom texto sobre o assunto pode ser encontrado
em [Wil65]). A História da Computação tem um marco significativo nesse ponto da
História: o começo da busca da automatização do raciocínio e do cálculo.

*As definições pretendem substancialmente explicitar os conceitos da geometria (“ponto é


aquilo que não tem partes”; “linha é comprimento sem largura”, etc.). Os postulados representam
verdades indubitáveis típicas do saber geométrico (“pode-se levar uma reta de qualquer ponto a
qualquer ponto”; “todos os ângulos retos são iguais”; etc.). Os axiomas são verdades que valem
universalmente, não só na geometria (“o todo é maior que a parte”; “coisas que são iguais a uma
mesma coisa são iguais entre si”, etc.).

Mas havia um problema no sistema de Euclides: suas “evidências” não eram


assim tão evidentes. O seu quinto postulado não convenceu de modo algum, e
despertou perplexidade na história do próprio pensamento grego, depois no árabe

32
e no renascentista. No século XIX, Karl Friedrich Gauss (1777-1855) viu com toda
a clareza a não demonstrabilidade do quinto postulado e a possibilidade da
construção de sistemas geométricos não euclidianos. Janos Boulay (1802-1860),
húngaro, e Nicolai Ivanovic Lobacewskiy (1793-1856), russo, trabalhando
independentemente, elaboraram uma geometria na qual o postulado da paralela
não vale mais.
A conseqüência desses fatos foi a eliminação dos poderes da intuição na
fundamentação e elaboração de uma teoria geométrica: os axiomas não são mais
“verdades evidentes” que garantem a “fundação” do sistema geométrico, mas
puros e simples pontos de partida, escolhidos convencionalmente para realizar
uma construção dedutiva. Mas, se os axiomas são puros pontos de partida, quem
garantirá que, continuando-se a deduzir teoremas, não se cairá em contradição?
Esta questão crucial dos fundamentos da matemática levará aos grandes
estudos dos finais do século XIX e inícios do XX e será o ponto de partida do
projeto formalista de David Hilbert, assim como de outras tentativas de se
fundamentar a matemática na lógica e na teoria dos conjuntos, como as propostas
por Frege, Russell e Cantor. E será dessa seqüência de sucessos e fracassos que se
produzirá a base da Computação, com Turing, von Neumann, Post, Church, e
outros mais.

4.1.6 Diophantus, al-Kharazmi e o desenvolvimento da


Álgebra

O seguinte problema no Rhind Papyrus *, do Museu britânico em Londres, foi


escrito por volta do ano 1650 a.C.:
Divida 100 pães entre 10 homens, incluindo um
barqueiro, um capataz e um vigia, os quais recebem
uma dupla porção cada. Quanto cabe a cada um? [Bow94]

Isto naturalmente pode ser resolvido usando-se Álgebra. O primeiro tratado


de Álgebra foi escrito pelo grego Diophantus (200 - 284), da cidade de Alexandria,
por volta do ano 250. O seu Arithmetica, composto originalmente por 13 livros dos
quais somente 6 se preservaram, era um tratado “caracterizado por um alto grau
de habilidade matemática e de engenho: quanto a isto, o livro pode ser comparado
aos grandes clássicos da idade alexandrina anterior” [Boy74]. Antes de
Diophantus, toda a‘álgebra’ que havia, incluindo problemas, operações, lógica e
solução, era expressada sem simbolismo − palavra chave sobre a qual ainda se
voltará a falar −; ele foi o primeiro a introduzir o simbolismo na matemática grega.
Para uma quantidade desconhecida usava um símbolo (chamado arithmos), que
caracterizava um número indefinido de unidades. Pela ênfase dada em seu tratado
à solução de problemas indeterminados, tal tratado tornou-se conhecido como
análise diofantina, que em geral faz parte da disciplina de Teoria dos Números *.
Seu trabalho, contudo, não é suficiente para lhe conferir o título de pai da Álgebra
†.

*Juntamente com o papiro de Moscou é uma das principais fontes de informação relativa às formas de
notação e operações aritméticas em uso durante a primeira época da civilização egípcia

Mas é com os persas e principalmente com os árabes que a Álgebra poderá


ser efetivamente chamada de ciência. É interessante notar que ao se falar que a
Geometria é uma ciência grega ou que a Álgebra é uma ciência árabe, está se

33
afirmando algo mais do que a “casualidade” de terem sido gregos ou árabes seus
fundadores ou promotores. Ordinariamente tendemos a pensar que o
conhecimento científico independe de latitudes e culturas: uma fórmula química ou
um teorema de Geometria são os mesmos em inglês ou português ou chinês e,
sendo a comunicação, à primeira vista, o único problema, bastaria uma boa
tradução dos termos próprios de cada disciplina. Mas não é assim.
Na verdade a evolução da ciência está repleta de interferências histórico-
culturais, condicionando metodologias, o surgimento de novas áreas do saber, e
assim por diante. Os juristas árabes referem-se à Álgebra como “o cálculo da
herança”, segundo a lei corânica, uma problemática importante dentro do Islam, e
aí já temos um exemplo de condicionamento histórico-cultural. Não foi por mero
acaso que a Álgebra surgiu no califado abássida (“ao contrário dos Omíadas, os
Abássidas pretendem aplicar rigorosamente a lei religiosa à vida cotidiana”
[AG81]), no seio da “Casa da Sabedoria” (Bayt al-Hikma) de Bagdá, promovida pelo
califa Al-Ma’amun; uma ciência nascida em língua árabe e antagônica da ciência
grega. Embora hoje a Álgebra possa parecer objetiva e axiomática, com uma
sintaxe de estruturas operatórias e destituída de qualquer alcance semântico, ela é
o resultado da evolução da velha al’jabr, “forjada por um contexto cultural em que
não são alheios elementos que vão desde as estruturas gramaticais do árabe à
teologia muçulmana da época” [Lau97].
Muhammad Ibn Musa Al-Khwarizmi (780 - 850), matemático e astrônomo
persa, foi membro da “Casa da Sabedoria”, a importante academia científica de
Bagdá, que alcançou seu resplendor com Al-Ma’amun (califa de 813 a 833). A ele,
Al-Khwarizmi dedicou seu AlKitab al-muhtasar fy hisab al-jabr wa al-muqabalah
(“Livro breve para o cálculo da jabr e da muqabalah”). Al-jabr, que significa força
que obriga, restabelecer ‡, precisamente porque a Álgebra é “forçar cada termo a
ocupar seu devido lugar”. Já no começo do seu Kitab, Al-Khwarizmi distingue seis
formas de equação, às quais toda equação pode ser reduzida (e, canonicamente
resolvida). Na notação atual:

*Neste sentido foi o matemático grego que maior influência teve sobre a moderna teoria dos
números. Em particular Fermat foi levado ao seu ‘último’ teorema quando procurou generalizar um
problema que tinha lido na Arithmetica de Diophantus: dividir um dado quadrado em dois
quadrados (ver F.E. Robbins, P.Mich. 620: A Series of Arithmetical Problems, Classical Philology, pg
321-329, EUA, 1929).
†Apenas sob certo aspecto isto se justificaria. Em uma visão um tanto arbitrária e simplista
poderíamos dividir o desenvolvimento da álgebra em 3 estádios: (1) primitivo, onde tudo é escrito
em palavras; (2) intermediário, em que são adotadas algumas simplificações; (3) simbólico ou final.
Neste contexto, Arithmetica deve ser colocada na segunda categoria.
‡Restabelecer, por algo no seu devido lugar, restabelecer uma normalidade. Como observa
[Lau97] a palavra tajbir significa ortopedia e jibarath significa redução, no sentido médico (por o
osso no devido lugar) e na Espanha, no tempo em que os barbeiros acumulavam funções, podia-se
ver a placa “Algebrista e Sangrador” em barbearias.

1. ax2 = bx
2. ax2 = c
3. ax = c
4. ax2 + bx = c
5. ax2 + x = ax2
6. bx + c = ax2

Al-jabr é a operação que soma um mesmo fator (afetado do sinal +) a ambos


os membros de uma equação, para eliminar um fator afetado pelo sinal -. Já a
operação que elimina termos iguais de ambos os lados da equação é al-muqabalah

34
que significa estar de frente, cara a cara, confrontar. Por exemplo: em um
problema onde os dados podem ser colocados sob a forma 2x2 + 100 – 20x = 58,
Al-Khwarizmi procede do seguinte modo:

2x2 + 100 = 58 + 20x (por al-jabr)


Divide por 2 e reduz os termos semelhantes:
x2 + 21 = 10 x (por al-muqabalah)
E o problema já está canonicamente equacionado.

Figura 6: Representação de Al-Kharazmi

Al-Kharazmi introduziu a escrita dos cálculos no lugar do uso do ábaco. De seu


nome derivaram as palavras, como já citado acima na história do desenvolvimento
do conceito de número, algarismo e algoritmo *[Kar61].
Embora não muito visível ainda, deve-se chamar a atenção para essa
disciplina da Álgebra, que deve ser colocada entre as ciências que fundamentaram
o desenvolvimento da Computação. Pois o computador e todos os instrumentos que
o precederam (réguas de cálculo, máquina de Pascal, a calculadora de Leibniz, a
máquina analítica de Babbage, etc.) são somente as manifestações práticas que
foram surgindo, com naturalidade, em resultado da busca pelo homem de reduzir
os problemas a expressões matemáticas, resolvendo-as segundo regras. E isto, há
muitos séculos, já tinha tomado o nome de Álgebra, a “arte dos raciocínios
perfeitos” como dizia Bhaskara, o conhecido matemático hindu do século XII. Com
os árabes, depois de relativo obscurecimento da cultura grega, dá-se continuidade
ao processo que proporcionará as bases fundamentais para o raciocínio
automatizado, fundamental na Ciência da Computação.

*A palavra algoritmo na matemática designa um procedimento geral de cálculo, que se


desenvolve, por assim dizer, automaticamente, poupando-nos esforço mental durante o seu curso;
este termo será depurado e aproveitado dentro da Computação. Dele se tornará a falar mais à frente

4.1.7 A automatização do raciocínio

Ainda dentro do período acima estabelecido (4.200 a.C. até meados do ano
1600 d.C) iniciou-se concretização de uma antiga meta: a idéia de se reduzir todo
raciocínio a um processo mecânico, baseado em algum tipo de cálculo formal. Isto
remonta a Raimundo Lúlio. Embora negligenciado pela ciência moderna,
Raimundo Lúlio (1235 - 1316), espanhol, figura pletórica de seu tempo, em seu
trabalho Ars Magna (1305 - 1308), apresentou a primeira tentativa de um
procedimento mecânico para produzir sentenças logicamente corretas [Her69].
Lúlio acreditava que tinha encontrado um método que permitia, entre outras
coisas, tirar todo tipo de conclusões, mediante um sistema de anéis circulares
dispostos concentricamente, de diferentes tamanhos e graduáveis entre si, com

35
letras em suas bordas. Invenção única, tentará cobrir e gerar, representando com
letras − que seriam categorias do conhecimento −, todo o saber humano,
sistematizado em uma gramática lógica.

Figura 7: Desenho de Raimundo Lúlio

Conforme Hegel: “A tendência fundamental da ‘arte’ de Raimundo Lúlio


consistia em enumerar e ordenar todas as determinações conceituais a que era
possível reduzir todos os objetos, as categorias puras com referência às quais
podiam ser determinados, para, desse modo, poder assinalar facilmente, com
respeito a cada objeto, os conceitos a ele aplicáveis. Raimundo Lúlio é, pois, um
pensador sistemático, ainda que ao mesmo tempo mecânico. Deixou traçada uma
tabela em círculos nos quais se acham inscritos triângulos cortados por outros
círculos. Dentro desses círculos, ordenava as determinações conceituais, com
pretensões exaustivas; uma parte dos círculos é imóvel, a outra tem movimento.
Vemos, com efeito, seis círculos, dois dos quais indicam os sujeitos, três os
predicados e o sexto as possíveis perguntas. Dedica nove determinações a classe,
designando-as com as nove letras B C D E F G H I K. Obtém, desse modo, nove
predicados absolutos, que aparecem escritos ao redor de seu quadro: a bondade, a
magnitude, a duração, o poder, a sabedoria, a vontade, a virtude, a verdade, a
magnificência; em seguida, vêm nove predicados relativos: a diferença, a
unanimidade, a contraposição, o princípio, a metade, o fim, o ser maior, o ser igual
e o ser menor; em terceiro lugar, temos as perguntas: sim?, quê?, de onde?, por
quê?, quão grande?, de que qualidade?, quando?, de onde?, como e com quê?, a
última das quais encerra duas determinações; em quarto lugar, aparecem nove
substâncias (esse), a saber: Deus (divinum), os anjos (angelicum), o céu (coeleste),
o homem (humanum), Imaginativum, Sensitivum, Vegetativum, Elementativum; em
quinto lugar, nove acidentes, quer dizer, nove critérios naturais: a quantidade, a
qualidade, a relação, a atividade, a paixão, o ter, a situação, o tempo e o lugar; por
último, nove critérios morais, que são as virtudes: a justiça, a prudência, a
valentia, a temperança, a fé, a esperança, o amor, a paciência e a piedade, e nove
vícios: a inveja, a cólera, a inconstância, a avareza, a mentira, a gula, a devassidão,
o orgulho e a preguiça (acedia). Todos esses círculos tinham de ser colocados
necessariamente de determinado modo para poder dar como resultado as
combinações desejadas. Conforme as regras de colocação, segundo as quais todas
as substâncias recebem os predicados absolutos e relativos adequados a estes,
deviam ser esgotados a ciência geral, a verdade e o conhecimento de todos os
objetos concretos.” [Roc81].
Os procedimentos estabelecidos por Lúlio não foram muito válidos. Mas o
mais importante em Lúlio é a idéia concebida, genial sob certo aspecto. Tanto que
seu trabalho influenciará muitos matemáticos famosos, do nível de um Cardano
(século XVI), Descartes (século XVII), Leibniz (séculos XVII/XVIII), Cantor (séculos
XIX/XX), entre outros. Raimundo Lúlio é considerado o precursor da análise
combinatória. Como dirá R. Blanché: “encontramos em Lúlio, pelos menos em
germe e por mais que ele não soubesse tirar partido disso por inabilidade, duas
idéias que iriam se tornar predominantes nas obras de Lógica, primeiro em Leibniz

36
e depois em nossos contemporâneos: as idéias de característica e de cálculo (...).
Com a ajuda desse simbolismo, tais autores pretendem permitir que as operações
mentais, freqüentemente incertas, fossem substituídas pela segurança de
operações quase mecânicas, propostas de uma vez por todas” ([RA91], volume III).
Pode-se ver em Raimundo Lúlio os primórdios do desenvolvimento da Lógica
Matemática, isto é, de um novo tratamento da ciência da Lógica: o procurar dar-
lhe uma forma matemática. O interesse deste trabalho é caracterizar a Lógica
Matemática, sem aprofundar nas discussões filosóficas − ainda em aberto − sobre
os conceitos “lógica matemática” e “lógica simbólica”, se é uma lógica distinta da
ciência matemática ou não, pois sem dúvida alguma a Computação emergirá
dentro de um contexto da evolução deste novo tratamento da lógica.
A Lógica Matemática ergue-se a partir de duas idéias metodológicas
essencialmente diferentes. Por um lado é um cálculo, daí sua conexão com a
matemática. Por outro lado, caracteriza-se também pela idéia de uma
demonstração exata e, nesse sentido, não é uma imitação da matemática nem esta
lhe serve de modelo, mas pelo contrário, à Lógica caberá investigar os
fundamentos da matemática com métodos precisos e oferecer-lhe o instrumento
para uma demonstração rigorosa.
A palavra Álgebra voltará a aparecer com o inglês Robert Recorde(1510?-
1558), em sua obra Pathway of Knowledge(1551), que introduz o sinal de ‘=’ e
divulga os símbolos ‘+’ e ‘−‘, introduzidos por John Widmann (Arithmetica, Leipzig,
1489). Thomas Harriot(1560-1621) prosseguirá o trabalho de Recorde, inventando
os sinais ‘>’ e ‘<’. Willian Oughtred(15741621), inventor da régua de cálculo
baseada nos logaritmos de Napier, divulgou o uso do sinal ‘×’, tendo introduzido os
termos seno, coseno e tangente. Em 1659 J.H. Rahn usou o sinal ‘÷’. Todos esses
matemáticos ajudaram a dar à Álgebra sua forma mais moderna.

Figura 8: Figuras
representando
mecanismo elaborado por Lúlio para
automatizar o raciocínio

4.2 A mecanização do cálculo

Se é aceito o ponto de vista de estudiosos como Needham [Nee59], a data de


1600 pode ser vista como um bom divisor de águas dentro da história da ciência
em geral. Vale a pena lembrar que o estudo da matemática no tempo anterior a
essa data, na Europa, não havia avançado substancialmente em relação ao mundo
árabe, hindu ou chinês.

37
A álgebra árabe fora perfeitamente dominada e tinha sido aperfeiçoada, e a
trigonometria se tornara uma disciplina independente [Boy74]. O casamento de
ambas pela aplicação dos métodos algébricos no terreno da geometria foi o grande
passo e Galileu (1564 - 1642) aí tem um papel preponderante. Ele uniu o
experimental ao matemático, dando início à ciência moderna. Galileu dá uma
contribuição decisiva a uma formulação matemática das ciências físicas. A partir
de então, em resultado desse encontro da matemática com a física, a ciência tomou
um novo rumo, a um passo mais rápido, e rapidamente as descobertas de Newton
(1643 -1727) sucedem às de Galileu.
Trata-se de um período de transição por excelência, que preparou o caminho
para uma nova matemática: não já uma coleção de truques, como Diophantus
possuíra, mas uma forma de raciocinar, com uma notação clara. É o começo do
desenvolvimento da idéia de formalismo na Matemática, tão importante depois
para a fundamentação teórica da Computação *.

4.2.1 Leibniz, o precursor da Lógica Matemática moderna

A Lógica Moderna começou no século XVII com o filósofo e matemático


alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646 - 1716). Seus estudos influenciaram, 200
anos mais tarde, vários ramos da Lógica Matemática moderna e outras áreas
relacionadas, como por exemplo a Cibernética (Norbert Wiener dizia que “se fosse
escolher na História da Ciência um patrono para a Cibernética, elegeria Leibniz”
[Wie70]).
Entre outras coisas, Leibniz queria dotar a Metafísica (aquela parte da
Filosofia que estuda o “ser” em si) de um instrumento suficientemente poderoso
que a permitisse alcançar o mesmo grau de rigor que tinha alcançado a
Matemática. Parecia-lhe que o problema das interrogações e polêmicas não
resolvidas nas discussões filosóficas, assim como a insegurança dos resultados,
eram fundamentalmente imputáveis à ambigüidade dos termos e dos processos
conclusivos da linguagem ordinária. Leibniz tentaria elaborar sua nova lógica
precisamente como projeto de criação de uma lógica simbólica e de caráter
completamente calculístico, análogos aos procedimentos matemáticos.
Historicamente falando, tal idéia já vinha sendo amadurecida, depois dos
rápidos desenvolvimentos da Matemática nos séculos XVI e XVII, possibilitados
pela introdução do simbolismo. Os algebristas italianos do século XVI já tinham
encontrado a fórmula geral para a resolução das equações de terceiro e quarto
graus, oferecendo à Matemática um método geral que tinha sido exaustivamente
buscado pelos antigos e pelos árabes medievais. Descartes e Fermat criaram a
geometria analítica, e, depois de iniciado por Galileu, o cálculo infinitesimal
desenvolveu-se com grande rapidez, graças a Newton e ao próprio Leibniz. Ou
seja, as matemáticas romperam uma tradição multissecular que as havia encerrado
no âmbito da geometria, e estava se construindo um simbolismo cada vez mais
fácil de manejar e seguro, capaz de funcionar de uma maneira, por assim dizer,
mecânica e automática, sujeito a operações que, no fundo, não eram mais do que
regras para manipulação de símbolos, sem necessidade de fazer uma contínua
referência a conteúdos geométricos intuitivos.

*Lembrando algo que já foi dito, é importante ressaltar que desde suas origens aristotélicas a
lógica havia assumido claramente alguns recursos fundamentais, como a estrutura formal, o
emprego de certo grau de simbolismo, a sistematização axiomática e o identificar-se com a tarefa de
determinar as “leis” do discurso (tomando, por exemplo, a linguagem como tema de estudo),
características que foram assumidas pela Lógica Moderna.

38
Figura 9: Leibniz

Leibniz deu-se conta de tudo isto e concebeu, também para a dedução lógica,
uma desvinculação análoga com respeito ao conteúdo semântico das proposições,
a qual além de aliviar o processo de inferência do esforço de manter presente o
significado e as condições de verdade da argumentação, pusesse a dedução a salvo
da fácil influência que sobre ela pode exercer o aspecto material das proposições.
Deste modo coube a ele a descoberta da verdadeira natureza do “cálculo” em
geral, além de aproveitar pela primeira vez a oportunidade de reduzir as regras da
dedução lógica a meras regras de cálculo, isto é, a regras cuja aplicação possa
prescindir da consideração do conteúdo semântico das expressões.
Leibniz influenciou seus contemporâneos e sucessores através de seu
ambicioso programa para a Lógica. Esse programa visava criar uma linguagem
universal baseada em um alfabeto do pensamento ou characteristica universalis,
uma espécie de cálculo universal para o raciocínio.

Figura 10: Blaise Pascal

Na visão de Leibniz a linguagem universal deveria ser como a Álgebra ou


como uma versão dos ideogramas chineses: uma coleção de sinais básicos que
padronizassem noções simples não analíticas. Noções mais complexas teriam seu
significado através de construções apropriadas envolvendo sinais básicos, que
iriam assim refletir a estrutura das noções complexas e, na análise final, a
realidade. O uso de numerais para representar noções não analíticas poderia
tornar possível que as verdades de qualquer ciência pudessem ser “calculadas” por
operações aritméticas, desde que formuladas na referida linguagem universal
([Bri79a], volume XI). Com isso se poderia substituir o genérico dialoguemos por
um mais exato calculemos. Conforme o próprio Leibniz, “Quando orietur
controversiae, non magis disputatione opus erit inter duo philosophos, quam inter
duo computistas. Sufficet enin calamos in manus sumere, sedereque ad ábacos et
sib mutuo (accito si placet amico) dicere: calculemus” *. As discussões não seriam,
assim, disputas controvertidas, de resultado duvidoso e final não concluído, mas
sim formas de cálculo que estabelecessem a maior ou menor verdade de uma
proposição.
Essa idéia de Leibniz sustentava-se em dois conceitos intimamente
relacionados: o de um simbolismo universal e o de um cálculo de raciocínio (isto é,
um método quase mecânico de raciocínio) †. Isso, para a História da Computação,
tem um particular interesse, pois esse calculus ratiocinator de Leibniz contém o

39
embrião da machina ratiocinatrix, a máquina de raciocinar buscada por Turing e
depois pelos pesquisadores dentro do campo da Inteligência Artificial. Leibniz,
assim como Boole, Turing, e outros – basta lembrar o ábaco, o 'computador' de
Babbage, etc. –, perceberam a possibilidade da mecanização do cálculo aritmético.
O próprio Leibniz, e Pascal um pouco antes, procuraram construir uma máquina de
calcular. Nota-se portanto que o mesmo impulso intelectual que o levou ao
desenvolvimento da Lógica Matemática o conduziu à busca da mecanização dos
processos de raciocínio.

*Quando aparecer uma controvérsia, já não haverá necessidade de uma disputa entre dois
filósofos mais do que a que há entre dois calculistas. Bastará, com efeito, tomar a pena na mão,
sentar-se à mesa (ad abacus) e (ao convite de um amigo, caso se deseje), dizer um ao outro:
Calculemos!” [Boc66]
†Deve-se observar que destas conceituações descenderam a notação da matemática e da lógica
do século XX.

Interessa também chamar a atenção sobre a idéia de uma linguagem artificial


que já aparece em Leibniz. Como já foi dito, ele captou muito bem as inúmeras
ambigüidades a que estão submetidas as linguagens de comunicação ordinárias e
as vantagens que apresentam os símbolos (que ele chamava notae) da Aritmética e
Álgebra, ciências nas quais a dedução consiste no emprego de caracteres. Ao
querer dar à Lógica uma linguagem livre de ambigüidades e ao procurar associar a
cada idéia um sinal e obter a solução de todos os problemas mediante a
combinação desses sinais, Leibniz acabou provocando um novo desenvolvimento
da própria lógica.

Figura 11: Máquinas calculadoras de Leibniz e Pascal

A idéia de uma linguagem artificial ou a redução do raciocínio ao cálculo,


como já visto em Lúlio e agora em Leibniz, não é, portanto, patrimônio do século
XX. A contribuição de Leibniz ao desenvolvimento da lógica aparece sob dois
aspectos: ele aplicou com sucesso métodos matemáticos para a interpretação dos
silogismos aristotélicos, e apontou aquelas partes da Álgebra que estão abertas a
uma interpretação não aritmética ([Bri79a], volume XI). Pela primeira vez se expôs
de uma maneira clara o princípio do procedimento formal. Leibniz tornou-se assim
o grande precursor da Lógica Matemática.
Talvez se pudesse perguntar como é possível que muitos apresentem a Lógica
Simbólica como fruto do nosso tempo, enquanto teve sua origem na segunda
metade do século XVII. É que, na realidade, a contribuição de Leibniz ficou
substancialmente reduzida a um mero programa, do qual só executou alguns
fragmentos, muito parciais se bem que muito interessantes também, capazes de
nos dar uma idéia de como concebia sua obra. Nem sequer seus seguidores diretos
levaram para a frente a construção do cálculo lógico mais além de um nível muito
rudimentar. Provavelmente a excessiva magnitude do plano de sua characteritica
universalis o tenha seduzido, afastando Leibniz de objetivos mais modestos porém
alcançáveis, como o de construir o primeiro cálculo lógico autêntico.

40
Ainda dentro desses primeiros passos mais concretos em direção à construção
de um dispositivo para cálculo automático, não se pode deixar de falar do ilustre
francês Blaise Pascal (1623-1662), já acima citado, que foi matemático, físico,
filósofo e brilhante escritor de religião, fundador da teoria moderna das
probabilidades. Aos 17 anos já publicava ensaios de matemática que
impressionaram a comunidade do seu tempo. Antecedendo a Leibniz, montou a
primeira máquina de cálculo digital para ajudar nos negócios do pai em 1642. Iria
produzir ainda outras 49 máquinas a partir deste primeiro modelo. Estudos
posteriores em geometria, hidrodinâmica, hidrostática e pressão atmosférica o
levaram a inventar a seringa e prensa hidráulica e descobrir as famosas Leis de
Pressão de Pascal. Após intensa experiência mística, entrou em 1654 para o
convento de Port-Royal, onde escreveu pequenos opúsculos místicos. Os últimos
anos de sua vida foram dedicados à pesquisa científica [Wil97].

4.2.2 O problema da notação

O símbolo não é uma mera formalidade, é a verdadeira essência da álgebra. Sem o símbolo, o
objeto é somente uma percepção humana e reflete todas as fases sob as quais os sentidos humanos
o captam; substituído por um símbolo o objeto torna-se uma completa abstração, um mero operando
sujeito a determinadas operações específicas. Tobias Dantzig

Nas ciências, as descobertas que podem ser compreendidas e assimiladas


rapidamente por outros são fonte de progresso imediato. E na Matemática, o
conceito de notação está relacionado com isso. Basta lembrar os algarismos
romanos e pensar na complexidade que envolve, por exemplo a multiplicação, de
MLXXXIV por MMLLLXIX.
Há uma forte analogia entre a história da Álgebra e a da Aritmética. No caso
desta última, os homens esforçaram-se durante centenas de anos usando uma
numeração inadequada, devido à ausência de um símbolo para o ‘nada’ (zero). Na
Álgebra, a ausência de uma notação reduziu-a a uma coleção de regras fortuitas
para a solução de equações numéricas. A descoberta do zero criou a Aritmética
que é hoje ensinada e utilizada, e o mesmo se pode dizer em relação à notação,
que acabou por introduzir uma nova etapa na história da Álgebra.
As letras liberaram a Álgebra da dependência do uso de palavras, sujeitas às
ambigüidades e diferentes interpretações a que está sujeito o discurso de uma
linguagem natural (português, inglês, e outras). Mais ainda: a letra ficou livre dos
tabus que a associavam à palavra. Ela é agora um símbolo cujo significado pode
transcender o objeto simbolizado. O ‘x’ de uma equação tem existência própria,
independente do objeto que represente.
Importante também é o fato de se poder operar com letras e transformar
expressões algébricas com literais, mudando um sentença qualquer para
diferentes formas com sentido equivalente. A Álgebra não se torna somente uma
maneira mais econômica de se escrever, mas generaliza procedimentos. Por
exemplo: expressões tais como 2x + 3, 3x – 5, x2 + 4x +7 tinham antes uma
individualidade própria, eram fechadas em si mesmas através das palavras com
que eram expressas. Sua resolução dependia de uma apropriada interpretação e
manipulação. Com a notação através de literais é possível passar de um individual
para um coletivo. A forma linear ax+b, a forma quadrática ax2+bx+c são agora
espécies, ‘moldes’ específicos, e graças a isso foi possível o nascimento da teoria
geral das funções que é a base de toda matemática aplicada [Dan54].
A notação de Leibniz usada para o cálculo contribuiu mais do que a de
Newton para a difusão das novas idéias sobre integrais *, na época. Pense-se por

41
um momento como se resolve ax = b. Imediatamente pode ser dado como resposta
que x = b/a e haveria surpresa se alguém respondesse a = b/x. É que normalmente
se usam as últimas letras do alfabeto para representar as incógnitas e as do
começo para representar as quantidades conhecidas. Mas isso não foi sempre
assim, e somente no século XVII, a partir de Viète e com Descartes, tais
convenções começaram a ser usadas [Boy74].
Geralmente tende-se a apreciar o passado desde o sofisticado posto de
observação do tempo atual. É necessário valorizar e revalorizar este difícil e longo
passado de pequenas e grandes descobertas. Leibniz, em seu esforço no sentido de
reduzir as discussões lógicas a uma forma sistemática que pudesse ser universal,
aproximou-se da Lógica Simbólica formal: símbolos ou ideogramas deveriam ser
introduzidos para representar um pequeno número de conceitos fundamentais
necessários ao pensamento. As idéias compostas deveriam ser formadas a partir
desses “alfabetos” do pensamento humano, do mesmo modo como as fórmulas são
desenvolvidas na Matemática [Boy74]. Isso o levou, entre outras coisas, a pensar
em um sistema binário para a Aritmética e a demonstrar a vantagem de tal sistema
sobre o decimal para dispositivos mecânicos de calcular †. A idéia de uma lógica
estritamente formal – da construção de sistemas sem significado smântico,
interpretáveis a posteriori – não tinha surgido. Duzentos anos mais tarde, George
Boole formularia as regras básicas de um sistema simbólico para a lógica
matemática, refinado posteriormente por outros matemáticos e aplicado à teoria
dos conjuntos ([Bri79a], volume III). A álgebra booleana constituiu a base para o
projeto de circuitos usados nos computadores eletrônicos digitais.

*Newton e Leibniz descobriram o princípio fundamental do cálculo de que uma integração


pode ser feita mais facilmente pela inversão do processo de diferenciação, no cálculo das
áreas[RA91].
†Em 1673 Gottfried Leibniz, usando uma engrenagem dentada, construiu uma calculadora
capaz de multiplicar, na qual um número era repetido e automaticamente somado a um acumulador.

4.3 A lógica matemática no século XIX

Figura 12: George Cantor

A passagem do século XVIII para o século XIX marca o início de um novo


tempo na História da matemática, e, mais do que qualquer período precedente,
mereceu ser conhecido como a sua “Idade áurea”, e que afetará diretamente a
evolução em direção ao surgimento e fundamentação da Ciência da Computação. O
que se acrescentou ao corpo da Matemática durante esses cem anos, supera de
longe tanto em quantidade como em qualidade a produção total combinada de
todas as épocas precedentes. Com uma possível exceção do período conhecido

42
como “Idade heróica”, na Grécia antiga, foi uma das mais revolucionárias etapas
do desenvolvimento dessa ciência, e, conseqüentemente, também da Computação.
Será particularmente objeto de estudo a evolução da Lógica Simbólica − ou Lógica
Matemática − que teve Leibniz como predecessor distante.
A partir de meados do século XIX, a lógica formal * se elabora como um
cálculo algébrico, adotando um simbolismo peculiar para as diversas operações
lógicas. Graças a esse novo método, puderam-se construir grandes sistemas
axiomáticos de lógica, de maneira parecida com a matemática, com os quais se
podem efetuar com rapidez e simplicidade raciocínios que a mente humana não
consegue espontaneamente. A Lógica Simbólica − Lógica Matemática a partir
daqui −, tem o mesmo objeto que a lógica formal tradicional: estudar e fazer
explícitas as formas de inferência, deixando de lado − por abstração − o conteúdo
de verdades que estas formas possam transmitir [San82]. Não se trata aqui de
estudar Lógica, mas de chamar a atenção para a perspectiva que se estava abrindo
com o cálculo simbólico: a automatização de algumas operações do pensamento. A
Máquina de Turing, como será visto, conceito abstrato que efetivamente deu início
à era dos computadores, baseou-se no princípio de que a simples aplicação de
regras permite passar mecanicamente de uns símbolos a outros, sistema lógico
que foi inaugurado pelo matemático George Boole.

* A Lógica Formal remonta particularmente a Aristóteles, como visto no capítulo dos


Primórdios, que a fundiu com a lógica filosófica em um conjunto de obras que posteriormente
chamou-se Organon. A lógica formal analisa detalhadamente as diversas formas que podem adotar
as operações lógicas, em particular o raciocínio, com uma relativa independência dos seus
conteúdos concretos.

Entretanto a lógica booleana estava limitada ao raciocínio proposicional, e


somente mais tarde, com o desenvolvimento dos quantificadores, a lógica formal
estava pronta para ser aplicada ao raciocínio matemático em geral. Os primeiros
sistemas foram desenvolvidos por F.L.G. Frege e G. Peano. Ao lado destes, será
necessário citar George Cantor (1829 1920), matemático alemão que abriu um
novo campo dentro do mundo da análise, nascida com Newton e Leibniz, com sua
teoria sobre conjuntos infinitos [Bel37].
No início do século XX a Lógica Simbólica se organizará com mais autonomia
em relação à matemática e se elaborará em sistemas axiomáticos desenvolvidos,
que se colocam em alguns casos como fundamento da própria matemática e que
prepararão o surgimento do computador.

4.3.1 Boole e os fundamentos da Lógica Matemática e da


Computação

O inglês George Boole (1815 - 1864) é considerado o fundador da Lógica


Simbólica ([Bri79a], volume III). Ele desenvolveu com sucesso o primeiro sistema
formal para raciocínio lógico. Mais ainda, Boole foi o primeiro a enfatizar a
possibilidade de se aplicar o cálculo formal a diferentes situações, e fazer
operações com regras formais, desconsiderando noções primitivas.

43
Figura 13: George Boole

Sem Boole, que era um pobre professor autodidata em Matemática, o caminho


pelo qual se ligou a Lógica à Matemática talvez demorasse muito a ser construído.
Com relação à Computação, se a Máquina Analítica de Babbage (ver capítulo sobre
a Pré-História Tecnológica) foi apenas uma tentativa bem inspirada (que teve
pouco efeito sobre os futuros construtores do computador), sem a álgebra
booleana, no entanto, a tecnologia computacional não teria progredido com
facilidade até a velocidade da eletrônica.
Durante quase mais de dois mil anos, a lógica formal dos gregos, conhecida
pela sua formulação silogística, foi universalmente considerada como completa e
incapaz de sofrer uma melhora essencial. Mais do que isso, a lógica aristotélica
parecia estar destinada a ficar nas fronteiras da metafísica, já que somente se
tratava, a grosso modo, de uma manipulação de palavras. Não se havia ainda dado
o salto para um simbolismo efetivo, embora Leibniz já tivesse aberto o caminho
com suas idéias sobre o “alfabeto do pensamento” *.
Foi Boole, em sua obra The Mathematical Analysis of Logic (1847), quem
forneceu uma idéia clara de formalismo, desenvolvendo-a de modo exemplar. Ele
percebeu que poderia ser construída uma álgebra de objetos que não fossem
números, no sentido vulgar, e que tal álgebra, sob a forma de um cálculo abstrato,
seria capaz de ter várias interpretações [Kne68]. O que chamou a atenção na obra
foi a clara descrição do que seria a essência do cálculo, isto é, o formalismo,
procedimento, conforme descreveu, “cuja validade não depende da interpretação
dos símbolos mas sim da exclusiva combinação dos mesmos” [Boc66]. Ele
concebeu a lógica como uma construção formal à qual se busca posteriormente
uma interpretação.
Boole criou o primeiro sistema bem sucedido para o raciocínio lógico, tendo
sido pioneiro ao enfatizar a possibilidade de se aplicar o cálculo formal em
diferentes situações e fazer cálculos de acordo com regras formais,
desconsiderando as interpretações dos símbolos usados. Através de símbolos e
operações específicas, as proposições lógicas poderiam ser reduzidas a equações e
as equações silogísticas poderiam ser computadas de acordo com as regras da
álgebra ordinária. Pela aplicação de operações matemáticas puras e contando com
o conhecimento da álgebra booleana é possível tirar qualquer conclusão que esteja
contida logicamente em qualquer conjunto de premissas específicas.
De especial interesse para a Computação, sua idéia de um sistema matemático
baseado em duas quantidades, o ‘Universo’ e o ‘Nada’, representados por ‘1’ e ‘0’,
o levou a inventar um sistema de dois estados para a quantificação lógica. Mais
tarde os construtores do primeiro computador entenderam que um sistema com
somente dois valores pode compor mecanismos para perfazer cálculos †.
George Boole estava convencido de que sua álgebra não somente tinha
demonstrado a equivalência entre Matemática e Lógica, como representava a
sistematização do pensamento humano. Na verdade a ciência, depois dele,
principalmente com Husserl, pai da Fenomenologia, demonstrará que a razão
humana é mais complicada e ambígua, difícil de ser conceituada e mais poderosa

44
que a lógica formal, mas do ponto de vista da Matemática e da Computação, a
álgebra booleana foi importante, e só os anos fizeram ver, pois a lógica até então
era incompleta e não explicava muitos princípios de dedução empregados em
raciocínios matemáticos elementares.

*Leibniz já tinha compreendido no século XVII que há alguma semelhança entre a disjunção e
conjunção de conceitos e a adição e multiplicação de números mas foi difícil para ele formular
precisamente em que consistia essa semelhança e como usá-la depois como base para um cálculo
lógico [Kne68].
†A base do hardware sobre a qual são construídos todos os computadores digitais é formada de
dispositivos eletrônicos diminutos denominados portas lógicas. É um circuito digital no qual
somente dois valores lógicos estão presentes. Para se descrever os circuitos que podem ser
construídos pela combinação dessas portas lógicas é necessária a álgebra booleana.

Mas, a lógica booleana estava limitada ao raciocínio proposicional, e somente


após o desenvolvimento de quantificadores, introduzidos por Peirce, é que a lógica
formal pôde ser aplicada ao raciocínio matemático geral. Além de Peirce, também
Schröeder e Jevons * aperfeiçoaram e superaram algumas restrições do sistema
booleano: disjunção exclusiva, emprego da letra v para exprimir proposições
existenciais, admissão de coeficientes numéricos além do 0 e 1 e o emprego do
sinal de divisão. O resultado mais importante, no entanto, foi a apresentação do
cálculo de uma forma extremamente axiomatizada.

4.3.2 A importância de Frege e Peano

Frege (1848 - 1925) e Peano (1858 - 1932) trabalharam para fornecer bases
mais sólidas à álgebra e generalizar o raciocínio matemático [Har96].
Gottlob Frege ocupa um lugar de destaque dentro da Lógica. Embora não tão
conhecido em seu tempo e bastante incompreendido, deve-se ressaltar que ainda
hoje tornase difícil descrever a quantidade de conceitos e inovações, muitos
revolucionários, que elaborou de forma exemplar pela sua sistematização e
clareza. Muitos autores comparam seu Begriffsschrift aos Primeiros Analíticos de
Aristóteles, pelos pontos de vista totalmente geniais.
Frege foi o primeiro a formular com precisão a diferença entre variável e
constante, assim como o conceito de função lógica, a idéia de uma função de vários
argumentos e o conceito de quantificador †. A ele se deve uma conceituação muito
mais exata da teoria aristotélica sobre sistema axiomático, assim como uma clara
distinção entre lei e regra, linguagem e metalinguagem. Ele é autor da teoria da
descrição e quem elaborou sistematicamente o conceito de valor. Mas isto não é
tudo, pois todas estas coisas são apenas produtos de um empreendimento muito
maior e fundamental, que o inspirou desde suas primeiras pesquisas: uma
investigação das características daquilo que o homem diz quando transmite
informação por meio de juízos.
Na verdade o que Frege chamou de Lógica – assim como seus
contemporâneos Russell e Wittgenstein – não é o que hoje é chamado Lógica, fruto
do formalismo e da teoria dos conjuntos que acabaram por predominar entre os
matemáticos, mas sim o que se denomina semântica, uma disciplina sobre o
conteúdo, natureza desse conteúdo e estrutura. Ele gastou considerável esforço na
separação de suas concepções lógicas daquelas concepções dos 'lógicos
computacionais' como Boole, Jevons e Schröeder. Estes estavam, como já foi dito,
empenhados no desenvolvimento de um cálculo do raciocínio como Leibniz
propusera, mas Frege queria algo mais ambicioso: projetar uma língua
characteristica. Dizia ele que uma das tarefas da filosofia era romper o domínio da

45
palavra sobre o espírito humano. Frege procurou usar um sistema simbólico, que
até então somente se pensava para a matemática, também para a filosofia: um
simbolismo que retratasse o que se pode dizer sobre as coisas. Ele buscava algo
que não somente descrevesse ou fosse referido a coisas pensadas, mas o próprio
pensar [Cof91].

*Jevons foi o primeiro a compreender que os métodos booleanos podem ser reduzidos às
regras do cálculo elementar, com a possibilidade, portanto, de ser mecanizados. Em 1869 conseguiu
construir uma máquina lógica apresentada no ano seguinte ao público: era um dispositivo de 21
chaves para testar a validade de inferências na lógica equacional. Algumas das características deste
dispositivo foram usadas mais tarde na implementação do computador. A máquina está conservada
no museu de História da Ciência em Oxford.
†O emprego de quantificadores para ligar variáveis, principal característica do simbolismo
lógico moderno e que o torna superior em alguns aspectos à linguagem vulgar e ao simbolismo
algébrico de Boole, está entre as maiores invenções intelectuais do século XIX [Kne68].

Os lógicos tradicionais estavam basicamente interessados na solução de


problemas tradicionais de lógica, como por exemplo a validade. O objetivo de
Frege foi mais além: entrou no campo da semântica, do conteúdo, do significado,
onde encontrou o fundamento último da inferência, da validade, etc. Frege acabou
derivando para uma filosofia da lógica e da matemática e influenciou diretamente a
Russell, David Hilbert, Alonzo Church e Carnap. Destes, Hilbert e Church têm um
papel decisivo na História conceitual da Ciência da Computação.
Frege desejava provar que não somente o raciocínio usado na matemática,
mas também os princípios subjacentes – ou seja, toda a matemática – são pura
lógica. Porém ele expressou suas buscas e resultados – pelos quais acabou sendo
considerado um dos pais da Lógica moderna, de uma forma excessivamente
filosófica, em uma notação matemática não convencional. O mérito maior dele foi
elaborar uma concepção lógica mais abrangente do que a Lógica de Aristóteles.
Em um procedimento que lembra a “characteristica universalis” *, Frege construiu
um sistema especial de símbolos para desenvolver a lógica de maneira exata e foi
muito além das proposições e dos argumentos. Em sua grandes obras,
Begriffsschrift, eine der arithmetischen nachgebildete Formelsprache des reinen
Denkens (Ideografia, uma linguagem formalizada do pensamento puro construída
de modo aritmético) e Grundgesitze der Arithmetik. Begriffsschriflich abgeleitet
(Leis Fundamentais da Aritmética, Ideograficamente Deduzidas), está contida de
modo explícito e plenamente caracterizado uma série de conceitos – conectivos,
função, função proposicional, quantificadores, etc. – que seriam vitais para a
Lógica Matemática a partir de então [Gom97].
Foi através do contato com a obra de Frege que Bertrand Russell (1872 -
1970) procurou levar avante a idéia de construir toda a matemática sobre bases
lógicas, convencido de que ambas são idênticas. Os postulados fregianos †,
adotados primeiramente por Peano, foram incorporados por Russell, que estendeu
as teses logicistas de Frege à Geometria e às disciplinas matemáticas em geral.
Peano tinha objetivo semelhante a Frege, mas mais realista. Ele desenvolveu
uma notação formal para raciocínio matemático que procurasse conter não só a
lógica matemática, mas todos os ramos mais importantes dela. O simbolismo de
Peano e seus axiomas – dos quais dependem muitas construções rigorosas na
álgebra e na análise – “representam a mais notável tentativa do século XIX de
reduzir a aritmética comum, e portanto a maior parte da matemática, a um puro
simbolismo formal. Aqui o método postulacional atingiu novo nível de precisão,
sem ambigüidade de sentido, sem hipóteses ocultas” [Boy74]. Para maiores
detalhes, ver anexo sobre A Aritmética de Peano.

46
*Como já foi dito, a idéia lançada por Leibniz de uma linguagem filosófica que seria um
simbolismo através do qual o homem estaria em condições de expressar seus pensamentos com
plena clareza e dirimir dúvidas através de simples cálculos.
† Sobre número, dedução, inferência, proposições, premissas, etc.

Já Hilbert procurou colocar em prática a teoria da demonstração de Frege, e


pode-se ver nessas palavras deste as idéias implementadas posteriormente no
programa hilbertiano: “a inferência procede, pois, em meu sistema de escrita
conceitual (Begriffsschrift), seguindo uma espécie de cálculo. Não me refiro a este
em sentido estrito, como se fosse um algoritmo que nele predominasse, (...), mas
no sentido de que existe um algoritmo total, quer dizer, um conjunto de regras que
resolvem a passagem de uma proposição ou de duas, a outra nova, de tal forma
que nada se dá que não esteja de acordo com estas regras. Minha meta é, pois,
uma ininterrupta exigência de precisão no processo de demonstração, e a máxima
exatidão lógica, ao mesmo tempo que clareza e brevidade” [Boc66].
Pode-se notar a partir desse momento uma guinada no conceito de Lógica: os
objetos da investigação lógica já não são mais as próprias fórmulas, mas as regras
de operação pelas quais se formam e se deduzem.

Figura 14: Frege

Figura 15: Peano

4.4 O desenvolvimento da Lógica Matemática

Uma das metas dos matemáticos no final do século XIX foi a de obter um rigor
conceitual das noções do cálculo infinitesimal (limite, continuidade, infinito
matemático, etc.). Tal programa foi chamado de “aritmetização da análise”, isto é,
a busca da redução dos conceitos fundamentais da análise (a matemática que tem
como base a teoria dos números reais) aos conceitos da aritmética (a matemática
que tem como base a teoria dos número inteiros positivos, isto é, dos números
naturais e, por extensão, dos números racionais).
Por exemplo, ao invés de se tomar o número imaginário − 1 como uma
entidade um tanto misteriosa, pode-se defini-lo como um par ordenado de números

47
inteiros (0,1), sobre o qual se realizam certas operações de “adição” e
“multiplicação”. Analogamente, o número irracional 2 se definia numa certa classe
de números irracionais, cujo quadrado é menor do que 2. Dado que a Geometria
podia ser reduzida à Análise (Geometria Analítica), a Aritmética vinha a se
configurar como a base natural de todo o edifício matemático. O ponto culminante
deste processo foram os axiomas de Peano (1899), que fundamentaram toda a
Aritmética elementar posterior.
Ao mesmo tempo, matemáticos como Frege, Cantor e Russell, não
convencidos da “naturalidade” da base constituída pela aritmética. Eles
procuravam conduzir a própria aritmética a uma base mais profunda, reduzindo o
conceito de número natural ao conceito lógico de classe, ou, para recorrer a
Cantor, definir número em termos de conjunto. Deste modo, a lógica das classes
apresentava-se como a teoria mais adequada para a investigação sobre os
fundamentos da matemática. O esforço dos matemáticos foi o de dar à álgebra uma
estrutura lógica, procurando caracterizar a matemática não tanto pelo seu
conteúdo quanto pela sua forma.
Bochenski [Boc66], falando da história da Lógica Matemática, diz que a partir
de 1904, com Hilbert, inicia-se um novo período dessa ciência então emergente,
que se caracteriza pela aparição da Metalógica * (Hilbert, Löwenheim e Scholem)
e, a partir de 1930, por uma sistematização formalista dessa mesma Metalógica.
Iniciaram-se discussões sobre o valor e os limites da axiomatização, o nexo entre
Lógica e Matemática, o problema da verdade (Hilbert, Gödel, Tarski).
A Metalógica, em sua vertente sintática ocupa-se das propriedades externas
dos cálculos, como por exemplo, a consistência, a completude, a decidibilidade dos
sistemas axiomáticos e a independência dos axiomas. Hilbert, Gödel e Church são
autores nesse campo. Em sua parte semântica, a Metalógica dirige-se ao
significado dos símbolos, dos cálculos com relação a um determinado mundo de
objetos. Tarski, Carnap e Quino, entre outros se interessaram por estas questões.
Apareceram também novos sistemas lógicos: as lógicas naturais, de Gentzen e
Jaskowski, lógica polivalente de Post e Lukasiewicz, e a lógica intuicionista de
Heytings.
Complementando essas idéias cabe destacar alguns sistemas originais de
outros matemáticos como Schönfinkel (1924), Curry (1930), Kleene (1934), Rosser
(1935) e o já citado Alonzo Church (1941). Deve-se lembrar que quase todos estes
últimos, junto com o logicista inglês Alan M. Turing, acabaram por definir, antes
mesmo de existir o computador propriamente, a natureza da computação, e as
implicações e limites do pensamento humano através de uma máquina.

4.5 A crise dos fundamentos e as tentativas de superação

Os matemáticos são conhecidos por serem exigentes na hora de pedir uma


prova absoluta antes de aceitarem qualquer afirmação. Esta reputação é
claramente mostrada em uma anedota:
Um astrônomo, um físico e um matemático estavam passando férias na
Escócia. Olhando pela janela do trem eles avistaram uma ovelha preta no
meio de um campo. “Que interessante”, observou o astrônomo, “na Escócia
todas as ovelhas são pretas.” Ao que o físico respondeu: “Não, nada disso!.
Algumas ovelhas escocesas são pretas.” O matemático olhou para cima em
desespero e disse: “Na Escócia existe pelo menos um campo, contendo pelo
menos uma ovelha e pelo menos um lado dela é preto.” (Ian Stuart,
Conceitos de matemática moderna, in[Sin99])

48
*Quando a própria Lógica Formal reflete sobre seus conteúdos.

E o matemático que se especializa no estudo da lógica matemática é ainda


mais rigoroso do que o matemático comum. Os matemáticos lógicos começaram a
questionar idéias que os outros matemáticos consideravam certas há séculos. Por
exempo, a lei da tricotomia declara que cada número é ou negativo, ou positivo ou
então zero. Ninguém se preocupara em provar isso que parece óbvio, mas os
lógicos perceberam que se não o fosse, ela poderia ser falsa, e todo o edifício
matemático que dependia dessa lei desmoronaria *. Apesar das disciplinas
dedutivas terem atingido um alto grau de perfeição lógica, algumas dúvidas
começaram a abalar a confiança dos matemáticos: o surgimento, por volta de
1900, de inúmeros paradoxos ou antinomias, especialmente na teoria dos
conjuntos †. O aparecimento de tais contradições mostrava que havia algum
defeito nos métodos. Será que se poderia ter certeza de que em se usando os
axiomas de um sistema rigidamente lógico – o grande sonho de tantos matemáticos
do início do século XX de reduzir a matemática e o conhecimento à lógica –, nunca
se chegaria a uma contradição, dentro dos axiomas do sistema? Estava iminente,
nos fins do século XIX, uma inevitável colisão entre matemática e filosofia. Alguns
vagos conceitos metafísicos associados com o pensamento humano já tinham
chamado a atenção de matemáticos das duas primeiras décadas do século XX ‡,
que passaram a procurar a verdadeira natureza do raciocínio dentro da ciência
matemática. O que é um procedimento correto, qual a relação entre verdade e
demonstração, é possível fornecer uma prova para todos os enunciados
matemáticos verdadeiros? E o problema das ambigüidades, já que a matemática
sempre foi feita através de uma linguagem natural?
Desde os antigos gregos a matemática vem acumulando mais teoremas e
verdades, e, embora a maioria deles tenha sido rigorosamente provada, os
matemáticos temiam que alguns casos tivessem sido aceitos sem um exame mais
adequado. Os lógicos então decidiram provar todos os teoremas, a partir de
princípios fundamentais. No entanto, cada verdade tinha sido deduzida de outras
verdades. E estas, por sua vez, de outras ainda mais fundamentais e assim por
diante. Os lógicos acabaram por chegar aos axiomas da matemática, essas
declarações essenciais tão fundamentais que não podiam ser provadas, pois são
autoevidentes §. O desafio para os lógicos era reconstruir toda a matemática a
partir desses axiomas.
Uma legião de lógicos participou deste processo, lento e doloroso, usando
somente um número mínimo de axiomas. A idéia era consolidar, através do
raciocínio lógico e rigoroso, o que já se pensava ser conhecido. Este quadro
estimulou a criatividade matemática.
* A lei da tricotomia foi demonstrada no final do século XIX.
† O paradoxo de Russel, o paradoxo de Cantor, o paradoxo de Burati Forti, o paradoxo de
Richard, etc. Para exemplificar, vamos ao de Cantor, descoberto por ele próprio em 1899: se S é o
conjunto de todos os conjuntos, então seus subconjuntos devem estar também entre os seus
elementos. Conseqüentemente, o número cardinal de S não pode ser menor do que o do conjunto
dos subconjuntos de S. Mas isso, pelo teorema do próprio Cantor, deveria ocorrer!
‡ Basta ler as palavras do matemático Sylvester em sua controvérsia com Huxley. Dizia que a
matemática se origina “diretamente das forças e atividades inerentes da mente humana, e da
introspecção continuamente renovada daquele mundo interior do pensamento em que os fenômenos
são tão variados e exigem atenção tão grande quanto os do mundo físico exterior”. Para ele, a
matemática era “revelar as leis da inteligência humana”, assim como a física revela as leis do
mundo dos sentidos [Cos77].
§ A lei comutativa da adição, por exemplo: para quaisquer números a e b, a + b = b + a.

49
Na tentativa de se resolverem os paradoxos surgiram três grandes escolas da
lógica: a Logicista * , a Intuicionista † e a Formalista.
A escola logicista rapidamente ficou exposta a fortes críticas ‡. Frege, Peano e
Russell , devido ao seu platonismo, acreditavam em um mundo objetivo, existente
por si mesmo, de entes e relações matemáticas que o pesquisador deve descobrir e
não inventar. Bertrand Russell tinha objetivos ainda maiores: utilizar o
instrumental da lógica como ponto de partida do pensamento filosófico, através da
geração de uma linguagem perfeita. Mas a matemática, enquanto perquirição
pura, independe teoricamente dessas aplicações, bastando ver as pesquisas atuais.
Deve-se, no entanto, destacar o mérito dessa escola de incrementar grandemente o
progresso da logística e confirmar a união íntima entre matemática e lógica.
O programa intuicionista sofreu também fortes críticas, principalmente a de
desfigurar a matemática, tornando-a algo subjetivo e praticamente impossível. O
próprio modo de se provar a não-contradição de uma teoria matemática, buscando
um ‘modelo’ dos axiomas dessa teoria dentro de outra teoria já existente (e que era
considerada coerente §) mostrou-se pouco confiável: como dar a certeza da não-
contraditoriedade dessa outra teoria? A maior parte dos matemáticos dos nossos
dias afastou-se dessa linha de pensamento. Positivamente falando, sua dura crítica
à matemática tradicional obrigou os especialistas nos fundamentos a
desenvolverem novos métodos para reabilitar a teoria clássica. A escola formalista
progrediu bastante através das polêmicas com os intuicionistas [Cos77].

4.5.1 A figura de David Hilbert

Para David Hilbert (1862 - 1943) e outros, o problema de estabelecer


fundamentos rigorosos era o grande desafio ao empreendimento de tantos, que
pretendiam reduzir todas as leis científicas a equações matemáticas. Ele
acreditava que tudo na matemática poderia e deveria ser provado a partir dos
axiomas básicos. O resultado disso levaria a demonstrar conclusivamente, segundo
ele, os dois elementos mais importantes do sistema matemático. Em primeiro lugar
a matemática deveria, pelo menos em teoria, ser capaz de responder a cada
pergunta individual – este é o mesmo espírito de completude que no passado
exigira a invenção de números novos, como os negativos e os imaginários. Em
segundo lugar, deveria ficar livre de inconsistências – ou seja, tendo-se mostrado
que uma declaração é verdadeira por um método, não deveria ser possível mostrar
que ela é falsa por outro método. Hilbert estava convencido de que, tomando
apenas alguns axiomas, seria possível responder a qualquer pergunta matemática
imaginária, sem medo de contradição. O esforço para reconstruir logicamente o
conhecimento matemático acabou sendo liderado por essa figura, talvez a mais
eminente da época.

* A tese logiscista compõe-se de duas partes: 1)Toda idéia matemática pode ser definida por
intermédio de conectivos lógicos (classe ou conjunto, implicação, etc.); 2)Todo enunciado
matematicamente verdadeiro pode ser demonstrado a partir de princípios lógicos (“não
contradição”, “terceiro excluído”, etc.), mediante raciocínios puramente matemáticos.
† Para Brower, fundador desta escola – na verdade um radicalizador das teses de Kronecker
que não aceitava a teoria dos conjuntos – o saber matemático escapa a toda e qualquer
caracterização simbólica e se forma em etapas sucessivas que não podem ser conhecidas de
antemão: a atividade do intelecto cria e dá forma a entes matemáticos, aproximando-se do
apriorismo temporal de Kant.
‡ Os logicistas tiveram de apelar a princípios extra-lógicos – axioma de Zermelo, axioma do
infinito – que ainda hoje encontram-se sujeitos a calorosos debates e fortes reparos.
§ Caminho praticado por Hilbert no seu famoso trabalho Fundamentos da Geometria (1899),
onde axiomatizou de modo rigoroso a geometria euclidiana.

50
No dia 8 de agosto de 1900, Hilbert deu uma palestra histórica no Congresso
Internacional de Matemática em Paris. Ele apresentou 23 problemas não-
resolvidos da matemática que acreditava serem de imediata importância. Alguns
problemas relacionavam-se com áreas mais gerais da matemática, mas a maioria
deles estava ligada aos fundamentos lógicos dessa ciência. Tais problemas
deveriam focalizar a atenção do mundo matemático e fornecer um programa de
pesquisas. Hilbert queria unir a comunidade para ajudá-lo a realizar sua visão de
um sistema matemático livre de dúvidas ou inconsistências[Sin99]. Todos esses
estudos denominaram-se Metamatemática ou Metalógica, pela conectividade das
duas.
Ele propôs-se a demonstrar a coerência da aritmética *, para depois estender
tal coerência aos âmbitos dos demais sistemas. Apostou na possibilidade da
criação de uma linguagem puramente sintática, sem significado, a partir da qual se
poderia falar a respeito da verdade ou falsidade dos enunciados. Tal linguagem foi
e é chamada de sistema formal, e está resumida no anexo A concepção formalista
da matemática. Isto, que fazia parte do centro da doutrina formalista, mais tarde
estimularia Turing a fazer descobertas importantes sobre as capacidades das
máquinas. Registre-se também que John von Neumann, a quem muitos atribuem a
construção do primeiro computador, era um aluno de Hilbert e um dos principais
teóricos da escola formalista †.

*No início do século XX a matemática estava reduzida a 3 grandes sistemas axiomáticos:


aritmética, análise e conjunto, sendo o mais fundamental o primeiro. Era natural que ele escolhesse
esse sistema.
† John von Neumann falava 5 línguas e foi um brilhante logicista, matemático e físico. Além de
lhe ser atribuída a invenção do primeiro computador, ele estava no centro do grupo que criou o
conceito de “programa armazenado”, que potencializou extremamente o poder computacional das
máquinas que então surgiam.

Figura 16: Professor David Hilbert

Interessam agora dois problemas da referida lista de 23. O segundo,


relacionado com a confiabilidade do raciocínio matemático (isto é, se ao seguir as
regras de determinado raciocínio matemático não se chegaria a contradições), e,
ligado a ele, o problema de número dez. Este era de enunciado bastante simples:
descreva um algoritmo que determine se uma dada equação diofantina do tipo
P(u1,u2,...,un) = 0, onde P é um polinômio com coeficientes inteiros, tem solução
dentro do conjunto dos inteiros. É o famoso problema da decidibilidade, o
Entscheidungsproblem. Consistia em indagar se existe um procedimento mecânico
efetivo para determinar se todos os enunciados matemáticos verdadeiros poderiam
ser ou não provados, isto é, se eles poderiam ser deduzidos a partir de um dado
conjunto de premissas *. Para entender um pouco mais sobre decisão na
matemática, ver o anexo O problema da decisão na Matemática.
Também a questão da consistência, como já foi dito, era decisiva para ele, pois
é uma condição necessária para o sistema axiomático do tipo que ele tinha em
mente. Aristóteles já tinha mostrado que se um sistema é inconsistente, qualquer
afirmação poderia ser provada como falsa ou verdadeira. Neste caso não seria
possível haver um fundamento sólido para qualquer tipo de conhecimento,

51
matemático ou não. Anos mais tarde, em 1928, no Congresso Internacional de
Matemáticos, realizado em Bolonha, Itália, Hilbert lançou um novo desafio, que na
verdade somente enfatizava aspectos do segundo e do décimo problema já
descritos. Hilbert queria saber se é possível provar toda assertiva matemática
verdadeira. Estava buscando algo como uma “máquina de gerar enunciados
matemáticos verdadeiros”: uma vez alimentada com um enunciado matemático,
poderia dizer se o enunciado é falso ou verdadeiro [Cas97]. É um problema que
está relacionado com o citado projeto hilbertiano da busca de um sistema formal
completo e consistente.

*A simplicidade do problema de Hilbert é apenas aparente, e somente após 70 anos de esforços


foi encontrada a solução, por Matijasevic, um matemático russo de apenas 22 anos na época. É uma
solução bastante complexa, dependendo tanto de resultados da Teoria do Números, conhecidos há
muitíssimos anos, como do trabalho anterior de três americanos, Martin Davis, Julia Robinson e
Hilary Putnan, que por sua vez baseia-se em certos resultados fundamentais sobre lógica e
algoritmos descobertos na década de 30 por Kurt Gödel, Alan Turing, Emil Post, Alonso Church e
Stephen Kleene. A resposta a esse problema de Hilbert é: tal algoritmo não existe: o décimo
problema é indecidível.

Ao mesmo tempo, em 1927, com 22 anos, von Neumann publicou 5 artigos


que atingiram fortemente o mundo acadêmico. Três deles consistiam em críticas à
física quântica, um outro estabelecia um novo campo de pesquisas chamado Teoria
dos Jogos, e, finalmente, o que mais impactou o desenvolvimento da Computação:
era o estudo do relacionamento entre sistemas formais lógicos e os limites da
matemática. Von Neumann demonstrou a necessidade de se provar a consistência
da matemática, um passo importante e crítico tendo em vista o estabelecimento
das bases teóricas da Computação (embora ninguém tivesse esse horizonte por
enquanto).
Já foi citado, no capítulo sobre o Desenvolvimento da Lógica Matemática, o
desafio dos matemáticos do início do século de aritmetizar a análise. Eles estavam
de acordo, no que diz respeito às proposições geométricas e outros tipos de
afirmações matemáticas, em que poderiam ser reformuladas e reduzidas a
afirmações sobre números. Logo, o problema da consistência da matemática estava
reduzido à determinação da consistência da aritmética. Hilbert estava interessado
em dar uma teoria da aritmética, isto é, um sistema formal que fosse
finitisticamente descritível *, consistente, completo e suficientemente poderoso
para descrever todas as afirmações que possam ser feitas sobre números naturais.
O que Hilbert queria em 1928 era que, para uma determinada afirmação
matemática, por exemplo, “a soma de dois números ímpares é sempre um número
par”, houvesse um procedimento que, após um número finito de passos, parasse e
indicasse se aquela afirmação poderia ou não ser provada em determinado sistema
formal, suficientemente poderoso para abranger a aritmética ordinária [Cas97].
Isto está diretamente relacionado com o trabalho de Gödel e Alan Turing.
Pode-se afirmar que, em geral, a lógica matemática prestou naqueles tempos
maior atenção à linguagem científica, já que seu projeto era o da elaboração de
uma linguagem lógica de grande precisão, que fosse boa para tornar transparentes
as estruturas lógicas de teorias científicas. Tal projeto encontrou seus limites,
tanto na ordem sintática como na ordem semântica (por exemplo, com os célebres
teoremas de limitação formal). Este fenômeno levou a uma maior valorização da
linguagem ordinária, que, apesar de suas flutuações e imprecisões, encerram uma
riqueza lógica que os cálculos formais não conseguem recolher de todo. Dentro da
própria matemática – como se verá mais adiante com Gödel – há verdades que não
podem ser demonstradas mediante uma dedução formal, mas que podem ser
demonstradas – o teorema da incompletude de Gödel é uma prova disso – mediante

52
um raciocínio metamatemático informal. A partir desse propósito de construção de
uma linguagem ideal surgiu a filosofia da linguagem (Moore, Wittgenstein, Geach
em sua segunda etapa) colocando as questões lógicas sobre nova ótica [San82].

*O termo finitístico é usado por vários autores. Hilbert quis dizer que tal sistema deveria ser
construído com um número finito de axiomas e regras e toda prova dentro do sistema deveria ter um
número finito de passos.

Na verdade, tanto a lógica matemática em sentido estrito como os estudos de


semântica e filosofia da linguagem depararam-se com problemas filosóficos que
não se resolvem somente dentro de uma perspectiva lógica. Há questões de fundo
da lógica matemática que pertencem já a uma filosofia da matemática. Todos esses
desafios abriram uma porta lateral para a Computação e deram origem a um novo
e decisivo capítulo na sua História. Da tentativa de resolvê-los ocorreu uma
profunda revolução conceitual na Matemática – o Teorema de Gödel – e surgiu o
fundamento básico de todo o estudo e desenvolvimento da Computação posterior:
a Máquina de Turing.

4.6 Kurt Gödel: muito além da lógica *

Kurt Gödel (1906 – 1978) não desfruta do mesmo prestígio de outros cientistas
contemporâneos seus, como Albert Einstein. Possivelmente contribua para isto o
fato de que suas descobertas se produziram em um campo, o da lógica
matemática, próprio das ciências formais, e não em algum ramo da ciência que
tenha influenciado diretamente no conjunto da sociedade.
No entanto, suas grandes contribuições à lógica formal se estendem –
segundo seus biógrafos – muito além do seu estrito âmbito formal e abordam
questões tão vastas e espinhosas como a natureza da verdade, o conhecimento e a
certeza. Pode-se afirmar que, junto com a teoria da relatividade de Einstein e o
princípio da incerteza de Heisenberg, o teorema da incompletude de Gödel
despertou a ciência moderna de seu “sonho dogmático”.

4.6.1 Um pouco de história

Nascido em Brünn (hoje Brno, na República Tcheca), Kurt Friedrich Gödel (ao
naturalizar-se norte-americano, em 1948, ele deixou o segundo nome) instala-se
em Viena em 1924. Logo se apaixona pela cidade, por sua vida universitária e
atmosfera intelectual. Requisita a nacionalidade austríaca e, em 26 de fevereiro de
1929, três dias depois da morte de seu pai, deixa oficialmente de ser tcheco.
Apesar do luto, termina sua tese de doutorado, Sobre a completude do cálculo
lógico. Nessa monografia datilografada de apenas 30 páginas, o jovem matemático,
então com 23 anos, expõe diversos resultados extremamente importantes para a
lógica. Deduz que todo sistema de axiomas de primeira ordem não-contraditório
possui um modelo. Isto é, que existe um conjunto de objetos que verificam os
axiomas do sistema.
Existem duas definições de completude:
1) Um sistema de axiomas é completo (como uma caixa de ferramentas bem
provida, que permite realizar todos os trabalhos necessários) quando todos os
teoremas verdadeiros da teoria em pauta (por exemplo, a aritmética) podem ser
deduzidos a partir dele. Esta é a completude semântica.

53
*Parte do texto que se segue, a partir do item Um pouco de história vem de maravilhoso artigo
publicado na revista Scientific American Brasil, edição Gênios da Ciência Matemática: A vanguarda
matemática e os limites da razão

2) Um sistema de axiomas é completo (como uma caixa de ferramentas à qual


não se pode acrescentar nada) quando toda tentativa de lhe adicionar um novo
axioma (independente dos anteriores) resulta em contradição. Esta é a completude
sintática.
Gödel usa o termo completude no primeiro sentido e mostra que toda fórmula
lógica verdadeira do cálculo de predicados de primeira ordem é demonstrável a
partir dos axiomas clássicos desse mesmo cálculo. Para ele, esse resultado —
constitui um complemento teórico ao método usual de demonstração de não-
contradição”. O “método usual” consiste em construir um modelo, ou seja, oferecer
uma interpretação semântica (por exemplo, geométrica) do sistema considerado:
se a teoria admite um modelo, então é não-contraditória. Em sua tese, o jovem
demonstra a recíproca de tal propriedade: todo sistema de axiomas de primeira
ordem não contraditório admite um modelo *.
Esse resultado parece confirmar a esperança formalista de David Hilbert, de
construir uma teoria rigorosa capaz de descrever toda a matemática. Mas Gödel
opta pela prudência. Entusiasmado, seu orientador, Hans Hahn, encoraja-o a
publicar uma versão presumida do trabalho. O artigo Sobre a completude dos
axiomas do cálculo lógico de funções aparece, em 1930, no periódico Monatshefte
für Mathematik und Physik. Detalhe interessante: no artigo, Gödel não retoma
nenhum elemento da introdução de sua tese, na qual havia relacionado seu
resultado às discussões acerca dos fundamentos da matemática.
Eis aqui, nas palavras do próprio Gódel, um resumo do artigo: “Na
fundamentação axiomática da lógica, tal como é estabelecida, por exemplo, nos
Principia mathematica, levanta-se a seguinte questão: os axiomas utilizados são de
fato completos, ou seja, suficientes para deles se deduzir todas as proposições
importantes da lógica pela via formal? Este problema não foi resolvido até agora
senão para as proposições lógicas mais simples, especificamente para aquelas do
cálculo proposicional. A resposta é positiva, e significa que toda proposição
verdadeira (válida em geral) decorre dos axiomas dos Principia mathematica. O
autor mostra como estender esse teorema às fórmulas do cálculo funcional (cálculo
de predicados) de primeira ordem (em que os quantificadores não operam sobre as
funções e predicados)”.
Em sua tese, Gödel ainda toma o partido de Hilbert, contra o chamado
“intuicionismo” de Luitzen Brouwer (1881-1966). Mas certas idéias do matemático
holandês certamente o influenciam. Não sabemos se ele assistiu às duas
conferências que Brouwer proferiu em Viena em março de 1928; porém não há
dúvida de que conhecia seu conteúdo, ao menos por meio das atas às quais teve
acesso. Na primeira dessas duas conferências, intitulada Matemática, ciência e
linguagem, Brouwer ironiza as tentativas feitas pelos formalistas (Hilbert e
seguidores) para tornar mais precisa a linguagem. Segundo ele, não existe na
matemática pura, assim como em qualquer outra área, uma linguagem
absolutamente segura, isto é, uma linguagem capaz de excluir todo mal-entendido
e na qual a memória evite todo erro (por exemplo, a confusão entre entes
matemáticos). Como conseqüência, parece-lhe impossível remediar essa situação
“ao submeter, como faz a escola formalista, a linguagem matemática a um
tratamento matemático” e “pela tentativa de exprimi-Ia em uma linguagem de
segunda ordem ou em uma metalinguagem”. O desacordo entre Gödel e Brouwer
acerca do assunto é apenas uma questão de interpretação: enquanto Brouwer vê
como confissão de fraqueza a impossibilidade de a linguagem atingir precisão

54
absoluta, Gödel, ao contrário, interpreta essa mesma dificuldade como um indício
de que a matemática é inesgotável, e que é normal que ela não se deixe
circunscrever facilmente.

* Em outras palavras, busca-se uma interpretação semântica para o sistema de axiomas. Ex.:
certo sistema de axiomas dizrespeito a dois conjuntos M e N cuja natureza, inicialmente, não é
especificada. Esses axiomas são: 1) M e N têm o mesmo número de elementos; 2) Nenhum elemento
de N contém mais de 2 elementos de M; 3) Nenhum elemento de M está contido em mais de dois
elementos de N. Esse sistema é coerente, pois se pode associar a ele o seguinte modelo geométrico,
onde se verifica os três axiomas (M é o conjunto de vértices do quadrado e N o conjunto de seus
lados):

Os apontamentos feitos em 23 de dezembro de 1929 pelo filósofo Rudolf


Carnap, depois de três horas de conversa com Gödel acerca da matemática e do
formalismo, confirmam essa visão: “Toda formalização da matemática envolve
problemas que se podem exprimir e explicitar na linguagem corrente, mas para os
quais não existe expressão apropriada dentro do próprio formalismo. Segue daí
(Brouwer foi citado nesse ponto) que a matemática é inesgotável: deve-se sempre
retomar a seus inícios, para `buscar nova força nas fontes da intuição'. Não
haveria, assim, nenhuma língua characteristíca uníversalis, nenhuma língua formal
para a totalidade da matemática. (...) Nós dispomos apenas de uma linguagem,
mas as sutilezas construídas por nosso espírito são inesgotáveis, porque se
baseiam sempre em alguma nova intuição”.
O caráter inesgotável da matemática fornecerá a Gödel uma espécie de fio
condutor para suas pesquisas ulteriores, especialmente para o teórema da
incompletude.
Outro resultado que aparece na tese de Gödel, mas que adquire plena clareza
somente no artigo do Monatshefte, é o teorema da compacticidade: para que um
sistema com uma infinidade enumerável de fórmulas seja coerente é necessário e
suficiente que cada parte finita do sistema o seja. Esse teorema recebeu pouca
atenção quando de sua publicação, sem dúvïda devido aos preconceitos da época
em torno da noção de infinito. No entanto, ele iria se tomar, a partir dos anos 40,
uma das principais ferramentas conceituais para o desenvolvimento da teoria de
modelos.
Gödel evita explicitar em sua tese a noção de verdade. Mais tarde, ele diria
que “em razão dos preconceitos filosóficos da época, um conceito de verdade
matemática diferente do de demonstrabilidade parecia altamente suspeito e
costumava ser rejeitado como desprovido de significado”.
Seu teorema da completude representa sem dúvida um resultado notável.
Ainda assim, para obter o posto de privatdozent que deseja, bem como o acesso à
carreira universitária, ele precisa demonstrar alguma “coisa maior”. Compreende-
se, desse modo, que, apesar de toda a prudência que já havia manifestado em sua
tese, o gênio Gödel se dirija precisamente à pedra angular do programa de Hilbert:
a demonstração da coerência (nãocontradição) da análise matemática. Esse
problema é o segundo de uma lista de 23 que Hilbert expôs, em 1900, no
Congresso Internacional de Matemática. Tal lista era considerada, à época, como
um mapa para toda a matemática do século XX. Aquele que conseguisseresolver
essa questão entraria para o panteão da matemática e teria uma fulgurante
carreira universitária.

55
A idéia de Gödel não era atacar diretamente o problema da não-contradição
da análise; mas demonstrar que a análise seria coerente se e somente se a
aritmética (teoria dos números) o fosse. Uma vez obtida essa coerência relativa,
bastava demonstrar a coerência da teoria dos números, campo em que a utilização
de métodos finitos parecia mais promissora. Mesmo assim, o projeto era ousado,
pois o método de demonstração da coerência relativa nunca havia sido utilizado
fora da geometria (ele havia sido desenvolvido para demonstrar a coerência
relativa da geometria não-euclidiana em relação à geometria euclidiana). Gödel
penetra, assim, em território desconhecido.
O objetivo de Gödel não é, absolutamente, provocar a queda de todo o
programa de Hílbert. Ao contrário, ele se via como um dos matemáticos da nova
geração aos quais o grande Hilbert lançara seu apelo apenas dois anos antes, por
ocasião do Congresso de Bolonha. Aceita, portanto, a tradição de axiomatização da
aritmética para elaborar sua demonstração.
Uma axiomatização da teoria dos números havia sido oferecida pelo
matemático alemão Richard Dedekind desde 1888 (ver anexo O método axiomático
e as ciências dedutivas). No entanto, para construir seu sistema de axiomas,
Dedekind havia utilizado de maneira informal a teoria dos conjuntos. Mais
especificamente, ele colocara no mesmo nível objetos, expressões referidas a
objetos e expressões referidas a outras expressões: sua aritmética era de segunda
ordem. Deve-se ao matemático italiano Guiseppe Peano a etapa seguinte, decisiva
para a axiomatização da matemática. Em sua obra Arithmetices principia nova
methodo exposita, publicada um ano depois dos trabalhos de Dedekind, Peano
apresentou um sistema de axiomas para os números naturais que lembrava de
maneira espantosa o sistema de Dedekind, apesar de concebido de modo
independente. O matemático italiano, contudo, não construíra sua teoria dentro do
contexto conjuntista, e introduziu uma notação (que, com uma ou outra
modificação, tornou-se padrão) destinada a contornar certas ambigüidades
inerentes à linguagem natural (ver anexo A Aritmética de Peano). Seu objetivo era
captar, com o maior rigor possível, a natureza lógica do princípio de indução, ou
seja, a lógica de segunda ordem.
Em linguagem matemática, o princípio de indução é condensado na fórmula:
∀ α (α (0) ∧ ∀ x (α (x) → α (s(x))) → ∀ α (x) que se lê da seguinte
maneira: “para toda propriedade α, se α é válida para zero e se a
proposição se α é válida para um número x, é válida também para seu
sucessor´ é verdadeira, então a propriedade α é válida para todo número
natural”.
Essa frase matemática não é uma fórmula da lógica de predicados de primeira
ordem, mas de segunda ordem: com efeito, o primeiro quantificador (o primeiro
“todo”) não está aplicado a uma variável que representa indivíduos (números
naturais), mas a uma variável que representa propriedades desses indivíduos
(propriedades dos números naturais). Em seu sistema axiomático, Peano segue
exatamente essa formulação do princípio, e especifica que se trata de um axioma
de segunda ordem.

4.6.2 Verdade e demonstrabilidade

A distinção entre axiomas de primeira e segunda ordem foi estabelecida pelo


lógico polonês Alfred Tarski (1902-1983) para distinguir a linguagem-objeto de um
estudo, ou seja, a linguagem utilizada para falar de um domínio qualquer de
objetos, da correspondente metalinguagem, ou seja, a linguagem utilizada para

56
falar da linguagem-objeto. Da mesma maneira, existe uma metametalinguagem,
que permite falar da metalinguagem, e assim por diante. Todos esses níveis de
linguagem superpõem-se como camadas sucessivas e, para certos estudos lógicos,
torna-se essencial separar cuidadosamente cada camada. A façanha de Gödel
residirá na invenção de um meio para superar a barreira entre os diferentes níveis
de linguagem.
Gödel desejava demonstrar a não-contradição relativa da análise matemática
em relação à aritmética de Peano. Essa proposta já o conduz ao âmago do
problema verdadedemonstrabilidade: uma proposição verdadeira é sempre
demonstrável? No rascunho de uma carta do final dos anos 60, ele descreverá da
seguinte maneira seu projeto à época:
“Minha tentativa de demonstração, pela teoria dos modelos, da coerência
relativa da análise e da aritmética forneceu também a ocasião para comparar
verdade e demonstrabilidade, pois essa demonstração conduz quase
obrigatoriamente a tal comparação. Um modelo aritmético para a análise não é
nada mais, com efeito, do que uma relação ε que satisfaz ao seguinte axioma de
compreensão:
∃ N ∀ x ( x ∈ N ↔ ϕ (x) )
[Existe um conjunto N tal que, para todo número x, se x é um elemento de N,
então a propriedade ϕ (x) é verdadeira, e vice-versa.] Quando se substitui ϕ (x)' por
ϕ (x) é demonstrável', tal relação ε toma-se fácil de definir. Dessa forma, se os
termos verdade e demonstrabilidade fossem equivalentes, teríamos alcançado
nosso objetivo. Segue da correta solução para os paradoxos semânticos, porém,
que a verdade das proposições de uma linguagem não poderá jamais expressar-se
dentro dessa mesma linguagem, contrariamente à demonstrabilidade (que é uma
relação aritmética). Como conseqüência, verdadeiro ≠ demonstrável”.
Nos anos 30, o problema colocado pela formulação, em uma linguagem dada,
de uma definição da noção de verdade para essa mesma linguagem é, certamente,
uma das questões mais discutidas nas reuniões do Círculo de Viena *: é possível
definir precisamente o significado da expressão “é uma proposição verdadeira na
linguagem L”? Em fevereiro de 1930, Menger convida Tarski para uma série de
conferências, no curso das quais o matemático polonês sublinha que diversos
conceitos utilizados em lógica vêm expressos, não na linguagem-objeto, mas na
metalinguagem, e que é importante, portanto, distinguir entre esses dois tipos de
linguagem. Nessa ocasião, Gödel solicita a Menger uma conversa particular com
Tarski.
Se aceita a argumentação de Tarski acerca do conceito de verdade, Gödel
mostra-se mais reticente em relação a esse mesmo tipo de argumentação aplicado
à não-contradição e à demonstrabilidade. Tanto assim que abandona a idéia de
construir um modelo aritmético para a análise (provavelmente devido às reservas
manifestadas na época relativamente à utilização do conceito de verdade em
demonstrações) e decide provar que a demonstrabilidade e a não contradição
podem, ainda que indiretamente, ser expressas na linguagem-objeto da teoria, sem
que isso acarrete antinomias fatais.

*Grupo de pensadores que se reuniam em Viena (1926-1930) de onde surgiu o influente


movimento conhecido como positivismo lógico. Organizado por Moritz Schlick (Físico),
participavam, entre outros, os filósofos Rudolf Carnap e Karl Popper, o sociólogo e economista Otto
Neurath, a matemática Olga Neurath e seu marido, o matemático Hans Hahn, Karl Menger e Kurt
Gödel. Entre os estrangeiros que assistiam a algumas reuniões pode-se citar John von Neumann,
Willard van Orman Quine, Carl Hemper, Alfred Tarsky e Alfred Jules Ayer.

Para o desenvolvimento de seus estudos Gödel concebeu uma interessante

57
formulação de símbolos, fórmulas e provas através de números, bem como mostrou
que as proposições metamatemáticas – aliás, sem isso não poderia ter realizado
sua prova – podem estar adequadamente refletidas dentro do próprio cálculo,
aritmetizando assim a própria metamatemática. No anexo O Teorema da
Incompletude de Gödel há um pequeno resumo sobre a prova de Gödel.
Gödel acabou com o sonho logicista, visto que não se pode desenvolver toda a
aritmética (e muito menos toda a matemática) num sistema que seja ao mesmo
tempo consistente e completo. Também acabou com o sonho formalista: existem
enunciados matemáticos que são verdadeiros, mas não são suscetíveis de prova,
isto é, existe um abismo entre verdade e demonstração *.

Figura 17: Kurt Gödel

4.6.3 Outras conquistas

Gödel também, ao longo da demonstração do seu teorema, rompeu um limiar


crucial entre a lógica e a matemática. Ele mostrou que qualquer sistema formal
que seja tão rico quanto um sistema numérico qualquer, e que contenha os
operadores “+” e “=”, pode ser expresso em termos aritméticos [Coh87]. Isto
significa que por mais complexa que se torne a matemática (ou qualquer outro
sistema formal redutível a ela), pode-se sempre expressá-la em termos de
operações a serem executadas sobre números, e as partes do sistema poderão ser
manipuladas por regras de contagem e comparação.

*As conclusões de Gödel não significam que seja impossível construir uma prova absoluta e
finitista da aritmética. Significam que nenhuma prova deste tipo pode ser construída dentro da
aritmética., isto é, que esteja refletida a partir de deduções formais da aritmética. Outras provas
metamatemáticas da consistência da aritmética foram construídas, em particular por Gerhard
Gentzen, da escola de Hilbert, em 1936, embora não finitistas e não representáveis dentro do
cálculo aritmético, ou seja, estão fora das condições previstas por Hilbert.

Outro resultado fundamental do teorema da incompletude de Gödel pode-se


considerar como sendo a demonstração de que há algumas funções sobre os
inteiros que não podem ser representadas por um algoritmo, ou seja, que não
podem ser computadas *. Posteriormente verificou-se a existência de uma
equivalência entre o Teorema da Incompletude de Gödel e o problema da parada
de Turing.

*Os resultados de Gödel têm conseqüências importantes também para a filosofia. Sabe-se,
graças a ele, ser impossível construir uma máquina que, de modo consistente, resolva todos os
problemas da matemática, com os recursos de um sistema (certos problemas, por assim dizer, “não
se deixam resolver” com os recursos do sistema apenas). Mas de fato o matemático os resolve
muitas vezes.

4.7 Alan Mathison Turing: o berço da Computação

58
Figura 18: Alan Mathison Turing

A revolução do computador começou efetivamente a realizar-se no ano de


1935, em uma tarde de verão na Inglaterra, quando Alan Mathison Turing (1912 -
1954), estudante do King’s College, Cambridge, durante curso ministrado pelo
matemático Max Neumann, tomou conhecimento do Entscheidungsproblem de
Hilbert. Enquanto isso, conforme foi brevemente citado no item precedente, uma
parte da comunidade dos matemáticos buscava um novo tipo de cálculo lógico, que
pudesse, entre outras coisas, colocar em uma base matemática segura o conceito
heurístico do que seja proceder a um cômputo.
O resultado destas pesquisas era fundamental para o desenvolvimento da
matemática: tratava-se de saber se é possível haver um procedimento efetivo para
se solucionar todos os problemas de uma determinada classe que estivesse bem
definida. O conjunto desses esforços acabou por formar a fundamentação teórica
da que veio a ser chamada “Ciência da Computação”. Os resultados de Gödel e o
problema da decisão motivaram Turing primeiramente a tentar caracterizar
exatamente quais funções são capazes de ser computadas. Em 1936, Turing
consagrou-se como um dos maiores matemáticos do seu tempo, quando fez antever
aos seus colegas que é possível executar operações computacionais sobre a teoria
dos números por meio de uma máquina que tenha embutida as regras de um
sistema formal. Turing definiu uma máquina teórica que se tornou um conceito
chave dentro da Teoria da Computação. Ele enfatizou desde o início que tais
mecanismos podiam ser construídos e sua descoberta acabou abrindo uma nova
perspectiva para o esforço de formalizar a matemática, e, ao mesmo tempo,
marcou fortemente a História da Computação.
A percepção genial de Turing foi a substituição da noção intuitiva de
procedimento efetivo por uma idéia formal, matemática. O resultado foi a
construção de uma conceituação matemática da noção de algoritmo *, uma noção
que ele modelou baseando-se nos passos que um ser humano dá quando executa
um determinado cálculo ou cômputo. Ele formalizou definitivamente o conceito de
algoritmo.

4.7.1 A Máquina de Turing

Um dos primeiros modelos de máquina abstrata foi a Máquina de Turing.


Conforme o próprio Turing escreveu: “Computar é normalmente escrever símbolos
em um papel. Suponha que o papel é quadriculado, podendo ser ignorada a
bidimensionalidade, que não é essencial. Suponha que o número de símbolos é
finito. [...]. O comportamento do(a) computador(a) é determinado pelos símbolos
que ele(a) observa num dado momento, e seu estado mental nesse momento.
Suponha que exista um número máximo de símbolos ou quadrículas que ele(a)
possa observar a cada momento. Para observar mais serão necessárias operações
sucessivas. Admitamos um número finito de estados mentais [...]. Vamos imaginar
que as ações feitas pelo(a) computador(a) serão divididas em operações tão

59
elementares que são indivisíveis. Cada ação consiste na mudança do sistema
computador(a) e papel. O estado do sistema é dado pelos símbolos no papel, os
símbolos observados pelo(a) computador(a) e seu estado mental. A cada operação,
não mais de um símbolo é alterado, e apenas os observados são alterados. Além de
mudar símbolos, as operações devem mudar o foco da observação, e é razoável
que esta mudança deva ser feita para símbolos localizados a uma distância fixa dos
anteriores. [...] Algumas destas operações implicam mudanças de estado mental do
computador(a) e portanto determinam qual será a próxima ação”.

*Palavras como procedimento efetivo e algoritmo representam conceitos básicos dentro da


Ciência da Computação. São noções que na época de Turing já eram utilizadas pelos matemáticos,
como por exemplo Frege e Hilbert (ver capítulos que tratam dessas duas importantes figuras).

O trabalho de Turing ficou documentado no artigo On Computable Numbers


with an aplication to the Entscheidungsproblem, publicado em 1936 * ([Tur50],
volume XII). Ele descreveu em termos matematicamente precisos como pode ser
poderoso um sistema formal automático, com regras muito simples de operação.
Turing definiu que os cálculos mentais consistem em operações para
transformar números em uma série de estados intermediários que progridem de
um para outro de acordo com um conjunto fixo de regras, até que uma resposta
seja encontrada. Algumas vezes se usa o papel e lápis, para não se perder o estado
dos nossos cálculos. As regras da matemática exigem definições mais rígidas que
aquelas descritas nas discussões metafísicas sobre os estados da mente humana, e
ele concentrou-se na definição desses estados de tal maneira que fossem claros e
sem ambigüidades, para que tais definições pudessem ser usadas para comandar
as operações da máquina †. Turing começou com uma descrição precisa de um
sistema formal, na forma de “tabela de instruções” que especificaria os
movimentos a serem feitos para qualquer configuração possível dos estados no
sistema. Provou então que os passos de um sistema axiomático formal semelhante
à lógica e os estados da máquina que perfaz os “movimentos” em um sistema
formal automático são equivalentes entre si. Estes conceitos estão todos
subjacentes na tecnologia atual dos computadores digitais, cuja construção tornou-
se possível uma década depois da publicação do matemático inglês.
Um sistema formal automático é um dispositivo físico que manipula
automaticamente os símbolos de um sistema formal de acordo com as suas regras.
A máquina teórica de Turing estabelece tanto um exemplo da sua teoria da
computação quanto uma prova de que certos tipos de máquinas computacionais
poderiam ser construídas. Efetivamente, uma Máquina de Turing Universal ‡,
exceto pela velocidade, que depende do hardware, pode emular qualquer
computador atual, desde os supercomputadores até os computadores pessoais,
com suas complexas estruturas e poderosas capacidades computacionais, desde
que não importasse o tempo gasto. Ele provou que para qualquer sistema formal
existe uma Máquina de Turing que pode ser programada para imitá-lo. Ou em
outras palavras: para qualquer procedimento computacional bem definido, uma
Máquina de Turing Universal é capaz de simular um processo mecânico que
execute tais procedimentos.
De um ponto de vista teórico, a importância da Máquina de Turing está no
fato de que ela representa um objeto matemático formal. Através dela, pela
primeira vez, se deu uma boa definição do que significa computar algo. E isso
levanta a questão sobre o que exatamente pode ser computado com tal dispositivo
matemático, assunto fora do escopo do presente trabalho e que entra no campo da
complexidade computacional.

60
4.7.2 O problema da parada e o problema da decisão

* Um ano mais tarde, trabalhando independentemente, Alan Post publicou seu trabalho sobre
uma máquina semelhante à de Turing.
† Há um anexo onde se detalha um pouco mais sobre o funcionamento de uma Máquina de
Turing.
‡ Uma Máquina de Turing Universal é uma Máquina de Turing específica que lê na sua fita de
alimentação, além de dados de entrada, um programa Ρ que é uma especificação de uma Máquina
de Turing qualquer.

Turing mostrou que o funcionamento de sua máquina (usar-se-á a sigla MT a


partir de agora) e a aplicação das regras de formação de um sistema formal não
têm diferença. Ele demonstrou também que seu dispositivo poderia resolver
infinitos problemas mas havia alguns que não seriam possíveis, porque não haveria
jeito de se prever se o dispositivo pararia ou não. Colocando-se de outra maneira:
dado um programa P para uma MT e uma determinada entrada de dados E, existe
algum programa que leia P e E, e pare após um número finito de passos, gerando
uma configuração final na fita que informe se o programa P encerra sua execução
após um número finito de passos ao processar E?
Comparando-se com as afirmações sobre verdades aritméticas, dentro de um
sistema formal consistente da aritmética, que não são passíveis de prova dentro
deste sistema, percebe-se que o problema da parada de Turing nada mais é do que
o Teorema de Gödel, mas expresso em termos de uma máquina computacional e
programas, ao invés de uma linguagem de um sistema dedutivo da Lógica
Matemática.
Em 1936 Turing provou formalmente o seguinte teorema:

Teorema da Parada: Dado um programa P qualquer para uma Máquina de


Turing e uma entrada E qualquer de dados para esse programa, não existe uma
Máquina de Turing específica que pare após um número finito de passos, e que
diga se P em algum momento encerra sua execução ao processar E. A solução
negativa desse problema computacional implica também numa solução negativa
para o problema de Hilbert. Portanto nem todos os enunciados verdadeiros da
aritmética podem ser provados por um computador *.

*Os computadores possuem conjuntos de instruções que correspondem a regras fixas de um


sistema formal. Como provou Gödel, existem problemas não solucionáveis dentro de um método
axiomático e, portanto, há problemas que um computador não resolve. Esta afirmação não deve ser
vista como algo pessimista dentro da Ciência da Computação: que um computador não possa
resolver todos os problemas não significa que não se possa construir uma máquina ou algoritmo
específico para solucionar determinado tipo de problema [NN56].

4.7.3 Outras participações

4.7.3.1 Decifrando códigos de guerra

Em 1940 o governo inglês começou a interessar-se de maneira especial pelas


idéias de Turing. Ele foi convocado pela Escola de Cifras e Códigos, do governo,
cuja tarefa era decifrar mensagens codificadas do inimigo. Quando a guerra
começou, a Escola Britânica de Códigos era dominada por lingüistas e filólogos. O
Ministério do Exterior logo percebeu que os teóricos dos números tinham melhores
condições de decifrar os códigos alemães. Para começar, nove dos mais brilhantes
teóricos dos números da Inglaterra se reuniram na nova sede da Escola de Códigos
em Bletchley Park, uma mansão vitoriana em Bletchley, Buckinghamshire. Turing

61
teve que abandonar suas máquinas hipotéticas com fitas telegráficas infinitas e
tempo de processamento interminável, para enfrentar problemas práticos, com
recursos finitos e um limite de tempo muito real.
Devido ao segredo que cercava o trabalho realizado por Turing e sua equipe,
em Bletchley, a imensa contribuição que prestaram ao esforço de guerra não pôde
ser reconhecida publicamente por muitos anos após o conflito. Costuma-se dizer
que a Primeira Guerra Mundial foi a guerra dos químicos e a Segunda Guerra
Mundial, a guerra dos físicos. De fato, a partir da informação revelada nas últimas
décadas, provavelmente é verdade dizer que a Segunda Guerra Mundial também
foi a guerra dos matemáticos. E no caso de uma terceira guerra mundial sua
contribuição seria ainda mais crítica.
Em toda sua carreira como decifrador de códigos, Turing nunca perdeu de
vista seus objetivos matemáticos. As máquinas hipotéticas tinham sido substituídas
por máquinas reais, mas as questões esotéricas permaneciam. Quando a guerra
terminou, Turing tinha ajudado a construir um computador, o Colossus, uma
máquina inteiramente eletrônica com 1.500 válvulas que eram muito mais rápidas
do que os relês eletromecânicos usados nas bombas *. Colossus era um
computador no sentido moderno da palavra. Com sua sofisticação e velocidade
extra, ele levou Turing a considerá-lo um cérebro primitivo. Ele tinha memória,
podia processar informação, e os estados dentro do computador se assemelhavam
aos estados da mente. Turing tinha transformado sua máquina imaginária no
primeiro computador legítimo. Depois da guerra, Turing continuou a construir
máquinas cada vez mais complexas tais como o Automatic Computing Engine.
Para maiores detalhes sobre os episódios que envolveram Turing e a Máquina
Enigma, e de como foi decifrado o código de guerra alemão, ver o anexo Turing e a
Máquina Enigma.

* A bomba (Bombe em inglês) era uma máquina eletromecânica, com vários conjuntos de
rotores, idênticos aos da máquina geradora de códigos secretos alemã chamada Enigma(ver o anexo
Turing e a Máquina Enigma). Ao contrário da Enigma, os rotores da Bombe rodavam
automaticamente para percorrer todas as configurações possíveis. Quando encontrasse uma
configuração que tornasse compatível o palavra adivinhada e o texto cifrado, a máquina parava e o
cripto-analista iria testar aquela configuração com o resto do texto cifrado numa Enigma; se o
resultado não fosse correcto, re-inicializava a bombe para continuar a procura.

4.7.3.2 O computador ACE e inteligência artificial

Enviado à América para trocar informações com o serviço de inteligência


americano e conhecer os projetos relacionados a computadores, ele tomou
conhecimento das emergentes tecnologias eletrônicas e chegou a participar de
outro projeto secreto, o Delilah, um codificador de voz (conhecido nos filmes de
espionagem como scramblers), tendo entrado em contato com von Neumann (que
quis trazê-lo para junto de si em seus projetos) e com os engenheiros da Bell
(incluindo Claude Shannon). De volta para a Inglaterra, entrou para o National
Physical Laboratory, onde trabalhou no desenvolvimento do Automatic Computing
Engine (ACE), uma das primeiras tentativas de construção de um computador
digital. No fim da guerra, já se detinha o conhecimento sobre novas tecnologias
eletrônicas, que poderiam ser usadas para aumentar a velocidade dos então
circuitos lógicos existentes. A real possibilidade de se construir modelos de
Máquinas de Turing Universais fez com que o governo inglês investisse na
construção desse novo dispositivo, mas os americanos foram mais agressivos em
seus investimentos e acabaram ganhando a corrida na construção de
computadores. Turing, vítima de intrigas políticas, ficou fora do centro e controle

62
dos novos trabalhos. Seus relatórios técnicos sobre os projetos de hardware e
software do ACE eram ambiciosos e se a máquina originalmente imaginada por ele
tivesse sido construída imediatamente, os ingleses não teriam amargado o atraso
em relação aos seus colegas do outro lado do Atlântico.
Foi também durante a temporada do ACE que Turing começou a explorar as
relações entre o computador e os processos mentais, publicando um artigo,
Computing Machinery and Intelligence (1950), sobre a possibilidade da construção
de máquinas que imitassem o funcionamento do cérebro humano. Pode uma
máquina pensar, perguntava-se em seu artigo, e além de focar no assunto
inteligência das máquinas, Turing adquiriu especial notoriedade ao tentar
introduzir, através desse artigo, um teste para decidir se realmente pode ou não
uma máquina pensar imitando o homem. Em novembro de 1991, o Museu do
Computador de Boston realizou uma competição entre 8 programas que simulavam
o Turing test, ganho por um programa chamado PC Therapist III. O problema do
teste de Turing é de natureza behaviorista, isto é, somente observa o
comportamento exterior, o que lhe dá uma caráter um tanto reducionista. Sérias
controvérsias ocorreram e ainda ocorrem sobre esse tema, que esta fora do escopo
deste livro *.
*Para uma melhor percepção, existe uma interessante literatura: R.Rucher, Mind Tools; D.
Holfstadter, Gödel, Escher, Bach: an eternal golden braid; R. Penrose, The emperor's new mind; J.
Lucas, Minds, Machines and Gödel

4.7.3.3 Programação de computadores

Turing também esteve interessado na programação das operações de um


computador − o que então começou a chamar-se de codificação − em função das
operações matemáticas aí envolvidas e começou a escrever linguagens de
programação, avançadas então para o hardware da época. Turing estava
convencido de que operações de cálculo eram somente um dos tipos de sistemas
formais que poderiam ser imitados pelos computadores. Em particular, ele
percebeu como as tabelas de sua máquina teórica poderiam tornar-se elementos
de uma poderosa gramática que as máquinas utilizariam para modificar suas
próprias operações Turing inovou ao começar a elaborar tabelas de instruções, que
automaticamente converteriam a escrita decimal a que estamos acostumados em
dígitos binários. Estes poderiam ser lidos pelas máquinas que começavam a ser
construídas tendo como base a álgebra booleana.
Turing anteviu assim que no futuro, os programadores poderiam trabalhar
com as linguagens hoje conhecidas como de alto nível. Dizia: “As tabelas de
instruções deverão ser feitas por matemáticos com experiência em computadores e
certa habilidade em resolver problemas de solução mais difícil. Haverá bastante
trabalho deste tipo a ser feito, se todo os processos conhecidos tiverem de ser
convertidos na forma de tabelas de instruções em determinado momento. Esta
tarefa seguirá paralelamente à construção da máquina, para evitar demoras entre
o término desta e a produção de resultados. Poderão ocorrer atrasos, devido a
virtuais obstáculos desconhecidos, até o ponto em que será seja melhor deixar os
obstáculos lá do que gastar tempo em projetar algo sem problemas (quantas
décadas estas coisas levarão?). Este processo de elaboração de tabelas de
instruções será fascinante”. [Rhe85]
Ele percebeu ainda que a capacidade de um computador não estaria somente
limitada às questões de hardware, mas também de software. Exceto talvez por
Konrad Zuse e von Neumann, foi o único a falar sobre os desafios matemáticos e
lógicos da arte de programar computadores e seria von Neumann quem

63
completaria em um estilo elegante sua idéia de uma linguagem de programação
mais sofisticada.

4.7.4 O triste fim

O trabalho de Turing na Computação e na Matemática foi tragicamente


encerrado por seu suicídio em junho de 1954, com a idade de 42 anos. Turing era
homossexual e, depois da fuga de dois espiões britânicos de igual tendência para a
então União Soviética, nos inícios da década de 1950, houve uma especial pressão
sobre ele para corrigir sua condição através do uso de hormônios. Turing, não
agüentando a forte pressão, tomou cianeto.

4.8 A tese de Church-Turing e outros resultados teóricos

Até aqui foi mostrado como, do ponto de vista formal, surgiu a idéia de
computação. Dentro dessa dimensão formal se procurará mostrar agora que o
cume atingido, e ainda não ultrapassado, foi a Máquina de Turing. É um genial
modelo abstrato de equipamento, com capacidade de processar complicadas
linguagens e calcular o valor de funções aritméticas não-triviais. Pode ainda ser
aperfeiçoado para realizar operações mais complexas, embora em relação ao
modelo básico isto não implique um salto qualitativo, isto é, que o torne algo mais
poderoso.
Em termos computacionais pode-se dizer que as Máquinas de Turing são um
modelo exato e formal da noção intuitiva de algoritmo: nada pode ser considerado
um algoritmo se não puder ser manipulado por uma Máquina de Turing. O
princípio de que as Máquinas de Turing são versões formais de algoritmos e de
que procedimento computacional algum seja considerado um algoritmo a não ser
que possa ser instanciado por uma Máquina de Turing é conhecido como a Tese de
Church, em homenagem ao brilhante matemático americano Alonzo Church (1903
- 1995), ou ainda Tese de Church-Turing. É uma proposição, não um teorema,
porque não é um resultado matemático: simplesmente diz que um conceito
informal corresponde a um objeto matemático *.
Fazendo uma pequena retrospectiva. Após os resultados de Gödel, em 1931,
muitos lógicos matemáticos partiram em busca do que seria uma noção
formalizada de um procedimento efetivo (por efetivo entenda-se mecânico), ou
seja, o que pode ser feito seguindose diretamente um algoritmo ou conjunto de
regras (como já visto, antigo sonho de séculos, que remonta a Leibniz). Destas
buscas surgiram:
• a sistematização e desenvolvimento das funções recursivas (introduzidas nos
trabalhos de Gödel e Herbrand) por Stephen Cole Kleene (1909-1994) em sua
teoria lógica da computabilidade (parte de seu livro Introdução à Metamatemática,
um dos cumes da lógica matemática dos últimos anos);
• as Máquinas de Turing; • o cálculo-lambda (componente característico
fundamental da linguagem de programação LISP) de Alonzo Church; • a Máquina
de Post, análoga à de Turing, tornada pública um pouco depois, fruto de trabalho
independente, e seu sistema para rescrita de símbolos (cuja gramática de Chomsky
é um caso particular), de Emil L. Post (1897 - 1954).

*Teoricamente é possível que a tese de Church seja derrubada em algum futuro, caso surja um
modelo alternativo de computação que seja publicamente aceitável como algo que preenche
totalmente as exigências de executar finitamente cada passo e fazer operações não executadas por
qualquer Máquina de Turing. Até a data da confecção deste trabalho não surgiu ainda algo de

64
consistente que viesse a superar a tese de Church (o "computador quântico" − sobre o qual não há
ainda uma literatura séria disponível, para se poder falar algo dele nesse trabalho − é algo que
poderia ocasionar um abalo nesse sentido)

Com efeito, todos esses conceitos levaram à mesma conclusão e acabaram por
ter o mesmo significado, dentro do citado escopo da busca de uma definição bem
elaborada de processo efetivo. O que se desenvolverá aqui refere-se mais a Church
e Turing (Kleene fez em seu trabalho uma ampla abordagem de ambos, tirando
várias conseqüências, e Post trata do mesmo tema de Turing), para se ter uma
visão mais clara da diversificação dos estudos da década de 1930, com vistas à
fundamentação teórica de toda a Computação.
Em seu célebre teorema, Church demonstrou, em 1936, que não pode existir
um procedimento geral de decisão para todas as expressões do Cálculo de
Predicados de 1a ordem, ainda que exista tal procedimento para classes especiais
de expressões de tal cálculo. Isso pode causar certo espanto quando se observa
que o Cálculo de Predicados de 1a ordem é semanticamente completo, com o que
se diz, implicitamente, que o próprio cálculo, com seus axiomas e regras, constitui
um algoritmo capaz de enumerar uma após outra todas as suas expressões válidas.
Estas expressões são em quantidade indefinida, e, mesmo sendo enumeráveis (isto
é, elaboráveis passo a passo a partir dos axiomas), essa enumeração não tem fim.
Compreende-se então que, ao se conseguir demonstrar uma determinada fórmula
P em certo momento, isto já basta para afirmar que se trata de uma fórmula válida.
E, pelo contrário, se depois de haver deduzido mil teoremas dos axiomas, P ainda
não apareceu, não se pode afirmar nada, porque P poderia aparecer após outros
mil teoremas, permitindo-se reconhecer sua validade, ou não aparecer nunca, por
não ser válida. Mas não se poderá afirmar em qual caso se está, mesmo depois das
mil deduções.[Aga86].
A decisão, dentro desse cálculo, seria possível possuindo-se um algoritmo
capaz de enumerar as expressões não válidas. A expressão P então aparecia dentro
desse conjunto de não válidas em algum momento. O teorema de Church de que se
está tratando consiste fundamentalmente na demonstração de que não existe
algoritmo capaz de enumerar as expressões não válidas, de maneira que fica
excluído a priori todo procedimento de decisão para as expressões do Cálculo de
Predicados, em geral. Para compreender as razões de semelhante fato seria
necessário valer-se das noções técnicas relacionados com os conceitos da
matemática recursiva, que excedem amplamente os limites deste trabalho.

Figura 19: Alonzo Church

Também Church estava interessado no problema de Hilbert. O resultado a que


Turing tinha chegado em 1936, sobre o problema da decisão de Hilbert, havia sido
também alcançado por Church, alguns poucos meses antes, empregando o
conceito formalizado de lambda-definibilidade (ao invés do computável por uma
Máquina de Turing, definido por Turing), no lugar do conceito informal
procedimento efetivo ou mecânico. Kleene, em 1936, mostrou que lambda-

65
definibilidade é equivalente ao conceito de recursividade de GödelHerbrand, e,
nesse período, Church formulou sua tese, estabelecendo que a recursividade é a
própria formalização do efetivamente computável. Isso foi estabelecido, no caso
das funções dos inteiros positivos, por Church e Kleene, em 1936.
O cálculo-lambda, como sistema elaborado por Church para ajudar a
fundamentar a Matemática (1932/33) era inconsistente, como o mostraram Kleene
e Rosser (1935). Mas a parte do cálculo-lambda que tratava de funções recursivas
estava correta e teve sucesso. Usando sua teoria, Church propôs uma formalização
da noção de “efetivamente computável”, através do conceito de lambda-
definibilidade. Turing, em 1936 e 1937, ao apresentar a sua noção de
computabilidade associada a uma máquina abstrata, mostrou que a noção Turing-
computável é equivalente à lambda-definibilidade [Hur80]. O trabalho de Church e
Turing liga fundamentalmente os computadores com as MT. Os limites das MT, de
acordo com a tese de Church-Turing, também descreve os limites de todos os
computadores.
O processo que determina o valor de uma função através dos argumentos
dessa função é chamado de cálculo da função (ou computar uma função). Como foi
observado, a máquina de Turing pode ser matematicamente interpretada como um
algoritmo e, efetivamente, toda ação de uma máquina algorítmica como o
computador pode ser considerada como a de calcular o valor de uma função com
determinados argumentos. Este ‘insight’ é interessante, pois fornece uma maneira
de se medir a capacidade computacional de uma máquina. Necessita-se somente
identificar as funções que se é capaz de computar e usar esse conjunto como
medida. Uma máquina que compute mais funções que outra é mais poderosa.
A partir dos resultados de Gödel, Turing e Church, pode-se dizer que existem
funções para as quais não existe uma seqüência de passos que determinem o seu
valor, com base nos seus argumentos. Dizendo-se de outra maneira, não existem
algoritmos para a solução de determinadas funções. São as chamadas funções não
computáveis. Isso significa que para tais funções não há nem haverá capacidade
computacional suficiente para resolvê-las. Logo, descobrir as fronteiras entre
funções computáveis e não computáveis é equivalente a descobrir os limites do
computador em geral. A tese de Church-Turing representa um importante passo
nesse sentido.
A percepção de Turing foi a de que as funções computáveis por uma MT eram
as mesmas funções computáveis acima referidas. Em outras palavras, ele
conjeturou que o poder computacional das MT abarcava qualquer processo
algorítmico, ou, analogamente, o conceito da MT propicia um contexto no qual
todas as funções computáveis podem ser descritas. Em síntese: as funções
computáveis são as mesmas funções Turing-computáveis. A importância disso está
na possibilidade de se verificar o alcance e limites de um computador. Na figura
que segue pode-se visualizar como se dá a ligação entre os mundos formal,
matemático e computacional.

66
Figura 20: Relacionamento entre mundos formal, matemático e computacional (cfr. [Cas97])
5 Pré-História tecnológica

Como já foi dito, só foi possível chegar aos computadores pelas descobertas
teóricas de homens que, ao longo dos séculos, acreditaram na possibilidade de
criar ferramentas para aumentar a capacidade intelectual humana, e dispositivos
para substituir os aspectos mais mecânicos do modo de pensar do homem. E desde
sempre essa preocupação se manifestou na construção de mecanismos para ajudar
tanto nos processos de cálculo aritmético quanto nas tarefas repetitivas ou
demasiado simples, que pudessem ser substituídas por animais ou máquinas.
Neste capítulo se tratará dos dispositivos físicos que precederam o computador,
principalmente as máquinas analógicas que incentivaram a corrida final até o
aparecimento dos computadores digitais.

5.1 Dispositivos mais antigos

Os primeiros dispositivos que surgiram para ajudar o homem a calcular têm


sua origem perdida nos tempos. É o caso, por exemplo, do ábaco e do quadrante. O
primeiro, capaz de resolver problemas de adição, subtração, multiplicação e
divisão de até 12 inteiros, e que provavelmente já existia na Babilônia por volta do
ano 3.000 a.C. Foi muito utilizado pelas civilizações egípcia, grega, chinesa e
romana, tendo sido encontrado no Japão, ao término da segunda guerra mundial.
O quadrante era um instrumento para cálculo astronômico, tendo existido por
centenas de anos antes de se tornar objeto de vários aperfeiçoamentos. Os antigos
babilônios e gregos como, por exemplo, Ptolomeu, usaram vários tipos de
dispositivos desse tipo para medir os ângulos entre as estrelas, tendo sido
desenvolvidos principalmente a partir do século XVI na Europa. Outro exemplo é o
compasso de setor, para cálculos trigonométricos, utilizado para se determinar a
altura para o posicionamento da boca de um canhão, e que foi desenvolvido a
partir do século XV.
Os antigos gregos chegaram até a desenvolver uma espécie de computador.
Em 1901, um velho barco grego foi descoberto na ilha de Antikythera. No seu
interior havia um dispositivo (agora chamado de mecanismo Antikythera)
constituído por engrenagens de metal e ponteiros. Conforme Derek J. de Solla
Price, que em 1955 reconstruiu junto com seus colegas essa máquina, o dispositivo
Antikythera é “como um grande relógio astronômico sem a peça que regula o
movimento, o qual usa aparatos mecânicos para evitar cálculos tediosos” (An

67
Ancient Greek Computer, pg. 66 *). A descoberta desse dispositivo, datado do
primeiro século a.C., foi uma total surpresa, provando que algum artesão do
mundo grego do mediterrâneo oeste estava pensando em termos de mecanização e
matematização do tempo (...)” [Bol84].

*Trabalho citado por Bolter, que descreve o dispositivo Antikythera, na Scientific American,
junho de 1959, pgs. 60-67.

5.2 Logaritmos e os primeiros dispositivos mecânicos de


cálculo

John Napier, Barão de Merchiston, é bastante conhecido pela descoberta dos


logaritmos, mas também gastou grande parte de sua vida inventando instrumentos
para ajudar no cálculo aritmético, principalmente para o uso de sua primeira
tabela de logaritmo.
A partir dos logaritmos de Napier surgiu uma outra grande invenção,
desenvolvida pelo brilhante matemático Willian Oughtred e tornada pública em
1630: a régua de cálculo. Ganhou sua forma atual por volta do ano de 1650 (de
uma régua que se move entre dois outros blocos fixos), tendo sido esquecida por
duzentos anos, para se tornar no século XX o grande símbolo de avanço
tecnológico, com uso extremamente difundido, até ser definitivamente substituída
pelas calculadoras eletrônicas.
Com o desenvolvimento dos primeiros dispositivos mecânicos para cálculo
automático, começa efetivamente a vertente tecnológica que levará à construção
dos primeiros computadores. A preparação do caminho para a completa
automatização dos processos de cálculo foi executada pelos esforços desses
primeiros pioneiros da Computação, que vislumbraram a possibilidade da
mecanização mas não possuíam os instrumentos e materiais adequados para
concretizar seus projetos. Entre esses grandes nomes não se pode deixar de citar
Wilhelm Schickard (1592-1635) e os já citados Pascal e Leibniz. Existem obras
sobre essas invenções e somente serão citados os elemento básicos que as
compunham *, pois muitas dessas idéias estarão presentes de alguma forma nos
futuros computadores.
Quase todas as máquinas para execução de cálculos mecânicos desses três
séculos a partir do XVI tinham 6 elementos básicos em sua configuração [Wil97]:
• um mecanismo através do qual um número é introduzido na máquina. Nos
primeiros projetos isso era parte de um outro mecanismo, chamado seletor,
tornando-se algo independente nas máquinas mais avançadas;
• um mecanismo que seleciona e providencia o movimento necessário para
executar a adição ou subtração das quantidades apropriadas nos mecanismos de
registro;
• um mecanismo (normalmente uma série de discos) que pode ser
posicionado para indicar o valor de um número armazenado dentro da máquina
(também chamado de registrador);
• um mecanismo para propagar o “vai um” por todos os dígitos do
registrador, se necessário, quando um dos dígitos em um registrador de resultado
avança do 9 para o 0;
• um mecanismo com a função de controle, para verificar o posicionamento
de todas as engrenagens ao fim de cada ciclo de adição; • um mecanismo de
‘limpeza’ para preparar o registrador para armazenar o valor zero.

*Havia também o problema, de modo algum simples, da invenção de mecanismos que

68
produzissem os movimentos exigidos pelas engrenagens durante os cálculos

5.3 Charles Babbage e suas máquinas

A idéia de Leibniz de, através de máquinas, liberar o homem das tarefas


repetitivas e de simples execução foi quase posta em prática pelo matemático e
astrônomo inglês Charles Babbage (1792-1871), considerado unanimemente um
dos grandes pioneiros da era dos computadores. No ano de 1822 ele apresentou
em Londres o projeto de um mecanismo feito de madeira e latão, que poderia ter
alterado o rumo da história se tivesse sido construído efetivamente. Babbage
concebeu a idéia de um dispositivo mecânico capaz de executar uma série de
cálculos.

Figura 21: Desenho de Charles Babbage

Já por volta da década de 1820 ele tinha certeza de que a informação poderia
ser manipulada por máquina, caso fosse possível antes converter a informação em
números. Tal engenho seria movido a vapor, usaria cavilhas, engrenagens, cilindros
e outros componentes mecânicos que eram as ferramentas tecnológicas
disponíveis em sua época. Para descrever os componentes de sua máquina
faltavam-lhe os termos que atualmente são usados. Chamava o processador central
de “usina” e referia-se à memória da máquina como “armazém”. Babbage
imaginava a informação sendo transformada da mesma forma que o algodão −
sendo tirada do armazém e modificada para algo diferente. Em 1822 Babbage
escrevia uma carta a Sir Humphry Davy, o então presidente da Royal Society, sobre
automatizar, como ele próprio dizia, “o intolerável trabalho e a cansativa
monotonia” das tabelas de cálculo, escrevendo um trabalho científico intitulado
“On the Theoretical Principles of the Machinery for Calculating Tables”(...) [Gol72].
Embora conhecido por seu trabalho na área de Computação, não será demais
citar que Charles Babbage foi também um excelente matemático e ao lado de
Peacock, Herschel, De Morgan, Gregory e do próprio George Boole, pode ser visto
como um dos introdutores da concepção moderna da Álgebra. Além disso foi um
dos líderes da Sociedade Real de Astronomia inglesa, tendo publicado também
pesquisas no campo da óptica, meteorologia, eletricidade e magnetismo,
funcionamento de companhias de apólices de seguros, criptologia, geologia,
metalografia, sistemas taxonômicos, máquinas a vapor, etc. Escreveu e publicou
vários livros, um deles (On the Economy of Machinery and Manufacturers)
reconhecido posteriormente como um dos trabalhos pioneiros na área chamada
Pesquisa Operacional.
Mas o que motivou esse inglês a fazer um dispositivo capaz de resolver
equações polinomiais através do cálculo de sucessivas diferenças entre conjuntos
de números (ver anexo sobre o Método das Diferenças) foi a necessidade de uma
maior precisão na elaboração de tabelas logarítmicas.
No final do século XVIII houve uma proliferação de tabelas de vários tipos.
Desde Leibniz e Newton os matemáticos estiveram preocupados com o problema

69
da produção de tabelas, tanto por meios matemáticos − como no caso das de
multiplicação, seno, coseno, logaritmos, etc. − ou por meio de medições físicas −
densidade em função da altitude, constante gravitacional em diferentes pontos da
terra, entre outras coisas. A intenção era reduzir o trabalho de cálculo, mas as
tabelas produzidas pelos especialistas tinham muitos erros. Os matemáticos
estavam cientes deles e estudos foram elaborados para se tentar melhorar a
situação. Nestas circunstâncias apareceu o projeto denominado Difference Engine
de Babbage, que lhe valeu o apoio de seus colegas da Sociedade Real e fundos do
governo britânico para iniciá-lo.
O desafio era construir um dispositivo para computar e imprimir um conjunto
de tabelas matemáticas. Babbage contratou um especialista em máquinas, montou
uma oficina e então começou a descobrir quão distante estava a tecnologia do seu
tempo daqueles mecanismos altamente precisos e de movimentos complexos
exigidos pelo seu projeto. A conclusão foi que deveria, antes de iniciar a
construção da Máquina de Diferenças, gastar parte dos seus recursos para tentar
avançar o próprio estado da arte da tecnologia vigente. Todos estes trabalhos
prolongaram-se por alguns anos, sem sucesso, até que o governo inglês desistiu do
financiamento. Em 1833 Charles Babbage parou de trabalhar em sua máquina *.
Apesar de tudo, esse teimoso inglês já vinha desenvolvendo novas idéias.
Provavelmente tentando alguma nova modificação no projeto da Máquina de
Diferenças foi que Charles Babbage concebeu um mecanismo mais complicado que
este em que falhara após vários anos de tentativas. O pensamento era simples: se é
possível construir uma máquina para executar um determinado tipo de cálculo, por
que não será possível construir outra capaz de qualquer tipo de cálculo? Ao invés
de pequenas máquinas para executar diferentes tipos de cálculos, não será
possível fazer uma máquina cujas peças possam executar diferentes operações em
diferentes tempos, bastando para isso trocar a ordem em que as peças interagem?
Era a idéia de uma máquina de cálculo universal, que virá a ser retomada em
1930 por Alan Turing, e que terá então conseqüências decisivas. Vale ressaltar que
o Analitical Engine, a Máquina Analítica − nome dado por Charles Babbage à sua
invenção − estava muito próxima conceitualmente daquilo que hoje é chamado de
computador.
A Máquina Analítica poderia seguir conjuntos mutáveis de instruções e,
portanto, servir a diferentes funções − mais tarde isso será chamado de software...
Ele percebeu que para criar estas instruções precisaria de um tipo inteiramente
novo de linguagem e a imaginou como números, flechas e outros símbolos. Ela
serviria para Babbage “programar” a Máquina Analítica, com uma longa série de
instruções condicionais, que lhe permitiriam modificar suas ações em resposta a
diferentes situações.

*Esta máquina, conforme imaginada por Babbage, foi construída e colocada em operação pelo
Museu de Ciência de Londres e mostrada com seus desenhos em 1862 durante exposição
internacional. Em 1849 Babbage entregaria ao governo britânico uma nova versão da Máquina de
Diferenças, que nem considerada foi. Em 1991 foi construida esta segunda versão [Wil97].

70
Figura 22: Máquina Diferencial de Babbage construída pelo Museu de Londres

Reconhecendo a importância de se terem resultados impressos, Charles


procurou que os resultados finais e os intermediários fossem impressos para evitar
erros. Dispositivos de entrada e saída eram assim necessários. A entrada de dados
para a máquina seria feita através de três tipos de cartões: “cartões de números”,
com os números das constantes de um problema; “cartões diretivos” para o
controle do movimento dos números na máquina; e “cartões de operação” para
dirigir a execução das operações tais como adições, subtrações, etc. Mas o mais
genial estava por vir: duas inovações simples mas que produziram um grande
impacto. A primeira era o conceito de “transferência de controle” que permitia à
máquina comparar quantidades e, dependendo dos resultados da comparação,
desviar para outra instrução ou seqüência de instruções. A segunda característica
era possibilitar que os resultados dos cálculos pudessem alterar outros números e
instruções colocadas na máquina, permitindo que o “computador” modificasse seu
próprio programa. Nestes temas teve importante participação, Ada Augusta Byron,
condessa de Lovelace, a primeira efetiva programadora de computadores, sobre a
qual ainda se falará.

5.3.1 A máquina de Jacquard, inspiração de Babbage

Figura 23: Tear de Jacquard

É importante fazer uma menção a Joseph-Mariae Jacquard (1752-1834), um


francês que produziu uma máquina para substituir o trabalho humano. Na
verdade, Babbage despertou para seu novo projeto observando a revolução
produzida pelos teares de Jacquard*, dotados de um dispositivo que automatizava
o processo de tecelagem com vistas a obter determinados padrões de desenho.
Para executar um determinado trançado, a fiandeira deveria ter um plano ou
programa que lhe dissesse que fios deveriam passar por cima ou por baixo, quando

71
repetir o processo, etc. O ponto chave da máquina de Jacquard era o uso de uma
série de cartões cujos buracos estavam configurados para descrever o modelo a
ser produzido. O sucesso foi total e em 1812 havia na França cerca de 11.000
teares de Jacquard ([Bri79b], volume V). Adaptando o tear de Jacquard, a Máquina
Analítica processava padrões algébricos da mesma maneira que o tear processava
padrões de desenhos.

*O tear de Jacquard inspirou também a Herman Hollerith, sobre quem se falará mais adiante.

5.3.2 Uma Lady como primeira programadora

Ada Augusta Byron era filha do famoso poeta Lord Byron e foi educada pelo
matemático logicista inglês Augustus De Morgan. Bem cedo demonstrou ter
grandes talentos na área. Apresentada a Babbage durante a primeira
demonstração da Máquina de Diferenças, tornou-se uma importante auxiliar em
seu trabalho, sendo, sobretudo, alguém que compreendeu o alcance das novas
invenções. Ela percebeu que, diferentemente das máquinas anteriores com
funcionamento analógico (execução de cálculos usando medidas), a Máquina de
Diferenças era digital (execução de cálculos usando fórmulas numéricas). Mais
importante ainda, deu-se conta da combinação entre funções lógicas e aritméticas
na máquina de Babbage.
Quando Charles Babbage visitou Turim a convite do amigo Giovanni Plana,
astrônomo e compilador de tabelas, ministrou uma série de palestras para distintos
públicos, incluindo Luigi F. Menabrea, futuro primeiro-ministro da Itália. Este ficou
impressionado com o trabalho de Babbage e tomou uma série de notas, publicadas
depois em 1842 pela Biblioteca da Universidade de Genebra. Lady Lovelace
traduziu para o inglês essas notas, acrescentando muitas observações pessoais
[Gol72]. Esta publicação e outro ensaio (Observations on Mr. Babbage’s Analytical
Engine) a colocam como patrona da arte e ciência da programação. Conforme
comentado por B.H. Newman, os escritos de Ada Byron “mostram como ela teve
uma total compreensão dos princípios de um computador programado, um século
antes do tempo deste” [Moo77].
Mesmo não estando a máquina construída, Ada procurou escrever seqüências
de instruções tendo descoberto conceitos que seriam largamente utilizados na
programação de computadores como subrotinas, loops e saltos.

5.4 Outras Máquinas Diferenciais e Máquinas Analíticas

Embora não fosse fácil, o trabalho de Babbage foi divulgado por um certo Dr.
Dionysus Lardner, que procurou descrever a máquina e seu modo geral de
operação [Wil97]. Um sueco, George Scheutz, editor de um jornal técnico de
Estocolmo, leu e ficou entusiasmado pela máquina descrita por Lardner e, sem se
comunicar com Babbage, propôsse a construir a sua Máquina de Diferenças, junto
com o filho *. Os anos de 1840, 1842 e 1843 marcaram etapas bem sucedidas no
desenvolvimento do projeto, culminando com um modelo preliminar. Em outubro
de 1854 o dispositivo de Scheutz estava completo e em funcionamento. Outros,
como por exemplo Alfred Decon, inglês, Martin Wiberg, sueco e G. B. Grant,
americano, construíram modelos derivados, e até 1931 Máquinas de Diferenças
foram construídas para produzir diferentes tipos de tabelas [Wil97]. Com relação à
Máquina Analítica, parece que o irlandês Percy Ludgate (1883-1922) projetou e
tentou construir um mecanismo similar ao de Babbage, conforme pequena

72
descrição feita em um diário científico de Dublin, em 1909.

*Em 1854, durante uma viagem a Londres, Scheutz pai e filho encontraram-se com Charles
Babbage, que aprovou a máquina por eles construída. Ambos nunca esconderam depois sua
admiração pelas idéias do inglês.

Figura 24: Máquina Diferencial de George Scheutz

5.5 A última contribuição do século XIX: Herman Hollerith

Figura 25: Tabuladora de Hollerith

O próximo passo importante na História da Computação não está relacionado


com tabelas de cálculo de logaritmos ou desenvolvimento de leis do pensamento. O
próximo “pensador” a avançar o estado da arte foi Herman Hollerith, um
empregado de apenas 19 anos do United States Census Office. Seu papel não teve
impacto sobre os importantes fundamentos teóricos da Computação e sua invenção
já é obsoleta. Mas sua pequena inovação cresceu tanto na indústria que, mais
tarde, Hollerith veio a dominar o uso da tecnologia de computadores. Em 1890 ele
ganhou a concorrência para o desenvolvimento de um equipamento de
processamento de dados para auxiliar o censo americano daquele ano. A empresa
fundada para isto, Hollerith Tabulating Machines, veio a ser uma das três que em
1914 compôs a empresa CTR (Calculating-Tabulating-Recording), renomeada em
1924 para International Business Machine - IBM [IEEE95].
Hollerith, inspirado pelos teares de Jacquard, desenvolveu a idéia de se
aproveitar os cartões perfurados dos teares em uma máquina que pudesse
interpretar, classificar e manipular as somas aritméticas representadas pelas
perfurações. Ele combinou cartões perfurados com os novos dispositivos
eletromagnéticos de então.

5.6 Computadores analógicos

73
Figura 26: Dispositivo analógico simples

Há uma história interessante sobre os computadores analógicos, cujas origens


remontam ao passado distante. Muitos dispositivos analógicos foram desenvolvidos
a partir do ano 400 a.C. Típicos são os astrolábios (ver anexo sobre o assunto), o já
mencionado mecanismo Antikythera, os instrumentos de sinalização e os
planetários [Wil97]. Irá interessar particularmente para esse trabalho uma classe
específica de instrumentos analógicos: as máquinas integradoras, que remontam a
Maxwell, Faraday, Kelvin e Michelson, entre outros, que tentaram desenvolver
dispositivos para executar operações matemáticas [Lil45]. Essas foram usadas em
projetos que exigiam a solução de equações diferenciais e modelagem de sistemas
mais complexos, como o movimento das ondas do mar, evoluindo até os
computadores eletrônicos analógicos, alguns ainda usados até os dias de hoje para
aplicações especiais. Tais desenvolvimentos formam uma parte dessa infra-
estrutura que constituiu a base para o aparecimento dos computadores digitais.
Um computador analógico é um dispositivo no qual os números são
representados por quantidades físicas medidas, e nos quais equações ou relações
matemáticas são representadas por diferentes componentes, correspondendo a
operações matemáticas singulares, tais como integração, adição ou multiplicação.
Um dispositivo analógico muito conhecido é a régua de cálculo. Ela consiste
basicamente de dois trilhos graduados de acordo com os logaritmos de números, e
os trilhos deslizam um sobre o outro. Os números são representados através de
comprimentos nos trilhos e a operação física que pode ser executada é a soma de
dois comprimentos nos trilhos. Sabe-se que o logaritmo de um produto de dois
números é a soma dos logaritmos deles. Assim pode-se com a régua de cálculo
formar a soma de dois comprimentos e executar multiplicação e operações
correlatas.
Os componentes analógicos podem ser divididos em duas classes, dependendo
da maneira como os números são representados: i) por quantidades mecânicas,
como um deslocamento linear ou rotação angular; ii) quantidades elétricas, como
voltagem, corrente, impedância, condutividade. Se os deslocamentos lineares são
usados para representar números, há caminhos simples, nos quais relações
geométricas podem aparecer através de formas mecânicas. As operações
matemáticas podem ser realizadas usando-se uma relação geométrica
correspondente. Na figura ao lado pode-se ver um computador analógico muito
simples.
No final do século XIX, as equações matemáticas que apareciam nos estudos

74
de física passaram a exigir uma grande quantidade de cálculos, quase impossíveis
de se resolver na prática. Os físicos começaram a desenvolver sofisticadas
ferramentas matemáticas para descrever, através de equações*, a operação de
determinados tipos de mecanismos, assim como conceber máquinas cujo
movimento era feito de acordo com equações. Uma solução foi a de se criar um
sistema físico análogo e cujo comportamento pudesse ser quantitativamente
observado. Por exemplo: o fluxo de calor é análogo ao fluxo de eletricidade, onde
temperatura corresponde a potencial elétrico. Logo, pela análise de camadas
eletricamente condutoras, dispostas de maneira a simular às características de
uma estrutura, pode-se investigar o fluxo de calor dentro dessa estrutura ([Bri79a],
volume XI). Alguém que quisesse projetar um dispositivo desse tipo deveria:
i) analisar quais operações desejaria executar;
ii) procurar um aparato físico cujas leis de operação sejam análogas àquelas
que se deseja executar;
iii) construir o aparelho;
iv) resolver o problema medindo as quantidades físicas envolvidas.
Dois nomes famosos estão diretamente ligados à efetiva produção de
dispositivos analógicos para resolução de cálculos mais complexos: James Clerk
Maxwell (1831-1879), o criador da teoria sobre a eletricidade e o magnetismo, e
James Thomson. Ambos inventaram dispositivos analógicos por volta de 1860
[Gol72].

Em todos os dispositivos analógicos que começaram a aparecer, a operação


fundamental é a da integral, isto é, todos eles produziam como saída,
dado f(x) como entrada. Dentro da evolução das máquinas analógicas,
os analisadores diferenciais foram os dispositivos que mais tarde
passaram a ser chamados propriamente de computadores analógicos.

*Como por exemplo equações diferenciais ordinárias, séries de transformações de Fourier,


sistemas de equações algébricas lineares

5.6.1 Primeiras evoluções: século XV

É por volta do século XV que aparecem dispositivos analógicos mais


sofisticados, utilizados para prever os intervalos de tempos de maré alta e baixa
em alguns portos europeus. São os chamados “tide predictors”, com suas escalas
circulares, seus ponteiros que marcavam a posição do sol e da lua – e um
interessante sistema de checagem desses dados – e que, juntamente com algumas
informações específicas do porto, permitia ao usuário ler nas escalas do
instrumento o tempo aproximado entre a maré alta e baixa. Quando na metade do
século XVIII foi possível encontrar uma fórmula para o cálculo de séries de
coeficientes de coseno (y = A cos(u) + B cos(v) + C cos(w) + ...), Lord Kelvin
construiu uma máquina analógica para avaliar essa fórmula. Chamou-a analisador
harmônico, e um exemplo pode ser visto na próxima figura.
Um desses primeiros dispositivos foi elaborado em 1878. Escrevendo sobre
seu analisador harmônico de ondas do mar Kelvin disse: “O objetivo desta máquina
é substituir o grande trabalho mecânico de calcular os fatores elementares que
constituem a subida e descida da maré (...)”[Gol72]. Uma análise harmônica
consiste em se formar um número de integrais do tipo geral ∫ f (t ) g (t )dt , onde g
é uma função seno ou coseno. A avaliação das integrais desse tipo foi o que Kelvin
conseguiu, fazendo uma engenhosa adaptação de um integrador * elaborado por

75
seu irmão.

*Integrador é também um dispositivo analógico, que produz como resultado a integral de f(x).
Seria exaustivo e fugiria do escopo do trabalho falar sobre esses dispositivos – existem ainda os
planímetros, para medir áreas de figuras traçadas por um operador humano, etc. – que fazem parte
desses primeiros esforços em direção a sofisticados mecanismos analógicos.

A última invenção de Kelvin relevante para nossa história foi o que agora é
chamado Analisador Diferencial, um dispositivo para a solução de sistemas de
equações diferenciais ordinárias. Dos dispositivos chamados integradores é
possível obter uma integral que é o produto de duas variáveis. Uma grande gama
de sistemas de equações pode ser computada por esses componentes. Kelvin
nunca chegou a construir sua máquina por não dispor de tecnologia suficiente. A
dificuldade estava em como usar a saída de um integrador como entrada em outro.
Na explicação de Maxwell, o problema central era a saída estar medida pela
rotação de um disco ligado a uma roda. Esta roda é acionada por estar apoiada
sobre um disco que gira em torno de um eixo. O torque desse disco − sua
capacidade de girar a roda − é muito pequeno e conseqüentemente ele, de fato,
não pode fornecer uma entrada para outro integrador *. Esses problemas
permaneceram suspensos por quase 50 anos até o desenvolvimento dos
amplificadores de torque. Analisadores diferenciais mecânicos foram revitalizados
por volta de 1925 e o mais famoso destes foi o construído no Instituto de
Tecnologia de Massachusetts (MIT) por Vannevar Bush †.

Figura 27: Dispositivo analógico de Lord Kelvin

5.6.2 Michelson e seu analisador harmônico; I Guerra


Mundial

“O principal obstáculo na construção de tal máquina está na acumulação de


erros envolvida no processo de adição. O único instrumento projetado para efetuar
esta adição é o de Lord Kelvin (...). O alcance da máquina é, no entanto, limitado
pelo pequeno número de elementos na conta (...), pois com um considerável
aumento no número de elementos, os erros acumulados devido aos fatores já
mencionados logo neutralizariam as vantagens do aumento do número de termos
na série.” São palavras de Albert A. Michelson (1852 - 1931) em 1898 [MS98], um
dos grandes físicos do século XX. Interessou-se pelo desenvolvimento de um
analisador harmônico que pudesse manipular uma série de Fourier de até 20
termos, continuando a tradição das máquinas analógicas.

76
*Outra dificuldade substancial: não é possível aumentar muito o número de termos em uma
série pois o seu dispositivo de adição de termos levava a um acúmulo de erros. Para uma longa série
de termos o resultado poderia estar completamente viciado.
† Após a Segunda Guerra Mundial, analisadores diferenciais mecânicos começaram a se tornar
obsoletos com o desenvolvimento de analisadores diferenciais eletrônicos e com o aparecimento da
Computação eletrônica digital.

Figura 28: Analisador harmônico de Michelson

Durante a I Guerra Mundial tornaram-se estratégicos os problemas referentes


aos cálculos balísticos, o que foi um incentivo à continuidade do desenvolvimento
de máquinas computacionais. Um desses problemas é o de como determinar a
função de deslocamento, observando-se a resistência do ar, em função da
velocidade. Quando a artilharia aponta para objetos que se movem, como navios ou
aviões, é essencial prever o movimento dos alvos. Foram duas décadas (1910 e
1920) em que houve um grande aprofundamento teórico, com a formação de
grupos de matemáticos nos EUA e Inglaterra, cujas principais descobertas estão
nos procedimentos numéricos para solução de equações diferenciais com grande
precisão [Gol72].

5.6.3 Computadores analógicos eletromecânicos

Nos primeiros anos do século XX muitos físicos e engenheiros de todo o


mundo estiveram trabalhando em questões fundamentais da área de eletricidade.
Centros de pesquisa foram criados em Harvard, no MIT, na IBM, na General
Electric, e outros lugares. Tiveram sucesso na formulação matemática dos
problemas em teoria de circuitos e muitos textos foram escritos nos anos da
década de 1920, especialmente por Vannevar Bush no MIT, A.E. Kennelly de
Harvard e do MIT, C.P Steinmetz da General Electric, entre outros [Gol72].
Também não se pode esquecer o trabalho fundamental de Oliver Heaviside (1850-
1897), um inglês que desenvolveu um dispositivo matemático para manipular
equações e analisar indução eletromagnética, e o trabalho de Norbert Wiener junto
a Bush. Como se disse sobre Kelvin e seu analisador harmônico, o grande
problema foi ele não dispor da suficiente tecnologia para desenvolver um

dispositivo que executasse a operação de gerar a integral do produto


de duas funções, , e por vários anos a idéia esteve esquecida até o
desenvolvimento dos amplificadores de torque.
A partir de 1927 até 1931, Vannevar Bush e sua equipe no MIT desenvolveram

77
mecanismos para resolver equações diferenciais ordinárias. Bush deve
especialmente a C. W. Niemann, engenheiro e inventor do amplificador de torque
Bethlehem, a possibilidade de ter construído seu famoso analisador diferencial,
terminado em 1931. Usando o amplificador de Niemann, Bush pôde construir uma
máquina usando exclusivamente integradores. Ainda mecânico, este dispositivo foi
aprimorado durante a II Guerra Mundial, pela substituição dos mecanismos
puramente mecânicos por corrente e voltagem, obtidas através de potenciômetros
instalados sobre os discos cuja rotação representava quantidades. As voltagens
correspondiam à soma, produto e a uma função de uma variável. Entram aqui
conceitos de servo-mecanismos e amplificadores operacionais [Ryd67].
Ainda dentro do mundo dos computadores analógicos, deve-se destacar o
trabalho do físico inglês Douglas Hartree, das universidades de Manchester e
Cambridge, que tentou resolver equações diferenciais parciais com analisadores
diferenciais, e que, ao deparar-se com cálculos altamente complexos, anteviu e
preparou o advento dos computadores eletrônicos [Gol72].
As novas descobertas da indústria e da ciência no campo da eletricidade −
proporcionando rapidez e precisão aos equipamentos − juntamente com a
limitação dos equivalentes analógicos eletromecânicos, acabaria por impor a nova
tecnologia de circuitos. Uma nova era da Computação começava a ser desvelada. É
necessário assinalar, no entanto, que novas máquinas analógicas eletromecânicas
− sucedâneas da última máquina de Bush, no MIT, em 1942 − foram construídas e
até 1960 ainda estavam em uso ([Bri79a], volume XI).

5.7 Circuitos elétricos e formalismo lógico: Claude Elwood


Shannon

Como um grande tapete, que vai sendo tecido aos poucos por diferentes
artesãos que não têm a visão de todo o conjunto, paulatinamente avançou a teoria
e a técnica que levaram à construção do computador digital. Paralelamente aos
matemáticos, também um jovem engenheiro, Claude E. Shannon (1916 - 2001),
com a idade de 22 anos, deu uma grande contribuição à Computação: em 1937 ele
estabeleceu uma ligação entre os circuitos elétricos e o formalismo lógico. Mestre
em Engenharia Elétrica e Doutor (PhD) em Matemática pelo Instituto de
Tecnologia de Massachusetts (MIT), Cambridge, MA, em 1940, durante a Segunda
Guerra Mundial, Shannon começou a desenvolver uma descrição matemática da
informação, dando origem a um ramo de estudos conhecido como Teoria da
Informação[Gat95]. Deu ainda importantes contribuições na área da Inteligência
Artificial.

Figura 29: Claude E. Shannon

78
O que Shannon fez em 1937 foi mostrar um caminho para projetar máquinas
baseadas na lógica algébrica descrita um século antes por George Boole, aquela
em que só havia dois valores no sistema de cálculo lógico: 1 e 0. Se um valor é
verdadeiro, ele pode ser representado pelo valor 1 e, se falso, pelo 0. Nesse
sistema, uma tabela-verdade descreveria os vários estados lógicos possíveis. Uma
das características importantes da álgebra de Boole é que as operações lógicas
podem ser colocadas juntas e formar novas operações.
Claude Shannon percebeu que a mesma álgebra poderia descrever o
comportamento de circuitos elétricos chaveados. Igualmente importante foi o
modo como estas combinações entre operações lógicas e aritméticas poderiam ser
usadas para se construir uma “operação de memória”. A álgebra booleana torna
possível a construção de um dispositivo de “estado” que pode armazenar qualquer
informação específica, seja um dado ou uma operação. E se um circuito elétrico
pode executar operações matemáticas e lógicas, e pode também armazenar os
resultados de tais operações, então os computadores digitais podem ser
construídos.
Em resumo:
• lógica booleana, cujas tabelas-verdade poderiam representar as regras de
um sistema lógico formal;
• tabelas de instruções da Máquina de Turing que podem simular as
tabelasverdade de Boole;
• dispositivos como o relê – já então muito usados em telefones – para
representar “estados” de máquina.
Em breve já seria possível a construção de circuitos elétricos que simulavam
algumas operações lógicas. Shannon estava procurando um procedimento
matemático que fosse o mais adequado para se descrever o comportamento de
circuitos a relê*. Sua tese de mestrado publicada em 1937 mostrou como a álgebra
booleana poderia ser usada para descrever as operações desses complexos
circuitos.

*Um relê é uma chave ou dispositivo que abre ou fecha um circuito, permitindo ou bloqueando
o fluxo da eletricidade. É semelhante a um interruptor de luz, com a diferença de que o relê não é
ligado ou desligado por uma ação humana, mas pela passagem de uma corrente elétrica.

Nos dez anos seguintes ao seu primeiro trabalho (a tese anteriormente


citada), Shannon dirigiu seu interesse para o estudo da comunicação, parte de um
trabalho já iniciado por Norbert Wiener, de quem se falará mais adiante.
Depois da guerra, tendo encontrado uma ferramenta perfeita para a descrição
de circuitos a relê, Claude Shannon procurou definir matematicamente aquilo que
as novas máquinas processavam. Ele estava interessado nas leis subjacentes aos
sistemas de comunicação de mensagens feitos pelo homem, na diferença entre
ruído e mensagem e de como esta mantinha a sua ordem em um meio onde a
“desordem” – ruído – é muito alta. Chegou a equações muito parecidas às do físico
Boltzmann sobre as leis da entropia.
Em 1948 Shannon publicou dois trabalhos que originaram a já citada área da
Teoria da Informação (A Mathematical Theory of Information) *. O
desenvolvimento deu-se rapidamente, afetando não somente o projeto de sistemas
de comunicação, mas também áreas como automatização, ciência da informação,
psicologia, lingüística e termodinâmica ([Bri79a], volume IX).
Em 1950 publicou “A Chess Playing Machine” onde propunha que
computadores digitais poderiam ser adaptados para trabalhar simbolicamente com
elementos representando palavras, proposições ou outras entidades conceituais,
dando prosseguimento ao emergente ramo de estudos denominado mais tarde

79
Inteligência Artificial. Em 1953, com “Computers and Automata” falou sobre
simulação, através de hardware e software, de algumas operações da mente
([Rhe85], capítulo 6).
Em 1956, mantendo seu trabalho nos laboratórios da Bell, Shannon aceitou o
cargo de professor no MIT, atividade que exerceu durante muitos anos.
Preocupava-se com os conceitos e simplificava ao máximo a simbologia. Onde
outros professores poriam símbolos e mais símbolos, índices e mais índices,
Shannon colocava duas ou três letras e incentivava os alunos a perceber as
relações matemáticas que essas letras traduziam.
Gênio matemático que combinava a intuição, a abstração e as aplicações,
Claude Shannon tinha como passatempos andar de monociclo, construir máquinas
de jogar xadrez e outras aparentemente inúteis †. Estendeu sua Teoria Matemática
de Comunicação ao campo da criptologia. Claude Shannon, tinha a doença de
Alzheimer. Faleceu no sábado, 24 de Fevereiro de 2001, no Courtyard Nursing
Care Center em Medford, Massachusetts. Ele estava com 84 anos.

*Informalmente falando, trata da representação matemática das condições e parâmetros que


afetam a transmissão e processamento da informação. É importante notar que “informação”, como
entendida na teoria da informação, não tem nada a ver com o significado inerente na mensagem.
Significa um certo grau de ordem, de não randomicidade, que pode ser medida e tratada
matematicamente como as quantidades físicas.
†Elaborou um autômato que procurava a saída num labirinto e aquela a que chamou de
“máquina final”. Nela, via-se apenas um interruptor. Ligando-o, o aparelho emitia um som zangado e
dele emergia uma mão mecânica que desligava o interruptor, terminando a brincadeira.

6 As primeiras máquinas

6.1 Os primeiros computadores eletromecânico

A partir da década de 1930 alguns cientistas começaram a trabalhar com


dispositivos de cálculo com algum tipo de sistema de controle automático. Já se
dispunha da tecnologia necessária para se construir aquela estrutura imaginada
por Babbage. Surgiram os primeiros computadores mecânicos e eletromecânicos e
muitos projetos de computadores eletrônicos feitos posteriormente sofreram
muitas influências dessas primeiras máquinas.

6.1.1 Konrad Zuse

Figura 30: Konrad Zuse por volta dos anos 70

Konrad Zuse (1910 - 1995) foi o primeiro a desenvolver máquinas de cálculo


controladas automaticamente. Esse engenheiro civil percebeu rapidamente que um
dos aspectos mais onerosos ao se fazerem longos cálculos com dispositivos

80
mecânicos era guardar os resultados intermediários para depois utilizá-los nos
lugares apropriados nos passos seguintes [Zus80]. Em 1934, depois de várias
idéias e tentativas, Zuse chegou à conclusão que um calculador automático
somente necessitaria de três unidades básicas: uma controladora, uma memória e
um dispositivo de cálculo para a aritmética. Ele desenvolveu o seu Z1, em 1936,
um computador construído inteiramente com peças mecânicas e que usava uma
fita de película cinematográfica para as instruções que controlavam a máquina.
Em 1938, antes mesmo de terminar o Z1, um aluno de Zuse, Helmut Schreyer,
construiu uma parte do Z1 usando válvulas. Em função da situação de pré-guerra,
Zuse teve de abandonar essa linha de desenvolvimento – seriam necessárias 1000
válvulas, o que era impossível naquele momento – e continuou o Z2 usando
tecnologia baseada em relês.
Esses dois primeiros modelos eram somente para teste: “tinham todas as
características do computador posterior, mas não trabalhavam satisfatoriamente.
O Z3 foi terminado em 1941 e foi o primeiro modelo totalmente operacional” *
[Zus80]. O Z3, como a maioria das máquinas dessa primeira geração, usava dois
mecanismos separados para as funções aritméticas e tinha uma unidade especial
para conversão de números na notação decimal para a binária. Em termos de
velocidade podia ser comparado ao MARK I, discutido mais à frente, que foi
terminado dois anos após o Z3. O Z3 executava três a quatro adições por segundo
e multiplicava dois números em quatro ou cinco segundos. Nunca chegou a ser
usado para grandes problemas em função de possuir uma memória de tamanho
limitado. Foi destruído, junto com a casa de Zuse, por um bombardeio em 1944.
O Z4 começou a ser desenvolvido quase que simultaneamente ao final do
trabalho do Z3. Era essencialmente a mesma máquina, com maior capacidade de
memória e mais rápida. Por causa do avanço das tropas aliadas, o trabalho do Z4
foi interrompido quase ao seu final e a máquina ficou escondida em uma pequena
cidade da Bavária chamada Hinterstein Em 1950, na Suíça, Zuse reconstruiu o seu
Z4, e fundou uma empresa de computadores, absorvida depois pela Siemens. As
máquinas de Zuse tiveram pouco impacto no desenvolvimento geral da
Computação pelo absoluto desconhecimento delas até um pouco depois da guerra
[Zus80].

6.1.2 As máquinas da Bell e as máquinas de Harvard

Por volta de 1937, enquanto Turing desenvolvia a idéia da sua “Máquina


Universal" e formalizava o conceito do que é computar e do que é um algoritmo,
nos Estados Unidos dois outros matemáticos também consideravam o problema da
computação: Howard Aiken, em Harvard, cujo trabalho daria seus frutos em 1944,
e George Stibitz, nos laboratórios da Bell Telephones. Eles procuravam
componentes eletromecânicos que pudessem ser usados na computação de
cálculos.
Nos últimos anos da década de 1930 os problemas envolvendo cálculos com
números complexos (aqueles com partes imaginárias, envolvendo raízes negativas)
no projeto de equipamentos telefônicos começaram a dificultar o crescimento da
Cia. Bell Telephone. As pesquisas da empresa então começaram a ser direcionadas
à descoberta de mecanismos que pudessem satisfazer essa necessidade cada vez
mais crescente de cálculos mais rápidos. Stibitz demonstrou que relês podiam ser
utilizados para executar operações aritméticas. A partir de 1938, juntamente com
S. B. Willians começou a implementar suas idéias, e em 1939 estava pronto o seu
Modelo I. Seus outros 'Modelos' chegaram até o número VI, terminado em 1950 –

81
tendo estado em uso até 1961 –, e juntamente com os computadores K do Dr. Zuse
foram os primeiros computadores de código binário, baseados em relês [Sti80].

*Quer dizer, tinha o controle automático das suas operações.

Ao mesmo tempo, nos Laboratórios de Computação de Harvard, Howard


Aiken e engenheiros da IBM começaram a desenvolver um outro tipo de máquinas
eletromecânicas, não totalmente baseada nos relês, já incorporando uma nova
tecnologia que seria amplamente utilizada mais tarde: as memórias de núcleo de
ferrite. Ao término de sua primeira versão, em 1943, o IBM Automatic Sequence
Controlled Calculator, comumente chamado de Harvard Mark I *, tinha uma série
de novas capacidades: modificava instruções dinamicamente baseando-se nos
resultados obtidos durante o processamento, possuía unidades para decidir qual o
melhor algoritmo para execução de um cálculo através do argumento de uma
função, testava o conteúdo de registradores, etc. Diferenciava-se
fundamentalmente de máquinas anteriores, como o EDSAC, (citado mais à frente),
por usar memórias separadas para instruções e dados, o que ficou denominado
como arquitetura de harvard. Quando terminado em 1944, foi imediatamente
adotado pela marinha americana, para fins militares. Novas versões foram
produzidas até 1952.

6.1.3 A participação da IBM

As máquinas de calcular mecânicas produzidas por empresas como a IBM não


tinham linha de produção até a entrada dessas empresas no mercado de
computadores propriamente dito. Eram equipamentos para auxiliar tarefas
computacionais, que variavam desde as tabuladoras de Hollerith até tabuladoras
para cálculos científicos como as produzidas por L.J. Comrie na Inglaterra ou
Wallace J. Eckert nos Estados Unidos. Em 1935 a IBM começou a produzir suas
séries 602, 602A até 605, calculadoras baseadas em relês que produziam em altas
velocidades – como Babbage imaginou – tabelas de vários tipos, com alta
confiabilidade. Uma posterior evolução foi a possibilidade dessas máquinas
poderem ser programadas através de painéis de controle ('plugboards') para ler
um cartão, executar até 60 diferentes cálculos aritméticos, e perfurar o resultados
no próprio cartão de leitura. Outras empresas como a Remington Rand produziram
equipamentos semelhantes [Wil97].
Depois do sucesso do Mark I em Harvard, no qual teve grande participação
com o laboratório em Endcott, a IBM lançou-se na produção do Selective Sequence
Electronic Calculator (SSEC), sob o comando de Frank Hamilton, que pertenceu ao
grupo de Aiken, em Harvard. Terminado em 1947, atraiu um importante grupo de
pesquisadores que buscavam o aprimoramento da capacidade de cálculo e cujas
soluções apontavam para um conceito decisivo para os computadores: o de
programa armazenado. O último computador eletromecânico produzido foi o CPC,
Card-Programmed Electronic Calculator, modelos I e II que finalizaram a série 700
[Hur80].

6.2 O início da era da computação eletrônica

Durante os anos de 1936 a 1939, “John Vincent Atanasoff, com John Berry,
desenvolveu a máquina que agora é chamada de ABC (Atanasoff-Berry Computer),
na Universidade de Iowa, EUA, como uma máquina dedicada especialmente à

82
solução de conjuntos de equações lineares na Física. Embora sendo um dos
primeiros exemplos de calculadora eletrônica, o ABC propiciou o desenvolvimento
dos primeiros conceitos que iriam aparecer nos computadores modernos: a
unidade aritmética eletrônica e a memória de leitura e gravação” [IEEE95].

*Não confundir com um protótipo do computador EDASC, construído na Universidade de


Manchester em 1948, baseado no conceito de programa armazenado

6.2.1 Estados Unidos: ENIAC, EDVAC e EDSA

No início da Segunda Guerra, as necessidades de melhores tabelas de cálculo


para as trajetórias de tiros tornaram-se imperativas, pois os analisadores
diferenciais estavam no seu limite. Nessa época foi então montado, na Moore
School of Electrical Engineering, da Universidade da Pensilvânia (Filadelfia, EUA),
um grupo de pesquisa para o desenvolvimento de projetos eletrônicos relacionados
ao futuro radar. Entre eles, J. Presper Eckert, Joseph Chedaker e Kite Sharpless
logo se envolveram na produção de circuitos eletrônicos usados como contadores.
Eckert (1919-1995) e um pouco mais tarde John Mauchly (1907-1980), físico,
e Herman H. Goldstine, matemático, acabaram por tornarem-se os principais
protagonistas na construção do primeiro computador de uso geral que realmente
funcionou como tal, o ENIAC (Electronic Numerical Integrator and Computer):
esta máquina e a equipe que a projetou e construiu, serão responsáveis por um
grande salto no desenvolvimento dos computadores eletrônicos. Seu formato era
em U, suas memórias tinham 80 pés de comprimento por 8,5 de largura, e cada um
dos seus registradores de 10 dígitos media 2 pés. Ao todo possuía 18.000 válvulas.
Executava desvios condicionais e era programável, o que o diferenciava das outras
máquinas construídas até a data. Sua programação era feita manualmente, através
de fios e chaves. Os dados a serem processados entravam via cartão perfurado. Os
programas típicos do ENIAC demoravam de meia hora a um dia inteiro para serem
elaborados e executados.
Em 1944 John von Neumann ingressou como consultor na equipe da
Universidade da Pensilvânia. Os responsáveis pelo projeto estavam interessados
em melhorar a maneira como os programas eram desenvolvidos e iniciaram
discussões a respeito do armazenamento de programas na forma de números.
Iniciaram assim um trabalho sobre projetos de computadores que foi fundamental
nos 40 anos que se seguiram. Em 30 de junho de 1945, von Neumamm publicou o
First Draft of a Report on the EDIVAC (Electronic Discrete Variable Automatic
Computer), que estabeleceu o paradigma de projetos de computadores para várias
gerações seguintes de máquinas. Essa arquitetura ficou conhecida com o nome de
“arquitetura de von Neumann”, e entre outras coisas incluía o conceito de
programa armazenado *. O ENIAC começou a operar em 1943, tendo sido
terminado totalmente em 1946, encerrando suas operações em 1955. A saída dos
professores Eckert e Mauchly da equipe atrasou, no entanto, o desenvolvimento do
projeto EDVAC, só concluído em 1952.
Em 1946, Maurice Wilkes, da Universidade de Cambridge, visitou a Moore
School para participar de uma conferência sobre computadores. Ao regressar a
Cambridge, decidiu iniciar um projeto para um computador baseado no princípio
do programa armazenado, chamado EDSAC (Electronic Delay Storage Automatic
Calculator), que se tornou operacional em 1949. Foi o primeiro computador de
grande porte, baseado no citado conceito, que entrou em operação.

83
*Muitos dos pioneiros do desenvolvimento dos computadores acreditam que esse termo dá um
crédito exagerado ao trabalho de von Neumann, que escreveu as idéias, e muito pouco aos
engenheiros Eckert e Mauchly, que construíram as máquinas. A polêmica foi ruidosa e, em 1947,
estes dois últimos deixaram a Moore School.

6.2.2 A contribuição inglesa: o COLOSSUS

Enquanto isso, na Inglaterra, o grande esforço era decifrar o código secreto


de guerra germânico. Um grupo especial formado por cientistas e matemáticos
reuniu-se em Bletchley Park, um lugar entre as Universidades de Cambridge e
Oxford, para tentar construir uma máquina capaz de decodificar o alfabeto
produzido pela versão germânica de um dispositivo inventado nos Estados Unidos,
o ENIGMA [Kah67]. A equipe era liderada pelo prof. T. H. Flowers, sendo o prof. M.
H. A. Newman o responsável pelos requisitos que levariam, em 1943, à construção
do computador digital eletrônico COLOSSUS *. O trabalho do grupo de Betchley
foi enormemente influenciado pelos resultados sobre computabilidade obtidos por
Alan Turing. Este trabalhava no departamento de comunicação criado pelo
governo britânico em função da guerra, com a missão de treinamento em lógica
matemática e logo alocado também para os esforços de decifrar o código secreto
alemão. O COLOSSUS acabou não sendo conhecido em sua época por duas razões.
A primeira é não ter sido ele um computador para uso geral, mas sim projetado
especialmente para decodificar mensagens secretas. A segunda: a existência desta
máquina somente foi revelada a partir de 1970, sendo que seus algoritmos de
decodificação são ainda secretos.
Ainda na Inglaterra, após o fim da guerra, Turing uniu-se ao centro de
pesquisas do National Physical Laboratory, onde rapidamente elaborou o projeto
básico do Automatic Computing Engine (ACE), que iniciou operações em 1950.

6.2.3 Outras contribuições

Um importante aspecto do desenvolvimento dos computadores foi a produção


de dispositivos chamados de 'memória'. Desde Konrad Zuse, a construção de
computadores que pudessem ter seus programas armazenados preocupou os
cientistas e foi um fator determinante nas primeiras arquiteturas. Das memórias
mecânicas de Zuse, passando pelas memórias térmicas – utilizadas somente
experimentalmente – de A. D. Booth, pelos sistemas de linha de retardo baseados
em mercúrio de Willian Shockley, da Bell – aperfeiçoada por Presper Eckert –
utilizados no ENIAC, pelas memórias eletrostáticas de Willians até os núcleos
magnéticos de ferrite, um árduo caminho foi percorrido. A memória de núcleos
magnéticos acabou preponderando, tendo sido utilizada primeiramente em uma
máquina de teste no MIT e mais tarde no computador conhecido como Whirlwind.
O uso das memórias de núcleo magnético aumentaram excepcionalmente o
desempenho dos computadores, podendo ser consideradas como um divisor de
águas no desenvolvimento dos mesmos. Importantes também nesse primeiro
período foram duas grandes revoluções tecnológicas: o emprego de válvulas para
tornar o computador mais rápido, confiável e de uso geral, e o conceito de
programa armazenado. Esta técnica de usar uma “memória de armazenamento”
assim como a “transferência de controle via condição”, que permitiam parar e
reiniciar o processamento a qualquer instante, abriu enorme perspectiva para a
programação de computadores. O elemento chave dessa arquitetura era a unidade
central de processamento, que permitia a coordenação de todas as funções do
computador através de uma única fonte. Em 1951, o UNIVAC I (Universal

84
Automatic Calculator), construído pela Remington-Rand, tornou-se o primeiro
computador comercialmente disponível que utilizava esses conceitos.

*Tornado operacional em 1944, decodificando mensagens para ajudar nos planos do


desembarque do dia D, ainda nesse ano.

Figura 31: ENIAC, sua programação era feita com fios ("hard wired")

Figura 32:Colossus, da Inglaterra. Sua programação também era feita com fios.

Esta primeira geração de computadores caracterizou-se pelo fato de que as


instruções de operação eram produzidas para tarefas específicas. Cada máquina
tinha um programa em código binário diferente que indicava o fluxo das
operações. Isto dificultava a programação e limitava a versatilidade desses
primeiros computadores.

Figura 33:da esquerda para a direita, Patsy Simmers, segurando uma placa do ENIAC, Gail
Taylor, segurando uma placa do EDVAC, Milly Beck, segurando uma placa do ORDVAC, Norma Stec,
segurando uma placa do BRLESC-I (atenção para o tamanho das placas)

Na figura que se segue há um pequeno resumo desses primeiros tempos da


computação eletrônica, tomando como referência o ensaio de Arthur W. Burks
[Bur51b].

85
Figura 34: Desenvolvimento do hardware e software nos primeiros tempos da Computação

6.3 As primeiras linguagens

Seguindo as premissas iniciais − de se destacar neste trabalho a evolução dos


conceitos e idéias ao longo da História da Computação − não se fará aqui uma
descrição exaustiva da evolução das linguagens de programação. Depois de
algumas considerações teóricas iniciais, serão vistas as motivações e as primeiras
tentativas de se estabelecer um código que pudesse ser lido e processado pelos
primeiros computadores.

6.3.1 Alguns aspectos teóricos

Como foi visto, um dos pontos fundamentais do projeto formalista de Hilbert


para a solução de problemas matemáticos era descobrir um procedimento efetivo
(ou mecânico) para verificar a validade de proposições matemáticas. Depois do
Teorema de Gödel evidenciou-se que tal proposta é irrealizável, mas todos os
estudos em torno desse projeto de Hilbert e dos resultados de Gödel propiciaram,
entre outras coisas, uma adequada caracterização do termo efetivamente
computável, através da Máquina de Turing e das funções lambda-definíveis de
Church e Kleene. Tornou-se claro o que é um procedimento efetivo, tornando-se
claro ao mesmo tempo o que é um problema computável.
Um procedimento efetivo é uma seqüência finita de instruções que podem ser
executadas por um agente computacional, seja ele homem ou não. Propriedades:

86
I. a descrição deve ser finita;
II. parte de um certo número de dados, pertencente a conjuntos específicos
de objetos, e espera-se que produza um certo número de resultados que
mantenham relação específica com os dados;
III. supõe-se que exista um agente computacional − humano, eletrônico,
mecânico, etc. − que execute as instruções do procedimento;
IV. cada instrução deve ser bem definida;
V. as instruções devem ser tão simples que poderiam ser executadas por
alguém usando lápis e papel, em um espaço de tempo finito.

Esse procedimento efetivo também é chamado de algoritmo. Programas de


computadores que terminam sua execução, fornecido qualquer conjunto específico
de dados de entrada, são algoritmos.
A descrição finita do algoritmo deve ser feita através de uma determinada
linguagem. Essa linguagem algorítmica deve pertencer a um subconjunto não
ambíguo de uma linguagem natural, tal como Francês ou Inglês, ou ser uma
linguagem artificial construída para isso, como, por exemplo, as linguagens de
programação (Fortran, Lisp, Ada, Cobol, Pascal, etc.). As frases da linguagem
descreverão as operações a serem executadas. A forma ou formato de
procedimentos efetivos em uma linguagem algorítmica qualquer é especificada por
um conjunto de regras chamado regras de sintaxe, cujas propriedades estão acima
enumeradas [BL74]. Essa sintaxe refere-se aos programas corretamente escritos
nela e o relacionamentoentre os símbolos e frases que ocorrem nesses programas.
Alguns autores a dividem em concreta e abstrata [Mos92]. A concreta envolve:
• reconhecimento de textos (seqüências de caracteres) corretamente escritos
de acordo com as especificações da linguagem;
• a colocação dos textos, de maneira não ambígua, dentro das frases que
compõe o programa. A sintaxe abstrata molda as estruturas de frases do
programa.
Portanto a sintaxe refere-se à forma dos programas: de que modo expressões,
comandos e declarações podem ser justapostos para compor um programa. Uma
linguagem de programação torna-se assim, entre outras coisas, uma notação
formal para a descrição de um algoritmo, entendendo-se por notação formal um
simbolismo que não tenha as imprecisões nem a variabilidade de uma linguagem
natural, que possibilite rigor nas definições e demonstrações sobre os
procedimentos.
Uma linguagem de programação necessita ainda de outros requisitos. Deve
ser universal, isto é, que qualquer problema cuja solução possa ser encontrada
através de um computador pode ser escrito com ela *. Na prática deve ser apta a
resolver, no mínimo, os problemas da área para a qual foi projetada †. E uma
característica fundamental: ser implementável em computador, isto é, deve ser
possível executar qualquer procedimento bem formado na linguagem [LSSK79].
Uma linguagem de programação também possui uma semântica. A semântica de
um programa irá depender exclusivamente do que se deseja causar ‡
objetivamente quando o programa for executado por um agente computacional,
eletrônico ou não. Os computadores atualmente são máquinas complexas. Quando
estão executando programas, luzes se acendem, cabeçotes dos discos movem-se,
corrente elétrica flui pelos circuitos, letras aparecem na tela ou são impressas, e
assim por diante. Um programa controla todos esses ‘fenômenos’ mediante sua
semântica. E se são consideradas as linguagens de programação de alto nível, que
não controlam diretamente esses detalhes de ordem física, falar de semântica

87
significa falar das características que tornam tais linguagens implementáveis em
qualquer computador, isto é, quais as características da execução do programa que
são comuns a todas as implementações. Portanto a semântica é uma entidade
abstrata: ela modela o que o programa quer causar quando é executado,
independentemente do seu uso nesse ou naquele computador. A semântica de uma
linguagem de programação é a mesma semântica de todos os programas escritos
nela [Mos92].
A evolução das linguagens de programação chegou até esses conceitos por
caminhos e esforços muitas vezes paralelos. Alguns informatas buscam caminhos
para projetar linguagens que combinem uma grande generalidade de usos
(aplicações matemáticas e científicas, gráficas, comerciais, etc.) com simplicidade
e eficiência. Isso levou ao desenvolvimento de diferentes paradigmas – estilos e
objetivos – de programação como o imperativo, o funcional, o orientado a objeto, o
lógico, etc. Outros buscaram e buscam caminhos para expressar a sintaxe e a
semântica, esta última talvez a parte mais importante dentro do assunto
linguagens de programação e que levou ao surgimento de diversas linhas: a
semântica algébrica, a denotacional, a de ações, etc.
* Qualquer linguagem em que se possa definir uma função recursiva será universal.
† Uma linguagem com somente tipos numéricos e arrays deve resolver naturalmente
problemas numéricos, por exemplo.
‡ A maioria dos livros ao falar de semântica usa a palavra behavior, de difícil tradução. Pode-
se dizer que é um conjunto de regras que determinam a ordem na qual as operações do programa
irão ser executadas, quais serão executadas primeiro e quando se encerrarão.

6.3.2 Desenvolvimentos anteriores a 1940

Mas, antes de entrar nesse mundo das linguagens, de que forma eram
anteriormente especificados os algoritmos? Os mais antigos algoritmos escritos
que se conhecem são os da velha Mesopotâmia. Eram seqüências de cálculos sobre
conjuntos particulares de dados e não uma abstração * de procedimento como
entendido na programação atual [Knu76]. Na civilização grega, vários algoritmos
não triviais foram estudados, como por exemplo o de Euclides. A descrição era
ainda informal.
A notação matemática começou a evoluir efetivamente a partir dos séculos
XIII e XIV e notações para relações funcionais tiveram um bom desenvolvimento.
Na Computação, Babbage e Lady Lovelace elaboraram, entre outros, um programa
para o cálculo dos números de Bernoulli [Mor61]. Era na verdade uma espécie de
programa em linguagem de máquina, como nos primórdios dos computadores
digitais na década de 1940.
Em 1914, Leonardo Torres e Quevedo usaram uma linguagem natural para
descrever um pequeno programa para seu autômato hipotético. Helmut Schreeyer
fez uma descrição análoga em 1939 para a máquina que construía juntamente com
Zuse.
O próprio Alan M. Turing, para tratar do problema da indecidibilidade de
Hilbert construiu uma linguagem muito primitiva para sua máquina. Nela só havia
comandos para ler, testar uma condição e escrever símbolos sobre uma fita,
movendo para a direita ou esquerda uma cabeça de leitura e gravação. Conforme
Knuth [KP80], as ‘tabelas’ de Turing (como Alan Turing chamava sua linguagem)
“representaram a notação de mais alto nível para uma descrição precisa de
algoritmo que foram desenvolvidas antes da nossa história começar – exceto talvez
pela notação-lambda de Alonzo Church (que representa um ‘approach’
inteiramente diferente para o cálculo) ”.

88
*“Uma abstração é um modo de pensar pelo qual nos concentramos em idéias gerais ao invés
das manifestações específicas destas idéias.(...) Na programação, a abstração refere-se à distinção
que fazemos entre: (a) o que um pedaço de programa faz e (b) como ele é implementado. Uma
linguagem de programação em sentido próprio consiste de construções que são (em última
instância) abstrações do código de máquina” [Wat90]. Exemplos típicos de abstrações são as
funções e procedimentos de uma linguagem de programação.

6.3.3 As primeiras tentativas

Nos primeiros tempos da computação propriamente dita os programas eram


escritos em código de máquina e colocados diretamente no computador por meio
de cabos e fios. Por exemplo:
0000 0001 0110 1110
0100 0000 0001 0010
1100 0000 0000 1101
Segundo Grace Murray Hopper *, como curiosidade, “a frase mais freqüente
que nós ouvíamos era que a única maneira de se programar em um computador
era em octal” [Wex80]. Em 1946, junto com Howard Aiken, era assim que ela
programava o Mark I.
Percebeu-se claramente que os programas em código de máquina eram
extremamente difíceis de editar e modificar, e quase impossíveis de se
compreender. A comunidade computacional logo entendeu que era necessário
inventar uma notação simbólica para tornar os programas mais fáceis de escrever.
Nesta evolução as instruções acima ficam com o formato:
LOAD X
ADD R1 R2
JUMPZ H
Uma vez feito o programa dessa maneira, o programador o prepararia para
ser executado, 'escrevendo' manualmente (em painéis, através de um emaranhado
de cabos e 'plugs') as instruções no correspondente código de máquina. Este
processo foi chamado de assembling. O que depois se queria fazer era com que a
própria máquina executasse essa operação.
Mas mesmo quando programava com esses códigos de operação mnemônicos
(também chamados de linguagem de montagem), o programador ainda estava
trabalhando em termos dos conjuntos de instruções da máquina, isto é, os
algoritmos eram expressos em termos de instruções muito primitivas (detalhes
sobre registradores, endereços, saltos, etc.). Daí a denominação linguagens de
baixo nível. A busca de linguagens que pudessem permitir que os algoritmos
fossem expressos em termos análogos à idéia elaborada na mente do programador
fez com que aparecessem os primeiros compiladores e começassem a surgir as
chamadas linguagens de alto nível †.
Claramente percebem-se duas principais tendências nesses anos pioneiros:
aqueles que procuravam saber o que era possível implementar e os que estavam
preocupados com o que era possível escrever. Estes últimos criaram estruturas
conceituais – iteração, tipos de dados, recursividade, etc. – importantes no
processo de programação e que foram depois objetos de estudo na Teoria da
Computação. Naturalmente foram precisos muitos anos para que essas duas
tendências se juntassem para formar uma síntese adequada.

* Nome importante no desenvolvimento histórico das linguagens de programação. Ela


desenvolveu programas para o Mark I, um dos precursores do computador moderno; esteve
envolvida na construção do UNIVAC e trabalhou no primeiro compilador que se tem notícia, o A-2, e
em uma das primeiras linguagens matemáticas, originalmente chamada A-3 e depois MATH-MATIC.

89
Em 1955 trabalhou na equipe que elaborou as primeiras especificações para uma linguagem de uso
comercial, originalmente chamada B-0, depois FLOW-MATIC, que forneceu inúmeras características
para o COBOL.
† O termo ‘alto nível’ refere-se à semelhança que a linguagem tem com uma linguagem natural
ou matemática, opondo-se a ‘baixo nível’, mais semelhante à linguagem de máquina.

6.3.4 Konrad Zuse e seu ‘Plancalculus’

Depois de salvar o Z4 das bombas dos aliados e mudar-se para a pequena vila
Hintesrtein nos Alpes, Konrad Zuse percebeu que ainda não existia uma notação
formal para a descrição de algoritmos e começou a trabalhar em uma. O resultado
foi uma linguagem chamada Plankalkül (program calculus), uma extensão do
cálculo proposicional e depredicado de Hilbert. Em uma monografia sobre o
Plankalkül, em 1945, Zuse começava dizendo: “A missão do Plancalculus é fornecer
uma descrição formal pura de qualquer procedimento computacional”. O
Plancalculus incluía alguns conceitos fundamentais da programação: tipos de
dados, estrutura de dados hierárquicos, atribuição, iteração, etc. Ele pensou
inclusive em usar o Plancalculus como base de uma linguagem de programação
que pudesse ser traduzida por uma máquina. “Pode-se resumir sua idéia dizendo
que o Plankalkül incorporou muitas idéias extremamente importantes, mas faltou-
lhe uma sintaxe amigável para expressar programas em um formato legível e
facilmente editável”. Como complementação de seu trabalho desenvolveu
algoritmos para ordenação, teste de conectividade de grafos, para aritmética de
inteiros (inclusive raiz quadrada) e até um jogo de xadrez, entre outros.
Infelizmente a maior parte destas coisas permaneceu desconhecida até 1972, a
não ser por alguns extratos aparecidos em 1948 e 1959, quando seu trabalho
chamou a atenção de alguns leitores ingleses. “É interessante especular sobre o
que teria acontecido se ele tivesse publicado tudo imediatamente; teriam as
pessoas sido capazes de entender idéias tão radicais?” [KP80].

6.3.5 O diagrama de fluxos

Em Princeton, do outro lado do Atlântico, Herman H. Goldstine e John von


Neumann estavam preocupados com o mesmo problema: como se poderiam
representar algoritmos de uma maneira precisa, em uma linguagem de mais alto
nível que a de máquina. Ao desenvolver os projetos lógicos do computador EDVAC
e da máquina do IAS (Institute for Advanced Study, da universidade de Princeton),
von Neumann tinha também uma grande preocupação com a sua programação. Ele
deixou um manuscrito que é provavelmente o primeiro programa escrito para um
computador com programa armazenado na memória *. O problema proposto é o da
classificação de uma série de dados em ordem crescente. Von Neumann propôs o
método que ficou conhecido mais tarde como classificação por intercalação, até
hoje um dos algoritmos mais usados para classificar dados na memória †. Já aí
aparecem alguns expedientes que prenunciam o surgimento das linguagens de
montagem (linguagens simbólicas, mnemônicas, muito próximas à linguagem
binária das máquinas) como os símbolos para denotar grandezas ou o conceito
básico de alocação dinâmica de memória ‡. A descrição termina com uma análise
do tempo de execução muito semelhante às análises difundidas por Donald Knuth.

*Uma história e análise desse manuscrito estão em um artigo feito por Knuth em 1970,
intitulado von Neumann’s First Computer Program
† Na realidade o manuscrito contém somente uma parte da codificação do método, que é a

90
parte do processo de duas sequências já em ordem)
‡Sem entrar em detalhes mais técnicos, significava que a atribuição de endereços era feita em
relação a um endereço inicial arbitrário, a ser preenchido mais tarde, conseguindo-se o efeito de
relocação manual do código, de modo a ser usado como uma subrotina aberta (outro conceito que
exige maior conhecimento técnico sobre sistemas operacionais e programação/arquitetura de
computadores

Figura 35: Um exemplo de um diagrama de fluxos

Para o projeto do IAS, von Neumann e Goldstine compuseram três volumes


(1947/48) intitulados Planning and coding of problems for an electronic computing
instrument. O primeiro volume é dedicado à metodologia da programação, o
segundo volume traz vários exemplos de programas e o terceiro volume é dedicado
à construção de subrotinas reutilizáveis e construção de bibliotecas destas
subrotinas.

114

91
Figura 36: Computador IAS, 1952

Eles propuseram uma representação pictórica, através de caixas unidas por


setas, que chamaram de fluxogramas. Descreveram fluxogramas que continham
uma caixa denominada “caixa de anotação (especificação)”. Nessa caixa
descreviam-se certos fatos sobre o resultado de uma computação (o efeito por ela
provocado). O conteúdo dessa caixa deveria ser confrontado com as operações
descritas pelo fluxograma, possibilitando uma verificação da consistência entre o
fluxograma e as intenções do programador expressas através das anotações. Com
von Neumann e Goldstine encontra-se também a primeira referência à corretude
de programas.
A ênfase era colocada no poder de cálculo – e não na expressividade das
estruturas como Zuse – e esse trabalho foi largamente difundido entre as pessoas
envolvidas com computadores na época. “Tal fato, acompanhado da excelente
qualidade de apresentação e pelo prestígio de von Neumann, significaram que seu
trabalho teve um enorme impacto, tornando-se fundamento para técnicas de
programação em todo o mundo”. O conceito matemático de igualdade foi
substituído pelo de atribuição [KP80].

6.3.6 A contribuição de Haskell

Haskell B. Curry, contemporâneo de Goldstine e von Neumann, após uma


experiência com um programa complexo no ENIAC, sugeriu uma notação mais
compacta que a deles. Na prática não obteve sucesso pela maneira estranha com
que analisava e dividia os problemas. O principal ponto de interesse no trabalho de
Curry, no entanto, não foi a sua linguagem de programação, mas os algoritmos que
analisou para conversão de parte desses em código de máquina. Com isso
proporcionou uma descrição recursiva de um procedimento para converter
expressões aritméticas claras em um código de máquina apropriado, sendo por
isso a primeira pessoa a descrever a fase de geração de código de um compilador
[KP80].

6.4 Interpretadores algébricos e linguagens intermediárias

Em 1951, promovidas pela Marinha americana, houve uma série de três


conferências, e naquela que tratava sobre manipulação de dados e computação
automática apareceu um trabalho de John Mauchly, o Short Order Code.
Codificado para o computador BINAC, em 1949, por William F. Schmitt, foi
recodificado pelo mesmo em 1950 para o UNIVAC e usava dois dígitos para
representar alguns símbolos, ao invés do usual código binário. Era na verdade uma
espécie de interpretador algébrico: o programa percorria cada linha de
representação de código, da direita para a esquerda, desviava para as chamadas
subrotinas, executava-as e ia para a próxima instrução.
Arthur W. Burks e colegas, na Universidade de Michigan, investigando o
processo de passar alguns problemas de processamento de dados descritos em
uma linguagem comum para a ‘linguagem interna’ de um computador, esboçaram
uma ‘linguagem intermediária’ que seria o passo anterior de uma ‘linguagem
interna’ do computador, e que tinha um alto nível de abstração [Bur51a].
Heinz Rutishauser, colaborador de Zuse no Z4, publicou em 1952 um trabalho

92
descrevendo um computador hipotético e uma linguagem algébrica simples, junto
com os fluxogramas de von Neumann para o que seriam dois ‘compiladores’ * para
essa linguagem. Um para decodificar todos os loops enquanto o outro produzia
código compacto através de registradores de índice. Como o Short Code, o
programador deveria reservar manualmente as localizações de memória para
variáveis e constantes. Um trabalho semelhante apareceu na Itália, na tese de
dissertação de Corrado Böhm, que desenvolveu uma linguagem algébrica e o
primeiro compilador para ela na própria linguagem, que reconhecia precedência
de operações.

6.5 Os primeiros ‘compiladores’

Conforme Knuth e Trabb [KP80], o termo compilador não era ainda utilizado
nessa época. Na verdade falava-se sobre programação automática. No início da
programação em linguagem de máquina foram desenvolvidas subrotinas de uso
comum para entrada e saída, para aritmética de ponto flutuante e funções
transcendentais. Junto com a idéia de um endereçamento realocável – pois tais
subrotinas seriam usadas em diferentes partes de um programa – foram criadas
rotinas de montagem para facilitar a tarefa de uso das subrotinas e de
endereçamento relativo, idéia desenvolvida por Maurice V. Wilkes. Para isso foi
inventada uma pseudo linguagem de máquina. Uma rotina interpretativa iria
processar essas instruções, emulando um computador hipotético [Gol72] [Knu69].
Esse é o sentido do termo ‘compilador’ até aqui usado.
AUTOCODE foi o primeiro ‘compilador’ real, que tomava uma declaração
algébrica e a traduzia em linguagem de máquina. Seu desconhecido autor, Alick E.
Glennie, das forças armadas da Inglaterra, declarava em Cambridge, em 1953, sua
motivação para elaborá-lo: “A dificuldade da programação tornou-se a principal
dificuldade para o uso das máquinas. Aiken expressou sua opinião dizendo que a
solução para esta dificuldade deveria ser buscada pela construção de uma máquina
especial para codificar(...) Para tornar isso fácil deve-se elaborar um código
compreensível. Tal coisa somente pode ser feita melhorando-se a notação da
programação” [KP80]. John Backus [Wex80] discute essa distinção que Knuth faz,
citando J. Halcomb Laning, Jr. e Niel Zierler como os inventores do primeiro
‘compilador’ algébrico, para o computador Whirlwind. Como esta, são muitas as
discussões ainda hoje sobre quem foi o pioneiro no assunto. De qualquer maneira
esses primeiros sistemas denominados genericamente de programação automática
(acima citada) eram muito lentos e não fizeram muito sucesso, embora tivessem
sido fundamentais para preparar a base do desenvolvimento que se seguiu.

* Os termos interpretador e compilador na linguagem da computação têm um sentido técnico


específico, que na época citada ainda não correspondiam ao atual significado.

Este veio com o A-0, agora sim o primeiro compilador propriamente dito,
desenvolvido por Grace Murray Hopper e equipe, aprimorado para A-1 e A-2
subseqüentemente. O próximo passo seria o A-3, desenvolvido em 1955, produzido
ao mesmo tempo com o tradutor algébrico AT-3, mais tarde chamado MATH-
MATIC.
Em 1952 a IBM construía o computador 701 e em 1953 foi montada uma
equipe liderada por John Backus para desenvolver um código automático que
facilitasse a programação. O resultado foi o Speedcoding. Backus tornou-se uma
das principais figuras na história da evolução das linguagens de programação,
tendo um papel fundamental no desenvolvimento dos grandes compiladores que

93
viriam a partir do ano de 1955 como o FORTRAN e o ALGOL, além do
estabelecimento da moderna notação formal para a descrição sintática de
linguagens de programação, denominada BNF, Backus Normal Form.

6.6 A figura de von Neumann

Figura 37: John von Neumann


Assim como não se pode falar de Computabilidade, ou sobre a Teoria da
Computação, ou ainda sobre os Fundamentos da Computação, sem deixar de citar
nomes como Turing e Church, também em relação ao advento do computadores, a
partir da década de 1940, não se pode deixar de falar da figura de János Louis von
Neumann (1903 – 1957). Este húngaro conhecido como “Jancsi”, uma forma
diminutiva de seu prenome János (depois de naturalizado americano seria tratado
pelo apelido Johnny), era no final de sua vida um dos mais poderosos homens em
cena no comando da política americana com relação às ciências. Mas esta foi
somente uma das muitas qualidades que o distinguiu nos diferentes países onde
viveu e nos variados campos da inteligência em que exerceu sua atuação.
Tido como brilhante desde sua infância (falava grego com seu pai aos seis
anos de idade [Die81]), entrou para a universidade de Budapeste em 1921 para
estudar Matemática. Adotou a prática, pouco ortodoxa!, de ir à universidade
somente no fim dos cursos, para prestar exames, saindo-se sempre muito bem.
Enquanto isso, entre 1921 e 1923, na universidade de Berlin, estudou Química,
tendo entrado em contato com nomes ilustres, como Albert Einstein, Fritz Haber e
outros cientistas húngaros, como Denis Gabor, Leo Szilard e Eugene Wigner. Em
1923 dirigiu-se a Zurich, para estudar Engenharia Química, formando-se em 1925.
Doutorou em Matemática, no ano de 1926, pela Universidade de Budapeste, com
uma tese sobre a Teoria dos Conjuntos (com 20 anos, estimulado por um dos mais
famosos matemáticos do século XX, David Hilbert, enunciou uma definição sobre
números que ainda hoje é utilizada). Ainda fez um pós-doutorado na prestigiosa
Universidade de Göttingen, onde estudou sob a direção de Hilbert, no período de
1926 a 1927. Tornou-se um dos membros da elite dos físicos revolucionários da
mecânica quântica, e rapidamente ganhou grande reputação pelos seus trabalhos
na Álgebra (como aluno de Hilbert foi uma das estrelas do formalismo), Mecânica
Quântica e Teoria dos Conjuntos. Convidado nos anos 30 a visitar a universidade
de Princeton, foi chamado para ser um dos seis professores de Matemática que
formariam parte do recém-inaugurado Instituto de Pesquisas Avançadas (os outros
eram J. W. Alexander, A. Einstein, M. Morse, O. Veblen, J von Neumann e H. Weyl),
cargo que levou até o fim de sua vida.[Asp90].
Conheceu Kurt Gödel (que como ele, naturalizou-se americano durante a 2a
guerra), e Church, orientador, naquela época, da tese de doutoramento de Turing.
Tomou conhecimento da publicação deste, On Computable Numbers with an
Application to the Entscheidungsproblem, e convidou-o para trabalhar como seu
assistente, pois estava interessado em sua idéia, que envolvia os conceitos de um
projeto lógico para uma máquina universal. Turing, no entanto, preferiu retornar a
Cambridge e, um ano mais tarde, envolver-se-ia na construção do computador
Colossus, em Bletchley Park, na Inglaterra.

94
O interesse de von Neumann por computadores encaminhou-se rapidamente
por uma vertente diferente daquela seguida pelos seus colegas. Percebeu o
potencial da nova máquina para solução matemática de problemas e não somente
para elaboração de tabelas. Durante a guerra, os seus conhecimentos em
hidrodinâmica, balística, meteorologia, teoria dos jogos, e estatística, foram
colocados em uso em vários projetos. Esse trabalho levou-o a perceber que
poderiam ser usados dispositivos mecânicos para computar cálculos e, embora se
diga que seu primeiro envolvimento com um computador foi através do ENIAC, de
fato nessa época ele estava com Howard Aiken, em Harvard, no projeto do Mark I
(ASCC). Sua correspondência em 1944 mostra seu interesse não somente pelo
trabalho de Aiken, mas também com os computadores baseados em relês, de
George Stibitz, e pelas pesquisas de Jan Schilt no Watson Scientific Computing
Laboratory da Universidade de Columbia. No fim da II Guerra von Neumann
tornou-se consultor, servindo a numerosos comitês com sua prodigiosa habilidade
de rapidamente ver a solução de problemas.
Ele tinha uma grande capacidade de aglutinar ao seu redor cientistas muitas
vezes separados por causa de exigências de segredo. Movia-se confortavelmente
entre o pessoal de Los Alamos (National Laboratory e Manhattan Project) assim
como entre os engenheiros da Moore School of Electrical Engineering, da
Universidade de Pensilvânia, que estavam construindo o ENIAC. Uma combinação
de diferentes desenvolvimentos científicos conduziram à invenção do ENIAC:
novas tecnologia de válvulas, lógica booleana, as idéias de Babbage-Lovelace, as
teorias de controle via retroalimentação (feedback), etc., e von Neumann era
talvez o único que conhecia sobre todos estes temas, além de politicamente dar-se
bem com as sociedades de Princeton, Los Alamos e Washington. No projeto
Manhattan, trabalhou juntamente com Oppenheimer, Fermi, Teller, Bohr e
Lawrenceand, que, entre outros, construíram a bomba atômica. [Ula80] [Gol72].
6.6.1 O conceito de programa armazenado

Quando se terminou o ENIAC, era tarde para utilizar tal equipamento no


esforço de guerra, mas certamente foi possível realizar o objetivo dos seus
inventores: um cálculo balístico, que poderia tomar vinte horas de um especialista,
seria agora feito pela máquina em menos de 30 segundos. Pela primeira vez a
trajetória de um míssil poderia ser calculada em menos tempo do que levava o
míssil real para atingir seu alvo. O primeiro problema a ser resolvido por essa
máquina foi um ensaio de cálculo para a bomba de hidrogênio, então sendo
projetada.

Figura 38: Von Neumann e o computador IAS

95
Von Neumann tinha se unido ao grupo em meados de 1944, através do
matemático Herman H. Goldstine *, como consultor especial. Seu gênio para
questões relacionadas ao pensamento formal, sistemático e lógico foi aplicado às
propriedades daquela imensa máquina de 17.000 válvulas, 70.000 resistores e
10.000 capacitores. Os problemas relativos à ‘engenharia’ eram ainda imensos,
mas estava se tornando claro que o componente não-físico, a codificação, aquilo
que estabelecia a operação da máquina, era igualmente difícil e importante.
Até o aparecimento do transistor, o que ocorreu alguns poucos anos depois, o
ENIAC representava o limite físico daquilo que poderia ser feito através de um
grande número de chaves e conexões. Em 1945, o aprimoramento possível no
poder computacional era um melhoramento na estrutura lógica da máquina, e von
Neumann era provavelmente o único homem, a oeste da equipe inglesa de
Bletchley Park (que tinha construído o computador COLOSSUS para decifrar o
código germânico de guerra), preparado para compreender os mecanismos lógicos
subjacentes no primeiro computador digital.

*A partir desse momento deu-se o início de uma grande amizade entre os dois.

Parte da razão pela qual o ENIAC era capaz de operar rapidamente estava em
que os caminhos seguidos pelos impulsos elétricos eram estabelecidos dentro do
equipamento. Esta ‘rota eletrônica’ era a materialização das instruções de
máquina que transformavam os dados de entrada em soluções de problemas.
Diferentes tipos de equações poderiam ser resolvidas, e a performance dos
cálculos poderia ser alterada pelos resultados de subproblemas *. Mas o que era
ganho no poder de cálculo e velocidade era perdido na flexibilidade. Um sério
obstáculo consistia na necessidade da programação externa, através de painéis e
cabos de conexão para a solução de um determinado problema, um procedimento
que poderia levar vários dias †. Após a entrada de von Neumann na equipe
percebeu-se que o ENIAC não seria a última palavra em termos de máquinas
calculadoras, mas sim que era o protótipo, ainda imperfeito, de uma nova
categoria de máquinas. Antes mesmo de estar terminado, seus construtores já
estavam elaborando o projeto de seu sucessor, e von Neumann compreendeu,
daquelas discussões com seus colegas, que se estava falando de uma máquina de
uso geral.
Na mesma época, a Universidade de Pensilvânia celebrou um contrato
suplementar para a construção do EDVAC, proposta um pouco antes por Mauchly e
Eckert, cujas características eram ainda um tanto vagas. O novo projeto despertou
enorme interesse em von Neumann, que começou a participar de reuniões
relativas ao projeto, juntamente com Eckert, Mauchly, Goldstine e outros.
Conforme [Kow96], um fator decisivo para viabilizar o projeto de uma nova
máquina foi a idéia de Eckert de utilizar linhas de retardo para implementar
elementos de memória de custo muito mais baixo do que se fossem utilizadas
válvulas. Outro resultado das reuniões com a equipe do projeto e da freqüente
troca de correspondência, foi a produção de um documento descrevendo os
detalhes da organização da nova máquina. Von Neumann ficou encarregado de
escrever o First draft of a report on the EDVAC (1945), documento que nunca
passou da fase de rascunho (foi publicado na íntegra somente anos mais tarde,
com forma ligeiramente editada).
Existem controvérsias, alimentadas por nomes como Randell, Rosen, Stern e
Wilkes, sobre quem teria sido o primeiro a propor o conceito de programa
armazenado. O trabalho teórico de Turing, com o qual von Neumann estava
familiarizado, já indicava essa possibilidade. Por outro lado existem referências

96
bastante obscuras e ambíguas, em fontes anteriores ao documento de von
Neumann, além das afirmações posteriores de Eckert e Mauchly. Não há dúvida de
que a idéia de programa armazenado estava no ar, e é bastante provável que tenha
sido sugerida por mais de uma pessoa. Apesar da notoriedade dessa controvérsia,
não parece que sua importância seja mais que simbólica. Independentemente de
quem tenha sido o primeiro a sugerir a idéia de programa armazenado na
memória, o fato é que o documento redigido por von Neumann é a primeira
descrição minuciosa e quase completa da arquitetura de um computador desse
tipo, com o repertório de operações que permitiriam a utilização plena de seus
recursos. Embora resultado de várias reuniões, o fato de von Neumann ter sido
consultor no projeto e encarregado de sua redação indica o peso da sua
contribuição. Depoimentos de colaboradores indicam que o projeto lógico do
computador deve-se principalmente a ele, enquanto Eckert e Mauchly foram os
principais responsáveis pelo projeto de circuitos de alta velocidade, linhas de
retardo e outros detalhes físicos, contribuições igualmente fundamentais [Kow96].

* O ENIAC estava habilitado de acordo com a idéia de Babbage, em seu Engenho Analítico,
pela qual ele poderia serreprogramado para solucionar diferentes equações não alterando a
máquina, mas a seqüência dos cartões de entrada.
†A origem do ENIAC como um dispositivo voltado para um projeto balístico era parcialmente
responsável por esta pouca flexibilidade. Não era a intenção dos engenheiros da Moore School
construir uma máquina universal. O contrato estabelecido especificava claramente que eles
deveriam criar um novo tipo de calculador de trajetórias.

6.6.2 A arquitetura de von Neumann

O relatório de von Neumann ficou incompleto, mas sua leitura é instrutiva.


Muitas idéias continuam válidas até hoje: a separação entre arquitetura lógica e
física, a divisão do projeto em unidades de controle, aritmética, memória, entrada
e saída, precursoras de todos os projetos posteriores. Além disso, devido ao
interesse nos trabalhos relativos a sistemas neurais de McCulloch e Pitts, ele
descreveu vários dispositivos do computador fazendo analogia com o sistema
nervoso (mesmo porque na época não existia ainda uma linguagem adequada para
tais descrições). Von Neumann, em um nível teórico, estava intrigado com algumas
aparentes semelhanças na organização e funcionamento paralelo da mente e dos
computadores, o que poderia levar a pensar em teorias lógico-formais que
abrangessem tanto um quanto outro. De alguma maneira, pensava, esses
mecanismos poderiam evoluir para algum tipo de extensão intelectual.
Com o fim da guerra em 1945, iniciaram-se gestões para construção de outro
computador para aplicações científicas em geral, com o apoio do IAS e da
RCA(Radio Corporation of America), assim como da Marinha e Exército. O projeto
foi descrito em um documento básico, composto de duas partes, onde a primeira é
a mais fundamental, referente ao projeto lógico. Conjuntamente com a descrição
incompleta do EDVAC, esse esforço constituiu a inspiração para a elaboração da
arquitetura que foi, e continua sendo, modelo de quase todos os projetos de
computadores subsequentes:a arquitetura de von Neumann. A expressão parece
ter sido usada pela primeira vez por J. Backus, em 1977, durante o recebimento do
Prêmio Turing da ACM, em palestra intitulada Can programming be liberated from
the von Neumann style? A functional style and it’s algebra of programs. Nela
criticava o fato de que após mais de 30 anos da sua introdução, as arquiteturas de
von Neumann ainda eram dominantes e exerciam enorme influência sobre o
paradigma imperativo das linguagens de programação mais utilizadas, impedindo
o desenvolvimento de outros modelos *.

97
No entanto pode-se afirmar “(...) que a estrutura lógica introduzida nos
projetos do EDVAC e da máquina IAS constitui o princípio de funcionamento de
computadores digitais até hoje, apesar do progresso tecnológico que nos separa
daquela época. Na realidade, não parece provável que os conceitos básicos de
arquitetura de von Neumann sejam abandonados em futuro próximo. Esta é a
opinião, por exemplo, de Patterson (Patterson, D. A., in Microprocessors in 2020,
Scientific American 273, 3, 1995, p. 48-51), um dos cientistas que mais
contribuíram para a concepção de modernos circuitos integrados” [Kow96].

*A expressão usada por Backus tornou-se popular e passou a denotar, de maneira genérica, o
fato de que a eficiência de processamento das máquinas com a concepção introduzida por von
Neumann é limitada por problemas de comunicação entre a memória e as outras unidades. É
interessante notar que no documento em que descreve o EDVAC, o próprio von Neumann utiliza a
palavra gargalo quando comenta as dificuldades de projeto e funcionamento de memória [Kow96].

7 A revolução do hardware e do software

Os primeiros computadores da década de 1940 possuíam somente dois níveis


de linguagem de programação: o nível da linguagem de máquina, no qual toda a
programação era feita, e o nível da lógica digital, onde os programas eram
efetivamente executados. Com Maurice V. Wilkes, em 1951, na Universidade de
Cambridge, surgiu a idéia de se projetar um computador de três níveis, a fim de se
simplificar o hardware. Essa máquina, conhecida como EDSAC (Electronic Delay
Storage Automatic Calculator), tinha um programa denominado interpretador,
armazenado permanentemente, cuja função era executar os programas em
linguagem de máquina. O hardware assim poderia ser simplificado: teria apenas
que executar um pequeno conjunto de microinstruções armazenadas *, o que
exigia menos circuitos eletrônicos. A partir daí começaram a evoluir as linguagens
e as arquiteturas das máquinas.

7.1 Da segunda geração de grandes computadores aos dias


de hoje

A segunda geração (1956 - 1963) foi impulsionada pela invenção do transistor


(1948) e em 1956 já se produziam computadores com esta tecnologia. Apareceram
também os modernos dispositivos, tais como as impressoras, as fitas magnéticas,
os discos para armazenamento, etc. Os computadores passaram a ter um
desenvolvimento rápido, impulsionados principalmente por dois fatores essenciais:
os sistemas operacionais e as linguagens de programação. Os circuitos integrados
propiciaram um novo avanço e com eles surgiram os computadores de terceira
geração (1964 - 1970). As tecnologias LSI, VLSI e ULSI† abrigam milhões de
componentes eletrônicos em um pequeno espaço ou chip, iniciando a quarta
geração, que vem até os dias de hoje. Os atuais avanços em pesquisa e o projeto de
novas tecnologias para os computadores estão possibilitando o surgimento da
quinta geração. Dois avanços que configuram um divisor de águas são o
processamento paralelo, que quebrou o paradigma de von Neumann, e a
tecnologia dos supercondutores.

7.2 O desenvolvimento das linguagens

Várias linguagens, muitas delas conceitualmente diferentes entre si, foram


surgindo e sendo aprimoradas, incorporando-se umas em outras. Com algumas

98
poucas exceções, o projeto de cada linguagem foi influenciado pela experiência em
linguagens anteriores. Merecem atenção especial, pelo seu pioneirismo e pelos
novos paradigmas que introduziram, as linguagens alto nível FORTRAN e LISP.

*As instruções do programa em linguagem de máquina seriam convertidas em conjuntos


dessas microinstruções, que então são executadas..
† Large Scale Integration, Very Large Scale Integration, Ultra Large Scale Integration

Com relação ao FORTRAN, em 1954 realizou-se um simpósio sobre


‘computação automática’ *, e seu maior evento foi a apresentação do compilador
algébrico de Laning e Zierler (ver Os primeiros ‘compiladores’). Foi o primeiro
‘software’ que permitiu como entrada de dados um código algébrico elegante,
embora limitado. Nesse meio tempo John Backus já montara um grupo de pesquisa
dentro da IBM para trabalhar em um projeto sobre programação automática, a fim
de responder a uma questão fundamental: “(...) pode uma máquina traduzir uma
linguagem matemática abrangente em um conjunto razoável de instruções, a um
baixo custo, e resolver totalmente uma questão?” [Wex80]. Em novembro de 1954
a equipe de Backus tinha criado o IBM Mathematical FORmula TRANslation
System, o FORTRAN. O primeiro parágrafo da apresentação desse trabalho
enfatizava que os sistemas anteriores ofereciam duas escolhas: ou uma fácil
codificação e uma execução lenta do programa ou uma laboriosa codificação com
rápida execução, mas “o FORTRAN propiciava o melhor das duas opções” [KP80].
Com o FORTRAN apareceram as expressões simbólicas, subprogramas com
parâmetros, mas principalmente ocorreu a primeira tentativa de se definir
rigorosamente a sintaxe de uma linguagem de programação. Um pouco mais tarde
surgiu a notação BNF para a descrição sintática de uma linguagem de
programação.
A história do LISP remonta a Turing e Church. Pela análise de Turing nos anos
de 1936 e 1937, após seu famoso artigo sobre o décimo problema de Hilbert, o
cálculo-lambda de Church, apesar da sua sintaxe simples, era suficientemente
poderoso para descrever todas as funções mecanicamente computáveis, ou seja,
pode ser visto paradigmaticamente como uma linguagem de programação. No
cálculo-lambda, muitos problemas de programação, especificamente aqueles
referentes às chamadas de procedimento, estão em sua forma mais pura, e isto
influenciará diretamente linguagens como LISP e Algol [Bar84].
Em 1955 e 1956 E.K. Blum, no U.S. Naval Ordinance Laboratory desenvolveu
uma linguagem completamente diferente das demais, ADES (Automatic Digital
Encoding System), baseada na teoria das funções recursivas e no esquema
desenvolvido para elas por Kleene. Foi a primeira linguagem “declarativa”, no
sentido de que o programador estabelece as relações entre as variáveis
quantitativas sem explicitamente especificar a ordem de avaliação (mais à frente
se falará sobre este paradigma de programação).
Aparece agora a figura de John McCarthy, matemático, um dos primeiros a
trabalhar no tema de Inteligência Artificial. Juntamente com Marvin Minsky iniciou
um grande projeto nessa área. Estava procurando desenvolver uma linguagem
algébrica para processamento de listas, preocupado com o problema de como
representar informações da realidade por meio de sentenças escritas em uma
linguagem formal adequada, e de como criar um programa que executasse fazendo
inferências lógicas. Surgiu então o LISP, uma linguagem que pode ser utilizada
como um formalismo para descrição de algoritmos, para escrever programas e

99
provar propriedades de algoritmos, sendo adequada à computação simbólica e à
inteligência artificial. Sobretudo com LISP pode-se visualizar melhor um
importante conceito na computação moderna que é o uso de estruturas de dados
como objetos abstratos. É um dos aspectos centrais dessa linguagem, comparada a
como a Matemática usa os números naturais como entidades abstratas.

*Aparece aqui novamente este termo, utilizado por Knuth [KP80] e John Backus [Wex80] e, de
acordo com este último significava naqueles primeiros tempos “para muitos simplesmente escrever
códigos mnemônicos e endereço simbólico, para outros o simples processo de acessar subrotinas de
uma biblioteca e inserir nelas os endereços dos operandos. A maior parte dos sistemas de
‘programação automática’ eram programas de montagem ou conjuntos de subrotinas ou os sistemas
interpretativos (...)”[Wex80].

Nos inícios da década de 1960, fruto do trabalho de americanos e europeus,


surgiu uma linguagem projetada para representar algoritmos ao invés de se
escrever programas simplesmente, o Algol-60. Ela implementava o conceito de
estrutura de blocos, onde variáveis, procedimentos, etc., poderiam ser declarados
onde quer que o programa os necessitasse. Algol-60 influenciou profundamente
muitas linguagens que vieram depois e evoluiu para o Algol-68.
PL/I surgiu como uma tentativa de se projetar uma linguagem de uso geral
reunindo características de linguagens para aplicações numéricas como FORTRAN
e Algol e para processamento de dados comerciais. Ela inovou ao permitir a
construção de código de ‘baixo nível’ para o controle de exceções e o conceito de
processamento concorrente, entre outros. O resultado foi algo anômalo, complexo
e incoerente, de difícil implementação.
Foi a linguagem Pascal entretanto que se tornou a mais popular das
linguagens do estilo Algol, por ser simples, sistemática e facilmente implementável
nos diferentes computadores. O Pascal, junto com o Algol-68, está entre as
primeiras linguagens com uma ampla gama de instruções para controle de fluxo,
definição e construção de novos tipos de dados. Ada, que veio depois do Pascal,
introduziu o conceito de pacotes e permite a construção de grandes programas
com estrutura modular.
Podem-se discernir na história das linguagens certas tendências. A primeira
foi a de perseguir altos níveis de abstração. Os rótulos simbólicos e mnemônicos
das linguagens de montagem abstraem códigos de operação e endereços. Variáveis
e atribuição abstraem acesso a um endereço de memória e atualização. Estruturas
de dados abstraem formas de armazenamento. Estruturas de controle abstraem
desvios. Procedimentos abstraem subrotinas. E assim por diante.
Outra tendência foi a proliferação dos paradigmas. A maioria das linguagens
mencionadas até agora são imperativas, caracterizadas por comandos que
atualizam variáveis. A estrutura das linguagens imperativas é induzida pelo
hardware, com preocupação de que os dados trafeguem o mais rapidamente
possível. Daí alguns de seus aspectos relevantes: seqüência de comandos,
atribuição, controles (loopings), etc. É ainda o paradigma dominante. Já as
linguagens que seguem o paradigma funcional (também conhecidas como
declarativas), como o LISP, tem como características a clareza e a busca de um
maior poder expressivo, procurando manter a maior independência possível do
paradigma de von Neumann, que caracteriza as linguagens imperativas *. Buscam
uma transparência referencial e a não ocorrência de efeitos colaterais nas suas
instruções. Em LISP não há o conceito de estado – dado por uma atribuição –,
memória, seqüência de instruções, etc., procurando-se tornar mais visível o uso
das funções. Nas linguagens imperativas as funções dependem de estados
internos, fora de seu contexto ( x := x + ‘argumento’), com a produção de efeitos

100
colaterais (alteração de valores, impressão, etc.). LISP foi a ancestral das
linguagens funcionais que culminaram atualmente em linguagens como Miranda,
ML e Haskell, que tratam funções como valores de primeira classe.

*O paradigma ou arquitetura de von Neumann refere-se ao conceito de programa armazenado,


conforme documento apresentado por Neumann em junho de 1945 sobre o EDVAC. As linguagens
imperativas, preocupadas com performance de execução, têm em em conta o trânsito dos dados
entre a unidade central de processamento e os dispositivos onde estão armazenadas instruções e
informações .

Figura 39: Gargalo de von Neumann

Smalltalk é uma linguagem baseada em classes de objetos. Um objeto é uma


variável que pode ser acessada somente através de operações associadas a ele.
Smalltalk é um exemplo de uma linguagem que segue o paradigma de orientação a
objeto. Simula foi um ancestral de tais linguagens.
É importante reparar que a notação matemática em sua generalidade não é
facilmente implementável. No entanto muitos projetistas de linguagens quiseram
explorar subconjuntos da notação matemática em linguagens de programação.
Surgiram então tentativas de se construir uma ‘linguagem lógica’, isto é, baseada
em um subconjunto da lógica matemática. O computador é programado para
inferir relacionamentos entre valores, ao invés de computar valores de saída a
partir de valores de entrada. Prolog popularizou a linguagem lógica. Em sua forma
pura é fraca e ineficiente, tendo sido alterada para incluir características não
lógicas e tornar-se mais amigável como linguagem de programação.
No início da década de 1990 ocorreu uma difusão intensa do paradigma da
orientação * a objeto . Este paradigma esteve em gestação por cerca de 30 anos e
as novas tecnologias como a Internet, as necessidades geradas pela novas
arquiteturas, tais como a de cliente-servidor † e a do processamento distribuído,
coincidiam com o paradigma da orientação a objeto: encapsulamento, mensagem,
etc. O crescimento da Internet e o “comércio eletrônico” introduziram novas
dimensões de complexidade no processo de desenvolvimento de programas.
Começaram a surgir linguagens que buscam superar esses novos desafios de
desenvolvimento de aplicações em um contexto heterogêneo ( arquiteturas de
hardware incompatíveis, sistemas operacionais incompatíveis, plataformas
operando com uma ou mais interfaces gráficas incompatíveis, etc.). Apareceram
C++ e linguagens como Eifell, Objective C, Cedar/Mesa (elaborada pela Xerox,
para fazer pesquisa de dados), Delphi (uma evolução da linguagem Pascal) entre
outras. E, “o próximo passo ou um paradigma completamente novo” [GM95], surge
a linguagem JAVA

*Falando de uma maneira mais técnica e bastante genérica, significa que o foco da atenção do
programador recai mais nos dados da aplicação e nos métodos para manipulá-los do que nos
estritos procedimentos.
† Em termos gerais significa o partilhamento de uma aplicação em duas. A interface do usuário
e a maioria dos programas é executada no cliente, o qual será provavelmente uma estação de
trabalho ou um PC de alta performance. Os dados da aplicação residem no servidor, provavelmente
em um banco de dados de um computador de grande porte. Desta maneira mantêm-se os dados
onde podem ser melhor protegidos, atualizados, salvos, enquanto que o poder computacional fica
distribuído diretamente pelas mesas de trabalho dos ‘clientes’.

A origem da Java está ligada a um grupo de pesquisa e desenvolvimento da

101
Sun Microsystems formado em 1990, liderado por Patrick Naughton e James
Gosling, que buscava uma nova ferramenta de comunicação e programação
independente da arquitetura de qualquer dispositivo eletrônico. Em 1994, após o
surgimento do NCSA Mosaic e a popularização da Internet, a equipe redirecionou
os seus esforços a fim de criar uma linguagem para aplicações multimídia on line.
Conforme Linden [Lin96], Java foi inspirada por várias linguagens: tem a
concorrência da Mesa, tratamento de exceções como Modula-3, linking dinâmico
de código novo e gerenciamento automático de memória como LISP, definição de
interfaces como Objective C, e declarações ordinárias como C. Apesar dessas
qualidades, todas importantes, na verdade duas outras realmente fazem a
diferença e tornam Java extremamente atrativa: sua portabilidade e o novo
conceito de arquitetura neutra.
Portabilidade significa que Java foi projetada objetivando aplicações para
vários sistemas heterogêneos que podem compor uma rede como a Internet, por
exemplo, e as diferentes características dessa rede. Java procura obter os mesmos
resultados de processamento nas diferentes plataformas.
Por arquitetura neutra entende-se que programas em Java são compilados
para se obter um código objeto (byte code na terminologia Java) que poderá ser
executado em um Power PC que use o sistema operacional OS/2, ou em um sistema
baseado no chip Pentium debaixo do Windows 95 ou em um Macintosh usando
MacOs, ou em uma estação de trabalho Sparc rodando Unix. Ou seja, em qualquer
computador, desde que tal computador implemente o ambiente necessário para
isso, denominado conceitualmente de Máquina Virtual Java.
Com a linguagem Java se começou a superar barreira que impedia que a
Internet se tornasse um computador: a barreira que impedia o uso de um software
utilizado em um determinado lugar, executando-o em qualquer plataforma.

7.3 Arquiteturas de computadores e sistemas operacionais

O termo arquitetura de computador vem da possibilidade de se visualizar uma


máquina como um conjunto hierárquico de níveis que permite entender como os
computadores estão organizados. Os primeiros computadores digitais por exemplo
somente possuíam dois níveis. O primeiro é chamado o nível da lógica digital,
formado no início por válvulas e depois por transistores, circuitos integrados, etc.
O segundo é chamado de nível 1, também chamado de nível de microprograma,
que é o nível da linguagem da máquina, onde toda a programação era feita,
através de zeros e uns, e que posteriormente seria o responsável por interpretar as
instruções do nível 2.
Com Maurice Wilkes em 1951 surgiu outro nível, onde as instruções eram
escritas de um modo mais conveniente para o entendimento humano: a técnica
consistia em substituir cada instrução desse novo nível por um conjunto de
instruções do nível anterior (nível da máquina) ou examinar uma instrução de cada
vez e executar a seqüência de instruções equivalentes do nível da máquina.
Denominam-se estes procedimentos por tradução e interpretação. Isto simplificou
o hardware que agora somente tinha um conjunto mínimo de instruções e portanto
menos circuitos eram necessários.
A partir daí a evolução do hardware avança juntamente com as novas
descobertas científicas: quase na mesma época do aparecimento dos transistores,
por exemplo, surgiu o conceito de barramento de dados, que acelerou a velocidade
dos computadores. Ao mesmo tempo apareceram os grandes sistemas
operacionais, (simplificadamente, um sistema operacional é um conjunto de

102
programas mantidos no computador durante todo o tempo, liberando o
programador de tarefas relacionadas diretamente com o funcionamento da
máquina), como o DOS e OS, da IBM. Estes evoluíram possibilitando novos
conceitos que melhoraram a performance das máquinas, como por exemplo os
sistemas de multiprogramação, isto é, a possibilidade de vários programas serem
executados em paralelo em uma mesma da máquina. Se um destes programas tiver
origem em um terminal remoto, tal sistema será chamado de tempo compartilhado.
Um importante marco que possibilitou esses avanços foi a introdução de
processadores de entrada e saída, também chamados de canais. Isso motivou o
aparecimento dos conceitos de concorrência, comunicação e sincronização: uma
vez que dois processadores estão operando simultaneamente, surge a necessidade
de prover mecanismos para sincronizálos e estabelecer um canal de comunicação
entre eles.
É a era das arquiteturas mainframes: o suporte às tarefas computacionais e o
desenvolvimento das aplicações são feitos numa área central, denominada centro
de computação. Terminais conectados diretamente à máquina são utilizados
somente por pessoas relacionadas às aplicações disponíveis.
Nos anos 70 surgiram os supercomputadores, máquinas que inovaram na
arquitetura. Até o momento, o crescimento da eficiência dos computadores estava
limitado pela tecnologia, mais especificamente pelo processamento escalar que
exigia que o processador central de um computador terminasse uma tarefa para
começar a realizar outra, produzindo o gargalo de von Neumann. Um avanço
significativo veio com o supercomputador Cray-1, da Cray Research *, em 1971.
Foi a primeira máquina pipeline, cujo processador executava uma instrução
dividindo-a em partes, como na linha de montagem de um carro. Enquanto a
segunda parte de uma instrução estava sendo processada, a primeira parte de
outra instrução começava a ser trabalhada. A evolução seguinte foi a denominada
máquina vetorial, ou máquina SIMD (single instruction multiple data) cujo
processador trabalhava com mais de um conjunto de dados ao mesmo tempo. Um
pouco depois surgiu a arquitetura MIMD (multiple instructions multiple data) e
apareceram máquinas com múltiplos processadores como a Connection Machine,
com 65.536 processadores †.

*Muito da história dos primeiros tempos dos supercomputadores coincide com a história
daquele que é considerado o pai dos supercomputadores, Seymour Cray (1926-1996), fundador da
Cray Research, que liderou a construção dos computadores mais rápidos do mundo durante vários
anos. Seymour Cray inventou ou contribuiu diretamente na criação de múltiplas tecnologias usadas
pela indústria dos supercomputadores, entre as quais está: a tecnologia de vetor de registradores no
CRAY-1, a tecnologia do semicondutor de gálio arsênico e a arquitetura RISC (Reduced Instruction
Set Computing).
† Deve-se observar que apesar da capacidade de execução paralela de centenas de tarefas,
dependendo de como é feita a comunicação entre os processadores, a eficiência de tais máquinas
pode ser frustrante e as pesquisas continuam em busca do aumento dessa eficiência.

Há primariamente três limites para a performance dos supercomputadores: a


velocidade do processador, o gasto de tempo (o termo técnico, amplamente
utilizado na Computação, é overhead), que envolve fazer um grande número de
processadores trabalharem juntos em uma única tarefa, e a velocidade de entrada
e saída entre os processadores e entre os processadores e a memória *. A
velocidade dos processadores aumenta a cada dia, mas a um alto custo de pesquisa
e desenvolvimento, e a realidade é que se está alcançando os limites dos
processadores baseados em silício. Seymour Cray demonstrou que a tecnologia de
gálio arsênico poderia ser a solução, mas é muito difícil trabalhar com ele e poucas
indústrias estariam aptas a desenvolver processadores desse tipo. A solução, como

103
se falará mais adiante caminha para o uso de um maior número de processadores,
dando maior velocidade ao computador pelo emprego do processamento paralelo.
Com a tecnologia VLSI (Very Large Scale Integration, quarta geração de
computadores) surgiram os minicomputadores, o que possibilitou muitas empresas
e universidades informatizarem seus departamentos. Os grandes usuários
interligavam os minicomputadores para enviar tarefas aos seus mainframes. A
arquitetura principal continuava no entanto estabelecida no centro de computação.
Do minicomputador para o computador pessoal foi somente um passo, e no início
da década de 1980 apareceram os primeiros PC’s. Ainda nos anos de 1980
apareceram as arquiteturas RISC (Reduced Instruction Set Code), com a promessa
de ganho de desempenho pela eliminação do conceito de microprograma. De
qualquer maneira essas máquinas ainda são máquinas de von Neumann
tradicionais, com todas as suas limitações, a maior delas a velocidade dos circuitos
que não pode crescer indefinidamente.
As tentativas de quebrar o gargalo de von Neumann e o início da
descentralização dos sistemas, com o surgimento das arquiteturas de rede que
possibilitaram a universalização do uso da tecnologia da Computação, fizeram
emergir e desenvolver as arquiteturas paralelas de hardware.
A idéia de incluir paralelismo nos computadores é tão antiga quanto os
próprios computadores. Trabalhos desenvolvidos por von Neumann na década de
1940 já discutiam a possibilidade de algoritmos paralelos para a solução de
equações diferenciais. O sistema Model V, desenvolvido entre 1944 e 1947 por G.
R. Stibitz e S. B. Willians nos laboratórios da Bell Telephone é um exemplo típico
de máquina paralela. Constituído por dois processadores e com três posições de
entrada e saída, esse multiprocessador primitivo tanto era capaz de executar dois
programas distintos quanto era possível que os dois processadores ficassem
alocados para um mesmo programa. Posteriormente foi desenvolvido o Illiac IV, na
década de 1960, constituído por 64 processadores. Como foi citado, a partir da
década de 1970 começaram a ser produzidos supercomputadores baseados em
arquiteturas paralelas.
Juntamente com as arquiteturas evoluíram os sistemas operacionais e a
evolução das linhas de processadores de uma empresa como a Intel servem para
refletir a evolução da indústria dos computadores em um determinado período.
Como destaque podem-se citar o MS-DOS, o OS/2 e o UNIX. Especialmente este
último, que surgiu como fruto dos trabalhos de um engenheiro da Bell Labs, Ken
Thompson, foi popularizado nos meios universitários que usavam computadores
PDP-11/45, durante a década de 1970. A palavra UNIX espalhou-se rapidamente
por todo o mundo e no início de 1980 este sistema operacional estava disponível
em mais máquinas do que qualquer outro sistema operacional da época,
continuando hoje ainda a ser amplamente utilizado.
*A velocidade de entrada/saída entre a memória principal (tecnicamente conhecida como
RAM) e os dispositivos de armazenamento é um problema que afeta todos os tipos de computadores.
Mas como os supercomputadores tem uma grande quantidade de memória principal, esse problema
pode ser resolvido facilmente com um gasto mais generoso de dinheiro.

A mais recente evolução da Computação foi o resultado da rápida


convergência das tecnologias de comunicação de dados, de telecomunicação e da
própria informática. É a Internet, ou o modelo computacional baseado em uma
rede, que teve suas origens nos anos da década de 1970, como um esforço do
Departamento de Defesa dos EUA para conectar a sua rede experimental, chamada
ARPAnet, a várias outras redes de rádio e satélites. Espalhouse logo em seguida
nos meios acadêmicos e está bastante popularizada.

104
7.4 Uma nova mentalidade

A partir de 1975, com a disseminação dos circuitos integrados, a Computação


deu um novo salto em sua história, proporcionado pelo surgimento e
desenvolvimento da indústria dos computadores pessoais e, principalmente, pelo
aparecimento da computação multimídia. Com o aparecimento dos
microcomputadores, rompeu-se a barreira de deslumbramento que cercava as
grandes máquinas e seu seleto pessoal que as manipulava, e surgiu a possibilidade
da transferência do controle do computador para milhares de pessoas, assistindo-
se à sua transformação em um bem de consumo.
Em 1975 a revista americana Popular Eletronics anunciou a chegada do
Primeiro kit de minicomputador do mundo a rivalizar com os modelos comerciais .
Tratava-se do Altair 8800, construído com base no chip 8080 da Intel por H.
Edwards Roberts, oficial da Força Aérea americana, graduado em engenharia
elétrica. O sucesso foi imediato: 4.000 unidade vendidas em três meses.
Impulsionados pelo sucesso, um jovem programador, Paul Allen, associa-se a
um estudante de Harvard, Willians Gates, com o objetivo de escrever uma versão
popular de uma linguagem computacional, o Basic, para o Altair. Mais tarde ambos
fundaram a Microsoft, que se tornou na década de 1990 a mais bem sucedida
empresa de software da história dos microcomputadores. Outro grande sucesso
dos primeiros anos dos computadores pessoais foram os microcomputadores
lançados pela Apple, nascida em 1976, fundada pela dupla Steve Jobs e Stephen
Wozniac, que foi um sucesso total naqueles primeiros anos.
Mas realmente essa nova onda só foi possível graças à entrada da IBM na
competição, quando, em 12 de agosto de 1981, em Nova Iorque, executivos da big
blue , como é conhecida, apresentaram o novo computador do momento, o IBM PC
(Personal Computer). Talvez o fato mais importante, que afetaria pelos próximos
anos o panorama da indústria dos microcomputadores foi a decisão da IBM de
utilizar uma arquitetura aberta : selecionar os componentes básicos e o sistema
operacional de fontes externas à IBM.
Contando um pouco dessa história. A força-tarefa que a IBM tinha designado
para a criação do computador pessoal decidiu que queria um computador de 16
bits, mais potente e mais fácil de programar que as máquinas de oito bits então
existentes. A Intel havia anunciado, então recentemente, o chip 8086 de 16 bits,
mas a IBM, temendo que fizesse sombra aos demais itens já comercializados por
ela, escolheu o 8088, uma versão do chip com barramento de 8 bits e estrutura
interna de 16 bits. Tal tecnologia proporcionava ainda a vantagem de trabalhar
com as placas de expansão de oito bits existentes no mercado e com dispositivos
de oito bits relativamente baratos, como os chips controladores. Na busca pelo
software a IBM foi às portas da Digital Research para ver a possibilidade de portar
seu sistema operacional − de grande sucesso! − CP/M para a arquitetura 8086,
mas esta rejeitou o contrato de exclusividade apresentado pela IBM. Assim, a
equipe da IBM rumou para os escritórios da Microsoft, de quem esperavam obter
uma versão do BASIC e acabaram assinando um contrato não só deste software
mas também sobre o sistema operacional. A Microsoft adquiriu e incrementou um
sistema operacional 8086 da Seattle Computer Products − o QDOS − licenciando-o
para a IBM, que começou a comercializá-lo com o nome de PC-DOS.
Os anos da década de 1980 poderiam ser caracterizados pelo aperfeiçoamento
de softwares − tanto sistemas operacionais como utilitários: planilhas, editores de
texto, e outros mais − para o padrão DOS e o desenvolvimento de um mercado de

105
clones de diferentes tipos de máquinas que seriam capazes de executar os
programas elaborados para o padrão. A Apple continuava a fazer sucesso com sua
família Apple II, embora fracassando na introdução do Apple III e do formidável
LISA, a primeira tentativa de popularizar a combinação de mouse, janela, ícones e
interface gráfica com usuário. Mas o preço de US$10.000,00 assustou e espantou o
mercado.
O próximo passo a ser dado − sem contar a evolução e aprimoramento do
hardware sem o qual isso não seria possível − seria a gradual passagem dos
aplicativos para ambiente DOS − verdadeiro mar de produtos − para um novo
padrão de ambiente, que começava a ganhar contornos definitivos, e que
protagonizou o início de uma nova idade na história dos microcomputadores: o do
sistema operacional Windows, que tornou-se padrão dominante para os aplicativos
para PC, tornando a Microsoft líder na definição de especificações multimídia. É
importante no entanto fazer-se justiça: o padrão Windows inspirou-se no padrão
Macintosh, lançado pela Apple em 1984: um computador que era capaz de
oferecer mais de um prompt de DOS e uma interface baseada em caracteres; ele
podia ter várias janelas, menus suspensos e um mouse. Infelizmente o Macintosh
não era compatível com os programas e aplicativos já existentes e não era
expansível.

7.5 A Computação como Ciência

Ao lado dessa evolução do hardware e do software, a Computação abriu-se em


leque e novas tendências surgiram dentro dela, incorporando estas duas entidades.
A Inteligência Artificial, a Teoria da Complexidade Computacional * e a Teoria de
Bancos de Dados abriram novos campos de estudo. Na década de 1960 a Ciência
da Computação tornou-se uma disciplina verdadeira. A primeira pessoa a receber
um título de Ph. D. de um departamento de Ciência da Computação, foi Richard
Wexelblat, na Universidade da Pensilvânia , em 1965. Consolidaram-se os estudos
sobre a Teoria dos Autômatos e a Teoria de Linguagens Formais, principalmente
com Noam Chomsky e Michael Rabin. O nascimento do ramo das especificações
formais, que introduziu um novo paradigma no desenvolvimento de sistemas
computacionais, veio dentro dessa década, com o início das buscas pela corretude
de programas através do uso de métodos formais.

*A Teoria da Complexidade Computacional é um ramo da Computação que estuda o grau de


dificuldade envolvido na resolução algorítmica de classes de problemas. Um dos principais tópicos
abordados diz respeito à eficiência (em termos de tempo) envolvida na execução de um algoritmo.

R. W Floyd, em 1967, propôs que a semântica de linguagens de programação


fosse definida independentemente dos processadores específicos a que se destina
aquela linguagem. A definição pode ser dada, segundo Floyd, em termos do
método para a prova de programas expresso na linguagem. O seu trabalho
introduziu o que passou a ser conhecido como o método das anotações (assertivas)
indutivas para a verificação (prova) de programas e uma técnica envolvendo
“conjuntos com ordenação bem fundada para provar o término de um programa” *.
Uma extensão das idéias de Floyd foi proposta por C. A. Hoare em 1969. Hoare
formulou uma teoria axiomática de programas que permite a aplicação do método
das invariantes de Floyd a textos de programas expressos em linguagens de
programação cuja semântica é precisamente formulada. Este trabalho tornou-se
ainda um dos fundamentos do que se chamou mais tarde “programação

106
estruturada”. Dijkstra desenvolveu a idéia de que a definição (no estilo proposto
por Hoare) pode ser usada para a derivação (síntese) de um programa e não
apenas para sua verificação [Luc82]. A partir dessas pesquisas surgiu a
Engenharia de Software, que busca garantir a corretude na construção de
sistemas. O desenvolvimento de sistemas computacionais até então era feito de
uma maneira quase que artesanal. Não havia critério orientativo algum durante o
processo. Isso acabou sendo fatal, como o revelaram certos estudos, elaborados na
década de 1970, sobre o desenvolvimento de sistemas: ausência de corretude e
consistência, baixa qualidade, manutenção extremamente custosa em função de
problemas não detectados por ausência de uma validação de requisitos mais
rigorosa, não reaproveitamento de código, prazos de implementação não
cumpridos em conseqüência de erros detectados ao longo dessa mesma fase de
implementação, etc. Obedecendo a um grau de formalização maior, apareceram
como primeira reação a essa abordagem informal † modelos e métodos de
desenvolvimento de sistemas chamados estruturados, que na verdade são
conjuntos de normas e regras que guiam as várias fases de desenvolvimento de
sistemas e as transições entre elas. É a abordagem sistemática. Ainda aqui não
está presente um formalismo definido com regras precisas. A prototipação e a
orientação a objeto são abordagens que podem ser consideradas sistemáticas. A
abordagem rigorosa já apresenta um sistema lingüístico formal para documentar
as etapas de desenvolvimento e regras estritas para a passagem de uma etapa a
outra. Não se exige que as demonstrações de corretude das transformações
realizadas sejam feitas formalmente, bastando uma argumentação intuitiva ††. E
finalmente a abordagem puramente formal, rigorosa, com a exigência de que todas
as demonstrações necessárias para garantir a corretude do processo sejam
realizadas formalmente.

*O objetivo é escolher essas proposições de tal forma que elas sejam satisfeitas cada vez que o
fluxo de controle do programa passe pelo ponto anotado e de maneira que cada ciclo do fluxograma
seja “cortado” (anotado) por uma proposição.
† Para estabelecer uma distinção entre as várias espécies de abordagem vamos seguir uma
classificação sugerida por Bjorner [Tan92], de acordo com o grau de formalização.
†† É importante notar que a prova formal pode ser feita.

É necessário notar que essas duas últimas abordagens exigem um


conhecimento mais profundo do raciocínio lógico formal e de um sistema
lingüístico formal adequado. Embora a abordagem formal se apresente como único
meio de se dar uma garantia real à atividade de construção de sistemas, muitos
autores mostram-se céticos quanto ao verdadeiro impacto que ela venha a ter na
prática, devido à dificuldade de aprendizado do necessário arcabouço matemático.

Figura 40: Donald E. Knuth

Donald E. Knuth iniciou nos fins dessa década um rigoroso tratado sobre as
bases matemáticas para a análise de algoritmos, produzindo os três conhecidos
volumes do The Art of Computer Programming [Knu69], que propiciaram a base
para o amadurecimento dos estudos da complexidade de algoritmos. Pode-se dizer
que o trabalho de Knuth é um dos grandes marcos da Computação no século XX:

107
antes de Knuth não havia um corpo sistemático do estudo da programação e dos
algoritmos.
Ainda no campo da Complexidade Computacional novos avanços se deram a
partir de 1971, com o trabalho de Steve Cook e Richard Karp sobre problemas NP-
completos † e os estudos sobre criptografia de Ronald Rivest, Adi Shamir e
Leonard Adleman. Em 1977 H.J. Bremermann desenvolveu alguns trabalhos
pioneiros dentro da teoria da complexidade, mostrando os limites físicos na
arquitetura de computadores de qualquer tipo e que estes limites físicos atuam
como fatores restritivos para a computação de determinados problemas. De acordo
com ele, existe um tempo chamado limite fundamental para a velocidade dos
computadores que não pode ser ultrapassado. Tal limite deriva-se da idéia de que a
velocidade máxima de transmissão de sinal entre os componentes internos da
máquina é limitada pela velocidade da luz. Mesmo que se pudessem construir
máquinas muito pequenas, otimizandose a trajetória de transmissão de sinais, esse
limite não pode ser ultrapassado. E ainda que se chegue a uma máquina cuja
velocidade de transmissão seja próxima à da luz, existem problemas
computacionais que são intratáveis, como por exemplo os “problemas NP”: mesmo
com a velocidade da luz tais problemas poderiam levar a idade do universo para
serem processados [Tei97].

†Um problema dito P (de polinomial) é executado em um computador com um número de


passos dado pela fórmula Ank ( A e k são inteiros fixos e n é o número de dados de entrada).
Algoritmos NP (de tempo não determinístico polinomial) executam em tempo exponencial, em um
número de passos 2n ou n! (problema do caixeiro viajante por exemplo, a solução de alguns
teoremas lógicos de primeira ordem, o problema da torre de Hanói, etc.).

7.6 A inteligência artificial

É um dos ramos da Ciência da Computação merecedor de especial destaque,


pela sua gama de influência nas pesquisas e novas áreas que se abriram a partir do
seu início. É aquela área da Computação, em termos mais gerais, voltada para o
estudo de técnicas de construção de programas que permitam ao computador
simular aspectos do comportamento da inteligência, tais como jogar xadrez, provar
teoremas lógicos, compreender partes específicas de uma linguagem natural como,
por exemplo, o português, etc.
Os primórdios da Inteligência Artificial (IA a partir de agora) remontam à
década de 1940. Começou a predominar nesses anos o movimento ciberneticista,
que acreditava entre outras coisas que a atividade humana poderia um dia ser
estudada por meio de modelos matemáticos, como se faz com outros tantos
fenômenos da natureza. Seguindo os trabalhos de Gödel, muitos matemáticos
imbuíram-se do objetivo de formalizar a noção de procedimento e definir o que
poderia ser feito através de um algoritmo, e vieram a tona os trabalhos de Turing,
Church, Kleene e Post *. Os resultados desses esforços acabaram por ser
equivalentes e se estabeleceram os limites do que é computável†.
No ano de 1943 foram publicados os trabalhos de Warren McCulloch e Walter
Pitts, que propuseram um modelo de neurônios artificiais, onde cada neurônio era
caracterizado como sendo “on” ou “off”, e era representado por uma chave onde
“on” seria a resposta a estímulos por um dado número de neurônios vizinhos. Eles
mostraram que qualquer função computável poderia ser processada por algum tipo
de rede de neurônios conectados e que os conectivos lógicos poderiam ser
implementados através de estruturas de rede simples [MP43]. Estão presentes
aqui as pesquisas de Claude Shannon, que entre outras coisas descreveu em
termos lógicos o funcionamento de certos sistemas físicos, e vice-versa: sistemas

108
físicos que poderiam representar um raciocínio lógico. A fusão das idéias de
Shannon e Boole, associadas a um tratamento simplificado do neurônio do cérebro
humano, tornou possível o trabalho de McCulloch e Pitts, que propuseram um
modelo de neurônio artificial (há um trabalho sobre este assunto em [Arb87]).
Queriam esses dois pesquisadores mostrar que se os neurônios artificiais
pudessem efetuar computações lógicas, estaria aberto o caminho para simular o
raciocínio humano.

*Como foi visto, Turing desenvolveu a Máquina de Turing, Church desenvolveu o cálculo-
lambda (que forneceu a base para a linguagem LISP, desenvolvida por McCarthy, uma das favoritas
do pessoal da IA), Kleene desenvolveu a teoria das funções recursivas, enquanto Emil Post
introduziu sistemas para reescrita de cadeias de símbolos (a gramática de Chomsky é um caso
particular disso).
† Como um dos subprodutos do trabalho de Church, ficou estabelecido que tudo aquilo que um
ser humano possa fazer manipulando símbolos, seguindo um finito e bem definido conjunto de
regras, uma máquina equipada com o conveniente programa também poderá fazê-lo.

Os trabalhos de Warren McCulloch e Walter Pitts tiveram grande sucesso e


outros trabalhos apareceram, mas logo foram objeto de fortes críticas. Frank
Rosemblatt e seus colegas da Universidade de Cornell projetaram uma máquina
parecida com o modelo de MccUlloch e Pitts, denominada Perceptron *. Marvin
Minsky e Seymour Papert mostraram algumas limitações dos perceptrons, como
por exemplo a impossibilidade de executarem operações lógicas do tipo “ou
exclusivo”. De qualquer maneira surgiu uma primeira vertente da emergente IA: a
que buscava a simulação do cérebro humano do ponto de vista físico, para simular
a atividade mental, e que fará surgir anos mais tarde, na década de 1970, a
Ciência Cognitiva ou Conexionismo, que está apoiada em um paradigma da IA de
processamento serial da informação e no “approach” da manipulação simbólica
para a lingüística.
Outra vertente por onde se encaminharam os estudos da IA foi a chamada
Inteligência Artificial simbólica, que buscava a representação e a simulação dos
estados e do comportamento mentais através de programas computacionais. A
representação e simulação da inteligência não estaria na construção de um
determinado tipo de hardware, mas no desenvolvimento de um software que opere
sobre dados. Isto teve profundos reflexos nas pesquisas posteriores e suscitou
inúmeros debates, sobretudo na filosofia, sobre as relações entre a mente e o
cérebro †. Em [Tei97], há um capítulo sobre as grandes objeções levantadas ao
termo IA no sentido forte, o qual diz que um computador adequadamente
programado é uma mente e reproduz estados mentais.
Em 1950 Turing introduziu através de um artigo, Computing Machinery and
Intelligence, o chamado ‘Turing Test” ‡, considerado também um dos primeiros
esforços no campo da Inteligência Artificial [RN95]. Mais tarde o próprio Turing
(1953) escreveu um programa de xadrez para computadores que tinham a
arquitetura de von Neumann. Ao mesmo tempo, Marvin Minsky e Deam Edmonds,
do Departamento de Matemática de Princeton, construíram o primeiro computador
baseado em rede neural, em 1951, o SNARC. Era um computador analógico para
simular uma rede de 40 neurônios [RN95].
John McCarthy, outra figura influente da IA, após formar-se em Princeton,
dirigiuse ao Dartmouth College e convenceu Minsky, Shannon e Nathaniel
Rochester, um pesquisador da IBM, a ajudá-lo a trazer pesquisadores interessados
em teoria dos autômatos, redes neurais e no estudo da inteligência. Allen Newell e
Herbert Simon, da Carnegie Mellon University elaboraram o LT (Logic Theorist) *,
um programa capaz de trabalhar nãonumericamente e que provou a maioria dos
teoremas do segundo capítulo do Principia Mathematica, de Russell e Whitehead.

109
Em 1952, Arthur Samuel mostrou que os computadores não fazem somente o que
se lhes pede, mas são capazes de “aprender”. Outros programas provadores de
teoremas se seguiram ao LT e em 1958, com McCarthy surgiu o LISP, que se
tornou a linguagem de programação predominante para IA a partir daí.

*Pode-se imaginar um Perceptron como um dispositivo para o reconhecimento de um conjunto


de padrões, não específico, isto é, com capacidade de “aprender” a reconhecer os padrões de um
conjunto após um número finito de tentativas.
† Na verdade tais indagações remontam ao filósofo Renè Descartes que introduziu a primeira
fissura no pensamento filosófico de até então, ao cavar um fosso profundo entre a matéria e o
espírito humano.
‡ Ele propôs uma definição de “pensamento” usando um jogo: um homem teria de decidir,
baseado em uma conversa via teletipo, se a entidade que estava na sala ao lado, respondendo a um
teste, era um ser humano ou um computador. Se a distinção não pudesse ser feita, então poderia ser
dito que o computador estava “pensando” [Tur36].

McCarthy seguiu para Stanford na busca da representação do raciocínio


através da lógica formal (seu trabalho recebeu grande impulso quando J. A.
Robinson elaborou um algoritmo completo para a prova de teorema na lógica de
primeira ordem). Estas aplicações da lógica incluíam robótica e um projeto para
demonstrar a completa integração entre raciocínio lógico e atividade física. Minsky
estava mais interessado em descobrir programas para resolver problemas que
exigiam inteligência para serem solucionados: problemas de analogia geométrica
que aparecem nos testes de QI, problemas de álgebra, etc.
Os anos de 1966 a 1974 foram marcados por um certo ceticismo diante das
dificuldades que começaram a ser encontradas, como por exemplo a não
tratabilidade de muitos problemas de IA, acentuada pelos primeiros estudos dos
problemas não-polinomiais determinísticos, NP, e pelas limitações das estruturas
básicas usadas para gerar comportamento inteligente, como por exemplo os
algoritmos de aprendizado por backpropagation [RN95].
A década de 1970 marcou a busca pelos sistemas baseados em conhecimento
e pelos sistemas especialistas, protagonizada inicialmente por Ed Feigenbaum,
Bruce Buchanan e Joshua Lederberg. Os sistemas especialistas são solucionadores
de problemas acoplados a grandes bancos de dados onde o conhecimento humano
específico sobre determinado assunto encontra-se armazenado. O sistema deverá
fornecer respostas a consultas, dar conselhos a um leigo sobre um determinado
assunto, auxiliar especialistas, ensinar, etc. A idéia subjacente é que a inteligência
não é somente raciocínio mas também memória. A grande meta é a preservação do
conhecimento de especialistas após a morte destes. O problema, ainda em aberto,
é a difícil tarefa de se representar o conhecimento, aliás nome de uma nova área
surgida dentro da IA para solucionar os inúmeros problemas surgidos,
principalmente os de como representar o “senso comum”, o “sexto sentido” ou
ainda a intuição, termos que resistem a uma conceituação clara. Ou ainda
qualquer tipo de conhecimento não representável por uma expressão simbólica
como ensinar alguém a jogar bola. Como formalizar estas coisas? Mais ainda: até
que ponto a formalização é um instrumento eficiente para a representação do
conhecimento? De qualquer maneira surgiram os sistemas especialistas para
diagnóstico médico, manipulação de linguagens, etc.
Lembrando o trabalho de H.J. Bremermann citado no item anterior (A
Computação como Ciência), sobre os limites físicos que impedem a construção de
um dispositivo com velocidade ‘ilimitada’ (maior que a da luz por exemplo), deve-
se reparar que esses mesmos limites estão presentes também dentro das reações
químicas e nos impulsos elétricos que se dão nas complexas conexões dos
neurônios do cérebro. Se a mente humana consegue resolver determinados

110
problemas intratáveis (o problema da parada na máquina de Turing por exemplo) e
funciona de maneira algorítmica (como pensa determinada corrente de estudiosos
da simulação da mente por computador), as operações mentais tem algo a mais do
que as características físicas do cérebro humano. Ou então há processamentos
mentais não algorítmicos, e se cai no problema da impossibilidade de uma
representação formal disso. São debates em aberto e que geram um saudável
intercâmbio de idéias entre a Computação e outras áreas do conhecimento humano
como a Psicologia, Biologia e Filosofia.

*Newell e Simon também inventaram a linguagem IPL, para processamento de listas, para
escrever o LT. Como não tinham compilador, traduziram manualmente para o correspondente código
de máquina.

Também a robótica demandou estudos da área de IA, principalmente no que


se refere à Visão Computacional. Os anos da década de 1980 foram os da
introdução da IA na indústria e um retorno ao uso de redes neurais. De 1987 para
cá houve uma mudança tanto no conteúdo quanto na metodologia das pesquisas
em IA. Agora é mais comum trabalhar em teorias existentes do que a proposição
de novas, e basear-se em teoremas rigorosos ou em fortes evidências
experimentais do que sobre intuição. O campo do reconhecimento da voz é um
exemplo disto.

7.7 Uma nova disciplina: a cibernética

O nascimento da cibernética como ciência está associado aos trabalhos de


Norbert Wiener (1894-1964). Na II Guerra Mundial ele foi encarregado pelo
governo norte-americano de resolver os problemas de controle automático da
direção do tiro, na artilharia antiaérea. Wiener desenvolveu suas investigações no
MIT e idealizou um sistema mediante o qual o erro, ou diferença entre o objetivo
que se pretendia alcançar e o efeito real alcançado, era medido e utilizado para
regular o próprio sistema, corrigindo as variáveis de velocidade, ângulo de tiro,
etc. Ao procurar resolver o problema, e encontrar algumas soluções, Wiener tentou
construir uma conceituação geral das questões com que lidava. Em contato com
outros cientistas, como o fisiólogo Cannon, pode comprovar que, além da parte
automática, esse tipo de problemas de controle e comunicação se aplicavam a
muitos outros âmbitos. Por isso ampliou paulatinamente sua teoria de forma que
abrangesse os seres vivos e as máquinas, ou, mais em geral, a todo corpo com
dinâmica organizada pela informação.
Wiener alcunhou o termo “cibernético” tomando diretamente o vocábulo
grego “kybernetiké”, que significa “a arte de governar um barco”. Este termo tinha
um amplo uso no pensamento grego, em referência precisamente a fenômenos
muito similares ao estudado pelo engenheiro norte-americano. Assim ele próprio
define a cibernética como “controle e comunicação no animal e na máquina”, como
aparece no título de seu livro Cybernetics [Wie70].
A Cibernética é uma teoria formada pelos aspectos relevantes de outras
quatro teorias: da informação, dos jogos, do controle e do algoritmo. Estão
diretamente relacionados com essa teoria os trabalhos de:
• Alan M. Turing em seus estudos sobre a possibilidade lógica das máquinas;
• Claude E. Shannon na Teoria da Informação; • Ludwig Von Bertalanffy,
biólogo que, em resultado de 30 anos de trabalhos, publicou a famosa obra
intitulada “Teoria Geral dos Sistemas”;
• James Watt (1736-1819), inventor do regulador centrífugo de pressão nas

111
máquinas a vapor, germe da automatização via feedback negativo;
• John von Neumann com sua Teoria Matemática dos Jogos.
Com a cibernética surge uma disciplina que estuda a evolução temporal
dinâmica dos sistemas com capacidade de auto-regulação e auto-manutenção ao
interagir com o meio que o circunda. De maneira breve pode-se afirmar que as
contribuições de Wiener podem resumir-se em dois pontos [Ara78]: • Sublinhou a
importância dos estudos interdisciplinares, mostrando o grande interesse que
apresentam para cada uma das disciplinas consideradas • Percebeu a presença de
processos realimentados de controle em uma ampla classe de sistemas, tanto
naturais como sociais.
Embora a cibernética como ciência não tenha como objetivo o computador –
para ela é apenas mais uma das muitas estruturas existentes no universo –, ela
criou, juntamente com a teoria da informação de Shannon, um novo caminho para
tentar entender o homem e as máquinas. Ao se ocupar das estruturas e funções
lógico-matemáticas de auto-regulação, independentemente de que estejam
inscritas e se cumpram em um organismo vivo, ou em uma população humana ou
em um computador eletrônico, acabou tomando parte indiretamente no
desenvolvimento do hardware e do software.
A idéia de informação como uma das características fundamentais do universo
levou Wiener e Shannon, separadamente, a demonstrarem que muitas coisas,
desde o movimento aleatório de partículas subatômicas até o comportamento de
redes baseadas em chaveamentos elétricos ou alguns aspectos do discurso
humano, estão relacionados de tal modo, que podem ser expressos através de
algumas equações matemáticas básicas*.
Estas equações foram úteis na construção de computadores e redes
telefônicas: muitos conceitos elaborados e delineados pela cibernética e teoria da
informação tornaram-se centrais no projeto lógico de máquinas e na criação do
software.
A cibernética não conseguiu estabelecer-se com um objeto e método
unificados na tradição acadêmica, e o termo se utilizou cada vez menos. Seus
acahados foram integrados dentro da Teoria Geral dos Sistemas †, no que se refere
aos aspectos mais teóricos. Seu lado mais prático e utilitário foram assimilados
dentro da robótica. “Somente em países europeus constituiu-se como uma ciência
amplíssima que engloba aspectos tão diversos como a teoria da informação,
comunica’~ao, computadores, sistemas de controle, robótica, modelagem
econômica, sociologia, etc. Independente da evolução acadêmica que tenha a
cibernética como disciplina, é necessário referir-se a uma série de conceitos que
com ela se puseram em andamento e são de uso comum em muitos âmbitos” ‡
[Tir2002].

* Sobre estas idéias tão sumariamente enunciadas ver o livro Cibernética, capítulo
introdutório [Wie70].
†A Teoria Geral dos Sistemas é um completo paradigma, uma forma de pensar muito fecunda
para entender a complexidade que engloba tanto os campos já citados acima que se relacionam com
a Cibernética e ainda: Teoria dos Conjuntos (Mesarovic), Teoria das Redes (Rapoport), Dinâmica de
Sistemas (Forrester), cfr. Bertalanffy, L. von Teoria Geral dos Sistemas [Tir2002]
‡ As noções de feed-back negativa ou realimentação, homostasis (permanecer igual a si
mesmo), feed-before (comportamento predictivo e por estratégia), etc.

8 A disseminação da cultura informática

Quando a História olhar para trás e estudar os anos do século XX, entre outras
coisas, perceberá que, do ponto de vista científico, eles estão caracterizados como

112
tempos em que se produziu uma aceleração tecnológica e um avanço nas
comunicações sem precedentes. Não é fácil encontrar situações históricas
análogas à expansão tecnológica que se assistiu nestes últimos cinqüenta anos do
século. Após as revoluções do ferro, da eletricidade, do petróleo, da química, veio a
revolução apoiada na eletrônica e no desenvolvimento dos computadores. A partir
dos anos setenta iniciou-se a integração em grande escala da televisão,
telecomunicação e informática, em um processo que tende a configurar redes
informativas integradas, com uma matriz de comunicação baseada na informação
digital, com grande capacidade de veicular dados, fotos, gráficos, palavras, sons,
imagens, difundidos em vários meios impressos e audiovisuais. Pode-se até dizer
que, em certo sentido, as mídias estão sendo suprimidas, pois tudo está se
tornando eletrônico.
A integração dos meios de comunicação gera também uma progressiva fusão
das atividades intelectuais e industriais do campo da informação. Jornalistas das
redações dos grandes jornais e agências de informação, artistas, comunidade
estudantil, pesquisadores trabalham diante de uma tela de computador. Em
algumas sociedades, como a norteamericana por exemplo, quase 50% (dados de
1955) da população economicamente ativa está dedicada a atividades industriais,
comerciais, culturais, sociais e informacionais relacionadas com coleta, tratamento
e disseminação da informação. Há um aumento da eficiência informacional a cada
dia, e se barateiam cada vez mais os custos tecnológicos. Não esquecendo que o
computador, diferentemente das outras máquinas (que manipulam, transformam
ou transportam matéria e energia) manipula, transforma e transporta um elemento
muito mais limpo e menos consumidor de energia e matéria prima. Abre-se
portanto uma porta para um crescimento da informação praticamente ilimitado.
Já que se está tratando principalmente neste livro sobre a evolução das idéias
e conceitos que levaram ao surgimento e desenvolvimento da Ciência da
Computação, pode-se falar agora de um supra-conceito maior, conseqüência que a
Computação ajudou a catalisar: o surgimento da Sociedade da Informação. Sem
querer adentrar no tema, merecedor de um trabalho exclusivo e com implicações
históricas, antropológicas, sociológicas e até psicológicas que fogem ao presente
escopo, duas considerações serão feitas: o problema do excesso de informação e o
perigo do empobrecimento que pode ser causado pelo uso indevido do computador.

8.1 O domínio e o controle das informações

Existe no mundo da pintura uma expressão que se refere ao acúmulo de cores


que acaba por não permitir uma clara distinção do objeto: infopoluição. Esta
possibilidade começa a fazer-se realidade no âmbito da Sociedade da Informação.
A informação está expandida no mundo de hoje, resultado da explosão de fontes
que incluem as agências comerciais de notícias, os sistemas comerciais de satélites
transmissores de imagens, a World Wide Web, etc. Há um otimismo que leva
muitos a se alegrarem com essa invasão vertiginosa de palavras, imagens e
símbolos, dos quais muito poucos são controlados, de um ponto de vista semântico.
Faz tempo que soam os alarmes: “Os usos normais da fala e a escrita nas
sociedades ocidentais modernas estão fatalmente enfermos. O discurso que se faz
nas instituições sociais, o dos códigos legais, o debate político, a argumentação
filosófica e a elaboração literária, o leviatã retórico dos meios de comunicação:
todos estes discursos são clichês sem vida, jargão sem sentido, falsidades
intencionadas ou inconscientes. O contágio se estendeu aos centros nervosos do
falar privado. Em uma infecciosa dialética de reciprocidade, as patologias da

113
linguagem pública, especialmente as do jornalismo, a ficção, a retórica
parlamentar e as relações internacionais, debilitam e adulteram cada vez mais as
tentativas de psique particular dse comunicar a verdade” [Ste91].
A superabundância de informação tende a mudar a natureza de cada
mensagem concreta. Às vezes, a maneira mais prática de não informar é dar uma
enxurrada de informações. Pode-se chegar até a privar de significado, ou tornar
insignificante, a própria mensagem. A informação converte-se, nessa perspectiva,
em simples ruído de fundo. Isto já ocorre, especialmente com os informes
publicitários.
É uma acumulação de dados não só pela densidade de informações bem como
pela sucessão rápida com que chega. Se no passado o problema era o de acesso e
coleta, agora está sendo o da seleção e avaliação. A possibilidade de recolher,
processar, difundir e recuperar informação de maneira quase instantânea implica
numa certa desvalorização da notícia. A informação em doses exageradas acaba
por tornar-se ruído. Por muita informática que exista, se não se tem capacidade de
tratamento que a converta em significativa é ruído: nos tornamos incapazes de
assimilar e tratar tanta abundância informativa. É necessário que se enfatize cada
vez mais a análise da informação e que se encorajem as inovações técnicas nesse
campo. Já surgem os grandes sistemas de manipulação de dados, gigantescos
depósitos de dados com seus ‘Data Minds’, softwares usando técnicas de IA que
trazem, por mecanismos de inferência, a informação desejada ou a possível
informação desejada.
As possíveis reações ante esse fenômeno da ‘poluição informativa’ ocorreriam
em três direções [Sor92]. Uma primeira via seria a seleção da informação, sem
redundâncias nem repetições, como se mencionou algumas linhas acima. A outra
seria a redução da informação, acomodando-a em função de interesses específicos
e especializados do público e a terceira via é a fuga da informação. A fuga da
informação seria o florescimento de ideologias simplificadoras, a semeadura do
irracional, o voluntarismo irreflexivo, o empobrecimento das relações sociais e o
desenvolvimento do mais passivo consumismo. É uma hipótese reducionista,
somente esboçada em determinados nichos sociais. Uma futura linha de fuga seria
a exploração através da venda e compra da informação, das mensagens
informativas, a um determinado custo (como avaliar?), orientando-se a
radiotelevisão ao volume de informação e tipo de informação que o assinante
deseja.

8.2 O equilíbrio entre o toque humano e a tecnologia

As citações e considerações deste capítulo estão baseadas em uma palestra do


prof. Dr. Valdemar Setzer, do Instituto de Matemática e Estatística da USP, em 03-
IV-96, no Museu de Arte Contemporânea da USP. Como citado anteriormente, o
computador também exerce aquelas três ações das demais máquinas, isto é,
transformar, armazenar e transportar, mas não mais matéria ou energia, e sim
dados. Dados podem ser considerados abstrações do mundo real, não fáceis de se
estabelecer muitas vezes.
Como traduzir em símbolos uma personalidade, ou um sentimento? Para
serem processados por um computador eles terão que ser tratados como símbolos
formais (que já é um empobrecimento), por exemplo, introduzindo-se uma
gradação numérica: tal intervalo entre números x e y representará uma gradação

114
da intensidade de um determinado sentimento, o que é um empobrecimento ainda
maior. Conforme o prof. Setzer:
“É importante fazer aqui uma distinção necessária entre o armazenamento de
textos, imagens e som, que são pura e simplesmente reproduzidos, talvez com
alguma edição da sua forma (por exemplo, alinhamento de parágrafos, saliência de
contrastes em fotos, eliminação de ruídos), e o processamento de dados. Este
último é o tratamento que se dá aos dados, transformando seu conteúdo, isto é, a
semântica que se associa aos mesmos. Por exemplo, traduzir textos de uma língua
para outra, extrair características de estilo de autores em pesquisas de lingüística
computacional, gerar desenhos a partir de programas como no conhecido caso dos
fractais, etc.”.
“De onde provem o empobrecimento da informação? Do fato de que os dados
não têm nada a ver com a realidade, sendo na verdade representações simbólicas
de pensamentos abstratos formais, lógico-simbólicos, e como tal eles não precisam
ter consistência física. Aliás, é justamente a imponderabilidade dos dados e sua
alienação em relação ao físico que permitiu que os computadores fossem
construídos cada vez menores, o que não pode acontecer com todas as outras
máquinas. De fato, estas podem ser caracterizadas como máquinas concretas, ao
passo que os computadores são máquinas matemáticas, e portanto abstratas,
virtuais. Assim, todo processamento de dados deve utilizar-se exclusivamente de
pensamentos formais expressos sob a forma de um programa de computador. Esse
processamento lógico-simbólico, por ser extremamente restrito e unilateral, acaba
por restringir enormemente o espaço de tratamento das informações, que devem
ser expressas sob forma de dados; daí o empobrecimento das informações que são
representadas por esses dados. Note-se que essa restrição é até de natureza
matemática: não é possível colocar no computador as noções de infinito e de
contínuo, apenas aproximações das mesmas”.
“A caracterização do computador como máquina abstrata fica mais clara ao
notar-se que todas as linguagens de programação são estritamente formais, isto é,
passíveis de serem descritas matematicamente. O próprio funcionamento lógico do
computador pode ser descrito por formulações lógico-matemáticas. As outras
máquinas não têm essa característica, pois atuam diretamente na matéria (aí
incluída a energia), e esta escapa a uma descrição matemática”.
“Mas não são só as linguagens de programação que são formais”. Qualquer
linguagem de comandos, mesmo icônica, de um software qualquer, também é
matematicamente formal. Por exemplo, qualquer comando de um editor de textos
produz uma ação do computador que é uma função matemática sobre o texto
sendo trabalhado ou sobre o estado do computador. Portanto, para se programar
ou usar um computador, é necessário formular os pensamentos dentro de um
espaço estritamente abstrato, matemático, apesar de aparentemente não ser o
tradicional, pois os símbolos e as funções são em grande parte diferentes.
Programar ou usar um computador são funções estritamente matemáticas, como
fazer cálculos ou provar teoremas. Assim, a programação ou uso de um
computador exigem o mesmo grau de consciência e abstração que a atividade
matemática. Isso não se passa com todas as outras máquinas, que exigem uma
certa coordenação motora automática, semiconsciente (por exemplo, só se aprende
a andar de bicicleta quando não é mais necessário pensar sobre os movimentos e o
equilíbrio)”.
Como uma das conseqüências dessas afirmações, pode-se propor que o uso do
computador deva estar acompanhado de um novo tipo de educação, seja no âmbito
da família ou das escola, das universidades ou das empresas, que aponte para uma
abertura maior do entendimento humano. E esse saber vital, que faz com que um

115
homem se sinta interiormente livre − porque tem respostas às questões da vida −,
e que tenha uma visão mais ampla da realidade, é a cultura, a literatura, a filosofia,
a história, etc., ou seja, as humanidades ou artes liberais, como antes eram
chamadas algumas ciências humanas. Nas ciências técnicas e para os profissionais
da Computação isto é mais premente. O maior problema que a especialização das
ciências técnicas trouxe foi essa perda do sentido de conjunto. Continuando com as
considerações da citada palestra:
“Um empobrecimento que também pode dar-se em outro sentido que é o uso
da computação na arte. Há um elemento informal e intuitivo na arte que leva a
dizer que na criação artística deve haver um elemento inconsciente, que nunca
poderá ser conceituado totalmente. Já a criação científica deve poder ser expressa
por meio de pensamentos claros, universais e não-temporais, isto é, independentes
da particular interpretação do observador, talvez até certo ponto (dependendo da
área) formais, matemáticos. Imagine-se uma descrição do Altar de Isenheim
através dos seus pixels e seus comprimentos de onda: ele perderia totalmente o
senso estético e não produziria mais a reação interior provocada no observador
pelas cores, formas e motivos, isto é, não teria o efeito terapêutico para o qual foi
criado por Grünewald”.
“O elemento emocional foi realçado por Freud, quando afirmou em sua
‘Introdução à Psicanálise,’ Aula 23, e no ensaio ‘Além do Princípio do Prazer,’ que a
arte é emoção ou expressão subconsciente e não imitação ou comunicação (dentro
de seu típico raciocínio unilateral da teoria da sublimação da emoção e do desejo
através da arte). Comparando-se com a arte como comunicação de uma realidade
espiritual, de Kandinsky, vê-se bem o contraste entre materialismo e
espiritualismo; neste pode haver algo superior a ser comunicado”.
“Apesar de que a idéia expressa em um objeto de arte seja de conteúdo
objetivo, a sensação e emoção que ela desperta é subjetiva. Por exemplo, ouça-se
uma terça maior seguida de uma menor, ou uma sétima seguida de uma oitava.
Estamos seguros que qualquer pessoa terá sensações diferentes em cada caso, que
ficam claras pelo contraste entre cada intervalo e o seguinte. Mas provavelmente
quase todas as pessoas dirão que a terça menor é 'mais triste' e a sétima produz
uma tensão aliviada pela oitava. Cada um sente essas emoções diferentemente,
mas há claramente algo universal por detrás delas, como as sensações que temos
do amarelo limão (alegre, radiante, abrindo-se) e do azul da Prússia (triste,
introspectivo, fechando-se) ”.
“É necessário considerar também uma distinção essencial entre obra artística
e científica o fato da primeira dever sempre ter contextos temporais e espaciais
ligados à sua criação. Como contraste, uma teoria científica não depende do
tempo, desde que seja consistente e corresponda às observações, se for o caso. Um
exemplo simples é o do conceito de uma circunferência, como por exemplo o lugar
geométrico dos pontos eqüidistantes de um ponto. Essa definição formal não
dependeu das condições de seu descobridor. Ela é impessoal e eterna. O fato de
podermos captá-la com nosso pensamento levou Aristóteles a conjeturar, por um
raciocínio puramente lógico (precursor de nossa maneira de pensar hodierna), que
temos dentro de nós também algo de eterno, e que não poderia ter ocorrido em
Platão, pois este tinha sido um iniciado nos Mistérios (em A Escola de Atenas, de
Rafael há uma representação da diferença entre os dois *)”.
“A dependência espaço-temporal da criação artística aliada ao elemento de
expressão individual semiconsciente do artista faz com que haja sempre um
elemento de imprevisibilidade na criação. O artista deve observar sua obra durante
o processo de criação, para influir no mesmo e chegar a algo que não podia
inicialmente prever. Isso pode ser um processo puramente interior, como no caso

116
de um compositor que não precisa ouvir os sons de sua obra; no entanto, a
sensação auditiva ao ouvi-la tocada nunca é a mesma que a que pode imaginar
interiormente. Poder-se-ia argumentar que a pesquisa científica também tem
elementos de imprevisibilidade. Isso pode ocorrer até na matemática: um teorema
pode ser descoberto, e o seu autor ou outros ainda não saberem como se poderá
prová-lo (um exemplo recente foi a prova do último teorema de Fermat, formulado
no século XVII). Uma grande diferença reside no fato do resultado ser de um lado
um conceito e de outro um objeto. Além disso, uma vez estabelecido um conceito
científico, toda vez que se refizer a experiência ou a teoria correta o resultado será
o mesmo (dentro das eventuais aproximações experimentais); no caso da criação
artística, o objeto de arte deverá sempre mudar, pois a sua simples presença deve
influenciar o criador, que terá outras inspirações na hora de repetir a criação
(lembremos da frase de Freud de que simples imitação não é arte). Dá-se a esse
fator o nome de dinamismo da criação artística”.
“Portanto o uso do computador para fazer arte, sem considerar sua grande
utilidade como banco de dados das obras artísticas, pode ser empobrecedor”.
“Como instrumento passivo na criação artística, como é o caso do uso de uma
ferramenta CorelDraw, existe o problema do usuário fazer uso de um raciocínio
formal ao utilizar os comandos do computador submetendo a criação artística a
uma consciencialização e formalização e o problema da ausência do elemento
inconsciente, assim como do contato físico que desperta diferentes reações, como
por exemplo, no pintor com seu pincel, no pianista ao dedilhar o piano”.

*O autor se refere ao famoso quadro onde vários filósofos gregos aparecem, e, caminhando
lado a lado, estão Platão e Aristóteles, um apontando o dedo para cima e outro para baixo,
respectivamente, indicando o mundo das idéias e o mundo real.

“Uma outra forma de usar um computador em arte é fazer um programa para


gerar imagens ou sons (quem sabe, no futuro, até fazer uma escultura ou construir
uma casa). Um exemplo conhecido disso são os fantásticos desenhos produzidos
por funções fractais; programas para produzir desenhos com essas funções
provavelmente estarão logo no mercado. Nesse caso, não há apenas a substituição
de um instrumento informal por outro formal; o próprio processo de criação torna-
se totalmente formal. A criação deve ser expressa de maneira estritamente
matemática, como é o caso de um programa. Com isso, elimina-se totalmente o
elemento inconsciente. É também eliminado o elemento individual, no sentido de
qualquer pessoa poder entender totalmente como a obra foi produzida - basta
examinar detalhadamente o programa. É eliminado ainda o elemento temporal e
espacial ligado à criação. Em outras palavras, a atividade artística tornou-se
atividade científica. A propósito, é muito importante compreender-se o que
significa produzir um programa para fazer uma obra de 'arte' segundo um certo
estilo. Um computador pode produzir desenhos e música que se assemelham aos
de Mondrian e de J.S.Bach, mas estes tiveram que desenvolver seus estilos para
poder ser depois analisados e expressos em elementos puramente formais e
programados em um computador, para gerar algo que aparentemente é
semelhante. Sem Bach, não haveria programas que imitam sua música. Além disso,
a ‘criação’ do computador não exprime nenhuma idéia além da contida no estilo,
desde que este seja expresso matematicamente, o que representa um
empobrecimento”.
Encerradas as considerações, o que se deseja chamar a atenção é a
mentalidade do uso do computador sem o correspondente desenvolvimento de
outros aspectos da inteligência do homem. Depois de tudo o que foi dito, seria

117
redundante e supérfluo falar das vantagens desse instrumento de trabalho que
potencializou e impulsionou o desenvolvimento das ciências em geral. Mas é bom
lembrar que os computadores não inovam, não se relacionam, não são flexíveis e
não sabem tomar iniciativas diante de situações não prédeterminadas por
algoritmos internos. A imersão na informática traz o risco de se deixar de lado o
cultivo ou mesmo a perda de aptidões fundamentais como a leitura, a reflexão, a
criatividade, etc. Será tarefa primordial principalmente nos estabelecimentos de
ensino, onde o computador se faz cada vez mais presente, preocupar-se em dar ao
lado dos conhecimentos técnicos e informáticos, uma sólida formação humanística
que garanta o exercício integral da inteligência humana em seus vários âmbitos.

9 Conclusão

Voltando a algumas das primeiras observações feitas no capítulo introdutório,


foi dito que a exposição histórica não é apenas a narrativa de acontecimentos,
cronológica e tematicamente ordenados. Esses são somente a “ponta do iceberg”,
pois escondem motivações, esforços, entrelaçamentos e a própria evolução
anterior. A tarefa do historiador não se conclui com a obtenção de dados
fidedignos, depurados e exatos, bem como o estabelecimento de séries desses fatos
de maneira coerente e significativa. São somente pontos de partida para se inquirir
e perguntar sobre o próprio homem, o verdadeiro protagonista da História. Esse
“saber” histórico produz assim um enriquecimento da experiência humana,
permite enfrentar o desafio dos novos problemas com melhores recursos. Há mais
possibilidades de crescimento e criação de coisas novas quando se possui uma
herança. A criatividade não se faz sobre o nada. Ao jovem que o procurou dizendo
que queria fazer versos livres, Manuel Bandeira recomendou que estudasse a
fundo poesia clássica, metrificada: e que só então estaria apto a fazer versos livres.
A criatividade é antes extrapolar e reorganizar dados já incorporados, numa
configuração nova. Mas, para extrapolar ou reorganizar dados, é preciso, antes de
mais nada, tê-los.
Ao lado disso, é uma aspiração constante de qualquer cultura entender o
momento presente, formar uma imagem coerente, selecionando os fatos do
passado que afetaram a evolução do ser humano, que permitam construir uma
explicação. Essa idéia pode ser levada também a qualquer campo do conhecimento
humano e técnico. Quando se abandona o conhecimento histórico, uma ciência,
uma comunidade social, o homem, ou qualquer outro âmbito, ficam privados de
uma dimensão essencial na ordem do tempo: o entrelaçamento entre presente e
passado em uma unidade lógica.
A Computação atravessa um tempo de expansão em várias direções, tornando-
se uma tarefa necessária guardar seu patrimônio, discernindo as realidades e
conceitos mais importantes. Tudo isso é importante para o ensino, pois a
Computação não surgiu do nada: há uma história por trás de cada conceito. Cada
conceito tem o seu lugar, a sua importância e a sua história que é necessário ser
ensinada
Este trabalho sobre História da Computação, um entre outros que estão
surgindo e alguns que já existem, faz uma retrospectiva enfatizando as idéias, os
paradigmas, pretendendo apenas ser uma pontualização, visando uma futura
expansão, sobre alguns aspectos abstratos do desenvolvimento dos computadores.
Ele e sua futura expansão são apenas um começo, porque a área sobre a qual se
falou continua em constante evolução e mudança. O campo de estudo ainda tem
uma história muito recente e por demais volátil, não se podendo chegar a algo

118
definitivo.
Apesar dessas dificuldades, deve-se continuar a chamar a atenção sobre a
importância de se registrar e estudar o desenvolvimento dos computadores
eletrônicos e a conseqüente evolução dos temas anexos: Linguagens de
Programação, a Teoria da Computação, estudo da Complexidade dos Algoritmos,
etc., assim como a importância decisiva do fator humano. Quando tantos se
maravilharam com a derrota do campeão mundial de xadrez Kasparov para o
computador da IBM, o Deep Blue, (abril/maio de 1997), surpreende a pouca
atenção dada à equipe de técnicos que construiu e programou a máquina, às
heurísticas utilizadas e aos objetivos que estão por detrás desse novo engenho,
como se alguém ficasse maravilhado com o quadro e os pincéis de uma obra de
arte e se esquecesse do artista. A história tem o dom de focalizar com especial
nitidez aquele que é o seu personagem principal: o homem.

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Anexo – Cronologia (até o ano 2007) *


DATA EVOLUÇÃO CONCEITUAL EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA

Anexo – O método axiomático e as ciências dedutivas *

O problema do método axiomático para Aristóteles surge da análise da


estrutura de uma demonstração. Esta consta de três partes fundamentais: o que se
quer demonstrar (ou seja, a conclusão), os axiomas (as premissas verdadeiras de
que se parte) e um gênero cujas propriedades são objeto de demonstração
(Analíticos II, A, VII, 75a, 39 – 75b,2).
Que toda demonstração tenha que partir de premissas que não podem ser
objeto de demonstração e que qualquer definição deva se ater a uns poucos termos
tomados como primitivos e não definíveis por seu lado, dentro do sistema, é
provado por Aristóteles de maneira bastante clara. “Sustentamos, no entanto, que
nem toda ciência é demonstrativa, mas sim que a do imediato não se constitui por
demonstração. (É evidente que deve ser assim, pois se os antecedentes a partir dos
quais se estabelece a demonstração devem ser conhecidos e se o processo
demonstrativo deve terminar em proposições imediatas, é necessário que estas
sejam indemonstráveis).
É evidente também que não é possível em absoluto demonstrar mediante um
processo circular, visto que a demonstração parte de premissas prévias e mais
conhecidas que a conclusão, e visto que uma coisa não poder ser ao mesmo tempo
antecedente e conseqüente sob o mesmo aspecto, se bem possa ser prévia para
nós enquanto é posterior em si mesma, como ocorre quando se conhece por
indução... Àqueles que afirmam que é possível estabelecer demonstrações de
caráter circular, pode-se objetar não somente pelo dito acima, mas também que se
limitam a dizer que, se algo é, então é...” (Analíticos II, A, III, 72b, 18ss). Neste
texto, junto a uma consideração de caráter gnoseológico (isto é, relativo a nossa
maneira de conhecer) que é o reconhecimento de que as premissas imediatas
devem ser evidentes, há uma pontualização de caráter claramente lógico-
metodológico: a de que não pode haver demonstrações com um regresso ao
infinito, e nem um processo circular, de modo que todo sistema dedutivo deve
partir de axiomas.
Como um complemento, mais notável ainda do que apontar o método
axiomático como o mais adequado para as ciências dedutivas é ter aplicado o
método à própria lógica. Porque isso implica considerável dificuldade conceitual:
axiomatizar uma teoria dedutiva significa essencialmente estabelecer certas
premissas (os axiomas) e não admitir nela senão proposições (ou teoremas)
deduzidas desses axiomas mediante o uso da lógica. Como poderá então pensar-se
em axiomatizar a própria lógica? Porque para fazê-lo seria necessário adotar novos
axiomas (os princípios lógicos) e depois fazer deduções a partir deles mediante o
emprego da ... lógica! Ou seja, usar a lógica para a lógica. Não é possível aqui
estudar isso, mas a grosso modo a solução − e foi o que Aristóteles fez para sua

123
silogística − consiste em admitir que também na lógica é possível adotar certas
estruturas consideradas como primitivas e, depois, ‘extrair’ outras delas mediante
determinados procedimentos ou regras de transformação, que não têm por sua vez
caráter de estruturas, mas sim o de operações verificáveis sobre estruturas.

*Baseado em [Aga86] e em artigo da Scientific American Brasil, edição Gênios da Ciência


Matemática: A vanguarda matemática e os limites da razão

Na matemática, uma axiomatização da teoria dos números havia sido


oferecida desde 1888 pelo matemático alemão Richard Dedekind, em seu
revolucionário tratado Os números: o que são e para que servem?, no qual buscava
estabelecer “as propriedades da sucessão dos números naturais que sejam
independentes, vale dizer, não se possam deduzir umas das outras, mas a partir
das quais se possa construir todas as outras”. Assim, ele construiu a teoria dos
números com base nos seguintes axiomas: 1) 1 é um número; 2) o sucessor de todo
número é um número; 3) números distintos têm sucessores distintos; 4) 1 não é
sucessor de nenhum número; 5) o conjunto dos números naturais é o menor
conjunto S tal que 1 pertence a S e o sucessor de todo elemento de S também
pertence a S. Esse último axioma, fundado no princípio de indução (ou de
recorrência), havia permitido a Dedekind excluir da classe de modelos para sua
teoria todas as estruturas que contivessem, para além dos números naturais,
elementos “estrangeiros” (números que, depois, serão nomeados “não-standard”),
e, assim, demonstrar a possibilidade de definir exatamente a estrutura dos
números naturais.
No entanto, para construir seu sistema de axiomas, Dedekind havia utilizado
de maneira informal a teoria dos conjuntos. Mais especificamente, ele colocara no
mesmo nível objetos, expressões referidas a objetos e expressões referidas a
outras expressões (ver o axioma 5): sua aritmética era de segunda ordem. Deve-se
ao matemático italiano Guiseppe Peano a etapa seguinte, decisiva para a
axiomatização da matemática. Em sua obra Arithmetices principia nova methodo
exposita, publicada um ano depois dos trabalhos de Dedekind, Peano apresentou
um sistema de axiomas para os números naturais que lembrava de maneira
espantosa o sistema de Dedekind, apesar de concebido de modo independente. O
matemático italiano, contudo, não construíra sua teoria dentro do contexto
conjuntista, e introduziu uma notação (que, com uma ou outra modificação, tornou-
se padrão) destinada a contornar certas ambigüidades inerentes à linguagem
natural. Seu objetivo era captar, com o maior rigor possível, a natureza lógica do
princípio de indução, ou seja, a lógica de segunda ordem.
Ver anexos Dedução e Indução na Matemática e A Aritmética de Peano.

Anexo – Dedução e Indução na Matemática *

*Baseado em [Sho67], [Dan54] e [CO98]

Uma das principais características da ciência Matemática, ao contrário das


demais ciências, é o uso de provas em vez de observações. Um físico deve provar
as leis físicas a partir de outras leis físicas, mas ele normalmente decide via
observação: é a prova final de uma lei física. Um matemático eventualmente usa a
observação. Por exemplo: ele pode medir os ângulos de vários triângulos e concluir
que a soma dos ângulos é sempre 180º. Entretanto, ele somente aceitará isto como
uma lei matemática quando estiver logicamente provado dentro de um sistema
axiomático.

124
As leis que regem este tipo de raciocínio são antigas. Embora formuladas
sistematicamente por Aristóteles, eram já conhecidas muito antes dele. Elas são
uma espécie de espelho do intelecto humano: todo homem inteligente aplica de
algum modo essas leis para alcançar os seus objetivos no dia a dia. Sabe que para
raciocinar corretamente deve antes escolher algumas premissas sem
ambigüidades, e então seguir passo a passo uma seqüência lógica de ações. Assim
deverá chegar a uma única conseqüência, de acordo com o processo lógico
seguido. Caso não chegue, irá provavelmente rever se aplicou corretamente as
regras lógicas do processo, e se tudo foi aplicado corretamente, significará que há
algo de errado em suas premissas.
Mas não é fácil estabelecer o conjunto de premissas para um determinado
domínio de conhecimento: exige-se não só um juízo crítico apurado mas grande
habilidade também, assim como é imperativo que cada premissa seja independente
da outra e que todo o sistema esteja abrangendo a questão investigada. O campo
da matemática que lida com tais problemas é chamado de axiomática e foi
cultivado por homens do calibre de Peano, Russell e Hilbert. No anexo sobre A
concepção formalista da matemática desenvolvem-se um pouco mais estas idéias.
Por ora basta saber que esse processo acima descrito é chamado de dedutivo
e caracteriza o pensamento matemático. Ele encontrou sua completa realização na
geometria, e por esta razão a estrutura lógica da geometria tornou-se modelo das
ciências exatas.
De diferente natureza é outro método usado nas investigações científicas: a
indução. Geralmente é descrito como o método que vai do particular para o geral.
É o resultado de observações e experiências. Para se descobrir uma propriedade
de uma certa classe de objetos, repetem-se testes tantas vezes quanto possível, sob
circunstâncias semelhantes. Se uma determinada resposta tende a acontecer na
maioria das vezes, tal tendência é aceita como uma propriedade daquela classe de
objetos. Porém na matemática tal processo não pode ser utilizado, pois bastaria
uma única resposta diferente das demais para negar uma determinada assertiva *.
No entanto, algumas propriedades da aritmética, como a associativa,
comutativa, etc., podem ser demonstradas por um método dedutivo chamado de
raciocínio por recorrência, muitas vezes também denominado indução matemática
ou indução finita ou ainda indução completa. Foi introduzido na teoria dos números
pelo matemático italiano Giuseppe Peano, e desde então vem sendo vastamente
aplicado na matemática e, em particular, na teoria dos conjuntos. Abaixo segue
uma breve explicação desse procedimento, que está formalizado no anexo A
Aritmética de Peano.

*Considere por exemplo a expressão n2 – n + 41. Para n = 1,2,3,...40, gera-se em todos os


casos um número primo. Seria um erro primário dentro da matemática pensar que tal expressão
sempre gerará um número primo...

As propriedades principais do conjunto dos números naturais são:


1. Os números naturais podem ser gerados a partir do número natural 0
(zero) via a operação do sucessor: ‘o sucessor de um número natural n é n+1, que
é também natural’.
2. Quando uma determinada propriedade de números ocorre para um número
natural e para o próximo número natural na geração, então a propriedade
acontece para todos os números naturais.

Esta segunda propriedade é conhecida por princípio da indução finita e é


assim enunciado:

125
Seja P uma propriedade de números naturais. Se 0 tem a
propriedade P, e quando n tem a propriedade P, n+1 também tem a
propriedade P, então todo natural tem a propriedade P.

O princípio da indução é usado para demonstrar asserções, digamos P, sobre


os números naturais e o procedimento de demonstração tem os seguintes passos:
(a) Base de indução: mostrar que 0 satisfaz a asserção P;
(b) Hipótese de indução: supor que o número natural k satisfaz a asserção P, e
demonstrar que:
(c) Passo de indução: k+1 satisfaz a asserção P;
(d) Conclusão da indução: de (a), (b), (c) concluir que todo natural n satisfaz a
asserção P.

A possibilidade de usar indução finita para números naturais só é possível


porque este conjunto é indutivo, isto é, existe um elemento inicial (no caso o 0) e
todos os outros elementos são gerados pela aplicação da função sucessor, como
segue abaixo:

Definição: O conjunto dos números naturais N é indutivo em A, onde A = {0},


e a função geradora é a operação de sucessor, que soma 1 a um número natural:
1. 0 é um número natural;
2. Se a é um número natural, então o sucessor de a é um número natural.
3. Os únicos números naturais são os objetos satisfazendo os itens 1 e 2
acima

Isto abre uma série de novas possibilidades de definições indutivas


principalmente para conjuntos. É possível definir indutivamente conjuntos que
possuam um conjunto de elementos iniciais e possuam um conjunto de funções
geradoras.
A importância capital da indução matemática foi ressaltada, sobretudo, pelo
grande pensador francês Henri Poincaré, no princípio do século XX. Poincaré fez
ver que toda ciência matemática seria mera e estéril tautologia, redutível ao
princípio da identidade, A = A, se o único modelo ali aplicado fosse o da inferência

126
silogístico-dedutiva. Segundo Poincaré a prova por indução completa – que ele
chamou de “dèmonstration par récurrence” − conteria uma “virtude criadora”,
capaz de possibilitar, de modo finito, a formulação de uma infinidade de juízos
matemáticos.

Anexo - A aritmética de Peano*

Em 1889, o matemático italiano Giuseppe Peano resumiu as características


estruturais dos números naturais em uma lista de axiomas enunciados em lógica
simbólica. Esta última era uma linguagem de primeira ordem (ou seja, uma
linguagem na qual aparecem somente predicados aplicados aos objetos da
linguagem, mas não predicados aplicados aos predicados, nem proposições acerca
de proposições), com identidade. A identidade (cujo símbolo é=´) fica definida por
duas propriedades:

O conceito central da aritmética de Peano é o de ´sucessor´: todo número


natural x tem um sucessor. Esse sucessor não pode ser escrito como x + 1, pois a
adição ainda não foi definida. Peano indica então com s(x) (“sucessor de x”) o
número que segue a x e especifica que a função s está definida para todo número
natural x. Ele formaliza assim uma propriedade importante dos números naturais
(“pode-se contar sempre um a mais”) e que, depois de especificada sua estrutura
particular, servirá para estabelecer tacitamente que existem infinitos números.
As constantes da linguagem aritmética de Peano são as seguintes: 0 (o
número zero), s (a função ´sucessor´), ´+´ e ´×´, as operações de adição e
multiplicação. O significado destas constantes fica definido pelos seguintes
axiomas:

127
*A maior parte do texto vem de artigo publicado na revista Scientific American Brasil, edição
Gênios da Ciência Matemática: A vanguarda matemática e os limites da razão

Anexo - O Método das Diferenças

Se uma função, como por exemplo f(x) = 2x + 3, é avaliada para sucessivos


valores de x e anotarmos as diferenças entre cada valor de f(x), encontraremos:

Para se achar o valor de f(x) para x = 7, sem fazer nenhuma multiplicação,


basta tomar a constante de diferença e somar a f(6) já calculado, portanto f(7) =
15 + 2 = 17.
Se a função fosse um pouco mais complexa, como por exemplo f(x) = x2 + 2x
+ 3, então seria necessário obter as diferenças das diferenças (ou segundas
diferenças) antes de se chegar ao valor constante. Por exemplo:

Vamos agora encontrar o valor de f(x) para x = 7. O valor da constante de


diferença é 2 que dever ser somado ao valor 13, encontrando-se assim o valor da
coluna da 1a diferença para x = 7. Logo, f(7) será 15 + 51 = 66.
Em geral, se a equação polinomial a ser avaliada tem um termo de aridade n,
então será necessário ser tomada a n-ésima diferença antes de uma constante ser
encontrada. Se é preciso avaliar uma equação polinomial para vários valores de x,
tal como quando se está computando uma tabela, é mais fácil fazê-lo adicionando a
diferença à diferença de cima, para então adicionar aquela diferença à de cima, e
assim por diante até a o valor da função ser encontrado. Isto resulta em um
procedimento no qual somente adições são exigidas se a própria função fosse ser
avaliada para cada valor de x.
Embora todas as polinomiais tenham uma constante de diferença, funções
logarítmicas e trigonométricas não têm, em geral, essa propriedade. Assim, para
se poder usar o método das diferenças quando da produção de tabelas de tais
funções, é necessário aproximar a função com uma polinomial e então avaliar essa

128
polinomial.
Uma Máquina de Diferenças é simplesmente uma máquina com a capacidade
de armazenar uma série de números e executar adições com eles. Os números irão
representar os valores da função, sua primeira diferença, segunda, terceira, e
assim por diante. Em função da máquina poder adicionar as diferenças inferiores
às superiores e finalmente chegar ao valor da função, é possível gerar sucessivos
valores da função. A máquina projetada por Babbage era capaz de trabalhar com
polinomiais de grau seis [Wil97] [Gol72].

Anexo - A concepção formalista da Matemática *

Antes das considerações mais técnicas sobre o formalismo na Matemática, é


oportuno fazer alguns comentários sobre o conceito ‘forma’ (com “o” aberto), do
ponto de vista da Lógica, mais especificamente de um dos seus ramos, que é a
Lógica Matemática ou também Lógica Simbólica.
Ainda que o sentido mais intuitivo do termo forma relacione-se com a
configuração externa dos objetos materiais, também é costume, na linguagem
ordinária, falar de forma em um sentido mais amplo, como por exemplo, quando se
comenta que uma composição poética está em forma de soneto, ou que uma
composição musical está em forma de sonata. O que se pensa nesse momento é
nas propriedades estruturais que são observáveis, sem ter em conta o significado
dos versos ou dos motivos que inspiraram a música. Da mesma maneira usa-se o
termo estrutura não só para indicar a constituição de um corpo sólido, mas
também se referindo à estrutura de uma sociedade, de um discurso, e assim por
diante.
Do mesmo modo pode-se pensar em estruturas lógicas ou formas lógicas, e,
dentro da ciência Lógica, tais expressões representam um aspecto que se reveste
de capital importância: o aspecto formal.
A lógica formal é um tipo de investigação sobre a linguagem que
simplesmente analisa as estruturas desta, prescindindo de conteúdos concretos
que posteriormente sejam dados a estas estruturas (gerando proposições
concretas de um discurso falado ou escrito). Por exemplo: “todos os A são B, todos
os B são C, e portanto todos os A são C”. De tal tipo de estrutura surgem
argumentos válidos, quaisquer que sejam os termos usados para substituir A, B ou
C (embora a conclusão possa ser falsa se uma das premissas for falsa †). A forma
lógica diz respeito ao conteúdo dos nexos que organizam uma demonstração (um
raciocínio dedutivo), prescindindo-se dos conteúdos semânticos do discurso. A
lógica, nesse caso, somente se ocupa do problema do desenvolvimento dessa
demonstração. O fato de prescindir dos conteúdos tem, entre outras
conseqüências, a de que é possível utilizar-se de estruturas dedutivas mediante
símbolos, e isso permite uma exatidão da análise estrutural que seria muito mais
difícil de conseguir sem o auxílio do simbolismo ‡ [Aga86].

* Este resumo baseia-se nas exposições feitas em [NN56] e [Cos77].


† O ponto de vista da correção e da verdade de um raciocínio é distinto dentro da Lógica,
embora voltem a unir-se principalmente considerando-se que as regras lógicas permitem obter de
premissas verdadeiras somente conclusões verdadeiras.
‡ “De qualquer maneira, não é preciso reduzir o horizonte conceitual da lógica simbólica a
este simples ‘aspecto instrumental’ que, apesar de ser o mais facilmente compreendido de início,
tem o risco de fazer perder de vista a verdadeira natureza dos problemas abordados pela moderna
logística. De fato, os desenvolvimentos desta última ultrapassam amplamente a tarefa − no fundo
bastante modesta − de proporcionar instrumentos mais precisos para o estudo da dedução. Com
efeito, a Lógica já é uma verdadeira ciência por si mesma, que é estudada e desenvolvida com o
mesmo interesse puramente especulativo que move as investigações das matemáticas puras ou da

129
álgebra abstrata” [Aga86].

A computação é sobretudo a ciência do formal. Os computadores seguem


fielmente regras e não admitem exceções. O programa não funciona quando se
troca um ‘0’ (zero) por ‘O’ (letra ó), engano de natureza apenas formal. A
Matemática também é formal, a mais formal de todas as ciências (pois todos os
seus resultados são baseados em regras e apresentados por fórmulas), e sua
linguagem formal é utilizada por todas as outras. No entanto os formalistas, escola
fundada pelo prof. David Hilbert, são apenas um dos grupos dentro da Matemática
e seus resultados foram e são fortemente questionados *.
Hilbert, diferentemente dos matemáticos da escola logicista, não tinha
pretensões de reduzir a matemática à lógica, mas fundamentar conjuntamente
ambas. Ele e os outros seguidores da escola formalista viam na matemática a
ciência da estrutura dos objetos. Os números são as propriedades estruturais mais
simples desses objetos e por sua vez constituem-se também em objetos, com novas
propriedades. O matemático pode estudar as propriedades dos objetos somente
por meio de um sistema apropriado de símbolos, reconhecendo e relevando os
aspectos destituídos de importância dos sinais que utiliza. Uma vez que se possua
um sistema de sinais adequados, não é mais necessário se preocupar com seus
significados: os próprios símbolos possuem as propriedades estruturais que
interessam. Aqui devemos atentar para o fato de que a formalização não deve ser
confundida com este aspecto não essencial que é a simbolização. O matemático
deve apenas investigar, segundo os formalistas, as propriedades estruturais dos
símbolos, e portanto dos objetos, independentemente de seus significados. Assim
como na geometria ou na álgebra, para simplificar e uniformizar determinadas
questões, são introduzidos conceitos não reais – ponto do infinito, números ideais,
etc. – que são apenas convenções lingüísticas, também se justifica a introdução, na
matemática, de conceitos e princípios sem conteúdo intuitivo. Desse modo, as leis
da lógica clássica permanecem válidas.
Ponto chave na metamatemática † de Hilbert é que o sistema estudado não
encerre contradição, isto é que não se possa provar uma proposição e ao mesmo
tempo a sua negação. Ele procurou estabelecer um método para se construir
provas absolutas de consistência (ausência de contradição) dos sistemas, sem dar
por suposta a consistência de algum outro sistema.
O primeiro passo é a completa formalização de um sistema dedutivo. Isto
implica ‘tirar’ todo significado das expressões existentes dentro do sistema, isto é,
devem ser consideradas puros sinais ‘vazios’. Expressão é o nome que se dá às
‘palavras’ do sistema, que por sua vez são compostas de símbolos abstratos,
também chamados ‘alfabeto’ do sistema. A forma como se devem combinar essas
expressões deve estar plasmada em um conjunto de regras de formação e regras
de inferência enunciadas com toda precisão, que especificam como uma expressão
pode ser formada ou transformada em outra. A finalidade desse procedimento é
construir um ‘cálculo’ que não oculte nada e que somente contenha o que
expressamente se tenha colocado nele. Em um sistema formal um número finito de
expressões é tomado como sendo o conjunto de axiomas do sistema. A idéia de
prova num sistema formal consiste em começar com um dos axiomas e aplicar uma
seqüência finita de transformações, convertendo o axioma em uma sucessão de
novas expressões, onde cada uma delas ou é um dos axiomas do sistema ou é
derivada deles pela aplicação das regras de formação. A totalidade dos teoremas
constitui o que pode ser provado no sistema. Os axiomas e os teoremas de um
sistema completamente formalizado são portanto sucessões de comprimento finito

130
de símbolos sem significado. Especificando um pouco melhor (baseado em [CO98]):

*Na verdade, a maioria dos matemáticos desenvolve seus resultados dentro de um espírito
mais informal, intuitivo, mais geométrico do que algébrico, e quando algébrico, não muito formal.
† Quando a Matemática fala da Matemática

131
portanto a seqüência *,++,+*,*+ é uma dedução de *+ onde Γ = {}; assim{}|*+.

*Não aprofundando muito na questão, que entra na árdua teoria da recursão: um conjunto A
contido em X é recursivo se e somente se há um procedimento pelo qual, dado um x pertencente a X,
pode-se computar sobre x, pertença x a A ou não. Exemplo: o conjunto dos primos em N (o
procedimento é o crivo de Eratóstenes)[Sho71].

Uma axiomática formalizada converte-se, em resumo, em uma espécie de jogo


grafo-mecânico, efetuado com símbolos destituídos de significado e regulado por
meio de regras determinadas. E isso tem uma valiosa finalidade: revelar com
clareza a estrutura e a função, similarmente ao manual esquemático e de
funcionamento de uma máquina. Quando um sistema está formalizado, tornam-se
visíveis as relações lógicas existentes entre as proposições matemáticas, como se
combinam, como permanecem unidas, etc.
Uma página inteira preenchida com os sinais ‘sem significado’ não afirma
nada: é simplesmente um desenho abstrato de um mosaico que possui determinada
estrutura. No entanto é perfeitamente possível descrever as configurações de um
sistema assim especificado e formular declarações acerca das configurações e das
suas diversas relações mútuas. Hilbert observou que tais declarações pertencem à
metamatemática, isto é, declarações a respeito dos símbolos e expressões
existentes dentro de um sistema matemático formalizado.
Para cada sistema formalizado procura-se provar sua consistência,
evidenciando-se que jamais se poderá chegar a arranjos simbólicos contraditórios.
Os métodos utilizados foram denominados por Hilbert de métodos finitísticos:
procedimentos elementares e intuitivos de tipo combinatório, utilizados para
manipular um número finito de objetos e funções bem determinadas *. A
quantidade de axiomas e regras do sistema tinha de ser construtível com um
número finito de passos e que os enunciados passíveis de prova tinham de ser
provados com um número finito de passos.

132
Como um sistema formal sintático se relaciona com um mundo de objetos
matemáticos aos quais estão associados significados? Esta relação se dá através da
noção de interpretação †. Desta forma todos os teoremas do sistema formal podem
ser interpretados como enunciados verdadeiros acerca desses objetos
matemáticos. O sonho de Hilbert era encontrar um sistema formal no qual todas as
verdades matemáticas fossem traduzíveis, mediante algum tipo de interpretação,
para teoremas e vice-versa. Tal sistema é denominado completo. O teorema de
Gödel veio a destruir esse sonho.

* Como se pode notar Hilbert utiliza-se da intuição, mas não como os intuicionistas no sentido
de estabelecer as propriedades de determinados entes matemáticos, mas referindo-se unicamente à
efetuação de operações muito simples, tão seguras e elementares a ponto de serem aceitas na base
de qualquer pesquisa teórica.
† Uma interpretação é a descoberta de um isomorfismo entre duas estruturas: no caso ela
confere significado aos objetos e entidades matemáticas, tais como linha, ponto, símbolos abstratos,
etc.

Anexo - O problema da decisão na Matemática *

Os casos mais conhecidos e elementares do problema da decisão pertencem à


aritmética. Por exemplo, dados dois inteiros a e b, como descobrir se a é
exatamente divisível por b? Para responder a tal questão não é necessária uma
especial intuição, já que existe um procedimento de cálculo, puramente mecânico
(no caso executar a conhecida operação matemática da divisão aritmética de a por
b), que permite chegar ao término da operação após um número finito de passos,
obtendo um quociente e um resto, depois do qual só são possíveis dois casos: ou o
resto é zero e então se diz que a é divisível por b, ou o resto é diferente de zero, e
então a não é exatamente divisível por b. Existem ainda casos que envolvem um
procedimento decisório mais simples como o que responde à pergunta se um
número é divisível por 2. Não é, nesse caso, necessário executar a operação de
divisão, bastando ver se a expressão decimal de a termina em 0, 2, 4, 6 ou 8. Da
mesma forma existe um procedimento mais simples para ver se a é divisível por 3,
por 9 e alguns outros números.
Nesses casos, o problema da decisão relativo às perguntas simples colocadas
é solucionável, pois existe um procedimento decisório, que de maneira aritmética e
finita, oferece a possibilidade de responder afirmativamente ou negativamente às
perguntas citadas. No entanto, existem na aritmética elementar perguntas também
simples, para as quais não existe ainda um procedimento decisório, como por
exemplo, se os pares de números primos que se sucedem imediatamente na série
dos números ímpares são finitos ou infinitos em número. Quer dizer, se pares como
11-13, 17-19, 41-43, ... são finitos ou infinitos. Como não há um procedimento de
cálculo que ofereça uma, por assim dizer, 'lei de geração' para o conjunto dos
números primos, não se está em condição de responder a essa pergunta †.

*Conforme [Aga86]
† Ao que parece, conforme vão se gerando maiores números primos, esses pares vão
escasseando. Mas se deixarão de aparecer não se sabe.

Anexo - O Teorema da Incompletude de Gödel *

A numeração de Gödel

133
Para conferir à metamatemática o rigor necessário, Gödel tenta formalizá-la
por meio de uma teoria com duas características essenciais: por um lado, uma
teoria poderosa o suficiente para expressar a metateoria sintática; por outro, uma
teoria que pudesse ser construída em um número finito de etapas, de acordo com a
exigência finitista. A aritmética de Peano, que apresenta essas duas propriedades,
será essa teoria. O desafio, assim, está em traduzir os enunciados da
metalinguagem da aritmética de Peano na linguagem-objeto da aritmética. Os
objetos da linguagem-objeto são números; os da metalinguagem são afirmações
acerca dos números: Gödel precisa encontrar um modo de expressar tais
afirmações por meio dos próprios números.
Ele procede assim: a cada símbolo da aritmética de Peano, ele atribui de
maneira unívoca um número, chamado seu número de Gödel. A partir daí, é
possível atribuir, também de maneira unívoca, um número de Gödel para todas as
outras expressões da aritmética de Peano, bem como para todas as suas fórmulas e
todas as suas seqüências finitas de fórmulas. A eficácia desse método fica
garantida pelo fato de que essa aritmetização da linguagem (como o processo é
designado) acontece em duas etapas: toda função da aritmética pode ser deduzida
com auxílio de certas funções básicas chamadas de funções recursivas primitivas †,
as quais são sempre calculáveis por construção.
Por meio de uma tabela de correspondência, Gödel atribui a cada símbolo da
aritmética de Peano um número ímpar: “0” é traduzido por 1; o sucessor s por 3; a
negação por 5; o símbolo ∨ por 7; ∀ por 9; “(“ por 11; “)” por 13; e as variáveis de
tipo n por números da forma pn, em que p é um número primo superior a 13. Uma
fórmula da aritmética de Peano, que é uma seqüência desses símbolos, é levada,
portanto, em uma correspondente seqüência de números ímpares: nl, n2, ..., nk
Essa seqüência, por sua vez, é transformada em um número único m, por meio da
seguinte instrução (que é uma função recursiva primitiva):
Em que é o k-ésimo número primo (em
outras palavras, o segundo membro é a decomposição de m em fatores
primos). O número m é o número de Gödel da fórmula. Assim, n1, n2, ... nk são os
números de Gödel dos símbolos de uma fórmula da aritmética de Peano, e m é o
número de Gödel dessa fórmula. Esse processo pode ser repetido para uma
seqüência de números de Gödel associados a uma seqüência de fórmulas da
aritmética de Peano, o que resulta em um número de Gödel para essa seqüência de
fórmulas. Essa codificação para as seqüências de fórmulas é importante, pois as
demonstrações nada mais são do que seqüências finitas de fórmulas, em que cada
uma ou é um axioma, ou decorre das fórmulas precedentes.

* A maior parte do texto vem de artigo publicado na revista Scientific American Brasil, edição
Gênios da Ciência Matemática: A vanguarda matemática e os limites da razão e também tem como
base [Cas97]
† Uma função é calculável quando existe um algoritmo que, para todo argumento dado,
fornece o valor da função em um número finito de etapas. Para enfrentar a infinidade de algoritmos
imagináveis, pode-se considerar uma classe das funções calculáveis: as funções recursivas
primitivas. Elas sempre tomam números naturais por argumento, e são definidas da seguinte
maneira: certas funções simples – denominadas ´funções base´ - são declaradas, inicialmente, como
recursivas primitivas. Chamam-se recursivas primitivas depois todas as funções que possam ser
construídas, de acordo com certas regras, a partir das funções que já se saiba serem recursivas
primitivas. A demonstração do teorema da incompletude de Gödel baseia-se em uma série de
funções recursivas primitivas deduzidas umas a partir das outras.
Os teoremas da teoria dos números asseguram que a enumeração de Gödel é
unívoca, vale dizer, que a cada símbolo, fórmula ou seqüência de fórmulas

134
corresponde um único número de Gödel, que lhe é exclusivo. Em outras palavras, é
possível saber, para cada número natural, a partir da unicidade de sua
decomposição em fatores primos, se esse número é um número de Gödel e, nesse
caso, de qual elemento (seja símbolo, fórmula ou seqüência de fórmula) ele é
símbolo.
O método de Gödel (a aritmetização), apresentado aqui para as fórmulas e
demonstrações do sistema formal da aritmética de Peano, pode ser reproduzido de
maneira semelhante para não importa qual linguagem (notadamente linguagens de
programação). Atribuem-se números aos elementos básicos da linguagem (letras,
palavras, caracteres especiais) e formam-se novos números a partir das seqüências
desses números, de acordo com a instrução recursiva oferecida acima. Graças à
aritmetização, os conceitos metalingüísticos da sintaxe da aritmética de Peano
aparecem agora traduzidos como propriedades, funções ou relações entre
números. Por exemplo, o conceito “é uma fórmula” corresponde à propriedade “é
um número cujos expoentes da decomposição em fatores primos são todos
ímpares”. Analogamente (embora com um grau bem maior de dificuldade), o
conceito metateórico “x é uma fórmula demonstrável”, indicado pelo símbolo Dem
(de demonstrável), pode ser expresso com auxílio de relações aritméticas.

O Teorema de Incompletude

Após estabelecer, em quatro teoremas, um método para a construção de


funções recursivas, Gödel enuncia uma seqüência de 45 propriedades e funções,
“cada uma das quais é definida com base nas precedentes por meio dos
procedimentos dados nos teoremas I a IV”. A função número 45 é uma função D de
duas variáveis: yDx significa “a seqüência de fórmulas de número de Gödel y é uma
demonstração para a fórmula de número de Gödel x”. Sob o número 46, ele define
enfim a demonstrabilidade:

e acrescenta entre parênteses: “Dem(x) é o único conceito, entre todos os


definidos, de 1 a 46, a respeito do qual não podemos afirmar que seja recursivo”. A
fórmula 46 deve ser interpretada assim: “A fórmula x é demonstrável se, e somente
se, existe uma seqüência q de fórmulas que demonstra x”. Existe, portanto, uma
fórmula para a frase “x é uma fórmula demonstrável”, bem como para sua
negação.
Gödel mostra, além disso, que a função de substituição subst, que permite
substituir uma variável por um valor numérico dentro de uma fórmula, é uma
função recursiva primitiva. Subst é de importância capital para a demonstração de
Gódel, pois fornece a chave para a auto-referência: permite inserir o número de
Gödel da fórmula “a proposição x não é demonstrável” no lugar da própria variável
x.
Mais especificamente, chamemos de F(x) a fórmula “a proposição de número
de Gödel x não é demonstrável”; seja f seu número de Gödel. A função de
substituição permite substituir, na própria fórmula F(x), a variável x por esse
número de Gödel f Obtemos assim a fórmula F(f): `A proposição de número de
Gödel f não é demonstrável”, ou seja, “a proposição a proposição de número de
Gödel x não é demonstrável não é demonstrável”. Isso significa que, em um
sistema não-contraditório de axiomas, a fórmula F(f) não é formalmente
demonstrável. Em uma etapa seguinte, Gödel demonstra que a fórmula F(f), ainda
que formalmente não-demonstrável, é uma proposição aritmética verdadeira para
todos os números inteiros. Como proposição verdadeira, sua negação (que é falsa)

135
também não pode ser formalmente demonstrada no sistema. Segue daí que a
proposição F(f) é indecidível - que não pode ser deduzida. A fórmula F(f), portanto,
é ao mesmo tempo verdadeira e formalmente indecidível.
Uma vez atingido esse resultado, Gödel observa: “O método de demonstração
que foi exposto pode-se aplicar a todo sistema formal que, em primeiro lugar,
interpretado como sistema de conceitos e proposições, ofereça recursos
expressivos suficientes para definir os conceitos que aparecem no raciocínio
precedente (em particular, o conceito fórmula demonstrável), e no qual, em
segundo lugar, toda fórmula demonstrável seja verdadeira na interpretação
considerada”. Gödel chega assim a seu teorema de incompletude, que pode ser
enunciado da seguinte maneira: “Toda teoria axiomatizada suficientemente
poderosa para expressar a aritmética é incompleta”.
Em seu breve livro sobre Gödel, Jaako Hintikka sublinha que, ao contrário do
que levam a crer diversas vulgarizações desse resultado revolucionário, o primeiro
teorema de incompletude de Gödel não demonstra que “existem na aritmética (ou
em outro sistema) proposições verdadeiras, mas absolutamente indemonstráveis.
Ele mostra, antes, que todas as proposições verdadeiras da aritmética não podem
ser demonstradas por meio de um único sistema formal dado”.
Para Gödel, sistema formal e procedimento determinista e mecânico andam
juntos. Assim, convencido de que as funções recursivas primitivas não dão conta
do conceito de procedimento mecânico de maneira satisfatória, ele tenta
desenvolver uma versão generalizada da recursividade. Em 1936, o lógico
americano Alonzo Church (1903-1995) demonstrará, a partir dessas pesquisas, a
indecidibilidade da lógica de predicados de primeira ordem: é impossível obter,
para a lógica de predicados de primeira ordem, um procedimento geral de cálculo
capaz de determinar, para toda fórmula, se ela é ou não válida. Seu teorema,
conhecido atualmente como teorema de Church, responde assim negativamente ao
problema de decidibilidade proposto por Hilbert em seu programa: “Um problema
matemático dado”, pensava Hilbert, “deve admitir, obrigatoriamente, uma solução
exata, seja sob a forma de uma resposta direta a uma questão colocada, seja pela
demonstração de seu caráter insolúvel e do fracasso inevitável de toda tentativa
nesse sentido”. Baseados também nas pesquisas de Gödel, os trabalhos de Alan
Turing (1912-1954) constituirão o corolário do teorema de Church em informática
teórica.
De muitos modos o trabalho de Gödel aconteceu também em outras áreas.
Apenas quatro anos antes dele publicar o seu trabalho, o físico alemão Werner
Heisenberg descobriu o princípio da incerteza. Assim como existe um limite
fundamental nos teoremas que os matemáticos poderiam provar, Heisenberg
mostrou que havia um limite fundamental nas propriedades que os físicos
poderiam medir. Por exemplo, se eles queriam medir a posição exata de um objeto,
então só poderiam medir a velocidade do mesmo com uma precisão muito pobre.
Isto acontece porque para medir a posição do objeto seria preciso iluminá-lo com
fótons de luz, mas, para determinar a localização exata, os fótons precisariam ter
uma energia enorme. Contudo, se o objeto está sendo bombardeado com fótons de
alta energia, sua própria velocidade será afetada e se tornará inerentemente
incerta. Portanto, ao exigir o conhecimento da posição de um objeto, os físicos
teriam de desistir do conhecimento de sua velocidade.
O princípio da incerteza de Heisenberg só se revela nas escalas atômicas,
quando medidas de alta precisão se tornam críticas. Logo, uma boa parte da física
pode ser realizada sem problemas enquanto os físicos quânticos se preocupam
com as questões profundas sobre os limites do conhecimento. O mesmo acontecia
no mundo da matemática. Enquanto os lógicos se ocupavam do debate altamente

136
abstrato sobre a indecidibilidade, o resto da comunidade continuava seu trabalho
sem preocupação. Gödel tinha provado que existiam algumas afirmações – até
infinitas – que não poderiam ser provadas, mas restava uma outra quantidade que
podiam ser provadas e sua descoberta não invalidava nada que tivesse sido
demostrado no passado. Além disso, muitos matemáticos acreditavam que as
declarações de indecidibilidade de Gödel seriam encontradas nas regiões mais
extremas e obscuras da matemática e, portanto, talvez nunca tivessem de ser
enfrentadas. Afinal, Gödel só dissera que essas afirmações indecidíveis existam; ele
não pudera apontar uma. Então, em 1963, o pesadelo teórico de Gödel se tornou
uma realidade viva.
Paul Cohen, um matemático de 29 anos, da Universidade de Stanford,
desenvolvera uma técnica para testar se uma afirmação particular é indecidível. A
técnica só funcionava para certos casos muito especiais, mas, de qualquer forma,
ele foi a primeira pessoa a descobrir que havia questões de fato que eram
indecidíveis. Tendo feito sua descoberta, Cohen imediatamente voou para
Princeton, com a demonstração na mão, de modo que fosse verificada pelo próprio
Gödel. Dois dias depois de receber o trabalho, Gödel deu a Cohen sua aprovação. E
o que era particularmente dramático é que algumas dessas questões indecidíveis
estavam no centro da matemática. Ironicamente Cohen provara que uma das
perguntas que David Hilbert colocara entre os 23 problemas mais importantes da
matemática, a hipótese do continuum, era indecidível.

Anexo - Máquinas de Turing

O processo computacional foi graficamente mostrado no artigo de Turing, On


Computable Numbers with an aplication to the Entscheidungsproblem, quando ele
pediu ao leitor que considerasse um dispositivo que pudesse ler e escrever
símbolos em uma fita que estava dividida em quadrados. Uma cabeça de
leitura/gravação se moveria em qualquer direção ao longo da fita, um quadrado
por vez, e uma unidade de controle poderia interpretar uma lista de instruções
simples sobre leitura e gravação de símbolos nos quadrados, movendo-se ou não
para a direita ou esquerda. O quadrado que é "lido" em cada etapa é conhecido
como "quadrado ativo". A regra que está sendo executada determina o que se
convencionou chamar 'estado' da máquina. A fita é potencialmente infinita (ver
figura).

137
Imagine os símbolos "A" e "#"(branco). Suponha que o dispositivo possa
limpar qualquer um deles quando os lê em um quadrado ativo e trocá-lo por outro
(i.é., apagar "A" e substituir por "#" e vice-versa). Lembre-se que o dispositivo
pode mover a cabeça de leitura/gravação para a direita ou esquerda, de acordo
com instruções interpretadas pela unidade de controle. As instruções podem
limpar um símbolo, escrevê-lo ou deixá-lo como está, de acordo com o símbolo lido.
Qualquer tipo de "jogo" pode ser elaborado usando estas regras, não tendo
necessariamente algum significado. Uma das primeiras coisa que Alan Turing
demonstrou foi que alguns "jogos" construídos sob essas regras podem ser
sofisticados, em contraste com a simplicidade destas operações primitivas.
Dado um quadrado que seja uma posição inicial de uma seção da fita
preenchida por quaisquer caracteres ou brancos, o dispositivo executa ações
especificadas por uma lista de regras, seguindo-as uma por vez até chegar àquela
que force sua parada (se não há uma instrução explícita na tabela para uma
determinada configuração da fita, então não há nada que a máquina possa fazer
quando alcança aquela configuração, encerrando a execução portanto).
Cada instrução − ou regra − estabelece uma ação a ser executada se houver
determinado símbolo no quadrado ativo no tempo em que é lido. No nosso caso
vamos estabelecer 4 diferentes tipos de regra: 191
(a) Substituir #(branco) por símbolo
(b) Substituir símbolo por branco(#)
(c) Ir um quadrado para a direita
(d) Ir um quadrado para a esquerda

Um exemplo de instrução seria: “Se houver um A no quadrado ativo,


substitua-o por #”. Esta instrução faz a máquina executar a segunda ação da lista
acima. Para se elaborar um "jogo" é preciso fazer uma lista que especifique o
número da regra que se deve observar no momento atual, e, de alguma forma, qual
será a próxima. Cada regra desta lista será composta pela seguinte seqüência: o
número da regra − estado da máquina −, um caracter ou branco(#) para
comparação, próximo estado e ação (novo símbolo que irá para o quadrado ou

138
movimentar para direita(>)/esquerda(<) a cabeça de leitura/gravação).
Segue abaixo uma lista de regras − código e descrição − que dirão a uma
máquina de Turing como desenvolver um determinado "jogo":

139
Note que se houver um # no quadrado ativo quando os estados forem 1 ou 7,
ou se há um A no quadrado ativo quando o estado da máquina é 2, ela pára, pois
não saberia o que fazer.
O jogo neste caso é duplicar uma seqüência de A's que estejam na fita. Se a
fita contiver AAAA, no final conterá AAAAAAAA. Para se jogar (em termos mais
técnicos diríamos executar o programa descrito na lista de regras) é necessário
especificar uma configuração inicial na fita, qual o quadrado inicial ativo e o estado
inicial da máquina. Quando a máquina começar a executar, ela, a partir do estado
inicial e do quadrado ativo seguirá a seqüência (lógica) de regras que darão o
produto final.
Provavelmente poderá ser comentado que parecem coisas mecânicas demais,
mas era precisamente isto o que Turing estava procurando. A lista de instruções
pode ser seguida por um dispositivo mecânico.
Em sua essência, toda máquina de Turing move-se ou move símbolos, de uma
posição para outra em uma fita, da mesma maneira que no exemplo dado acima.
Nos dias de hoje estes símbolos podem ser impulsos eletrônicos em um
microcircuito e a fita uma série de endereços de memória em um chip, mas a idéia
é a mesma. Turing provou que sua hipotética máquina é uma versão automatizada
de um sistema formal especificado por uma combinação inicial de símbolos (o
conjunto de "A"s na fita no início do processo) e as regras (aquelas instruções
escritas). Os movimentos são mudanças de 'estado' da máquina que correspondem
a específicos passos de computação.
Os modernos computadores e inclusive este PC no qual está sendo escrito este
livro parecem ser bem mais complicados na sua estrutura e muito mais poderosos
computacionalmente do que uma MT. Mas não se trata de questão, pois o que
Turing demonstrou é que qualquer algoritmo (programa) executável em qualquer
computador, pode ser processado usando uma versão particular de sua máquina,
conhecida como Máquina de Turing Universal. Exceto pela velocidade, que é algo
dependente do hardware, não há procedimento computacional que qualquer
computador possa fazer que não possa ser feito por uma MTU, dados memória e
tempo adequados.
O que é uma MTU? Turing a idealizou ao compreender que além dos dados de
entrada armazenados na fita, também o próprio 'programa' − as regras do jogo −
poderia ser codificado para ser lido como uma entrada pela MTU. Com esta idéia
Turing construiu um programa que poderia simular a ação de qualquer programa
P quando P é colocado como parte da entrada. Isto é, Turing elaborou uma MTU.
Como funciona isto? Suponha que se tenha um programa P para uma máquina
de Turing. O único necessário agora é escrever este programa na fita da MTU,
junto com os dados de entrada sobre os quais atuará o programa P. Em seguida a
MTU irá simular a ação de P sobre os dados. Isto quer dizer também que durante o
processamento não haverá diferença entre o que seria rodar o programa P na sua
máquina original ou o atual processamento da MTU simulando P.

Anexo – Astrolábio

140
Figura 41: Astrolábio

Sua origem data de 200 a.C. na Grécia Clássica, e existem referências de que
Apollonius estudou os princípios da projeção estereográfica (método de
representação espacial usado no astrolábio). Contudo, quem mais influiu na teoria
da projeção espacial foi Hipparchus, nascido em Nicéia, na Ásia Menor (agora
Iznik na Turquia), aproximadamente 180 a.C. Ele, que teve grande influência no
desenvolvimento da trigonometria, redefiniu e formalizou a projeção como um
método para resolver problemas astronômicos.
As primeiras evidências do uso da projeção estereográfica em uma máquina
está na escritura do autor romano e arquiteto, Vitruvius (88 - 26 a.C.), o qual, na
obra De architectura, descreve um relógio (provavelmente de água) feito por
Ctesibius em Alexandria. Aparentemente, o relógio de Ctesibius tinha um campo
giratório de estrelas atrás de uma armação de arame que indicava a hora do dia. A
armação de arame foi construída com base na projeção estereográfica. Há
suspeitas de que o primeiro astrolábio tenha sido construído por Claudius
Ptolomeu (150 d.C.), pois em diversas partes de seus escritos deixa a impressão de
que possuía um instrumento com as características de um astrolábio. Ptolomeu
escreveu extensivamente sobre a projeção estereográfica em seu trabalho
conhecido como Planisferium. Contudo a primeira descrição de um astrolábio é
datada do século VI e foi feita por John Filoponos.
Durante muito tempo o uso do astrolábio ficou restrito aos povos persas e
islâmicos. No século XI, foi introduzido na Europa através da Espanha, e no século
XIII já se encontrava popularizado. O astrolábio só caiu em desuso a partir do
século XVII, devido à popularização de instrumentos como o relógio e o telescópio.

Funcionamento do Astrolábio

O astrolábio baseia-se no princípio da projeção estereográfica. Trata-se de um


método que permite traçar o mapa do céu em um plano, sem perder suas
informações tridimensionais, processo análogo à criação de um mapa da Terra.
Esta projeção é acompanhada de várias linhas e eixos (ver a 2a figura) de
referência que determinam a direção (azimuth) e a altitude das estrelas (altitude,
ângulo que fazem com o horizonte), o ângulo de visão do observador (horizonte) e
posição em que este se encontra (Zenith).

Partes do Astrolábio

141
Os astrolábios mais recentes (ver a 1a figura abaixo) possuem a parte mãe
(mater) na qual estão marcadas informações temporais, zodiacais e espaciais, esta
parte serve de suporte para todas as outras peças e funciona como um mostrador
de cálculo. Após vários ajustes, ponteiros exibem informações computadas pelo
astrolábio. Encaixados na face superior da parte mãe existem vários pratos (ver a
2a figura abaixo) que trazem a projeção estereográfica do céu para determinada
latitude durante o dia ou noite. Alguns astrolábios possuem vários pratos que
podem ser trocados de acordo com a latitude em que o observador se encontra.
Foram fabricados astrolábios com mecanismos que permitiam o ajuste da latitude,
mas estes não se tornaram populares devido ao seu custo e complexidade de uso.
Acima destes pratos estereográficos está disposto um componente chamado
rete (ver a a 3 figura baixo), que permite o ajuste do astrolábio ao movimento da
Terra, através de setas que apontam para estrelas de referências. Também
encontramos no rete a projeção do caminho do sol.
Atrás do astrolábio há uma régua, utilizada para ver a altitude do objeto
celeste. O astrolábio deve ser suspenso perpendicularmente ao solo, e a régua
posta na direção do objeto: uma escala exibe o ângulo deste com o solo. Muitos
astrolábios foram feitos com escalas trigonométricas para auxiliar os cálculos
astronômicos.

Ajuste do Astrolábio

Com o astrolábio na vertical, ajusta-se a latitude de uma das estrelas de


referência do rete com a régua, localizada na parte de traz do astrolábio. Então se
dispõe o astrolábio na horizontal, com o rete para cima, e orienta-se a seta
correspondente à estrela de referência em sua direção. Desta forma, obtêm-se o
mapa estereográfico do céu no momento. Alguns ponteiros marcam a hora e a data
correspondentes ao ajuste. O processo inverso também pode ser efetuado,
conhecendo-se a data e a hora configura-se o astrolábio para obter o mapa do céu.

Usos do Astrolábio

No século 10, Abd Al-Rahmân B. Umar Al-Sufî escreveu um tratado no qual


descrevia 1000 usos para o astrolábio. A partir desta informação pode-se ter idéia
da flexibilidade que fornece este instrumento. Muitos problemas que requerem
matemática sofisticada podem ser resolvidos apenas conhecendo-se o seu
funcionamento. Dentre os usos mais simples, pode-se citar: determinação da hora;
localização de corpos celestes; cálculo da duração do dia; etc.
É interessante lembrar que, durante a Idade Média, a Astrologia tinha grande
influência no cotidiano das pessoas e por este motivo a grande maioria dos
astrolábios tinha funções ligadas ao zodíaco, para facilitar a criação de horóscopos.
Entre os Islâmicos o astrolábio era muito utilizado para determinar o horário das
orações, e a direção de Meca (as orações Islâmicas são feitas nessa direção), sendo
que algumas variações incluíam funções e réguas que facilitavam estas
determinações. Por exemplo, para se determinar a hora atual:
1. A altitude do Sol ou de uma estrela é determinada utilizando-se a régua da
parte de trás do instrumento.
2. A posição do Sol na elipse é achada fixando a régua angular móvel na data
do dia e lendo a longitude do Sol na escala do zodíaco.
3. Na frente do astrolábio, a régua é girada até que cruze a elipse na
longitude atual do Sol. O ponto onde a régua cruza a elipse é a posição atual do

142
Sol.
4. São girados o rete e a régua até que o Sol ou ponteiro da estrela esteja na
altitude medida.
5. A régua aponta para a hora solar aparente no membro. Tempo solar
aparente é o tempo como mostrado em um relógio de sol e é diferente para cada
longitude.

Figura 42: Astrolábio – 1


Figura 43: Astrolábio – 2
Figura 44: Astrolábio - 3

Anexo - Turing e
a Máquina Enigma *

Antes da guerra os alemães tinham dispendido um esforço considerável no


desenvolvimento de um melhor sistema de codificação, e isto era motivo de grande
preocupação para o Serviço Secreto Britânico, que no passado conseguira decifrar
as mensagens do inimigo com relativa facilidade. A história oficial da guerra
publicada, pelo HMSO (Serviço Britânico de Informações na Segunda Guerra
Mundial), descreve a situação na década de 1930:
Por volta de 1937 ficou estabelecido que, ao contrário
dos japoneses e italianos, o exército alemão, sua
marinha e provavelmente a sua força aérea, junto com
organizações estatais, como as das ferrovias e a SS,
usavam para tudo, exceto nas comunicações táticas,
diferentes versões do mesmo sistema cifrado. A máquina
Enigma tinha sido colocada no mercado na década de
1920, mas os alemães a tinham tornado mais segura
através de modificações progressivas. Em 1937, a Escola
de Cifras e Códigos do Governo tinha quebrado o código
do modelo menos modificado e seguro dessa máquina,
que estava sendo usado pelos alemães, italianos e pelas

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forças nacionalistas espanholas. Mas, fora isto, a
Enigma ainda resistia ao ataque e parecia que ia
continuar assim.

A máquina Enigma consistia de um teclado, ligado a uma unidade


codificadora. O codificador tinha três rotores separados e as posições dos rotores
determinavam como cada letra no teclado seria codificada. O que tornava o código
da Enigma tão difícil de quebrar era o enorme número de modos nos quais a
máquina podia ser regulada. Em primeiro lugar, os três rotores na máquina eram
escolhidos de uma seleção de cinco que podia ser mudada e trocada para
confundir os adversários. Em segundo lugar, cada rotor podia ser posicionado em
26 modos diferentes. Isto significava que a máquina podia ser regulada em milhões
de modos diferentes. E além das permutações permitidas pelos rotores, as
conexões no quadro de chaveamento, na parte detrás da máquina, podiam ser
mudadas manualmente para fornecer um total de 150 trilhões de regulagens
possíveis. E para aumentar ainda mais a segurança, os três rotores mudavam de
orientação continuamente, de modo que, cada vez que uma letra era transmitida, a
regulagem da máquina, e portanto o código, iria mudar de uma letra para outra.
Assim, se alguém batesse "DODO" no teclado iria gerar a mensagem “FGTB”: o
“D” e o “0” eram transmitidos duas vezes, mas codificados de modo diferente a
cada vez.
As máquinas Enigma foram fornecidas ao Exército, Marinha e Força Aérea da
Alemanha, e eram até mesmo operadas pelas ferrovias e outros departamentos do
governo. Mas, como acontecia com os sistemas de código usados naquela época, a
fraqueza da Enigma consistia em que o receptor tinha que conhecer a regulagem
da máquina que emitira a mensagem. Para manter a segurança os ajustes da
Enigma eram mudados diariamente. Um dos meios que os transmissores de
mensagens tinham de mudar a regulagem diariamente, enquanto mantinham os
receptores informados, era publicar as regulagens num livro secreto de códigos. O
risco desta abordagem é que os britânicos podiam capturar um submarino e obter
o livro-código com os ajustes diários da máquina para o mês seguinte. A
abordagem alternativa, que foi adotada durante a maior parte da guerra, consistia
em transmitir a regulagem do dia no princípio da mensagem principal, usando o
código do dia anterior.

*Conforme [Sin99]

144
Figura 45: A máquina Enigma

A criptografia é uma batalha intelectual entre o criador do código e aquele


que tenta decifrá-lo. O desafio para o codificador é misturar a mensagem até um
ponto em que ela seja indecifrável se for interceptada pelo inimigo. Contudo, existe
um limite na quantidade possível de manipulação matemática devido à necessidade
de enviar as mensagens de modo rápido e eficiente. A força do código alemão da
Enigma consistia em que a mensagem passava por vários níveis de codificação a
uma velocidade muito alta. O desafio para o decifrador do código era pegar uma
mensagem interceptada e quebrar o código quanto o conteúdo da mensagem ainda
fosse relevante.
Turing liderou uma equipe de matemáticos que tentou construir réplicas da
máquina Enigma. Ele incorporou nesses engenhos as suas idéias abstratas,
anteriores à guerra. A idéia era verificar todos os ajustes possíveis da Enigma até
que o código fosse descoberto. As 200 máquinas britânicas tinham dois metros de
altura e eram igualmente largas, empregando relês eletromecânicos para verificar
todos os ajustes possíveis da Enigma. O constante tiquetaquear das máquinas deu-
lhes o apelido de bombas. Apesar da sua velocidade, era impossível que as bombas
verificassem cada uns dos 150 trilhões de ajustes possíveis da Enigma dentro de
um tempo razoável. Por isso a equipe de Turing teve de procurar meios de reduzir
significativamente o número de permutações extraindo toda a informação que
pudesse das mensagens enviadas.
Um dos grandes saltos em direção ao sucesso aconteceu quando os britânicos
perceberam que a máquina Enigma não podia codificar uma letra nela mesma. Ou
seja, se o emissor teclasse “R”, então, dependendo do ajuste, a máquina poderia
transmitir todo tipo de letra, menos “R”. Este fato, aparentemente inócuo, era tudo
o que necessitavam para reduzir drasticamente o tempo necessário para decifrar
as mensagens. Os alemães contra-atacaram limitando o comprimento das
mensagens que enviavam. Todas as mensagens, inevitavelmente, continham
indícios para a equipe de decifradores do código, e quanto maior a mensagem,
mais pistas ela continha. Ao limitar as mensagens a um máximo de 250 letras, os
alemães esperavam compensar a relutância da Enigma em codificar uma letra
como a mesma.
Com o fim de quebrar os códigos, Turing freqüentemente tentava adivinhar

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palavras chaves nas mensagens. Caso acertasse, isto aceleraria enormemente a
decodificação do resto da mensagem. Por exemplo, se os decodificadores
suspeitavam de que uma mensagem continha um relatório meteorológico (um tipo
freqüente de relatório codificado), então eles supunham que a mensagem conteria
palavras como “neblina” ou “velocidade do vento”. Se estivessem certos, podiam
decifrar rapidamente a mensagem e, portanto, deduzir o ajuste da Enigma para
aquele dia em particular. E pelo resto do dia outras mensagens, mais valiosas,
seriam decifradas facilmente. Quando fracassavam na adivinhação de palavras
ligadas ao tempo, os britânicos tentavam se colocar na posição dos operadores
alemães da Enigma para deduzir outras palavras chaves. Um operador descuidado
poderia chamar o receptor pelo primeiro nome ou ele poderia desenvolver
idiossincrasias conhecidas pelos decifradores. Quando tudo o mais falhava e o
tráfego alemão de mensagens fluía sem ser decifrado, a Escola Britânica de
Códigos podia até mesmo, dizem, recorrer ao recurso extremo de pedir à RAF
(Força Aérea Britânica) para que minasse um determinado porto alemão.
Imediatamente o supervisar do porto atacado iria enviar uma mensagem codificada
que seria interceptada pelos britânicos. Os decodificadores teriam certeza então
de que a mensagem conteria palavras como "mina", “evite" e "mapa de
referências". Tendo decodificado esta mensagem, Turing teria os ajustes da
Enigma para aquele dia e quaisquer mensagens posteriores seriam vulneráveis à
rápida decodificação.
No dia 1o de fevereiro de 1942 os alemães acrescentaram uma quarta roda às
máquinas Enigma usadas para enviar mensagens particularmente importantes.
Esta foi a maior escalada no nível de codificação durante a guerra, mas finalmente
a equipe de Turing respondeu aumentando a eficiência das bombas. Graças à
Escola de Códigos, os aliados sabiam mais sobre seu inimigo do que os alemães
poderiam suspeitar. O impacto da ação dos submarinos no Atlântico foi
grandemente reduzido e os britânicos tinham um aviso prévio dos ataques da
Luftwaffe. Os decodificadores também interceptavam e decifravam a posição exata
dos navios de suprimentos alemães, permitindo que os destróiers britânicos os
encontrassem e afundassem.
Mas o tempo todo as forças aliadas tinham que ter cuidado para que suas
ações evasivas e ataques precisos não revelassem sua habilidade de decodificar as
comunicações alemãs. Se os alemães suspeitassem de que o código da Enigma fora
quebrado, eles iriam aumentar seu nível de codificação mandando os britânicos
para a estaca zero. Por isso houve ocasiões em que a Escola de Códigos informou
aos aliados sobre um ataque iminente e o comando preferiu não tomar medidas
extremas de defesa. Existem mesmo boatos de que Churchill sabia que Coventry
seria o alvo de um bombardeio devastador mas preferiu não tomar precauções
especiais para evitar que os alemães suspeitassem. Stuart Milner Barry, que
trabalhou com Turing, nega o boato. Ele diz que a mensagem relevante sobre
Coventry só foi decifrada quando já era tarde demais. Este uso contido da
informação codificada funcionou perfeitamente. Mesmo quando os britânicos
usavam as mensagens interceptadas para causar perdas pesadas no inimigo, os
alemães não suspeitaram de que o código Enigma fora quebrado. Eles pensavam
que seu nível de codificação era tão alto que seria totalmente impossível quebrar
os códigos. As perdas excepcionais eram atribuídas à ação de agentes britânicos
infiltrados.

Figura 46: Uma bombe, máquina inicialmente

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usada para tentar decifrar código

Figura 47: Computador COLOSSUS, que substituiu as bombes

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