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Michel Nicolau Netto.

O debate sobre o aumento da idade para aposentadoria na França nos chega de modo tão
reduzido que até mesmo aqueles que tendem a ficar ao lado dos menos favorecidos se encontram
carentes de argumentos para se manifestarem contra a mudança. Do modo como recebemos as
informações nos chega pronto o argumento aparentemente lógico de que se a população vive
cada vez mais, a idade para a aposentadoria deve subir.
Contudo, se refletimos com mais esmero e não nos limitamos a ver o assunto sob um
ponto de vista limitado, podemos nos mover para uma noção mais ampla e contextual do
assunto, quando então vemos que o debate está viciado em questões superficiais. Quero aqui
buscar remontar a discussão em termos mais amplos, ainda que de modo bastante simplificado,
tomando por ponto de partida as duas premissas básicas sobre as quais se baseiam os argumentos
a favor da mudança na idade de aposentaria. Noto antes que se faço este texto a partir da questão
francesa, o faço apenas para aproveitar o momento de maior exposição do caso, pois este debate
é hoje mundial e já atingiu diversos países (como Espanha, Grécia, Inglaterra, Portugal), sendo
que outros serão em breve atingidos (como Alemanha).
A primeira premissa que justificaria o aumento da idade para aposentaria se baseia na
idéia de que seguridade social é meramente gasto. Esta noção traz consigo uma antiga análise
segundo a qual a economia seria igual à produção; hoje, contudo, nossas economias modernas
não se restringem à produção, mas se desenvolvem no consumo, em transações financeiras etc.
Desta forma, as despesas com seguridade social são, na verdade, investimentos diretos que o
governo faz na economia. E poucos investimentos podem ser mais efetivos. As aposentadorias
da maior parte da população (pois os mais privilegiados não são o principal foco das reformas)
garantem, quando garantem, um mínimo necessário para sobrevivência das pessoas. O que os
aposentados recebem raramente gera excedente, o que significa que todo o recurso recebido é
aplicado diretamente no mercado. Ou seja, a pensão se torna comida, remédios, aluguel etc,
todos estes gastos onde, inclusive, incidem impostos que são coletados de volta aos cofres
públicos. Assim, é necessário que não se olhe seguridade social como gasto, mas sim como
investimento, que eleva consumo e, portanto, contribui para o crescimento econômico. Dados
mostram que uma parte significativa das economias gira por conta dos gastos dos pensionistas.
Não perceber isso é se aliar à cruel razão que exponho abaixo.
A segunda premissa articula uma questão estrutural da sociedade e, por isso, é mais
fundamental nesta discussão. Propõe-se o aumento da idade para aposentaria sob o argumento de
que as pessoas aos 60 anos (exemplo da França) deixam de trabalhar e, portanto, de produzir
para o país. Nada mais equivocado do que este argumento. Ele se baseia em uma noção de que
haveria uma crise de escassez de produção por falta de mão-de-obra, quando, na verdade, o que
existe é uma crise de distribuição dos recursos gerados. Segundo o argumento, seria necessário
aumentar a idade de aposentadoria para que mais pessoas entrem no mercado de trabalho e, com
isso, gerem maior produção econômica. Nada mais equivocado. Este argumento só faz sentido
em sociedades que tenham pleno emprego, em que houvesse uma necessidade por mais mão-de-
obra, uma realidade bem distante da que vivemos hoje. Em países com 10% de desemprego,
como é a média dos europeus, não há falta de mão-de-obra, mas, ao contrário, excesso. Assim,
ao se propor o aumento da idade da aposentaria, o que se faz não é colocar aquelas pessoas entre
60 e 62 anos como produtores na economia, mas sim como desempregados. Repito: em um país
onde há desemprego, aumentar a idade mínima para aposentadoria significa necessariamente
aumentar o próprio desemprego; não se coloca pessoas de volta na atividade econômica, mas sim
na rua. O pensionista não se transforma em produtor, mas em mais um desempregado.
E por que, afinal, se propõe isso? Há duas razões básicas. A primeira é bastante simples:
menor investimento em seguridade social significa menos gasto público e, portanto,
possivelmente menos impostos tributados às grandes empresas. Se isso também significa uma
diminuição do poder aquisitivo da população (já que, conforme argumento, o recurso da
seguridade social é reinvestido na economia do próprio país) pouco importa, pois as maiores
empresas atuam globalmente e, portanto, pouco dependem do mercado nacional, especialmente
na Europa.
Mas há outro motivo mais relevante. Ele se funda justamente na criação de
desempregados, o que ocorrerá com o aumento da idade para aposentaria. Isso é interessante para
as grandes corporações, pois se há mais pessoas concorrendo pelo mesmo número de vagas de
emprego disponíveis, gera-se um acréscimo no excedente de mão-de-obra. Em uma lei simples
de oferta e demanda, este acréscimo leva a uma desvalorização da mão-de-obra e, em
conseqüência, a uma crescente pressão por quedas de salários e mesmo de direitos trabalhistas. É
evidente que o discurso que se seguirá a este da elevação da idade de aposentaria será o de que se
há desemprego devemos flexibilizar o trabalho. Em breve, e por conseqüência do que vivem
hoje, os trabalhadores deverão negociar com as empresas e com o governo a diminuição em seus
direitos como única saída para o desemprego, desemprego este criado estrategicamente.
O cálculo sobre a idade mínima para aposentadoria deve ser feito com olhos mais
abertos, que percebam o contexto global. Importa menos o valor dos gastos do governo com
seguridade social e mais a relação entre mão-de-obra disponível e demanda por ela. Quando há
uma demanda por mão-de-obra menor do que sua oferta, deve-se pensar em diminuir esta oferta,
o que só se pode fazer garantindo às pessoas que não estão naquele momento empregadas uma
segurança financeira e social. Isso significaria possivelmente diminuir carga de trabalho,
diminuir idade para aposentadoria, aumentar férias etc. O desemprego, assim, diminuiria e
haveria mais recursos para serem gastos na economia e, deste modo, os benefícios econômicos
gerados por uma sociedade seriam socializados. Pensar assim é propor a partilha das perdas e dos
ganhos de uma sociedade, raciocínio bastante diverso do que se faz hoje: mais importa às
grandes corporações a exclusividade dos ganhos e a proteção contra as perdas. Mas à quase
totalidade das pessoas, não.

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