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Resumo: O presente artigo tem por finalidade relatar o projeto A experiência de parar para ouvir: um
projeto piloto de concertos didáticos ocorrido no segundo semestre de 2017, entre os meses de agosto
e dezembro, numa parceria entre o Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes da
USP, a Faculdade de Educação da mesma instituição e quatro escolas públicas da zona oeste de São
Paulo. O projeto teve como objetivos promover a troca de saberes e a ampliação de repertório.
Palavras-chave: Música. Escola. Experiência. Fruição. Didática.
1. Introdução
A ideia de realizar esse projeto partiu de muitas inquietações e reflexões sobre a
educação musical e o papel da música na sociedade atual. Acadêmicos da área de educação
musical constantemente se debruçam sobre o tema em questão. É sabido que parte das
crianças e jovens tem o repertório musical proveniente da mídia. Existe um controle na
programação das emissoras de rádio e TV; atualmente a programação desses veículos não é
selecionada por meio de uma curadoria artística, mas por critérios comerciais. Carrasqueira
aponta a prática do “jabá” ou “jabaculê”, que consiste num pagamento para que as rádios
toquem determinadas músicas na sua programação.
2. Os objetivos e motivações
O objetivo desse projeto piloto foi propiciar o encontro entre graduandos em música e
estudantes da educação básica por meio de apresentações musicais didáticas. Entendemos que
o projeto, de caráter pedagógico, tem possibilidades de beneficiar aos dois grupos de
estudantes ao promover a troca de saberes. De um lado a formação de ouvinte, a ampliação de
repertório, a fruição de obras e a possibilidade de contato com diversas formações
camerísticas. De outro a experiência de palco, o estímulo à pesquisa histórica e musicológica,
a reflexão sobre a performance e o compartilhamento das experiências. Além de produzir
mais um espaço para a arte e a música dentro das escolas públicas da região, o projeto
também pode ser considerado uma importante contrapartida da universidade para as escolas
que se dispõem a serem coformadoras dos futuros professores, uma vez que recebem
estagiários da USP.
O excesso de informação está presente nos veículos de comunicação como jornais,
revistas, televisão, rádio, redes sociais. Para Bondía, uma sociedade constituída sob o signo da
informação impossibilita a experiência. A obsessão por informação tomou conta de quase
todas as relações com o saber. Porém, essa busca insaciável faz com que muitas pessoas,
inclusive jovens e crianças, não possuam, de fato, tempo para apreender, refletir e processar
essa informação. Para Bondía “... a informação não deixa lugar para a experiência, ela é quase
o contrário da experiência, quase uma antiexperiência.” (BONDÍA, 2002, p. 21)
A vida agitada, a falta de tempo, a pressa, o estímulo exagerado, a excitação fugaz, a
obsessão pela novidade e o consumismo são marcas da nossa sociedade e também se
manifestam no campo musical. Essa velocidade de acontecimentos dificulta a conexão
significativa e a manutenção da cultura. Dificilmente nos lembramos das músicas que foram
sucesso no ano anterior, porque rapidamente são substituídas por outras. A rotina, o dia a dia,
É essa interrupção no tempo que o projeto propõe às escolas parceiras. Um ensejo para
ouvir e ser ouvido, para compartilhar saberes. Uma parada para viver uma experiência. Um
momento de encantamento. Segundo o escritor Mia Couto, existem muitos processos que
desencantam o mundo, um deles é atribuir muito valor às coisas pelo que elas podem render.
Apreciar obras pelo seu valor cultural e artístico independente de seu valor comercial e
possibilitar a fruição é também um dos objetivos do projeto. Para Couto, outra forma sutil de
desencantar é a racionalização. Uma criança ao olhar para uma nuvem vê formas de seres
fantásticos, nós enxergamos apenas vapor d’água. Tendemos a ficar formatados e
condicionados, perdemos a chance de criar outras possibilidades, de ver com outros olhos, de
ouvir de uma forma mais sensível e de sentir mais profundamente.
Acreditamos que essa interrupção no tempo, abrindo espaço para ouvir e ser ouvido,
para compartilhar saberes, pode ser transformador. Porém, não se pode captar a experiência
pela lógica do saber científico e do saber da informação. Para Bondía, “O saber de experiência
se dá na relação entre o conhecimento e a vida humana.” (BONDÍA, 2002, p. 26) É um saber
particular, singular e pessoal. Mesmo que duas ou mais pessoas passem pelo mesmo
acontecimento, a experiência será única e de cada um. Nesse projeto, portanto, podemos
inferir resultados acerca do experimento, mas não da experiência, uma vez que essa não pode
ser mensurada.
4. Considerações finais
Observando a trajetória desse projeto piloto, após sua finalização, percebemos um
amadurecimento significativo de sua proposta inicial em nossa prática. Além das experiências
que pretendíamos proporcionar para músicos e estudantes, a iniciativa se mostrou também
uma experiência muito proveitosa para nós, da equipe organizadora.
Nossas inquietações, descritas acima, nos motivaram a iniciar esse diálogo com as
instituições escolares, que pretendemos manter e ampliar cada vez mais. Ainda que seja um
movimento pequeno, acreditamos que ele precisa partir de algum ponto e, nesse momento,
nos sentimos encorajados a fortalecê-lo. Como comentou o professor Antônio Carrasqueira
em entrevista para o Jornal da USP no final do semestre:
Achamos que Música deveria estar na escola como matéria regular, como
Matemática, Português, Geografia. A música é fundamental para o pleno
desenvolvimento humano. Estamos fazendo um esforço como o beija-flor, que tenta
apagar o incêndio na floresta. A gente tenta levar uma gotinha, um pouco de música
para as crianças e adolescentes (CARRASQUEIRA, 2017).
Referências
ARENDT, Hannah. A Crise na Educação in ARENDT, Hannah Entre o passado e o futuro.
São Paulo: Perspectiva, 1997. p. 221- 247.