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O EFEITO CHECKLIST
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INTRODUÇÃO 9
NOTAS 185
AGRADECIMENTOS 193
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As histórias que os cirurgiões contam uns aos outros são muitas vezes
acerca do choque do inesperado – a baioneta em São Francisco, a para-
gem cardíaca quando tudo parecia correr bem – e às vezes sobre a
tristeza provocada por oportunidades perdidas. Falamos sobre as nos-
sas grandes curas, mas também sobre os nossos grandes fracassos, e
todos os temos. Fazem parte daquilo que fazemos. Gostamos de pen-
sar que controlamos tudo. Mas as histórias de John puseram-me a
pensar sobre o que está realmente sob o nosso controlo e o que não está.
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paciente para a cama com algum oxigénio, uma aspirina, uma esta-
tina e medicamentos para a tensão arterial – em poucos dias, em
geral, o doente está pronto para voltar para casa e regressar gradual-
mente à sua vida normal.
Mas agora o problema que enfrentamos é a inaptidão, ou talvez
seja “aptidão” – ter a certeza de que aplicamos o conhecimento de
maneira coerente e correcta. A simples escolha do tratamento certo
para uma vítima de ataque cardíaco entre as várias opções já pode ser
difícil, mesmo para médicos experientes. Para além disso, seja qual
for o tratamento escolhido, cada um deles envolve grandes complexi-
dades e armadilhas. Estudos cuidadosos demonstraram, por exem-
plo, que as vítimas de ataque cardíaco submetidas a uma terapia de
balão intra-aórtico deveriam recebê-lo no espaço de noventa minutos
depois de chegarem ao hospital. Após esse período a taxa de sobre-
vivência diminui drasticamente3. Em termos práticos, isto significa
que, no espaço de noventa minutos, as equipas médicas devem con-
cluir todas as análises a cada paciente que aparece numa urgência com
dores no peito, fazer o diagnóstico correcto e planear, discutir a deci-
são com o paciente, obter o seu consentimento para continuar com o
tratamento, confirmar que não tem alergias ou problemas de saúde
que não foram considerados, preparar um laboratório e uma equipa
de cateterização, transportar o doente e começar a intervenção.
Quais são as probabilidades de isto acontecer, na prática, no espaço
de noventa minutos num hospital médio? Em 20064 eram inferio-
res a 50 por cento.
Este exemplo não é invulgar. Estes tipos de insucesso são rotina
em medicina. Alguns estudos concluíram5 que pelo menos 30 por
cento dos pacientes vítimas de um acidente vascular recebem cuida-
dos incompletos ou inadequados dos seus médicos, assim como 45
por cento dos pacientes com asma e 60 por cento de pacientes com
pneumonia. Acertar os procedimentos está a revelar-se brutalmente
difícil, mesmo quando os conhecemos.
Há algum tempo que ando a tentar compreender a origem das nos-
sas maiores dificuldades e tensões na área da medicina. Não se trata
de dinheiro, nem do governo, nem das ameaças de processos por má
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* Apesar de a Direcção-Geral de Saúde em Portugal ter traduzido o termo “checklist” por “Lista de Verificação [Cirúrgica]”,
optou-se pelo termo “checklist” uma vez que é o utilizado na aeronáutica e também, por exemplo, nas actividades de logística.
(N. da T.)
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CAPÍTULO 1
O PROBLEMA DA COMPLEXIDADE
EXTREMA
Há algum tempo li o relatório1 de um caso nos Annals of Thoracic Sur-
gery. Era, na prosa seca de um artigo de uma revista de medicina, a
história de um pesadelo. Numa pequena cidade austríaca dos Alpes,
uma mãe e um pai foram dar um passeio pela floresta com a filha
de três anos. Os pais perderam-na de vista por um momento e foi o
suficiente. A menina caiu num lago. Frenéticos, os progenitores sal-
taram atrás dela. Mas a criança ficou perdida debaixo de água durante
trinta minutos antes de eles a encontrarem, finalmente, no fundo
do lago. Puxaram-na para a superfície e levaram-na para a margem.
Seguindo as instruções de uma equipa de urgência que tinham con-
tactado por telemóvel, começaram a ressuscitação cardiopulmonar.
O pessoal de salvamento chegou oito minutos mais tarde e fez os
primeiros registos do estado da criança. Ela não reagia a nada. Não
tinha tensão arterial, pulsação, ou sinais de respirar. A temperatura
era de apenas 19 graus. As pupilas estavam dilatadas e não reagiam
à luz, indicando a paragem das funções cerebrais. Tinha morrido.
Mas os técnicos da emergência, mesmo assim, continuaram a
RCP. Um helicóptero transportou-a para o hospital mais próximo,
onde foi levada directamente para a sala de operações, acompanhada
por um elemento da equipa de urgência que, debruçado sobre ela na
maca, fazia compressões torácicas. Uma equipa de cirurgia ligou-a a
uma máquina de bypass coração-pulmões o mais depressa que pode.
O cirurgião teve de fazer um corte na virilha direita da criança e coser
um dos tubos de borracha de silicone, provenientes da máquina insta-
lada numa mesa, na artéria femural para lhe retirar o sangue e depois
outro na veia femural para fazer reentrar o sangue. Um perfusionista
ligou a bomba e, quando regulava o oxigénio, a temperatura e o fluxo
através do sistema, a tubagem transparente ficou avermelhada com o
sangue da criança. Só então pararam de fazer compressões torácicas.
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– mas isso ainda constituía uma média de dois erros por dia com
cada doente. Os cuidados intensivos só têm êxito quando mantemos
as hipóteses de provocarmos sequelas negativas suficientemente bai-
xas para que as hipóteses de fazermos as coisas bem prevaleçam. Isto
é difícil. O simples facto de se estar deitado inconsciente numa cama
durante alguns dias apresenta perigos6. Os músculos atrofiam-se. Os
ossos perdem massa. Formam-se escaras. Começam a formar-se coá-
gulos nas veias. É preciso alongar e exercitar os membros flácidos dos
pacientes, todos os dias, para evitar contracturas. É preciso adminis-
trar injecções subcutâneas de diluentes do sangue pelo menos duas
vezes por dia, virar os pacientes na cama com intervalos de poucas
horas, dar-lhes banho e mudar-lhes os lençóis sem derrubar um tubo
ou deslocar uma linha, escovar-lhes os dentes duas vezes por dia para
evitar pneumonias provocadas pelo amontoar de bactérias na boca.
Junte-se a isto um ventilador, diálise e o tratamento de feridas aber-
tas e as dificuldades só aumentam.
A história de um dos meus pacientes é esclarecedora. Anthony DeFi-
lippo era um condutor de limusinas de quarenta e oito anos de Eve-
rett, Massachusetts, que começou a ter hemorragias num hospital local
durante uma cirurgia a uma hérnia e a pedras na vesícula. Finalmente,
o cirurgião conseguiu parar a hemorragia, mas o fígado de DeFilippo
foi gravemente lesionado e nos dias que se seguiram ficou demasiado
doente para as aptidões do hospital. Aceitei a sua transferência para o
estabilizar e descobrir o que fazer. Quando ele chegou à nossa UCI, às
13:30 de um domingo, tinha o cabelo desalinhado colado à testa cheia
de suor, o corpo tremia e o coração batia a 114 pulsações por minuto.
Estava delirante devido à febre, ao choque e ao baixo nível de oxigénio.
– Preciso de sair daqui! – gritava. – Preciso de sair daqui! – Tentou
tirar a bata, a máscara de oxigénio e os pensos que cobriam a ferida
no abdómen.
– Está tudo bem, Tony – disse-lhe uma enfermeira. – Vamos ajudá-
-lo. Está no hospital.
Ele empurrou-a – era um homem de grande envergadura – e tentou
balançar as pernas para fora da cama. Aumentámos o fluxo de oxigé-
nio, amarrámos-lhe os pulsos com uns panos e tentámos chamá-lo
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