- Questionamentos: Como se faz no animal-homem uma memória? Como se imprime algo a esse em parte embotado, em parte estouvado entendimento-de-instante, a essa viva aptidão de esquecimento, de modo que permaneça presente? Esse problema não foi resolvido com respostas e meios delicados. - Não há nada mais terrível e monstruoso na pré-história do homem que sua “mnemotécnica” – somente o que não cessa de fazer mal permanece na memória. - O passado nos bafeja com seu sopro e ressurge em nós, quando ficamos “sérios”. Nunca nada se passou sem sangue, martírio, sacrifício. Os mais arrepiantes sacrifícios e penhores, as mais repugnantes mutilações, as mais cureis formas de rituais de todos os cultos religiosos – tudo isso tem sua origem naquele instinto que adivinha na dor o mais poderoso meio auxiliar da “mnemônica”. - Quanto pior de memória era a humanidade, mais terrível é sempre o aspecto de seus usos. - Origem do sentimento de culpa: relação pessoal em que entra um embate de pessoa contra pessoa. Não se notou civilização em que não haja essa relação. - A compra e venda é mais antiga do que seus próprios inícios e quaisquer formas de organização e ligas sociais: foi da mais rudimentar das formas do direito das pessoas que o sentimento germinante de troca, contrato, dívida, direito, obrigação e quitação, foi transposto para os complexos comunitários. - Logo se chega ao “cada coisa tem seu preço” e “tudo pode ser pago”. - A justiça, nesse primeiro grau, era a boa vontade entre os que tinham potência mais ou menos igual, de se acomodarem uns aos outros, de voltarem a se entender e, coagir os que tinham menor potência, abaixo de si, a um igualamento. - A comunidade está na relação credor x devedor. A comunidade, o credor enganado, se fará pagar do melhor que puder. Infrator: alguém que quebra contrato e palavra, devedor, não somente que não pagou pelas vantagens que lhe foram demonstradas, mas também atenta sobre seu credor. A ira do credor lesado, o devolve ao estado selvagem e fora da lei. O castigo é simplesmente a imagem, a mímica do procedimento normal que se tem contra o inimigo odiado, mas também toda clemência. - Finalidade do castigo: vingança ou intimidação. - Finalidade do direito: é a última coisa a ser empregada na história genética do direito. - Proposição importante: a causa do surgimento de uma coisa e sua utilidade final, seu emprego e ordenação de fato em um sistema de fins, estão “toto coelo” um fora do outro. - Mesmo quando se concebeu muito bem a utilidade de algum órgão fisiológico, ainda não se concebeu nada no tocante ao seu surgimento. - As utilidades são apenas sinais de que uma vontade de potência se tornou senhora de algo menor poderoso e imprimiu-lhe o sentido de uma função. - “Desenvolvimento” de uma coisa pode ser tudo, menos seu “progressus” em direção a um alvo, e menos ainda um “progressus” lógico e curtíssimo, alcançado com o mínimo de dispêndio de forças e custos. - A grandeza de um progresso mede-se pela massa de tudo aquilo que teve de ser sacrificado a ele; a humanidade como massa sacrificada à prosperidade de uma única espécie mais forte de ser humano. - Castigo: seu sentido é fluido. Em um estado tardio da civilização, o conceito “castigo” nem sequer representa mais um único sentido, mas toda uma síntese de sentidos. A síntese de sentidos parece ainda dissociável, pode-se perceber como os elementos da síntese alteram sua valência e mudam de ordem, de tal modo que ora um, ora outro, se destaca e domina um único elemento. - Todos os instintos que não se descarregam, voltam para dentro – interiorização do homem: com isso, cresce no homem a sua alma. - O homem que, por falta de inimigos e resistências externas, encerrado à força em uma opressiva estreiteza e regularidade dos costumes agia de má fé foi o inventor da má consciência. Com ela foi introduzido o sofrimento do homem consigo mesmo: como a consequência de uma violenta separação do passado animal, de um salto e mergulho em novas condições de existência. - Os homens modernos são herdeiros da vivissecção de consciência e auto-sevícia de milênios. O homem considerou por demasiado tempo suas propensões naturais com maus olhos, de modo que elas se irmanaram finalmente com a má consciência. - O homem do futuro redimira os homens tanto do ideal, quanto do que teve de crescer dele, do niilismo.