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Paulo
26/07/2015 02h06
RESUMO Após a morte do amigo Pedro Nava, em 1984, Drummond deu declarações
polêmicas em entrevistas considerando atitudes homossexuais como algo repugnante, e
foi alvo de críticas. Porém, em poema publicado em livro de 1951, inspirado por mito grego
de rapto de jovem por Zeus, o mineiro demonstrava visão tolerante.
Num domingo, dia 13 de maio de 1984, o médico e escritor mineiro Pedro Nava (1903-84)
recebeu uma ligação telefônica por volta das dez horas da noite. Quem atendeu foi sua
mulher, Antonieta, que identificou uma voz masculina e passou o aparelho ao escritor.
Nava tinha 80 anos e, quando desligou, estava transtornado. Disse que nunca ouvira
"nada tão aviltante". Retirou às escondidas uma pistola da gaveta e saiu pela porta dos
fundos do apartamento. Duas horas depois, se matou com um tiro na cabeça, sentado
num banco em frente à sua casa, no bairro da Glória, no Rio de Janeiro.
Na época, os jornais foram informados de que Nava cometera suicídio após ter sido
chantageado por um garoto de programa que ameaçava revelar sua bissexualidade. O
suposto chantagista foi localizado, mas toda a imprensa silenciou sobre a origem da
tragédia, só revelada anos depois. O que estava em jogo era a honra de um homem que
deu cabo da própria vida para não ficar associado a um comportamento que feria os
padrões morais do seu grupo. Um ato que mostra o lugar que a homossexualidade
ocupava naquele ambiente.
A morte do escritor foi um golpe duro para o amigo Carlos Drummond de Andrade (1902-
87), que em sua homenagem escreveu o poema "A Um Ausente".
"Sim, acuso-te porque fizeste/ o não previsto nas leis da amizade e da natureza/ nem nos
deixaste sequer o direito de indagar/ porque o fizeste, porque te foste."
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MUDANÇAS
O suicídio também ocorreu num momento crítico de tensão entre gays e a sociedade
brasileira. Na primeira metade dos anos 1980, houve uma série de conquistas da
comunidade homossexual, como o estabelecimento de um Dia do Orgulho Gay e a
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Esta conjuntura pode ter sido o estopim para que Drummond exibisse, pela primeira vez, e
de maneira direta e virulenta, seus sentimentos em relação ao tema. Exatamente um mês
depois da morte do amigo, deu uma entrevista à doutoranda em comunicação Maria Lúcia
do Pazo, que fazia uma tese sobre a obra erótica do poeta. Entre outros assuntos, falou
sobre gays: "Devo dizer que o homossexualismo sempre me causou certa repugnância,
que se traduz pelo mal-estar. Nunca me senti à vontade diante de um homossexual. Com o
tempo, havendo agora uma abertura imensa com relação ao desvio da homossexualidade,
o homossexual não só ficou sendo uma pessoa com autorização para ir e vir como tal, mas
chega a ponto de isto ser exaltado como riqueza de experiência, como acrescentamento
da experiência masculina".
No ano seguinte, Drummond voltou ao assunto, desta vez na revista "IstoÉ". Em conversa
com Humberto Werneck, reagiu à provocação do entrevistador: "É desvio, é um problema
de ordem médica, que pode ser tratado ou não, pode ser remediado ou não, conforme
condições peculiares do indivíduo. Não é aquilo que antigamente se chamava pecado. (...)
Por mais que se façam essas experiências, a relação homem-mulher é ideal, é a mais
perfeita do mundo, não tem substitutivo, não".
Por esta declaração, o Grupo Gay da Bahia lhe enviou um abaixo-assinado, redigido pelo
antropólogo Luiz Mott e manifestando repúdio ao discurso do poeta. "Lastimamos
profundamente as declarações do nosso Poeta Maior", dizia a missiva. "Não há perfeição
em ser branco nem em ser preto. Essas coisas, tipo raça, religião, preferência sexual, são
privativas de cada ser humano, nem aos poetas autorizando-se decretar onde está a
perfeição." A carta nunca mereceu resposta, mas Drummond a preservou em seu acervo
pessoal.
NA POESIA
A revelação do ponto de vista do poeta tem especial significação à luz do que ele escreveu
sobre o assunto. Em toda sua obra, Drummond tratou uma única vez da
homossexualidade. O poema "Rapto", publicado no livro "Claro Enigma" (leia abaixo), de
1951, apesar de exemplo isolado, é instigante na medida em que demonstra uma fratura
entre as crenças morais do autor, reveladas nestas duas entrevistas, e a obra que ele
produziu. Neste processo, o escritor sai engrandecido.
Drummond poderia ter fugido do tema que o incomodava ou, debruçando-se sobre ele,
despejar seu sentimento de repulsa. O poema "Rapto", no entanto, se não é
absolutamente infenso à visão crítica de Drummond, não traz o tom acusatório que vaza
de suas entrevistas.
Na mesma conversa com do Pazo, Drummond diz que fez em "Rapto" uma "operação
puramente literária". O tema da homossexualidade é resgatado no poema através de um
mito grego: o episódio do sequestro de Ganimedes por Zeus.
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longo da história da arte, esta cena foi utilizada repetidas vezes, na pintura ou na poesia,
com uma tonalidade que varia de acordo com os padrões morais de cada autor.
Por volta de 1530, Michelangelo fez um desenho sobre o tema. O original se perdeu, mas
existem pinturas de outros autores feitas a partir desse desenho. Na cena, o jovem
Ganimedes aparece nu, com corpo robusto e uma capa nos ombros. A águia gigante
agarra com firmeza suas duas pernas. Mas os braços do jovem enlaçam o pescoço e uma
das asas da ave, e seu rosto a contempla com uma expressão de ternura. Nesta imagem,
o rapaz elevado parece naturalmente corresponder ao desejo do deus.
Outra leitura do mesmo episódio, muito mais dura e crítica, foi feita por Rembrandt em
1635, num óleo que pertence ao acervo da Pinacoteca dos Mestres Antigos, de Dresden,
na Alemanha. Na cena, Ganimedes não é representado por um jovem, mas por uma
criança pequena. A águia aparece com um olhar ameaçador, segurando seu braço pelo
bico, sob um céu de cor chumbo. A criança leva nas mãos um ramo de cerejas, que
evidencia inocência, tem cara de choro e se urina de medo no ar. Este último detalhe dá ao
quadro uma sensação absolutamente chocante pela violência perpetrada contra a criatura
infantil, que será convertida em amante. Na poderosa leitura de Rembrandt, o sequestro
de Ganimedes é um estupro.
O poema ainda contém certo ranço conservador, já que é matizado com as mesmas cores
dramáticas de Rembrandt. Os versos falam de uma águia que desce dos céus e carrega a
criatura pura que, subindo, degrada-se e assim recusa o pasto natural aberto aos homens.
Segundo o texto, tais raptos "terríveis" se repetem agora na vida noturna das cidades,
onde o beijo estéril de dois homens carrega um soluço dissimulado. A cena é descrita sob
um céu em brasas, como se o próprio firmamento estivesse atormentado diante do dilema
que a mitologia grega explicou como mistério e o pensamento cristão define como pecado.
RAPTO
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