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JORGE BENCI E A ESCRAVIDÃO: PERCEPÇÕES DE UM JESUÍTA ITALIANO

EM UMA SOCIEDADE ESCRAVISTA

Natália de Almeida Oliveira1

Resumo

Jorge Benci, jesuíta italiano que chega ao Brasil em Agosto de 1683 e pede para retonar deste,
em 1700, é autor da obra “Economia Cristã dos Senhores no Governo dos Escravos”, esta é
formada por sermões que este pregou na Bahia durante o XVII, que são publicados em Roma
no ano de 1705 na forma de livro. Sua obra é dividida em uma introdução e quatro discursos,
durante todos estes, o jesuíta aborda a escravidão, partindo da premissa, das mútuas
obrigações entre senhores e escravos. Nossa comunicação tem o escopo de apresentar as
percepções de Jorge Benci sobre a escravidão, no que tange o discurso II, “Em que se trata da
segunda obrigação dos senhores para com os servos”, que aborda a Doutrina Cristã.

Palavras - chave: Jorge Benci; Jesuíta; Escravidão.

Abstract

Jorge Benci, Italian jesuit who arrived in Brazil in august 1683 and asked to back this, in
1700, is the author of “Economia Cristã dos Senhores no Governo dos Escravos,” this
consists of sermons that he preached in Bahia during the seventeenth , which are published in
Rome in the year 1705 in book form. His work is divided into an introduction and four
speeches during all these, the jesuit discusses slavery, assuming, of mutual obligations
between masters and slaves. Our communication has the scope to present the perceptions of
Jorge Benci on slavery, regarding the speech II, “Em que se trata da segunda obrigação dos
senhores para com os servos,” which addresses the Christian Doctrine.

1
Atualmente é aluna do Curso de Especialização em História do Brasil Colonial pela Faculdade de São Bento do
Rio de Janeiro.. É Licenciada e Bacharel em História pela Universidade Gama Filho. Foi bolsista de Iniciação
Científica, Voluntária e CNPq, vinculada à Universidade Gama Filho. Trabalhou no Arquivo do Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro. Atualmente é professora de História da rede particular do município do Rio de Janeiro
e da Baixada Fluminense. Por causa do tempo de apresentação e do tamanho da comunicação, não pontuaremos,
todo o Discurso II, trabalharemos apenas com os itens 1 e 2.
2

Key-words: Jorge Benci; Jesuit; Slavery.

Introdução
Jorge Benci de Arimino nasceu em Ramini, na Itália, em 1650. Ingressou na Companhia
de Jesus em Bolonha, em 17 de Outubro de 1665, com 15 anos de idade. Embarcou para
Lisboa em 1681, para trabalhar nas atividades missionárias. Em 15 de Agosto de 1683,
realizou sua profissão solene no Rio de Janeiro. Em 2 de Maio de 1700, quando estava na
Bahia Jorge Benci, pede para sair do Brasil, por motivos pessoais, pedindo para voltar à
Veneza onde havia estado ou para ir para a Ilha de São Tomé, mas é enviado para Lisboa, na
qual trabalha com os assuntos referentes a Província do Brasil. O jesuíta morre em 10 de
Julho de 1708. Serafim Leite na História da Companhia de Jesus no Brasil, volume VIII, o
considera “moralista” (LEITE, 1949: 95-96).
Exerceu cargos de Pregador e Procurador do Colégio da Bahia, Professor de Teologia e
Humanidades, Visitador Local e Secretário Provincial, durante os anos de 1688 e 1692. Benci
foi a São Paulo, tratar da questão do “ajustamento com os paulistas” (ZERON, 2011: 336-
340), no contexto da batalha travada dentro da Companhia de Jesus, por jesuítas italianos e
portugueses. Mesmo com a proibição da Coroa de jesuítas estrangeiros assumirem altos
cargos dentro da Ordem, isso na prática não se efetivou, pois Antonio Adreoni ocupou cargos
altos, seguido de Jorge Benci.

Jorge Benci está presente nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, de 1707,
como referência aos escravos africanos, por sua obra Economia Cristã dos Senhores no
Governo dos Escravos, que a priori era um sermão, que foi enviado já em forma de livro para
Roma em 12 de Maio de 1700 e publicado no ano de 1705.

Jorge Benci além da Economia Cristã é o autor os seguintes sermões: Sentimentos da


Virgem Maria N. S. em sua Soledade, sermão pregado na Sé da Bahia, no ano de 1698.
3

Sermão de S. Felippe Neri, pregado no Recife, no ano de 1701. Sermão do Mandato, pregado
2
na Bahia, também no ano de 1701.

A Economia Cristã e a construção do projeto missionário

A Economia Cristã tem uma introdução e quatro discursos, já na introdução Benci nos diz
que a escravidão é a filha do pecado original de Adão e Eva, sendo graças ao pecado que
existe cativeiro, pois “o gênero humano é livre por natureza”, mas por terem Adão e Eva
pecado “grande parte dele a cair na servidão e no cativeiro, ficando uns senhores e outros
servos”, logo se “Adão perseverasse no estado de inocência em que Deus o criou, não haveria
no mundo cativeiro, nem senhorio.” (BENCI, 1977: 47).

“O pecado, pois, foi o que abriu as portas por onde entrou o cativeiro no mundo” (BENCI,
1977: 48), este pecado vindo de uma concepção Cristã, surge da revolta do homem contra o
Criador, e deste surgem as batalhas dos povos contra povos, isto é as guerras. E o cativeiro
surge para a preservação da vida daqueles que foram vencidos, ao invés de “banhos de
sangue” serem derramados em cada batalha, desta maneira, os vencidos se entregavam aos
vencedores, que “ficavam com o domínio e o senhorio perpétuo sobre os vencidos, e os
vencidos com a perpétua sujeição e obrigação de servir aos senhores” (BENCI, 1977: 47-48).
Utilizando a ideia do “senhorio como filho do pecado”, Benci afirma:

E para atalhar estas culpas e ofensas, que cometem contra Deus os senhores, que não
usam do domínio e do senhorio que têm sobre os escravos, com a moderação que
pede a razão e a piedade Cristã: tomei por assunto, e por empresa dar a luz a esta
obra, a que chamo de Economia Cristã: isto é regra, norma e modelo, por onde se
devem governar os senhores cristãos para satisfazerem às suas obrigações de
verdadeiros senhores. (BENCI, 1977: 49)

Benci nos diz que os senhores de escravos quando não usam a moderação e a piedade,
pressupostos que todo bom cristão deve utilizar para com os seus escravos, pecam contra
Deus. Por isso, como enviado divino o italiano cria a Economia Cristã, que é “regra, norma e

2
Serafim Leite, em sua obra aponta duas outras obras de Benci, que ainda não tivemos acesso, o Sermão ao povo
na Quinta-feira, de 1701. E o “De vera et falsa probabilitate opinionum.”
4

modelo” de como um senhor de escravos deve tratar seus cativos, para assim ser um senhor de
escravos cristão.

Para o religioso, os senhores do Brasil colonial tratam os escravos como se estes fossem
jumentos, mas isto é errado, pois “senhor e servo são de tal correlativos, que assim como o
servo está obrigado ao senhor, assim o senhor está obrigado ao servo. Esta mútua e recíproca
correspondência de obrigações entre senhores e servos” (BENCI, 1977: 50), é reconhecida na
Epístola ao Colossenses3. Quais são as obrigações de um senhor com seu servo? Jorge Benci
indaga e diz que a resposta veio por inspiração do Espírito Santo, pois unindo o Eclesiástico
33 a Aristóteles4, une-se o sagrado e o profano, e se chega a três palavras: trabalho, sustento e
castigo.

Combinai agora um texto com outro texto, o profano com o sagrado; cotejai o
panis com o cibus, a disciplina com o castigatio, e o opus com o opus: e vereis
[...] que nestas três palavras, panis, disciplina, opus, se compreendem todas as
obrigações, que não são poucas, as que devem os senhores aos servos. Por isso
nelas fundarei os discursos desta Economia Cristã, em que pretendo instruir aos
senhores, e especialmente aos do Brasil, no modo com que devem tratar os
escravos, para que façam distinção entre eles e os jumentos; a qual certamente
não fazem os que só procuram tirar deles o lucro, que interessam no seu
trabalho. (BENCI, 1977: 51-52)

Mesmo apoiando e legitimando a escravidão no pecado original de Adão e Eva, Benci é


contra o modo como os escravos são tratados no Brasil, porque crê em uma circularidade de
deveres e obrigações mútuas nas relações senhores e escravos. Esta mudança no trato com o
cativo que Benci prega é baseada em preceitos cristãos. O jesuíta italiano acredita que um
homem cristão que foi amado por Cristo e ensinado por este deve ter caridade com o próximo
e não tratar seu servo como um bruto/jumento. Desta maneira Jorge Benci, com a Economia

3
Colossenses 3: 22 - “Servos, obdecei em tudo os senhores desta vida, não quando vigiados para agradar a
homens, mas em simplicidade de coração, no temor de Deus.” E Colossenses 4:1: “Senhores, daí aos vossos
servos o justo e o equitativo, sabendo que vóis tendes um senhor no céu”. In: Bíblia de Jerusalém. Nova edição
revisa e ampliada. Editora: Paulus. São Paulo, 2002. p.2058.
4
Eclesiástico 33: 36 - “Para o asno forragem, chicote e carga; para o servo o pão, correção e trabalho”. In: Bíblia
de Jerusalém. Op. Cit. p. 1196. Que deveria se unir “aos Oikonomika atribuídos a Aristóteles”, como nos elucida
Bivar Marquese. In: MARQUESE, Rafael de Bivar. Feitores do corpo, missionários da mente – Senhores,
letrados e o controle dos escravos nas Américas, 1660-1680. Editora: Companhia das Letras. São Paulo, 2004. p.
52.
5

Cristã, fixa preceitos para o senhor tratar seu escravo, criando um modelo que deveria ser
seguido.

No discurso II – “Em que se trata da segunda obrigação dos senhores para com os
servos”, vemos o esforço do jesuíta italiano, em constituir um molde no trato com o cativo, o
que a nosso ver enquadra-se na constituição do seu projeto missionário, não apenas pela
construção de uma família-cristã, mas pela tentativa de organização da cristandade colonial.

“Como os servos são criaturas racionais, que constam de corpo e alma, não deve só o
senhor dar-lhes o sustento corporal para que não pareçam seus corpos, mas também o
espiritual para que não desfaleçam suas almas” (BENCI, 1977: 84), depois de propor o que o
senhor deve dar o sustento ao cativo, como conservação de vida humana, no que tange
alimentação, vestuário e cuidado com as enfermidades, que são preocupações com o corpo do
servo, Benci afirma a alma do cativo, e que esta alma precisa ser alimentada, assim como o
corpo.

E se me perguntam em que consiste o alimento espiritual? Digo que em três coisas,


que correspondem às três coisas, que correspondem três vezes que mandou Cristo a
S. Pedro.[...] Mas que três coisas são estas? O Concílio Tridentino as declara, e diz
que são a Doutrina Cristã, o uso dos Sacramentos, e o bom exemplo da vida (m) . E
suposto que neste lugar fala o Concílio particularmente com os Párocos e Pastores
de Almas, não deixa contudo de falar também com os senhores, pois também são
Curas das almas de seus servos. (BENCI, 1977: 83-84)

Benci utilizando-se do texto bíblico de João 215, e das determinações do Concílio de


Trento, denota a quem fala o seu projeto missionário, fala aos párocos “pastores de almas” e
aos senhores de escravos, que juntamente com os religiosos são responsáveis pela alma dos
cativos.

5
João 21: 15-17 - “Depois de comerem, Jesus disse a Simão Pedro: “Simão, filho de João, tu me amas mais do
que estes?”Ele lhe respondeu: “Sim, Senhor, tu sabes que te amo”. Jesus lhe disse: “Apascenta meus cordeiros”.
Segunda vez disse-lhe: “Simão, filho de João, tu me amas? – “Sim, Senhor”, disse ele, “tu sabes que te amo”.
Disse-lhe Jesus: “Apascenta minhas ovelhas”. Pela terceira vez lhe disse: “Simão, filho de João, tu me amas?”
Entristeceu-se Pedro porque pela terceira vez lhe perguntara “Tu me amas?” e disse-lhe: “Senhor tu sabes tudo;
tu sabes que te amo”. Jesus lhe disse: “Apascenta minhas ovelhas”.” In: Bíblia de Jerusalém. Op. Cit. p.1894.
6

Entendemos que o discurso, por mais particular que seja, está inserido em um contexto
maior e partindo do pressuposto que não há discurso sem sujeito, nem sujeito sem visão de
mundo; entendemos que Benci está inserido em uma sociedade escravista colonial.

No item um do discurso II, intitulado de: “Da Doutrina Cristã, que os senhores são
obrigados [a] ensinar a seus servos”, Benci nos diz; “Bem sabeis que a maior parte dos
servos deste Brasil vem da Gentilidade da Guiné [e] mais partes da África, tão rudes dos
mistérios de nossa Santa Fé” (BENCI, 1977: 84), nessa assertiva Benci mostra sua concepção
Cristã, na qual gentil são todos aqueles que não são cristãos, logo na visão de mundo de
Benci, a África é gentil, e todos que de lá saem também são, pois não se alimentam da sua
concepção de fé. Por isso afirma: “Devem primeiramente os senhores alimentar as almas de
seus servos com a Doutrina Cristã, para que saibam os mistérios da Fé, que devem crer, e os
preceitos da Lei de Deus, que hão de guardar” (BENCI, 1977: 84), os senhores de escravos e
religiosos coloniais têm a obrigação de alimentar a alma dos escravos com a religião Católica.

O senhor de escravos peca quando tem um escravo recém-convertido a Fé (muitos


escravos tinham o batismo, que era realizado antes do embarque para o Brasil ou no percurso
da viagem) e que não cuidam da doutrinação cristã deste.

Benci indaga “Em que se funda esta tão precisa obrigação, que têm os senhores de
catequizar os servos? Digo que no poder e domínio que tem sobre eles; porque o doutrinar aos
rudes é consequência de quem tem neles o senhorio” (BENCI, 1977: 85), sendo Jesus Cristo,
filho de Deus, ao qual foi dado todo poder sobre o Céu e a Terra6, Benci afirma: “Entendeis
muito bem, senhores, que tendes domínio e poder sobre os escravos; entendei também que a
consequência deste poder e deste domínio é a obrigação de ensinar e instruir nos mistérios da
Fé e preceitos da Lei de Deus” (BENCI, 1977: 86), deste modo o senhor que afirma, que os
escravos são brutos e que não conseguem aprender a fé, erra e peca, pois Jesus Cristo é o
senhor de todas as gentes, por isso a gente da África deve aprender a doutrina Católica.

6
Mateus 28:18 - “Todo poder foi me dado no céu e sobre a terra.” In: Bíblia de Jerusalém. Op., Cit. p.1758.
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O senhor que ensina a doutrina cristã a seu servo deve considerar-se “um ministro
deputado por Cristo”, na concepção de Santo Agostinho (BENCI, 1977: 87) como afirma
Jorge Benci, por que:

Pregando o nome de Cristo e ensinando a doutrina a todos que puder. Pois com
quem melhor o podes e deveis fazer, que com aqueles que Deus vos sujeitou,
fazendo-os vossos escravos, para que sejais seus Mestres na Cristandade. (BENCI,
1977: 88)

Benci afirma que a conversão do servo em nada abala a autoridade do senhor e que ao
doutrinar um escravo no Cristianismo o senhor torna-se seu mestre na cristandade.

Fazendo referências a Roma, ao Imperador Marco Crasso, Benci questiona se no Império


Romano, aonde os imperadores eram gentis, estes tinham o cuidado de um pai com os seus
servos, como pode no Brasil Cristão, os senhores não cuidarem bem de seus servos?
Afirmando que quando o senhor não puder ou não quiser doutrinar o escravo, este deve o
levá-lo para os Colégios e Casas da Companhia de Jesus ou para outras casas religiosas, para
os clérigos doutriná-los, pois não se pode permitir que o escravo passasse a vida na
gentilidade.

Para a conversão do cativo o senhor deve ter paciência, pois ela não é automática, ela leva
tempo, e muitas vezes os senhores não querem esperar, por isso o italiano afirma: “Deixai
pois a disposição do Missionário gastar o tempo, que julgar conveniente, na instrução do
escravo; e daí graças a Deus de haver quem vois alivie da obrigação que tender de dar o pão
da Doutrina Cristã ao vosso servo.” (BENCI, 1977: 90)

Percebemos o ideal de missão na tentativa de afirmação de uma cristandade colonial, que


alcança os considerados como gentis, transformando-os em escravos cristãos. Realizando uma
tentativa da normatização do trato ao cativo, na qual a todo o tempo Jorge Benci respalda-se
em referências bíblicas e da Antiguidade para a construção de seu discurso.

No item dois do discurso II, intitulado de: “Digressão exortatória aos Párocos para que
ensinem a Doutrina Cristã aos escravos, com têm de obrigação”, Benci nos diz que:
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A doutrina e a instrução dos seus escravos no que toca à sua salvação e bem de suas
almas, deva correr por conta de seus Curas e Párocos, só o poderia duvidar quem
ignorasse a obrigação precisa, que têm os Pastores de Almas de dar o pão espiritual
a suas Ovelhas. (BENCI, 1977: 91)

Sendo todos os homens filhos de Deus, os religiosos são pastores dos cativos, tanto pelo
direito canônico quanto pelo divino, e é obrigação destes religiosos doutrinarem os servos,
“pela maior necessidade que há neles de doutrina, por causa de sua natural rudeza e
ignorância”. (BENCI, 1977: 91)

Entretanto de acordo com Benci, existem religiosos que só ministram a Doutrina para os
brancos e livres, pois esperam recompensas materiais em troca, e os negros cativos nada
podem dar em troca. Esses religiosos são condenados ao Inferno, pois não são verdadeiros
cristãos.

Mostrareis, que sois verdadeiros Pastores, e não mercenários, que olham somente
para o interesse e a conveniência própria e não para o bem de suas Ovelhas: e
justamente seguires o verdadeiro exemplar de todos os pastores, Jesu Cristo, que
disse, falando se si mesmo, que o enviara o Eterno Padre e mandara ao mundo
doutrinar e evangelizar unicamente os pobres. (BENCI, 1977:92- 93)

Se Jesus Cristo foi missionário enviado por Deus para evangelizar todos, como os
religiosos coloniais se negavam a tal? Era necessário que estes religiosos se desfizessem de
interesses materiais e se focassem na missão de deputados de Cristo, escolhidos por Deus para
doutrinar os cativos.

Não só no tempo da Quaresma, mas em todos Domingos e Dias Santos, como


manda o Concílio Tridentino; e vereis que com essa continuação e repetição se há-de
abrandar e quebrar a dureza dessas pedras, e se transformarão em bons e verdadeiros
Cristãos. (BENCI, 1977: 96)

Esse ensinamento aos cativos não deve ser superficial, só com perguntas sobre a
Quaresma, ou sobre os Mandamentos e Orações para poder receber os Sacramentos, como diz
Benci, pois muitos destes escravos rezam, mas não sabem ou não entendem o que rezam. É
preciso que os servos “entendam o que dizem, percebam os mistérios que hão-de-crer, e
penetrem bem os preceitos que hão-de guardar” (BENCI, 1977: 94). Os religiosos devem dar
o pão da doutrina Cristã aos sevos, ensiná-los com paciência, ensinando-os quantas vezes
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forem necessárias, dando exemplos palpáveis e entendíveis aos cativos. Se o escravo for rude,
o jesuíta nos diz que deve ensiná-lo mesmo assim, para este possa deixar de ser rude.

Não adianta ensinar a doutrina uma vez ao ano apenas, às pressas, o ensino deve ser um
processo contínuo. No texto Benci fala que é uma ignorância isto que ocorre no Brasil,
“ignorância tão geral e comum” (BENCI, 1977: 94), fazendo uma analogia bíblica ao Livro
de Isaías7, no que tange o Destino do Povo de Israel, com as Invasões Holandesas8 no período
colonial, Benci constata que tanto povo de Israel quanto o povo do Brasil foram castigados.

Para evitar pois todos esses castigos e gerais destroços , apliquem os Párocos e
Senhores o maior de seus cuidados em dar o pasto espiritual às almas dos Pretos,
inculcando-lhes, uma e muitas vezes, a Doutrina Cristã e os mistérios da Fé.
(BENCI, 1977: 98)

No discurso de Benci percebemos o castigo de Deus aquelas nações que não o obedecem.
E o povo do Brasil peca quando não doutrina seus cativos como manda a lei cristã, desta
maneira para evitar punições Divinas os senhores de escravos e os religiosos devem dar o
alimento espiritual aos escravos.

Compreendemos que o intuito de missão vindo do ideal de Portugal como povo escolhido
por Deus, para defender e lutar pela Cristandade serve como suporte para mensagem passada
pelo jesuíta, pois ao propor dar o alimento espiritual aos escravos, vemos este ideal de missão
e de Cristandade, atrelados e não ditos no discurso de forma literal e clara.

No Brasil Cristão os religiosos devem praticar a doutrinação continuadamente, sem querer


nada em troca, pois estes são enviados diretos de Deus para tal missão, os que não o fazem,
serão castigados com a ida para o inferno e o povo do Brasil também será castigado como foi
o de Israel. A todo o momento as narrativas bíblicas servem de aporte para a construção do
texto Benciano, respaldado pelo ideal de missão e pela pelo ideal de construção de uma

7
Isaias 5:13- “Eis porque meu povo foi exilado: por falta de conhecimento; seus ilustres são homens famintos” .
In: Bíblia de Jerusalém. Op., Cit. p. 1261.
8
Ressaltamos que esta não é a primeira referência de Benci sobre as Invasões Holandesas, em sua obra.
Independente de qual discurso ele esteja dissertando, ele sempre usa a invasão Holandesa como um castigo
divino ao povo do Brasil.
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Cristandade colonial, o jesuíta comporta em seu texto, a obrigação dos senhores de escravos
de dar o pão espiritual aos cativos coloniais.

Conclusão

Essa breve análise do discurso Benciano, nos dá pistas sobre o funcionamento da ideia de
missão no centro da Companhia de Jesus, partindo da premissa que em nenhum momento a
relação senhor/escravo foi colocada em questão, A mensagem do discurso de Benci, é aos
proprietários de escravos do Brasil Colonial, que haviam se afastado dos preceitos morais da
Igreja, e por isso não conseguiam governar de forma correta seus escravos. Ressaltamos que
mesmo com modelo de trato com o cativo Benciano, o trabalho e a punição eram inerentes a
escravidão. O escravo tinha a função de trabalhar e o senhor tinha a obrigação de cuidar das
necessidades básicas de seu escravo, o alimentando, o vestindo, cuidando da doutrinação da
Fé Católica e cuidando de sua saúde, deste modo, deveria haver uma reciprocidade de deveres
entre senhores e escravos. O discurso de Benci e de outros jesuítas do período que abordaram
a temática da escravidão, como Antonio Vieira, Antonil e Manoel Ribeiro da Rocha, definem
lugares sociais na lógica da sociedade escravista colonial.

Fontes

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BENCI, Jorge. Sermam de S. Felippe Neri. Pregado em Recife, em 1701. Publicado em
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Bibliografia

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