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A Rainha Deusa
Parte Um
Eu era a filha dos Titãs e como tal, sempre aceitei o fato de que eles iriam
governar. Eles foram, sem dúvida, os seres mais poderosos do universo, depois de
tudo. Eles controlavam tudo e todos. Eles eram nossos fabricantes. Eles eram os
nossos deuses.
Ele não era natural. O que nós, os captores de Titãs, a nova geração dos
deuses, teríamos que ter medo? Mas quanto mais eu tentava imaginar o futuro,
mais claro se tornou para mim. Não tínhamos herdado apenas o trono dos Titãs.
Nós tínhamos herdado suas responsabilidades também. E se estávamos ou não
prontos para isso, o mundo estava esperando por nós. A humanidade dependia
de nós para fazê-lo direito.
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quilômetros. — Tente vencer isso, — disse Zeus, dando cotoveladas no meu irmão
do meio, Poseidon.
— Não fique tão azeda, Hera, — disse Demeter, minha irmã. Ela ficou ao
meu lado, um sorriso brincando em seus lábios, enquanto observava os nossos
irmãos lutarem. Como ela poderia encontrar diversão em sua falta de
maturidade, me deixou perplexa.
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— Eu não iria tão longe ainda. — Nosso irmão mais velho, Hades, veio ao
meu lado, seu cabelo escuro dava chicotadas em seu rosto ao vento. Ele me
ofereceu um pequeno sorriso, seus olhos brilhavam com inteligência. Algo que
faltava em nossos outros irmãos. —Você fez bem, irmã. Se não fosse por você, nós
nunca teríamos conseguido.
—Dificilmente, eu ouso dizer que você deve governar todos nós, — disse
Hades.
Ele teve sorte, que eu estava exausta e cansada após a batalha, senão eu
teria feito que ele nunca tivesse chance de piscar para mim ou qualquer outra
garota novamente. —Você está dizendo que uma mulher não pode governar? —
eu disse.
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Zeus deu de ombros e passou os dedos pelo cabelo dourado. — Talvez, mas
eu fui o único que nos levou para a vitória. Todos nós podemos ser reis e rainhas
por nossos próprios direitos e há muito para governarmos. Mas, tanto quanto um
líder supremo é-
— Hera ganhou a guerra para nós, — disse Hades em sua voz tranquila e
medida. Como ele foi capaz de ficar tão calmo em face da arrogância descarada,
me deixou perplexa. Zeus pode ter sido responsável pela maior parte da força
bruta contra os Titãs, mas ele não era mais poderoso do que o resto de nós. E ele
era o mais novo e de longe o menos preparado para lidar com as
responsabilidades da liderança.
— Enquanto isso for uma regra igual, eu aceitarei, — eu disse. Pelo menos
dessa forma, as chances de Zeus e Poseidon causando estragos, foram
consideravelmente diminuídas.
— Sim, — disse Zeus fingindo paciência, como se eu fosse uma criança que
tinha que ser falado lentamente, a fim de compreender qualquer coisa. —Como
eu disse, a humanidade nunca iria seguir uma rainha.
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As bordas da minha visão ficaram vermelhas, cerrei minha mandíbula com
tanta força que eu poderia ter quebrado diamante entre meus dentes. Mas Zeus
continuou como se ele não percebesse e três pedras cinzentas apareceram em
sua mão. — Poseidon, — disse ele com um arco grande, como se estivesse
fazendo um favor a ele, deixando-o escolher primeiro.
Poseidon estreitou os olhos e tocou cada uma das três pedras. — Eu sei
qual domínio que você deseja, — disse ele. — E você sabe qual o domínio que eu
quero. Então, por que você não me diz qual escolher?
— Pensei que você poderia gostar disso. — Zeus voltou-se para Hades e
ofereceu-lhe as pedras remanescentes. — Irmão.
Hades olhou para ele por um longo momento, não era difícil ver o que
estava acontecendo, debaixo de sua máscara de neutralidade. Permitindo a Zeus
ter o domínio do céu e regra final sobre a vida era muito perigoso. Zeus não
estava preparado para isso, mas, se este conselho era realmente para funcionar,
então, talvez, todos nós poderíamos temperar ele. Então novamente, forçar Zeus
ao Submundo para se misturar com os mortos mataria a luz dentro dele, a
mesma luz que tinha nos reunido, mesmo quando achávamos que tudo estava
perdido. Zeus não foi feito para permanecer entre os mortos. Simplesmente não
era o seu lugar no mundo e todos nós sabíamos. Mas isso não queria dizer que
ele estava pronto para governar.
Sem quebrar seu olhar, Hades pegou uma das pedras restantes e embalou
na palma da mão. Prendi a respiração, finalmente, a pedra explodiu em chamas,
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uma luz inesperada no escuro. O Submundo. É claro que Hades iria sacrificar-se
pela felicidade de nosso irmão.
—É isso que você quer? Mais anarquia e dor para a humanidade? — Ele
ergueu-se em toda sua altura, um trovão estrondoso em torno dele. Nesse
momento, um flash de nosso pai apareceu em seu rosto e eu dei um passo para
trás. —Você condena-nos a outra guerra, se você insistir em não permitir ter o
meu lugar de direito.
— Por que é o seu lugar de direito e não o meu? Por causa do meu sexo? —
Eu cuspi, soando muito mais corajosa do que eu sentia, na crepitante cara
poderosa do meu irmão. Embora a minha facilmente fosse rival, era tranquila,
discreta, do tipo que você não sabia que estava lá até que fosse tarde demais. Eu
nunca poderia mostrar o meu poder de uma maneira tão intimidante.
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Virei no meu calcanhar e segui em direção ao centro da ilha. Seria um
lugar bonito para viver se não fosse à cicatriz de terra escura, que levava direto
para o mundo subterrâneo, onde Cronus e os outros Titãs agora residiam. Talvez
não fosse uma coisa tão terrível que Hades tivesse desistido do Olympus, depois
de tudo. Pelo menos ele poderia ser confiável para não deixar Cronus escapar das
profundezas do Tartarus.
Eu parei. Foi Hades, não Zeus, que me seguiu. Na escuridão ele parecia
muito bem como nosso pai para o meu conforto, mas estávamos acostumados a
isso agora. Ele poderia mudar a sua forma, como o resto de nós poderia, mas eu
não tinha dúvida de que ele iria manter sua aparência natural, determinado a
não deixar Cronus ditar quem e o que ele era.
— Eu sinto muito por Zeus, — disse Hades calmamente. —Você não merece
ser tratada dessa forma.
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— Eu não vou governar ao seu lado.
— Eu não culpo você. — Ele tocou no meu ombro. —Você merece algo
melhor do que o modo que ele iria tratá-la.
Algo vibrou na minha espinha, sua mão estava quente e pesada contra a
minha pele. — Eu poderia ir para o Submundo com você, — eu disse. —Você vai
precisar de alguém para ajudá-lo a passar através das almas.
Ele riu suavemente. —Como eu disse, eu não a culpo. Mas algo melhor está
por vir, enquanto isso, você vai ter uma voz igual nesse conselho.
Pelo menos uma pessoa estava. —Você tem certeza que não posso ir com
você?
Ele apertou seus lábios na minha testa. — Eu nunca iria me perdoar pelo
que aquele lugar iria fazer com você. Mas eu vou te visitar muitas vezes, eu
prometo que você nunca estará sozinha.
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Suas palavras me aqueceram de dentro para fora, sufocando a minha
última frustração. — Por que você tem que ser tão bom, Hades? Por que não pode
ser mais como Poseidon e Zeus? Seria mais fácil insistir que muitos de vocês não
estavam aptos para governar.
— Então, podemos esperar que isto dure muito mais do que poderia. — Ele
me abraçou por um breve momento antes de deixar-me ir. — Não esqueça o seu
valor.
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naquele momento poderia ter significado uma batalha ou uma virada que não
tínhamos visto chegando. Nós dedicamos cada momento para estratégias e
observações, nenhum de nós tinha conseguido uma boa quantidade de descanso.
Zeus não disse nada por quase um minuto. Até que num momento ele
finalmente falou, eu já voltava para a beira do sono. — Eu te amo.
—Você não seria. Gostaria de me dedicar a você e seu poder. Para você e
seu brilho. Eu vou abandonar as outras, se você insiste que eu preciso, mas eu
quero casar com você.
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Por um longo momento, eu fiquei em silêncio. Qualquer exaustão
persistente que eu sentia tinha desaparecido, deixando-me com perplexidade
correndo em minhas veias. Ele queria se casar comigo? Ele mal podia falar-me
como uma igual, e ele queria que eu dedicasse a minha vida a ele? — Não.
— Mas eu sou o Rei dos Céus, — disse ele, atordoado. É evidente que ele
não esperava nada menos do que um sim. —Você poderia ser minha rainha. Você
poderia ter poder absoluto.
— Eu não quero ser sua rainha, — eu atirei. — E nós sabemos que a sua
definição de “poder absoluto” é poder realmente absoluto segundo a sua visão. Eu
não vou ser a segunda de ninguém, eu não vou casar com alguém que olha por
cima de mim por causa do meu sexo. Agora saia.
Silêncio. Zeus estava boquiaberto olhando para mim e eu olhei de volta. Ele
não iria ganhar um presente. Eu não lhe permitiria colocar uma coleira em mim e
me desfilasse como um ornamento. Eu era a filha de Cronus. Eu deveria ter sido
uma rainha, mas não a sua rainha. Uma rainha em meu próprio direito.
Por fim, ele saiu sem dizer uma palavra. Não seria o fim de tudo, quando
Zeus definia algo em sua mente, nada iria dissuadi-lo, como a Guerra Titãs tinha
provado, mas por agora, eu precisava descansar. Tínhamos apenas visto o fim de
uma batalha. Eu não estava preparada para começar outra.
***
Pela manhã o conselho se reuniu pela primeira vez, passei vários momentos
na frente do meu espelho, em busca de eventuais falhas no meu reflexo. Fazia
quase um mês desde o fim da guerra, dando-nos todo o tempo para avaliar os
danos e fazer o possível para curá-lo. Enquanto nossos irmãos tentaram formar
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uma aparência de ordem dentro de seus novos domínios, minhas irmãs e eu
tínhamos percorrido a terra, observando a humanidade e descobrindo as
passagens naturais entre os três reinos. Toda vez que tinha encontrado uma
caverna que levava ao Submundo, eu havia tentado descer e visitar Hades, mas
minhas irmãs tinham insistido que ele estaria muito ocupado. Eu não tinha tanta
certeza, mas a última coisa que eu queria fazer era sobrecarregá-lo ainda mais.
Tecnicamente Zeus deveria ter vindo com a gente, mas eu suspeitava que
parte da razão para minhas irmãs terem me arrastado para fora do Olympus, era
para ficar longe dele. Ele e eu mal tínhamos falado uma palavra um ao outro
desde a sua proposta e para todos os efeitos, ele parecia ter deixado de lado.
Improvável como era, talvez ele não fosse tão cabeça dura como eu pensava.
Mas agora que estavam todos reunidos de novo, eu não conseguia afastar a
tontura dentro de mim. Talvez tenha sido a ideia de nossa família mais uma vez
se reunir. Nós nunca fomos tão poderosos separados como éramos juntos, depois
de tudo. Eu sempre imaginava no que o amanhã traria, no entanto, tudo o que eu
podia imaginar agora era um rosto: Hades.
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sem sentido. O que deixou apenas uma pessoa que teria o dom de algo tão
extravagante.
Hades.
Seria possível que ele estava tão animado em ver-me como eu estava para
com ele? Talvez depois de um mês sozinho no Submundo, ele viu seus sentidos e
decidiu me pedir para ser sua esposa, depois de tudo. Minha excitação aumentou
dez vezes, eu praticamente saltitei até o céu azul e o sol, ainda segurando a pena.
Enfim, uma chance de escapar. A chance de escolher meu próprio destino. E eu
não tinha nenhuma dúvida sobre isso, eu teria escolhido Hades de novo e de
novo, até o fim dos tempos. Especialmente sobre Zeus.
Não, não nada. O momento que entrei na sala do trono, o meu coração se
afundou. Zeus, Poseidon, Demeter e Hestia já estavam lá, esperando por mim,
mas o trono de Hades estava vazio.
— Bom dia, — disse Zeus. Ele tinha envelhecido alguns anos, mas nem
mesmo uma barba poderia fazê-lo parecer como um rei. —Agora que estamos
todos aqui, eu vou chamar este encontro-
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— Hades não virá, — disse Zeus, parecendo irritado.
Zeus limpou a garganta e apontou para mim. — Eu vejo que você tem o
meu presente. Considere como um pedido de desculpas, pelo modo como lhe
tratei. Gostaria de dar-lhe os céus, se eu pudesse, mas Demeter insistiu que algo
mais simples seria melhor.
Ele viria na próxima vez. Ele não quebraria sua promessa. Não para mim.
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Hades não veio na próxima vez, ou na próxima, ou o tempo depois disso.
Finalmente, quase um ano após o fim da guerra, o seu trono não estava mais lá.
Mas o que eu faria com o espaço vazio dentro do meu peito, onde a
esperança com uma vida feliz uma vez tinha sido levada para longe de mim. Ele
representava tudo o que eu queria - respeito, compaixão, honestidade e
maturidade que Zeus nunca poderia esperar obter. A possibilidade de vida como
um parceiro igual. E, com uma única decisão, ele destruiu todos esses sonhos.
Assim que a reunião terminou, eu fugi para a terra. Era verão e a floresta
estava exuberante com cores. Folhas verdes, flores vermelhas e roxas, o céu azul
e o solo marrom deveria ter sido bonito, mas eu estava cega para tudo, exceto a
traição de Hades.
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nenhuma alegria na vida sozinha? Eu queria compartilhar isso com alguém,
compartilhar os laços de respeito e fidelidade, saber que para alguém no mundo,
eu era a sua vida. Mas eu nunca teria isso agora. Não com alguém que nunca
poderia ter a esperança de ser o meu igual, eu nunca poderia estar com alguém
que olhasse para mim como algo menos. Hades tinha sido minha única
esperança.
Apesar do desgosto da manhã, eu sorri. —Você pode voar agora, você sabe.
Você não tem que ficar comigo.
Ele pulou da minha palma até as pontas dos meus dedos e finalmente, ele
se espalhou em suas asas. Quando ele saiu, eu senti que uma chave tinha sido
enfiada em meu peito e só trouxe outra nova onda de lágrimas. Todo mundo ia
me deixar, eventualmente, dado tempo suficiente.
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Outro chiado e ele tomou alguns fios do meu cabelo em seu bico. Eu
consegui dar um pequeno sorriso.
— Nós não somos tão diferentes, eu e você, — eu disse com ele empoleirado
no meu dedo. Nós sentamos em uma pedra, banhando no brilho quente do sol da
tarde. — Eu também estou por conta própria.
Perto dali, uma árvore sacudiu na brisa e o pássaro dançou de uma ponta
do meu dedo para o outro. Ele sabia que podia voar, mas ele permaneceu aqui
curando algo dentro de mim. Finalmente, alguém estava escolhendo estar
comigo.
— Meu irmão - meu outro irmão, ele quer se casar comigo, — eu disse. A
ave inclinou a cabeça novamente e eu sorri. — Ele é o Rei dos Céus - seu rei,
mesmo que você não saiba. Eu duvidava que ele pudesse fazê-lo em primeiro
lugar, você sabe. Nós todos pensamos e ele provou que estávamos errados, isso
só faz doer ainda mais. Alguma vez você já quis ser necessário, tão forte que você
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sentiu como se seu coração fosse explodir? — Ele pulou do meu braço, subindo
até que ele se sentou no meu ombro novamente. Eu ofereci-lhe o meu dedo, mas
ele permaneceu.
—É claro que você não tem. Mas meu irmão Zeus, ele só me quer como um
ornamento. Algo para fazê-lo parecer mais forte. Ele não me vê - ele não me ama.
Ele adora o meu poder. E mesmo se eu concordar em casar com ele, ele nunca
seria fiel a mim. Eu nunca seria igual a ele e insistiria em me fazer curvar para
ele. Essa não é a vida que eu quero.
Outro chiado e seu pequeno corpo quente roçou contra a curva do meu
pescoço.
Mas ele não voltou. A floresta nunca foi silenciosa, com as folhas
farfalhantes, ondas suaves em volta do lago, inúmeros outros sons misturados
em harmonia natural e me esforcei para detectar quaisquer sinais de seus
gorjeios. Nada.
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Eu enterrei meu rosto em minhas mãos e sem qualquer pensamento de
dignidade, eu chorei. Por mim, pela vida que eu nunca teria, pelas eras que
nunca iriam acabar. Por causa da esperança que tinha sido roubada de mim uma
e outra vez, até que diminuiria em nada.
— Hera?
Eu endureci, silenciando-me. A voz tinha sido muito abafada por mim para
torná-la de forma adequada, mas era do sexo masculino. Um dos meus irmãos.
Hades?
Eu fechei os olhos. Ele poderia se desculpar tudo o que ele queria. Não
mudaria nada.
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—Você é a melhor de todos nós, Hera, — disse ele calmamente. —Você é a
mais forte, a mais inteligente, mas também é a mais merecedora e você é a mais
bela garota que eu já vi. Não apenas por fora, mas por dentro, também. — Isso
era uma mentira e nós dois sabíamos disso. Hestia era a mais amável, a mais
delicada e Demeter era a mais equilibrada de temperamento. Eu tinha o poder e
orgulho. Eu não estava contente com o que estava diante de mim.
— Eu te amo. — Zeus colocou sua mão no meu ombro, como Hades fez na
noite que tínhamos vencido a guerra. — Não como um ornamento. Não como uma
conquista. Eu vejo você e eu te amo.
— Hera. — Houve um comando em sua voz tão parecido com o nosso pai,
que mesmo eu não poderia resistir, parando e voltando-me para encará-lo. Nesse
instante, meu pequeno pássaro pegou o lugar de Zeus, voando perto de mim
antes que ele se transformasse de volta. Zeus estava apenas a trinta centímetros
na minha frente agora. — Tudo o que você quer, é isso que eu quero ser para
você. Por você.
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— Eles são os meus segredos, também. — Zeus pegou a minha mão com
delicadeza que eu estava certa de que ele não era capaz de ter. Eu me afastei e
sua expressão abalou. — Por favor, Hera – eu estou só. Eu estou sobrecarregado.
Eu não quero nada mais do que alguém para compartilhar minha vida. Não para
governar como os Titãs fizeram. Mas uma igual em todos os sentidos da palavra.
— Eu balancei a cabeça. Ele só estava repetindo as coisas que eu
inadvertidamente lhe disse, e eu não iria deixá-lo ter seu caminho em meu
coração.
—Você está mentindo. Você nunca poderia ser fiel a mim, eu não vou me
contentar com nada menos do que a fidelidade absoluta.
— Então você vai ter. As outras mulheres não são nada comparadas a você,
eu só quero você. Eu só preciso de você. Eu sou seu e serei para sempre seu,
apesar das estações que passam. Eu farei qualquer coisa para provar a você,
Hera.
Eu olhei para ele. Ele não podia estar falando sério. Qualquer jogo que ele
estivesse jogando, eu não era nada mais do que um peão, um caminho para ele
se entreter, ignorando as responsabilidades de seu domínio.
Mas ele tinha sido um governante justo até agora e ele já não era o menino
que tinha nos levado durante a guerra. No ano de nossa vitória, ele havia se
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transformado em um homem jovem, eu tinha quase um orgulho de lhe chamar de
irmão. Relutante quanto eu tinha de admitir, até mesmo para mim.
— Eu não vou lhe dar uma resposta agora, — disse após algum tempo. —
As palavras são fáceis de falar, mas eu quero que você me mostre que você quer
dizer isso. Eu vou dar-lhe uma chance. Se você quebrar a minha confiança de
qualquer forma, ou se você me tratar como qualquer coisa menos do que sua
igual mesmo por um momento, acabamos. Mas se você me provar que quer dizer
isso, que você mudou e está disposto a fazer isso, então, quando for a hora certa,
eu vou me casar com você.
Incerteza atravessou seu rosto, mas se foi antes que eu pudesse comentar,
ele se levantou. — Muito bem. Você tem a minha devoção. — Ele roçou os dedos
contra a minha bochecha, meu interior vibrou. —Vou fazer o que for preciso para
provar para você.
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— Bom. — Sem uso permitir Zeus a satisfação de saber o que significava a
promessa dele a mim. Hades tinha me provado aquele dia, uma promessa pode
ser facilmente quebrada. — Estarei esperando seus esforços.
Mais uma vez, ele pegou minha mão. Desta vez eu não resisti.
***
Zeus continuou preso à sua palavra. Eu não tinha imaginado que fosse
possível, mas a partir daquela tarde, ele me tratou como sua igual. Juntos,
governamos o seu reino - nosso reino agora, visitando os seres humanos,
cuidando deles, intervindo quando os problemas se tornavam muito grandes para
eles lidarem pacificamente. A última coisa que precisávamos era de uma guerra
entre os mortais, ambos nos mantivemos ocupados, apagando incêndios quando
eles surgiram. Um dia, eles seriam capazes de governar a si mesmos, mas ainda
não.
A cada noite, Zeus me pedia para casar com ele. Depois de cada proposta,
eu dizia não. Mas a sua determinação nunca vacilou, com o passar do tempo, eu
já não podia negar que ele tinha mudado. Os dias de luta na lama com Poseidon
foram embora, eu estava orgulhosa de estar ao lado dele como sua rainha, como
sua igual. Meu afeto por ele era profundo, embora algumas noites eu me
perguntasse como seria a minha vida com alguém que eu estivesse realmente
apaixonada, eu sabia que não encontraria melhor oferta.
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Então, depois de um dia que não tinha sido nada mais do que a média na
superfície, mas tinha sido discretamente extraordinário porque eu passei com
Zeus - eu disse sim.
Por fim, uma vez que ela tinha terminado com o meu cabelo, me virei para
encará-la. —Diga.
— Seja o que for que você está pensando. Eu posso ver a sua desaprovação
com os dois olhos fechados, eu não vou ter a minha irmã infeliz no dia do meu
casamento.
Eu sabia o que estava vindo, mas algo dentro de mim estalou. — E por que
isso? — Eu disse, não me preocupando em esconder o desafio na minha voz. Ela
não tinha o direito de questionar minhas escolhas. Ela tinha escolhido viver sua
vida sozinha até agora e eu não era mais fraca do que ela por escolher o oposto.
— Meu bem estar? Eu ouso dizer que é muito mais profundo do que isso,
não é mesmo, Demeter?
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— Hera — disse Hestia, mas eu a cortei.
—Você ouviu falar alguma coisa? — Eu disse. —Já o viu fazer algo, que
possa fazer você questionar sua fidelidade a mim?
— Não, mas...
— Se você tivesse uma prova, se você tivesse testemunhas, mas você não
tem, porque ele é leal a mim. Ele me respeita e ele nunca me machucaria de tal
forma. Ele nunca iria me deixar assim.
—Zeus iria dizer ou fazer qualquer coisa para levá-la a se casar com ele, —
disse ela. —É um jogo para ele. Eu não tenho nenhuma dúvida de que ele te ama,
mas isso não significa que ele irá permanecer leal, logo que tenha o que ele quer.
Você deve estar preparada para a possibilidade...
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Seus olhos se arregalaram. — Não, claro que não.
—Você o ama? Você queria estar no meu lugar? Você tem aspirações de ser
sua rainha, Demeter?
Ela poderia muito bem ter me dado um tapa. Eu não queria uma deferência
condescendente. Eu queria que ela tivesse respeito. Seu reconhecimento de que
eu era mais do que uma garota boba que viu o casamento como o fim de
aspiração. Eu queria que ela confiasse em mim para tomar minhas próprias
decisões, em vez de permitir que meus irmãos a ditassem para mim. Era a minha
vida. O que eu escolhi fazer com ela era meu negócio, ela não tinha que falar. No
entanto, com esse gesto simples, ela disse mais sobre o que achava da minha
escolha do que as palavras poderiam expressar e eu a odiava por isso.
—Venha, — disse Hestia, tocando minha mão. — Está quase na hora. Zeus
estará esperando.
***
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Hades estava me esperando na antecâmara.
Senti sua presença, assim que Hestia saiu e até aquele momento, eu não
tinha percebido o quanto eu desejava estar com ele no tempo que ficamos
separados. O calor tomou conta de mim, e eu sorri. Era como se eu estivesse
voltando para casa.
— Eu senti sua falta. — Eu andei para a janela, onde ele ficou olhando
para fora através do céu infinito. — Eu estava preocupada que você tivesse
decidido se separar de nós completamente.
— Nunca. — Ele se virou e seus olhos tomaram conta de mim. —Você está
linda.
— Ela só está olhando para o seu bem estar, — disse ele. — Nós todos
vimos o que Zeus é capaz de fazer e todos nós amamos você. Ninguém quer vê-la
machucada.
Eu balancei a cabeça. — Ele mudou. Você não veio aqui para vê-lo, mas -
ele está diferente agora. Ele provou para mim de novo e de novo, ele me ama. —
Minha voz engatou. — Isso é tudo que eu quero, você sabe. Ser amada e
respeitada.
— Sim, eu sei. — Ele apertou minha mão. —Você está certa que você vai
ser feliz não importa o que as eras tragam?
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Eu tomei uma respiração profunda. — Ele vai manter suas promessas,
Hades. Eu o conheço. E ele me ama.
—O amor nem sempre é suficiente, tanto quanto nós podemos querer que
ele seja.
—Você fez. — Minha voz quebrou, eu deixei ir. —Você fez, Hades. Você
prometeu que viria me visitar. Você disse que estaria lá para mim. Você jurou que
eu nunca estaria sozinha, mas eu estava. Eu esperei por você e você nunca veio.
Silêncio. Ele pegou minha mão de novo e eu retirei. Ele engoliu em seco. —
Eu sinto muito. Eu não percebi.
—O que está feito está feito. — Eu fechei os olhos. Eu tinha que recuperar o
controle. —Você teve a sua chance e agora acabou. Zeus me ama. Ele é leal a
mim, ele me trata como a rainha que eu sou. Ele está lá para mim todos os dias.
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Ele inclinou a cabeça em reconhecimento. —Desejo-lhe todo o amor e
felicidade do mundo, minha irmã. E apesar de eu não ter estado lá como deveria
ter estado, eu estou aqui agora e eu vou sempre estar lá para você, se você
precisar de mim.
—Até então.
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Parte Dois
O casamento foi tudo o que eu sonhei que seria. Zeus falou seus votos com
a autoridade e compaixão de um rei e quaisquer dúvidas que Demeter e Hades
conseguiram plantar na minha mente desapareceram. Eu estava feliz e todo o
mundo celebrou a nossa união. Isso era tudo o que importava.
Aliviada, eu o fiz, tentando adivinhar o que poderia ser. Eu esperava que ele
fosse o meu presente na cama, mas eu ouvi o som de passos leves. Uma de
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minhas irmãs talvez, se ele já não pediu ajuda de Demeter em escolher meus
presentes.
—É uma honra, — ela murmurou. Sua voz era como o mel, muito mais
intoxicante do que a minha jamais seria. Eu a odiava já.
Ele limpou a garganta. — Er, sim, bem claro, Aphrodite vai estar aqui para
ajudá-la com o nosso filho, mas não como uma serva. Como a minha filha e um
membro do conselho.
Horror frio tomou conta de mim. Um membro do conselho. Zeus queria que
ela fosse igual a nós. Igual a mim. — Mas ela é uma criança-
— Ela é minha filha agora, — disse Zeus. — Nossa. E ela vai crescer, assim
como nosso filho. Eles serão ambos membros do conselho e talvez um dia ela seja
sua companheira.
— Mas ela não nasceu em nossa família, — disse eu. — Ela não pode
simplesmente se juntar a nós, antes de ter certeza que ela é adequada para
governar.
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— E como você sugere que façamos isso? — Disse Zeus.
Olhei para a menina com desgosto. A última coisa que eu queria era ela
indo a qualquer lugar perto do meu filho, mas eu senti o olhar de Zeus e a
esperança que emanava dele. Ele tinha feito isso com a melhor das intenções. Ele
não tinha a intenção de insultar-me com um presente que era muito mais bonita
do que eu jamais seria. Talvez ele nem sequer a veja dessa forma, dada à forma
como a jovem parecia.
Mas, quando ela se aproximou, notei algo antigo em seus olhos, algo que
me procurou mesmo quando eu a procurei. Ela não era uma criança. Eu não
sabia de onde ela vinha ou quem ela era, mas não era tão jovem como Zeus
queria que eu acreditasse.
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Sem quebrar seu olhar, eu peguei a mão dela e coloquei gentilmente sobre
o local na minha barriga, onde meu filho agora chutava. Seus olhos se
arregalaram com o movimento e ela riu. — Ele gosta de se mover.
— Ele gosta, — eu disse. — Talvez se você for boa, quando ele nascer, eu
vou deixar você segurá-lo. — Ela assentiu com a cabeça solenemente, mas aquele
olhar antigo não ia embora. Como poderia Zeus ter perdido? A não ser que ele
não tivesse. A menos que ele soubesse que ela era mais velha e tudo isso foi um
ardil.
Não, ele não faria isso comigo. Ele me amava e não me machucaria de tal
forma. Estávamos prestes a acolher um bebê juntos. Mas, mesmo enquanto eu
tentava tranquilizar-me, a minha incerteza se recusou a desaparecer e as
palavras venenosas de minha irmã voltaram para mim.
— Será que Zeus já decidiu que deusa você será? — Eu disse. Todos nós
escolhemos nossas atribuições - as coisas que mais amávamos, as coisas que
vieram naturalmente para nós. Fidelidade para mim, é claro, casamento, que eu
tinha escolhido após o casamento. Fertilidade depois que eu tinha engravidado.
Mas o conselho em sua maioria escolhia para os deuses menores que percorriam
o mundo.
Eu podia. Eu poderia esperar para sempre. Mas a forma como Zeus sorriu,
vendo seu abraço, eu tinha pouca escolha, a não ser abraçar de volta. Se o faria
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feliz, eu o faria. Ele certamente fez muito para retribuir o favor. Mas essa suspeita
permaneceu, uma pequena dúvida que se recusava a ir embora. Antes que eu
aceitasse essa pequena impostora como minha, eu precisaria ter certeza de que
foi tudo que Zeus a tinha destinado para mim. Porque embora eu quisesse
confiar nele, em face do desconhecido, eu mesma tinha minhas dúvidas.
***
Naquela noite, depois de Zeus ter deslizado para fora de nossos quartos
para colocar Aphrodite para dormir, eu o segui. Meus passos em silêncio me
mudavam sem detecção, apesar do bebê que eu carregava. Seu quarto era único,
um dos nossos, onde eu pretendia colocar o berçário do bebê, mas Zeus me
garantiu que seria mais confortável através do salão para o bebê ter seu lugar.
Talvez ele estivesse mais preocupado em obter o seu descanso, mas o
pensamento de estar muito mais distantes do meu filho me comia.
— Eu não acho que ela gosta de mim. — A voz de Aphrodite era quase
inaudível para isso. Eu coloquei a minha mão contra o meu outro ouvido,
determinadas a bloquear qualquer ruído exterior.
— Quem, Hera? — Disse Zeus. Sua voz era como um trovão, mesmo
quando ele tentou sussurrar. — Ela está um pouco surpresa, querida. Ela não
esperava você.
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— Ela vai ser sua mãe, — murmurou Zeus. — E eu vou ser seu pai. Você
nunca vai estar sozinha de novo.
Hades havia feito a mesma promessa para mim. Só que desta vez eu sabia
que Zeus não iria quebrá-la. Não para mim, não para esta menina, não a
ninguém. — Eu realmente gostaria disso, — ela sussurrou.
Eu afastei a cortina e corri de volta para o quarto antes que Zeus pudesse
me descobrir. Ele não estava mentindo, afinal. Mais uma vez, ele tinha provado
que Hades e Demeter estavam errados.
***
— Tenho certeza que Zeus levou isso bem, — brincou ela. Sentada na
cama, ela tocou o rosto de Ares.
Ela balançou a cabeça e algo cintilou em seu rosto, algo que eu não
entendi. — Eu não seria muito boa para ele. Eu acho que eu prefiro plantar raízes
em primeiro lugar. Me encontrar.
38
pensamento de ser uma madrasta não tinha muito apelo para mim, mas lidar
com Aphrodite foi bastante difícil. — Eu não vejo o que ela tem a ver com
qualquer coisa.
— Ela não tem, — disse Demeter. Outro momento se passou entre nós em
silêncio. —Zeus tem uma amante.
Engoli em seco. Não importava quantas vezes nós tínhamos discutido, ela
estava dizendo a verdade, ela nunca me machucaria de propósito. E isso me
deixou com duas opções: negação e jogar o jogo do tolo, ou aceitação e colocar
um fim a isso. Eu nunca tinha sido muito boa em ser tolo.
— Por que me dizer agora? — Meu lábio inferior tremeu, e eu apertei Ares.
— Por que arruinar hoje para mim? — Demeter afundou ao meu lado novamente,
tocando meu rosto. — Ninguém pode arruinar hoje você, — ela murmurou. —
Seu filho está saudável e feliz e ele já te ama muito.
— Então, por que não esperar até depois que eu tivesse um pouco de tempo
para ser feliz com ele? Por que você tem que roubar-me isso? — Eu pisquei
39
rapidamente, lutando para manter-me sem chorar. Eu não daria a Demeter a
satisfação de ver-me desfeita.
40
votássemos contra ele, ainda estaríamos em desvantagem. Mesmo que ele não
conseguisse fazer isso agora, finalmente, ele vai encontrar um caminho.
Demeter ficou quieta por um longo momento. —Você realmente acha que
ele faria isso?
— Hera.
— E se ele acha que eu vou deixá-lo fugir, me tratando com tão pouco
respeito, eu vou-
— Hera.
Demeter chegou para Ares e eu parei. Ele estava chorando agora, seus
gritos altos o suficiente para acordar todo Olympus. Anestesiada permiti que o
pegasse. — Eu preciso encontrá-la, — disse eu, meus braços frios sem o peso do
meu filho. — Ela não pode dar à luz. Ela não pode destruir o conselho assim.
— Não é culpa dela, — disse Demeter. — Estou certa de que Zeus mentiu
para ela. Mesmo se ele não o fez, esta é uma escolha que ele fez. Ela não o
seduziu.
Ela abriu a boca, mas antes que ela pudesse dizer uma palavra, parecia ter
pensado melhor. Por fim, ela concordou. — Faça o que você deve. Eu te amo.
41
E, com isso, saí da sala, determinada a fazer tudo o que eu tinha que ser
feito, a fim de parar esta atrocidade.
***
Várias noites depois, Zeus invadiu nossa câmara. —O que você fez?
O rosto dele ficou do rosa ao vermelho, para um tom de roxo que não
poderia ser natural, relâmpagos brandiram com os punhos cerrados. —Você sabe
o que, — ele finalmente disse com sua voz de trovão. —Leto está em trabalho de
parto por dias.
— Não jogue esses jogos comigo, — ele rosnou. —Você vai desfazer tudo o
que você fez de imediato.
—O que eu poderia possivelmente ter feito e por que eu teria feito isso? —
Eu afastei uma mecha de cabelo de Ares de seus olhos. Um bebê tão lindo. Ele
merecia muito mais do que o pai que tinha.
42
Relâmpago rachando fora da varanda, a poucos metros de distância de
onde nós colocávamos. Se Zeus pensou que suas ameaças iriam me assustar, ter
complacência, ele estava muito enganado. Um tempo depois, porém, seus ombros
afundaram e ele estendeu a mão para mim. — Hera, meu amor, eu sinto muito.
Eu cometi um erro, grave.
Bati na mão dele. — Pelo que eu ouvi, você fez vários erros. Quantas
amantes você já teve desde que nos casamos?
— Mentiroso.
Ele apertou seus olhos fechados, como se estivesse sentindo dor. — Hera,
por favor.
— Eu sou leal a você, — ele disse, sua voz quebrando. — Para você e
somente você. As outras, não são nada.
— Se elas não são nada, então por que se preocupar com elas, em primeiro
lugar?
— Isso é óbvio.
43
—Ares também é, antes de passar uma semana, você já o obrigou a
enfrentar as infidelidades e mentiras de seu pai. — Fui até a cortina que separava
nossas câmaras do corredor. — Eu não vou ajudá-lo ou a Leto. Tanto quanto eu
estou preocupada, o nosso casamento acabou.
Eu tinha escolhido errado. Eu deveria ter esperado. Hades nunca teria feito
isso para mim. Eu deveria ter ouvido a ele, a minha irmã, a minha consciência,
mas eu tinha sido cegada pelas promessas de Zeus e meu orgulho. Eu pensei que
eu poderia mudá-lo. É evidente que eu estava errada. E agora todo o conselho iria
sofrer por mim.
44
Não. Eu não permitiria que tudo o que tinha trabalhado fosse cair. Não
importa o que Zeus parecia pensar, todos nós éramos iguais no conselho. E
enquanto os gêmeos nunca chegassem, desde que ele nunca tivesse a chance de
colocá-los entre nós, então ele ainda era apenas uma voz.
— Eu vou ficar com você, — eu disse grossa, olhando para o nosso filho.
Meu filho. — Eu não vou te perdoar, mas vou ficar. E em troca, você nunca vai
ver essas crianças ou outra mulher novamente.
Ele colocou a mão nas minhas costas, o calor entre nós mais quente do que
a mais quente forja. — Muito bem. Eu sou e sempre serei seu.
***
Nos próximos três dias, eu esperei por notícias. Evitei meus deveres tanto
para o reino e como para Zeus, querendo lhe dar um gostinho do que seria
governar sem mim. Talvez nos primeiros dias ele pudesse ter lidado com isso por
conta própria, mas agora o reino era muito grande para qualquer pessoa governar
sem as coisas deslizarem através das rachaduras. Eventualmente, ele iria
descobrir o quanto ele precisava de mim.
45
pássaro ferido, sabendo que se Zeus quisesse me encontrar, que seria o primeiro
lugar que ele iria olhar. E eu não seria enganada por ele novamente.
—Vai ficar mais fácil, você sabe, — disse Demeter, apareceu em uma praia
de areia branca, em busca de conchas para Ares. — Eventualmente, a mágoa e a
raiva vão desaparecer.
—Às vezes. A maior parte do tempo. Mas há uma parte de mim que sempre
vai permanecer encolhida por causa do que seu pai fez.
— Então, esconda e nunca a deixe ser vista, nem mesmo por si mesmo.
Concentre-se no que é bom, eventualmente, a felicidade virá tão facilmente
quanto.
—Você fez, não foi? — Ele agarrou meu ombro e me puxou para perto. —
Você enviou a serpente para Leto.
46
Ele colocou sua boca em uma linha fina. Eu esperava que a raiva nascesse
da tristeza e angústia, mas eu só vi frustração. — É aí que você está errada, —
disse ele calmamente. — Eles sobreviveram. E você nunca vai encontrar Leto
novamente.
Eu não sei quanto tempo eu fiquei sentada lá, o sol brilhando sobre mim e
as ondas quebrando à costa, apenas alguns metros de distância. Demeter ficou
ao meu lado, eventualmente, Ares acalmou, mas eu não conseguia encontrar a
paz eu mesmo, não importa o quanto eu tentasse.
—Você não sabe com certeza, — murmurou Demeter. — Talvez eles pensem
por si mesmos. Athena tem uma boa cabeça em seus ombros, eu não posso
imaginá-la sendo desviada de algo que ela acredita.
47
— Ela me odeia por substituir a mãe dela. Ela nunca vai votar comigo sobre
qualquer coisa, especialmente contra seu pai.
Ela passou os dedos pelo meu cabelo. —O fim do tempo ainda não chegou.
Ainda há muitas oportunidades de ter filhos e até mesmo os números.
— Ele não vai me tocar agora. Ele sabe que eu estou tramando algo. Mesmo
que ele não seja burro o suficiente para acreditar que eu o perdoei tão
rapidamente.
Ou Zeus não o fez, por menos. —O que, então? Quantos filhos ilegítimos
mais será que ele tem?
48
— Eu não sei, — disse ela suavemente. — Muitos como ele quer, eu
suponho.
— E enquanto isso, ele vai me deixar com apenas Ares. Eu nunca vou ter
filhas, eu nunca vou ter outro filho. A menos que — Eu parei. Claro. Por que eu
não pensei nisso antes? Seria quase fácil demais, usar a fraqueza de Zeus contra
ele, e com paciência-
—A não ser o quê? — Disse Demeter. Eu não respondi. — Hera, a não ser o
que?
Ela franziu o cenho. —Você está miserável o suficiente como é. Por que
colocar-se na linha de fogo mais uma vez?
— Porque quando ele tomar outra amante - e ele vai, nós duas sabemos
que ele vai - estou indo para ter certeza que serei eu.
***
Mas enfim, quando a lua cheia brilhava sobre a minha forma, eu o vi. Ele
estava emoldurado pelas árvores na distância, seu cabelo fazendo cócegas em
seus ombros na brisa, e por um momento eu quase esqueci porque eu o odiava.
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Se ele me reconheceu ou não, eu não poderia dizer, e eu prendi a respiração
enquanto ele lentamente fez seu caminho pela areia em direção a mim.
—Olá, — ele murmurou em uma voz que ele nunca tinha usado comigo. —
Qual é o seu nome?
Alívio passou por mim, tão palpável como o licor de ouro em minhas veias.
Ele não me reconheceu. E, finalmente, pela primeira vez em meses, eu sorri para
ele.
***
Nosso caso durou uma noite, mas isso era tudo que eu precisava. Eu
nunca mais retornei para a praia, e se ele veio ou não à procura de sua nova
amante, eu não sabia. Ele nunca mostrou quaisquer sinais de aflição no
Olympus. Então, novamente, eu tinha sido nada mais do que um caso com ele, e
se ele realmente se apaixonou por meu disfarce, então ele foi mais idiota que até
eu suspeitava.
Minha barriga cresceu redonda com o passar do tempo. Eu não fiz nenhum
esforço para esconder isso, apesar de Demeter relatar sussurros e fofocas dos
outros deuses, eu não me importava. Se eles soubessem ou não, este era um filho
legítimo. O que eles pensavam não importava.
— Por que você fez isso? — Eu disse, suspirando quando o pássaro decolou
da minha varanda. — Nós estávamos tendo uma boa conversa.
50
— Tenho certeza de que você estava. — Ele bateu com o punho na parede
com tanta força que eles devem ter ouvido isso do outro lado do Olympus. —
Quem é ele?
— Eu não quero dizer o bebê, — disse ele com os dentes cerrados. —Diga-
me quem é o seu consorte.
—Chega, — Ele trovejou e antes que eu pudesse piscar, ele pegou meu filho
dos meus braços e saiu para a varanda. O bebê começou a chorar. — Eu não vou
ser tratado desta forma. Eu não vou ser desrespeitado por minha própria esposa.
Eu não vou ser julgado um idiota na frente dos meus deuses e meu conselho.
— Seu conselho? — Eu me mexi para segui-lo, mas meu corpo vazio estava
muito exausto e dolorido para se mover tão rapidamente, quanto os gritos do meu
filho exigiam. —É o nosso conselho, ou já se esqueceu que é meu também?
51
—Artemis e Apollo eram bebês também, quando enviou uma serpente para
matá-los. — Zeus deslocou o bebê, estava sobre a borda com nada além de céu
abaixo dele. —Vamos descobrir se você se prostituiu com um mortal?
— Sua família, — eu cuspi. — Não é minha. Eles nunca vão ser meus.
— E essa - coisa é? — Ele olhou para o bebê, que estava chorando tanto
que seu rosto estava ficando roxo.
Levantei-me para a minha altura. Meu filho não era uma coisa. Ele era uma
pessoa que merecia o respeito e amor de Zeus, embora eu tivesse descoberto que
ele não era capaz, também. — Ele é mais uma família para mim que você jamais
vai ser.
52
Eu não acho que ele seria realmente capaz de fazê-lo. Zeus poderia ter sido
um trapaceiro, ele poderia ter sido um mentiroso, mas ele nunca tinha
fisicamente prejudicado alguém que não o tivesse ofendido ele primeiro. Mas
enquanto eu observava impotente para detê-lo, o bebê escorregou de seus braços
e caiu para a terra.
— Mas...
—Agora ele não terá pai. Não quando ele tentou assassiná-lo. Quando eu
voltar, todo o conselho vai saber o que você fez, eu prometo a você isso. E ao
contrário de você, Zeus, eu mantenho a minha palavra.
Desembarquei no lado de uma montanha, tão alto que eu podia ver o mar à
distância, eu escutei. O lamento do vento quase cobriu os gritos, mas nada no
mundo, nem mesmo o próprio Zeus, poderia manter-me longe do meu filho.
Encontrei-o entre um leito de pedras afiadas, chorando e se contorcendo contra o
53
frio intenso. Embora ele fosse imortal, as pernas estavam presas para fora em um
ângulo estranho e ele soluçou como se ele estivesse com dor real.
Eu iria encontrar uma maneira de destruí-lo, para usurpar seu poder e ter
certeza que ele não pudesse machucar ninguém. Nem eu, nem os nossos filhos e
certamente, nem tudo que o conselho havia trabalhado. Em sua sede de poder e
controle, Zeus tinha criado uma racha diferente de tudo que já tinha visto desde
a Guerra de Titãs. Nesse nesse ritmo, seria apenas uma questão de tempo antes
de outra começar.
***
O tempo passou, embora eu quase não notei. Nós não envelhecemos e Zeus
certamente não cresceu mais sábio, mas eu bebia em todos os detalhes que
podiam ser úteis para derruba-lo com sucesso. Ele não falou comigo depois do
incidente na varanda, mas, para meu alívio, ele ignorou Hephaestus, também.
Não por raiva ou orgulho - as poucas vezes que eu o peguei vendo nosso filho
vacilar em torno de suas pernas coxas ou Ares o desafiando para um jogo de
queda de braço, vi culpa e arrependimento em seus olhos.
Bom. Mas não importa o quanto ele desejava ser uma parte da vida do
nosso filho, eu não iria deixá-lo. E eu há muito tinha envenenado Hephaestus
contra ele, certificando-me de que ele sabia exatamente do que o pai era capaz.
54
Mas, apesar da verdade do assunto, na época em que tinha ido buscar
Hephaestus na terra, Zeus tinha dito o conselho que eu era a única que tinha o
deixado cair. Fora no pânico, numa necessidade para manter seu punho de ferro
no conselho, de seu desejo de me ver sangrar por algo que não fiz – quaisquer que
fossem suas intenções, que Poseidon e seus filhos acreditassem nele. E a partir
de então, nenhum deles tentou me chamar de mãe ou veio até mim com seus
problemas. Assim como eu tinha banido Zeus da minha vida, ele me baniu com
sucesso da sua.
Não importava. Eu não precisava dele. Eu ainda era Rainha dos Céus e isso
era algo que ele nunca iria tirar de mim.
Eu caí dos mortos nas minhas faixas. Demeter se sentou na beira da cama,
as lágrimas fluindo livremente pelo rosto, e Zeus se ajoelhou na frente dela. Ele
apertou as mãos na sua, eu nunca tinha visto tanta dor em seu rosto antes.
Silêncio. Demeter olhou para mim como se estivesse olhando nos olhos das
Moiras, mas Zeus era o que eu focava. Tudo o que ele estava dizendo para
machucá-la, eu teria a cabeça para ele. — Saia, — eu rosnei, soando tão feroz
como qualquer uma das criaturas selvagens que vagavam a terra.
Eu não precisei dizer a ele duas vezes. Ele se levantou e passou correndo
por mim, e logo que ele se foi, eu afundei ao lado da minha irmã. —O que
aconteceu? O que ele disse? Você está bem?
55
Isso só a fez chorar mais. Ela escondeu o rosto com as mãos, sacudindo os
ombros com cada soluço. Eu esfreguei suas costas, mas nada que eu disse a
acalmou. Zeus queimaria por tudo o que ele tinha feito com ela.
Mas ela balançou a cabeça de novo. — Eu fiz uma coisa terrível. Foi
impensado e horrível e - eu não sei o que deu em mim. Basta ver você com seus
filhos, vendo quão feliz você era -
Ela tirou as mãos do rosto o tempo suficiente para eu ver sua expressão
desmoronar. — Eu queria um bebê, — ela sussurrou. — Eu queria uma família
da maneira que você tinha. Eu queria ser feliz - eu queria alguém para
compartilhar minha vida.
A maneira como Zeus tinha falado com ela. A forma como ele segurou suas
mãos. Minhas entranhas torciam com medo. —O que você fez, Demeter? — Eu
sussurrei.
Ela estendeu a mão para mim, mas eu me afastei, e ela quebrou mais uma
vez. — Eu sinto muito, Hera. Eu não estava pensando. Ele ofereceu, e-
Seu corpo inteiro tremeu, e ela mais uma vez escondeu o rosto com as
mãos. Por um longo tempo, nenhuma de nós disse nada. Ela não refutou e eu
56
não pedi a ela para fazer. A verdade fria caiu sobre os meus ombros, gelo sobre o
que restava do meu amor por meus irmãos.
Eu não tinha nada que era meu e só meu para amar. Zeus contaminava
tudo na minha vida que tinha sido bom, roubando-a para longe de mim como um
ladrão comum. Será que ele me odiava tanto por desafiá-lo na ilha? Há muito
tempo que ele estava determinado a me rasgar, peça por peça. Era este o seu
plano? Casar-se comigo, fingir que me amava, fingir que me respeitava, fingir
para me dar tudo que eu sempre quis e em seguida, rasgar tudo fora?
Eu não poderia saber com certeza, mas isso não importava. Se ele tinha
planejado ou não, era exatamente o que Zeus tinha feito para mim. Embora a
Guerra dos Titãs tivesse terminado há muito tempo, em seu lugar, uma nova
havia nascido sem o meu conhecimento. Talvez sem que qualquer um de nós
soubesse. Mas tinha estado lá desde o início e agora não havia como negar isso.
Zeus contra mim. Rei contra Rainha. E Zeus pensou que ele ganhou, com
seu controle sobre o conselho, com sua sedução em minha irmã, a única pessoa
que eu tinha que ainda confiava.
Mas ele estava esquecendo-se de uma coisa: eu era mais poderosa do que
ele. Eu tinha sido a única a vencer a Guerra de Titãs. E eu era a única que estava
indo para destruí-lo.
57
consequências que teria, este foi o caminho que ela escolheu. Eu não iria mostrar
misericórdia para ela.
—Adeus, — eu disse, sem olhar para trás, eu andei por entre as cortinas e
fora de sua vida para sempre.
58
Parte Três
Hades estava esperando por mim na sala do trono, curvado em seu trono
preto diamante, como se estivesse carregando uma carga insuportável. Centenas
de pessoas - almas mortas - sob os bancos diante dele, cada um olhando para ele
com expectativa. Para quê?
— Eu senti sua falta. — Para meu horror, minha voz ficou presa na minha
garganta, e ele se afastou o suficiente para olhar para mim.
59
Onde eles foram ou porque tinha estado aqui, em primeiro lugar, eu não tinha
certeza, mas eu nunca tinha sido tão grata a alguém na minha vida.
Por fim, ele recuou para o seu trono, levando-me com ele. Eu me enrolei em
seu colo, não me importando se não era adequado ou que eu era casada ou
qualquer um que entrasse poderia assumir o pior. Deixei-os. Eu precisava de
Hades. Eu precisava de um amigo.
Ele esfregou minhas costas, sem dizer uma palavra. Finalmente, uma vez
que eu parei de chorar, eu descansava contra ele e respirei fundo várias vezes. —
Demeter está grávida.
Sua mão acalmou entre meus ombros e confusão irradiava dele. —Oh?
—Zeus é o pai.
— Eu poderia ficar aqui com você? — Pela primeira vez em todos os meus
anos eternos, eu parecia uma criança. Mas Hades era a única pessoa que eu
confiava e, ao contrário dos outros membros do conselho, ele nunca iria tirar
proveito da minha vulnerabilidade. Zeus e Poseidon teriam se divertido com isso;
minhas irmãs e a geração mais jovem teriam visto fraqueza. Mas Hades
compreendeu.
60
Permaneci no Submundo por tanto tempo que eu perdi a noção das
estações. A notícia veio de um mensageiro de Zeus quando nasceu a filha de
Demeter, Persephone, enquanto Hades subiu para visitar, eu não poderia
encontrar em mim mesmo para incomodar.
Hephaestus era mais tranquilo, muito mais reservado e seu mancar era um
lembrete constante do que seu pai tinha feito para ele. Eu nunca tive que me
preocupar em ver Zeus nele, ele não poderia ter sido mais diferente do que o
arrogante, insuportável pai. Mas seu mancar nunca foi embora, apesar de meus
esforços, Zeus tinha reivindicado uma participação na sua vida, também.
— Hera?
Demeter.
62
Parei na beira da água e as ondas lambiam meus pés. —Desculpe-me?
—Zeus - ele está decidido que Apollo, Hephaestus e Ares vão se casar com
Persephone, Aphrodite e Athena.
Aquele desgraçado. Ele queria fazer a seus próprios filhos o que ele tinha
feito para mim. —Diga-lhe que nunca vou permitir isso.
Demeter ficou lá tremendo, com mais medo do que eu jamais tinha visto
antes. Ela parecia mais velha agora, mais como nossa mãe, e por um segundo eu
quase não a reconheci. Sua pele estava mais pálida do que antes, ela olhou como
se ela não sorrisse a uma década.
Esta não era a minha irmã. Zeus havia a arruinado também, assim como
ele me arruinou.
— Por favor, Hera, — ela sussurrou. —Volte. Você pode parar isto ele vai te
ouvir. Ele sente falta de você, mesmo ele não queira admitir isso.
Ela engoliu em seco. — Porque quando Persephone tiver idade, ele quer
casa-la com Ares. — O pensamento do meu filho se casar com sua filha fez meu
estômago revirar, como eu tinha certeza que fez o dela, embora por razões
63
completamente diferentes. Ares não era conhecido por sua gentileza. — E quem
você prefere que ela se case?
—Alguém que ela escolher, — disse Demeter calmamente. —Alguém que ela
ame.
— Bom. — Quanto mais dor que ele tiver, melhor. —Vou me encontrar com
meus filhos imediatamente. Agora vai.
64
— Eu teria lutado por seu lugar, — eu disse. — Eu lutaria por você. Agora
eu não tenho ninguém para lutar a não ser eu mesma. Espero que esteja
orgulhosa.
Uma tristeza insuportável caiu sobre sua expressão, ela respirou fundo,
como se expirando qualquer última esperança que tinha. Bom. —Orgulhosa é a
última coisa que eu estou. Você de todas as pessoas deve reconhecer isso. — Ela
acenou para mim uma vez. — Adeus, Hera. Por que vale a pena, eu sempre vou
estar arrependida pelo que fiz com você.
Mas ela tinha se decidido há muito tempo, como eu também. Esse caminho
foi embora agora e não importava o quanto me doía ter minha irmã novamente,
as circunstâncias nunca permitiriam isso. Não mais.
Assim que ela se foi, eu não perdi tempo. Menos de uma hora mais tarde,
eu encontrava Ares e Hephaestus na ilha marcada pelo aprisionamento de
Cronus. —O que vocês dois querem?
Ares zombou. Ele agora era muito mais alto que eu, tinha cortado curto
seus cachos escuros. — Eu nunca vou me casar. Eu não vejo nenhum ponto
nisso. A menos, claro, que fosse com Aphrodite — Ele sorriu, e Hephaestus
franziu o cenho. Aparentemente Ares não era o único que tinha caído sob seu
feitiço. — Não me importaria de ficar com ela.
Sim, Ares era filho de seu pai em cada pedaço. — E você, Hephaestus?
65
— Eu não me importaria de casar, — ele disse em voz baixa, enquanto
observava as ondas lavar suas pegadas desiguais. — Mas eu prefiro escolher a
minha parceira.
Segundos depois, ele apareceu na minha frente. Ele também parecia mais
velho agora, como se ele e Demeter tivessem escolhido a idade juntos. Eu mantive
a minha aparência jovem para combinar com Hades e agora que eu vi Zeus na
minha frente, as diferenças entre eles - tanto dentro como fora - tornou-se
dolorosamente clara. Eu tinha tomado à decisão errada. E, apesar dos momentos
de ouro do meu casamento com Zeus, que trouxeram nossos filhos, eu teria dado
qualquer coisa para voltar àqueles minutos na antecâmara antes do meu
casamento. Eu teria dado qualquer coisa para me casar com Hades.
— Hera. — Sua voz tinha uma mistura de cautela e alívio. —A que devo
esta honra tão esperada?
—Você sabe por que eu estou aqui. — Apesar de sua considerável altura,
eu estava de igual para igual com ele, recusando-me a recuar quando ele olhou
para mim. Ele podia ter soado casual, mas vi relâmpagos em seus olhos. Ele não
tinha me perdoado, assim como eu nunca iria perdoá-lo. —Você não terá minha
66
bênção para qualquer casamento que você mandar seus filhos que eles não
consentirem, — eu disse. — Nem qualquer um de seus casamentos irão produzir
descendentes legítimos.
Ele inclinou a cabeça, como se eu fosse uma criatura curiosa que ele nunca
tinha visto antes. —Você iria negligenciar seus deveres de tal forma?
—É isso que você acha do nosso casamento? — Ele estendeu a mão para
tocar meu rosto, e eu bati na mão dele. —Você pensa em si mesma como uma
escrava?
— E você não pode se casar com outro homem. — Embora ele forçasse sua
voz para permanecer firme, seu rosto ficou vermelho lentamente e seus punhos
estavam cerrados com tanta força que os nós dos dedos estavam brancos. —É
isso que você deseja? Uma eternidade de solidão?
— Não, — ele disse. — E eu imagino que você é tão solitária como eu sou.
—É este o seu jogo final? — Disse Zeus. —Casar com Hades e tornar-se sua
rainha?
67
— Eu nunca vou ser a rainha de ninguém de novo, — eu disse. — Eu sou
uma rainha em meu próprio direito e nem você, nem ninguém nesse maldito
conselho pode tirar isso de mim.
— Mas isso é o que você quer, não é? — Disse Zeus. — Ser mulher de
Hades.
Apertei os olhos. — Eu sou sua mulher quer eu goste ou não. Eu não vou
deixar você fora desse contrato não importa como você tente me seduzir.
—Como você claramente mostrou. Muito bem. Se você deseja iniciar esta
guerra-
68
— Mas você não consegue dizer o que minhas filhas podem e não podem
fazer. Elas são minhas e se o nosso casamento não é nada para você, então o seu
papel como sua madrasta não significa nada, também. Você vai abençoar os
casamentos que eu escolher para eles, ou eu vou responsabilizá-la por traição
contra o conselho, e você vai ser despojada do seu título e domínio.
***
— Não, claro que não, — eu disse. —Vem, você pode me ajudar, por favor?
69
Obediente, ele se moveu atrás de mim, seus dedos cuidadosos comigo,
assumiram para colocar as joias no meio do comprimento da minha trança. Por
um longo momento, ele não falou.
Mais silêncio. Ele tomou seu tempo de terminar meu cabelo, e no último,
quando ele gentilmente colocou a trança de volta por cima do ombro, ele disse, —
Eu estou noivo.
Ele pensou que eu não gostava daqui? Ele pensou que eu fiquei por
obrigação? — Hades, eu não gostaria de estar em outro lugar. Estou feliz aqui.
Com você.
70
Ele balançou a cabeça. — Esse é o truque deste lugar - faz você se sentir
como se você estivesse mais feliz do que você realmente está. Aqui em baixo, você
está se escondendo de sua vida, eu não posso permitir que continue. Você precisa
voltar para o Olympus. Você precisa voltar para a nossa família.
Eu virei tão rápido que meu banco voou para trás, quase batendo os
joelhos dele. — Eu não preciso fazer qualquer coisa que eu não quero fazer, e eu
não quero ir embora.
— Hera-
— Não, você me ouviu, — eu atirei. Eu nunca tinha falado com ele assim,
em toda a nossa existência, mas eu não pude me conter, não mais. — Eu te amo.
Eu te amo mais do que eu jamais amei ninguém. Estar com você - estar aqui com
você, reger a seu lado, me faz feliz. Isso me dá propósito. Você não pode tirar isso
de mim.
Sua expressão suavizou. — Hera, não estou tirando nada de você. Nós
seremos sempre amigos, e você é bem vinda aqui a qualquer momento. Eu
simplesmente não posso mais sobrecarregar você.
71
dele, derramando cada gota de paixão, amor e dedicação que sentia naquele
beijo. Eu não podia perdê-lo.
Por um momento bonito, Hades colocou sua mão no meu rosto, mas ele
não me beijou de volta. Eu não poderia esperar que ele fizesse, não antes que ele
estivesse pronto. Mas ele faria um dia, quando esse dia chegasse-
— Hera, — ele sussurrou, seus lábios roçando nos meus. —Você significa
muito para mim, mas Persephone e eu escolhemos isso. Quando ela tiver idade,
vamos nos casar.
—O que, você o deixaria com raiva? — Limpei meus olhos. —Você faria com
que o conselho quebre? Ele já é rachado, Hades. Temo que já desintegrou.
72
— Não é da maneira que eu quero. — Minha voz estava grossa, tive que
piscar várias vezes para forçar a minha visão voltar ao foco. — Não se vá. Eu
estou sozinha. Eu pensei, eu pensei que você entendesse isso. Eu pensei que você
me via.
— Eu vejo, Hera. Eu vejo, é por isso que eu não posso permitir que você
quebre seus votos, não importa o que o bastardo de meu irmão faz para você.
Você é muito boa para ele. Você é muito boa para todos nós. Somos os únicos que
não merecem você.
— Qualquer coisa.
Na última vez que eu peguei sua mão, apertei-a, tentando memorizar o jeito
que sentia na minha. — Eu vou ter certeza de que Zeus não pode mais machucar
ninguém. Nem eu, nem seus filhos, nem a humanidade, ninguém. Eu quero o seu
apoio.
Respirei e limpei meu rosto mais uma vez. Ele me puxou para um abraço e
eu enterrei meu rosto em seu ombro por uma hora. Fosse ou não convidada para
73
o Submundo, ele nunca mais seria o mesmo, não com a filha de Demeter
observando cada movimento nosso. Não quando ele jamais poderia devolver o
amor que eu sentia por ele, não sem fazer a Persephone o que Zeus tinha feito
para mim.
***
Eu precisava de sete votos. Sete votos para derrubar a regra de Zeus, sete
votos para me intensificar e tomar o seu lugar.
74
Eu dei-lhe um olhar fulminante, mas eu não podia falar mais nada. —Zeus
tem o controle do conselho, — eu disse. Eu não tinha necessidade de participar
de reuniões para saber isso. — E eu suspeito que suas vozes não sejam mais
ouvidas.
— Está aqui para campanha? — Disse Hestia com diversão, mas eu nivelei
meu olhar para ela e seu sorriso desapareceu.
— Mas Zeus-
—Zeus não terá palavra a dizer, não se nós temos a maioria dos votos, —
disse eu.
75
— Não, — eu disse com mais paciência do que ela merecia. —A fim de
evitar isso, devemos redistribuir o poder entre os seis de nós, igualmente, como
sempre tinha sido. Se formos bem sucedidos, Hades concordou em voltar para o
conselho como um membro integral.
Hestia cruzou os braços sobre sua figura completa. Ela também tinha
envelhecido - teria Poseidon, também? Fomos Hades e eu os únicos que
permaneceram jovens? — Se o que você está dizendo é verdade, então eu seria
favorável de reverter, a forma como o conselho foi concebido para ser executado.
Igualmente entre os seis de nós.
Engolir meu orgulho, me ajoelhei no chão diante dela, tomando suas mãos
exatamente como o meu querido marido fez no dia em que ela revelou a sua
gravidez. —Demeter. Irmã, — Eu murmurei, e seu olhar fixo no meu. —Vamos
ser inteiras novamente. Não apenas você e eu, mas todos nós. Nós não vamos
dispensar Zeus - simplesmente restaurar a ordem. Basta cumprir os nossos
deveres para com a humanidade, os mesmos que lutaram com os Titãs.
Ainda assim sua indecisão permaneceu. Era uma pena eu não poder usar
minhas habilidades em meus irmãos, pelo menos não sem que eles soubessem,
mas eu não queria forçar a mão. Eu queria que ela me escolhesse porque ela
achava que era a decisão certa.
76
No fim, ela se desintegrou. — Tudo bem, — ela disse calmamente. —Você
tem o meu voto.
— Porém nós ainda não temos os números, mesmo com Ares e Hephaestus,
— disse Hestia, e eu endireitei.
***
77
estava sozinha. Encostado à parede estava Ares. Aparentemente, seu interesse
não era um desejo simples.
Ares abriu a boca para dizer algo, mas Aphrodite rapidamente o cortou. —
Nada que não possa ser retomado em um momento posterior. Sinto muito, você
quer falar com ele?
—Como parece, eu vim para ver você. — Virei-me para o meu filho. —Você
não se importaria de nos dar um minuto, não é, querido?
—Ah, tudo bem, — disse ela, acenando com a mão. Ela sentou-se e passou
os dedos por seus cachos loiros. —É bom ver você de novo. Ares não me disse que
estava vindo para uma visita.
— Isso é porque eu não estou aqui para uma visita. — Eu me forcei a sorrir
como se isso fosse tudo ideia minha. — Eu voltei para o Olympus.
Ela sorriu e saltou para mim antes que eu tivesse a chance de me afastar.
Pegando-me em um abraço, beijou as duas bochechas. —Oh, isso é fantástico!
Ares ficará tão satisfeito. Ele sentiu sua falta, você sabe.
78
Aphrodite fez uma careta. —Oh, ele fez, tudo bem. Ou - eu acho que
Hephaestus sugeriu, embora na verdade papai nunca me deu a chance de dizer
não -
— Espere. — Eu fiz uma careta. —Você quer dizer que Hephaestus vai se
casar com você?
Ela assentiu com a cabeça tristemente. — Quer dizer, eu tenho certeza que
ele é um cara bom e tudo, só não faz meu tipo, sabe? Eu preferiria escolher,
mas... — Ela encolheu os ombros. — Papai é o chefe do conselho.
Tudo não poderia ter sido mais perfeito, se os próprios Fates tivessem
intervindo. Talvez eles tenham. Eu não culpei Hephaestus – sem duvida Zeus
havia orquestrado a coisa toda, sabendo o quanto me incomodaria ver meu filho
se casar com uma mulher que não o ama. Mas ao fazê-lo, Zeus tinha
involuntariamente feito sua própria armadilha.
Eu coloquei a minha mão sobre a dela, com mais carinho que eu já havia
mostrado a ela. —Você gostaria de escolher com quem você se casaria? Ou não
ter de se casar?
Seus olhos se iluminaram. —Você pode fazer isso? Você poderia falar com o
papai e convencê-lo de outra forma?
79
— Todo mundo já tem igualdade de opinião, — disse ela, uma linha
formando no meio da sua testa.
— Não, nós não temos, — eu disse suavemente. — Porque Zeus tem tantas
crianças que prontamente concordaram com ele, ele sempre fez o seu caminho.
Tal como com o seu casamento, mesmo que você não queira passar por isso. Mas
se restaurar o conselho ao seu objetivo original...
— Não, a menos que você queria. Tudo que eu preciso é o seu voto, e vai
ser resolvido.
Aphrodite sorriu. —Você vai ter isso. Isso é brilhante - muito obrigada,
Hera. — Ela me capturado em outro abraço. — Eu realmente senti sua falta, você
sabe.
Eu afaguei seus cabelos. Foi fácil demais, parte de mim sabia que eu estava
tomando vantagem de sua ignorância. Mas eu não tinha nada para me sentir
culpada. Esta foi à maneira que supus ser certa. E esta era a única maneira de se
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restabelecer o equilíbrio. Zeus não poderia monopolizar o conselho por mais
tempo, e se Aphrodite compreendia totalmente as implicações ou não, isso não
importava. Eu estava fazendo a coisa certa.
***
Tudo se encaixou. Sete votos, era tudo que eu precisava, e agora eu tinha.
Eu ganhei
81
— Pelo contrário, sou eu que os leva, independentemente de quem o
chamou, — disse Zeus.
Apertei os olhos. — E como você pode levar-nos quando você não sabe o
que está na ordem do dia?
— Eu acho que você vai lembrar da minha liderança para ser qualquer
coisa, mas em falta hoje, — disse ele, fazendo um gesto. — Por favor, sente-se.
Eu congelei. O que ele estava falando? Zeus se virou para mim, uma aura
dourada brilhando ao seu redor. — Hera, você tem ou não passado o dia tentando
convencer seis pessoas a nossa classificação para votar, para que meus filhos
sejam despojados de seus tronos e me remover como Rei?
Aphrodite. Quando meu olhar caiu sobre ela, ela olhou para suas mãos e
suas bochechas ficaram rosa. Traidora.
Eu não tinha mais escolha, agora era passar por ele. Zeus poderia ter
descoberto tudo o que ele queria, se ele não tem os votos, ele não tem os votos.
82
Eu tinha. — Eu não sabia que discutir um retorno à ordem natural das coisas
fosse considerado traição.
—Ora, e o que quer dizer, a sua definição da ordem natural das coisas? —
Disse Zeus.
—Você não é meu rei, nem nunca vai ser. Você é um mentiroso, um ladrão
e não tem direito de governar sobre todos nós. Você não é melhor do que eu, não
mais poderoso do que qualquer um de nós, e tem provado uma e outra vez que
você não pode manter a moral que exige dos membros desse conselho.
83
— Então, por sua própria admissão, nenhum de nós está apto para
governar, — disse ele. — No entanto, aqui estamos nós. Eu não vou forçar meus
filhos a desistir de seus lugares de direito no conselho, locais que ganharam por
passar no teste que você criou, quando você mesmo não poderia passá-lo.
—É? Talvez você devesse se considerar com sorte, você não está sendo
julgada por traição agora mesmo. — Ele acenou com a cabeça na direção do
conselho. —Diga-me, Hera. Gostaria de votar?
De alguma forma, Zeus deve ter chegado a ela. Talvez, em sua excitação,
ela soltou minhas promessas, não percebendo o que seriam as consequências.
Surpresa não foi uma parte integrante do presente, mas teria ajudado a capturar
Zeus inconsciente. E se ele tinha convencido a mudar seu voto...
Eu tinha que correr esse risco. Para o bem do município, por uma questão
de igualdade, para o bem da humanidade, eu tinha que tentar. E, finalmente, eu
assenti. —Vamos votar.
Nós formos ao redor do círculo uma vez. Hephaestus, sentado ao meu lado,
prometeu sua lealdade a mim. Assim como Hades, assim como Demeter e Hestia
84
fizeram. Como eu tinha previsto, Athena, Apollo, Artemis e Poseidon não
hesitaram em votar com Zeus. E Ares votou em mim.
Ela olhou para mim, os olhos vermelhos. Eu não posso ser desleal para com
o meu pai. Eu não posso machucá-lo assim.
Ela olhou para o meu filho, que a observava com a mesma intensidade que
eu fiz. Abrindo sua boca, ela começou a dizer algo, mas em seu outro lado, Zeus
colocou sua mão sobre a dela. Aquele desgraçado. Lealdade era ganhada, não
tomada e se ele achava que podia controla-la assim, arrancando sua escolha-
85
considerado isto traição antes, mas agora é inegável, — disse Zeus, sua voz
ecoando com o comando de um rei. —Você está aqui despojada de seu título-
— -e você será presa até que o conselho decida o que fazer com você. —
—Ah, mas eu posso, — disse Zeus. E antes que eu pudesse dizer outra
palavra, meu trono desapareceu, levando-me com ele.
86
Parte Quatro
O único erro que eu lamentei foi meu casamento com Zeus. Eu não teria
mudado mais nada.
Por fim, no oitavo dia, voltei para o meio da sala do trono sem aviso prévio.
A luz do sol me cegou, e embora eu não quisesse mostrar ao conselho qualquer
fraqueza, eu tive que fechar meus olhos.
Eu não falei até que meus olhos se adaptaram à luz. Finalmente abri-os,
obrigando-me a não olhar de soslaio. Eu estava de frente para Zeus, Hades estava
atrás de mim. Eu podia sentir a sua presença, um oásis no meio da tempestade
que era meu agora.
— Eu não fiz nada de errado, — disse por fim, com a voz clara apesar de
sete dias sem falar. — Minha intenção era apenas proteger o conselho. Nada
mais.
—Assim seja, — disse Zeus, ele se levantou. —Você foi considerada culpada
de seus crimes, e o conselho decidiu em vigor imediatamente, você vai ser
87
despojada de sua classificação como rainha. Você manterá seus deveres como
uma deusa, você vai manter um lugar no conselho. Mas você não vai mais ajudar
a governar o meu domínio. Nem, por um milênio, você vai ter um voto igual ao
nosso. No caso de desempate, onde o seu voto é necessário, irei permitir a você
lançá-lo. Caso contrário, você não terá nada a dizer.
Eu queimei com humilhação. Ele tinha tirado tudo o que eu amava. Ele
sabia o que estava fazendo para mim, e adorou isso.
Seria tão fácil voltar para a minha mãe. Para permanecer com ela e deixar o
conselho de trás. Seria uma boa existência vazia dessa dor e naquele momento,
eu estava tentada. Tão tentada.
Hera. Voz de Hades sussurrou para mim. Seja forte. Não desista. Lembre-se
de quem você é e do que você é capaz de fazer. Hoje é apenas um dia. Não é para
sempre.
88
Engoli em seco, o primeiro sinal de emoção que eu tinha permitido. Você
lutou por mim?
Mas quando me virei e olhei para Hades, ele me deu um sorriso secreto e
uma sensação de calma tomou conta de mim. Ele era meu aliado. Meu parceiro.
Meu amigo. Eu estaria lá para ele em cada momento de cada dia. Gostaria de
provar a minha lealdade a ele, como ele havia provado a sua para mim. Eu não
iria perdê-lo.
E ele estava certo. Hoje não era para sempre e nem seria um milênio. O
tempo passaria, convicções iriam desaparecer e logo este momento não seria
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nada mais do que uma memória. Um dia, gostaria de definir as coisas direito. Eu
seria rainha novamente. E não importa o que precisasse, Hades seria meu rei.
*****
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A Deusa Apaixonada
Veja, segredos quer dizer que alguém quer manter escondido, as coisas que
as pessoas mantêm escondidas são normalmente as partes mais interessantes do
que eles são. Medo do mar? Dizendo totalmente. Seis dedos? Todos os tipos de
brilhante. Cobiçar sua sobrinha? Jogo assustador.
Eu nunca disse a ninguém. Papai sabe, ele é o único que me pegou em uma
posição comprometedora com um filho do pastor - mas ele nunca disse uma
palavra sobre isso, também. Tecnicamente todos os membros do conselho, que
não são os originais seis irmãos, tem que passar neste teste ridículo que testa as
nossas virtudes, senão não pode ser um membro do conselho, mas eu acho que é
uma porcaria. Quem quer ser governado por um grupo de deuses auto
importantes, que pensam que são melhores do que todo mundo, porque eles
poderiam reprimir seus impulsos naturais por um tempo?
E por que as virtudes são tão importantes assim? Quer dizer, eu não seria
gananciosa ou egoísta ou muito orgulhosa, mas de qualquer maneira,
praticamente todos os membros do conselho eram, especialmente os seis irmãos.
E eu nunca vi um grupo de pessoas mais invejosas na minha vida. Alguém recebe
algo e de repente todos eles odeiam essa pessoa, porque eles tiveram sorte ou
trabalharam duro ou o que seja. Por que não pode todo mundo amar todo
mundo? Isso é o que um governante deve fazer. Regra com amor, não medo ou
91
intimidação. Eu amo papai, mas ele teria um tempo mais fácil se ele se
importasse com as outras pessoas de vez em quando.
Falando de amor e de virtudes, por que a luxúria é uma coisa tão ruim?
Todos gostam de fazer o ato que nossos corpos são projetados para fazer é uma
coisa tão ruim. Bem, não, não todos. Na maior parte apenas Hera. E ela é a raiz
de tudo, realmente - ela é a razão pela qual todo mundo é tão miserável o tempo
todo, ela é a razão por que guardar segredos e ela é a razão de eu ter falhado no
meu teste. Mais importante, ela é a única que fez estas virtudes ridículas,
estamos todos sendo testado em primeiro lugar, como se ela seguisse cada um
deles (Olá, orgulho), ela era a razão que papai teve que mentir para me dar um
assento no conselho.
Isso me leva ao meu segundo segredo. O meu maior segredo. Quem está
tentando força-me uvas.
— Mmm, mas não temos muito tempo e eu não quero perder mais tempo
comendo, — murmuro. Todo lugar que ele me toca parece chiar, como se apenas
a presença do outro fosse suficiente para provocar um incêndio. Eu nunca amei
alguém tanto assim na minha vida.
92
Não, amor não é a palavra certa. Quero dizer, é mais que isso. Ele me
consome. Estou constantemente ciente de quando ele está por perto, mesmo
quando eu estou tentando me concentrar em outra coisa, ele não tem nenhum
problema em explorar. É assim que nós acabamos no meu quarto no meio do dia,
minutos antes do papai voltar para casa.
— Bem, — ele diz, em sua voz rouca, eternamente irregular dos gritos de
batalha. — Então, nós deveríamos começar a trabalhar, não deveríamos?
Ele me beija, seus lábios passando contra os meus e nossas bocas são um
emaranhado de dentes e língua. Eu beijei um monte de meninos antes e nenhum
deles me afetava do jeito que ele fazia. Quando estou com ele, eu me sinto viva,
não apenas imortal. E acredite, há uma diferença. É fácil ser imortal, tudo que
você tem a fazer é sentar lá. Mas o mundo passa por você desse jeito e eu não
vejo o ponto de existir por toda a eternidade se a gente não sentir.
Estar viva é a parte difícil. É quando meu coração bate, meus olhos estão
abertos e eu posso ver e cheirar, sentir e provar e ouvir tudo. É calor, é fogo, é a
queda das ondas e o estrondo de um trovão. É uma consciência que os mortais
levam como concedida. Eu nunca levo, porém, especialmente quando estou com
Ares.
93
pétrea, e nesse momento eu tinha certeza que ele iria ferir um de nós ou ambos.
Eu só podia imaginar o que eu devia parecer - rosto corado, cabelo despenteado,
os lábios inchados pela maneira que Ares os pegou. Ótimo.
Ainda nada. Eu olhei para Ares me ajudar, mas ele estava se inclinando
para trás contra os travesseiros, com um sorriso que me fez querer bater nele.
Aparentemente ele estava esfregando em mim, e não da maneira que eu queria
que ele fizesse.
— Pai, — disse Hephaestus. Ele era alto, mais alto do que o papai e seus
braços eram grossos com os músculos de forjamento. Ele seria bonito se não
fosse por suas pernas tortas.
Não que eu fosse usar contra ele, é claro. Mas uma garota tem que ter
alguns padrões. Além disso, eu vi o jeito com que ele olhou para mim, antes
mesmo de papai me prometer a ele e vejo a forma como ele olha para mim agora.
Não é tão demorado quanto o olhar de Ares, mas o amor ainda estava lá. Mais
suave, mais fácil, mais amável. O tipo de coisas que eu não precisava quando eu
tinha o irmão dele.
94
fazer. Normalmente Hephaestus se esforçava para ficar longe de papai, por isso
mesmo, aparentemente, hoje, era a exceção.
—Ares e Aphrodite não estavam fazendo nada de errado, — disse ele. Uma
verdade se eu já tinha ouvido. Talvez ele finalmente aceitou que eu não quero
casar com ele. — Ele estava ensinando-lhe como se defender. Como lutar.
Papai poderia ter viseiras quando se trata de mim – boa parte do tempo de
qualquer forma - mas sua boca formou uma linha fina. Ele não se incomodou em
olhar para Hephaestus. —Aphrodite sabe como me sinto sobre ela ter relações
com seu irmão, — disse ele, como se Ares e não estivesse aqui. Como se não
estivéssemos olhando diretamente para ele.
— E por que isso, pai? — Disse Ares. — Por que não estou autorizado a vê-
la quando você gasta metade do seu tempo com mulheres mortais e deusas
menores?
95
— Papai, por favor, — eu disse, mas meu apelo caiu em ouvidos surdos. Por
último Hephaestus tocou nos seus ombros, como se ele achasse que suas mãos
calejadas fossem o suficiente para impedi-los da fúria para com o outro.
Mais rápido do que um relâmpago, Papai bateu nele na boca. Ares olhou
para ele, atordoado, e se o tempo ia lentamente antes, agora tinha parado
completamente.
Eles realmente estão indo lutar por minha causa. Talvez até mesmo uma
guerra. Eu não vejo por que o papai deveria se preocupar tanto - Ares teve um
ponto, depois de tudo. A fidelidade não tem sido exatamente o atributo mais forte
do papai, e não era como se eu estivesse casada com Hephaestus ainda. Por
alguma razão, porém, papai se importava, e isso não estava fazendo as coisas
melhores.
Mas antes que eu pudesse tentar detê-los, Ares saiu como tempestade fora
do meu quarto e cacos irregulares de perda quebravam dentro de mim. Não
apenas a perda de sua presença física, mas porque eu conheço o olhar na cara do
papai. Que pouco alivio eu tinha por essa falta evaporou.
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Ele deu de ombros e passou as pontas dos dedos contra o meu cotovelo.
Havia algo tímido sobre ele, algo tranquilo que eu não entendia. — Não foi nada,
— disse ele, seu toque se foi assim que eu o registrei. Tudo para o melhor,
realmente. Ares era emoção, paixão, fogo, tudo em um, enquanto Hephaestus –
Eu não estava muito certa o que era, mas não era paixão. Se Ares não
estivesse aqui, talvez eu pudesse suportar a ideia de casar-me com Hephaestus,
mas seria obrigada a se contentar com algo inferior quando eu tinha perfeição
sob meu nariz era cruel.
Papai estava sentado atrás de sua mesa, olhando para o portal que lhe
permitia ver o que estava acontecendo na Terra. Ele estava focado em uma praia
que não reconheci, com falésias no fundo. Nos segundos antes que ele percebesse
que eu estava lá, eu acho que vi Hera, mas não podia ter certeza.
— Eu prefiro ficar de pé. — Eu nunca fui rude com ele, pelo menos não de
propósito, mas hoje não poderia encontrar em mim mesma para segurar. — Por
que você está fazendo isso comigo?
Assim como eu disse, meus olhos se encheram. Perfeito. Agora, ele nunca
vai me levar a sério.
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Às vezes chorar ajudava, porém pelo menos sua expressão suavizava. Mas
não é assim que eu queria ganhar. Eu queria que ele me amasse o suficiente,
para se preocupar mais com a minha felicidade, do que ele fazia com sua guerra
com Hera. — Minha querida, — ele murmurou, e saiu de trás da mesa para me
abraçar. Eu deixei. Ele tinha cheiro de fumaça e água do rio, eu não queria saber
por que.
—Você tem certeza disso? — Disse ele, e eu puxei para trás com horror.
—É claro que ele ama. Como você pode dizer algo assim?
—Você não faria isso. — Eu passei longe dele, e ele chegou a mim, mas sua
mão agarrou ar vazio. — Papai, você não pode fazer isso comigo. Eu não me
importo com as questões que você e Hera têm para me casar com Hephaestus só
para fazê-la infeliz -
—É por isso que acha que o escolhei? — Disse o papai. —Oh, querida.
— Não venha com “oh, querida”. — Eu nunca estive tão brava com ele em
toda a minha existência. — Esta é a minha vida, não a sua. Um filho é tão bom
quanto o outro para você de qualquer maneira, então por que você não me deixou
escolher Ares? Hera ainda vai ficar com raiva.
Embora, se fosse eu a fazer essa escolha, talvez ela não ficaria. Pela manhã
ela veio falar comigo, no dia da reunião do Conselho em que deveria votar para
remover o papai como chefe do conselho, Hera tentou me dar uma escolha. Talvez
apenas porque ela queria destronar o pai, mas eu gostava de pensar que era mais
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do que isso. Eu gosto de pensar que ela realmente se importava - se não sobre
mim, então seus filhos.
Eu teria votado nela ela, também. E é uma pena que ela interferiu antes
que eu tivesse a chance de dizer.
— Iria ferir você. — Ele chegou para mim de novo, mas eu lhe contornei
uma segunda vez.
— Então você está dizendo que eu sou burra demais para escolher por
mim?
Eu funguei. —É claro.
Por fim, ele suspirou. —Aphrodite, eu sinto muito, mas eu não posso ir
contra os meus instintos. Eu te amo demais para deixar que você se machuque
de tal forma. Ou permita que você dê a Ares a chance de machucar você.
Tudo bem. Eu vou ter que provar que ele estava errado, então.
100
Achei Ares em seus aposentos. Eu não demorei muito a encontrá-lo,
quando eu o ouvi por todo o caminho até o corredor. Ele estava gritando com
alguém, e sua voz ecoava muito para eu entender as palavras em primeiro lugar.
Corri para o arco, eu vim de um ponto morto, quando eu vi a cena dentro de seu
quarto.
Tudo como um naufrágio. Sua cama foi derrubada, as cortinas de seda que
eu pendurei em suas paredes foram rasgadas e o leque de armas que
normalmente mantinha tão organizadas, estavam espalhadas pelo chão. Um
machado particularmente acentuado ainda enterrado na parede, a centímetros da
saída para o corredor.
— Ela é minha, — falou Ares, e ele bate no peito com o punho. Sua raiva
era palpável, e ele brilhava em um vermelho fraco. — Não é sua, irmão mais novo
- minha.
Hephaestus recuou. —Você disse isso, — falou ele calmamente. — Mas ela
não é uma posse. — Disse o rapaz que pediu a seu pai para dar-me a ele. Eu
rosnei e ambas as cabeças giraram em minha direção.
— Fique fora disso, — diz Ares, dando-me um olhar. Esse mesmo fogo
estava em seus olhos, mas essa paixão não era por mim. Era pela luta.
— Por que, então vocês dois podem brigar para decidir quem casará
comigo, em vez de deixar-me escolher? — Eu me movi em direção a eles, evitando
um escudo maciço. —Algum de vocês realmente se preocupa com o que eu
quero?
101
Hephaestus abriu a boca, sem dúvida, para afirmar que ele se importava,
mas Ares cortou. —Agora não é o momento. Eu vou falar com você uma vez que
eu acabar com Hephaestus.
Ares olhou pra mim e por uma vez, eu não vacilei. Eu já tive o suficiente de
luta por um dia. Se eles quisessem ir para a guerra por mim, então que assim
seja. Eu não ficaria para vê-los, ou para dar ao vencedor o prêmio.
— Não seja ridícula. O que você acha que está fazendo? — Disse ele em voz
rouca que eu amava. Fiz uma pausa. O que estou fazendo?
102
Com essas quatro palavras, toda a minha ansiedade desapareceu.
Sorrindo, eu corri para ele e meus braços em volta dele, cobrindo-o de beijos. —
Eu te amo tanto, — murmurei.
Ele me segurou firmemente contra ele, seus braços fortes e seu firme
aperto, como se ele nunca fosse me deixar ir. Esperava que com tudo o que eu
sou, que ele não fizesse. —É um lugar agora? — Ele brincou.
***
Mas uma coisa boa saiu da minha infância: a ilha. Ela não tinha um nome
quando eu estava crescendo e os humanos não a encontraram ainda, o que
significava que ainda não fariam. Era o meu lugar seguro, o lugar que eu vou
pensar e o ato de levar a mão de Ares e saltar para a ilha do Olympus, me fez
sentir mais vulnerável do que nunca antes.
103
— Este é o meu lugar favorito no mundo. — Eu apertei sua mão. —Além de
onde quer que você esteja, é claro. E você estar aqui, o faz perfeito. — Ares
envolveu seu braço em volta dos meus ombros, foi-se todos os vestígios da sua ira
de antes. Estar longe do Olympus ira nos fazer tão bem, mas Ares precisava mais
do que eu precisava. Ele precisa ver a beleza em todas as coisas, e não apenas o
conflito de sangue e de guerra.
Ficamos ali por alguns minutos, absorvendo o último do pôr do sol. Assim
quando o índigo escoava a noite no céu, eu o levei em toda a borda da piscina
para a cachoeira. —Vamos lá, — eu disse. — Eu vou te mostrar onde eu cresci.
Ele me seguiu, embora ele não dissesse nada, eu podia sentir sua cautela.
Nenhum dos deuses, exceto Poseidon - e eu, é claro - ficava confortável em torno
da água. Ela não era parte deles, assim como o Underworld não era. Mas ele não
reclamou quando passamos através da cachoeira e sua coragem foi bem
recompensada. Do outro lado, em uma gruta escondida, era a minha casa.
—É incrível, — disse ele, por uma vez, não tentando agir como ele estivesse
acima de tudo. — Este é o lugar onde você cresceu?
104
Concordei com a cabeça. —É o meu lugar secreto. E você é o meu segredo
agora, também.
A escolha. Amor. Devoção. Não era pedir muito e papai iria se desgastar
eventualmente. Ele tinha.
***
Eu nunca fui muito boa com o tempo. Eu posso te dizer quando tempo
dura um dia, é claro, e um ciclo lunar. Mas, eventualmente, a espécie de tudo se
mistura, não importa como eu me sinta viva.
Isso é o que faz Ares ser como é - um turbilhão de vento de vida. Fomos
explorar toda a ilha em conjunto, quando os dias escorriam, pela primeira vez, eu
me sentia como o centro do mundo para alguém. Não havia nada como isso,
sendo o tudo de alguém, e eu me perdia em Ares e em nossa vida juntos.
Mas no dia em que ele nasceu, o meu mundo mudou, Eros se tornou meu
sol. Eu acho que eu vejo isso nos olhos de Ares, o jeito que ele olhava para mim
105
embalando o bebê, embora nenhum de nós disse em voz alta. Era o momento
mais feliz da minha vida, mas foi também o momento em nosso paraíso começou
a mudar.
Ele fez uma pausa e o silêncio retumbante substitui o grito de pedra contra
metal. De alguma forma o som não incomodava o bebê. — Por que você
pergunta?
Sua relutância em me dar uma resposta sim ou não, fez a dúvida bombear
dentro de mim, dura, fria e impossível de engolir. — Eros. Eu só queria ter
certeza - nada mudou, não é?
Ele abaixou sua espada e se juntou a nós nos travesseiros. Ele não me
tocou corretamente desde antes do nascimento de Eros, mas agora ele reuniu-
me, com a mão espalmada em minhas costas enquanto enterrava seu nariz no
meu cabelo. — Eu amo você, — disse ele. —Você ainda me ama?
O fogo crepitava e Ares traçou meus lábios com a ponta de seu polegar. —
Eu tenho que ir amanhã. Há uma guerra em construção, e eu tenho
negligenciado meus deveres tempo suficiente.
106
Ele riu, mas não havia humor em sua risada. Por um breve segundo, ele
olhou para mim do jeito que ele fez no Olympus, tempos atrás, quando ele e
Hephaestus argumentavam. Como eu era uma criança. Como eu não entendia. —
E se eu lhe disser que você não precisa de amor?
— Então, por que me dizer que eu não preciso lutar? — Ele beijou minha
bochecha. — Eu estou cuidando dos meus deveres, isso é tudo. As ninfas estarão
aqui para cuidar de você e Eros, e eu vou estar de volta em breve.
— Quanto que leva para alguém ganhar. Mas eu vou pensar em você a cada
segundo, eu prometo.
Nós dois sabíamos que ele não iria, não quando havia uma batalha para
lutar, mas eu apreciava o sentimento qualquer forma. E ao pôr do sol do dia
seguinte, ele me beijou e deu adeus a Eros, seus lábios persistentes nos meus.
Um flash de rajadas verdes através do céu, e tudo o que restou dele foram duas
pegadas na areia.
Engolindo com força, notei uma concha ao lado do local onde seu calcanhar
esquerdo estava momentos antes. Peguei-a, lavei no oceano e prendi-a na minha
mão, como se fosse a chave para quando Ares voltaria. Mas era apenas uma
casca, e isso me deu nenhuma resposta. Eu levei-a de volta para a gruta de
qualquer maneira.
107
esperou até que tivesse um bebê para sair. Pelo menos ele sabia que não poderia
ficar sozinha.
***
Eu fui à praia todos os dias ao pôr do sol para esperar por ele. Eu fiz planos
para o que íamos fazer juntos quando ele retornasse, e nos meus dias ruins, eu
pensava em voltar para o Olympus apenas para descobrir onde ele estava. Mas,
apesar de Ares não estar aqui, Eros estava e vê-lo crescer me fazia sentir de novo.
— Eros! Não tão rápido! — Eu ria enquanto perseguia meu bebê pela praia.
O sol batendo em nós, aquecendo-me de dentro para fora e as ondas suaves
colando a meus pés. A única maneira que hoje o dia podia ser mais perfeito, seria
se Ares voltasse para casa.
108
Enquanto eu estava lutando para não me rasgar na frente dele, Eros correu
de novo, desta vez para as cavernas. Com minha visão borrada, eu enxuguei os
olhos enquanto subia. — Eros, não bebê, não sem mim. — Ele continuou,
naturalmente e eu o segui.
Ele era imortal e nada poderia machucá-lo. No entanto isso não significava
que eu queria que ele se perdesse.
Não, quem quer que fosse deveria estar ferido e nenhuma batalha mortal
poderia jamais ferir Ares. Não era ele.
109
Um cheiro horrível chegou até mim e eu franzi meu nariz. Sangue. O cheiro
da violência e da guerra. Sem deixar Eros, eu me aproximei da figura encolhida.
Sombras dançaram sobre as paredes da caverna, confundindo sua forma, mas eu
fiz eventualmente.
Ele se inclinou de forma que um corpo não é suposto fazer. Suas pernas
estavam mutiladas, era um milagre que ele fosse capaz de deixar pegadas. Parte
de seu peito era côncavo, como se tivesse sido atingido por uma pedra grande,
sua respiração estava ofegante. Mas pelo menos ele estava respirando. Pelo
menos ele estava vivo.
— Eros, — eu disse, colocando meu filho para baixo. — Eu preciso que você
faça exatamente o que eu digo e me siga para casa sem vaguear por ai. Você
promete?
Eu coloquei Eros em um canto com uma cesta cheia de flores para separar.
Eu precisava de toda a concentração que podia para começar agora.
Apollo?
110
Eu empurrei o pensamento para o céu, tão duro quanto eu pude. O pôr do
Sol era em breve, era isso o que significava ir até o Olympus, quando ele pairava
eternamente entre o dia e o anoitecer, era isto que tornava um pouco mais fácil. A
menos que ele estivesse vagando em algum lugar pelo mundo. Apollo não era
exatamente uma pessoa caseira.
Eu hesitei e olhei ao redor da casa com Ares. Se Apollo viesse, isso poderia
significar desistir de tudo isso. Tudo que nós construímos, cada momento
perfeitos juntos, talvez até Eros. Sem dizer se o pai iria deixá-lo ficar no Olympus.
Eu poderia perder tudo isso por uma única vida mortal.
111
Suas inspirações vinham em suspiros, mas ele permaneceu inconsciente. Da dor,
eu acho, mas eu não entendo como ele poderia registrar a brutalidade feita em
seu corpo e ainda estar vivo.
Finalmente Apollo afastou. Eu não sei quanto tempo ele ficou, mas Eros
estava dormindo em meus braços, amor irradiando dele como se ele soubesse o
quanto eu preciso disso agora. Talvez ele soubesse. Meu filho era dotado de
maneiras que eu estava apenas começando a entender, eu o segurei apertado. —
Será que ele vai viver?
— Ele pode ficar aqui. — Mesmo que eu disse, pude ouvir a preocupação
em minha própria voz, mas nenhum mortal se atreveria a prejudicar uma deusa.
E se ele tentar, então eu o jogaria no mar. Mas algo sobre ele me dizia que não
faria, seu rosto agora estava relaxado, como se ele estivesse livre da dor.
112
—Ares não está aqui. — Eu posso ter outro segredo.
Apollo tocou o meu rosto. Mesmo seus olhos estavam sem cor. — Sinto
falta de você, — disse ele. — Estamos todos torcendo por você e Ares, você sabe.
Ele não brigou comigo e logo ele estava roncando em outro canto. O fogo
escureceu em brasas, mas não se moveu pelo resto da noite. Estava com muito
medo. A qualquer momento, o papai poderia me encontrar, a qualquer momento,
Ares poderia retornar. A qualquer momento, o estranho poderia abrir os olhos.
A qualquer momento, o meu mundo poderia mudar para sempre. A não ser
que já tivesse.
Eu me forcei a relaxar. Estava segura, por agora e eu tinha Eros. Papai não
poderia levá-lo para longe de mim. Ele nunca iria até tentar, sabendo o quanto
ele me faria mal.
Tudo vai ficar bem. Eu tinha que acreditar - por Eros, por este estranho e
por mim.
***
113
Pela primeira vez desde que Ares me deixou, eu não fui para a praia
naquele dia. A perfeita concha que Eros descobriu, juntou-se a centenas de
outras já coletadas em cestas na entrada da gruta, mas eu mal pensei enquanto
eu permaneceria ao lado do estranho. Um dia não vai doer. E este mortal
precisava de mim mais do que Ares precisava da minha miséria.
Pouco depois do sol se pôr, o estranho alterou sua respiração. Ela crescia
mais rápido, mais difícil e sua mão boa apalpou em torno de algo que não estava
lá.
Por fim, ele abriu os olhos inchados. Cada outra parte dele era escura, mas
suas íris eram de um cinza pálido, a cor da pedra. — Quem...? — Ele parou e
lambeu os lábios. Era claramente doloroso para falar, eu sabia o que ele estava
pedindo de qualquer maneira. Mas eu não poderia dizer a ele. Ele nunca
acreditaria em mim.
Ele lambeu os lábios de novo, eu tomei isso como um sim. Derramei uma
gota de água em sua boca, embora ele tossisse, ele conseguiu engolir mais da
mesma.
114
—Onde...? — Sua voz não era tão áspera agora, mas ainda era difícil saber
o que ele estava dizendo.
—Com você. — Isso não era uma pergunta. Mesmo que eu fosse uma
estranha para ele, ele não olhou para mim como uma ameaça, mas como se eu
fosse uma espécie de salvadora. Talvez seja o que sou para ele. Havia um certo
tipo de sensibilidade na forma como ele me olhava, como se ele soubesse que eu
sou a razão dele ainda estar vivo, apesar dele estar quase inconsciente, aqueceu-
me de dentro para fora. Eu apertei a mão afetuosamente. Ele tem sorte. Se Ares
tivesse sido o único a encontrá-lo, ele o teria na ponta de uma espada no
momento que ele houvesse tropeçado em seu corpo quebrado.
Silêncio. O jovem me olhou com esses olhos pálidos e eu mordi meu lábio.
Estava acostumada a todo mundo olhar para mim. Eu gostava. Mas algo sobre a
maneira como ele olhou para mim - como se ele pudesse ver além da beleza, isso
me faz contorcer.
Os olhos dele se fecharam mais uma vez e eu estava quase aliviada. Eu não
sei quem ele era ou de onde ele veio, mas as íris cinza falaram de coisas que não
poderia sequer imaginar. Havia uma razão para que ele sobrevivesse, uma razão
pela qual as Fates não cortaram o fio de sua vida. Seja o que for, eu me
comprometi a ter certeza de que ele descobrisse.
***
115
Eu o vigiava enquanto Eros permaneceu por conta da minha ninfa mais
confiável, na minha cabeça eu o chamava de Cyrus. Não que exatamente me
fizesse muito bem nomeá-lo, depois de tudo, as chances de que não fosse o seu
nome real e eu nunca o chamei assim em voz alta. Mas na minha mente, Cyrus
era mais de uma pessoa e isso me fazia sentir melhor sobre os riscos que tomei
para salvá-lo.
Papai não apareceu. Não no primeiro dia e não no segundo, não um meio
ciclo lunar mais tarde. Estava em guarda em primeiro lugar, pronta para fazer o
meu caso e bater meu pé de novo se fosse preciso. Mas de qualquer maneira
papai não estava assistindo Apollo de perto, ou por algum motivo ele decidiu não
correr atrás de mim. Espero que fosse o primeiro. A ideia de que papai não se
importava o suficiente para tentar doía demais.
Cyrus se curou mais lento do que eu pensei que ele faria, mas em breve ele
estava sentado. Ele comeu e bebeu tudo o que eu lhe ofereci, mas ele nunca
pediu mais e eu constantemente me preocupava se ele não estava recebendo o
suficiente. Alimentos eram importantes no processo de cura para os mortais, eu
sabia disso, e isso me atormentava. Eu dei-lhe uma tigela extra de bagas e ele
comeu isso também. Mas ele ainda se curava muito lentamente.
116
Não importava, porém. Ele era mortal e mesmo se eu o deixar ficar comigo
até a volta de Ares, ele poderia morrer muito antes disso. É um amor temporário
na melhor das hipóteses e de uma forma, ajudava a aliviar a minha culpa. E isso
fez com que fosse mais fácil de aceitar a ligação que crescia entre nós, embora ele
nunca pronunciasse uma palavra.
No décimo sexto dia - eu sabia disso porque a cada noite Eros me trazia
uma pedra, que ele encontrou na piscina de águas claras - Cyrus se sentou e me
olhou com esses olhos dele. Eles ainda eram misteriosos, apesar de eu ter tido
tempo para me acostumar com eles.
—Ou peixe, — diz ele. Sua voz era suave e eu tinha que me esforçar para
ouvi-lo.
— Seu tio?
Eu corei. Certo. Ele não tem ideia de quem eu sou. — Er, sim. Eu estarei de
volta.
Corri para fora. A praia não era muito longe da gruta e Poseidon me
ofereceu alguns peixes para Cyrus. Eu não gostei de pedir sua ajuda - ele seria
mais uma pessoa que poderia dizer a papai onde estava - mas eu não sabia nada
sobre a captura de peixes. E se a carne vai ajudar Cyrus a se curar mais rápido,
então que assim seja. Não era como se eu já não tivesse arriscado tudo.
117
Voltei com a parcela de peixe, que era provavelmente a pior coisa que eu já
tinha sentido em toda a minha existência, mas Cyrus não estava lá. Meu coração
saltou uma batida e eu soltei o peixe e apressei-me para fora. —Olá? — Eu
chamei. Por que eu não pedi o seu nome verdadeiro, quando tive a chance? —
Onde você está?
Ele não poderia ter ido muito longe. Eu olhei para qualquer rastro de
pegadas, diferentes dos meus pés molhados deixaram para trás, mas não havia
nenhum. Ótimo. Ele era pior do que Eros. Eu virei as costas por alguns
momentos e -
Não era apenas Cyrus quem estava rindo. Risadinhas também vinham de
Eros, o doce som, a maioria afogados pelo riso profundo de Cyrus. Eu nunca vi
Eros com alguém além das ninfas antes. Os três dias que Ares esteve aqui, depois
que nosso filho nasceu mal contaram, depois de tudo. Mas Eros parecia feliz.
Muito, muito feliz. E o mesmo acontecia com Cyrus.
118
— Mamãe! — Eros levantou a cadeia de flores, uma incompatibilidade de
flores coloridas. Eu me ajoelhei ao lado dele e beijei o topo de sua cabeça.
Eros riu e eu beijei sua bochecha rechonchuda. — Isso foi muito legal da
sua parte, — murmurei. —Um menino tão perfeito.
119
—Assim como você, — disse ele calmamente. —Você é a primeira pessoa
que eu conheci que é tão bonita por dentro como é do lado de fora.
Eu tive que pressionar meus lábios para não sorrir, mesmo assim, meu
rosto se aqueceu. — Eu deveria levar você de volta para a gruta. Eu tenho o seu
peixe.
Naquela noite, nos deliciamos com peixes. Eu tive que comer para manter
as aparências e Eros tentou ansiosamente algumas mordidas antes de declarar
que ele estava cheio. Cyrus, no entanto, devorou três peixes por conta própria e
eu tomei nota. Da próxima vez que eu encontrar um mortal ferido, era peixe.
Eu balancei minha cabeça. Eu não podia lhe dizer. Nossos nomes já foram
um segredo, mas agora que os mortais adoravam-nos, éramos muito bem
conhecidos para dizer. Ele poderia pensar que eu sou uma homônima, que meus
pais queriam homenagear uma deusa, mas ele era muito vivo. Ele colocaria dois e
dois juntos, enquanto eu confiava nele, eu não queria correr o risco dele trazer
outros de volta para a minha ilha.
120
— Isso é um nome tão bom quanto qualquer outro, eu suponho. Posso
escolher um nome para você?
Ava. A maneira como ele falou enviou um arrepio através de mim, a minha
mão cobrou pelo espaço entre nós, até que eu toquei a sua. —É perfeito.
Talvez fosse a solidão. Talvez fosse a maneira como ele olhava para mim.
Talvez fosse o riso ou o sorriso ou qualquer número de coisas. Mesmo que eu
amasse Ares, eu me inclinei para Cyrus e pressionei meus lábios nos dele.
Um beijo suave, sem a paixão ardente que tinha com Ares, mas ainda era
suave. Ainda era doce e amoroso, mas um tipo diferente de amor - o tipo de amor
que me dizia que ele iria cuidar de mim e eu cuidaria dele. O tipo de amor que
quer ouvir sobre o meu dia. Que me vê por baixo da beleza e ainda me ama de
qualquer jeito.
—Aham.
121
Eu saltei para trás, empurrando Eros. Na porta, os últimos vestígios do pôr
do sol, e a silhueta da última pessoa que eu esperava.
Ares.
— Seu tio? — Ares deu passos mais perto e o fogo lançou sombras em seu
rosto. —É isso que você está dizendo a ele?
Seu aperto soltou minha mão, agora era a minha vez de apertar. Eu não
queria o deixar ir. —Oh, — ele disse. — Eu sinto muito. Eu não tinha ideia de que
ela estava -
— Ela está, — encaixou Ares. — Ela é minha. Você tem uma chance de
obter o inferno longe dela antes de lhe cortar do nariz ao umbigo.
122
Apesar do meu aperto, Cyrus puxou a mão da minha e ele lentamente se
arrastou de volta para o ninho de travesseiros. — Eu sinto muito, — disse ele
novamente. — Eu nunca teria-
—Ares, ele está ferido, — eu disse. Em meus braços, Eros fez um som
suave, lamentando. — Ele não pode ir a qualquer lugar.
— Não parece que você foi deixada querendo. — Ares se aproximou até que
ele estava apenas alguns centímetros de distância de mim. Ele era mais alto
agora, mais forte do que era antes e sua armadura era salpicada de gotas de
sangue. Elas ainda estavam molhadas. — Talvez a Mãe estava certa. Talvez tudo
o que somos e tudo o que você sempre será é uma prostituta.
—Você vai falar com ela com o respeito que a mãe de seu filho merece, —
disse ele. —Ou você vai sair.
123
Cyrus disse nada. Suas mãos estavam fechadas em punhos, ele olhou Ares,
como se eles fossem iguais. Mas eles não eram - Ares é um deus, Cyrus é mortal.
Era um pequeno milagre Ares não tê-lo matado ainda, mas tenho certeza que
Cyrus teria uma passagem só de ida para o reino de Hades em breve.
— Pare com isso, por favor, — eu implorei. — Ele vai sair assim que ele
estiver curado, tudo bem? Só não o machuque.
Meus protestos não mudaram nada. Eles ainda olhavam um para o outro,
como se pego em uma batalha silenciosa, eu não sabia o que fazer. Apertei Eros
mais perto e ele começou a chorar. Mas não havia nada que eu pudesse fazer
para confortá-lo, também. Eu estava impotente.
Ares balançou a cabeça, seu foco ainda estava parado em Cyrus. —Gostaria
de dizer a ela, ou eu?
Esperei Cyrus negar saber o que ele estava falando, afinal, eu estive com
ele por 16 dias. Ares só chegou momentos atrás. Mas, em vez disso a expressão
de Cyrus desmoronou e ele se virou para mim. — Eu sinto muito por minha
decepção.
Ares embainhou sua espada. — Ele não é mortal, — disse ele. — Ele está
mentindo para você todo esse tempo, não é, irmão?
124
Minha boca caiu aberta. Horror frio lavou através de mim, tão gelado e real
que eu tremia, eu olhei para Cyrus. — Irmão?
Ares sorriu. — Eu vou estar do lado de fora, enquanto vocês dois resolvem
as coisas. Mas quando eu voltar, eu espero que ele tenha ido.
Ele deslizou para fora da gruta, deixando Cyrus e eu sozinhos. Não, Cyrus.
Nunca Cyrus.
Qualquer outra pessoa teria negado. Ele realmente não mentia, afinal de
contas, ele nunca me disse o seu nome. Ele nunca afirmou ser alguém que não
era. Mas ele nunca me disse a verdade. Ele fingiu que não me conhecia e sua
forma mortal só foi um engano intencional.
— Eu estive procurando por você desde que você saiu, eu percorri o mundo
procurando por este lugar. A única maneira que eu poderia misturar-me era
tomar uma forma mortal. Eu sabia que meu barco poderia falhar. Eu sabia que
poderia sentir dor. Era um risco, mas por você... — Ele limpou a garganta. — Por
favor, me perdoe.
— Eu não... — Eu trilhei meu olhar para ele como se esta fosse a primeira
vez que eu o via. De certo modo, era. — Por que você está aqui?
Ele fez uma careta. — Porque eu quero que você tenha a vida que merece.
Eu não sou muito bom com palavras, mas eu te amo, Aphrodite. Eu te amei
minha vida inteira. Não por causa do que você é, não por causa do arranjo
horrível que meu pai fez, mas por causa de quem você é por baixo. Você irradia.
125
Você é luz do sol. Você torna o mundo um lugar mais brilhante apenas por
existir. Você vê a beleza debaixo da superfície e do jeito que você ama - eu nunca
vi nada mais inspirador. E o que você fez por mim nesta ilha... — Ele balançou a
cabeça. —Você arriscou sua segurança para me curar. Você tomou medidas
extraordinárias quando alguém teria me deixado para morrer. Você deu
esperança aos desesperados e essa é a pessoa que eu amo. Eu só desejo que você
me deixe te mostrar.
Eu abri e fechei a boca, sem palavras. O que eu devia dizer? O que ele
espera que eu faça? Levantar e deixar este lugar só porque ele me encontrou e me
levou a me preocupar com ele? — Nada mudou, você sabe, — eu disse com uma
voz trêmula que me traiu. — Eu ainda amo Ares.
— Mesmo que Ares ama a si mesmo mais do que ele poderia te amar?
— Eu sei que ele te deixou sozinha com seu filho bebê, — diz Hephaestus.
— Eu sei que ele se foi a tempo suficiente para você se sentir só e traída.
— Eu vi como você olhou para ele quando ele voltou. Se você realmente o
ama, a forma como você diz, teria sido um visual completamente diferente, —
disse ele. —Você pode amar mais de uma pessoa, você sabe.
— Eu amo Ares. Apenas Ares. — Eu disse isso com a mais força plena,
como se eu estivesse tentando convencer a nós dois. Ele franziu a testa, sei que
ele ouviu, também.
126
amor está sempre lá para você. Ares não tem estado. — Era a minha vez de olhar
para longe agora. O jeito que ele falou sobre a minha relação com Ares como se
fosse apenas temporário, como se ele não fosse o melhor que eu poderia ter - eu
não sabia como engolir isso.
— Então, prove isso, — disse ele. —Venha comigo. Ou diga a Ares que ele
não é mais bem-vindo. Podemos ficar no Olympus, podemos ficar aqui, ou – ou se
é o que você quer, vou deixar você em paz. Só não deixe que ele faça isso com
você. Ele está machucando você, já chega e você merece o melhor. Você é melhor.
Minha visão borrou e eu mal podia ver seu rosto. Apenas aqueles
penetrantes olhos cinzentos que não eram seus realmente. — Eu não vou, — eu
sussurro. — Esta é a minha casa. Ares é a minha casa.
Ele pegou a minha mão de novo. Desta vez eu deixei. — Se ele importa
muito para você, então comigo, você nunca terá que escolher. Enquanto ele for o
127
que você realmente quer e enquanto ele nunca te machucar de novo, você está
livre para amá-lo tanto quanto você quiser.
Eu não entendi o que ele quis dizer. Não, eu entendia - eu entendia o que
ele pensava que ele significava. Mas Hephaestus era filho de Hera por completo.
Indo para o tipo de relacionamento que ele estava falando - o tipo onde eu poderia
ainda amar Ares e Hephaestus não se importaria - vai ser demais para ele depois
de um tempo. Talvez imediatamente. Talvez alguns anos. Talvez alguns séculos
ou milênios. Mas um dia, Hephaestus vai acordar e perceber que ele não quer me
dividir. Ou ele vai me dar a opção de ver os outros na esperança de que ele vai ser
o suficiente.
— Para mim, — eu hesitei. — Para mim, o amor não é algo que você só dá
uma vez e então ele se vai. O amor está em toda parte. O amor é tudo.
Ele levou a minha mão para a boca e beijou meus dedos. — Eu sei. Não
tenho nenhum interesse em sufocar você ou amar uma versão de você que não é
real e pedir-lhe que se comprometa a mim e só a mim... — Ele balançou a cabeça.
— Seria ir contra a sua natureza e eu estou bem com isso. Mais do que tudo bem.
É parte do que eu amo em você. Enquanto você estiver feliz, eu ainda vou estar lá
para você, independentemente dos outros que você escolher amar.
Eu engoli. Parecia impossível, mas talvez ele entendesse. Talvez essa seja a
diferença entre ele e Ares. Afinal de contas, foi Ares que me deixou para o que ele
achava que eram aventuras mais emocionantes do que a nossa vida juntos,
enquanto Hephaestus vasculhou a terra tentando me encontrar. Se eu deixasse a
ilha, Ares faria isso? Será que ele buscaria até me encontrar, não importa quanto
tempo demorasse? Será que ele trocaria sua forma imortal para a dor e fome e
sede só para ter a chance de estar comigo?
Eu não sei. Eu não podia pensar. Tudo girava em torno de mim até eu ter
que espremer os olhos fechados, até mesmo na escuridão, eu podia ver o rosto de
Hephaestus. Eu não podia fazer isso. Eu não podia escolher. Não importa o que
Hephaestus diga, um dia ele vai ficar com ciúmes. É natural. Mesmo que ele não
128
faça por conta própria, Hera vai envenená-lo contra mim e os nossos dias seriam
contados. E Ares - com ele, eu nem tenho a ilusão de escolha. Mas pelo menos ele
me ama. Pelo menos ele voltou para mim.
Caramba. Eu mordi meu lábio, em meus braços, Eros soltou um outro grito
suave. Isso foi o suficiente para chamar-me de volta para a Terra. Ele é o meu sol,
o meu rochedo, meu mundo, não Ares. Não Hephaestus. Ele é a coisa que eu
mais amo neste mundo. E não importa que escolha eu faça, eu sempre vou tê-lo.
129
— Eu não estou surpreso que você não reconheceu Hephaestus, — disse
ele. — Eu não sabia até que ele me dar um soco. Ele tem uma leve torção para o
seu soco – tipo sua assinatura. Levei um momento, mas eu peguei em breve.
Ridículo, não é? O bastardo deve estar desesperado, intrometendo-se enquanto
eu estive fora, tentando destruir a nossa vida juntos.
As palavras estavam fora antes que eu pudesse para-las e Ares olhou como
se eu lhe dei um tapa.
—O que você quer dizer? — Disse ele com uma voz cautelosa, o que
significava que ele estava a segundos de voar em raiva.
Ele andou para mim e o silêncio entre nós era tão pesado que eu achei que
fosse me sufocar. Por fim, ele apertou as mãos, o rosto crescendo mais vermelho
a cada momento. — Eu tenho deveres. Eu não os abandonei.
— Por quanto tempo? Outros três dias? Um ano? Dois? Quanto tempo
antes de nos deixar de novo? E quanto tempo vai ficar fora da próxima vez? Dois
anos? Dez? Um século?
Ele bateu com o punho na parede de pedra com tanta força que a terra
tremeu em torno de nós. Eros começou a chorar em seu berço.
130
— Se essa é a maneira que você quer ver, Aphrodite, então fique à vontade.
Mas não se atreva a agir como se eu fosse o vilão. Eu não fui eu que beijou o
irmão do meu marido.
— Eu teria sido. Eu queria ser. Voltei para propor, você sabe. Para dizer-lhe
que íamos enfrentar o Pai e fazê-lo ver que, juntos, somos invencíveis.
Aparentemente, eu estava errado.
Ele correu para fora da gruta, mais uma vez deixando Eros e eu. Eu não o
chamei. Estava muito chocada para isso. Ele realmente voltou e queria se casar
comigo? Para ter uma vida juntos, uma que eu sempre sonhei? Ou ele disse no
calor do momento, para me fazer sentir ainda pior do que eu já estava?
Eu me odiei por ter duvidando dele. Eu me odeio por pensar que ele fosse
capaz desse tipo de brutalidade emocional. Mas eu vi o sangue em sua armadura
e a espada não é a sua única arma. Ares sempre vence suas batalhas, não
importa o custo.
No dia seguinte, Eros e eu jogávamos na praia, quando olhei o sol, nós não
voltaríamos para a gruta. Peguei-o em meus braços e olhando para o céu rosado,
eu me esforcei para cima em direção ao Olympus. Para casa.
Eu não sei quem eu vou ver ou o que vou encontrar, mas eu sei que uma
coisa é certa: isso tem que acabar. E antes que pudesse, eu tinha que tomar a
decisão mais difícil da minha vida.
***
131
Eu pousei no meio do caos.
Embora ela olhasse de volta para Zeus a cada poucos segundos, a maioria
de sua raiva era direcionada para Ares e Hephaestus. O piso do sol estava
rachado, Ares jogava socos mais rápido do que eu podia seguir. Hephaestus, por
outro lado, estava apenas agindo defensivamente, cobrindo o rosto e
eventualmente, envolvendo os braços grossos em torno de seu irmão. No começo,
eu não entendia por que ele iria abraçar Ares no meio de uma luta épica, mas
quando Ares falhou, incapaz de bater nele, eu entendi.
— Pare com isso! — Eu chorei e com o som da minha voz, ambos olharam
para mim. Hephaestus ficou vermelho, claramente constrangido de ser pego, mas
Ares só estreitou os olhos.
Hephaestus hesitou. — Eu vou deixar você ir, se você prometer fazer como
Aphrodite disse.
132
Quando eles se sentaram, Hera girou no trono para me encarar. Seus olhos
queimavam com fúria e meu coração acelerou. Eu nunca tive tanto medo de
alguém em toda minha vida. —Como você se atreve a pôr o pé no Olympus após o
que você fez, — ela rosnou. Dei um passo para trás para o meu trono, do outro
lado de papai. Meu estômago se transformava. Talvez eu tenha cometido um erro,
depois de tudo. Não é tarde demais para voltar para a minha ilha, mas a forma
como Hephaestus me olhava - eu não podia ir, não agora.
—Você não estava prestando atenção agora? — Ela sussurrou e antes que
ela pudesse falar mais, papai interrompeu.
Hera olhou para Hephaestus, sei o que ela está pensando. Uma vez, a
imortalidade não o protegeu. Quem vai dizer que não iria acontecer de novo? Eu
não sei toda a história, ninguém sabe, mas Hera sabia, e ela nunca se preocupou
em falar comigo sobre isso. Mas eu sei que tinha a ver com uma queda para a
terra. E se eles realmente destruíram parte de Olympus... é claro que ela estava
chateada. Qualquer mãe estaria.
133
—A culpa é minha, — disse Hephaestus. — Eu a enganei, fiz pensar que eu
era outra pessoa.
—Você nunca deveria ter retornado, — disse Hera. —Você nunca foi nada
além de problemas e a dor que você colocou em meus filhos.
— Hera, — disse o papai com a voz de comando dele, que nenhum de nós
podia ignorar. —Deixem-nos. O resto de vocês, também.
Eu enrijeci. Como se ela soubesse algo sobre o amor. —Você pode amar
mais de uma pessoa, você sabe, — eu atirei, repetindo as mesmas palavras que
Hephaestus me disse na noite anterior.
Ela cheira altivez e eu estava prestes a dizer onde ela podia enfiar sua
atitude, quando o pai disse, —Artemis. Vá.
Dando uma última olhada, ela seguiu Apollo, pouco depois Hermes, que
não era tão pequeno mais. Eles se juntaram a Demeter e sua filha, Persephone e
os cinco entraram em um corredor que raramente usavam. Ninguém se dirigia
para o corredor que levava às nossas câmaras. Essa deve ser a parte de Olympus
que Ares e Hephaestus tinham destruído.
134
— Esses são Persephone e Hermes, — eu disse. — Talvez vocês possam ser
todos amigos. — Se o conselho deixa-me ficar. Seu rostinho rechonchudo, ele
estava considerando-o e ele se inclinou para trás em meus braços. Ter amigos vai
ser bom para ele, desde que eu possa encontrar uma maneira de protegê-lo do
pior dos ódios neste lugar. Mantê-lo longe de Hera é um começo.
Assim que nós três ficamos sozinhos, papai pegou a minha mão. — Eu
senti sua falta, — disse ele. — Nunca me deixe outra vez, minha querida.
Eu pressionei meus lábios. Eu não sabia o que dizer sobre isso. — Eu sinto
muito. Por sair do jeito que eu fiz, eu quero dizer. Eu não achei que eu tinha
outra escolha.
Eu fiquei olhando para cachos dourados de Eros. Eu pensei que voltar para
o Olympus me daria algumas respostas, mas eu estava tão confusa como sempre.
— Eu não sei. Eu amo os dois.
135
Eu dei de ombros. — Não importa. Eu posso sentir a maneira como ele me
ama. É quente. Gentil. Constante. E eu quero isso, papai. Eu realmente quero.
Tudo. —Ares - eu sei quem ele é. Eu sei o que ele é. Eu sei que ele sopra
quente e frio, eu sei que ele é, por vezes, pouco confiável, mas quando estamos
juntos, é como - é como se o mundo inteiro estivesse em chamas.
— E Hephaestus?
Minhas bochechas ficaram rosa. Meu pai era a última pessoa que eu queria
falar sobre isso, mas ele é o único que podia entender. —Com ele, é só nós dois.
Todo o resto fica escuro, e não importa o que estamos falando, mesmo que seja
algo bobo, é quente. Sempre quente. — Nunca frio como às vezes é com Ares.
— Então parece que você tem uma escolha a fazer, — disse ele. Meus olhos
encheram de água, mais uma vez.
—Como? — Eu sussurrei. — Todo mundo pensa que eu sou uma puta por
amar os dois, mas não posso evitar, papai.
136
passar. Isso não significa que nós amamos o nosso parceiro menos. Significa
apenas que partilhamos o nosso amor com os outros, também.
— Eu não sei, minha querida, — disse o papai, correndo os dedos pelo meu
cabelo. Eu senti falta disso. Eu senti falta dele. —O que eu sei é que é uma
escolha que você vai ter que fazer. Eu cometi o erro de tentar forçá-la em algo que
você não queria uma vez e eu não vou fazer isso de novo. Você tem a minha
permissão para decidir. Mas cuidado, eu acho que por qualquer escolha que você
fizer, você vai definir esta parte de sua existência. Talvez toda. Certifique-se de
que é alguém que você quer ser amarrada para sempre. Meus filhos amam você
de maneiras muito diferentes, e o amor pode ser um presente ou uma maldição.
Tente escolher a primeira, se você puder.
— Isso é para você decidir. — Ele beijou minha testa. — Estou feliz que
você esteja em casa.
137
— Heh! — Chorou Eros, de repente, lutando em meus braços. Eu pisquei,
fazendo o meu foco com os olhos marejados, vi uma figura volumosa iminente
longe no corredor. Hephaestus.
—Aphrodite?
Ele sulcou sua testa. — Eu desejo que eu não precisasse fazer isso.
138
Eu acreditei nele. Ele apertou os olhos para mim como se machucasse,
como se eu ainda fosse o seu sol e eu estava brilhando, muito brilhante para ele,
para me encarar e o gelo em volta do meu coração derreteu. Eu tinha pensado
muito, ocupada com o que eu queria, que eu não tinha parado para pensar sobre
como isso devia machuca-lo.
— Eu nunca vou ser como sua mãe, — eu disse baixinho. — Eu nunca vou
ser capaz de me dedicar a uma pessoa, não importa o quanto eu os amo. Você
tem que deixar de fazer seus deveres, e esta - esta é a minha maneira de fazer o
meu.
Sua boca formou uma linha fina e ele olha para suas mãos. Eu nunca o vi
tão desfeito antes. Estava acostumada a sua fúria, seu fogo, mas esta quietude
não era natural. E eu sou a única que fez isso para ele.
139
Ele hesitou. — Mas eu não posso me casar com você quando você ainda o
vê. Eu preciso que você entenda isso. Qualquer outra pessoa - eu não me importo
com quem, você está livre para fazer o que quiser, desde que você me ame mais
do que tudo. Mas Hephaestus...
— Eu amo você, — ele disse. — Eu amo cada parte de você, exceto a parte
que você – se importa com ele. Quero me casar com você. Vou me casar com você,
e nós vamos passar nossas vidas juntos. Mas, para sermos feliz, você não pode
vê-lo mais. Isso é tudo que peço.
O meu coração palpitou. Poderia ser a única coisa que ele queria, mas não
era exatamente um pedido pequeno e o pensamento de nunca mais ver
Hephaestus novamente - de nunca sentir esse calor, de nunca poder ficar com ele
- fez-me doer de uma maneira que eu nunca senti antes.
Não é justo. Mas papai disse direito - o que eu escolher vai definir o resto
da minha vida. Haverá sempre combates e sempre haverá guerra. Não importa
quantas vezes Ares prometa que vai estar lá para mim, ele vai sair. Provavelmente
mais do que eu perceba. Então essa é a minha escolha - uma vida de fogo
intermitente, de esperar por Ares para voltar para casa a partir de qualquer
batalha que ele estiver desaparecido, ou uma vida de calor constante. De
companheirismo.
E talvez Hephaestus não esteja mentindo para si mesmo. Talvez ele esteja
disposto a me compartilhar de uma maneira que Ares não está.
140
Eu hesitei. — Eu amo você e Eros. Eu amo a nossa família. Se eu pudesse
só saber uma verdade em minha vida, seria ele. Mas - se eu não me casar com
você... se eu fizesse o que o papai queria...
Chamei à minha altura completa. — Então eu não vou casar com ninguém.
Ele agarrou meus ombros, seus dedos cavando em minha pele. Antes que
eu pudesse protestar, ele me beijou, beliscando meu lábio inferior e pressionando
seu corpo no meu. — Tudo bem, — ele rosnou. — Então, você ainda vai ser
minha.
141
Usando toda a força que eu tinha, eu o empurrei de cima de mim. — Não. E
se é assim que você vai me tratar, então acabou.
Ele riu seu riso sem humor. — Sim, certo. Você vai estar implorando para
voltar para mim em breve. É quem você é Aphrodite, e Hephaestus nunca vai
entender.
Eu girei sobre os calcanhares e fui para o arco. — Isso é o que você pensa.
Mas assim que fugi para fora da câmara, eu podia sentir o fogo entre nós.
Ele sempre estará lá, se estávamos casados ou não, e nada que eu faça nunca vai
apagá-lo. Quanto mais rápido nós dois aceitarmos, melhor.
Ele balançou a cabeça. — Eu não vou pedir-lhe para casar comigo quando
você está cheia de vingança contra o meu irmão.
—É, — disse ele calmamente. — Eu sei como você se sente por ele. Ares é
um bruto às vezes, mas você ainda o ama, e eu respeito isso. Eu não vou piorar
as coisas para os dois ao me casar com você só para fazê-lo ficar com raiva.
142
—Alguém o faz, — disse ele e silêncio permaneceu entre nós. —Um dia,
uma vez que você tiver tempo para resolver seus sentimentos, eu vou perguntar a
você. Mas, enquanto isso, eu não preciso de um compromisso, a fim de te amar, e
eu não acho que você precisa dele para me amar também.
Meu queixo tremeu e ele passou os dedos contra a minha bochecha. Ele
retornou à sua forma imortal agora, pernas tortas e tudo, mas eu não o vejo
daquele jeito mais. Bem, eu vejo, mas não tanto quanto antes. Eu o vejo agora, o
modo como ele me vê. Eu vejo o que está debaixo de sua feiura, assim como ele vê
o que está debaixo da minha beleza.
— Eu sempre vou amar Ares. Eu sempre vou ter algo com ele -
— Eu sei, — disse ele baixando os olhos. — Eu nunca vou lhe invejar isso.
Eu vi o que ciúmes faz com amor o e eu nunca vou te machucar desse jeito. É
parte de quem você é, e eu amo cada pedaço de você. Mesmo a parte que ama
meu irmão. E se você decidir que quer voltar para ele, então, enquanto você
estiver feliz, eu vou aceitar.
143
sei a maneira que você ama, e essa é a parte mais importante. Nós vamos ter a
eternidade para aprender o resto.
Eu hesitei. — Seu amor - é o tipo de amor que alimenta e cresce, o tipo que
é constante, não importa o quê. É quente, é convidativo, é aceito, e isso é o amor
que eu quero. Este é o amor que eu preciso.
Eu posso passar a eternidade dividida entre dois irmãos, mas não era
realmente um destino tão ruim. Ares um dia iria superar a si mesmo, e ele
voltaria para mim. Quando esse dia chegar, eu o perdoaria e nós vamos ser tão
apaixonados pelo outro, como sempre fomos. Mas eu não vou desistir desse amor
por nada e até Ares aceitar isso, ele será o único a perder. Não eu.
144
—Aí, — eu sussurrei, quando eu quebrei o beijo. —Você vai ter isso
enquanto você quiser, também. Eu posso amar os outros, mas se você me deixar,
você sempre será a minha casa.
*****
145
Deusa do Submundo
Parte Um
Ela sabia exatamente como me sentia a respeito de tudo isso. Ela não
queria a verdade - ela queria a afirmação falsa de que eu era tão feliz como ela
era. — Eu não quero fazer isso, — eu disse. Não adianta segurar agora.
146
— Querida, — disse a mãe em um tom que ela deve ter pensado que estava
entendendo, mas era realmente o mesmo que ela tinha usado para me convencer
a fazer isso em primeiro lugar. Ela entrou no quarto e fechou a porta atrás de si.
—O que há de errado?
—O que está errado é que eu não quero casar com Hades. — Procurando
um lugar para sentar, vi uma cadeira na selva florida, mas um buquê de flores
roxas já estava lá. Eu bufei e cai no chão de vez. —Você me disse que o
Underworld não era tão ruim.
—Você sabia que isso iria acontecer por um longo tempo, minha querida.
Eu nunca iria permitir isso se eu não estivesse absolutamente certa de que iria
amá-lo.
— E se eu nunca fizer?
— Persephone, olhe para mim. — Ela inclinou a cabeça para cima e meus
olhos encontraram os dela. —Você vai. Confie em mim. — Sua confiança deveria
147
ter suscitado o mesmo em mim, mas eu estava vazia. — Eu vou visitar você o
tempo todo. Este é o começo do resto de sua vida, não o fim.
Ela estava errada - era o fim de tudo o que importava. O fim do dia
colhendo flores e imersão na luz do sol, o fim das noites sentada em seu colo,
enquanto ela me contava histórias. Uma dor profunda encheu-me e engoli em
seco. Não chorei. Não hoje.
Mãe nunca tinha estado tantas vezes antes. Eu não poderia ser feliz, não
nesta caverna subterrânea. Não sem o sol. Não sem ela.
— Hades já ama você, minha querida. Ele é calmo e ele não ama em voz
alta como você pode ter notado, mas isso não faz com que o seu amor seja menos
forte. Você já viu o jeito que ele olha para você. — Relutantemente eu assenti. Eu
tinha visto, o olhar perfurante quando ele pensou que eu não iria perceber. A
maneira como seus olhos pareciam seguir-me quando me mudei toda para sala.
Não de uma forma predatória, mas como se ele estivesse preocupado. Como se ele
se importasse. Talvez ele secretamente não fosse louco por essa coisa toda,
também.
148
—Você vai encontrar a felicidade aqui, — disse ela. —Você vai encontrar o
seu propósito e eu nunca vou estar longe. Nós todos temos papéis em nossas
vidas, Persephone - papéis que podemos não, inicialmente, desfrutar, mas papéis
que percebemos logo são necessários. Você nasceu para fazer isso, minha
querida, e Hades a ama. Confie em mim quando eu digo isso. Eu te amo demais
para jamais permitir que alguém te fira, inclusive eu mesma.
Eu engoli. Ela me amava. Fora de tudo no mundo, isso era a única coisa
que eu sabia ser completamente, de forma inequívoca verdadeiramente. E por
causa disso, eu deixei ela me ajudar a levantar, minhas pernas instáveis debaixo
de mim.
— Minha menina bonita. O amor da minha vida. — Ela arrancou uma flor
roxa do buquê na cadeira e prendeu em meus cachos loiros avermelhados agora,
quando o outono definia. — Você é perfeita.
Eu doía para acreditar nela, mas quando ela me levou a uma antecâmara,
uma melodia das cordas do alaúde de Apollo filtrava através do ar. E em vez de
me lembrar de harmonia e amor, as notas eram tristes ao meu ouvido,
encaixando perfeitamente com a desolação deste reino.
Ela enrolou seu braço no meu e um par de portas duplas abriu, revelando a
sala do trono do Submundo. Com seus pilares de obsidiana e cortinas de preto e
ouro que pendiam das janelas altas, não era nada como a sala do trono do
Olympus. Nada como a minha casa.
Mãe ficou comigo até chegar à frente da sala do trono, onde Hades estava
entre um par de tronos de diamante. Dele, um preto que eu tinha visto inúmeras
vezes durante as reuniões do conselho e o meu Diamante branco, um presente de
Hades, acolhendo-me para o Submundo. E a partir do conselho, acolhendo-me
como seu igual.
149
Mas eu nunca seria igual a eles, e eles sabiam disso, assim como eu sabia.
Uma igual teria sido autorizado a tomar suas próprias decisões, não penhorada
em um casamento arranjado aos dezesseis anos. Se eles achavam que eu ia
deitar-me e levá-lo, eles estavam errados.
***
Eu desejava que ela não tivesse. Talvez, então, meus pais nunca teriam me
forçado a isso. Era meu casamento, e eu já me sentia oprimida por calor e
correntes invisíveis. Não exatamente um começo auspicioso.
Eu enterrei meu rosto em seu ombro. Não era o seu amor que eu estava
preocupada. Era o meu. Por enquanto eu estava consciente de que era um
150
casamento, eu sabia que fui prometida para Hades, e eu estava absolutamente
certa de que eu iria amá-lo agora. O suficiente para contentar, pelo menos, se não
excitada. E enquanto eu tentava agarrar o único amor que posso ou não posso ter
sentido para ele, estava além do meu alcance.
Mas poderia aproximar mais o tempo que passei com ele, os sorrisos e
palavras e toques que compartilhamos. Tinha que fazer. Aphrodite não tinha
escolhido seu marido também, depois de tudo, e agora ela passou o dia inteiro
abraçando-se a ele. E Hera, que tinha escolhido a dela,e foi completamente infeliz.
Então talvez Mãe estivesse certa. Talvez o amor estivesse naquela sala
esperando por mim, e tudo que eu tinha que fazer era ir lá buscá-lo.
Mãe olhou por cima do ombro. —Já está. Vá para o seu marido,
Persephone. Dê a ele uma chance de te fazer feliz.
Ela saiu, fechando a porta atrás dela, e eu exalei. Hades era realmente o
meu marido. Meu rei. Eu era casada agora, e as coisas nunca iriam voltar a ser
como tinham sido. Esta era a minha vida agora.
151
A porta para as câmaras de Hades abriu facilmente. Entrei, esperando que
fosse escura e úmida, como o resto do Submundo, mas em vez disso a grande
sala estava iluminada por dezenas de velas flutuantes. Elas lançavam um brilho
suave sobre a cama de pelúcia, onde Hades estava sentado esperando por mim, e
um punho enrolou em minhas entranhas. Era isso.
Eu afundei na borda da cama. Era estranho ficar sozinha com ele, apesar
da insistência da Mãe que ele e eu conhecemos um ao outro, ela sempre esteve
presente. Ele parecia mais velho de alguma forma, e potência irradiava sem
esforço dele. Quando ele se sentou ao meu lado, no entanto, ele gentilmente
segurou minha mão entre as suas.
—Você está nervosa, — disse ele. Não era uma pergunta, e ele não esperou
por mim para responder. — Eu também estou.
152
Eu zombei. —Você é o Rei do Submundo. O que você, possivelmente, tem
para estar nervoso?
Ele hesitou, roçando o polegar contra meus dedos. O gesto foi quase íntimo
em sua simplicidade e um arrepio correu através de mim. — Estou nervoso que
eu não posso te dar tudo que você merece.
Ele apertou minhas mãos. —Você pode fazer muitas coisas com a sua
existência, mas você está aqui comigo. Eu não posso te dizer o que isso significa
para mim. Ninguém... — Ele fez uma pausa e as cordas em seu pescoço se
destacou. — Ninguém me escolheu antes, não por causa de quem eu sou. Não
por razões puras. Que você está disposta a tentar é tudo o que eu nunca tive
antes.
O calor me encheu, e aproximei-me mais para ele. Não foi tão difícil de ver
sua vida através de seus olhos, todas essas eras de solidão. — Eu vou tentar, —
eu prometi. — Eu quero - eu quero estar com você.
— Eu sei que este casamento vai levar tempo para se estabelecer para nós
dois, mas vamos crescer juntos. Vamos aprender juntos, — disse ele, levantando
a mão aos lábios.
Sim, nós o faríamos. Debaixo de seu olhar penetrante, relaxei. Seria tudo
bom. Mãe sabia o que estava fazendo, e ela nunca teria me casado com Hades, se
ela não estivesse absolutamente certa de que iria funcionar. Mas, mesmo quando
eu pensei nisso, eu cresci dolorosamente consciente da pedra que me cercava.
153
Não importa como eu me sentia sobre isso, eu ainda estava presa aqui. Enganar-
me em ser feliz não mudaria isso. Não me daria a minha escolha e a liberdade de
volta.
Estava quente e úmido, e não era o que eu esperava, não em tudo. Ele não
chiou ou brilhou ou me fez amá-lo. Não abriu um novo mundo de possibilidades.
Foi apenas isso: os lábios contra os lábios, uma boca macia contra a minha
própria. E para piorar as coisas, Hades não me beijou de volta.
Mas eu queria esse amor. Eu precisava desse amor para fazer a pedra
derreter, para que tudo não fosse tão ruim. E se eu pudesse fazer-me amá-lo
tanto quanto ele me amava... talvez tudo estaria bem. Talvez isto não seria uma
prisão.
154
Quando eu o empurrei em cima da cama, no entanto, ele se afastou. —
Persephone-
Seu pomo de Adão balançou, mas ele ficou em silêncio. Beijei-o de novo,
puxando-o tão perto de mim quanto possível. Eu nunca tinha tido alguém contra
mim assim antes, e seu corpo era sólido, mais pesado do que eu esperava. Não
que eu esperasse muito, mas ainda era estranho.
Uma noite para engolir os meus medos, uma noite para estar com ele como
assim, e esse fio de amor iria se transformar em uma tempestade uivando. Eu só
precisava passar esta noite.
— Faça, — sussurrei, e quando ele abriu a boca de novo, sem dúvida, para
protestar, eu o silenciei com um beijo ardente.
***
155
fosse imortal, eu tinha certeza que teria sido uma das experiências mais
dolorosas da minha vida.
Para piorar a situação, ele não parecia que ele sabia o que estava fazendo,
também, e ambos nos atrapalhamos. Poderia ter sido íntimo, mas não era sexy
ou amoroso. Era tudo físico, nada emocional, e pelo tempo que acabou, eu estava
lutando para conter as lágrimas.
Hades rolou de cima de mim, com o peito arfando. Com o seus olhos
procurando os meus, com o cenho franzido, ele passou os dedos em minha
bochecha. — Eu sinto muito.
Eu balancei a cabeça, muito perto de quebrar se falasse. Não foi culpa dele.
Eu tinha sido a única a pressioná-lo para isso, para forçar ambos de nós antes
estivéssemos prontos. Mas a parte de mim se afogando em raiva e decepção o
culpava. Ele poderia ter feito o que eu não tinha tido a coragem de fazer e ido
embora. Ele poderia ter dito não ao meu pai quando ele tinha sugerido esse
casamento para começar.
Silêncio nos rodeava e eu sabia sem pedir, que ele estava esperando por
mim a dizê-lo de volta. Para oferecer-lhe uma pequena afirmação de que este não
foi um desastre completo. Mas era, e uma lágrima escorreu pelo meu rosto, muito
rápido para eu pegá-la.
156
Por último Hades voltava à vida e puxou um cobertor de seda para me
cobrir. Ele não tentou me tocar, embora ele tenha me olhado por um longo
momento. Eu me virei. Eu não queria a sua culpa, bem como a minha.
Eu não poderia fazer isso. Eu não poderia estar aqui com um homem que
eu não amava. Casada ou não, sua rainha ou não, eu era uma pessoa, não um
objeto, e meus pais não tinham o direito de fazer isto para mim em primeiro
lugar. Mas aqui estávamos, ambos vítimas, ambos de nós dolorosamente
conscientes do muro entre nós agora. Ele não tinha estado lá antes do
casamento, mas agora, por causa de mim, por causa dos meus pais...
Nenhuma competição.
—Onde... — Ele fez uma pausa e segurou a bandeja, carregada com minhas
frutas favoritas, pães e queijos. Ele estava me trazendo café na cama. —Onde
você vai?
157
Outra onda de culpa tomou conta de mim. Mesmo depois de ontem à noite,
ele ainda estava tentando me fazer feliz. — Eu...eu preciso ver a Mãe, — eu disse,
minha voz engatando. — Posso...?
—É claro. — Ele colocou a bandeja sobre uma mesa e chegou para mim,
embora ele tenha se afastado no último segundo. —Vou levá-la até ao Olympus.
—Você está bem? — Disse Hades, tocando o meu cotovelo. Embora não
fosse muito, foi o suficiente para me lembrar da noite anterior, e eu estremeci. Ele
imediatamente soltou sua mão.
— Sim, — ele disse lentamente. —É claro. Eu tenho que tocar em você para
chegar lá. Está tudo bem?
Eu balancei a cabeça, e ele colocou a mão nas minhas costas. Foi um toque
familiar, o tipo apenas de duas pessoas que se conheciam bem poderiam
compartilhar, e sua pele queimava contra a minha.
Por que foi assim tão mau? Claro, na noite anterior não tinha sido em tudo
o que eu tinha criado para esperar por assistir Aphrodite e seus amantes, mas
muitas pessoas passaram por pior. Então, por que o pensamento dele me faz mal
ao meu estômago?
158
escapar dele quando corremos para cima, através da rocha, e no momento em
que invadimos o céu aberto, eu estava enjoada. Da viagem, do Submundo, do
toque de Hades ou antigo poder, eu não sei, mas tudo o que eu queria era ir para
casa.
Eu balancei a cabeça, e algo sobre ouvir a voz dela e sentindo sua presença
familiar fez essa barragem dentro de mim quebrar. Eu rompi em soluços ásperos,
segurando nela tão duro quanto eu poderia. Eu não iria deixá-la ir novamente,
não para qualquer coisa.
Mas foi. Eu não poderia explicar-lhe - eu não poderia explicar isso para
mim - mas naquele momento, eu preferia desbotar para a eternidade do que
voltar para o Submundo com Hades. Eu não pertenço lá. Nós não pertencemos
um ao outro, e isso foi tudo um erro - um erro estúpido que a Mãe poderia
consertar.
— Por favor, — eu ofeguei entre soluços. — Não me faça voltar para lá.
159
Eu abri minha boca para tentar encontrar as palavras, mas antes que eu
pudesse dizer uma única de uma –
— Persephone?
Eu olhei para cima, o meu lábio inferior tremeu. — Pai? — Zeus entrou no
quarto, a testa franzida e boca virada para baixo. Pai ou não, eu nunca passei
muito tempo com ele para além do que uma pequena ligação, para amenizar a
culpa dele. Mas eu teria levado os seus abraços desajeitados e temperamento
desagradável mil vezes antes de voltar para o Hades.
— Persephone, seu marido está esperando por você na sala do trono, — ele
advertiu. — Ele está muito preocupado.
— Não seja ridícula. Você é uma deusa. Você não precisa respirar, — disse
Zeus. —Agora, me explica sobre o que essa birra sua é.
—Zeus, — disse a Mãe em tom de advertência, mas ele não se mexeu. Ele
olhou para mim, os olhos azuis de tempestade e os braços cruzados sobre o peito
largo. Eu nunca tive medo dele antes, mas a tensão crepitava no ar como um
relâmpago. Uma palavra errada, filha e ou não, ele me trataria como uma
traidora.
160
Mãe suspirou. —Você já esteve lá toda uma noite. As coisas vão ficar mais
fáceis. Eu sei que é uma mudança do Olympus -
— Não, mas-
Ela franziu o cenho e compartilhou um olhar com Zeus. — Seu pai está
certo. Você é Rainha, e goste ou não, isso não é um papel que você pode
abandonar. Independentemente do seu casamento, Hades precisa de sua decisão
de ajuda, e você já fez um compromisso. Você não pode voltar atrás, não importa
o quão diferente é a partir de suas expectativas.
— Mas como posso amar algo completamente não amável? — Minha voz
quebrou, e eu limpei meu rosto com raiva.
161
—Você pode e eventualmente, você vai. De muitas maneiras, Hades é o
mais amoroso de todos nós, — disse a mãe. — Não se deixe enganar pelo seu
reino escuro. Há beleza nele, e apesar de uma noite difícil, as coisas vão ficar
mais fáceis. Felicidade é uma escolha-
Mas eu não podia. Eu não sabia o que era a coisa específica por trás do
muro de ódio e raiva dentro de mim. Eu não sabia o que me fez querer correr,
mas isso não a torna menos real. — Ele só - — Eu balancei a cabeça. — Não é
certo.
—Dê um passo de cada vez, — Mãe disse em uma voz que tinha intenção
de ser suave, mas que me fez estremecer. — Se você não gostou de consumar seu
casamento, o que é natural. A primeira vez é quase nunca -
— Então o que é isso? — Ela chegou para mim, mas eu voltei. Meu corpo
inteiro tremeu tanto que eu tive que lutar para ficar de pé. Era como se eu
estivesse lutando contra uma força invisível apenas por estar na sala, e eu não
sabia como pará-la.
— Eu só - eu não pertenço lá. Eu não sei de que outra forma explicar isso.
Mãe e Zeus trocaram outro olhar, e Zeus limpou a garganta. —Você vai
voltar para o Submundo com Hades, e você vai obedecê-lo como você me obedece.
Ele é o seu marido agora, e você não vai me desonrar evadindo seus deveres. Você
entendeu?
162
Meus olhos lacrimejaram até que eu não poderia ver as suas
características. Mas eu conhecia essa voz, era a voz de um rei, a que ele usava
quando tínhamos absolutamente nenhuma escolha. A voz que ele tinha usado
para me dizer que eu ia casar com Hades no meu aniversário de dezesseis anos,
não importa como eu me sentia sobre isso.
Eu não poderia responder. Toda vez que eu abri a minha boca, o muro de
ódio e ressentimento estava lá, e eu finalmente corri por ele e fugiu do quarto. Eu
não poderia fazer isso, não importa quantas vezes ele me ameaçou, e o fato de
que ele e minha mãe se recusaram a sequer considerar meus sentimentos - não
era justo. Eu precisava ficar longe da repulsa inflexível. Eu precisava ficar longe
de minha vida.
163
Eu esperava um pouso forçado, do tipo que deixaria um recorte no chão
para os mortais curiosos a ponderar, mas quando meus pés tocaram a terra, eu
parei. Sem pouso forçado. Nenhum impacto real. Eu nem sequer deixei pegadas
na grama.
Por que não poderia Hades viver na superfície? Por que ele tinha de estar
perto de seus súditos em todos os momentos? Zeus certamente não estava.
Sentei-me fortemente no meio do campo, passando a mão pela grama alta. Esta
era a minha casa, cercada por calor, por natureza e por vida. Não envolta em
pedra.
— Persephone?
Eu exalei. Não era Hades. — Hermes? O que você está fazendo aqui?
—Você está chateada, — disse ele enquanto se sentou na minha frente. Nós
tínhamos crescido juntos, os bebês em comparação com o resto do conselho e vê-
lo agora me deixou com mais saudades do que nunca. — Será que Hades te
machucou?
Ele foi a primeira pessoa a reconhecer que talvez isso não fosse minha
culpa e meu coração se encheu de gratidão. — N-não. — Eu soluçava. — Eu só
não posso voltar.
164
Ele pegou as minhas mãos, os dedos suaves e frescos. Esse pequeno gesto
de carinho foi o suficiente para fazer quebrar tudo de novo, descansei minha
cabeça em seu ombro e chorei. Odiava me sentir assim, odiava não ter a coragem
de dar uma chance a Hades. Mas não era ele. Foi à sensação de estar sendo
sufocada, queimada antes que eu tivesse a chance de viver. Por que eu não
questionei meus pais antes? Por que não exigi a chance conhecer o Submundo de
Hades melhor? Por que não haviam me dado uma escolha?
Não, e isso só me fez chorar ainda mais. Eu não tive escolha. Se gostei ou
não, teria que voltar para o Submundo. A menos-
—Você me ouviu. Fuja comigo. Podemos ir para algum lugar que nunca
irão nos encontrar, como Aphrodite e Ares fizeram, podemos ser felizes.
— Espere. — Ele se afastou de mim. — Quer dizer que você quer - você e
eu-
165
tipo de amor, desde que isso significasse que poderia ficar longe de Hades. — Por
favor.
Eu apertei meus olhos, lutando com outra onda de lágrimas. Nunca sairia
desta. Não agora, não daqui a mil anos, nem nunca. Não enquanto Zeus me
tratar como propriedade e Hades estiver junto com ele. — Ele nunca concordaria,
— eu sussurrei.
166
— Talvez um dia você possa, — disse ele. —Você só precisa encontrar a
pessoa certa, é tudo. Se Hades não é, então não há nada de errado. Isso não tem
que ser para sempre, se você não quer que seja.
— Então, tente. Faça o que tiver que fazer para provar a si mesma e ao
resto do conselho que não é uma boa ideia.
— Se ele realmente ama você, então, uma vez que ele entenda quão
miserável você está, ele vai deixar você ir, — disse Hermes. — Só porque ele é um
cara bom, não significa que ele é um cara bom para você.
Eu balancei a cabeça. —Você pode dizer todas as coisas bonitas que você
quiser, mas isso não vai mudar nada.
—Você está certa, — disse ele. —A única que pode mudar isso é você. Você
apenas tem que tentar.
— Mas eu já tentei.
167
Um momento depois, a brisa veio de novo, senti uma segunda presença no
prado. O sol mergulhou abaixo do horizonte e Hermes enrijeceu. Eu não
precisava me virar para saber quem era.
— Eu não posso. Sinto muito. — A voz Hermes era baixa e suas palavras
apressadas. —Ouça - Vou visitá-la o tempo todo, eu prometo. Você não estará
sozinha. Só me faça um favor e se dê uma chance, certo? Faça o que tem que
fazer para ser feliz, mesmo que isso signifique prejudicar o conselho. Eles já
tiveram uma palavra a dizer. Agora é a sua vez.
Eu pressionei meus lábios juntos. Sendo esse tipo de egoísta ia contra tudo
que Mãe me ensinou. Esteja lá para os outros; coloque a felicidade deles acima da
sua própria; se contentar com a sua vida; não ser gananciosa ou invejosa ou
cruel; apreciar o calor e o amor em torno de mim, e não cobiçar o que eu não
tenho.
Mas como eu poderia apreciar o que não estava lá? Hades pode me amar,
mas o que isso queria dizer se eu não podia sentir? Ele poderia me amar mais do
que amou alguém no mundo inteiro e ainda não seria bom se eu não o amasse de
volta. Talvez com o tempo eu aprendesse a amá-lo, mas agora, tudo o que eu
conseguia pensar era na pedra pesando sobre mim e a sensação do corpo de
Hades sobre mim. E eu não tenho paciência para esperar.
— Eu prometo.
Atrás mim, se algo moveu – melhor alguém - e fez uma sombra sobre mim,
com o pouco de luz do dia que restou, tremi. — Hades.
168
— Eu sinto muito interromper, — disse ele calmamente, a maneira como
disse, me fez pensar que ele realmente sentia. — Posso falar com você sozinha,
Persephone?
Uma vez que Hermes caminhou para dentro da floresta, Hades ajoelhou-se
ao meu lado. Seu cabelo comprido e escuro, normalmente tão impecável, estava
despenteado, seus dedos cravaram em suas coxas. — Eu lhe devo um pedido de
desculpas.
Não isso de novo. —Você não me deve nada, — eu murmurei, olhando para
uma flor torta. —Desculpe-me, por ter corrido até aqui.
— Não, — disse ele. Nenhum de nós podia olhar para o outro. —O que
aconteceu ontem à noite... Eu prometo que isso não irá acontecer de novo, a não
ser que ambos estejamos dispostos e preparados.
Basta dizer-lhe.
169
A voz de Hermes ecoou na minha mente, suave, mas firme, finalmente eu
abri minha boca e deixei escapar: — Eu quero um quarto separado.
Ele olhou para mim, sem palavras. A maior parte de um minuto, seus olhos
procuraram os meus, me recusei a olhar para longe. Eu não podia voltar atrás,
não importa o quanto podia machucá-lo. Talvez esse fosse um passo na direção
errada, talvez fosse exatamente o que não precisávamos, mas eu precisava de um
espaço próprio. Se eu ficasse com ele, eu iria desmoronar. E eu preferia pensar
que ele iria, também.
— Tudo bem, — ele disse, com a voz embargada. — Se é isso que você
quer...
—É, — eu disse. — Eu sou sua rainha, vou governar ao seu lado, tanto
quanto você precisar de mim. Mas eu não posso ser sua esposa. Ainda não. Não
até que as coisas melhorem.
—Um dia elas farão, — disse eu. — Podemos trabalhar nessa direção.
Apenas - me dê uma chance de ajustar as coisas, ok? Enquanto isso vamos ser
amigos.
170
Sua expressão relaxou o suficiente para que eu soubesse que eu tinha dito
algo certo. — Muito bem. Nós seremos amigos.
— Eu quero que você seja feliz, — disse ele, quando uma brisa quente
dançou em torno de nós. —A partir do momento em que sua mãe apresentou-
nos, minha alegria foi amarrada a sua, eu prometo a você que apesar dos meus
erros, tudo que faço é para agradar você.
***
Eu tentei.
171
ou falarmos sobre o nosso dia, eu tentei ama-lo com o passar do tempo, mais a
cada dia crescia a certeza de que um dia meu coração ia explodir.
Eu estava presa. Nós estávamos presos. Sempre que olhava para Hades, eu
podia ver a dor que ele carregava. Mas como eu poderia explicar o meu ódio
natural para ele? Não seria machucá-lo mais, se eu dissesse a ele que eu não
queria ter nada com ele? Que eu o odiava tanto que me machucava fisicamente?
Mas nada funcionou. Nós fomos congelados, não por causa dele, mas por
minha causa. E eu não sei como corrigir.
172
me constantemente, prendendo-me sem piedade, Hades me trouxe para a
superfície para compensar a minha prisão. Mãe me visitou apenas uma vez, logo
após a minha birra no Olympus, e mesmo assim, foi simplesmente para ter
certeza de que eu estava me comportando.
Hermes no entanto manteve a sua palavra. Sempre que desceu para treinar
com Hades, ele passou um pouco de tempo comigo. Jogava jogos, conversando,
explorando as poucas partes do Submundo que eu estava disposta a ver, ele era
minha tábua de salvação e as coisas pareciam um pouco mais brilhantes quando
ele estava lá. Era o lembrete de que eu precisava, de que a vida não tinha parado
completamente. Que ainda havia um mundo cheio lá em cima.
Era cansativo julgar pela eternidade. Mas eu fiz o melhor que podia.
173
Alguém escorregou para dentro - não, não somente alguém. Dois conjuntos
de pegadas muito claras para serem Hades ecoaram pela sala. Franzindo a testa,
eu virei em minha cadeira. Hermes andou na minha direção e atrás dele,
Aphrodite seguiu.
—Você sabe o que quero dizer, — eu disse. — Por que você trouxe
Aphrodite? — Ela praticamente brilhava com satisfação eterna, e vê-la só fez o
fogo do ciúme dentro de mim queimar ainda mais quente.
174
Apenas o pensamento de dormir com Hades novamente fez minha pele
arrepiar e eu estreitei meus olhos. —Uma vez. Para consumar o casamento. Se
você disser a minha mãe, eu vou arrancar seu cabelo.
Eu dei de ombros. Tinha falado com Hermes sobre isso algumas vezes, mas
nunca ficou mais fácil. — Eu não sei. É só que eu não o amo. E cada vez que eu
penso em fazer esse tipo de coisa com ele, é como se formasse uma parede. Eu
não posso superá-la, não importa o quanto eu tente.
—Um muro? — Ela disse, franzindo a testa. — Mas você não eram amigos
antes de se casar?
—A primeira vez de todo mundo é horrível. Exceto a minha, mas, você sabe.
Deusa do sexo. Não pode realmente ajudar.
—Como você fez isso? — Eu soltei. —Como é que você fez a si mesma, se
apaixonar por Hephaestus?
175
casa. No final do dia, é por causa dos meus sentimentos que fico com ele. É por
causa deles que eu não me sinto presa.
Se fosse assim tão fácil para mim. Eu olhei para minha mão entrelaçada
com Hermes. —É difícil ter um caso quando eu estou presa aqui embaixo o tempo
todo, — eu murmurei.
— Eles não são para todos, — ela concordou, enrolando uma mecha de
cabelo loiro em torno de seu dedo. — Mas há outras maneiras que eu poderia
ajudá-la, se você me deixar.
Ela zombou. — Ninguém pode fazer qualquer pessoa se apaixonar por outra
pessoa. Mas luxúria, com certeza, Eros é realmente bom nisso. Mas eu quero
dizer é tentar ajudá-la a quebrar a parede. Dar-lhe um empurrãozinho na direção
certa.
Eu não tinha ideia do que ela queria dizer e quanto mais ela falava mais
tensa eu ficava, até Hermes teve que praticamente arrancar sua mão da minha.
Enquanto ele estava ocupado flexionando os dedos, eu disse, — Eu não sei.
—Claro que sim, — disse ela. —Você quer amar Hades, certo?
—Você quer ser feliz. Isso é o que todo mundo quer. E se você não pode
ficar fora dessa bagunça-
—Você não sabe que eu não posso. Talvez Hades mude sua mente e -
176
— Não é a mente dele que tem que mudar, — disse ela e no momento em
que disse isso, seus olhos se arregalaram, e ela apertou os lábios. O que diabos
ela estava falando?
Ela afundou no outro braço da minha cadeira, sua expressão caindo. Como
era possível que ela pudesse olhar tão bonita, não importa o humor que ela
estava? — Papai decidiu que tinha de se casar com Hades, porque ele estava com
ciúmes, porque Hera estava gastando muito tempo com ele, e ele não quer que
ela tenha ideias.
177
Ela arqueou uma sobrancelha. — Mesmo que você não o ame, você gosta
do fato de que ele te ama.
— Sim, ele ama, — admitiu ela. — Mais do que ele amou alguém. E isso o
está o machucando, tanto quanto está prejudicando você-
178
Aphrodite saiu da sala e assim que a porta fechou por trás dela, uma
barragem rompeu dentro de mim. Toda a frustração, raiva e desespero que eu
tinha engolido, desde o dia que casei com Hades me inundou, e eu explodi em
lágrimas.
E é claro que foi culpa de Zeus. Tudo era. Eu nunca tinha tido vergonha de
ser sua filha antes, mas agora, sabendo o que ele tinha se disposto a fazer a fim
de proteger seus próprios interesses, para manter Hera enjaulada como eu era-
— Hey, — disse Hermes. —Você está bem. Tudo vai ficar bem.
Mas não importava quantas vezes ele repetisse, ele estava errado e nenhum
de nós poderia mudar nada. — Isto não pode ser a minha eternidade, Hermes.
— Não vai ser. Eu vou fazer o que tiver que fazer para ter certeza que não
será.
179
Finalmente consegui parar de chorar e ele beijou o topo da minha cabeça.
—Você é minha melhor amiga, — disse ele. —Você é importante para mim. Você é
importante para todos nós, mesmo que não se sinta assim. Não se esqueça disso,
tudo bem?
Depois que ele saiu, tomei uma respiração instável e endireitei-me, olhando
para o outro lado da caverna. O rio Styx fluía através da pedra, esculpindo um
caminho mais velho do que todos nós. Qual seria a sensação de estar no outro
lado? Viver sabendo que haveria um fim algum dia? Nem todos os mortais sabem
sobre o Submundo, tinham aqueles que apenas suspeitavam realmente. Eles
acreditavam, mas nunca tinham estado aqui em baixo, uma vez que eles
morressem, eles nunca poderiam dizer a sua família e amigos sobre isso. Qual
seria a sensação de enfrentar esse desconhecido inevitável?
De certa forma, eu os invejava. Não importa quão terrível suas vidas eram,
eles teriam uma chance de escapar no final. Eu não teria isso.
Fechando os olhos, deixei minha mente vagar. Não aguentei voltar a ver o
casal feliz na floresta, então me concentrei em alguém que eu queria ver -
Hermes. Eu escorreguei em uma visão, vendo o presente, como o que estava
acontecendo e meu coração pulou uma batida. Hermes estava na sala do trono,
vazia, exceto por Hades e ele olhou meu marido diretamente nos olhos.
— Se você não deixá-la ir, ela vai murchar. Você sabe disso. Você vê todos
os dias. Então, por que adiar o inevitável?
Hades franziu a testa. —Você fala como se você soubesse exatamente o que
está acontecendo.
— Eu sei que você a ama tanto, que você está em agonia, — disse Hermes.
— Eu sei que ela não te ama, mas ela está tentando se forçar a amar de qualquer
180
maneira, porque sabe o quanto isso está prejudicando você. Eu sei que você está
fazendo tudo o que é possível para fazê-la feliz, eu sei que apesar disso, ela se
sente presa aqui. E eu suspeito que você se sente enjaulado, também.
Mas eu não podia interagir com o presente, tudo que podia fazer era
assistir e embora me ocorresse que poderia acabar com a visão e me juntar a
eles, eu era muito covarde para fazê-lo. Desta forma, Hades poderia tomar uma
decisão sem a minha interferência. Ou pelo menos, é isso que eu queria acreditar.
—Você faria isso com ela? — Disse Hermes. —Você a prenderia aqui por
tanto tempo, sabendo o quão miserável é ela?
— Saia, — disse ele em voz baixa, que por si só não era muito, mas
combinado com o poder que encheu a sala do trono, foi mortal. Hermes abriu a
181
boca como se estivesse indo protestar, mas no último minuto, ele fechou-a de
novo e virou de costas.
Oh, inferno. Não havia dúvida para ele tinha ido. Puxei-me de volta para o
observatório, apenas a tempo de ver Hades chegar ao lado da poltrona.
— Sinto muito, eu não queria interromper, — disse ele, uma dica de uma
quebra em sua voz. Tudo o que ele estava pensando, ele estava lutando.
Ele ficou lá meio sem jeito por um longo momento, as mãos cruzadas na
frente dele e juntos olhamos para fora da janela. Quando eu estava certa de que
ele não diria nada, ele limpou a garganta.
Eu pisquei. Ele realmente não sabia? — Não. Não por causa de você, —
acrescentei apressadamente. — Mas - é este lugar. É sufocante. — Se o meu ódio
pelo Submundo tornou-se nada mais do que uma desculpa ou se realmente era a
raiz da amargura inflexível, eu não sabia. E eu particularmente não me importava
de qualquer maneira. Eu já tinha feito tudo o que podia pensar para corrigi-lo.
— Eu vejo, — disse Hades e outro momento passou antes que ele dissesse,
— O que seria necessário para fazer você feliz?
182
Eu hesitei. Mil pensamentos vieram à mente, cada um mais ridículo do que
o último, mas só havia uma coisa que eu realmente queria. — Eu quero uma
escolha, — eu disse. — Eu quero a chance de escolher essa vida para mim.
Agonia que eu não esperava brilhou em seu rosto. O que eu era para ele,
era mais do que eu tinha imaginado. Muito, muito mais. Essa não era a dor de
um homem que perde o seu orgulho. Essa era a dor de um homem que perde
tudo o que ama.
— Eu não posso fazer isso, — disse ele, suas palavras eram pouco mais que
um sussurro. — Se estivesse em meu poder, gostaria de lhe dar tudo o que você
desejasse, incluindo um divórcio. Mas os laços que a amarram ao Submundo,
como sua rainha, são mais fortes do que eu.
Então era isso. Esta era a minha vida de agora em diante - uma escrava,
não apenas a um marido que não amava, mas a um reino que eu odiava a cada
respiração no meu corpo. Todo mundo ia ter um final feliz, exceto eu.
E Hades, eu percebi, olhando para ele com o canto do meu olho. Seu
destino estava ligado ao meu e ele parecia quase cinza à luz da vela baixa. Não
era apenas da minha vida que estávamos falando. Era da sua, também.
183
Ele sabia no que estava se metendo quando concordou em casar, no
entanto. Sabia que isso era uma possibilidade, que eu nunca iria amá-lo. Ou
talvez nunca lhe ocorreu. De qualquer forma, fez a escolha dele, tinha uma para
fazer em primeiro lugar. Eu não tinha.
Comecei a ficar de pé. Eu queria estar em qualquer lugar, desde que ele
não estivesse lá, também. Mas assim que me endireitei, ele virou-se para mim, os
olhos brilhando à luz do fogo.
— E se... — Ele engoliu em seco. Eu nunca tinha visto ele em uma perda
como essa antes, e quebrou todas as coisas boas dentro de mim. — E se eu lhe
der uma escolha?
Por fim, ele olhou para mim e seus olhos de prata, tão cheio de tudo o que
ele não poderia dizer, enviou um arrepio na espinha. — Se eu lhe der metade de
cada ano, para fazer o que você quiser... isso faria você feliz?
Ele acenou com a cabeça uma vez, duas, três vezes, como se estivesse
tentando convencer a si mesmo. — Então, é isso que vou fazer. A partir do nascer
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do sol, no equinócio de primavera ao nascer do sol no equinócio de outono, você
poderá gastar o seu tempo, onde você quiser. No Olympus, na superfície, mesmo
— Ele limpou a garganta. — Mesmo aqui, se quiser.
Nós dois sabíamos que isso não iria acontecer, mas eu dei a mão para ele,
de qualquer maneira. —Obrigada, — eu sussurrei. — Eu não posso dizer o
quanto sou grata.
Eu não podia acreditar, ainda não, não até que eu sentisse o sol na minha
pele e o vento no meu cabelo, mas o olhar de esmagamento de perda no rosto
dele confirmou que sua oferta era real. —Você não tem que agradecer, — disse
ele. — Sua felicidade é todo o agradecimento que eu preciso e tudo que eu peço
em troca. Apenas volte para mim.
Não. Eu não deveria me preocupar com o que todo mundo queria para
mim. Esta era a minha vida, meu mundo, o meu futuro, não deles. E agora que
eu tinha uma segunda chance, não estava disposta a desistir de novo. Não para
qualquer um.
185
Parte Dois
Ele acenou com a cabeça uma vez e antes que eu pudesse dizer outra
palavra, ele desapareceu. Respirei fundo, inalando o cheiro da natureza, mesmo
tendo um punho apertado em volta do meu coração. Mas eu iria voltar para ele,
eventualmente, muito mais feliz do que eu tinha sido e nesse meio tempo, eu
poderia fazer o que eu quisesse. Nós dois perdemos, sim, mas ambos
ganharíamos, também.
—Como eu senti de você, — disse ela, mas havia uma sugestão de algo em
sua voz – decepção.
Eu apertei meu queixo. Se o que Aphrodite tinha dito era verdade, minha
Mãe e Zeus me casaram com Hades, como uma espécie de vingança com Hera,
então ela não tinha direito de se decepcionar. Nenhuma.
186
Mas, mesmo que momentaneamente uma centelha de raiva não poderia
arruinar a manhã, saí de seu abraço e peguei sua mão. Tínhamos duas
temporadas inteiras para conversar. Agora, eu iria saborear a minha liberdade e
esquecer todo sentimento terrível que tinha construído dentro de mim no
Submundo. Eu não ia perder isto, não por qualquer coisa.
—Vem, meu amor, — disse ela, levando-me para a floresta. —Vamos para
casa.
***
Casa acabou por ser uma pequena cabana, na beira de uma clareira, no
meio da floresta. No momento em que cheguei, eu não tinha ideia de onde tinha
ido ou como a gente chegou lá, mas não me importava. Enquanto não fosse o
Submundo, eu iria a seguir a qualquer lugar.
Era pequena, uma sala dividida em uma área para cozinhar, uma área para
dormir e um lugar para sentar. Flores e ervas penduradas nas vigas, criando um
aroma suave e tudo era feito à mão, como se ela tivesse contratado mortais para
construí-la para ela.
Minha mãe olhou para mim, os olhos arregalados e sua boca formou um
pequeno círculo. Sujeira riscou seu rosto e em suas mãos ela segurava uma
orquídea envolta em terra. —O que?
187
Minhas bochechas queimaram, mas era tarde demais para voltar atrás
agora. —Alguém me disse que você me fez casar com Hades, porque Zeus queria
ter certeza de que ele não teria um caso com Hera.
Ela não disse nada enquanto gentilmente, colocava a flor em sua nova
casa. Uma vez que estava corretamente no lugar, sentou-se sobre os calcanhares
e limpou as mãos. — Quem lhe disse isso?
Minha mãe franziu os lábios. — Eu não sei o que te dizer, minha querida.
Eu arranjei seu casamento, porque Hades é um homem maravilhoso e não
conseguia pensar em ninguém que pudesse te amar mais.
— Então Zeus não tem nada a ver com isso? — Eu disse. Ela hesitou.
—É?
188
Minha mãe esfregou seu rosto, fazendo com que a faixa de terra
espalhasse. — Nós todos amamos muito Hades. Talvez seja porque ele é o melhor
de todos nós, ou talvez tenha algo a ver com a distância. Nós nos conhecemos tão
intimamente no Olympus, mas Hades foi removido de nós, e é fácil de esquecer
suas falhas. No entanto o que eu sei é que Hera ama Hades como um irmão, ela
não tem interesse nele como um amante. Ela é fiel a Zeus, tanto que isso a
machuca.
Isso foi pelo menos uma espécie de resposta. Uma meia resposta, mas uma
resposta, no entanto. — Então Zeus não sugeriu que eu me casasse com Hades,
simplesmente porque queria ter certeza de que Hera seria mantida em uma
coleira apertada?
A Mãe riu, mas havia algo estranhamente sem senso de humor sobre isso.
—Oh, querida. Hera só faz o que ela quer. Se ela queria Hades como um amante,
ela teria ele, mas é muito dedicada a seus deveres, para trair o conselho dessa
forma. Zeus e eu discutimos todas as nossas opções e no final, nós pensamos que
Hades seria a melhor combinação para você.
— Ele ficou intrigado, — disse ela. — Ele precisava de ajuda com suas
funções, com a maneira como o mundo se expande e ele concordou, desde que
você estivesse disposta.
189
não posso te dizer o quão profundamente eu sinto que seu casamento tenha
causado tanta dor a você, mas eu não perdi a esperança ainda. Nenhum de nós
perdeu. E talvez esse tempo longe, lhe faça algum bem.
Fiquei em silêncio. Se esse foi o motivo que ela concordou com este verão,
porque viu nisso uma maneira de me convencer a manter o casamento com
Hades, então não era tão ruim assim. Eu seria sua rainha para a eternidade; já
que Hades não poderia cortar esse laço, então não havia nada que alguém
pudesse fazer. Mas este semestre seria o meu viver como eu queria, não junto a
um marido que não amava ou em um reino que eu odiava.
Eu amava minha mãe. Amava a nossa família. Mas quanto mais abria os
olhos para o mundo em torno de mim, mais eu percebia que queríamos coisas
muito diferentes para a minha vida. E eu não estava mais com medo de dizer não
a ela.
***
Hermes veio me visitar naquela noite, muito depois do sol se pôr. Minha
mãe atendeu a porta, mas quando o convidou a entrar, a suspeita por trás do seu
sorriso, me deixou nervosa. Não era o tipo de sorriso que ela dava aos
convidados, era o tipo que dava para Hera quando eram forçadas a jogar bonito.
Eu os interceptei, envolvendo meu braço em Hermes. —Vamos dar um passeio?
— Disse e ele assentiu.
Sem dar a ela uma chance de protestar, guiei Hermes para fora de casa e
pelo jardim. Assim que mergulhamos na floresta e fora da linha de visão da
minha mãe, exalei.
190
— Não se desculpe. — Hermes passou por cima de uma árvore caída e me
ofereceu uma mão. Eu não precisava de sua ajuda, mas peguei de qualquer
maneira. — Ela está torcendo para que você e Hades se acertem. Todo mundo
está.
— Talvez, talvez não, — disse ele. — Mas agora você não vai pensar sobre
tudo isso, porque eu tenho uma surpresa para você. — Vibrei. Hades me trazia
surpresas praticamente todos os dias, mas a emoção da antecipação correu
através de mim de qualquer maneira. Isso significava mais de alguma forma,
vindo de Hermes. — Que tipo de surpresa?
191
não ter tido acesso às riquezas como Hades, mas isso fez tudo isso parecer
melhor.
—Achei que você ia gostar, — disse Hermes, sentando ao meu lado. —Zeus
gosta de criar fábulas com elas, você sabe. A maioria delas é baseada em nós.
Como as que se aglomeram ali mesmo. Uma das estrelas é chamada Maia, pela
da minha mãe.
192
balancei a cabeça. Não esta noite. Não enquanto eu estava na superfície. Eu não
queria esse lembrete.
— Faça algo agradável para mim que não tenha amarras— eu disse.
Ele deu de ombros, mas mesmo no escuro, eu podia ver seus ouvidos virar
rosa. —É apenas um piquenique.
Não foi, no entanto. Todos os gestos de Hades, todos os seus presentes, não
eram coisas que eu queria. Eram coisas que ele esperava que eu gostasse, mas eu
não precisava de nenhuma delas. Isso, no entanto, as estrelas, o céu aberto, o
gosto da liberdade, não importava quão fugaz, isso era o que eu estava
procurando.
Silêncio. —É mesmo?
— Sim. — Tirando meu olhar das estrelas, olhei para ele. —Obrigada. Por
falar por mim, por dizer o que ele precisava ouvir -
—Zeus nunca está feliz com ninguém. Ele não o puniu, não é?
Escovei meu polegar contra a palma de sua mão. — Eu sei que não é
muito, mas nunca estaria tão feliz, se não fosse por você.
193
Eu não tinha certeza de que se alguma coisa mudou, ou se nós dois
tivemos a mesma ideia ao mesmo tempo. Eu não tinha certeza. Um momento nós
estava lá, lado a lado, e no próximo ele estava me beijando, e eu estava beijando
ele, e todo o mundo parecia ir tranquilo.
Não era apenas lábios contra lábios, era o calor, o conforto e segurança,
sabendo que ele se importava o suficiente sobre mim para arriscar seu próprio
pescoço. Não porque ele precisava de ajuda para tomar alguma decisão, não
porque eu estava prometida a ele, mas porque ele me via, com falhas e tudo, e ele
se importava da mesma maneira.
***
194
—É claro que eu vou. Este é o seu casamento. — Ela me seguiu através da
pequena cabana. — Querida-
— Não faça isso. — Eu virei para encará-la, brandindo meu pente como
uma espada. — Eu não estou com Hades agora. Eu não estive com ele desde que
nos casamos, e agora, eu posso fazer o que eu quiser. Eu sou suposta a fazer o
que me faz feliz.
—Você não entende, Mãe. Ele fez essa escolha, e não é minha culpa que ele
me ama, tudo bem? Não é minha culpa que não podemos ser felizes juntos. Eu
tentei, nós dois tentamos, mas não está funcionando.
Ela se sentou na beira da cama, e eu puxei o pente com raiva pelo meu
cabelo. Deixe-a arruinar uma noite perfeita.
— Porque não é um final feliz em tudo, — disse ela, gentil como sempre. —
E, enquanto você continuar por este caminho, você nunca vai encontrá-lo.
— Sim. Caso contrário, eu nunca teria lhe pedido para casar com ele.
—Você não me pediu para casar com ele. Você me disse. E você estava
errada, Mãe. Desculpe, eu sei que deve quebrar o seu coração, mas você e Zeus
estavam errados. Nós não estamos felizes. Eu não estou feliz, e quanto mais você
tentar fingir, mais vai doer a todos nós. Então, basta deixar ir, tudo bem?
195
Eu invadi a área da cozinha, acendi o fogo com uma onda da minha mão.
Eu não estava com fome, e nós não precisamos comer, mas o ritual de cozinhar
me acalmou, eu não tinha tido a chance a muito tempo. Não era assim que as
coisas deveriam ser. Mãe deveria entender, mesmo que ela não gostasse. Isso é o
que ela sempre fez: ela entendia. E não havia nada de errado comigo e Hermes.
Ele me fez feliz, e se ela estava tão preocupada que isso ferisse Hades, então ele
nunca teria que saber. Eu certamente não tinha a intenção de lhe dizer.
— Por eu não ser tão miserável, mesmo que seja só por um tempo. — Eu
me virei para encará-la. — Por favor, Mãe. Apenas me dê isso. Deixe-me ser feliz.
Seus olhos presos nos meus pelo espaço de vários segundos e finalmente,
ela suspirou. — Eu não posso condená-la, mas eu não vou proibi-la, também. Se
você insistir em deixar isso acontecer, então eu devo insistir também que, quando
você retornar ao Submundo, você agirá como deve. Você governará ao lado de
Hades sem queixa, e você deixará esta sangria de felicidade em seu tempo por lá,
também. Você pode fazer isso?
196
Eu balancei a cabeça. Se isso significava que eu poderia passar o verão com
Hermes, então eu iria. —Obrigada.
Ela pressionou seus lábios na minha testa. — Eu quero que você seja feliz,
também, minha querida, mas não à custa de outros. Só tome cuidado. Você está
jogando um jogo perigoso.
Ela suspirou. — Então, para o seu bem, espero que seja o suficiente para
todos nós.
***
Esse verão foi o melhor da minha vida. Mãe e eu passamos os dias todos
juntas, às vezes com Hermes, às vezes sem, mas ele e eu passamos todas as
noites juntos, também. Nós exploramos a floresta, nadamos em lagos frio e nunca
senti um pingo de culpa por trair Hades. Como poderia, quando ele era o único
que queria que eu fosse feliz?
197
tinha de fingir. Nós nunca seriamos capazes de quebrar a parede entre nós, mas
pelo menos podíamos aceitar o nosso destino.
— Eu fico contente.
A viagem para o Submundo não foi tão ruim e o ar pesado que nos cercava,
não parecia tão pesado como antes, agora que sabia que não era permanente.
Metade de um ano, e então eu seria livre para estar com Hermes novamente. Eu
poderia fazer isso.
Meu corpo inteiro ficou gelado. Hermes. Ele sabia. Hades tinha me
espionado?
Não, ele não faria isso. Ele pode ter sido muitas coisas, mas um espião não.
Minha mãe lhe havia dito, ela deve ter feito. Por quê? Machucá-lo? Para me fazer
sentir culpada? Para ter certeza de que eu não poderia fazê-lo de idiota?
198
Mas eu não acho que ele seja um idiota, e nem Hermes. Eu tinha mantido
isso em segredo para ter certeza de não machucá-lo. E minha mãe tinha que
estragar tudo.
Ele acenou com a cabeça, sem olhar nos meus olhos. — Muito bem. Se você
está feliz, isso era tudo o que eu queria.
A dor por trás de suas palavras enrolou em torno de minhas entranhas, até
quase me sufocar. Por que minha mãe fez isso? Ela deve ter sabido o quanto isso
o machucaria. — Sinto muito que Mãe lhe disse, — eu disse calmamente. — Eu
nunca quis que você descobrisse. Eu sabia que ia machucá-lo, e nós não
estávamos indo bem aqui, e-
Hades ficou em silêncio, pegou meu braço e passamos pelas portas abertas
para a sala do trono. Fileiras de mortos se viraram para nos assistir e no final do
corredor, de pé ao lado do trono de Hades, estava Hermes.
Claro. Ele era a única pessoa que poderia. Por que ele disse? Absolvição?
Para facilitar a sua culpa?
Fosse o que fosse, eu olhei feio para ele enquanto Hades e eu fomos para os
nossos tronos. Será que você realmente tinha que contar?
Sim. Sua voz sussurrou através em minha mente. Eu não quero que
sejamos um segredo, não para Hades.
199
Você o machucou. Muito
Sinto muito. Eu o respeito muito para fazer isso por suas costas.
Ainda que você não tenha o respeitado o suficiente, em primeiro lugar, para
manter suas mãos longe de sua esposa?
Você estava livre para fazer o que você quisesse. Mas eu também não vou
manter isso em segredo dele. Ele merece mais do que isso.
Ele fez, e eu me odiava por concordar. Ele sabe que não estaremos juntos
enquanto eu estiver aqui?
Sim.
Tão bem como qualquer um poderia estar. Ele ama você. Quer ver você feliz,
tanto quanto eu.
Hermes não respondeu. Entre nós, Hades estava rígido, com os olhos em
branco, enquanto a mulher falava sobre sua vida. Lentamente, como se fosse a
coisa mais casual do mundo, coloquei a minha mão sobre a dele. Eu não tinha a
intenção de machucá-lo, mas eu tinha sido uma tola de pensar que nunca faria
isso. Havia consequência para tudo. Mesmo para a felicidade.
200
Tanta dor que lhe causei, porém, era um preço que eu estava disposta a
pagar.
***
Não foi simples, mas a trégua entre nós três tornou-se mais permanente.
Anos se transformaram em décadas e décadas em séculos; em pouco tempo, eu
tinha perdido a noção do tempo, os meus pontos de referência eram apenas o
começo da primavera e o fim do verão.
Nada mudou por um longo período de tempo. Mas um dia, depois de ter
terminado nossos julgamentos, fiquei um pouco mais no observatório, quando
fechei os olhos e fiz uma coisa que eu tinha feito milhares de vezes antes: eu
procurei Hermes. Verão era apenas um curto período de tempo afastado, mas
estava ansiosa para estar com ele novamente.
201
Não que isso fosse algo incomum, mas a forma como ela abraçou o braço
dele ao peito, a forma como ele a tocou-
Eu ia ficar doente.
Era Aphrodite no entanto - a deusa que tinha tudo. Amor, satisfação, uma
vida perfeita, um casamento feliz. E agora ela estava tomando a única coisa que
eu tinha que era minha, a única maldita coisa no mundo, que me dava uma
quantidade verdadeira de alegria.
Como você se atreve. Eu empurrei o pensamento para cima dele com toda a
força que eu tinha. E levou séculos para chegar a Hermes, mas quando o fez,
seus olhos se arregalaram, e ele imediatamente se afastou de Aphrodite. Suas
bochechas ficaram vermelhas e quando ela tentou voltar a ele, ele se esquivou
dela. Então, depois de tudo ele sabia que estava fazendo algo errado.
Com o diabos ele faria. Com o diabos eu iria deixá-lo. O que ele diria? Que
Aphrodite tinha acidentalmente escorregado em seus braços? Que era apenas
uma única vez? Que não me tinha, estava sozinho e ele não podia esperar mais?
Isso acabou. Não se preocupe em passar por aqui neste verão, porque você e
eu estamos terminados.
202
— Persephone? — Disse Aphrodite, e ela olhou em volta. — Ela está
assistindo?
O que mais eu esperava? Ele era filho de Zeus, tão certo como eu era filha
de Zeus. O engano estava em nosso sangue. Mas não importa quantas vezes eu
tinha enganado Hades, esse tapa na cara – aquela completa e absoluta traição -
nunca havia batido em mim antes.
Claro que não. Esta era Aphrodite. Ela nunca poderia ter o suficiente, e ela
tinha tudo o que queria, sem um segundo pensamento. Minha mãe pode ter me
considerado egoísta, mas eu não era nada comparada a minha irmã.
A porta do observatório abriu e fechou, eu limpei meu rosto seco com raiva.
Eu queria machucar alguma coisa. Eu queria envolver minhas mãos em volta do
pescoço de Hermes e aperta-lo. Isso não iria matá-lo, mas o inferno que iria me
ajuda a me sentir muito melhor.
— Persephone?
203
E agora eu poderia ter a minha chance. Eu me endireitei, meus olhos
estreitaram quando me concentrei em Hermes. Parecia que tinha se vestido com
pressa, a roupa amarrotada e seu cabelo uma bagunça. Pelo menos ele parecia
chateado. — Eu lhe disse para não vir.
— Na verdade, você não disse, — disse ele, arrastando os pés. —Você falou
que tínhamos terminado, mas-
—Você nunca disse que eu não podia ter ninguém durante o inverno.
Ele exalou. —O que está realmente lhe incomodando? Você teve uma briga
com Hades?
Eu olhei para ele. Ele realmente não entendia, não é? —O que está me
incomodando é o fato de que, de todas as meninas e deusas do mundo, você tinha
que dormir com Aphrodite.
— Ela é Aphrodite. Ela tem Ares, ela tem Hephaestus, ela tem cada pessoa
maldita que ela quer. Você é meu. Você é a única pessoa que eu tenho, e ela
rouba-lhe como se não fosse grande coisa -
204
muito por estar com Aphrodite. Você está certa, não era justo com você, e eu
deveria ter perguntado primeiro.
Eu tomei uma respiração profunda, trêmula. — Isso não importa. Nós não
estamos mais juntos.
— Persephone-
205
Eu olhei por cima do ombro a tempo de ver o olhar atordoado no rosto. —
Hades? Você realmente vai me comparar ao Hades agora? Você nem mesmo o
ama. Você não quer mesmo ficar com ele.
— Se você é minha única outra opção, então talvez ele não seja tão ruim
assim, — eu atirei. —Deixe-me, Hermes. Eu não quero mais você aqui.
Com toda a dignidade que poderia ter, eu saí da sala e segui para baixo
pela escada espiral que levava para os andares mais baixos Meus olhos se
encheram de lágrimas, mas quando cheguei ao meu destino, pisquei sem
derramar uma única. Hermes não valia a pena. Eu teria dado tudo a ele, mas se
ele não pode ter honestidade ou fidelidade comigo-
Eu era uma idiota por acreditar que ele ficaria comigo. Ninguém nunca
quis. Minha mãe mesmo não tinha me dado muito amor, depois do meu
casamento estar falhando por séculos e por ficar com Hermes. As únicas coisas
constantes em minha vida foram as estações e Hades. Não importava o que eu
fazia para ele, não importava como eu agi, ele estava lá para mim, sem
reclamação. Sempre.
Eu deveria tê-lo amado. Eu deveria ter o amado tanto, que sofria com o
pensamento de tê-lo machucado. Eu queria tanto que ele fizesse parte de mim,
mas a parede ainda estava lá, impedindo qualquer coisa real.
206
confusão em sua voz. Não é de admirar, também, já que eu não tinha pisado em
seus aposentos, desde a nossa noite de núpcias. —A que eu devo-
Antes que ele pudesse terminar, me arrastei para o seu colo e beijei-o. Não
era o tipo de beijos ardentes que eu tinha compartilhado com Hermes. O tipo que
me enchia de fogo, abrangente e eterno. O tipo que implorava por mais, não
importa o quanto eu alimentava. Era o tipo de beijo que ninguém, nem mesmo
Hades, podia ignorar.
E ele não fez. Por um longo momento, ele não se moveu - não me tocou,
não me beijou de volta, não teve nenhuma ação. Mas finalmente, suas mãos
encontraram meus quadris e seus lábios se moveram contra a minha boca com
igual fervor.
Então a parede dentro de mim surgiu, tão escura e firme como antes, mas
apesar da forma como meu corpo inteiro gritava para parar, eu continuei. Seu
toque queimava minha pele, e aquele ódio enrolou ao meu redor, tão
completamente que eu mal podia respirar. Mas eu precisava disso. Eu precisava
ser amada, mesmo que a única pessoa que poderia fazê-lo era o homem que eu
não podia suportar.
Não sei quanto tempo nós nos beijamos, mas foi tempo suficiente para nós
dois nos despir, tempo suficiente para que nenhum tenha pensado que
ficaríamos junto novamente. Mas antes de chegarmos a esse ponto, Hades
quebrou o beijo, seus olhos procurando os meus.
207
para mim, sentia isso no jeito que ele me tocou. Ele me amava de uma forma que
Hermes nunca o faria, e eu era uma idiota por jogar tudo isso fora sem sequer
tentar. Eu sabia que o amor era para sentir como agora, e eu poderia amar
Hades, se eu tentasse. Eu só tinha que querer o suficiente.
Ele me beijou de novo, desta vez mais suave, mas ele ainda mantinha uma
distância entre nós. — Por que agora? — Ele murmurou, roçando os lábios contra
a curva do meu pescoço. Deixei escapar um gemido frustrado.
Engoli em seco, e algo deve ter passado pelo meu rosto, porque Hades
franziu a testa. —Acabei com ele, — disse. — Por favor, não podemos apenas...?
— Eu-eu quero. — Corri minha mão pelo seu braço nu, sentindo o músculo
debaixo de sua pele quente. — Por favor, me dê a chance de tentar.
De repente, o peso de seu corpo se foi, ele se virou para colocar suas
roupas de volta. Fiquei ali, exposta e tremendo ao ar livre, e as lágrimas que eu
estava segurando por toda a noite finalmente rompeu. —Você não me ama?
208
circunstâncias, quando eu não sou nada mais que uma liberação para você... —
Ele balançou a cabeça. — Eu sinto muito.
Eu abri minha boca para dizer que ele era muito mais do que uma
liberação, mas eu não podia mentir. Ele tinha razão, naquele momento. Ele era
uma maneira de me sentir amada. Uma maneira de me vingar de Hermes. E eu
não me importei se piorou as coisas, desde que a dor da traição Hermes
desaparecesse.
Mas querendo ou não tinha que admitir isso para mim mesma, a ferida era
demasiada profunda para conseguir escondê-la, mesmo dormindo com Hades. Eu
o machuquei em uma maneira que eu nunca tinha machucado antes, e Hermes
tinha criado um buraco no meu peito que nada poderia preencher. Eu me enrolei
como uma bola, não me importando que ainda estivesse nua, e deixei escapar um
soluço engasgado. Hades estava a meio caminho de sua mesa, mas
imediatamente voltou e tocou minhas costas. Foi um gesto reconfortante, não um
romântico e era algo que eu precisava desesperadamente.
Ele poderia dizer isso o quanto quisesse, mas ele não sabia. Ele não podia.
Eu enterrei meu rosto em seu travesseiro, fazendo uma bagunça na seda azul
profundo, mas ele não parece se importar. Em vez disso se deitou ao meu lado e
me puxou num abraço suave. —Vai ficar mais fácil, — ele murmurou. —Você não
pode sentir isso agora, mas vai.
Isso só me fez chorar ainda mais. É claro que ele sabia. Eu tinha feito isso
com ele de novo e de novo por todo o nosso casamento e nunca, nem uma vez, ele
tinha se quebrado na minha frente. Ele manteve sua dor engarrafada, recusando-
se a levá-la para fora, não importa o quanto eu tenha merecido. Entre ele e
Hermes, não houve concurso. Hades nunca esteve com Aphrodite. Ele nunca nem
pensou nela dessa forma. Ele esteve lá para mim, cada momento de cada dia - ele
estava lá para mim, e eu simplesmente nunca visto antes.
209
E agora eu percebia, agora meus olhos estavam abertos e eu finalmente
entendia, eu não poderia estar com ele. Eu estraguei tudo. Eu o feri muito, para
nós nunca irmos além. E esse muro de ódio e ressentimento nunca iria
desaparecer. O que estivesse causando isso, o que me fazia sentir assim para
começar, estava muito além do ponto de conserto. Esse muro era tanto uma
parte de mim, como o amor de Hades para mim era uma parte dele. Não havia
como fugir disto, não importa o quanto eu tentasse. Só com força de vontade
poderia fazer isso desmoronar, eu teria conseguido um tempo atrás.
Não. Eu não o faria. Não desta vez. Hades já tinha desistido demais por
mim, e não importa o quão miserável eu fosse, mesmo que isso significasse uma
eternidade sozinha, eu nunca iria deixar a parede – eu nunca iria me deixar -
machucá-lo novamente.
***
Hades e eu nunca nos tornamos algo mais, apesar de que mantive minha
promessa a mim mesma: Não o trai novamente. A fidelidade me deu uma
pequena quantidade de felicidade que eu poderia encontrar. Eu cometi erros,
tinha sido uma pessoa terrível, mas eu podia pelo menos dar a Hades minha
lealdade. Nós governamos juntos, lado a lado, e não poderia ter sido
delirantemente feliz, mas nos satisfazia. Eu comecei a apreciar melhor as
pequenas coisas, encontrar alegria em nossas rotinas, aos poucos aceitei o meu
destino. Esta era a minha vida e o tempo para mudar isso já tinha passado a
muito tempo.
Ele a derrubou na areia e fez cócegas, seus gritos de prazer fez minha
cabeça doer. Então ela ganhou de novo. Outro menino, desta vez o mais perfeito
que eu já vi e Hephaestus não parecia se importar. Ele a amava mais a cada dia,
porque esse é o tipo de homem que ele era. Assim como Hades.
—Leve-me com você, — ele murmurou, beijando-a e ela derreteu contra ele.
Normalmente, essa era a minha vez de desviar o olhar ou desaparecer, mas
alguma coisa me parou.
Adonis. Esse era o seu nome. Eu sussurrei para mim mesma, sentindo as
sílabas rolarem na minha língua, eu sorri. Era perfeito. Ele era perfeito. E eu o
queria.
Eu pisquei. Adonis sabia que ela era uma deusa? Não que os homens não
costumassem suspeitar, mas para realmente ela mencionar o conselho...
212
— Muito bem, — disse ele, soltando-a com um último beijo. — Eu vou te
ver novamente em breve?
Antes que eu pudesse parar e pensar, escorreguei pela barreira entre nós, e
cheguei na praia exatamente no ponto onde Aphrodite esteve. Adonis arregalou
os olhos e piscou várias vezes.
— Quem é você? — Disse, mas ele não se afastou. Isso era algo.
Eu bufei. — Por favor. Se cada homem que ela dormisse morresse por
causa disso, não haveria homens no mundo. Sinto muito, eu não queria te
assustar. Eu não estou aqui para levá-lo para o Submundo ou nada. — Embora
ele tivesse o bom senso de temer, pelo menos. — Eu só...
Ah, por favor. Amor à primeira vista era o tipo de coisa que Aphrodite
acreditava, não eu. Eu nunca deveria ter aparecido.
213
Mas o pensamento de voltar para o Submundo e deixa-lo para trás, senti
uma contração e meu coração murchou em protesto. Ele era um estranho, mas
ao mesmo tempo, quando olhei para ele, vi algo familiar. Eu vi tudo que sempre
quis em seus olhos azuis, e não podia me afastar.
—Você só o quê? — Ele disse, sua voz suave agora, como se ele pudesse
sentir o que me atraiu para ele, também. Talvez ele pudesse. Talvez esse fosse
mais um dos truques de Aphrodite, projeto para me humilhar na frente de todos.
Eu precisava ir. Ou chegar a uma melhor desculpa que não tinha nada a
ver com a verdade. Eu respirei, pesando minhas opções. Não muito de uma
escolha. Eu não podia deixá-lo, mais cedo do que eu poderia me jogar no abismo
do Tartarus.
—Você parecia - solitário, isso é tudo. Sinto muito. Por favor, não tenha
medo.
Ele me olhou e como se o céu mudasse de arco-íris para roxo, ele relaxou.
—É preciso a solidão em si mesmo para reconhecê-la em outro.
Ele sorriu, e era tão bonito, como os que ele tinha dado a Aphrodite. Talvez
até mais, já que este era para mim. — Eu sou Adonis, — disse ele, dando um
passo à frente. Embora tenha hesitado, pegou minha mão e roçou seus lábios
contra os meus dedos. — Eu tenho medo de não saber o protocolo apropriado
para abordar a realeza.
214
prazer e honra na minha humilde existência colocar os olhos sobre uma criatura
tão bonita como você.
Ele deu de ombros e pegou meu braço, como se fosse a coisa mais natural
do mundo. — Eu não tenho ninguém.
Eu deveria ter dito não. Hades iria me procurar logo, e tinha prometido a
mim mesma que nunca mais iria traí-lo. Mas Adonis me fez sentir como se eu
estivesse voando, um olhar, um sorriso e isso foi o suficiente para me fazer
esquecer de todas as coisas ruins. Isso era o que eu tinha perdido depois de
Hermes. Isso era o que eu tinha ansiado. E não importa o quanto eu o amasse,
Hermes não era nada comparado com Adonis.
215
Ele sorriu e roçou seus lábios contra meu rosto. O local onde ele me tocou
parecia queimar em minha pele, e quando ele me levou para a borda da floresta,
eu abracei o braço dele. Não seria mal perder uma noite com Hades. Eu o
compensaria ficando mais um dia após o equinócio da primavera ou algo assim.
Mas nada, nem mesmo a minha alma me esmagando de culpa, poderia me fazer
me afastar de Adonis.
***
Mas eu era a razão. O tempo que passei com Adonis era felicidade, e a
maneira como ele se iluminava ao me ver, eu sabia que não era só eu. Juntos,
explorávamos a ilha toda e conversamos sobre tudo. Minha vida, a sua, o papel
que desempenhava na vida dos mortais. Aphrodite tinha dito a ele muito mais do
que era permitido dizer aos mortais, o que fez a conversa muito mais fácil. Eu não
estava dobrando as regras, se ela já não tivesse quebrado e Adonis parecia gostar
de ouvir sobre o que fazíamos.
216
suficiente. Eu não poderia piorar as coisas, não importa quão tentador Adonis
fosse.
Adorável.
217
— Eu não sabia que era primavera já. O que você está fazendo aqui? — Ela
disse em uma voz doentiamente doce.
Ela zombou. — Só uma dúzia? Subestima muito de mim. Oi, amor, — disse
ela a Adonis. — Persephone está incomodando? Eu posso a fazer sair, se você
quiser.
—Você não?
Ela respirou. — Ele sabe exatamente onde eu estou, mas eu estou disposta
a apostar que Hades não tem absolutamente, nenhuma ideia de onde você está.
Você sabe quem ela é, não é, Adonis? E quem o marido dela é? Ele controla a sua
vida após a morte, você sabe. Você está realmente disposto a correr esse risco?
Adonis olhou para os nossos dedos entrelaçados. Pelo menos ele não estava
tentando me deixar ir, mas ele não disse nada, também. Eu apertei sua mão.
—Adonis.
Ela bufou. —Você não tem direito de vir aqui e rouba-lo, como-
218
—Como o quê? Como você roubou Hermes?
Ela soltou um riso amargo, vazio. —É por isso que você está fazendo isso?
Por causa de Hermes? Isso foi há eras atrás.
Para minha imensa satisfação, Adonis não disse nada. Eu sorri, apesar de
ter sido pequeno, Aphrodite soltou um grito frustrado que assustou as gaivotas.
— Papai! — Ela gritou, mesmo o céu estando azul claro, o trovão ressoou
pelo ar. Os olhos de Adonis se arregalaram, ele começou a se levantar, mas eu
gentilmente puxei sua mão.
Aphrodite estava em lágrimas agora, e é claro que ela estava linda, mesmo
quando chorava. Eu a odiava. — Per-Persephone está tentando roubar Adonis de
mim.
Minha boca aberta. —Desculpe-me? Ele quer ficar comigo, e ele tem todo o
direito de escolher a sua própria vida.
219
— Ele já me escolheu, muito antes de você aparecer, sua vaca.
Ela respirou e endireitou os ombros, olhando por cima do nariz para mim.
—Adonis e eu estivemos juntos por muito tempo. Nós nos amamos, e nós somos
perfeitos juntos, naturalmente.
— Se vocês são tão perfeito juntos, então por que mantê-lo preso nesta
ilha? — Eu disse.
—De quê? Outras meninas que poderiam realmente ser capazes de dedicar-
se a ele completamente? — Eu bati.
220
O rosto de Aphrodite ficou vermelho. —Como você se atreve?
— Silêncio, as duas, — disse Zeus com uma voz que rolou como um trovão
e até Aphrodite obedeceu. —Adonis - é o seu nome, não é?
Eu exalei. Uma escolha. Pelo menos Adonis teria uma. Bati na mão dele. —
Está tudo bem, — eu sussurrei e Aphrodite pisou o pé em sinal de protesto.
— Eu... — Ele parou e balançou a cabeça, olhando para a areia. Por que,
porque ele pensou que Aphrodite iria amaldiçoá-lo se ele não a escolhesse?
Mas ele ainda não disse nada. Finalmente Zeus perdeu a paciência. —
Muito bem, então eu vou decidir. Na ausência da opinião do jovem, vou dividir
seu tempo igualmente entre as duas. Ele vai passar um terço do ano com
Aphrodite, um terço do ano com Persephone e para o terço final, ele vai fazer o
que lhe agradar. Está todo mundo feliz?
221
Eu me virei para Aphrodite. Eu poderia ter dito um milhão de coisas para
ela, mas em vez disso, deixei escapar, — Por que Zeus não estava chateado que
você disse a Adonis quem você é?
Eu bufei. —Como eu estraguei tudo? Você é a única que não iria deixá-lo
fazer a sua própria maldita escolha.
Eu fiz uma carranca. Sem dúvida ela tentaria me fazer tirar os meses de
inverno. —O quero começando no equinócio de primavera. A primavera inteira e o
primeiro mês de verão.
Ela olhou para mim, e me preparei para a luta que sabia que viria. Em vez
de se opor, no entanto, ela concordou. — Sim, eu acho que é uma ideia excelente.
Vou levar os próximos quatro meses e depois Adonis pode fazer o que quiser com
os quatro finalistas.
222
—Jogo? — ela disse, arregalando os olhos inocentemente. Um sinal claro de
que ela estava mentindo através de seus dentes. —É tão terrível dar a minha irmã
uma chance de felicidade?
Não havia muito que eu poderia dizer sobre isso, não sem parecer um
monstro na frente de Adonis. Eu iria descobrir isso eventualmente, e quando eu
fizesse, a rasgaria em partes. — Tudo bem. No início do equinócio da primavera,
você e eu vamos para minha casa, — disse a Adonis. — E Aphrodite vai ficar
muito, muito longe.
Ela respirou. — Tudo bem, desde que você prometa nunca mais voltar aqui,
também. Esta é a minha ilha, não a sua.
— Tudo bem.
— Tudo bem.
Nós olhamos uma para a outra. Esta guerra não acabou, mas por agora,
não tivemos escolha, seria um cessar-fogo. Eu iria descobrir seu jogo em breve,
até então, eu não pretendia deixar ela ou Zeus ou qualquer um arruinar meu
tempo com Adonis.
***
Ótimo.
223
— Eu presumo, que ele é Adonis? — Disse Hades calmamente e eu
empalideci.
— Sim. — Quem lhe disse? Aphrodite ou Zeus? Será que isso importa? —
Somos apenas amigos.
224
—Você é a razão de eu encontrar pouca felicidade tão deplorável em
primeiro lugar, — disse eu. — Se você não pode me apoiar, então tudo bem, eu
não preciso de seu apoio. E eu não preciso de você aqui, também.
Todo o ar saiu dos meus pulmões e olhava para o espaço vazio onde ela
esteve momentos antes. Ela tinha ficado com raiva de mim antes, é claro e sua
decepção ao longo dos anos tornou-se impossível de suportar. Mas nunca virou
as costas para mim. Não assim.
— Não sinta. Por favor. — Ele não deveria ter que sofrer por meus erros. —
Vamos embora.
Eu pensei que eu soubesse o que era sentir solidão, mas não foi até eu
andar pela trilha sem a mãe, que eu finalmente entendi. Mesmo na minha hora
mais escura, a Mãe estava lá para mim. Ela amou e me apoiou, não importa
quantas vezes ou difícil nós lutamos. E agora –
E agora a única pessoa que sempre foi necessária, a única pessoa que eu
pensei que estaria sempre lá para mim, se foi.
***
225
Aquele verão foi, simultaneamente, o melhor e o pior da minha vida.
O buraco que Mãe havia deixado dentro de mim cresceu quando se tornou
claro que ela não tinha intenção de voltar. Mas ao mesmo tempo, esses quatro
meses com Adonis encheu-me de uma forma como nunca tive antes. Cada
momento foi uma aventura – eu explorei a floresta ao redor da casa inúmeras
vezes, mas de alguma forma explorando todos os dias, ele conseguiu encontrar
algo novo, algo pequeno, mas bonito que eu tinha esquecido. Um jardim selvagem
cheio de flores exóticas que entrelaçava no caos. Uma árvore tão antiga e
retorcida que eu suspeitava que era mais velha que Zeus. Ele reintroduziu-me
coisas que eu tinha há muito tempo perdido, o calor do sol na minha pele, o
arrepio na espinha quando eu pisei em um rio. Ele me deu de volta pedaços da
minha vida que eu nunca tinha percebido que perdi.
Ninguém podia negar que Adonis era lindo, mas eu percebia que sua
aparência era pouco mais do que um gosto de sua beleza interior. Ele era gentil,
generoso, honesto e apesar do fato de que Aphrodite tinha chegado a ele, ele era
inocente de uma forma que eu não tinha sido desde o meu casamento eras atrás.
Ele não tinha nada, mas o amor dentro dele, irradiava a cada hora de vigília.
Bebi-o, deixei-me encher até que todo o lado negativo fosse lavado, e pelo
prazo de quatro meses eu nunca estive mais contente com a minha sorte na vida.
Tudo isso, valeu a pena, mesmo a cada último momento terrível, agora que eu
sabia que eles me levaram a Adonis.
No meio do verão, Aphrodite veio para reclamá-lo. Para seu crédito, ela foi
principalmente educada sobre ele, apenas me dando um pequeno sorriso quando
Adonis virou as costas. Mas no instante em que eles me deixaram, o buraco no
meu coração se abriu, fazendo uma hemorragia em toda a felicidade que eu tinha
coletado durante nossos quatro meses juntos.
Eu chorei mais do que eu já tinha feito antes. Agora que Adonis não estava
mais lá para agir como um tampão, nos dias seguintes eu não fiz nada, a não ser
me enrolar na cama e olhar para a parede quando a realidade estabelecia.
226
Mãe me odiava. Eu trai Hades novamente. Hermes mal tinha falado comigo,
e a luz em minha vida atualmente estava com uma puta loira que não poderia
amá-lo do jeito que eu fiz. Ele era apenas outro brinquedo para ela, e o
pensamento dele passar por isso, não ter palavra a dizer no seu tempo com
Aphrodite, na maneira que eu não tinha nenhum dizer no meu tempo com Hades
–
Não era justo, mas não havia nada que eu pudesse fazer sobre isso,
também. Zeus tinha feito a sua mente, e se Adonis não estava disposto a falar em
seu próprio nome, então que assim seja.
Isso deveria ter me dado uma certa quantidade de satisfação, mas só me fez
mais miserável. Adonis deveria ter tido o que eu não tive - liberdade. E em vez
disso, na minha busca para encontrar a felicidade, eu tinha roubado a dele. Isso
me faz tão mau como Hades? Tão mau como Mãe e Zeus?
Ele estava em um córrego que eu não reconheci, usando uma rede para
capturar peixes. Eu o vi, invisível para os olhos, e apenas vendo-o assim livre e
feliz, foi o suficiente para me fazer sorrir. Quatro meses não era para sempre, e
um dia Aphrodite iria se entediar dele. Eu nunca iria embora, e eventualmente,
quando a mortalidade dele chegasse, eu o teria inteiramente para mim. Aphrodite
não seria capaz de tocá-lo no Submundo.
Atrás de mim, alguém riu e uma onda de frio e medo caiu através de mim,
lavando o pouco de calor que tinha florescido. Mesmo que fosse seus quatro
meses de liberdade, mesmo que tudo o que eu tinha testemunhado deixou claro
que ele não a amava, Aphrodite surgiu das árvores, com uma flor atrás da orelha.
—Adonis! Aí está você. — Ela entrou no córrego com ele e colocou uma mão
em suas costas nuas.
—Alguma sorte?
— Bem, eu vou pedir as ninfas para nos fazer o jantar, então, — ela
murmurou. — Eu estou morrendo de fome.
228
Permanecendo na ponta dos pés, ela o beijou na boca, dançando a mão
para baixo em direção a sua cintura. Ela não estava com fome de comida.
Este era para ser o momento de Adonis sozinho, não um terço extra de um
ano para ela. E por que ele estava indo? Por que ele não se recusou e foi embora?
A mesma razão que ele não tinha falado quando Zeus lhe pediu, mais do
que provável. Mortais com qualquer senso de autopreservação não questionavam
um deus. Mesmo um tão fraco como Aphrodite.
Eu não hesitei. Eu puxei meu corpo através do espaço entre nós, como eu
tinha feito quase exatamente um ano atrás, e desta vez Aphrodite não pareceu
nem um pouco surpresa ao me ver.
—Você não tem que passar esses meses com ela, — disse a Adonis,
mantendo minha voz tão firme quanto eu poderia. —Você sabe, não é?
— Não sinta, — eu disse, olhando para Aphrodite. — Tenho certeza que isso
não foi ideia sua. Por que você está aqui com ele?
229
— Ele passa esses quatro meses só. Esse era o nosso acordo, — disse.
Isso era conivente para a cadela. Eu levantei a minha mão para esbofeteá-
la, mas qual era o ponto, ela não podia sentir dor? — Então é por isso que você
me deixou ter os primeiros quatro meses com ele, assim você poderia enganá-lo
para passar seus quatro meses livre com você.
Ela riu. —É claro. Honestamente, não é como se ele pudesse ir para você de
qualquer maneira, então por que ele não deveria gastá-los comigo? Ele me ama.
Ele fez uma careta, não encontrando qualquer um dos nossos olhares. Por
fim, ele escorregou da mão de Aphrodite e tendo sua rede, ele jogou em direção à
costa, sem uma palavra.
— Mas você não está, — disse Aphrodite. —Você não vê isso? Hephaestus
sabe sobre meus negócios, ele sabe que isso é algo que eu preciso, a fim de ser eu
mesma, e ele aceitou muito antes de nos casarmos. Mas Hades não o fez. Apesar
de tudo o que você fez com ele, ele te ama. Ele te ama por tanto tempo que é tão
parte dele como o Submundo é agora. E mesmo que você tenha o seu amor
230
incondicional, sem fim, você não tem nenhum problema de virar as costas para
ele e magoá-lo das piores maneiras possíveis.
Eu abri minha boca para falar, a construção de fúria dentro de mim mais
rápido do que eu poderia liberá-la, mas ela continuou. Ela ficou apenas alguns
centímetros na frente de mim, com o nariz praticamente tocando o meu e levou
tudo o que eu tinha para não estrangulá-la.
Eu olhei para ela, cada palavra que eu tinha planejado para arremessar de
volta em seu rosto se dissolvendo na minha língua. Apesar de suas muitas falhas,
Aphrodite sabia sobre amor e pessoas. Ela podia ver o lado bom e o mau, e ela,
mais do que qualquer um de nós, pode pesá-los uns contra os outros ao invés de
correr para o julgamento. E assim vi a compreensão que a maioria de nós me via-
Talvez tenha sido a nossa batalha sobre Adonis. Talvez fosse o meu ciúme
constante. Talvez ela só quisesse ganhar. Mas, mesmo assim, ela ainda não diria
essas coisas, se ela não acreditasse nelas.
231
— Eu-— Eu engoli. — Eu preciso ir. — Recuando, juntei o pouco de força
que me restava e disse, — Solte-o, Aphrodite. Dê-lhe a liberdade. Se você
realmente o ama... — Eu balancei a cabeça, sem dar a ela a chance de esfregar
sal na minha ferida já aberta, eu desapareci de volta para o Submundo. De volta
para Hades.
***
232
minha mente, mas não faria nenhum bem agora. Eu precisava dela para
entender, e para que isso acontecesse, meu argumento tinha de ser perfeito.
A sala do trono estava cheia aquele dia e pela noite o tempo veio, nós quase
não conseguimos atender a metade. Hades e eu tínhamos outros deveres,
também, é claro, mas nenhum de nós parou o processo. Eu roubei um olhar para
ele, procurando por sinais de fadiga, mas ele era tão estoico como sempre. E eu
estava muito tensa da minha luta com Aphrodite para parar, também.
Uma mulher se mudou para o local diante de nós, onde inúmeras outras
almas estava. Seu cabelo era longo e fibroso, e suas mãos tremeram quando ela
considerava-nos com um olhar vacilante.
— Eu sei que, por causa dos meus erros, eu estou para ser banida para
uma eternidade de fogo e enxofre, para dançar com o diabo, — ela disse, sua voz
tremendo tanto quanto as mãos. — Mas eu lhe imploro - eu só agi por amor.
— E quais são esses fatos de que você fala? — Disse Hades em voz baixa. A
mulher fez uma careta.
233
— Eu - traí o meu marido. Mas ele não era bom para mim, sua majestade.
Ele tinha pouco amor por mim, e depois de um tempo, eu já não podia amar
alguém que não me ama de volta. Eu acarinhei meu voto a ele por tanto tempo
quanto eu poderia, mas, quando eu conheci outra pessoa, alguém que amava e
apreciava...
Ela quebrou, e eu olhei para Hades. Foi essa a sua ideia de uma piada?
Sua testa estava enrugada, no entanto, ele agarrou os braços de seu trono preto-
diamante. Não havia nenhuma maneira que ele tenha planejado isso.
— Sim, — ela sussurrou. — Ele me fez contente. Ele me fez sentir como se
eu fosse amada.
— Mas você fez um voto para permanecer fiel ao seu marido, — disse
Hades. —Você acredita que o seu caso estava errado, apesar de como isso fez
você se sentir?
— Mas o que era o seu voto quando estava sufocando a vida dela? — Eu
disse, virando-me para Hades. —O que é mais importante, algumas palavras na
frente da família e dos amigos, ou a felicidade de toda a sua vida?
234
Eu apertei meu queixo. Havia a palavra de novo - egoísta. Então era assim
que ele me via, também. —Como você pode chamá-la de egoísta quando tudo o
que ela estava tentando fazer era encontrar alguma pequena alegria em sua vida?
— E como você não pode ver a dor e a humilhação que ela deve ter trazido a
seu marido?
— Talvez se ele tivesse escutado o que ela queria, ela nunca teria que
desviar.
Hermes olhou para mim, os lábios apertados, e ele hesitou. — Sinto muito
por interromper-
— Então, vá em frente, — disse Hades. Eu olhei para ele, mas ele olhava
para frente. Bastardo.
235
Parte Três
Não diretamente, é claro, mas perto o suficiente. Ares, que todos nós
sabíamos que era o tipo ciumento, tinha instigado um javali em Adonis no
momento que Aphrodite tinha saído do seu lado. Por que ela não tinha visto isso
vindo, eu não sabia, mais importante, por que ela ia colocar Adonis nesse tipo de
perigo, sabendo que Ares poderia tentar se vingar...
— Sinto muito, — disse Hermes, uma vez que ele terminou sua história
horrível. Adonis tinha sangrado até a morte, na margem de um rio e náuseas
rolou através de mim quando eu imaginava o seu sangue misturando com a
água. Quanto tempo tinha levado para morrer? Quão mal tinha sido machucado?
Ares tinha ficado ali, observando a vida escorrer para fora dele?
— Não se desculpe, — disse Hades. — Pela primeira vez, este não é o seu
fazer. Persephone?
Foi a primeira vez que ele se dirigiu a mim em todo o inverno. Eu olhei para
cima, piscando minhas lágrimas. Não havia motivo para chorar. Eu não poderia
mudar a dor que Adonis tinha passado e pelo menos agora ele estava a salvo de
jogos de Aphrodite. — Eu estou bem, — eu sussurrei. — Eu preciso ir.
236
Seus lábios afinaram, mas mesmo que ele soubesse exatamente onde eu
estava indo, ele assentiu. — Muito bem. Faça isso rápido.
237
Não. Não é possível. Meu corpo se transformou em gelo, e eu me forcei a me
mover em direção a ele. Escovei a neve, encontrei os restos mutilados de um torso
lentamente se curando e meu estômago convulsionou.
— Não. — Uma gota de força voltou e rangendo os dentes, ele tentou passar
de meu aperto. Mas ele estava muito fraco e eu estava muito determinada a
nunca deixá-lo ir de novo. —Você - você tem que-
238
Ele soltou outro rugido, de pé sobre as patas traseiras. — Por favor, deixe-
me... — sussurrou Adonis, e eu segurei o mais perto.
239
—Um urso estava comendo-o vivo no meio de uma nevasca, — eu atirei. —
Eu não me importo com o que sua religião ou suas crenças ditam. O que ele fez
para merecer isso?
— Eu estou pedindo para você fazer a coisa certa. Você me disse uma vez
que tudo o que queria era que eu fosse feliz. É verdade ainda?
—Adonis me faz feliz. Ele me faz mais feliz do que você ou Hermes ou
alguém já fez. Não porque ele é bonito, mas porque somos duas metades do
mesmo todo. Eu encontrei a minha pessoa, Hades. E eu sinto muito dizer que
não é você. Mas é Adonis. E eu daria tudo para ter certeza que ele está bem,
mesmo que isso significasse que eu nunca poderia vê-lo novamente. Ia doer como
o inferno, mas gostaria de fazê-lo se isso significasse tirá-lo de lá. — Eu me mexi.
— Por favor. Eu estou implorando faça alguma coisa.
240
Hades fechou os olhos, seu rosto amassado. Foi o mais próximo de chorar
que eu já tinha o visto. Por um longo momento ele não disse nada, Hermes olhou
para trás e para frente entre nós, como se decidindo se deve ou não falar.
— Eu sinto muito, — disse Hades, nada na sua voz, mas as palavras débeis
e angústia. —Você sabe tão bem como eu que não há nada. A única pessoa que
pode mudar a sua vida após a morte é Adonis.
Ele pegou minha mão e roçou o polegar contra a palma da mão. Eu. Ele me
queria. Mesmo na nevasca, ele me chamou, me deixando salvá-lo bem além do
ponto que deveria ter sido possível.
Uma ideia se formou em minha mente, algo tão louco e absurdo que eu
descartei-o imediatamente. Mas surgiu novamente antes que eu pudesse seguir
em frente, enterrando-se em meus pensamentos, recusando-se a deixar ir.
241
Foi uma loucura. Além das palavras. Mesmo enquanto eu lutava para
encontrar algo real, no entanto, persistiu.
Sim. Foi uma loucura. Era uma loucura. Mas eu o amava demais para não
tentar.
Depois que eles foram embora, eu levantei e alisei o meu vestido. — Sente-
se, — eu disse suavemente, e apesar de Hades franzir a testa, ele obedeceu. Eu
tomei uma respiração profunda. Agora ou nunca. — Eu quero desistir da minha
imortalidade.
Seus olhos de prata se arregalaram e sua mandíbula ficou solta. Antes que
ele pudesse se opor, eu continuei.
—A maneira que você sente por mim, é assim que eu sinto por Adonis. Eu o
amo. Ele soprou a vida de volta para mim, e eu não quero nada mais do que
passar a eternidade com ele. Você abriria mão de sua imortalidade por mim. Eu
sei que você faria. E eu não posso te dizer o quanto isso significa para mim - o
quanto você significa para mim, mesmo se eu não possa te mostrar da maneira
que você quer. Mas eu quero fazer o mesmo por Adonis. E eu preciso de sua
ajuda.
242
Hades olhou para mim pelos minutos mais longos da minha vida. Ele não
piscou, ele não respirava, e até mesmo o seu coração parou de bater. O silêncio
em torno de nós, cheio de tudo o que ambos não poderiam dizer e, finalmente,
cheguei para a frente para tocar sua mão.
Uma única lágrima escapou pelo canto do olho, escorrendo por seu rosto e
acumulando no canto de sua boca. As sombras na sala do trono dançaram com
as tochas das chamas e por uma eternidade, nossos olhos se juntaram, quando
ele procurou por algo que ele nunca iria encontrar.
Ele acenou com a cabeça uma vez e parou, passando por mim sem dizer
uma palavra. Em sua marcha medida, ele caminhou até o corredor e antes que
pudesse alcançar a porta, ele se foi.
***
O conselho se reuniu menos de uma hora depois. O que quer que Hades
tenha dito para fazer todos comparecerem, deve ter sido alguma coisa, mas então
ninguém tinha tentado desistir de sua imortalidade antes.
243
Eu estava no centro da sala do trono no Olympus , cercado pelos 14
membros do conselho. Meu próprio trono se foi. Zeus chegou junto com a Mãe, o
último membro a se juntar a nós, tomou seu lugar e meu coração batia. Ela se
recusou a olhar para mim.
— Sim, — eu disse, olhando para Aphrodite. Seus olhos eram como fendas
finas, ela agarrou os braços de seu trono com tanta força que os nós dos dedos
estavam brancos. Bom. — Enquanto dói-me profundamente pensar em deixar
todos vocês, eu peço para você permita eu me afastar para morrer. Adonis, o
mortal que eu amo, está aprisionado em tortura eterna no Submundo, e a única
maneira que eu posso ajudá-lo é dar-lhe uma vida após a morte que ele quer.
244
Eu inclinei meus ombros. — Eu amo Adonis. Eu o amo mais do que a
minha própria existência, eu acredito que ele sente o mesmo por mim. Eu
entendo as consequências se eu estiver errada. Eu entendo do que eu vou
desistir, independentemente, e eu estou disposta a correr esse risco.
Voz da Mãe cortou minha pele, cavando uma parte de mim que ninguém
podia tocar. Não Adonis, não Hades, nenhum deles. Eu olhei para ela e a agonia
que eu vi em Mãe-
Talvez eu não tivesse perdido ela antes, mas quando eu a assisti se quebrar
em pedaços infinitos, eu sabia que tinha .
Mãe não disse nada, e ao lado de Zeus, Hera limpou a garganta. —Você o
ama mais do que Hades? — ela disse em sua voz de menina.
Eu fiz uma careta. Hera não entendia o que tinha acontecido entre mim e
Hades? Ou ela estava apenas procurando afirmação? — Hades é meu amigo. Ele
sempre será meu amigo, mas nunca nos encaixamos. Nós tentamos por milhares
de anos miseráveis. Eu não posso amá-lo do jeito que ele quer que eu o ame, e do
245
jeito que eu sou forçada a ficar fora de seu alcance é uma tortura para ele. Eu
não quero magoá-lo mais do que já fiz, e a única maneira que eu confio em mim
para fazer isso é dar um passo para baixo e deixá-lo completamente.
Não importava. Ela poderia pensar o que quisesse, desde que ela me
deixasse ir. — Esta não é uma decisão fácil para mim, e eu estou mais apavorada
do que eu já estive em minha vida, — eu disse. — Mas Adonis precisa disso. Tudo
o que eu estou sentindo não é nada comparado a assegurar sua eternidade. Por
favor, eu sei que isto é sem precedentes. Eu sei que vou jogar tudo em caos por
um tempo. Mas se você permitir isso, eventualmente, as feridas irão cicatrizar. Se
não o fizer, elas vão apodrecer até Hades e eu virarmos cinzas.
246
E embora seus olhos brilharam com lágrimas não derramadas, mesmo a
Mãe.
— Não. — Ela apertou sua mandíbula com tanta força que as cordas em
seu pescoço se destacaram. — Eu não vou concordar. Ela mal conhece Adonis -
ela o roubou de mim, e ela traiu Hades e os desejos do conselho repetidamente.
Eu não vejo qualquer razão para recompensá-la por isso.
Eu abri minha boca para responder, mas Zeus levantou uma mão
novamente, e eu caí em silêncio. — São essas suas únicas objeções, Aphrodite?
Com uma voz suave que ele só usava com ela, ele murmurou, —É possível
você se sentir assim por inveja e dor? Ele apenas morreu esta noite.
— Ele fez, — disse ela, com a voz trêmula. — E a única razão que ele fez é
porque ela insistiu para eu deixá-lo. Ela não podia suportar a ideia de que ele
poderia me amar mais.
247
Aphrodite não disse nada, e todo o seu ser parecia queimar com veemência.
Em vez de usa-la, como eu esperava, minhas palavras só parecia reforçar seu
ódio. Ótimo.
Zeus suspirou. —Aphrodite, eu vou lhe dar mais uma chance. Sim ou não?
— Não, — ela disse. — E será não, não importa quantas vezes você
perguntar ou quantas vezes ela implorar. Eu não vou permitir que ela vença.
Eu posso ter sido egoísta por ferir Hades do jeito que eu fiz, mas naquele
momento, Aphrodite era mais egoísta do que qualquer um de nós. Por causa do
orgulho ou cobiça ou inveja ou todos os três, ela iria fazer Adonis não ter vida
após a morte que merecia, e eu a odiava. Eu a odiava mais do que eu odiava
alguém, mesmo eu.
248
Ela balbuciou em protesto, e enquanto ele fez o seu caminho em um dos
corredores, ela invadiu depois dele. Depois que ela se foi o silêncio encheu a sala
do trono, eu olhei em volta para os membros da minha família, ficando tonta com
a realidade tomando conta.
Finalmente, foi a vez de Hermes. Ele me deu um pequeno sorriso que não
alcançou seus olhos e apesar de tudo entre nós, ele me prendeu em um abraço
de urso gigante. —Vou sentir saudades, — disse ele. —As coisas não serão as
mesmas sem você.
249
mais seriam as mesmas. — Tome cuidado. E faça um favor a si e fique longe de
Aphrodite, certo?
Ele bufou, mas uma nuvem passou pelo seu rosto, também. Eu não
entendi o que ele quis dizer, talvez não deveria. Todos nós tínhamos nossos
demônios e Hermes teria a chance de enfrentar o seu quando ele estivesse
pronto.
Uma vez que ele me deixou ir, eu virei para minha mãe, que estava
rigidamente ao lado de seu trono. Seus olhos foram treinados no chão, com as
mãos unidas firmemente junto e quando eu dei um passo em sua direção, ela se
afastou. Com esse movimento, o meu coração se partiu completamente.
— Eu espero que você esteja feliz, — disse ela em uma voz estranha, quase
formal. — Eu vou te ver quando eu puder.
Hermes deslizou o braço no dela, e quando ele a levou da sala do trono, ele
olhou por cima do ombro para me dar mais um sorriso. Mãe não olhou para trás.
—Você está pronta? — Ele disse em voz baixa, eu assenti. Ele pegou minha
mão, e enquanto eu olhava ao redor do Olympus uma última vez, o teto do céu
azul e do sol, o chão desapareceu. Este foi, o momento em que eu estava
correndo em direção desde que Adonis tinha tomado seu último suspiro. Mas não
250
importa o quão assustada eu estava da mortalidade, com o que seria a
necessidade de respirar, o que seria como a sentir dor e do mundo em torno de
mim como uma mortal, uma sensação de calma tomou conta de mim, também.
Eu tomei a decisão certa. Isso era tudo que eu precisava.
Então isso era o que era ser mortal. Eu passei minha mão sobre o peito,
sentindo meu coração bater, e eu puxei cada respiração com cuidado. Tudo
parecia que estava de mais alguma forma - mais suave, mais áspero, mais
quente, mais frio, tudo isso. Era como se eu tivesse acordado de um sono
profundo, e só agora estava consciente do mundo ao meu redor.
—É apenas... estranho.
Ele sorriu tristemente. — Eu não posso imaginar. — Ficamos ali lado a lado
por um longo momento, e tudo que eu fiz foi respirar. Dentro e fora, dentro e fora,
memorizando a consciência da mortalidade. Como foi possível me sentir tão viva
todos os dias e não estourar?
Mas tanto quanto eu gostei, não poderia durar para sempre, e eu não
queria isso. Sentei-me na beira da cama e empurrei minhas mãos trêmulas entre
os joelhos. — Eu estou pronta. Como...?
Deitei-me na cama, meu coração batia tão forte que ele realmente
machucava. — Estou com medo, — eu sussurrei e Hades pegou minha mão. Eu
nunca percebi o quão suave e macia sua pele era.
251
— Não fique, — disse ele. — Eu prometo que tudo vai dar certo.
—O que está feito, está feito, — disse ele calmamente. — Tudo o que eu
sempre quis foi fazer você ser feliz, e se este é o caminho...
Ele olhou para nossas mãos unidas, sua expressão desolada, ele não disse
nada. Ele realmente tinha sido tão maravilhoso para mim, talvez eu não tivesse
visto isso na época, mas eu vi agora. Ele merecia muito mais do que o que eu
tinha dado a ele, e naquele momento, eu não queria nada mais do que para ele
encontrá-la. Eu estava apenas triste que tinha me levado tanto tempo para
perceber isso.
— Eu vou estar lá para você sempre que você precisar de mim, — ele
sussurrou. — Tudo o que você precisa fazer é pedir.
252
Mas mesmo quando ele balançou a cabeça, eu sabia que ele nunca faria
isso, e pedindo que ele fizesse era cruel. Ele merecia a chance de seguir em
frente. Nós dois merecíamos.
***
O sol em minha vida após a morte não era tão quente ou tão brilhante
como a coisa real, mas foi o suficiente para me acordar.
Abri a porta e sai para o sol artificial. Não era a coisa real além da ilusão da
minha vida após a morte, eu estava entre os mortos nas cavernas do Submundo,
cercada pela rocha que eu odiava por toda a eternidade. Embora o peso
253
insuportável tenha ido, junto com o muro que me perseguia há eras.
Aparentemente, eles morreram com o meu corpo mortal, deixando minha alma
livre. Finalmente.
Adonis.
***
254
Deus dos Ladrões
Onze anos de idade, não 11 horas de idade. Eu acho que soa melhor dizer
que um recém-nascido fez todas essas coisas, de alguma forma, me deixando
mais divino ou poderoso, mas eu nunca conheci um recém-nascido que podia
sentar-se e muito menos roubar gado.
Mas uma coisa era certa: Apollo estava chateado. E eu tive que dar-lhe o
meu alaúde favorito em troca de não ser jogado para fora do Olympus. Portanto, é
isso.
Desde então, parece que eu tenho vivido por isso. Toda vez que faço algo
que o Conselho não gosta, Zeus revira os olhos e lembra-o novamente, enquanto
Apollo fica ali presunçosamente. Eu não sei o que eles esperam, estou apenas
255
fazendo meu trabalho, exatamente como todos os outros. Não há necessidade
para eles agirem ricos e poderosos e me ignorarem.
Eu.
Normalmente, não teria me incomodado tanto quanto fiz. Não foi a primeira
vez que eu tinha sido empurrado para o exílio social, depois de tudo. Mas desta
vez Zeus não tinha trazido o gado sequer uma vez. E quando Zeus perdia uma
oportunidade como essa, claramente era sério.
O engraçado é que nada disso foi minha culpa. Se eles queriam culpar
alguém, eles deveriam ter culpado Aphrodite ou Ares. Ela era a única que tinha
sujado as coisas com Adonis, depois de tudo e Ares tinha sido o único a matá-lo.
Eu tinha tido um caso com Persephone eras atrás.
E foi isso. Esse foi todo meu envolvimento – me apaixonar pela minha
melhor amiga e dar-lhe um pouco de liberdade, quando todo mundo estava
tentando mantê-la em cárcere. Não é exatamente um crime capital, se você me
perguntar, mas ninguém fez.
256
O conselho precisava de um bode expiatório, e eu era conveniente. De jeito
nenhum Zeus puniria Aphrodite por qualquer coisa, ou Ares, filho favorito de
Hera. Então, eu fui forçado a assumir a culpa, embora eu nunca disse uma única
palavra para Adonis.
Não é justo, não em tudo, mas o conselho não é exatamente regido pela
justiça.
Carrancudo, eu joguei a bola com força contra a parede, e ela saltou fora
em um ângulo, indo diretamente em direção ao círculo de tronos no centro da
sala. Com uma maldição murmurada, eu levantei. Zeus não poderia ter mais de
uma razão para ficar chateado comigo. Eu já estava sobre a linha de caminho,
pelo menos na medida em que ele via. E no conselho, era tudo que importava.
— Pena que ele não foi bem sucedido. — Debrucei-me contra a parede,
cruzando os braços. — Eu poderia usar um novo emprego.
Eu bufei. — Por favor. Zeus só lhe permite ser o seu mensageiro, porque
ninguém mais quer o trabalho. E você não o delata para Hera. Ou fofoca sobre
seus assuntos. Isso é mais do que apenas sobre qualquer outro deus ou deusa
menor lá fora, você sabe.
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Uma covinha apareceu em seu rosto, que só aparecia quando ela estava
irritada. Normalmente comigo. — Eu sou nada, mas menor. O que há de errado
com o trabalho que você tem agora?
Eu olhei para ela. Ela estava fingindo estar por fora para buscar o meu lado
da história, ou ela realmente não sabe? —O que você ouviu? Chute a bola para
mim, pode ser?
Ela fez uma tentativa sem entusiasmo, mas a bola só rolou por três quartos
do caminho de volta para mim. Imaginei. — Eu ouvi sussurros. Nada confirmado.
Então, novamente, eu não tenho estado exatamente no centro das coisas
ultimamente.
Não, ela não tinha, que era uma coisa muito boa para mim. — Persephone
se apaixonou por um mortal. Infelizmente para ela, Aphrodite já estava dormindo
com ele-
258
imortalidade e morrer, a fim de dar-lhe um incentivo para deixar seu próprio
inferno pessoal por algo melhor.
Ela cruzou o espaço entre nós e colocou a mão no meu rosto. Contra o meu
melhor julgamento, eu inclinei minha cabeça em seu toque. Primeira vez que
alguém se preocupava em meses. Por um segundo, nossos olhares se
encontraram e suas estranhas íris roxas pareciam virar um tom ainda mais
escuro de violeta.
Ela baixou a mão e me deu um olhar, seus olhos voltaram a serem roxos
normais. Ou pelo menos era normal em torno de mim. Eles mudavam de cor com
o humor dela, eu sabia disso como o cabelo de Persephone mudava com as
estações, mas o que essas cores significavam, ela se recusou a me dizer. Não que
259
eu ainda a culpava. As poucas pistas que eu tinha não eram muitas a ir em
frente. Quando eu não era o inimigo público número um, Ares me informava, em
termos inequívocos que seus olhos eram azuis e Aphrodite jurou de cima e para
baixo que eram verdes.
Não importa de qualquer maneira. Olhos eram olhos, e Iris não merecia ter
suas emoções salpicadas por todo o lugar. Não poderia ter tido grande
privacidade, mas pelo mesmo não estava cruzando a linha.
— Sinto muito, — disse ela. —É terrível eles o colocarem nisso. Nem mesmo
você merece o ombro frio de toda a sua família, mesmo que você seja um burro.
— Sim, bem, não se acostume com isso. — Ela tocou minha mão neste
momento, apenas uma passada, mas novamente foi com mais carinho do que
ninguém tinha me mostrado. — Eu tenho medo que eu não tenha exatamente a
melhor notícia, também. Você pode querer ficar por aqui, há uma boa chance de
Zeus convocar uma reunião assim que eu encontrá-lo.
—O tipo que eles precisam de Hades, — disse ela, eu fiz uma careta.
Definitivamente não era bom. Hades normalmente evitavam vir até aqui, só se
incomodando para as grandes coisas que afetam seu reino, também. E as coisas
que afetavam o Submundo nunca foram mornas e distorcidas. Ou fácil para
serem solucionadas.
Tudo para ter um dia decente, relativamente falando. E com a volta de Iris,
já teria sido.
260
Logo depois que ela saiu para procurar Zeus, uma voz potente encheu
minha cabeça. O conselho se reunirá em cinco minutos. Todo mundo é obrigado a
assistir.
— Estou com medo que Iris trouxe notícias de Helios e Selene, — disse ele
calmamente. Isso foi estranho. Nenhum anúncio formal de que a reunião tinha
começado, sem exibição e tendo certeza que todos sabiam que ele era o
encarregado. Apenas isso. Céu caiu sobre mim. Isso não seria bom.
Ele hesitou, com foco no portal no meio do nosso círculo. — Eles se foram.
261
me por tanto tempo, era perfeitamente possível que ele treinou-se para não me
ouvir. Do outro lado de mim, no entanto, Ares saltou para seus pés, já pegando
sua espada embainhada. Típico.
Então, agora eles queriam falar comigo, quando eu era o único que poderia
ajudá-los. Mas eu não estava exatamente na posição de exigir quaisquer
sutilezas, portanto, com um suspiro, eu fechei os olhos e mergulhei, com foco na
memória clara que eu tinha de Helios. Quando eu tinha seis anos, ele me levou
para um passeio em seu Chariotque - ao contrário da crença popular naquele
momento, não era realmente o sol. Apenas uma representação do mesmo, mais
ou menos. E foi então que eu vi o gado de Apollo e começou a plotagem de lá.
Três vezes ao redor de novo, e ainda nada. Eu bufei com a frustração. Isso
nunca aconteceu. Eu sempre achei o que eu estava procurando.
262
Eu abri meus olhos e todos, mesmo Demeter e Hades estavam olhando
para mim. Meus lábios afinaram. Isto não foi exatamente o intervalo que eu
precisava voltar ao meu lado bom. — Eu não consegui encontrá-los.
— Será que você verificou nas terras frias? — Disse Ares, e eu assenti. — E
no Submundo?
—Você tem certeza? — Disse Zeus, em voz baixa, olhando para mim como
se fosse minha culpa.
—Cronus nos alertou que isso poderia acontecer, — disse Hera. — Ele disse
que não iria durar para sempre, dependente de como somos os mortais. Nosso
propósito é tão envolvido com eles que quando não são mais necessários-
— Mas quem entre nós é mais necessário para a vida mortal do que o sol e
a lua? — Disse Demeter.
Hera levantou o queixo em um centímetro para que ela pudesse olhar por
baixo do nariz para Demeter. Não é que eu estava julgando - não era o maior fã
263
de Demeter, também, principalmente agora após o jeito que ela tinha tratado
Persephone. Mas, ainda assim. Vida e morte, pessoas. — Eu quase não vejo a
importância deles agora que Apollo e Artemis usurparam suas funções.
— Nós não usurpamos nada, — disse Artemis, eriçada. Por outro lado,
talvez uma briga fosse ajudar a levar nossas mentes. — Nós aprendemos com
eles. Nós não roubamos seus postos.
Diante de mim, Hades vaiou, mas ele não disse nada. Covarde. Se ele tinha
algo a dizer para mim, ele deveria ter dito isso na minha cara.
264
Um silêncio caiu sobre o conselho de novo e no trono ao lado de Ares,
Aphrodite limpou os olhos. — Será que seremos os próximos?
—Como pode ser? — Disse Hera. — Talvez alguns deuses menores podem
estar enfrentando o fim, mas somos indispensáveis. Os Mortais ainda precisam
de nós.
—Você tem certeza de que é sábio? — A voz de Hades parecia encher a sala
do trono, mesmo que ele estivesse praticamente sussurrando. —Gostaria de
lembrar o conselho o que aconteceu na última vez que Hermes ofereceu sua
ajuda onde não era bem-vindo?
Meu rosto ficou quente. Quem diabos ele pensa que era, falando comigo
assim? — Persephone não tem nada a ver com isso, — eu disse.
265
— Pelo contrário. Talvez se você não tivesse sido tão absorto em seu caso,
você teria feito seus deveres e percebido mais cedo a ausência de Helios e Selene.
Então nós estávamos de volta a este ponto de novo. — Isso foi há milhares
de anos, — eu disse entre dentes. — Eu não sou Adonis. Ela não morreu por
mim. Supere isso.
—Athena e os outros vão lidar com isso, — disse ele. —Você tem suas
ordens. Agora, pela primeira vez, faça o que é dito.
Zeus entregou mais alguns serviços, nenhum dos quais consistia em descer
para a superfície e na verdade falar aos mortais para ver onde estávamos, e o
conselho foi suspenso. Segundos depois, Zeus flutuou um pergaminho em
266
direção a mim. Aparentemente, nem mesmo o meu pai queria chegar perto o
suficiente para me tocar.
Não, tinha que ser uma espécie de jogo mental. Uma maneira de me
assustar em sua apresentação, nada mais. Zeus tinha trabalhado muito duro
para garantir que o conselho estivesse sob seu polegar, e se ele perturbar o
equilíbrio através da minha remoção, Hera teria um voto a menos para tomar a
coroa.
Então, novamente, talvez ele me use como exemplo. Mostre que qualquer
um que ousasse desafiá-lo era um chute na bunda para se juntar a Helios e
Selene no desconhecido. De qualquer forma, eu não tinha muito tempo.
Talvez seja isso que Zeus estava contando - eu falhar e ele ter uma razão
válida para remover-me do Olympus. E se fosse esse o caso, talvez eu estivesse
melhor fora como um vagabundo de qualquer maneira. Se eu não desaparecesse
completamente.
267
No entanto, eu não iria desistir sem lutar. Nem agora, nem nunca, o que
significava que eu tinha somente uma opção nas próximas vinte e quatro horas:
provar que Zeus estava errado, não importa o quão impossível fosse.
***
Isso foi estranhamente legal da parte dela. Talvez Zeus tivesse colocado
dentro dela, também. —Obrigado, — eu disse, esticando. Ela sentou-se ao meu
lado, peguei o copo e bebi. Não era uma noite de sono contínuo, mas estava bom.
268
— Eu quero dizer, no entanto. Não há nenhuma maneira de terminar esta lista.
Dez horas sobrando, e eu não estou nem na metade.
Ela sorriu, mas havia um toque de simpatia por trás, também. — Quando
Zeus me demitir, certifique-se de falar coisas boas sobre mim, certo?
Teria sido engraçado se não fosse tão verdadeiro, e eu bebi o meu chá. —
Zeus disse que se eu não terminar a tempo, eu realmente serei expulso do
conselho.
Ela examinou os nomes, e com um aceno de sua mão, ela eliminou bem
mais de duas dezenas. — Eu sei onde encontrar mais dezenas. Se você quiser, eu
posso conferir alguns lugares. Isso vai reduzir a sua lista, também.
—Você realmente faria isso por mim? — Eu disse. —O que irá querer por
esse trabalho?
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—Você sabe como ele é. Não pode lidar com alguém tendo um melhor
controle sobre as coisas que ele faz.
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— Sério. — Ela apertou o meu braço. —Algumas coisas são mais
importantes do que puxar o saco de Zeus.
Ela bufou, embora seu rosto ficasse rosa. — Por favor. Eu sei que você me
ama. É praticamente algo que escorre para fora de você. — Deu-me uma
palmadinha na mão, e se levantou. — Não adormeça, preguiçoso, então eu
realmente não terei escolha, mas para substituí-lo, as linhagens que se dane.
— Tudo o que você disser, — eu disse com um sorriso cansado. Mas o chá
ajudou, e se ela mantivesse sua palavra, isso poderia ser factível, depois de tudo.
— E Iris?
—Obrigado. Você não é tão hedionda como todo mundo diz que você é.
***
271
—Vá, — disse ela. — Eu quero dizer isso. Eu vou dar a lista a Zeus.
— Ele vai ferir você, se ele descobrir que você está me cobrindo. Certeza que
vale a pena? — Disse.
Eu fiz uma careta. Certo eu não precisava de mais um lembrete, mas era
uma possibilidade. Talvez eles me perdoassem. Talvez isso fosse o suficiente para
me levar de volta ao lado bom do conselho. Duvido, mas valia a pena tentar.
— Tudo bem, tudo bem, eu vou. Fique segura, tudo bem? Não desapareça
em um sopro de fumaça ou qualquer outra coisa.
—Você também, — disse ela. — E não volte até que você tenha descoberto
essa coisa.
—Até então, nós estaremos todos perdidos, por isso não importa. — Ela
ficou na ponta dos pés e roçou os lábios contra a minha bochecha. Inesperado, e
meu rosto ficou quente. Iris riu. — Para dar sorte, não para alimentar suas
fantasias. Agora sai daqui.
272
deuses estavam morrendo. Mesmo se tivéssemos várias eras antes do conselho
desbotar, não era uma oportunidade para qualquer um de nós arriscar. Zeus era
um idiota por jogar pelo seguro.
Esse tipo de pensamento vago nem sempre funciona, e quando eu parei nas
árvores, amaldiçoei. Eu esperava cair em Roma ou numa biblioteca ou algo - em
algum lugar com livros e conhecimentos e respostas, o tipo como Athena sempre
pareceu tão boa. Eu não tive a chance de escolher não cair no meio de uma
floresta.
Eu tomei uma respiração profunda. Não era minha culpa por Hades estar
agindo como um idiota, e não era minha culpa Persephone ter escolhido desistir
de sua imortalidade. Todo mundo gostava de fingir que era, mas não era, e eu
forcei essa verdade simples na minha própria garganta. Eu era um bode
expiatório. E a única maneira que eu poderia fazê-los ver, seria encontrar uma
solução.
273
Então eu continuei andando. A floresta ficou turva, quando o sol
mergulhou no horizonte e as corujas começaram a chamar umas às outras. A
maioria dos mortais temia a noite, mas eu adorava. Quieto, escuro, me dava
tempo para pensar e nada parecia tão mal quando o sol estava fora. Logo eu
relaxei, deixando minha raiva escorrer, substituída por determinação. Gostaria de
descobrir isso, minha família me aceitaria de novo e ninguém mais iria
desaparecer. Eu seria um herói e nem mesmo Hades seria capaz de me tratar
como o vilão. Tudo voltaria ao normal, e isso era tudo o que eu queria. Para agir
como se nada desse drama de Persephone tivesse acontecido.
Pouco tempo depois, eu tropecei em uma trilha. Não era muito, parecia um
caminho grande o suficiente para caber um cavalo, mas era só isso. Parecia bem
viajado, porém o puxão no meu estômago ficou mais forte a cada passo. Talvez
tudo isso fosse auto aversão jogando meus poderes fora de sintonia. Eu não vejo
como o segredo para a nossa existência imortal poderia estar escondido aqui.
Mas eu tinha que encontrar o que me puxou para essa direção. Seja ou não
a minha bússola interna quebrada, algo estava acontecendo nessas árvores, e eu
precisava de um pouco de diversão agora mesmo.
Eu estava na pista por cinco minutos, quando ouvi um estalo fraco, como
se alguém com muita experiência estivesse aprontando com as pessoas, andando
em folhas mortas. Excelente. As coisas estavam prestes a ficar interessantes.
O primeiro apareceu segundos depois. Ele não poderia ter mais de nove
anos, e gritou a plenos pulmões enquanto corria em direção a mim, brandindo
uma vara como uma espada. Parei, meditei. Será que ele realmente acha que
poderia me machucar?
Para minha surpresa, ele derrapou até parar a poucos metros de distância,
os olhos arregalados. —O que você vai fazer, ficar ai olhando?
— Existe alguma outra coisa que você queria que eu faça? — Eu disse.
Outro conjunto de passos atrás de mim, um terceiro par à minha esquerda, e um
274
quarto para a minha direita. Não demorou muito para descobrir que estava sendo
encurralado. Por crianças, aparentemente.
— Seus objetos de valor, — disse uma segunda voz a minha esquerda, mais
profunda do que o primeiro. —Joias. Alimentos.
275
Em vez disso eu cai como qualquer mortal faria, segurando minhas costelas
sem entusiasmo. Ele não era muito ardil, mas o segundo rapaz continuou a me
chutar, enquanto o primeiro gritou, — Seu ouro ou sua vida!
Meu deus. Fale sobre um exagero. —Desde que, eu não tenho nenhum
ouro, acho que vai ser a minha vida, — eu disse entre chutes. Não estava fazendo
um grande trabalho imitando o chiado, mas eu não me importava muito agora.
— Pare.
Uma quarta pessoa, e uma voz que não era definitivamente masculina. Eu
levantei uma sobrancelha, apesar da surra que supostamente era para eu
permanecer abaixado, levantei minha cabeça. Uma menina de cerca de 17 anos
estava na trilha, vestindo a mesma túnica que os meninos. Mas ao contrário
deles, seus brilhantes olhos azuis brilhavam com inteligência e astúcia, e quando
o segundo rapaz relutantemente parou de me bater, ela começou a nos circular.
— Ele não está sangrando. Eles sempre sangram quando eu bato neles.
276
Sentei-me. Ela era bonita para um mortal, mesmo com a sujeira
manchando seu rosto e seu cabelo preto puxado para trás em uma trança. Mas
não significava muito quando ela era do tipo que seus capangas faziam com os
viajantes desavisados, especialmente quando eles não estavam carregando algo
de valor.
Então, novamente, ela parou, isso não foi tudo. Apesar de tudo se eu fosse
um mortal, eu teria certamente ficado inconsciente por agora.
—Ainda não. — Ela se inclinou para mim, franzindo o nariz. —Você não
tem cheiro ruim. E você está limpo.
— Não, mas isso significa que você não é o que você se parece, — disse ela.
—Onde você vai? Diga-me ou eu deixo o Mac terminar com você.
O grandalhão com cara de bebê estalou os dedos. Mac, então. — Eu não sei
para onde estou indo, — eu disse. — Essa é a verdade. Eu não sei mesmo onde
este caminho leva.
— Então você é um andarilho, — disse ela. —É justo. Mas onde estão suas
coisas?
277
A garota se inclinou para mim, o rosto uma polegada do meu. O puxão na
boca do meu estômago empurrou-me para frente, quase dolorosamente
insistente. Eu tive que ir andando antes que alguém desaparecesse.
Ela era a resposta? Agora eu tinha a maldita certeza de que meus poderes
estavam desarrumados. Ela provavelmente não poderia mesmo ler -
provavelmente nunca teve um livro em sua vida. E ela certamente não tem o
segredo para a nossa eternidade trancado em sua cabeça. Isso não era algo que
um simples mortal poderia saber.
— Basta ir, — disse ela, empalidecendo quando ela deu um passo para
longe de mim. —Antes que eu mude de ideia.
278
Isso foi novo. Normalmente mortais não tentavam me empurrar para longe.
Mesmo quando eu não admitisse, havia uma conexão natural entre deuses e
mortais. Mais ou menos como a cadeia alimentar. Nós somos dependentes deles,
eles são dependentes de nós-
Então, por que estávamos morrendo quando eles ainda estavam aqui?
— Não, — ela disse, sem rodeios, sem se virar. — Temos dificuldade para
encontrar comida suficiente para todos nós.
—Você pode obter comida suficiente para alimentar todos os cinco em dez
minutos? — Ela virou-se para mim, sorrindo agora, embora ainda houvesse uma
ponta de medo em seus olhos. — Tudo bem, vamos esperar. E se você não
mostrar-se com o suficiente para nos alimentar, então nós iremos embora, e você
estará por conta própria. E nós tomaremos qualquer alimento que você trouxer.
279
— Não estava planejando.
Eu parei. O caminho estava vazio. Foi este o ponto certo? É claro que foi.
Eu nunca me perdi. Onde diabos eles estavam?
Corri o mais rápido que pude, sem deixar cair o jogo. Não faço ideia onde
eu estava indo - eu só corria. O mais profundo na floresta, menor era a chance de
280
que Zeus teria de me encontrar e agora eu realmente não queria voltar para o
Olympus.
—O que você está fazendo aqui? Como você nos encontrou? E o que- —
Seus olhos se estreitaram. —O que é tudo isso?
Seus olhos ficaram enormes e ela se moveu para mim, estendendo a mão.
Eu recuei.
— Estamos lotados, desculpe, — disse ela, fazendo outra garra para pegar a
comida, mas eu andei para longe dela.
— Então parece que eu vou ter excessiva ingestão de coelho e codorna esta
noite.
281
— Por favor, Tuck, — disse Sprout, cujas mãos estavam envoltas em tecido.
Aparentemente, alguém tinha sido ferido em nossa luta, depois de tudo. — Nós
estamos morrendo de fome.
— Então nós vamos largar você de novo. Mac, aqui. — Ela entregou os
coelhos para ele e Sprout saltou para frente para tirar a codorna de mim,
também. — Perry, faça algo sobre este fogo. É patético.
282
Mac ofereceu o primeiro coelho a Tuck, que esperou até que todos tivessem
um, antes que ela começasse a comer. Educado da parte dela pelo menos, mesmo
que ela não pudesse agradecer essa graça a mim.
— Sorte, — ela disse. — Nossos pais foram mortos na guerra, de modo que
todos se uniram. Única maneira de sobreviver.
— Isso porque as únicas pessoas que você conhece são Sprout e Mac, —
disse Tuck, mas ela corou com o elogio de qualquer maneira.
—É por isso que você não vai me deixar juntar a vocês? — Disse. — Porque
você está com medo eu vou te substituir como líder?
Ela olhou para mim rapidamente, seus olhos azuis guardados. Então, eu
estava certo. — Eu não vou deixar você se juntar a nós, porque eu não confio em
você.
283
— Mas eu poderia alimentá-los, — disse eu. — E eu nunca poderia tomar o
seu lugar, você sabe.
— Não importa. Eu ainda não confio em você. Eu nem sequer sei o seu
nome.
Então, eu inclinei meus ombros, olhei nos olhos e disse, — Meu nome é
Hermes.
284
E - foi isso. Ela sentou-se. E piscou. E finalmente disse, — Esse é o nome
mais estúpido que eu já ouvi.
Agora foi a minha vez de olhar. Ela nunca tinha ouvido falar de mim? —Às
vezes eu uso Mercury, — eu disse com cautela. O Império Romano era ainda ao
redor, depois de tudo.
— Isso é ainda pior, — disse ela. — Quero dizer, realmente. Se você vai se
dar um apelido, pelo menos que seja um bom.
Ela realmente não tinha ideia. Normalmente, isso não teria sido qualquer
grande negócio, mas não estávamos tão longe da Grécia e esta ilha tinha sido
parte do Império Romano. No entanto, ela não tinha a menor ideia. Nenhum deles
tinha.
Mordi minha língua. A última coisa que eu precisava era ela levar uma
resposta sarcástica a sério. — Eu não sei. O que você considera ser um bom
nome?
Tuck tamborilou com os dedos em sua coxa. Mesmo quando ela estava
sentada ali, sem fazer nada, mas no pensamento havia algo incrivelmente
intrigante sobre ela. Alguma coisa não se encaixava. O jeito que ela se segurou,
do jeito que ela falou - ela era muito culta para esta vida. E para uma menina
assumir a liderança de um bando de meninos, todos de quem seriam mais forte
do que ela em poucos anos, se não já fossem...
285
Do outro lado do fogo, Sprout limpou a garganta. — Se os dois pombinhos
precisam de um minuto a sós...
Outro osso saiu voando pelo ar, saltando-lhe a cabeça com graça
surpreendente. Tuck olhou. — Não mesmo, Sprout.
—É melhor sentir. Mais uma piada e Perry receberá esta noite o seu
cobertor. Agora. — Ela virou-se para mim. — Seu nome. Isso é importante, você
sabe. Você não tem que parecer que está prestes a se arrebentar de rir.
Eu não estava, mas por causa dela, eu fiz a minha expressão ser neutra. —
Por que isso é importante?
—Claro, porque uma vez que você tem um novo nome, você vai ser uma
nova pessoa. Não literalmente óbvio? — disse ela quando eu abri minha boca
para protestar. — Mas, aos olhos de todos os outros, você é fresco. Você é
desconhecido, uma lousa em branco e seu nome decide, se você se destaca,
mistura - você pode se enganar em pensar que você é mais do que o seu nome,
mas você nunca vai ser. Não até que você comece de novo e faça outro para si
mesmo.
286
Ela bateu o queixo, e eu prendi a respiração. Eu entendi o que ela estava
dizendo muito melhor do que ela provavelmente pensou que eu fiz, eu tinha
muitos de nomes, mas por alguma razão, isso parecia monumental mais
importante do que todo o resto. —James, — disse ela. —Definitivamente um
James.
— Nada, eu só...
—Você só o quê?
—É claro que vai. Você não parece muita coisa, mas muita coisa está
acontecendo abaixo da superfície. Esse é o tipo de nome que James é. — Ela
colocou algumas bagas em sua boca, mastigou lentamente, com os olhos
fechados esvoaçantes como se estivesse saboreando-os. — Mmm. Eu nunca comi
isso antes. Você tem certeza de que não são venenosas?
— Positivo. Apesar de seu gosto estranho em nomes, eu não faria isso com
você.
Eles não estavam se livrando de mim, mas eu poderia muito bem ser
educado sobre isso. — Sim.
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— Se você vai correr com a gente, você vai ter que roubar. Você acha que
pode fazer isso?
— Tuck, — gritou Perry, mas Sprout colocou a mão sobre sua boca.
Ela brincou com o fim de sua trança, mas havia algo na maneira como ela
me olhou, que deixou claro que isso era mais do que apenas algum roubo para
ela. A fome que não tinha estado lá antes. —Vamos torná-lo interessante. Roube
o pingente do pescoço, juntamente com quaisquer outros objetos de valor que
você encontrar.
— E se eu fizer isso?
— E se eu não?
—Você nos mostra como você caça e então você nos deixará em paz. Para
sempre.
Para sempre era muito, muito mais tempo do que ela percebia. Estendi a
minha mão e ela agarrou meus dedos, seu aperto surpreendentemente forte. —
Acordo, — eu disse.
Foi fácil suficiente dizer que o líder era - não o homem na frente, que usava
uma capa com uma insígnia sobre ele. A julgar pela forma como ele ligeiramente
inclinava para a esquerda, em direção a um homem mais velho que se sentou
mais retos que os outros e enfiou o nariz no ar, o primeiro foi um chamariz. O
outro homem era o real conde.
Tuck, Sprout, Perry e Mac que ainda não tinha dito uma única palavra
para mim, todos esperavam nas árvores, protegidos pela folhagem espessa.
Mesmo se alguém pudesse identificá-los, eles tinham a vantagem, o que acalmou
os meus nervos. A última coisa que eu queria era ter que escoltar um deles para
dentro do Submundo. A julgar pela forma que Perry tinha habilmente tinha me
evitado naquela manhã, eu percebi que todos esperavam que eu fosse o único
que comeria poeira.
289
conde. Fosse o que fosse, significava mais para Tuck que a minha vida, não que
isso fosse dizer muito, mas ainda assim.
Talvez Tuck percebesse isso. Talvez ela se agarrou a sua liderança com
tanta força que ela não poderia ceder a qualquer coisa, mesmo seu instinto. Não
importa, realmente. Eu não queria o emprego. Eu queria as respostas que ela não
sabia que tinha.
— Bom, — eu disse uma vez que tinha terminado. —O resto de vocês, vão
até a pista. Uma vez que vocês se forem, eu vou deixar o seu líder de ir.
No momento que eu pulei do cavalo, ele moveu o cavalo o mais rápido que
pode para salvar a vida. Eu deveria sentir pena dele, parte de mim sentia, eu
suponho - dificilmente teria sido uma luta justa. Mas ele era quem ele era,
claramente, muito melhor do que Tuck e sua gangue. E eu não poderia dar uma
desculpa para ajudá-los.
290
— Isso foi brilhante, — gritou Perry acima de mim, ele deslizou pelo tronco
da árvore e correu em minha direção. —Como você fez isso?
— Eu acho que todos nós gostaríamos de saber, — disse Tuck, ela desceu
do galho mais baixo, caindo em seus pés. —Como você conseguiu convencer o
conde mais temido na terra, a dar o seu bem mais precioso?
Ela fez uma garra para ele, mas eu puxei de volta, longe de seu alcance.
—Você disse que eu tinha que roubar. Você nunca disse que eu tinha que
dar a você.
Mas a maneira cautelosa que ela olhou pingente não fazia sentido. Ela não
agiu gananciosa sobre - em vez disso ela cheirava a desespero. Como isso
significava mais para ela do que o ar. — Eu não acredito em você.
291
Ela não estava se livrando de mim, não importa o que ela pensasse, mas eu
precisava de sua cooperação. E ela não lidava bem com provocação. Combinação
perigosa.
— Ninguém está do nosso lado, só nós, — disse ela e finalmente olhou para
cima, seus dedos segurando o pingente. — Ninguém.
— Sim? Porque quer ficar conosco? — Disse Tuck. Até agora os meninos
estavam arrumando o saque e Mac pesadamente veio em direção a nós,
carregando um bom dois terços do nosso roubo. —Você pode sobreviver nestas
florestas para o resto de sua vida, sem qualquer ajuda nossa. Então por que se
preocupar em compartilhar?
Eu hesitei. Não porque eu não sabia o que dizer, mas porque a minha
resposta era muito perto da verdade para eu engolir. Mas era isso ou perder tudo.
— Eu tenho estado sozinho por muito tempo, e eu estou cansado disso. Eu não
vou tirar vantagem de você ou roubá-la ou abandonar você, eu prometo. Posso
ajudá-la, e em troca você não vai me dar o ombro frio sempre que eu fizer algo
292
errado. Que vai ser tão frequente quanto eu posso administrar, — acrescentei. —
Isso é tudo que eu quero. Amigos. Uma família. E pertencer a algum lugar.
Eu consegui dar uma risada. — Eu vou fazer o meu melhor para reunir o
suficiente para que nenhum de vocês nunca tenha que se preocupar com porções
de novo.
Ele sorriu e todos os quatro olharam para Tuck. Por um longo momento,
ninguém disse uma palavra, e finalmente ela suspirou. —Ah, tudo bem. Contanto
que você mantenha a sua parte do negócio, você pode ficar.
***
Foi bom - quase doméstico, algo que eu nunca tinha tido antes. O conselho
raramente passava um tempo junto, em grupos de mais de dois ou três, e a forma
como os meninos riam e brincavam, era realmente uma família. Tuck era mais
293
uma irmã mais velha que mãe, mas todos eles a obedeciam, independentemente e
enquanto Perry tinha chamado ela para se juntar a eles, ela teimosamente
permaneceu sentada.
Ela puxou sua trança, olhando para o fogo. Era crepúsculo agora, e se eu
quisesse, eu poderia ter voltado ao Olympus. Mas, eu pelo o que eu estava
preocupado, eu iria ficar aqui para poder prever o futuro.
Eu fiz uma careta. — Por que você supõe que eu vivia em uma aldeia?
— Então, o que o pingente tem a ver com isso? — Ela olhou para o colar,
roçando em seu polegar, quase melancolicamente contra a joia azul. — Eu já lhe
disse. É-
—É muito ruim. — Ela olhou para o céu roxo. As estrelas estavam apenas
começando a aparecer. —Você pode manter um olho sobre os meninos? Eu tenho
que ir num lugar.
— Eu conheço um cara que vai comprar o saque que não podemos usar.
Seus dedos apertaram em torno dele. De jeito nenhum ela o iria deixar tão
cedo. — Sim, como o pingente.
Seus olhos brilharam. — Por quê? Porque eu sou uma garota e preciso de
sua proteção?
295
Eu bufei. —O dia que você precisar da minha proteção será o dia que o sol
nascerá no oeste. Eu sou bom com o comércio, isso é tudo. Eu poderia saber se
você está recebendo o dinheiro que vale.
Ela resmungou uma maldição em voz baixa. — Se eu deixar você ir, você
vai parar de fazer perguntas idiotas?
— Quando foi que eu não fui honesta com você? — ela disse. Eu balancei a
cabeça para o pingente.
— Bem ali.
Pulando sem esforço para os meus pés, dei-lhe um sorriso. —Você não vai
se arrepender.
296
— Qual é o seu plano? — Eu disse. — Quer dizer, você vai roubar os ricos
quando estiver com 80?
Tuck soltou uma gargalhada rouca, quase violenta. — Por favor. A este
ritmo vou ter a sorte de ver os 20. Em três anos, — Ela acrescentou antes que eu
pudesse perguntar.
Ela escorregou no estreito espaço entre duas árvores e não disse nada. Eu
andei em volta para me juntar a ela.
— Eu deixei você se juntar a nós, não é? — Ela estalou. —Como você vai
sobreviver ao inverno?
Sem aviso, ela agarrou meu cotovelo e me virou para encará-la. — Se você
nos delatar ou nos abandonar ou fazer qualquer coisa para prejudicá-los, eu vou
te caçar, esculpir seus olhos, dar de alimento aos cães e esfolar você. Entendeu?
— Sim? O que alguém com suas habilidades fez para fugir da família? Eles
não estão passando fome sem você?
297
—Dificilmente. — A ideia de Zeus querendo algo foi ridícula. — Eles sabem
como cuidar de si mesmos.
— Eu aposto, — ela murmurou. —Ainda assim, você sabe por que eu fugi.
Por que você fugiu?
Eu não sabia a razão dela, na verdade, mas não parecia ser o tempo para
corrigi-la. Não quando ela finalmente estava falando. —Como você sabe que eu
estou fugindo de algo? — Eu disse, e ela revirou os olhos.
Tuck balançou a cabeça, seu olhar distante. — Isso não importa mais.
Vamos lá, é logo ali na frente.
Então, por agora, tudo o que eu podia fazer era vê-la. Não que isso fosse a
pior tarefa do mundo, havia algo inerentemente puro sobre ela, apesar de suas
298
arestas. Ela cuidou dos meninos mais do que Zeus já tinha cuidado de mim, e o
pensamento de ficar aqui com eles na floresta parecia um inferno de muito
melhor do que voltar para o Olympus.
— Eu sei que você está aqui, — disse ele. — Eu não tenho a noite toda.
— Eu ouvi sobre seu trabalho esta manhã. A aldeia inteira sabe. Tenho
compradores, assim podemos para com esses jogos e começar a trabalhar?
299
—O tipo que paga o que você quiser, — disse o jovem com um sorriso
banguela, e ele colocou seu foco em mim. —Você deve ser o ladrão que eu ouvi.
Parece que você deu ao nosso querido conde um susto certo. Eu não vejo,
pessoalmente.
— Sim, bem, espere até que ele tenha uma faca no seu pescoço, Barry, —
disse Tuck. —Agora vamos falar de preços.
Tinha que haver algo que estava perdendo - alguma coisa que Fates
precisava que eu visse - mas o que era? Um pensamento incomodava no fundo da
minha mente, mas toda vez que eu tentava chegar mais perto, ficava fora de meu
alcance.
Por fim, eles pareciam chegar a um acordo e Tuck voltou para as árvores.
— Encontre-me aqui de madrugada com os bens. Vou trazer o saque. Se alguém
te seguir, eu vou te enforcar em uma árvore usando suas próprias entranhas.
Barry sorriu, havia algo inquietante sobre isso. — Não poderia entrega-la,
milady. Isso não seria de todo cavalheiresco.
300
— Ele não mencionou o pingente, — eu disse quando começamos a voltar
para o acampamento. — Ele sabia exatamente o que foi levado, até o feijão, mas
nem uma palavra sobre o bem mais precioso do conde.
Uma linha formou entre as sobrancelhas de Tuck. — Porque ele sabe que
eu nunca desistiria, — disse ela, mas havia dúvida em sua voz.
Para seu crédito, ela só hesitou por uma fração de segundo antes que
silenciosamente subisse na árvore mais próxima. Eu não tive tempo para admirar
suas habilidades, eu corri atrás dela, e juntos precariamente nos equilibramos no
galho mais alto que pode nos segurar. Ela agarrou-se à árvore, suas unhas
cavando a casca, e eu não tinha certeza de que ela estava com mais medo de mim
ou das pessoas nos seguindo.
301
Quatro homens saíram das árvores dentro de segundos. Eles usavam o
mesmo preto que os guardas da manhã, o que ajudou a misturar-se na noite, e a
um ponto um levantou a mão. Ao meu lado, Tuck enrijeceu. E nós esperamos.
E esperamos.
E esperamos.
— Nós não vamos ter nenhuma chance, — disse o primeiro guarda. — Não
sem uma trilha.
— Não podem ter ido muito longe. Se nos separarmos, vamos ter uma
melhor chance de-
Exceto pelo fato de que eu era um deus e tinha muitas opções. Eu respirei,
pronto para desviar a sua atenção e enviá-las na direção oposta, mas antes que
eu pudesse dizer a Tuck o que eu tinha em mente, ela gritou.
Foi um grito ensurdecedor, o tipo que seria ouvido por quilômetros e fiz
uma careta. Lá se foram nossas chances de sair dessa. Os guardas gritaram e
apontaram para cima, mas tudo o que vi no rosto de Tuck era firme
determinação. O grito não foi por medo, ela estava tentando alertar os meninos.
Sprout saiu através das árvores, brandindo um pau, com Perry e Mac
perto. Ele pegou o primeiro guarda de surpresa, batendo em seus joelhos,
enquanto Perry lançou-se no segundo. Mac enviou seu cotovelo voando em face
do terceiro, e Tuck continuou a lutar com o líder.
Corri para o lado dele. A cura não foi a minha especialidade, Apollo era
melhor nisso do que eu jamais seria, mas eu não tinha muita escolha. Eu
coloquei minhas mãos sobre o peito, fechando os olhos e desejando que as suas
feridas fossem curadas. A vida drenada para fora dele era mais rápida do que eu
303
poderia parar e eu amaldiçoei. Não agora. Não esta noite. Não com a observação
de Tuck.
304
Mas eu não podia mover-me, não se eu queria que Perry tivesse uma
chance. Um por um, os guardas envolvidos colocaram cordas em torno de suas
mãos, e os arrastaram para dentro da floresta. Os soluços de Sprout
desapareceram, e Mac ficou em silêncio, como sempre; Tuck, no entanto, gritou
enquanto eles levaram-na, — James, não o deixe morrer!
Uma pausa e então, tudo bem. Livre-se dos outros mortais. Eu não posso
fazer isso com eles assistindo. Zeus vai matar você, você sabe.
Eu podia sentir a sua indignação por aqui. Eu já disse que eu faria. Agora
sai daqui antes que eu mude de ideia.
305
frustrado. Obviamente, eles estavam com medo, mas eles tinham de ser covardes
sobre isso?
Apollo? Ele está bem? Eu disse uma vez nos arredores de uma pequena
aldeia que entrou em minha vista, na sua maioria composta de barracos de
madeira e sujeira. Ele não respondeu. Cavalos magros estavam em seus postos,
suas cabeças penduradas baixo. Independentemente da hora tardia, servos foram
dispersos pelas estradas, embalando ou transportando carrinhos cheios de
comida que eles provavelmente nunca conseguiriam comer, e eles levantaram a
cabeça para nos ver quando passamos. Ninguém estava bem alimentado ou
limpo.
306
Apollo? Ainda sem resposta. Eu tentei de novo, mas tudo que eu ouvi foi o
silêncio. Perfeito. Ou ele estava me ignorando ou Perry tinha morrido, e ele não
estava com vontade de me dizer. Cerrei os punhos e empurrei para frente. Ele iria
o curar. Esta foi à ideia de um jogo - uma piada para Apollo. Ele me diria
eventualmente. Tudo estaria bem.
Entramos no que devia ter sido algum tipo de grande salão, com duas
longas mesas de acompanhamento e um menor em uma plataforma elevada.
Como uma espécie de sala do trono, exceto pelo homem - o conde - não era o rei.
307
Mas a forma como ele se sentou em sua cadeira dourada, no entanto, com a
cabeça erguida enquanto olhava sob o nariz para as três figuras curvadas e
ajoelhadas na frente dele, ele parecia pensar que era.
Tuck. Mac. Sprout. Mesmo estando na entrada, eu podia sentir a sua dor e
terror. Sprout estava praticamente vibrando, ele estava tremendo tanto; Mac era
uma sombra doentia de verde e Tuck...
O conde empalideceu. — E você o trouxe aqui preso por nada mais do que
corda?
O guarda hesitou. — Isso foi tudo o que tinha, meu senhor. Nós o
subjugamos e ele é complacente.
Por favor. Parecia a idade de Tuck ou mais. Esta foi uma espécie de jogo,
algo para me instabilizar, mas ele não ia ganhar. Eu era mais velho do que a
madeira que ele sentou-se. Mais velho do que a rocha que seu castelo foi
construído. Mas eu me mudei para frente de qualquer maneira, ansioso para
chegar mais perto de Tuck. Os guardas me evitaram, claramente ainda tinham
medo apesar de mostrar ao seu conde uma pequena bravura.
308
—Como você chama? — Disse o conde, olhando para mim. Olhei para
Tuck, que estava me olhando com os olhos vermelhos.
Ele zombou, mas eu segurei seu olhar e lentamente a diversão foi drenada
de seu rosto. — Eu sou o seu senhor e governo esta terra. Isso é tudo que você
precisa se preocupar. Como é que você se envolveu com estas crianças?
—De acordo com você, eu sou uma criança, — eu disse com tanta inocência
simulada como eu poderia reunir. Viver com Aphrodite por eras veio a calhar,
afinal. —Claramente, é natural que as crianças se unam quando ninguém mais
irá ajudá-los.
— Não seja esperto comigo, garoto, — ele rosnou. —Você vai responder às
minhas perguntas, ou eu vou assumir a sua culpa e você será enforcado pela
manhã. É isso que você quer?
O rosto do conde virou um estranho tom de roxo que eu nunca tinha visto
em um ser humano antes. — E os seus amigos? Você se importa se eles são
enforcados?
309
Assim que o guarda mais próximo pôs as mãos na Tuck, ela soltou um som
que eu só tinha ouvido em um animal selvagem. Seu cotovelo atingiu a cara do
guarda, e ele gritou, jorrando sangue de seu nariz.
Meia dúzia de guardas sacaram suas espadas e Tuck acalmou. Ela olhou
para o conde, porém ele bateu palmas com alegria.
— E por que não? — Disse o conde com um sorriso torcido. É evidente que
ele estava gostando disso. —É o seu nome. Lembro-me de dar a você.
Espera. Olhei para Tuck, que manteve seu foco colado ao conde, mesmo
que ela soubesse que eu estava olhando para ela. A menos que os condes tinham
o hábito de nomear cada criança na sua aldeia...
O canto da boca de Tuck virou para baixo, e ela deu um aceno de cabeça,
leve quase imperceptível. Perfeito. Poderia ter sabido mais cedo, mas pelo menos
agora eu sabia que ele não iria realmente cumprir sua ameaça de executá-los. Ou
Tuck, pelo menos. Detestável como era, ele não iria matar sua própria filha.
Tuck não se moveu. Ela tinha que ter o pingente - ela poderia ter deixado
cair na floresta, sabendo que o conde nunca seria capaz de encontrá-lo, mas eu
duvidava. Não quando o pingente significava muito para ela.
310
Onde estava? Fechando meus olhos, eu procurei, e-
Em seu sapato. Como diabos tinha ela conseguiu colocá-lo lá sem que
notassem? Não importa. Enquanto os guardas se aproximaram dela, mais
cuidadosos desta vez, eu mentalmente conectei nela. Foi estranhamente quente
ficar ligado a Tuck, e enquanto um guarda corajoso com as mãos trêmulas me
deu um tapinha para baixo, eu o desapareci.
Não era um truque fácil, e não era algo que eu fazia de ânimo leve. Mas o
conde ficaria tão louco quando sua busca não desse em nada, Tuck estaria ainda
pior se seu pingente voltasse para seu pai.
Ela deve ter sentido o pingente desaparecer, porque ela finalmente olhou
para mim, uma pergunta em seus olhos. Se ela não podia dar-me a verdade,
então eu não devo nada a ela, também. Pelo menos ainda não.
—Você tem certeza disso? — Disse Tuck como a mais sábia, considerando
todas as coisas. O rosto do conde ficou vermelho de novo, e ele bateu com o
punho na mesa.
Ela zombou, mas não havia medo em sua voz, ainda bem. —Você não faria
isso.
— Tente me.
—Você não vai, — eu interrompi. — Senão você vai ser o próximo a morrer.
311
Silêncio. O conde se inclinou sobre a mesa, se ele poderia ter-me colocado
fogo através do ódio, eu estava bastante certo que eu seria cinzas agora. — E
você, — ele murmurou com a voz venenosa. —Você vai ser o primeiro a morrer.
—Você pode me matar tantas vezes quanto você quiser— eu disse. —Agora,
se você não se importa, eu estou cansado.
— Talvez sua mãe tivesse acreditado em suas mentiras, mas eu não sou
mole como ela era. Leve-os, — o conde disse novamente, e os guardas
marchavam com o resto de nós para fora do salão. Sprout e Mac olharam
assustados para fora de suas mentes, os olhos arregalados como se eles usassem
máscaras idênticas de terror, mas não havia muito que eu pudesse fazer para
tranquilizá-los.
312
de alta segurança nos aguardava, com quatro guardas e uma porta de pedra
operada por algum tipo de sistema de polias. Nenhuma maneira de que qualquer
mortal poderia derrubá-las.
Sem aviso, Tuck lançou-se para mim, batendo com os punhos no meu
peito. — Quem - diabos - é você?
— Eu não sei quem isso é. — Com um soco final, ela ficou mole, que mal
conseguiu manter se em pé. Eu passei meus braços em torno dela antes que ela
pudesse cair.
Apenas um? Eu fiz uma careta. — Não, há definitivamente mais. Zeus, meu
pai, ele é chefe do conselho, mas-
313
Eu pisquei. Ela estava falando sério? —Você realmente não tem ideia de
quem eu sou ou quantos deuses existem?
— Eu pensei que era tudo apenas uma questão de opinião, — disse ela. —
Eu quero dizer, aqui você tem um deus. Algumas pessoas dizem que mais de um.
Algumas pessoas dizem que não há nenhum deus, mas como eles poderiam
acreditar nisso e viver neste mundo... — Ela balançou a cabeça. —Você realmente
acha que é um deus?
—Grécia? — Ela franziu o cenho. Ela sequer sabia onde ficava, ou o que era
a Grécia? Antes que eu pudesse perguntar, ela mudou de assunto, confirmando
minhas suspeitas. —Como você pode, eventualmente, ser um deus e parecer tão -
normal?
314
a volta do pingente do nada. Ele chegou a sua mão, pesado e quente, ela
engasgou.
—Como é que você...? — Ela olhou para mim, perplexa e sem aviso, ela me
beijou na boca. —James.
— Nem tudo que é o que parece ser, você sabe. Eu poderia ser poderoso,
mas há uma grande quantidade de outros ainda mais poderosos do que eu.
Eu hesitei. Claramente não era algo que ela queria falar, mas eu tinha que
saber. — Por que você fugiu?
— Não é óbvio? — Ela fez um gesto vago que me lembrou muito o conde.
Seu pai. — Eu estava presa aqui. Nunca tive qualquer liberdade. Meu único
amigo era minha mãe, e quando ela morreu, eu não queria mais ficar aqui. Eu
não queria estar sob seu polegar. Ele tentou me casar, você sabe com um senhor
vizinho. Em troca de terras. Terra. — Ela balançou a cabeça, como se isso fosse a
coisa mais insultante que ela já tinha ouvido. —Como se ele não tivesse o
suficiente já. Então eu fugi. Conheci os outros na aldeia, e nós quatro fugimos
juntos.
315
— Eu sinto muito, — eu disse. —A maioria de nós está ligado à nossa vida
de uma maneira ou de outra. Você tem sorte, você teve a opção de fugir.
— Todos nós temos a opção de fugir, — disse ela. —É apenas uma questão
de se você é ou não corajoso o suficiente para fazê-lo. Não é apenas fugir, você
sabe. Você tem que mudar a si mesmo completamente. Tornar-se a pessoa que
você precisa ser em ordem para sobreviver. Não é fácil, mas tem de ser feito. Essa
é a única maneira que você pode escolher a sua própria vida, sabe?
— Não faça promessas que não pode cumprir, — disse e ela olhou para o
pingente na mão, uma pitada de tristeza piscando em seu rosto. — Eu sabia o
que iria acontecer quando lhe pedi para roubar isso. Bem, na verdade, eu
imaginei que os guardas iriam matá-lo. Sinto muito.
Eu hesitei. — Eu sei que ele está em boas mãos. O melhor que há em todo
o mundo, literalmente. Se alguém pode salvar Perry, é ele.
—Obrigada, — ela sussurrou. —Você não tinha que fazer isso. Você não
tinha que fazer nada disso, mas você fez de qualquer maneira.
316
Puxei-a em direção a mim. Ela descansou a cabeça no meu ombro, sua
respiração vindo profunda e desigual. — Eu fiz, no entanto. Família escolhida e
tudo.
Minha risada era vazia de todo o humor. Ela não tinha ideia de quanto esse
lembrete torceu a faca já enterrada dentro de mim. — Há vida após a morte, você
sabe. Meu tio o dirige e às vezes eu ajudava a escoltar almas perdidas para lá. O
que você acha que vai acontecer quando você morrer?
Ela hesitou. — Eu não sei. Inferno, eu acho. Fogo eterno e tortura por tudo
que eu tenho roubado e feito e... certo?
— Não, não é nada assim. — Ou, pelo menos, não seria para ela, eu me
recusava a deixá-la pensar dessa forma. —É o melhor lugar que você pode
imaginar. O momento mais feliz das pessoas que você mais ama - é o que você
quiser. O que você acredita profundamente dentro de você.
—Claro. Basta dizer a palavra, você e eu vamos sair daqui sem qualquer
risco no mundo.
317
— Eu vou voltar para eles, é claro, — eu disse. — Eu não iria deixá-los para
trás.
Eu tinha atado meus dedos com os dela. Eles eram frios e muito menores
do que eu pensava que seriam. — Tudo bem. Mac e Sprout primeiro. Vou trazê-
los para um lugar seguro na floresta, então eu vou voltar para você. Tudo bem?
Tuck bufou. — Sim, certo. Quanto mais tarde for, menor a probabilidade de
você ser machucado, isso é tudo. Desculpe quebrar suas esperanças e sonhos.
Eu olhei para ela à luz da tocha bruxuleante. Ela era praticamente uma
criança - uma criança mortal, nem menos. Mas havia algo sobre ela que me fez
querer ficar nessa cela para sempre com ela. Só nós dois enrolados juntos no
feno, à espera da manhã por vir. Apesar de tudo o que tinha acontecido, eu não
tinha sentido esse tipo de calor em eras, não desde Persephone.
Viver com os mortais não era impossível - não era exatamente incentivando
é claro, mas os membros do conselho tiveram várias esposas mortais e crianças
que visitaram muitas vezes, incluído Zeus. Um salto, já que 24 horas atrás, Tuck
mal conseguia ficar comigo, mas naquele momento, eu vi um futuro. A
possibilidade real de felicidade, mesmo que isso acabasse por terminar com sua
morte. Mas um pouco de felicidade, não importa quão temporária, era melhor do
que nada.
318
— Hey, — eu disse enquanto os minutos passavam. — Quando sair daqui,
por que não construímos uma casa em algum lugar, tão longe daqui que
possamos chegar?
Ela olhou para mim, franzindo a testa em confusão. —Como uma casa?
—Uma casa. Um lugar na floresta onde ninguém vai nos incomodar, mas
perto o suficiente para viajar se for necessário. Nós podemos cuidar dos meninos,
até que tenham idade suficiente para decidir o que querem fazer. Se eles
quiserem ficar, brilhante, se eles quiserem se aventurar por conta própria, eles
sempre podem voltar. E você nunca mais vai querer nada, eu prometo.
Eu a beijei no templo. — Então é isso que vamos fazer. E você nunca terá
que se preocupar com isso de novo.
— Isso seria muito legal. — Ela suspirou. —Obrigada por - você sabe. Não
ser terrível. Mesmo que eu ainda não acredite que você é um deus.
Eu daria isso a ela, não importa o que precisasse. Mesmo se eu tivesse que
ir embora do conselho, mesmo que eu nunca pudesse ver minha família de novo,
eu teria uma nova família com ela e os meninos. Eu tinha uma nova família. E eu
não desistir deles por nada.
319
Iris chegou pouco depois da meia-noite, aparecendo na cela com uma
explosão de arco-íris. Seu cabelo vermelho pendurado em ondas, ela usava uma
de suas extravagantes roupas, como se tivesse tido tempo se preparando.
—Com certeza. — Ela olhou Tuck, que havia mudado em algum momento
no passar das horas. Sua cabeça estava no meu colo e ela respirava baixinho. —
Quem é essa?
—É claro. — Mas Iris não tirou os olhos dela. — Que tipo de ajuda? Eu não
tenho muito tempo antes que Zeus descubra que eu saí.
— Mas...
— Não, você não é. Por favor, isto é importante. Vida ou morte para eles.
320
Iris rodou uma onda em torno de seus dedos e finalmente concordou. —
Estou sempre no clima para um pouco de dificuldade. Vamos fazer isso.
— Não é possível imaginar que alguém jamais tenha medo de você. — Uma
fração de segundo depois caminhávamos juntos através da parede de pedra
grossa em frente à porta, chegando à passagem. Era quase completamente escuro
aqui, mas nos guiávamos através das celas, com cuidado para evitar que
fossemos descobertos. Mesmo querendo liberá-los de tudo, agora não era o
momento.
— Tuck está. Perry- — Eu hesitei. — Eu não sei. Mas nós vamos descobrir
certo? Esta é minha amiga Iris. Ela vai te tirar daqui.
Sprout se voltou para ela, como se só agora tivesse percebido que ela estava
lá. E ao vê-la, sua boca abriu. —Você é bonita.
321
— E você é muito bonito, — ela murmurou, pegando sua mão e oferecendo
a outra para Mac. —Vamos lá. Isso vai ser rápido, eu prometo, vamos atravessar
paredes, isso pode ser um pouco estranho.
—Obrigado, — ele resmungou, a voz rouca de desuso. Mas isso foi mais do
que eu jamais esperava ouvir e lhe dei um tapinha no braço.
Eu assisti quando Iris os guiou através da parede de pedra. Não era longe
da borda do castelo, eles tinham que fazer isso em menos de um minuto, mesmo
em um ritmo tão lento. Que significava que era a minha vez de tirar Tuck daqui.
Zeus.
— Eu pensei ter lhe dito para permanecer no Olympus, — disse ele, antes
que eu pudesse protestar, antes que pudesse sequer dizer uma sílaba absoluta e
única em minha defesa, ele apertou minha mão e desapareceu.
***
—Você não pode fazer isso comigo, — gritei andando para cima e para
baixo no escritório de Zeus. — Ela está confiando em mim para tirá-la de lá e no
momento em que o maldito conde descobrir que os outros se foram-
322
— Eu não tenho ideia do que você está falando, nem me importo, — disse
Zeus suavemente, sentado à sua mesa. — Mortais não são nossa preocupação.
Forçou Apollo a salvar a vida de um menino tolo e inútil. Ele é apenas um mortal.
—É muito fácil para você dizer. Você não é o único que deve explicar a
Fates, por que o mortal ainda está entre os vivos.
—Como você falou com a minha mãe nos últimos mil anos, — eu disse. —
Se você não me deixar sair daqui, eu vou-
—Deixar de que maneira? — Disse Zeus com calma. — Fugir, como você já
fez? Assim seja. Se você deixar o Olympus, vou dizer que você está
permanentemente removido do conselho e proibido de pôr os pés aqui
novamente. Seus deveres para com o Submundo serão revogados, vai ser
substituído, e eu suspeito que em breve, você vai desaparecer completamente. É
isso que você quer?
323
— Então a escolha é sua. Mas eu quase acho que você não vai ter nenhuma
chance de chegar lá a tempo, por isso escolha sabiamente. Os mortais têm uma
vida após a morte, e mesmo que ela, infelizmente, morra antes de seu tempo, ela
vai viver no reino de Hades. Mas se você for... bem, eu prefiro não ver isso
acontecer.
— Estamos fazendo tudo que podemos. Só porque você não está a par de
tudo o que acontece, não significa que não estão fazendo nada. — Ele acenou
com a mão em desdém. —Vá para seus aposentos. Amanhã vou dar um castigo
adequado para o que você fez.
Eu bati minha mão contra a parede de ouro, e a sala tremeu. Nem todo o
Olympus balançou, porém como ele seria se meu pai não tivesse feito isso em seu
lugar. Outra lembrança de que eu era substituível. Quase nada em comparação
com os seis original. E a neutralidade de Zeus em saber se eu vivia ou morria-
Eu deveria ter protegido Tuck. Eu deveria ter feito mais de alguma forma.
Eles eram a minha família de verdade, não isso e mesmo se eu sobreviver a todos
eles, pelo menos eu tive-os por um momento. Não poderia terminar assim. Não
para Tuck, não para os meninos e não para qualquer um.
324
Mas mesmo se eu fugisse do Olympus, eu estaria preso do outro lado do
mundo. Eu não tinha a capacidade de viajar em um piscar de olhos, como os
deuses originais, Tuck confiou em mim a que ponto, e o melhor que eu podia
fazer era ir até ao pôr do sol e ter esperança para que o inferno não tivesse levado
ela antes. Não fui suficiente para garantir sua vida, e eu não podia me contentar
com nada menos do que isso agora.
— Iris? Você está bem? — Eu afastei para ela entrar e ela escorregou por
mim, abraçando meus braços.
— Eu estou bem, — disse ela com um sorriso fraco que não alcançou seus
olhos. —Ou eu vou estar em breve. Zeus não estava muito feliz comigo por ajudar
você.
325
— Não seja ridículo. Se eu não quisesse ajudar, eu não teria, — disse ela.
—Você conseguiu tirar a menina de lá?
Eu pisquei. — Iris, você não pode, você já esta em água quente, e se Zeus
ficar sabendo-
326
Eu corri através dos portões e em toda a estrada de terra. A praça não era
muito grande, com apenas algumas lojas que a rodeavam. Talvez um quarto da
população da aldeia pudesse caber dentro, mas eu não me importasse com eles.
Eu os explodiria, se isso pudesse salvar a vida Tuck.
Meu próprio corpo tremia de raiva, mágoa e tristeza além das palavras
arrancada de mim. O homem corpulento deu uma olhada para mim, brilhando
com o fogo e os gritos de milhares de almas mortas, e ele correu.
Tuck. Minha pobre Tuck. Como isso podia ter acontecido? Não era verão
ainda. Nós deveríamos ter tido tempo. Era para eu ter tempo de salvá-la.
327
Não sei quanto tempo fiquei lá, tempo suficiente para persianas serem
fechadas e os moradores fugirem para as suas casas. Eles não eram o meu
problema, porém seu medo só fez a minha fúria pior.
— Hermes?
A voz suave de Iris me trouxe de volta em mim, virei para ela. Seu rosto
nadou na minha frente, mas até mesmo através das lágrimas eu podia ver sua
preocupação. — Ela se foi, — eu me engasguei. — Ele a matou.
Iris chorou, e seus olhos ficaram vermelhos. —Oh, Hermes. Eu sinto muito.
—Você pode- — Minha voz tremeu. —Você pode levar seu corpo de volta
para os meninos? Ela merece um enterro apropriado. Eu estarei lá assim que eu
puder. Eu tenho algo que preciso fazer.
Eu me afastei dela- por instinto, não porque eu não queria que ela me
tocasse. Mas eu estava longe demais para pedir desculpas, e em vez disso eu
consegui me forçar a sair, — Por favor. Vou te encontrar em pouco tempo. Apenas
certifique-se que os meninos estão bem.
Sem dizer nada, ela balançou a cabeça, dando um passo atrás para me dar
um momento de privacidade. Pressionei meus lábios na testa fria de Tuck. — Eu
sinto muito— sussurrei. — Eu espero que você tenha encontrado a sua felicidade,
e eu te juro, que vou ter certeza que os meninos ficarão bem. E eu vou te visitar,
assim que puder.
328
Não tinha muita escolha agora e mesmo metade de Tuck era melhor do que
nenhuma Tuck em tudo.
Agarrei-o pelo pescoço, onde o pingente que tinha começado tudo isso
estava pendurado. Aquele desgraçado. —Você matou a sua própria filha. Você
sabe o que Hades faz com as pessoas como você no Submundo?
Era tentador. Muito, muito tentador. Mas a morte seria um escape para ele,
uma forma de aliviar seus crimes, mesmo se Hades julgasse contra ele. Ele nunca
seria plenamente consciente do que estava acontecendo, nunca sentiria a culpa e
329
a dor de suas ações. E eu não estava me sentindo muito misericordioso no
momento.
Os olhos do conde quase saltaram para fora de sua cabeça. —Você não
pode fazer isso comigo! Eu sou um conde, nomeado pelo próprio rei!
330
Toquei no ombro do guarda. — Ele não é nada, ninguém, um homem
confuso pelos anos, que não conhece a si mesmo. Mande-o para fora da aldeia e
no seu caminho dê comida suficiente para uma noite.
***
—Você acha que ela gosta daqui? — Disse Sprout, suas bochechas coradas
com lágrimas. Ajoelhei-me ao lado dele e assenti.
Abracei-o e ao nosso lado, Perry juntou-se, também. Ele ainda estava mais
frágil do que o habitual, seu corpo irradiava calor, mas ele estava vivo, e ele
ficaria bem. —Obrigado por me salvar, — disse ele, descansando a cabeça no
meu ombro. — Eu sei que Tuck teria sido muito feliz com isso, também.
— Ela teria— disse baixinho, eu engoli. — Eu não vou ser sempre capaz de
ficar com você, mas quando puder, eu vou estar lá a cada segundo. Vocês são
minha família agora, e eu nunca vou deixar você para baixo de novo.
331
— Nós sabemos, — sussurrou Perry e os três se ajoelharam ali,
simplesmente abraçados.
Por último Mac colocou sua mão no meu ombro e soltei os meninos,
obrigando-me a ficar de pé. — Tome conta deles, — eu disse. — E quando você
estiver pronto, volte para a aldeia.
Mac franziu a testa, e embora ele não dissesse nada, eu sabia exatamente o
que ele estava perguntando.
—O conde se foi. Você está no comando agora, quando você estiver pronto.
Eu sei que vai ser justo para o seu povo, eles merecem um bom governante.
Seu rosto do bebê ficou branco e sua boca abriu-se, mas ele não disse
nada.
—Você escuta e você vê, — eu disse. — Isso é mais do que a maioria dos
governantes fazem. Lembre-se sempre quem você é, que o seu povo quer. Nunca
se esqueça de que eles não são peões para sua apreciação. Se você fizer isso, você
vai ficar bem.
Ele continuou a olhar para mim sem dizer nada, mas eu dei um tapinha
nas costas dele e ajoelhei ao lado de Tuck. —Vamos— eu disse, tocando-lhe a
mão fria sobre a seda. —É hora de dizer adeus.
***
332
— Hermes, — disse Zeus secamente. — Que bom que você pode juntar-se a
nós e decidir o seu destino. Por favor, permaneça de pé.
Eu estava a meio caminho de meu trono, quando ele disse isso, parei e virei
para os outros. Todos me olhavam, alguns presunçosos, alguns furiosos, alguns
indiferentes. Mas nenhum deles olhou para mim da maneira que Tuck fez.
— Eu quase não vejo por que ele deveria, — disse Apollo. — Ele sabia as
consequências quando saiu.
E lá se foi todo a boa ação que tínhamos construído no dia anterior. — Sim,
mas eu sei algo que você não sabe, — eu disse. — Eu sei como parar que todos
morram.
— Essa menina que você deixou morrer - ela era o que eu estava
procurando quando saí, — eu disse. —O Fates me guiou para ela. Eu queria
respostas, e ela era a única que me deu. Não diretamente, claro, mas as coisas
que ela disse... eu as coloquei juntas.
—Você vai nos dizer, porque você é um membro da família, não porque nós
subornamos você, — ele rosnou. Foi a primeira vez que eu ouvi algo além de um
tom neutro dele em eras.
333
—É aí que você está errado, — eu disse. — Família não trata o seu próprio
membro como vocês tem me tratando desde que Persephone desapareceu.
Por fim, ele limpou a garganta. — Muito bem, — disse ele lentamente. —
Aceitamos o seu pedido e suas condições, mas nós temos uma das nossas, se seu
conselho não fizer jus à sua promessa, você será imediatamente banido do
conselho e despojado de seu papel como um deus do Olympus e todos os seus
poderes. Você entendeu?
334
— Muito bem, Iris é inocentada de todos os erros, — disse Zeus. —Agora,
diga-nos o que você aprendeu.
Essa foi à parte mais difícil. Eu estava na frente do meu trono, ainda não
me atrevendo a sentar, e me concentrei no rosto de cada um e de todos. Não
importava como eles se sentiam sobre mim, eu os amava, e não podia suportar a
ideia de que algo pudesse acontecer a um deles. Mesmo se eles me negassem, eu
teria dito a eles.
Um murmúrio confuso ecoou pela sala e Zeus levantou a mão. Todo mundo
ficou em silêncio. — Explique Hermes.
Lancei-me em toda história de Tuck, o que ela passou e por que ela tinha
feito isso. Como ela tinha adaptado. O seu verdadeiro nome, como seu apelido
autoescolhido tinha sido um caminho para que ela recriar-se e tornar-se a pessoa
que ela precisava ser. Como ela tinha mudado de quem ela era e o que ela
acreditava e como ela agiu, tudo por causa de sua nova vida. E quanto essa nova
vida significou para ela.
— Então você está dizendo que precisamos mudar nossos nomes? — Disse
Aphrodite, apertando a mão de Ares. Eu acenei.
335
— Nós precisamos ser mais do que aquilo que somos. Mais que deuses e
deusas. Mais que Olympians. Ao mesmo tempo, é preciso tornar-se um deles,
também. Viver entre eles entendê-los, ajudá-los. Parar a necessidade de
reconhecimento. Precisamos integrar a nós mesmos e deixar de sermos essas
divindades grandes que estão muito acima da humanidade. Sim, nós somos
imortais, mas sentimos as mesmas emoções que eles. Estamos felizes, tristes,
irritados, animados - precisamos acabar com essa divisão. Precisamos sangrar
sangue em vez de icor. Precisamos adaptar.
— Não iria, não você, — eu disse. — Seus temas sempre estarão lá. Eles
sabem quem você é pelo menos até certo ponto. Mas nós - eles acreditam em
outros deuses agora, ou só um de nós por vez, ou qualquer que seja o caso.
Precisamos nos tornar esses deuses. Para cultivar essas ideias em suas mentes.
— Eu balancei a cabeça. — Eu sei que parece loucura, mas o núcleo do problema
é que eles não sabem quem somos. E temos que nos expor e governar como reis,
não podemos mudar isso. Mas nós podemos viver como – como Rhea.
— Ela vive entre o povo. Eu não quero dizer que temos de abandonar o
Olympus. Nós apenas precisamos nos unir com o mundo mortal e compreendê-lo.
Enquanto houver os mortais, sempre haverá amor e música e viagens, para ficar
ligado a essas coisas como nós somos agora, temos que ir para a terra e
representá-los. Todos nós nos encontrarmos, vão saber quem somos, mesmo que
eles não saibam nossos nomes, e vamos nos enraizar entre eles. Em resumo - não
podemos nos manter acima deles mais. Nós não somos melhores do que eles, e
devemos nos lembrar disso. Nós dependemos deles como eles dependem de nós, é
hora de começar a agir como tal.
—Vamos tentar, — disse ele. —Abstrato como o que é. Você tem alguma
sugestão sólida para o que podemos fazer para implementar essas... ideias suas?
Ninguém parecia feliz com isso, nem mesmo Hephaestus, quem não tinha
exatamente ganho seu nome na loteria. — Que tipo de nomes? — Disse
Aphrodite, franzindo a testa.
— Eu não sei. Nomes que vão ficar em torno deles por séculos, embora eu
suspeite que possamos mudá-los de novo, se for preciso— disse eu. — Nós vamos
fazer o que temos que fazer para sobreviver.
— Muito bem, — disse Zeus. — Então por que você não começa? Qual é o
seu novo nome, filho?
Filho. Pode ter sido uma única palavra para ele, mas para mim, foi um
momento de aceitação de um momento quando nos mudamos para além das
lutas das eras passadas e entramos em uma nova era, onde a chapa foi limpa.
Era exatamente o tipo de vida que Tuck queria. E era a vida que eu iria
viver quando ela não podia.
***
337
Três anos mais tarde, todos nós ainda existíamos.
Não poderia mentir e dizer que foi fácil - nada disso iria acontecer durante
a noite, mas daria crédito ao conselho, cada um tentou. Apenas Hera manteve
um nome grego, recusando-se a ceder a partir das raízes que ela tinha tão
fortemente, mas pelo menos conseguimos convencê-la a mudar seu nome para
Calliope menos conhecido. Mesmo Zeus encontrou um nome forte o suficiente
para satisfazer o seu ego.
— Hermes, — ele disse em uma voz enfraquecida, e ele fez uma pausa. —
James. Existe um problema com as almas que você transportou?
— Não, — eu disse.
Tinha sido uma regra tácita entre nós, que eu saísse do meu caminho para
evitar vê-lo ao fazer meus deveres no Submundo. Apesar de um alguns estranhos
desentendimentos, a maior parte do tempo, conseguimos manter a nossa
distância. — Eu tenho um pedido.
O silêncio pairou entre nós, e Hades por último suspirou. —Você quer ver a
menina.
— Eu- — Eu apertei minha boca fechada. É claro que ele sabia. — Sim. Eu
não vou ficar muito tempo. Eu só quero ter certeza de que está indo bem, e eu
tenho algo para lhe dar-
— Não. — A palavra ecoou pela sala do trono, mesmo que ele não tivesse
falado acima de um murmúrio silencioso. — Eu não posso permitir que você a
veja.
Eu olhei boquiaberto. Ele estava falando sério? — Por que não? Você
permitiu que outros visitassem os mortais no Submundo antes. Por que não
posso ver Tuck?
Mas quando eu disse, eu sabia. Esta foi a sua vingança pelo que eu tinha
feito com Persephone. Todos estes milhares de anos de dança em torno de si,
339
fingindo ser neutro, agora que ela se foi, agora que ele pensou que eu tinha
jogado um papel integral em rouba-la dele, ele estava roubando Tuck de mim. Um
olho por um olho.
—Você não pode fazer isso, — eu disse. — Ela não fez nada de errado.
— Mas você fez. — Ele se inclinou para frente, seus olhos de prata trancado
em mim. —Você é o único que quer vê-la, e não o contrário.
Ele pode muito bem ter alcançado dentro de mim e arrancado cada pedaço
de mim que jamais importou. Eu fiquei lá, tremendo, tentando pensar em uma
maneira de contornar isso, mas eu já pedi desculpas mil vezes. Eu já tinha feito
tudo que podia para fazer as pazes com ele. Seu orgulho e sua fúria impediu de ir
além disso e agora por causa disso, nós dois estávamos presos.
— Não.
340
Claro. Malditamente claro. Eu passei minha mão livre pelo meu cabelo,
minha visão crescendo vermelho. — Não é minha culpa, o que aconteceu com
Persephone, — eu soltei. — Ela é a pessoa que tomou essas decisões. Eu só
apontei o fato de que ela tinha uma escolha.
— Ela fez uma escolha, — disse Hades. — Mas você também. Eu não estou
o julgando responsável pelas ações de Persephone. Eu estou julgando
responsável por seu próprio ato.
Eu me virei. Ele estava certo, mesmo que o seu método fosse desprezível,
mesmo que ele não estivesse sendo justo. Eu fiz as minhas escolhas, e eu tinha
sofrido as consequências por elas uma e outra vez. Este foi apenas a final.
— Tudo bem, — eu disse com voz trêmula quando me virei para encará-lo.
— Tudo bem. Eu aceito a sua decisão, sob a condição de que é isso. Você pode
me odiar tanto quanto você quiser, mas esta é a última vez que você fará isso
comigo. Pronto.
Ele inclinou a cabeça quase com curiosidade. Para falarmos com um dos
seis originais assim, era loucura, especialmente quando ele já não me aguentava.
Mas eu não me importava. Já era o suficiente.
341
Eu fiz meu caminho passando os bancos, cientes das almas que
presenciaram todos os momentos da nossa conversa. Nenhum deles importava,
no entanto. A alma que eu queria ver era uma que eu nunca iria encontrar
novamente. Hades tinha visto isso.
Na metade do corredor, no entanto, eu parei e olhei para ele mais uma vez.
Um punho invisível apertou meu coração. — Ela está feliz?
Ele franziu os lábios e finalmente, ele suspirou. — Sim, ela está feliz.
Isso era tudo que eu precisava saber. Nunca iria mudar o passado, nunca
iria me fazer chegar lá a tempo de salvá-la, mas pelo menos eu poderia descansar
sabendo que ela não estava com dor. Essa foi uma pequena quantidade de
conforto que Hades nunca poderia tirar de mim.
342
Deus das Trevas
Oferta de Calliope
Mas ele teria trocado tudo se isso significasse que ele poderia ser mortal.
Em sua existência, Hades tinha visto mais rostos e ouvido mais histórias
do que o resto do conselho junto. Eventualmente todo mortal entrava em seu
reino, e enquanto ele só ficou cara-a-cara com uma fração deles, ele sentiu a
presença de todos e cada um. Ele sentiu cada momento de suas vidas perdidas.
E foi por isso que ele invejava a sua mortalidade. Para ter um período
definido de tempo para viver, para saber que haveria um fim em vez de um mar
infinito de tempo... Teria sido uma coisa maravilhosa. Dessa forma, mesmo que
ele acabasse sozinho, ele saberia que iria acabar algum dia. Sendo um deus isso
não lhe concedeu nenhum alívio.
343
do que ele tinha imaginado. Mesmo sabendo que ela nunca iria amá-lo do jeito
que ele a amava, ele se agarrou a sua memória, valorizando como se fosse uma
vida de felicidade.
Ele manteve a sua promessa para si mesmo, no entanto nunca tinha ido
vê-la. Ele estava agonizando, sabendo que ela estava tão perto, mas tão
apaixonada por outra pessoa, e ele não podia permitir-se esse tipo de dor. As
feridas tinham apenas começado a curar, enquanto as cicatrizes são inevitáveis, e
novamente poderiam abrir apenas para garantir que nunca iria fechar.
Em vez disso, ele se permitiu sonhar com ela durante o pouco tempo que
dormia. Ele se permitiu sonhar com uma vida que poderia ter tido se não tivesse
sido tão errado em suas ações, se ele tivesse feito o que ela queria, disse a coisa
certa, nunca permitir que Demeter a convencesse a se casar, em primeiro lugar.
Se ele tivesse perguntado a Persephone o que ela queria, todos esses milhares de
anos atrás, antes que eles tivessem feito tanto dano irreparável um ao outro. E
durante essas breves horas, ele estava feliz.
Inclinando-se contra o seu trono, ele exalou, seus olhos caindo fechado.
Quinhentos anos hoje. Esse foi o tempo que tinha sido desde que a soltou, e ele
ainda se sentia agonizante, como o dia em que assistiu ela morrer. Esqueça as
cicatrizes. Naquele momento, ele estava convencido de que nunca iria melhorar,
não importava quanto tempo se passou.
344
Fazia milênios desde que os dois estiveram sozinhos, desde antes de seu
casamento com Persephone e esfaqueou o lembrete para ele. — Eu não
interrompo nada, não é?
—É claro. — Ele ofereceu-lhe o braço e uma vez que ela aceitou, ele a levou
da sala do trono. Os corredores foram iluminados com tochas eternas, dando à
casa uma sensação estranha, mas ele preferia. Ele poderia facilmente ter criado
uma luz que não fizesse a dança das sombras, mas isso só fazia sua solidão pior.
Uma vez que entrou em uma sala de estar aconchegante que nunca mais
teve a chance de usar, ele olhou em volta, como ela fez, olhando a sala.
Engraçado como uma rotina pode tornar estranho algo que uma vez foi familiar.
Ele convocou o chá e serviu em ambos os copos, quando ele se sentou ao seu
lado no sofá, viu que ela se moveu mais perto dele. Talvez ela simplesmente
sentisse falta dele. Ou talvez ela percebesse o quanto ele precisava de alguma
forma de conforto.
— Este lugar não mudou muito, — disse ela entre goles de chá. —Como
você está indo?
— Tem sido um longo tempo desde que alguém me perguntou isso, — ele
disse com um leve sorriso, embora não encontrou nenhuma alegria em qualquer
preocupação dela ou de sua observação. — Eu podia ter estado melhor, eu acho.
345
Ele balançou a cabeça. — Poderosa e encantadora como você é, eu tenho
medo que não haja nada que alguém possa fazer.
Ela corou e baixou a cabeça por um momento. Timidez não pareceu certo
nela. —Você é muito gentil.
—Dificilmente. Não é minha culpa que Zeus, digo Walter não aprecie o que
ele tem.
— Seus nomes são deles. Eu não poderia roubá-lo, como Diana pegou de
Ella.
Calliope sorriu. — Eu acho que ela fez isso apenas para conseguir um
aumento dela, depois desses comentários que Ella fez sobre ela e Walter.
346
Um olhar estranho passou sobre o rosto dela, e ela segurou seu queixo
uma fração de uma polegada maior do que o habitual. — E se eu disse que eu
tinha?
Uma pausa. Era como se Hera-Calliope fosse menos que direta quando
queria algo. Mas o que ela poderia querer dele? Seria seu novo amante um
mortal? Será que ela queria que Hades o poupasse? —Você pode, — ela disse
devagar, com a mão mudando em direção a ele. — Se você acredita que está
preparado para ouvir a resposta.
Seus dedos roçaram e ele parou. Calliope lançou seu olhar, seus olhos
azuis sério e as maquinações de uma vez, e ela se inclinou em direção a ele. —
Você sabe o porquê, — disse ela baixinho. —Você sempre soube.
Hades ficou completamente imóvel, não deixando nem o seu coração bater.
Talvez, então, o tempo não passasse e ele nunca teria que enfrentar as
consequências inevitáveis deste momento.
Hera. Calliope. Sua irmã o amava. Ansiava por ele. Ele podia sentir agora,
esses tentáculos de emoções tão antigas como o reinado do conselho,
serpenteando em direção a ele. Como ele perdeu isso antes? Ela estava realmente
tão habilidosa para manter até mesmo seus mais fortes sentimentos tão bem
guardados?
Não importava como ela tinha mantido em segredo. O que importava era o
jeito que ela o observava, à espera de sua resposta, com esperança em seus olhos
347
e uma dança de sorriso nos lábios. Tinha passado muito tempo desde que ele a
tinha visto assim, como se finalmente viu algo de bom no mundo que ela queria.
E o aterrorizava.
Mesmo se ele pudesse entreter a noção de estar com ela, mesmo que ele
pudesse mover-se após o seu amor sufocante por Persephone, seu irmão nunca o
perdoaria. Tal ação seria para Zeus - ou Walter como um ato de guerra, e ele
lutaria até o fim do mundo para reconquistar sua posse.
Mas isso era tudo que Calliope era para Walter – uma posse. Um troféu.
Um animal de estimação na coleira, ele pensou que domou, mas aqui estava ela,
fora de sua gaiola e desesperada por sua liberdade. E Hades não poderia dar a
ela.
Ele queria. Não porque ele a amava do jeito que ela tão claramente o
amava, e certamente, não porque ele queria começar uma guerra. Mas porque
ninguém merecia o tipo de vida que Calliope tinha vivido. Ninguém merecia
perder-se do jeito que ela tinha, sido enterrada debaixo de orgulho de seu marido,
perdida na eternidade da sua ira. Depois de ter mantido Persephone por tanto
tempo, sem permitir a liberdade que tanto ansiava, a noção de dar a Calliope a
mesma coisa que ele não tinha dado era inebriante. Redenção, à sua própria
maneira. Uma chance de provar a si mesmo - e a Persephone - que ele não era
um monstro, mesmo se ele soubesse que seria uma mentira.
Isso não foi suficiente, no entanto. Não foi o suficiente para dar a Calliope a
falsa esperança de que um dia ele pudesse amá-la, não foi o suficiente para
amarrar ela da mesma forma que Zeus. Não foi o suficiente para iniciar uma
guerra que o conselho nunca conseguiria terminar. Não foi o suficiente para
arriscar a humanidade e quebrar todas as regras que ele tinha feito para si
mesmo desde a morte de Persephone.
Não foi o suficiente para arriscar seu próprio coração, egoísta como era. E
não foi o suficiente para se dar mais uma chance de felicidade. Calliope pode ter
348
merecido, mas ele não merecia, e ele não podia ver o passado que não importar o
quanto ele tentasse.
— Estou lisonjeado, — ele disse em voz baixa, incapaz de olhar nos olhos
dela por mais tempo. Ela iria saber instantaneamente o que essas palavras
queriam dizer, mas ele não poderia encontrá-lo em si mesmo para dar-lhe a
menor quantidade de esperança. Só seria outra crueldade. — Mas você é a
mulher do meu irmão e há certos limites que não podem ser atravessados.
— Essa é uma chance que eu não posso te dar, — disse ele, concentrando-
se em suas mãos entrelaçadas. Um mundo desses em um único gesto. — Eu
estou mais triste do que as palavras podem descrever, mas você merece coisa
melhor do que uma vida no meu mundo. Comigo. Eu não poderia te amar, não da
maneira que você me ama, e eu prefiro desaparecer a ver este lugar sufocar a vida
fora de você como fiz a Persephone-
— Persephone? — Ela engasgou com o nome. —É por isso que você está
fazendo isso? Por causa dela? Porque ela não te amou?
— E se – e se ela não era suposto para amar você? — Seu tom assumiu
uma qualidade estranha, como se estivesse empurrando-o em direção a algo que
ele não podia ver. — E se não foi culpa sua ou dela?
349
Uma grave suspeita o encheu. —O que você está dizendo? — Disse ele,
tentando ver além da determinação dela para o que estava por baixo. —Você está
insinuando que alguém manipulou Persephone-
—O quê? Não, não, claro que não, — disse ela rapidamente. — Eu só quero
dizer - se vocês fossem incompatíveis? E se você se apaixonou por alguém que
simplesmente não era certo para você? Isso é tudo que eu quero dizer.
Ele a olhou por um longo momento, em busca de uma mentira, ele sabia
que estava lá. Mas porque ele a amava, porque queria ver o melhor nela quando
ninguém mais, porque o pensamento de sua traição foi demais para suportar, ele
acreditou. Seus ombros caíram e ele enfiou a mão na dela. — Independentemente
das razões, o passado é o passado e não há nada que eu possa fazer para mudar
isso. Sinto muito por sua sorte na vida, Calliope. Espero que um dia você
descubra uma maneira de deixar isso para trás e encontrar a vida que merece,
mas eu não posso te amar do jeito que você quer e eu não posso te machucar
mais do que eu já fiz. Você sempre terá um aliado e um amigo em mim. Mas isso
é tudo o que vai ser.
Lá estava - a dor que ele sabia que acabaria por causar a ela, não
importava a sua resposta. Queimou como fogo em seus olhos e ela levantou com
o orgulho e graça de uma rainha. Ela era notável, muito mais digna do que ele ou
seu irmão, e talvez um dia ela fosse encontrar. Mas hoje não seria esse dia.
350
eu não posso me permitir causar discórdia a ninguém mais. Especialmente
alguém que me interessa tão profundamente quanto você.
Ele tomou sua mão delicadamente e roçou os lábios contra os nós dos
dedos. — Eles importam muito mais do que os meus, e é por isso que devo
declinar. Eu sou uma concha. Eu sou uma sombra. Eu sou nada, e você é tudo.
—Você não é nada, e você merece amor tanto quanto eu. Você não quer é?
— Ela estava implorando agora, embora ela fizesse um trabalho admirável de
mascarra-lo no tom de comando de uma rainha. Mas ela não era sua rainha, e
ele não iria obedecê-la, não quando isso destruiria a todos eles.
Não importa. Isso foi feito, e ele não iria mudar a sua mente. O aguilhão da
rejeição agora seria nada comparado com a agonia da perda que ela teria sentido
em séculos ou eras na estrada, se ele tivesse aceitado a proposta e ele tivesse de
se contentar com isso. Ela não seria grata agora, ou talvez a qualquer momento
no futuro próximo, mas um dia, quando ela tivesse encontrado a sua felicidade,
ele esperava que ela fosse se lembrar deste momento e ver o futuro que ele
permitiu que ela tivesse. O futuro que ele queria que ela tivesse.
351
— Eu espero que você me visite, apesar de eu entender se você não fizer
isso, — ele disse calmamente. Ela engoliu em seco.
— Eu vou fazer o meu melhor, — ela permitiu. — Mas agora tenho que ir.
Ele acenou com a cabeça uma vez. — Eu vou acompanhá-la para fora.
— Eu sei o caminho. — Ela fez uma reverência uma vez, e ele respondeu
com uma profunda reverência. —Cuide de si mesmo, Hades. E encontre um nome
antes de Walter se chatear mais do que ele já está.
Callíope olhou para ele, havia algo de cálido sobre o seu olhar. Mas quando
não estava lá? Pelo menos seu desgosto tinha desaparecido a um lugar onde
Hades não poderia vê-lo. — Eu tive o privilégio de passar um tempo na Inglaterra,
onde eu assisti a ascensão e queda de muitos reis. Alguns são bobagens,
pomposo e muito encantado com seus títulos e a arte da guerra, mas alguns
realmente amam seu povo e tem cuidados para o bem-estar de seu país. Meu
favorito lembrou-me um pouco de você. Ele chamava Henry.
Callíope sorriu e desta vez foi genuíno. Mas em pouco tempo, sua expressão
desapareceu em uma de tristeza, mais uma vez, e ela suspirou. —Cuide de si
mesmo, Henry.
352
— E você, — disse ele, movendo-se para beijá-la no rosto como ele fez
inúmeras vezes antes, mas ela se afastou. Suas barreiras escorregaram por um
momento, e a dor que ele temia foi derramada. Não correspondia a agonia que o
tinha inundado desde a morte de Persephone, mas a dor não era um concurso, e
a dela era tão real quanto a sua própria.
Ele observou-a ir, saindo da sala antes que ele pudesse dizer adeus. Mesmo
que ela voltasse algum dia, nunca mais seria a mesma, e ele já lamentava a sua
amizade. Mas foi para o melhor. Para ambos. Ela merecia uma vida que ele nunca
poderia dar a ela, uma cheia de luz do sol e amor, ele nunca iria se perdoar por
feri-la como ele machucou Persephone.
Sua mente girava com as possibilidades de qual pequena memória que ele
iria encontrar conforto na noite. Mas se o tempo corria em volta dele, forçando-o
a ir com ele, seu coração permaneceu imóvel. E seria agora para sempre.
353
Derrota
Henry não poderia apontar o momento exato em que ele desistiu. Rastejou
sobre ele como um ladrão na noite, roubando seu futuro peça por peça até que
ele não tinha mais nada. Talvez não tenha sido uma pequena coisa, talvez fosse
uma eternidade de pequenas coisas que se combinam para formar a tempestade
perfeita. Ou talvez fosse nada.
— Eu desejo desaparecer.
As palavras que ele tinha praticado por muito tempo em sua cabeça
escorregou para fora como se fossem nada. E diante do silêncio do conselho, por
um longo momento ele se perguntou se talvez ele realmente não tinha dito nada.
— Sim, desaparecer, — disse Henry com maior paciência. Ele esperava isso.
— Eu entendo que o meu papel neste mundo é grande, mas eu não posso
suportar enfrentar a eternidade por mais tempo. Temos todos vivido vidas
incontáveis, e eu gostaria de terminar a minha agora.
354
— Mas, por quê? — Disse uma voz pequena ao lado dele, e Henry olhou
para Demeter-Diana. Eles não tinham falado muito desde a morte de Persephone,
mas a sua ligação ainda estava lá, tendo crescido ainda mais forte nos fogos
eternos do sofrimento. Se ela não entendia, ele não tinha esperança de convencer
os outros, também.
Ele a olhou diretamente nos olhos. — Eu estou sozinho. Até aqui, todos
vocês têm um ao outro, mas eu não tenho ninguém. E apesar de meus esforços
para ser um rei que meus súditos precisam que eu seja, eu não posso mais
suportá-lo por conta própria.
—Você não pode mais suportar o que? — a voz de Calliope ressoou muito
mais estável do que a sua própria. —Você não pode mais suportar o seu reinado
sem uma rainha? Ou você não pode mais suportar a sua existência sem uma
companheira?
Havia um tom malicioso à sua pergunta, mas Henry ignorou. Se ela estava
insinuando que ela poderia ficar com ele, seja como sua rainha ou o sua
companheira, ele não falaria. Nada havia mudado nos últimos 400 anos.
— Mas certamente deve haver outra maneira, — disse Diana, lutando por
ele. Ele permitiu que ela tomasse sua mão. —James conhece o funcionamento
interno do Submundo. Talvez ele pudesse-
— Não. — Henry falou tão suavemente quanto pôde, mas ele não iria
trabalhar lado a lado com James não importa o que fosse. — Eu já tomei minha
decisão, e se você desejar que James assuma minha posição depois que eu me
for, então que assim seja. Mas eu gostaria de descer do meu trono agora.
355
—Com todo o devido respeito, irmã, você não é a cabeça deste conselho, —
disse Henry, e apesar do olhar de choque total no rosto dela de sua dispensa, ele
olhou para Walter para a palavra final. Seu irmão pode ter sido o epítome de
orgulho, mas ele amava Henry em tudo, ele não podia negar isso a ele. Era sua
vida, sua eternidade para gastar como quisesse. E ele queria descer e
desaparecer.
Walter não disse nada por um longo momento, os olhos fixos em Henry. —É
isso que você realmente quer? Abandonar-nos? Sucumbir à covardia de alguns
séculos solitários?
— Porque você não está disposto a sair e encontrar uma nova rainha.
— Sua falta de vontade de seguir em frente não significa que o resto de nós
deve ser punido.
Ao lado dele, Diana subiu, imprensando a mão dele. — Irmão, — ela disse
em uma voz destinada somente para ele. — Eu entendo a sua dor. Eu carrego
356
também, e eu desejo nada mais do que superar isso. Mas desvanecimento não é a
resposta.
— Mas deve haver alguma solução. Algo que pudesse fazer você ficar.
Ele fechou os olhos e um rosto por demais familiar apareceu em sua mente.
O mesmo que tinha assombrado por quase um milênio. —Você sabe a resposta
para isso, — ele sussurrou.
Sua garganta apertada. Ela sabia. É claro que ela sabia. — E se eu fosse te
encontrar uma nova rainha?
A nova rainha. A ideia era tão absurda que ele quase sorriu. — Eu não
tenho desejo de uma nova rainha, ou uma nova companheira. Essa parte da
minha vida acabou.
—Como você pode ter tanta certeza? — Antes que ele tivesse a chance de
protestar, Diana virou-se para os outros. — Eu digo que nós aceitamos a escolha
de nosso irmão e permitir-lhe cem anos para colocar seus assuntos em ordem,
com a condição de que, durante este tempo, ele também nos permita encontrar-
lhe uma nova noiva. Alguém que ele possa amar que o ame em troca. Alguém que
possa ajudá-lo a governar. Alguém que vai lhe dar uma razão para ficar.
357
Um murmúrio percorreu o recinto e Aphrodite-Ava foi a primeiro a acenar
com o acordo. — Eu acho que é brilhante, — disse ela. — Eu aposto que entre
nós, poderíamos encontrar alguém que seria perfeito para você.
— Muito bem, — disse ele. —Cem anos. Esse é todo o tempo que irei
permitir. No final do cem anos, se não concordar com uma rainha adequada para
governar ao meu lado, — ele não poderia dizer a esposa ou companheira ou
amante. — Então eu vou descer do meu papel como o rei do Submundo, e eu vou
desaparecer.
358
Ele conseguiu o mais fraco dos sorrisos. Não era segredo que ela se culpava
pelo que tinha acontecido com Persephone, e se lhe permitiu deixar de lado sua
própria culpa, Henry não poderia negar a ela a chance de fazer isso. Mas a dor
dentro dele, um fogo eterno que transformou todo último pedaço de sua felicidade
em cinzas, não seria extinto por uma estranha. Mesmo se Diana estivesse certa,
mesmo se houvesse alguém lá fora que combinasse com ele em todos os sentidos,
que era de alguma forma mais uma alma gêmea para ele do que Persephone, ela
não seria capaz de curá-lo. Ninguém podia.
Ele daria a Diana esta chance, porque ele a amava e porque ela tinha tido
suficiente. Ela merecia isso tanto quanto ele merecia sua própria escolha, e era o
mínimo que poderia oferecer a ela antes de sucumbir ao esquecimento.
****
359
Ingrid
Por três anos, Henry esperou.
Ele sabia que a menina estava vindo; Diana não cederia em vasculhar o
mundo, e isso seria apenas uma questão de tempo antes que ela encontrasse
alguém para ele. E enquanto esperava, ele sonhou quem ela poderia ser. Jovem,
velha, engraçada, estoica, feliz ou tão miserável como ele - tudo era uma
possibilidade, mas sempre que tentava imaginar seu rosto, ele só viu Persephone.
Era mesmo ético pedir a um mortal para ser sua rainha? Para colocá-la por
meio do teste e exigir que ela desistisse de sua mortalidade pela eternidade? E o
que aconteceria se ela falhasse? Diana tinha jurado que ele não precisava se
preocupar com nada disso, mas é claro que ele se preocupava. Se ele ia ser o
motivo desta menina, essa mulher, deixar tudo para trás que ela conhecia, então
ele não tinha escolha, mas para dar-lhe um final feliz de uma maneira ou de
outra.
Diana veio a ele no início de uma noite, enquanto algumas almas ainda
persistiam a partir do último lote que James tinha levado três dias atrás e dois
dias a mais do que tinha apenas um milênio atrás, e ele não podia suportar a
ideia de quantas almas estavam lá fora esperando por ele para chegar até eles.
Não havia pressa, é claro, mas ele estava miseravelmente atrás. E eles mereciam
suas eternidades.
Isso foi uma mentira e ambos sabiam disso, mas permitiu a ela tanto
quanto podia e ele a beijou de volta. —Como você. Eu suponho que você traz
novidades?
360
— Eu trago. — Ela deu um passo para trás o suficiente para olhá-lo nos
olhos, um sorriso malicioso dançou em seus lábios. — Eu a encontrei.
Por um longo momento, Henry estava quieto. Ele sabia que isso ia
acontecer, claro, mas para ouvi-la dizer - reconhecer o fato de que havia uma
menina por aí que Diana pensou que iria ser suficiente para ele...
— Seu nome é Ingrid e ela é linda. Ela tem um temperamento calmo, ela é
amorosa, alegre, e Theo acredita que ela é a única. — Theo, Apollo, que teve
acesso aos oráculos do mundo. Se Theo achava que ela era a única, então nem
mesmo os Fates poderia argumentar. — Muito bem, — disse Henry. —Você vai
traze-la para cá?
— Não, ela é uma residente, — disse Diana com a paciência de uma mãe
explicando algo muito simples a seu filho. — E ela não tem ideia do que está por
vir.
Uma moradora, significava que ela era órfã, uma criança. Sua irmã estava
o arranjando com uma criança. — Quantos anos ela tem, exatamente?
— Sete?
361
eu pensei que, talvez, se ela crescesse conhecendo você, se de alguma forma você
foi capaz de trabalhar o seu caminho em sua vida-
Ele estreitou os olhos. Ela queria que ele iniciasse um relacionamento com
uma mentira. Ele não deveria ter esperado nada menos, mas o pensamento de
manipular uma criança para amá-lo, apenas para roubá-la para longe da
superfície quando ela tinha idade suficiente para se casar... talvez isso era algo
que Walter teria feito, mas Henry gostava de pensar que ele era melhor do que
isso. — E qual é o problema em esperar até que ela fique mais velha?
—Até então, ela pode ter encontrado um motivo para lhe dispensar, — disse
Diana. — E, em vez de aproveitar a chance, não seria uma coisa tão terrível fazer
amizade com ela, não é?
—Você prometeu que iria tentar e isso é tudo que estou pedindo de você.
Eu não estou sugerindo nada obsceno ou imoral. Estou apenas sugerindo que
você dê a ela uma chance como um amigo, — disse Diana. — Eu sou uma mãe eu
mesmo, se você se importa em recordar, eu nunca iria condenar você tendo um
interesse em uma criança. Mas eu também sei que você nunca faria tal coisa, e
eu percebo que há uma possibilidade de que mesmo se eu encontrar uma rainha,
ela não possa ser nada mais que uma amiga para você. Eu estou disposta a
362
correr esse risco. Uma rainha e uma simples confidente são melhores do que
ninguém em tudo.
Ele suspirou. — E você jura que se ela e eu não conseguirmos ser tão
amigos, você não irá pressionar qualquer um de nós ainda mais?
A viagem até a superfície não era nada de especial, mas quando eles
apareceram nas ruas de Nova York, o pânico começou a se espalhar através de
Henry, seu corpo se entorpeceu todo. As ruas estavam lotadas com a agitação de
homens e mulheres que andam sobre seu dia, evitando as carruagens puxadas
por cavalos que passavam por eles a uma velocidade alarmante. E - Henry
piscou - carruagens que pareciam mover-se por vontade própria. Apesar de sua
admiração, ele não podia parar e se divertir, não hoje. Engoliu seus nervos,
tomou a forma de um rapaz não muito mais velho que Ingrid, e Diana segurou
sua mão como uma mãe faria.
O orfanato não era longe e logo que entrou no edifício estreito. Entre duas
outras habitações, a luz natural veio de pequenas janelas na parte de trás e da
frente. O restante foi iluminado com um tipo de lâmpada que Henry nunca tinha
visto antes.
—Ah, Diana, — disse uma voz de mulher do andar de cima deles. Henry
esticou o pescoço, era uma mulher maternal que o lembrou de sua irmã Sofia,
descia as escadas. —É esse o menino? — Sua irmã assentiu. —O nome dele é
Henry. Ele não vai me dizer nada mais do que isso.
363
Quando ela tocou seu ombro para guiá-lo a subir as escadas, Diana soltou
sua mão e Henry fez uma careta. É este o seu plano? Deixar-me aqui como um
deles?
Eu não vejo você sugerindo nada melhor. Ele podia ouvir a presunção em
seu tom de voz e suspirou.
Ah, você vai saber. Se você tiver alguma dúvida, querido irmão, você sabe
onde me encontrar. E antes que você imediatamente a rejeite faça um favor a si e
dê-lhe uma chance. Você nunca sabe o que pode acontecer.
Henry pode não ter tido acesso a um oráculo como Theo fez, mas ele estava
relativamente certo de que este era pouco mais do que um tiro no escuro. Para
dizer que uma menina seria compatível com ele era loucura, e embora ele
entendesse o desespero de sua irmã, isso estava indo longe demais.
Ele iria embora - estaria fazendo um favor a ela, realmente permitindo a ela
a chance de viver sua vida como ela deveria ter, sem a angústia de uma
eternidade com ele. Ele havia prometido que iria tentar, mas para quê? Para
prender esta menina no Underworld? Para forçá-la a ser sua amiga quando tudo
que ela queria era a sua liberdade? Ajudou que ela não tinha família para perder,
certamente, mas ele não poderia ser o seu substituto. Ele já tinha feito esse erro
uma vez.
Matilda levou para um quarto com duas fileiras de uma dúzia de camas
pressionadas juntas. —Aqui estão os outros da sua idade, — disse ela. — Por que
você não se junta enquanto eu encontro algo quente para comer?
364
extraordinário sobre eles. E Diana iria escolher alguém especial, disso Henry era
certo.
Mas tudo parecia normal. Limpo, bem cuidado, com certeza, mas ninguém
se destacou. Eles brincavam em três grupos, cada um ocupando um terço da
sala, e nenhum deles pediu-lhe para se juntar a eles. Não que ele precisava de
sua permissão, é claro. Era ridículo pensar que ele, Senhor do Mundo dos
Mortos, poderia ser superado por uma sala cheia crianças de 7 a 10 anos de
idade, mas lá estava ele.
—Você é Henry, não é? — Uma voz alta e quase musical soou da porta, e
ele se virou. Uma menina com duas tranças loiras estava atrás dele, segurando
uma taça de algo que cheirava como caldo. E pensou que ele estava procurando
por ela, o choque de vê-la pela primeira vez fez o sangue drenar de seu rosto.
Ela era Ingrid. Ele sabia assim como ele se conhecia, e embora ela não
parecesse ser nada, mas tudo sobre ela o chamou atenção. A bondade em seus
olhos azuis, a plenitude em suas bochechas, a forma como seu pequeno tamanho
o fez querer protegê-la contra todas as coisas ruins que a levou a este lugar. Em
seu olhar viu algo mais sábio e mais profundo do que os outros, algo que ele não
podia explicar. Mas estava lá. Isso ele muito tinha certeza.
— S-sim, eu sou Henry, — disse ele, surpreso com o quão alto a sua voz
soou. Ele já tinha sido assim jovem antes? Ele estava certo de que ele não tinha.
— Isso é para mim?
A menina assentiu com a cabeça e ele pegou a taça, com cuidado para não
derramar. Não era o tipo de alimentação que ele estava acostumado, mas havia
algo distintamente caseiro sobre o cheiro que exalava de sua refeição. Um biscoito
molhado flutuava no centro e a menina ficou vermelha ao perceber isso.
—Oh! Sinto muito. Posso conseguir uma nova. — Suas mãos estavam a
meio caminho da taça antes de Henry puxar para trás.
365
— Não, está tudo bem, — disse ele. —Cheira bem. — Olhando para baixo
sobre o piso de madeira, ele fez um gesto para ela se juntar a ele. — Qual é o seu
nome?
— Ingrid, — disse ela com um leve sotaque que não poderia identificar e ela
sentou-se ao lado dele. Ela olhou para a tigela com fome e sem uma palavra, ele
ofereceu a ela.
Ela encolheu os ombros. — Não estava com fome antes, — ela sussurrou.
— Tive uma sensação estranha e meu estômago estava todo amarrado.
Ele não sabia como interpretar isso. Ingrid tinha sabido que ele estava
vindo? Ela poderia senti-lo de alguma forma? Será que ela sabe? Que havia algo
sobre ele, como ele sabia que havia algo sobre ela?
—Você pode ter tudo o que quiser, — prometeu ele, depois que ela deu uma
olhada nos outros, ela comeu com fervor, parando apenas para tomar uma
respiração profunda. Ele a olhou com um pequeno sorriso, lembrou vagamente
do Cerberus na hora das refeições. Mas apesar de ser tão jovem, ela conseguiu
não derramar uma gota.
—Devemos ser amigos, — disse ela entre garfadas, com a ousadia tímida
que apenas uma criança poderia se safar. — Eu realmente não tenho muitos.
366
—Os melhores, — prometeu Henry. Um momento se passou, ela o olhou
com aqueles olhos antigos dela, como se ela pudesse ver através dele. Como se
ela sabia exatamente quem e o que ele era.
— Por que você está aqui? — Disse ela sem preâmbulos, Henry hesitou. Ela
sabia de tudo? Ou ela estava simplesmente perguntando sobre seus pais?
—Ótimo. Todo mundo precisa de uma família. — Ela abraçou seu braço e
arrastou-o a seus pés, surpreendentemente forte para uma menina tão pequena.
—Vamos, eu vou te mostrar a minha boneca.
Com a mesma paciência que Diana havia mostrado a ele apenas minutos
antes, Henry deixou-a puxá-lo para fora. Era estranho, não importava a sua
idade, ele nunca poderia ver-se amar qualquer outra pessoa do jeito que ele
amava Persephone. Mas, talvez, ser amigos não seria uma coisa tão ruim, afinal.
***
No décimo oitavo aniversário de Ingrid, ele lhe contou quem ele era.
Depois de onze anos, ao seu lado, ele a conhecia melhor do que ele se
conhecia, ele sabia que ela iria chorar. Ele sabia que ela ficaria confusa e faria
mais perguntas do que ele poderia responder.
Apesar de sua decepção, de alguma forma, ela tomou sua mão, beijou sua
bochecha e pediu para ver o Submundo. Para ele mostrar o seu mundo e tudo o
que ele já tinha conhecido antes de conhece-la. No começo, ele tinha sido tentado
367
a cumprir, mas ele nunca trouxe uma vida mortal lá antes e uma parte
fundamental dele se recusou.
E assim, ele pensou, seria ele. A amizade deles era apenas isso, talvez para
Ingrid fosse mais, mas ele ainda não tinha levado ela como uma verdadeira
esposa. Ele a amava muito, mais do que ele tinha amado alguém desde
Persephone, mas foi um amor platônico. E se ela aceitou ou não, ele nunca
conseguiu ter certeza.
— Bem, é claro que não é, — disse ela revirando os olhos. —Você não me
sequestrou depois de tudo.
368
—Você realmente não sabe, não é? — Ingrid tirou as mãos e sentou-se no
banco mais próximo e na brisa morna, ela lhe contou tudo o que sabia sobre o
mito de Persephone. E quanto mais ela falava, Henry mais percebia que
realmente não era nada mais do que um mito dito ao lado de nenhuma verdade.
Era realmente o que o mundo pensava dele? O que Ingrid pensava dele?
Uma vez que ela terminou, ele lhe disse a verdadeira história, cada
momento passado doloroso do mesmo. De concordar com o casamento arranjado,
sua noite de casamento desastroso, os casos de Persephone. Especialmente com
James.
E ao invés de fazer uma pergunta após outra, como ela sempre fazia, Ingrid
permaneceu quieta. Ele nunca disse a ninguém antes, não assim, não como se
fosse uma história antiga. Um pequeno pedaço de sua carga foi embora com cada
palavra que ele falava, e quando terminou, ele sentia-se estranhamente vazio.
Não curado, mas como se houvesse espaço para mais nada agora.
— Eu tenho medo que eu trouxe isso sobre mim, — ele disse com um
pequeno sorriso triste e Ingrid furiosamente balançou a cabeça.
—Você é louco. É claro que não é culpa sua. Você era tão vítima quanto ela,
e você - você não fez nada de errado. Ela é a única que quebrou seu coração.
— Não, sua mãe a obrigou a se casar. Você fez tudo que podia para fazer
uma situação terrível ser habitável para ambos. — Ela se aproximou mais a ele
no banco, sua mão deslizando para cima de seu braço para seu ombro. — Eu
entendo por que você não me ama do jeito que eu quero que ame, e eu nunca vou
pressionar você, eu prometo. Mas faça um favor e pelo menos tente seguir em
369
frente, ok? Mesmo se nós formos sempre apenas amigos, podemos ser felizes.
Muito, muito felizes.
—O vestido mais bonito que você pode pensar, — ele prometeu, beijando os
nós dos dedos. —Você pode ter o que quiser.
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ele uma vez queria ter sido com Persephone, mas Ingrid era todas as coisas
nunca foi Persephone. E Henry sabia exatamente como ele era sortudo por ter
encontrado ela.
Bateu em sua porta, ele esperou, esperando que ela estivesse dando os
últimos retoques em seu cabelo. Ela não chegaria tarde, depois de tudo, não para
seu próprio casamento. Mas, quando os segundos passavam sem resposta, bateu
novamente.
Silêncio.
Abrindo a porta, ele não sabia o que esperava. Ingrid sentada na cama,
talvez, atingida pela ansiedade. Ou com grampos em sua boca, dando os últimos
retoques em seu cabelo.
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O que ele não esperava era vê-la caída no chão, perdida nas camadas de
seu vestido amarelo. E com a cabeça sangrando.
— Quem fez isso? — Voz de Walter retumbou por trás de Henry, mas ele
não se virou para ele. Ele não podia se mover.
— Eu não sei. Talvez ela caiu, — disse Diana com força, mas mesmo que
ela disse isso, Henry ouviu a dúvida em sua voz. Nem ela acreditou.
Quando ela colocou a mão em seu ombro, ele deu de ombros. Isso foi culpa
dele - se ele não tivesse deixado Diana convencê-lo a fazer isso, se ele tivesse
acabado com isso e desaparecido quando ele queria Ingrid ainda estaria viva. Ela
iria envelhecer, ela teria filhos e ela teria uma vida plena e satisfatória. Mas
porque ela teve a infelicidade de conhecê-lo, ela era nada mais do que um corpo
sem vida agora.
372
Calliope ajoelhou-se ao lado dele, seus olhos enormes quando ela apertou
as mãos entre os joelhos. — Henry, — ela sussurrou, mas ele não podia suportar
a pena em sua voz. Eles estavam todos lá agora, todo o conselho a vê-lo, alguns
horrorizados e outros severamente neutros.
— Saiam, — disse ele com voz rouca. — Eu não vou ter mais disso.
— Por favor, vá, — ele sussurrou, balançando o corpo de Ingrid para frente
e para trás. Diana tocou seu rosto, seus olhos vermelhos.
— Eu não quero outra garota. — Sua voz falhou e ele se virou para ela,
enterrando o rosto no cabelo de Ingrid. Ela estava mais fria a cada segundo.
— Eu não vou arriscar outra vida, — ele disse e ela respirou fundo,
soltando-o lentamente.
— Não.
Ela respirou. — Essas são as suas escolhas, Henry. Você pode permitir que
eu escolha uma outra menina, e nós faremos o nosso melhor para protegê-la,
373
agora que sabemos que há uma ameaça, ou eu vou ter outra filha. Cabe a você
decidir.
Ele balançou a cabeça, enquanto as lágrimas escorriam pelo seu rosto. Ela
não entendia. Como ela poderia, quando seu objetivo era mantê-lo nesse inferno
de uma existência? — Eu desejo desaparecer.
— Sinto muito, irmão, mas você nos deu uma centena de anos, — ela disse
em uma voz suave, colocando a mão sobre a dele. — Nós todos te amamos
demais para desistir.
Diana engoliu, crescendo quieta por uma fração de segundo. — E você vai
me permitir escolher outra garota, não só para que possamos encontrar uma
companheira, mas para que possamos expulsar o assassino e levá-lo à justiça.
Você deve a isso Ingrid.
A faca que as palavras dela formaram enterrou dentro dele como uma faca,
tornando-se tão parte dele como sua própria essência. E quando ela se levantou e
foi embora, ele sabia que ela estava certa. Ele devia a Ingrid tudo, mesmo que
isso significasse perder-se no processo.
***
Onze meninas.
Foi assim que ele perdeu muitas. Depois de Ingrid, foi Charlotte, após ela
Maria. E assim por diante e assim por diante, já que cada nome e rosto marcou
outra parte dele até que não havia mais nada dentro dele, além de culpa e
miséria.
374
Algumas meninas ficaram apenas alguns dias. Outras, semanas e as piores
mortes foram as que ficaram por meses, que veio tão perto da metade do caminho
que ele quase o deixou ter esperança. Mas não importa o quão bem elas estavam
protegidas, não importa que medidas de segurança ele implementassem, elas
sempre apareciam mortas. Algumas eram claramente assassinadas, outras eram
questionáveis, sem sinais visíveis de luta ou ataque. Diana, Walter e outros
membros de sua família estavam certos de que tinham rachado sob a pressão dos
testes, os quais nunca haviam sido destinados para os mortais. Henry não tinha
tanta certeza.
Henry ficou tenso ao ouvir o som da voz dela e desviou os olhos do corpo
sem vida na cama tempo suficiente para olhar para ela. Diana estava na porta,
um farol de calma no meio da tempestade que foi a sua existência, mas mesmo a
presença dela não ajudava a controlar seu temperamento.
—Afogada, — disse Henry com voz grossa, voltando-se para o corpo sobre a
cama. — Eu a encontrei flutuando no rio esta manhã.
Ele não ouviu seu movimento em direção a ele, mas ele sentiu a mão em
seu ombro. — E nós ainda não sabemos...?
— Não. — Sua voz foi mais acentuada do que ele pretendia e forçou-se a
amolecer. — Não há testemunhas, não há pegadas, não há vestígios de nada para
indicar que ela pulou no rio porque não queria.
375
— Talvez ela quisesse, — disse Diana. — Talvez tenha sido um acidente.
—Ou talvez alguém fez isso com ela. — Ele virou para longe dela, andando
o comprimento da sala, na tentativa de chegar o mais longe possível do corpo. Ele
não tinha conhecido Bethany quase tanto quanto ele conhecia Ingrid, mas a dor
ainda deslizou por seu corpo, sufocando a vida fora dele. —Onze meninas em 80
anos. Não me diga que isso foi um acidente.
— Ela nunca teria visto de qualquer maneira se ela tivesse sido a única.
Fúria levantou-se dentro dele e ameaçou romper a bolha, mas quando ele
olhou para ela e viu compaixão em seus olhos, sua raiva foi drenada.
— Ela deveria ter passado, — disse ele firmemente. — Ela deveria ter vivido.
Eu pensei-
— Eu estou farto.
376
Suas palavras ecoavam na sala quando ela parou ao lado dele, a respiração
dela de repente irregular e desigual. Nos vários segundos que levou para ela
responder, ele considerou levá-lo de volta, prometendo que iria tentar novamente
como havia feito tantas vezes antes, mas ele não poderia encontrar em si mesmo
para fazer isso. Muitas já tinham morrido e ela sabia disso. Ele parou de lutar
depois de cada morte, a sua sede de justiça cada vez mais forte com cada alma
que ele tinha para passar através do Submundo, mas desta vez foi diferente.
Desta vez, ele quis dizer isso.
— E eu não vou deixar você desaparecer, não assim. Se eu não tenho algo a
dizer sobre isso.
Ele fez uma careta. — E o que você vai fazer? Encontrar outra garota que
está disposta? Trazer outra candidata para a mansão a cada ano até que uma
passe? Até que uma passe o Natal?
Ele olhou para longe. — Eu já disse que não. Nós não estamos falando
sobre isso novamente.
377
— E eu não vou deixar você ir sem uma luta, — disse ela. — Ninguém mais
poderia substituí-lo, não importa o que o Conselho diga, eu te amo demais para
deixá-lo desistir. Você não está me deixando outra escolha.
Henry se afastou dela, lutando para manter-se junto. — Sem grande perda
aí.
Ele piscou, surpreso pela intensidade de sua voz. Quando ele abriu a boca
para replicar, ela o parou antes que ele pudesse falar.
— Ela vai ter uma escolha, você sabe disso tão bem quanto eu, mas não
importa o que aconteça, ela não vai se tornar isso, eu prometo. — Diana fez um
gesto em direção ao corpo. — Ela vai ser jovem, mas ela não vai ser tola.
Henry fechou os olhos, sabendo que ele não podia lutar contra isso agora,
não se o conselho concordou. Ele tentou imaginar como que a menina poderia
parecer, mas cada vez que ele tentou formar uma imagem, a memória de uma
outra face ficou no caminho.
— Porque eu sei que você pode, — disse ela, — E eu sei que os erros que
cometi antes. Eu não vou repeti-los novamente.
Ele suspirou, sua determinação ruiu quando ela olhou para ele,
silenciosamente implorando. Era apenas 20 anos, ele poderia fazer isso, até
então, se isso significasse não machucá-la mais do que já tinha. E desta vez, ele
pensou, olhando para o corpo sobre a cama, mais uma vez, ele não repetiria os
mesmos erros, também.
— Eu vou sentir sua falta quando você se for, — disse ele e os ombros dela
caíram com alívio. — Mas esta é a última. Se ela falhar, eu vou desaparecer.
379
Ele acenou com a cabeça e ela soltou. Enquanto caminhava para a porta,
ela também olhou para a cama e ele jurou a si mesmo que isso nunca iria
acontecer novamente. Não importa o que ele tivesse que passar ou não, esta
viveria.
— Isso não é sua culpa, — disse ele, as palavras caíram fora antes que ele
pudesse se conter. —O que aconteceu - eu que permiti. Você não é a culpada.
Ela fez uma pausa, emoldurada no vão da porta e lhe deu um sorriso triste.
— Sim, eu fui.
***
380
Kate
Enquanto Diana tinha tomado uma vida mortal para criar sua filha, o
conselho nunca esteve longe, vigiando Kate como se ela fosse a salvação deles.
Embora eles nunca falassem diretamente para Henry, a seu pedido, ele pegou
trechos de conversa sobre o seu progresso. Sobre a forma como o seu nascimento
tinha sido; seu primeiro dia de escola; sobre como Diana foi viver entre os
mortais, misturando-se como se tivesse sido sempre um deles. E, apesar de sua
distância, mesmo ele poderia dizer como elas eram felizes juntos. Diana
finalmente teve a vida que merecia, e ele não poderia ter sido mais feliz por ela.
Mas tão satisfeito como ele era que ela tinha finalmente transformado sua
angústia sobre Persephone, não podia ignorar o fato de que um dia, em breve, ele
tomaria a felicidade dela, também. E quanto mais perto eles chegavam, quanto
mais pensava sobre isso e quanto mais pensava sobre isso, mais ele implorou
para Diana deixá-lo ir. Dar à filha uma vida que merecia, uma onde ela pudesse
escolher seu destino. Mas não importava como ele protestasse, Diana insistiu
repetidas vezes que Kate teria uma escolha, que ela seria a única a escolher estar
com ele, e se ela não quisesse tentar, então ela estaria livre para viver sua própria
vida.
Henry sabia melhor que ninguém. Mesmo que Kate dissesse que não,
quando ela tivesse idade, o conselho iria encontrar uma maneira de manipulá-la
para ele, e esse pensamento a faria seguir os passos de sua irmã. Mas a sorte
estava lançada e seu destino foi selado. Ela seria o número 12.
—Você deveria ir vê-la, — disse James, uma noite enquanto Henry sentava
em seu escritório com a Cerberus adormecida em seus pés.
381
Henry levantou uma sobrancelha e olhou para ele. — E você não deveria
estar aqui.
James deu de ombros. —Vai ser meu reino logo de qualquer maneira, então
eu não vejo por que isso é importante.
— Bem, sim. A menos que você ache que isso vai funcionar.
Henry estava quieto. Ele esperava que fosse funcionar, mas no fundo de
sua mente, em um lugar que ele raramente se permitiu visitar, ele sabia que não
iria. Eles tinham feito tudo o que podiam ter feito para proteger Bethany, ele não
poderia ver o que seria diferente sobre Kate. — Por que você está aqui, James?
— Para ter certeza que você tenha a chance que eu não tive, — disse ele,
enfiando as mãos nos bolsos. — Mesmo se algo acontecer a Kate, ela é uma
criança grande. E você é um idiota se você perder mais tempo evitando.
—Como você se atreve a abrir mão de Kate antes que ela tenha a chance de
tentar. — James ergueu-se em toda sua estatura. — Ela é mais forte do que você
sabe, e se ela crê nisso, como você acha que ela vai se sentir, sabendo que você
passou a primeira parte de sua vida, de modo a ter certeza que ela ia morrer que
você não poderia sequer se preocupar em conhecê-la?
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— Eu não sou um covarde. — Henry levantou-se, cavando as pontas dos
dedos na madeira dura de sua mesa. — Eu vi 11 meninas morrerem por minha
causa, e cada uma delas machucou tanto quanto a anterior. Eu não gosto da
ideia da filha de Diana seguir o mesmo destino de vítima por minha causa.
— Então, faça algo sobre isso. Guie-a. Protege-a. Ajude-a. Não se esconda
aqui agindo como se ela não existisse, — disse James, por um momento sua voz
engasgou. Eles não estavam apenas a falar de Kate mais, mas qualquer remorso
que Henry sentiu de mantê-lo de sua amiga há tantos anos atrás. — Mesmo se
algo acontecer a ela aprecie o tempo que você teve com ela. Não a ignore na
esperança de que vai doer menos. Nós dois sabemos que não vai.
Henry apertou a mandíbula. —Você não tem direito de me dizer o que fazer.
—É seu sétimo aniversário hoje, — disse ele. — Eu não estou dizendo que
você deve ficar com ela como você ficou com Ingrid, mas estou dizendo que não
faria mal se você fosse vê-la. Diana apreciaria. Depois de tudo o que ela está
fazendo por você-
383
Com isso, ele virou-se e saiu do escritório de Henry, deixando-o em uma
nuvem de auto ódio e incerteza. Realmente iria machuca-lo para vê-la? Ela era
uma criança, sim, mas ele não tinha sentimentos por ela que não fosse o desejo
irresistível de protegê-la dos danos. Como ele poderia fazer isso quando ele não
sabia mesmo como ela se parecia? E se James estivesse certo, se ela questionar a
sua crença quando ela for velha o suficiente para saber quem ela realmente era...
Ele estava a meio caminho da superfície, antes que tivesse tomado uma
decisão consciente. O sol quente atingiu seu rosto quando ele apareceu no Sheep
Meadow, e aos seus pés, Cerberus sacudiu a melancolia do Submundo.
Cerberus soltou um latido forte e antes que Henry pudesse criar uma
coleira, ele decolou. Xingando, Henry seguiu, zanzando entre pequenos grupos de
pessoas que aproveitavam o sol de final de verão. Ninguém parecia muito
chateado com a visão de um cachorro enorme correndo no meio da multidão
seguido por um homem vestido de preto. Então, novamente, estava em Nova
York.
384
Ele parou congelado. Sentada sobre o cobertor entre as ruínas do que uma
vez tinha sido uma festa pequena estava Diana. E ao lado dela, rindo com
Cerberus fungando em seu cabelo, tinha uma menina.
Kate.
Seu cabelo castanho pendurado em uma trança solta pelas costas, e seus
olhos azuis e o punhado de sardas no nariz lembrou tanto de Persephone que por
um momento, ele realmente estava sem fôlego. Se Diana tinha feito isso de
propósito ou não, ele não sabia, mas recriou a filha que ela tinha perdido. Mas
havia algo sobre ela, algo que ele não poderia descrever - algo tão
fundamentalmente diferente de sua irmã que, no espaço de um simples piscar de
olhos, Persephone desapareceu de sua mente completamente.
Kate não parecia estar de todo chateada pelo fato de que seu piquenique de
aniversário tinha sido destruído por um cão que tinha três vezes o tamanho dela.
Ela deu a Cerberus um beijo no nariz e virou para olhar para Henry, seus olhos
encontrando os dele. Ele congelou.
Ela podia ter dezessete anos, mas havia algo de eterno em seu olhar. Como
se ela pudesse ver todos os seus pensamentos, suas esperanças, seus medos, sua
dor em um único olhar. Como se entendesse cada momento que ele tivesse
existido. Ela pode ser mortal, mas ela era, sem dúvida, a filha de deuses.
— Está tudo bem, — disse Diana, sua voz mais quente e mais completa do
que ele tinha ouvido em eras. — Parece que ele conseguiu perder os cupcakes.
385
realmente. Nós vamos pegar uns cachorros-quentes em nosso caminho para fora
do parque.
— Pelo menos me deixe pagar por eles, — disse ele, porque qualquer mortal
teria insistido no mesmo, mas Diana balançou a cabeça.
— Se você quiser ajudar, você poderia tirar algumas fotos para nós, — disse
ela, oferecendo-lhe uma câmera. — Elas nunca ficam boas o bastante quando eu
as tiro.
Henry pegou a câmera, um tipo moderno que sentia mais leve em suas
mãos do que ele esperava. —É claro, — disse ele, e olhou através da lente. Mesmo
agora, Kate se destacou como um farol para ele, como se ela fosse a única chama
em um mundo de escuridão.
Ele iria protegê-la. Ele mataria por ela. Ele iria desaparecer por ela, se é
isso que ele tivesse que fazer para se certificar de que ela tivesse a vida que ela
merecia. E mesmo que ele nunca a amou da maneira que Diana queria que ele
amasse, ele ainda lhe mostraria o carinho e respeito que merecia.
—Aqui, — ele disse mais ou menos assim que ele tinha levado um rolo
inteiro de filme. —Você tem um olhar deslumbrante.
Kate sorriu e tentou lamber o glacê púrpuro que tinha de alguma forma
acabado no nariz. —Você é engraçado, — disse ela, fixando aquele olhar infinito
sobre ele. — Mamãe, ele pode comer o cachorro-quente com a gente?
Diana olhou para ele, e ele hesitou. Ele não queria nada mais do que
passar mais tempo com elas, mas para quê? Ela era uma menina. Não faria
nenhum bem para qualquer um deles, fazer amizade com ela agora, como um
adulto. E ele servi-la melhor, protegendo-a de longe.
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—Obrigado, — disse ele e entregou a câmera de volta para Diana. — Mas
eu tenho que estar em um lugar. Foi um prazer conhecê-la. E feliz aniversário,
Kate. Desejo-lhe um número infinito mais de aniversários.
No momento em que pôs os olhos sobre o que estava por baixo, no entanto,
toda a questão do remetente voou para fora de sua cabeça. Aninhado em papel de
seda lavanda estava uma imagem em preto e branco de Diana e Kate, ambas
comendo e rindo juntas no Central Park. Diana deve ter sido a única a enquadrar
a imagem, que brilhava a luz das velas, uma reflexão em formação. Tudo o que
precisava era ele.
Tinha sido um longo tempo desde que ele tinha feito uma reflexão - de uma
imagem que era mais um desejo do que realidade. Mas, para ele, isto era ambos.
Nela, ele viu o seu futuro; uma vida que ele um dia poderia ter, se ele lutasse
duro o suficiente por ela. Se ele protegesse Kate. Se, quando chegasse a hora, ele
desse uma razão para ela escolhê-lo.
Ele enfiou a imagem no bolso e tomou fôlego. Até então, não era algo que
ele tinha que fazer.
***
387
Henry passasse grande parte dos últimos mil anos o evitando a todo custo, ele
ofereceu a James sua mão.
—Confie em mim.
James olhou para ele e enquanto Henry não poderia culpá-lo por sua
incerteza, ele foi rapidamente perdendo a paciência.
— Se eu fosse fazer algo terrível para você, eu teria feito isso há séculos, —
disse Henry. —Agora, vamos. Não temos o dia todo.
Enfim James pegou a mão dele, e no momento que fez isso, Henry
empurrou ambos através do espaço, como areia movediça entre a antecâmara e
onde ele queria estar. Nunca foi uma viagem agradável quando ele estava
arrastando alguém com ele através de uma distância tão grande, mas pelo menos
James sabia melhor do que lutar contra isso.
— Eu percebo que não temos sido tão próximos como nós éramos, e eu
temo que não é simplesmente a história entre nós para sempre permitir que as
coisas sejam fáceis mais uma vez. Mas ainda somos uma família, e... — Ele fez
uma pausa. — Foi cruel de minha parte manter isso de você, não importa o
passado. Todo mundo merece a felicidade, mesmo que só possa ser encontrado
entre os mortos. Enquanto eu não posso prometer que sempre estarei em terreno
estável, vou tomar medidas para garantir que você possa vir visita-la sempre que
quiser.
James o olhou boquiaberto, sem palavras e Henry fez uma careta. Ele
odiava aquele olhar. Como se fosse tão chocante que ele fizesse algo amável.
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—Vá, — disse ele. — Eu vou estar aqui quando você terminar.
— Eu não posso- — James hesitou e sem aviso, ele pulou para frente para
capturar Henry em um abraço. —Obrigado.
Fazia muito tempo desde que qualquer membro da sua família ousou tocá-
lo de tal forma e Henry desajeitadamente deu-lhe um tapinha nas costas. —De
nada. Agora vá, antes que eu mude de ideia.
James virou em uma sala cheia de sol e embora não pudesse ter sido
natural, uma árvore cresceu no meio do chão de pedra. Henry ficou na porta
quando James se aproximou de uma menina de cabelos escuros, que se sentou
embaixo dos ramos pendurados. Ela comia uma maçã e falava em voz baixa com
uma mulher que se parecia com ela muito perto de ser sua mãe, embora no
instante em que notou James, ela iluminou.
— Tuck, — ele respirou, olhando para ela como se fosse a coisa mais bonita
que ele já tinha visto. Havia algo de triste com a maneira como ele murmurou seu
nome, algo que lembrou Henry demais de si mesmo. Às vezes era difícil de
lembrar que ele não foi o único a sentir dor.
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um longo momento, murmurando coisas que Henry não podia ouvir e ele desviou
o olhar. Ele teria dado qualquer coisa para ter isso. Tudo.
Por fim, eles se separaram e Tuck olhou para ele com os olhos brilhando.
Ela claramente o adorava. — Esta é a minha mãe, — disse ela. — Mãe, este é
James, o menino que eu estava falando.
—É claro que ela é, — disse a mulher, rindo. — E pelo que ela me disse
você não é muito ruim.
Os três conversaram por mais alguns momentos, e por fim James tirou algo
do bolso. — Eu estive segurando isso para você, — disse ele, e ofereceu um
pequeno pingente a Tuck. — Pensei que você gostaria de tê-lo.
Ela pegou o colar com as mãos trêmulas. —Você ficou com ele todo esse
tempo?
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Ele perdeu tudo o que tinha importância para ele, mas quando ele ouviu os
sons de risos de James e Tuck, uma certeza estranha caiu sobre ele. Se de
alguma forma Kate tivesse sucesso onde as outras falharam - se ela escolhesse
dar a ele uma segunda chance - então isso seria apenas o começo. Sua existência
pareceu uma eternidade, e de muitas maneiras que tinha sido. Mas talvez ela
finalmente permitisse que ele fechasse o livro sobre o pior capítulo de sua vida. E
talvez ela fosse o início dos dias melhores.
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