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EDUCAÇÃO MUSICAL
Áureo DeFreitas
aureo_freitas@yahoo.com
Bolsista CnPQ
joaopaulonobre@gmail.com
Letícia SILVA
lethitiasilva@gmail.com
Allana VILHENA
lanapsic@gmail.com
Resumo
Dislexia de desenvolvimento: intervenção a partir da educação musical
A aprendizagem do ponto de vista construtivista, é a tomada de consciência da relação
entre a coordenação e a ação. O aprendizado da leitura e escrita, envolve múltiplas
variáveis, consistindo em um processo altamente complexo, que relacionam aspectos
neurológicos, sensoriais, psicológicos, sócio-culturais, socioeconômicos e educacionais.
Deficiências em um destes aspectos podem refletir em distúrbios da aprendizagem. A é
um destes distúrbios e se caracteriza por dificuldades específicas na realização da leitura
e da escrita. A revisão da literatura foi realizada de forma eletrônica, nas Bases de
Dados Scielo, BIREME, PsicInfo, MedLine e LILACS, utilizando-se os descritores:
“dislexia”, “educação musical”, “psicologia”, “crianças”, e “aprendizagem”. Observa-se
com estes resultados obtidos a atenção especial nos artigos para o levantamento acerca
da possível etiologia da dislexia, a interação entre variáveis orgânicas (neuroanatômicas)
e ambientais (estimulação pedagógica).
Abstract
INTRODUÇÃO
A aprendizagem e o desenvolvimento da linguagem são abordados por diferentes
correntes científicas. Do ponto de vista construtivista, a aprendizagem é a tomada de
consciência da relação entre a coordenação e a ação, que em uma linguagem
comportamental seria a discriminação da relação funcional entre a regra e a resposta
(NEGRÃO, MIYAGAWA & SILVA, 2000). Segundo Schimer & cols. (2004) a
aprendizagem é propiciada por uma história individual, tendo como estrutura um
aparato biológico, que é disparado a partir do contato com variáveis ambientais
específicas. Mansur & Senaha (1996) afirmam que no aprendizado específico de leitura
e escrita, há a inter-relação de um conjunto de variáveis internas e externas que atuam
no processo de simbolização e domínio da linguagem.
Jakubovicz & Cupello (1996) afirmam que a fala pré-estabelece a elaboração de
um pensamento pré-linguístico, envolvendo um funcionamento cognitivo complexo,
que envolve funcionamento adequado de áreas específicas da anatomia cerebral em
consonância com variáveis ambientais. No estabelecimento da fala, inicialmente há a
seleção de signos lingüísticos (a palavra), que são ferramentas de expressão do peno, em
um segundo momento desse processo há a seleção de padrões sensório – motores
correspondentes a articulação verbal (ROCHA, 1996 citado por NEGRÃO,
MIYAGAWA & SILVA, 2000).
A aprendizagem, portanto, é um processo que envolve múltiplas variáveis, e no
caso da leitura, processo altamente complexo, envolvem-se aspectos neurológicos,
sensoriais, psicológicos, sócio-culturais, socioeconômicos e educacionais (PESTUN,
CIASCA & GONÇALVES, 2001). Deficiências em um destes aspectos podem refletir
em distúrbios da aprendizagem, e um dos mais freqüentes na população em idade pré-
escolar é a dislexia, uma disfunção do sistema nervoso central, caracterizada por
dificuldade na aquisição ou no uso da leitura e/ou escrita. Estima-se que afete em torno
de 5 a 10% de escolares, acometendo crianças sem déficit cognitivo ou sensorial,
expostas a instruções educacionais supostamente adequadas, e sem problemas físicos ou
emocionais significativos (GERBER, 1996; CAPELLINI, 2001; CIASCA, CAPELLINI
& TONELLOTO, 2003).
Sendo considerada uma alteração de aprendizagem, a dislexia caracteriza-se por
dificuldades específicas na realização da leitura e da escrita, havendo, de maneira geral,
dois tipos de dislexia: (a) dislexia de desenvolvimento, relacionada a alterações no
aprendizado, com referência ao modelo de ensino, ou seja, o ambiente é determinante na
dislexia do desenvolvimento, nesse caso ocorre a dificuldade no aprendizado de escrita
e leitura, associada à disfunção cerebral e (b) dislexia, adquirida, que é originada a partir
de lesões no cérebro (MCCANDLISS & NOBLE, 2003 CITADOS POR SCHIMER,
FONTOURA & NUNES, 2004).
Na dislexia do desenvolvimento temos como fatores determinantes: déficit
cognitivo, fatores neurológicos (neuroanatômicos e neurofisiológicos), prematuridade e
baixo peso ao nascimento, influências genéticas e ambientais. No entanto, fatores
externos (ambientais) devem ser considerados, já que aspectos como instrução
inadequada, distúrbios emocionais e pobreza de estímulos na infância podem interferir
negativamente no desenvolvimento neurológico e cognitivo, sendo descritos na
literatura como precedentes de distúrbios da aprendizagem como a dislexia.
(PINHEIRO, 1995; LANDRY, SMITH & SWANK, 2002; SCHOT, LICHT &
HORSLEY, 2002).
Uma outra classificação para a dislexia a caracteriza como central, na qual há
alterações no processo de conversão da ortografia para fonologia e periférica, quando
ocorre o comprometimento do sistema de análise visuo-perceptiva para leitura,
refletindo em uma compreensão deficitária do material lido. Entre as dislexias centrais,
destacam-se a fonológica, a de superfície e a profunda; e entre as dislexias periféricas, a
dislexia atencional, a por negligência e a literal (CAPELLINI & COLS., 2000).
Apesar da vasta literatura acerca da dislexia, não está claramente definido qual o
modelo ideal de intervenção. O que parece ser consenso entre pesquisadores é que a
formação de uma equipe multidisciplinar na atenção ao portador de dislexia pode ser
muito eficiente, tanto na identificação do transtorno e nível de comprometimento das
habilidades de leitura e escrita, quanto na identificação de um modelo de intervenção
adequado a cada caso, dadas às especificidades da história de desenvolvimento de cada
indivíduo (PESTUN, CIASCA & GONÇALVES, 2002).
A necessidade de estabelecer novas diretrizes de intervenção em portadores de
dislexia suscita a adoção de estratégias em níveis que ultrapassem os da escola regular.
Já se sabe que para minimizar as dificuldades de aprendizagem do disléxico, é
necessário que se ative todo o seu sistema sensorial. O processo de aprendizagem é
reconhecidamente um processo neurocognitivo. A estimulação sensorial é então uma
ferramenta eficaz para sublimar déficits cognitivos e também para estimular a
participação em atividades programadas sem que isso seja uma experiência traumática
para o disléxico, visto que as dificuldades que ele enfrenta no processo de
aprendizagem, têm conseqüências emocionais, por vezes severas (ESTILL, 2004).
É com este foco nas possíveis modificações na plasticidade cerebral que a
atividade musical pode ser uma ferramenta bastante eficaz na intervenção em disléxicos.
Andrade (2004) tratou das bases neurológicas da música, evidenciando a alta
complexidade do sistema sensorial e do funcionamento cerebral, de forma geral, durante
a atividade musical. Foram revelados a partir de exames de neuroimagem, o
compartilhamento de áreas do cérebro entre as atividades relacionadas à linguagem e a
atividade musical, sendo que a esta última ativa uma área mais complexa que a da fala
(KOELSCH, 2002 citado por ANDRADE, 2004).
Com isso, é possível que distúrbios que se originam de deficiências no
desenvolvimento da fala, como a dislexia, podem interferir no processo de aprendizado
musical. Por outro lado, se a atividade musical abarca uma área mais ampla do cérebro,
circundando a área responsável pela fala, pode se investigar os efeitos da atividade
musical contínua no processo de desenvolvimento da linguagem (DEFREITAS &
COLS., 2008).
A atividade musical poderia agir em comportamentos não específicos dos
disléxicos, mas sim, naqueles que são conseqüências do distúrbio, como a atenção, por
exemplo. As investigações nesta área são recentes e ainda não há indícios concretos dos
benefícios da atividade musical em portadores de condições educacionais especiais. No
entanto pesquisadores investigando a influência da qualidade da instrução identificaram
a seqüência padrão completa e correta de instrução do professor e a adoção de
comportamentos não verbais adequados pelo professor como determinantes para manter
a atenção do aluno durante a aula, atuando como variáveis ambientais facilitadoras no
processo de aprendizagem do disléxico (PRICE & YARBROUGH, 1991; 1991;
WEEKS, 1991; YARBROUGH & HENDEL, 1993; YARBROUGH, PRICE, &
HENDEL, 1994; MADSEN, 2003; DEFREITAS, 2005).
Assim, com este estudo objetiva-se realizar a revisão sistemática da literatura
acerca do tema dislexia, educação musical, e psicologia, identificado, caso haja, as
metodologias que são utilizadas nas intervenções e os principais instrumentos de
avaliação da dislexia. Visto que este grupo de pesquisa tem por objetivo a
implementação de turmas de alunos com dislexia no Programa Cordas da Amazônia
(PCA) da Escola de Música da Universidade Federal do Pará (EMUFPA).
METODOLOGIA
RESULTADOS
Foram encontrados 187 artigos, sendo recuperados 30, que foram lidos e
analisados a partir dos critérios já mencionados. Feita a análise, foram utilizados 20
artigos. Optou-se por incluir artigos que foram desenvolvidos por outras especialidades
da área da educação, educação musical, psicologia e saúde, mesmo que não estivesse
fazendo a relação entre a educação musical e a dislexia, isto porque se notou a
deficiência de produção literária envolvendo este tema. Os 20 artigos selecionados
foram divididos em duas categorias: a) Estudos empíricos, e b) Estudos teóricos.
Estudos Empíricos
Dislexia
A dislexia é um transtorno de leitura, caracterizado por um funcionamento
deficiente do cérebro para o processamento da linguagem; um déficit lingüístico, e mais
especificamente uma falta de habilidade no nível fonológico, resultando em dificuldade
específica para aprendizagem da leitura e para reconhecer, soletrar e decodificar
palavras. Isso, considerando a ausência de problemas visuais, auditivos, emocionais,
distúrbios neurológicos ou dificuldades socioeconômicas (ALMEIDA, 2002; CIASCA,
2004; MOUSINHO, 2004; SIXEL, 2004).
Além disso, é necessário diferenciar seu diagnóstico do que é conhecido como
dificuldade de aprendizagem, que tem sua origem em fatores ambientais (métodos de
ensino inadequados, ambiente educacional desprivilegiado, professores sem treinamento
adequado) e não congênitos como na dislexia (Mousinho, 2004).
O acompanhamento do desenvolvimento cognitivo da criança pode auxiliar no
diagnóstico e no estabelecimento de estratégias de intervenção junto ao disléxico. No
entanto o desenvolvimento global da criança com dislexia proporciona indícios bem
mais simples para a identificação do distúrbio. Indicadores como: atraso de linguagem,
dificuldade em nomeação, dificuldade na aprendizagem de música com rimas, palavras
pronunciadas incorretamente, persistência de fala infantilizada, dificuldade em aprender
e se lembrar dos nomes das letras, falha em entender que palavras podem ser divididas
(sílabas e sons), dificuldade de alfabetização (ALMEIDA, 2002; CIASCA, 2004,
MOUSINHO, 2004; SIXEL, 2004).
A música é descrita na história como um meio eficaz de coesão social, mas além
disso, ela tem um forte envolvimento em nível neurológico, isto é, o aprendizado ou
desenvolvimento musical é capaz de provocar alterações na morfologia cerebral,
favorecendo a aquisição de habilidades que foram prejudicadas por intercorrências no
desenvolvimento. Dessa forma é possível fazer a relação entre a música como estímulo
ambiental e o desenvolvimento cognitivo (ANDRADE, 2004).
Alguns pesquisadores sugerem haver uma relação entre distúrbios do
desenvolvimento da linguagem e aprendizagem e deficiências relacionadas à
aprendizagem da música, isto porque ambas envolvem áreas comuns no cérebro. Em
testes envolvendo músicos e não-músicos, observou-se o aumento na plasticidade
cerebral no primeiro grupo, e ainda, o melhor desempenho destes em teste matemáticos
e de desempenho lingüístico. Estes resultados revelam a possibilidade da utilização da
música em intervenções com indivíduos com disfasia, discalculia e dislexia. Dado o
envolvimento da linguagem e a música em áreas comuns no cérebro, presume-se que
uma deficiência na linguagem pode ser solucionada ou amenizada pelo uso da música
como ferramenta e vice-versa (PLATEL & COLS., 1997; NAKAMURA & COLS.,
1999 citados por ANDRADE, 2004).
A leitura é um processo gradual não natural. Esta não pode reservar-se apenas a
análise, pois envolve aspectos mais complexos como compreender, interpretar,
estabelecer relações, e realizar inferências. Esta premissa adequa-se também em relação
à leitura fundamentada apenas na construção que acarreta problemas como adivinhação
de palavras e pouca habilidade para manipulação dos elementos menores das palavras.
Ressalta-se que estas deficiências não são exclusivas da leitura e ocorrem também na
linguagem oral com freqüência. A base relacionada à leitura fundamentada é o ponto
culminante que leva o indivíduo com dislexia a apresentar déficits na capacidade
analítica, fundamental para a leitura (MOUSINHO, 2004).
O educador tem um contanto direto e cotidiano com seus alunos. A partir dessa
condição fundamenta-se a importância do professor no intuito do diagnóstico precoce de
alguma disfunção por parte de seus alunos. Vivenciamos condições muito adversas no
sistema de ensino público e privado no Brasil, visto que as instituições de ensino
deveriam possuir professores habilitados a identificar qualquer tipo de disfunção e saber
assim como agir quando elas aparecem, evitando que o aprendizado do aluno seja
prejudicado, porém esta não é a realidade (ALMEIDA, 2002).
DISCUSSÃO
A análise destes artigos torna evidentes alguns pontos acerca da relação entre a
dislexia, educação musical e psicologia. Em primeiro lugar, os achados nesta pesquisa
demonstram o quanto são recentes os modelos e estratégias de identificação e
intervenção em portadores de dislexia. Além disso, observa-se uma atenção especial nos
artigos para o levantamento acerca da possível origem da dislexia, a interação entre
variáveis orgânicas (neuroanatômicas) e ambientais (estimulação pedagógica) são
bastante evocadas, podemos observar um levantamento bastante consistente na literatura
(CIASCA, 2004; MOUSINHO, 2004; SCHIMER, FONTOURA & NUNES, 2004;
CAPOVILLA, 2007).
O que parece ser consenso entre pesquisadores é a necessidade de diagnosticar
de forma precisa e precoce a dislexia e as alterações que ela provoca no processo de
desenvolvimento da linguagem e aprendizagem, visto que isso pode evitar futuramente
possíveis conseqüências como problemas de leitura e escrita. Além disso, estes
pesquisadores afirmam que podem ser observados sinais apresentados pelas crianças
ainda nos primeiros meses de vida, assim como apontam também as conseqüências ao
longo do desenvolvimento do indivíduo, tanto em aspectos cognitivos, quanto em
aspectos emocionais/sociais, visto que a escola, ou qualquer outro ambiente relacionado
à aprendizagem podem se tornar aversivos (CIASCA, 2004; ESTILL, 2004;
MOUSINHO, 2004; SIXEL, 2004).
Além disso, o diagnóstico não é o fim do processo, mas apenas seu início, a
identificação do distúrbio é o ponto de partida para se estudar um modelo de intervenção
eficaz. Ciasca (2004) afirma que identificar quais as dimensões do desenvolvimento são
mais afetadas em cada indivíduo, pode auxiliar na eleição de atividades que propiciem o
desenvolvimento da habilidade deficiente. Nesse sentido, nos parece bastante clara a
necessidade de atenção multidisciplinar ao disléxico, dada a complexidade do
transtorno, e também a necessidade de diferenciar quem tem dislexia de quem tem
atraso na aprendizagem (PESTUN & COLS., 2002; CIASCA, 2004).
A adoção de modelos pedagógicos eficazes e adequados às necessidades de um
aluno com dificuldades de aprendizagem é necessária (ESTILL, 2004). Neste campo,
nos propomos a investigar a relação entre a educação musical e a dislexia. No entanto,
encontramos referências que indicam os efeitos da atividade musical em nível cerebral.
O que fornece indícios de que atividade musical orientada pode ser um instrumento
eficaz em intervenções com alunos portadores de dislexia. Descrições da literatura
indicam o funcionamento da música como instrumento regulador de emoções, e também
regulador de atividade, principalmente no que se refere à variabilidade e freqüência de
comportamentos. Alguns autores atribuem a produção relativamente baixa de pesquisas
na área de educação musical, ao fato dos próprios educadores musicais estarem só agora
se envolvendo com pesquisas, e ampliando o campo de atuação para além da sala de
aula (BEN, 2003)
Dessa forma sugerimos que mais pesquisas sejam realizadas, atentando
principalmente para o efeito da exposição à atividade musical regular, a fim de
estabelecer quais os possíveis efeitos dessa exposição ao aprendizado de forma geral.
Identificar os possíveis benefícios da música no desenvolvimento cognitivo do
indivíduo pode ser um modo eficiente, não só de solidificar o papel da música como
ferramenta para o desenvolvimento cognitivo, mas solidificar também o papel do
educador musical como um pesquisador, cujos objetivos vão além do ensinar uma
criança a tocar um instrumento ou cantar, mas sim, tornar o aprendizado musical uma
estratégia para o desenvolvimento cognitivo e também um meio de inclusão social.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Rejane M. As dificuldades de aprendizagem: repensando o olhar e a
prática no cotidiano da sala de aula. Florianópolis. 132 p. Dissertação (msc –
engenharia de produção). programa de pós graduação em engenharia de produção e
sistemas, área de concentração em mídia e conhecimento, UFSC, 2002.
LEANDRO, J. A., LIZ, A. M. J., PUHL, A., CAMARGO, A. E., BUENO, R. M. S. &
SUELEN, G. Promoção da saúde mental: música e inclusão social no centro de atenção
psicossocial de Castro/PR. Revista conexão UEPG, v. 3, p. 57-61, 2007.
YARBROUGH, C., PRICE, H. E., & HENDEL, C. The effect of sequential patterns and
modes of presentation on the evaluation of music teaching. Bulletin of the council for
research in music education, 120, 33-45, 1994.