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Ano II, Ed.

Esp, Agosto 2008

Revista Transdisc iplinar de Gerontologia


Univers idade Sénior C ontem porânea

Edição Especial

O Amor no Processo de Envelhecimento

1
FICHA TÉCNICA

REVISTA T RANSDISCIPLINAR DE
GERO NTO LOGIA
VOLUME 1 NÚMERO 2 - J ANEIRO/J UNHO
2008. Índice
Edição
Editorial 3
Universidade Sénior Contemporânea
Departamento de Estudos Sociais Instruções para autores 4
Dir ectores:
Artur Santos
Marta Lourei ro Apresen tação 6
Vítor Fragos o
Artigos
Concelho editor ial/científico :
"As (im)possibilidades afetivo-sexuais para a velhice fren te ao 10
Angel a Esc ada (Psicól oga Clínica);
Aquiles Martins (Educador Social / Docente Novo Milênio”
da USC)  Thia go de Alm eida
Artur Santos (Jornalista/Director da USC);
Irene G aeta Arcuri (Psicóloga Qual é su a gloriosa idad e? O en velhecimento de m ulheres iorubás 20
Clínica/Docente PUC-SP)
(África Ocidental) à luz do diálogo entre Cristoph er Lasch e Lin
Isabel Almeida ( Enfermei ra - Centr o de
Saúd e da Foz); Yutang
Jadir Less a (Psicólogo Ex istencialista/SAEP Ronilda Iyakemi Ribeiro
- Brasil)
Maríli a Alv es (Enfermeira/Docente Fenomenologia do amor: mistura de psicologia, Adélia Prado e 26
Universitári a).
religião
Marta Lourei ro (J ornalista/Directora da
USC); Marília Ancona-Lopez
Ruth Sampaio (Psicóloga / Doc ente
Universitári a, ESE -Por to ); Amor no processo de En velh ecimento 34
Valéri a Gomes (Psicól oga /Doc ente Irene Gaeta Arcuri
Universitári a, ISMAI );
Virginia Grünew ald (UFSC / NETI -
Universidade F ederal de Santa Catari na/
O Am or, Revelação do Divino no Humano 39
Núcleo de Estudos da Terceira Idade - Ivo Storniolo
Br asil).
Vítor Fragos o (Psicólogo/Docente da USC / Artigos de Opinião
IPNP);

Pr opr iedade: Universidade Sénior


O Tempo e o Am or 49
Contemporânea Mônic a Guttmann
Todos os direitos res ervados
“O Amor no Processo de En velh ecimento”: um a reflexão 52
Univer sid ade Sénior Contempor ânea: Rua Vítor Fragoso
Nova do Tr onco, 504, 4250 Por to. Telfs.
964068452 - 964756736.
Web: h ttp ://usc.no.sapo.p t
E-Mail: usc@sapo.pt
E-Mail d a Revista Tr ansdisciplinar de
Gerontologia: r tg.u sc@gmail.com

2
Editorial

Editorial

Prezados Leitores

É como enorm e satisfação que v os apresentamos mais uma Edição da R evista Transdis ciplinar
de Gerontologia – RTG, tr ata-s e de um a Edição Esp ecial subordinada ao tema “O Am or no
Processo de Envelhecimento” elaborada em parceria c om a Professora Doutora Irene Arcuri da
Pontifícia Univ ersidade Católica de São Paulo.
Esta profícua parc eria, s urgiu de um convite efectuado pela Direcção da RTG à Professora
Doutora Irene, como forma de reconhecimento pelo trabalho desenv olvido no âmbito do estudo do
envelhec imento hum ano e como respos ta natural a um conv ite anteriorm ente efec tuado pela
Professora Irene em F ev ereiro de 2008 ao Dr. Vítor Fragoso (RTG/USC ) para participar de um Fórum
Virtual no qual é moderadora, promov ido pelo Portal do Env elhecimento da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo.
Esta Ediç ão surgiu como forma de am pli ar o debate iniciado nesse Fórum do Portal do
Env elhecimento, nes te sentido foi efec tuado um conv ite a todos os participantes desse Fórum, para
participarem desta edição, cuja colaboração resultou na sua concretiz aç ão.
A RTG, congratula-se c om a colaboração, empenho e diálogo es tabelecido entr e todos os
“fazedores” deste núm ero.
A RT G, gostaria de deix ar presente o seu forte agradecim ento e reconhecim ento à Professora
Doutora Irene Arcuri, pelo seu empenho e dedic ação no es ta belecimento desta parceria e
cola boração, sem a qual esta ediç ão não teria sido possív el, este agradecimento estende-se a todos
os restantes colaboradores, estamos gratos pelo empenho e profis sionalismo demonstrado. Bem-
haja a todos.
Para terminar não poderíamos deixar de salientar a noss a enorme s atis fação em anunciar que
Professora Doutora Irene Arcuri passa a integrar o Conselho Científico e Editorial da RTG.

A Direcç ão,
Artur Santos
Marta Loureiro
Vítor Fragos o.

3
Instrução par a Autores

Instruções para Autores

I-INFORMAÇÕES GERAIS

Diretrizes

A Rev ista T ransdisciplinar de Gerontologia da USC propõe-se a public ar artigos que se remetam ao
desenv olv imento hum ano especific amente à T erceira-idade, sejam centrados na pesquisa, nas prátic as
profissionais ou s ejam artigos de reflex ão crític a sobre produção transdisciplin ar do conhecimento da
Psicologia, Sociologia, Medicina, Educação Social, entre outras.

II- ORIENTAÇ ÕES EDI TORIAIS

Os artigos s erão submetidos a ex ame pela Com issão Editorial, que poderá fazer uso de
consultores "ad hoc", a seu critério, omiti da a identidade dos autores. Estes serão notificados da
aceitaç ão ou não dos artigos. Cas o s ejam necessárias pequenas modific ações no tex to s erá solicit ado
pela Comissão Editorial aos res pec tivos autores a sua alte ração.
O editor res erv a-se o direito de efec tuar alterações rec ebidos para adequá-los às normas da revista,
respeitando os conteúdos e o estilo do autor. Os autores serão notificados da aceitaç ão ou recusa de seus
artigos.

III- APRESENTAÇÃ O DOS TRABALH OS

Os artigos devem ser env iados à Revista Transdisciplinar de Gerontologia por e-mail:
rtg. usc@gmail.com. Deve ser env iado res umo, em Português ou Es panhol contendo até 100 palavras,
além de três ou quatro palav ras-chav e com respec tiv as "key words". Dev e conter o título do trabalho,
nome com pleto do autor, bio grafia (profissional) e seu respec tivo endereço (e-mail). O tex to proposto
deverá ser enviado em formato Word letra Arial narrow, tamanho 12. O autor pode env iar material de
ilustraç ão com o suges tão, este dev e ser entr egue em arquivos separados do texto, no program a em que
foram criados (Ex cel, Corel Draw, Photo Shop etc.);

As contribuições dos autores poderão ser redigidas em duas línguas, português e/ou esp anhol.

As opiniões e os con ceito s em itidos são de inteira responsabilidade do(s) autor(es).

IV- TIPOS DE TEX TO Instrução par a Autores


1.Estudos teóricos/en saios - análises de temas e ques tões fu ndamentadas teoricam ente;

2.Relatos de pesquisa - inv esti gações baseadas em dados empíricos, recorrendo a metodolo gia
quantitativ a e/ou qualitativ a. Nes te c aso, é necess ário conter introdução, metodologia, resultados e
discussão;

3.Relatos de experiência - relatos de experiência profissional de interesse para as dife rentes práticas

4
transdisciplinares;

4. Comunicações - relatos breves de pesquisas ou trabalhos apres entados em reuniões


científicas/ev entos culturais;

5. Ressonâncias - com entários complementares e réplic as a tex tos publicados em núm eros anteriores
da rev ista.

6. Artigos de opinião – reflex ões s obre temas relacio nados com a gerontologia (de interesse geral) e
suas politicas de ac tu ação.

7. Trab alhos Monogr áfico s análises de temas e questões fundamentadas teoricamente em forma de
artigo com base em trabalhos univ ersitários ( m onografias de curso, entre outros).

8. Reflexõ es: temas gerais relacionados com o existir humano.

V - REF ERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

As referências no texto a outras dev em ser indicadas dos s eguintes modos: Robins on (1978); (Guilly &
Piolat, 1986); (Bronckart, Papandropoulou & Kicher, 1976) ou (Bronckart et al., 1976).

No final do artigo devem ser listadas alfabeticamente as r efer ências bibliográficas (apen as as
obras referidas no texto), obedecendo ao s seguintes m odelos:

Capitulo de um livro - Bronckart, J.-P., Papandropoulou, J., & Kilcher, H (1976). Les Conduites
Sémiotiques. In M. Richelle, & R. Droz (Eds.), Introduction à la Psy chologie (pp. 286-302). Brux elles:
Dessart.

Artigo de revista científi ca - Gilly, M., &Piolat, M. (1986). Psicologia da Educ ação, Estudo da
Mudança na Interacção Educativa. Análise Psicológica, 11 (1), 13-24.

Livros - Carneiro, T. (1 983). Família: Diagnós tic o e terapia. Rio de J aneiro: Zahar.

Tese d e dissertação - McCloy , R. A. (1990). A New Model of Job Performance: An In tegration of


Meas urem ent, Predic tion, and Theory. Unpublished doctoral dissertation, Univ ersity of Minnesota,
Instrução par a Autores
Minneapolis.

Relatório Técnico - Birney , A. J., & Hall, M. M. (1981). Early , identification of children w ith written
language disabilties (relatório Nº 81 - 1502). Washington, DC: Nati onal Educati onal Assoc ia tion.

Trabalho apresen tado em congresso, m as não publicado - Haidt, J., Dias, M. G., & Koller, S.
(1991). Disgus t, disres pec t and culture: Moral ju dgement of v ictimless v iolation in the USA and Brazil.
Trabalho apres entado no Annual Meeting of the Society for Cross-Cultural Res earch, Isla Verde, Puerto
Rico.

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Apresentação
Apresentação da Edição: Amor no processo de Envelhecimento
Irene Gaeta Arcuri 1

O ram o do amor ant ecede a et ernidade


E suas raízes vão além do eterno.
Essa árvore não se apóia no céu nem na terra
Nem sobre qualquer coluna.

Enquanto sentires desejo,


Sabe que cult uas um ídolo.
Quando se é verdadeiramente amado,
Cessa de vez o espaço para as carências do m undo.
Rumi

Por que amam os? Para que amamos ? C omo podem os amar? Desde s empre es tas perguntas
caminham conosc o e nos rem etem às profundidades da longa jornada da criatividade no interior de nós
mesmos. N ão há priv ilégio ou limitação em qualquer que s eja a idade as questões que dizem respeito ao

1
Psic óloga clínica de ori entaç ão jungui ana (atende adolesc entes, adultos e i dos os ), arteterapeuta, doutoranda em Psicol ogi a
Clínica pela PUC/SP. Mestre em G erontologi a. Es peci alista pel a USP – práx is artístic as interfaces c om a saúde. Docente,
coordenadora, do curs o de Gerontologia da UNIP – SP - Brasil

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relac ionam ento amoroso, mas a qualquer tempo surge a possibilidade de um a essencial escolha
individual: a possibilidade do desenvolvimento do amor, de sua transformação, de um caminhar humano
junto com ele. Nas fas es iniciais da v ida somos geralmente orientados à es truturação egóic a de form a
incisiv a, e, por vezes, a consolidação da persona (relac ionamento c om o m undo ex terior) pode obscurec er
estas livres escolhas que nos aproximariam do v erdadeiro am or. Não que es te não seja possível nesta
fas e da v ida, mas, aparentemente, a liberdade pode s er um pouco menor. J á na segunda m etade da vida,
ou naquilo que ev entualmente se c hama preconceituosamente de v elhice, temos a possibilidade de
integrar e des env olver nossa c apac idade amorosa.

Mas o fato é que, independentemente da fas e, o am or sempre será uma construç ão do humano. O
relac ionam ento amoroso é uma construção literalmente, pedra sobre pedra, de uma cas a humana interior.

Por is to, nesta edição especial da rev ista “Revista Transdisciplinar de Gerontolo gia
(RTG)”,convidamos alguns estudiosos para dialogar sobre este tem a tão fu ndamental em nossas vidas.

Quando es tamos centados no ego, construindo-o, necessitamos acreditar que somente noss a
própria consciência é real; e, embora is to seja mesm o necessário, faz inevitavelmente com que os outros e
o mundo apenas existam como uma relação de nós mesm os, a partir de nós mes mos. Nessa m edida, s ó
podem os am ar a partir de uma relação hierárquic a, o que, no entanto, acaba identificando outros
sentimentos e com plex os com o amor, tais c omo o sex ual e o de poder, e isto fatalmente conduz ao
isolam ento: amor que não é am or.

Mas a naturez a humana é sábia e o desconforto geralm ente se ins tala. Assim, com eçamos a nos
perguntar: por que nos s entim os s ós? Por que não nos s entimos amados ? Por que, de fato, não nos
sentimos aptos a nutrir amor inc ondicional por outra pessoa?

Não temos a pretensão de oferecer um a rec eita. Mas sim de oferecer elementos para reflex ão. De
acordo com Krishnamurti: “A v erdade é uma terra sem c aminhos.”

O sentim ento é uma das condições humanas mais impactantes, pois norteia as relações
interpessoais assim com o as relações entre o homem e o mundo, possibilitando ou impedindo
interlocuç ões s audáv eis. Jung, considera a afetividade como uma funç ão psíquica dis tinta, norteadora de
toda a aç ão humana. De acordo com Pieri, “o ser hum ano faz sempre apenas o que quer e o faz
necess ariamente; isto se dev e ao fato de ele já ser o que ele quer, pois daquil o que ele é segue
necess ariamente tudo o que faz a cada instante. Mes mo admitindo que m uit as decisões da v ontade são
interm ediadas ou ponderadas pelo intelecto, não devemos esquec er que todo elo de uma c adeia de idéias
tem determinado v alor sentim ental, que é a únic a coisa essencial para c hegar à decisão da v ontade, e
sem este v alor s entim ental, como fenômeno parcial, está por baix o das m udanças do todo (...). Resulta
então que mesmo o proc esso intelec tual mais puro só chega, portanto, à dec isão da v ontade atrav és do
v alor sentimental. Por isso o primeiro motivo de qualquer ação anorm al, supondo que o intelecto esteja
relativ amente preserv ado, dev eria ser proc urado no cam po do sentimento (2002: 20).

Jung afirm a que “a psicologia é a única ciência que precisa lev ar em conta o fator valor (is to é,
sentimento), pois é ele o elem ento de ligaç ão entre as ocorrências físicas e a vida. Por isso acusam-na

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tanto de não s er científica; seus crític os não c ompreenderam a nec essidade prática e c ientífic a de se dar
ao sentimento a devida atenção” (2002: 99).

Um dos grandes desafios da v elhice é a perda do sentido de ser que ocorre quando por fatores
sociais, culturais ou familiares, o indiv íduo perde sua fluidez, sua muta bilidade, sua liberdade. E resgatar o
modo próprio e s ingular de ser no mundo: habitar o mundo de forma prazerosa e c onfortáv el im plica num
bom intercâmbio de afetiv idade.

A afetividade, no âmbito da c ons tituiç ão psíquica, é descrita c omo es trutura elementar presente
desde o nascimento do indiv íduo, que preside o pens amento e a aç ão, o intelec to e a v ontade. Neste
sentido, o idoso pode ir em busca de sua identidade apoiado em seu próprio mundo interno.

No fenômeno afetiv o estaria inerente a possibilidade de uma transformaç ão no nível de adaptaç ão


ao mundo, alcançado pelo indiv íd uo, ou mesm o de uma melhora na relação com o m undo. O sentim ento é
considerado uma das formas que mais facilita o acesso do inconsciente ao conscie nte.

Dado que entre sentim ento e consciência subsiste uma relação de circularidade, Jung conv ida a
considerar as possibilidades que podem surgir ex atamente na presença dessas manifes taç ões. “Uma v ez
que m omentos de afeto m ostram involuntariam ente as verdades do outro lado, é aconselhável aproveitar
esses momentos para que tal as pec to tenha a ocasião de express ar-se. Por iss o o in divíduo deveria
cultiv ar a arte de falar cons igo mesmo numa situação de afeto e em seus marc os, como se o próprio afeto
falasse, sem levar em conta a crític a raz oáv el.”

Qual a fórmula mágica capaz de oferecer ao homem que env elhec e o seu “estar no m undo” de
forma confortáv el, garantindo um bom interc âmbio em suas relações in terpessoais?

Desenv olv endo o mundo interno com amorosidade. Eros[1] precis a do esclarecimento de um a
consciência ev oluída, a fim de atingir sua m eta es pec ífica que é a c onsciência (Jung apud Sanford, l986).
Em última anális e, o Eros é um grande mistério, pois a consciência s ó pode ser alcanç ada pelo am or.
Jamais os v alores da alma s e realiz am mediante a repress ão dos sentidos, porque, com freqüênc ia,
atinge-se o espírito atrav és dos sentidos e por vezes do desenvolv imento espirit ual. Proc urando ev itar o
conflito dos opostos (as pec tos racionais e emocionais ) do s er pela negação de um lado da v ida (o afetiv o)
prejudica-s e o espírit o, priv ando-o da plenitude e inteireza.

A magia pode estar na capacidade de s aber o que s e es tá sentindo e, m ais que isto, a capacidade
de ex press á-lo no relacionamento.

Referências Bibliográfic as:

JUNG , C. G. A Psicologia dos Proc essos Inconscientes. Rio de Janei ro: Voz es, 1988.
JUNG , C. G. O Homem e seus Símbolos. Rio de J aneiro: Nov a F ronteira, 2002.
SANFO RD, J.A. O s parcei ros invisíveis: O masculi no e o femini no dentro de cada um de nós. São Paulo: Pauli nias, l986.
PIERI, P.F. Dici onári o J unguiano. São Paulo: Paul us, 2002.

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[1] Eros é a representação do amor no homem; é a funç ão de relacionamento ligada à afetividade, em oposiç ão ao termo
“ Logos” (Animus ). “Eros” e “Logos” são termos que Jung utiliza para desi gnar os as pec tos que possibilitam o relacionamento
interno e ex terno. “Logos” se refere ao as pecto raci onal, l ógic o, portanto muitas vezes frio e rígi do presente nos idosos que não
des env olveram o amor (Eros), cf. nota da autora.

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Artigos
"As (im)possibilidades afetivo-sexuais para a velhice frente ao
Novo Milênio"1
Thiago de Alm eida 2

“O am or – vede s e é maior este – o am or essencialmente


é união, e quanto mais une ou proc ura unir os que se
amam, tant o maiores efeitos tem, e tanto maiores afetos
mostra de am or. Estar conosc o é assistência de fora,
estar em nós é presença íntima; estar conosco é estar
perto, estar em nós é estar dentro; estar conosco é
companhia, estar em nós é identidade.”
(Pe. Antônio Vieira)

Terceiro Milênio: com o tantas fronteiras, tam bém as que separam as gerações estão sendo
gradativamente eliminadas. O ciclo de v ida organizado em etapas sucessiv as parec e não fazer mais
sentido, ou, pelo m enos, faz-s e nec essária uma nov a classificação (ALMEIDA & AC QUAVIVA, no prelo).
Até muito pouc o tempo atrás a v elhice não se cons tituía enquanto um obje to de preoc upação
social. Considerav a-s e o idoso como alguém que ex is tiu no passado, que realizou o seu percurs o
psicossocial e es pera o momento fatídic o para sair da cena do mundo (BIRMAN, 1995). Esta visão
atrapalha o engajamento ativo do idoso nos process os afetiv o-sexuais.
Anteriormente, os idos os eram tratados com atitudes filantrópic as e benevolentes com o intuito de
ocultar os verdadeiros valores negativ os arraigados nes tas atitudes que a sociedade que se modernizav a
lhes im punha. Atualmente, o panorama de uma genuína preoc upação ev oluiu um pouco de tal forma que o
envelhec imento está s endo m ais bem com preendido enquanto um process o natural da vida humana, que
traz im plíc ito uma série de trans formações biopsicoss ociais, que modific am a relação do homem com o
meio no qual está inserido. Dessa form a, o processo de envelhecimento, segundo Dantas et al (2005) é
muito pessoal, constitui uma etapa da v ida com realidades próprias e diferenciadas das anteriores,
limitadas unicamente por c ondições objetiv as e subjetiv as.
Se a questão da afetiv idade e da sex uali dade está presente em todos os mom entos da vida, não
será no proc esso do env elhecimento que estaria ausente. Contudo, perc ebe-se que ao inv estigarmos o
processo de env elhecimento, que o conhecim ento atual aquilatado a respeito do mesmo, em relação a

1 Agradeço imensamente a bibliotec ári a Mari a Luiza Lourenç o pel a cuidadosa leitura do tex to, por s uas opiniões ex press adas
no mes mo e pela correção das referências bi bliográficas s egundo as normas da ABNT .
2 Psicólogo pel a Universi dade F ederal de São Carlos (UF SCar). Mes tre pelo Departamento de Psic ologia Ex perimental do

Instituto de Psicol ogi a da Universidade de São Paulo (IPUSP) e doutorando e pes quisador pel o Departamento de Psicol ogi a
Clínica do Instituto de Psicol ogia da Universidade de São Paulo (IPUSP). Atua também como palestrante em assuntos
rel acionados ao amor, relaci onamentos amorosos e qualidade de vida em ambi entes laborais e ac adêmicos. E-mail de c ontato
com o autor: thal mei da@us p.br

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alguns temas com o o es tudo do amor e da sex ualidade, carec e de identidade, e é cons tituído por
elementos de dis curs os teóric os e ideológicos fundamentados em legados herdados ultrapassados, muitas
v ezes, oriundos das ciências sociais e da medicina (NERI 1993). E quando nos referimos à sex ualidade,
não estamos nos remetendo a sex o, mas ao produto final de um longo e natural processo de
desenv olv imento que com eça no nascimento e envolve tudo o que s omos, as nossas atitudes, com o
lidamos com as questões que nos circ undam e como isso nos abala em uma relação afetiv a interpessoal.
O que a psicologia concebe por sex ualidade não é, em absoluto, idêntic a à união s exual entre um homem
e uma mulher ou mesmo, teria o sentid o ex clusiv o de sensações prazerosas produzidas/com unicadas
pelos noss os órgãos genitais. Sex ualidade é muito mais do que o intercurso do penis à v agina culminando
com o orgasm o masc ulino ou feminino. Tampouco sex o é um a sinonímia de gênero, pois estes dois
conceitos foram ins eridos na literatura c ientífica em épocas dis tintas e abrangendo aspectos diferenciados
da v ida humana. Enquanto as diferenças entre os sex os são estabelecidas pelo aspecto físico, as
diferenças de gênero s ão explicadas e entendidas c omo socialm ente c onstruídas.
O conc eito gênero foi introduzido, no discurso teóric o, na década de 1970, por meio das pes quis as
da antropologia. Desde então, div ersos autores aprofu ndaram o tem a e atu almente, em Psicologia Social,
qualquer estudo sobre diferenças ou semelhanç as entre homem e m ulher precis a ser ev ocado sob o
prism a de gênero (STR EY, 1999).
Em s uma, atualmente podemos considerar a palav ra gênero despojada da biologia e integrada à
rede sociocultural, representando a ex press ão cultural da diferença sex ual. Logo, um produto s ocial, que é
aprendido, representado, institucionalizado e trans mitido ao longo de gerações, tal como nos aponta Sorj
(1992).
Certam ente que a sex ualidade e a afetiv idade perpassam todas as ques tões do env elhecer, na
medida em que s ão a essência de nossa ativ idade enquanto seres humanos. Entretanto, sabemos que
sexualidade nunca pode estar desvinculada do c orpo; nem do desejo inc onsciente, esse componente
aparentem ente estranho que habita e age em nosso interior e do qual nunc a es tam os descomprometidos;
e nem das conseqüências psíquic as das diferenças anatômicas entre os sex os (COSTA, 1992).
Segundo N eri (1993):
“Vários elementos são apontados como determinantes ou in dicadores de bem-estar na v elhic e:
longev idade; saúde biológica; saúde mental; satis fação; controle cognitiv o; competê ncia social;
produtividade; ativ idade; eficácia c ognitiva; status social; renda; contin uidade de papéis familiares
e ocupacionais, e continuidade de relações informais em grupos primários (principalmente rede de
amig os).” (p. 10).
Se além desses elementos acima, ainda a maturidade troux er o afeto, a paix ão, o namoro, o amor,
o sex o, a cumplicidade, o com panheirismo, dentre outros, o idoso pode es tar certo que, poderá ter um a
satisfatória vida afetiv a onde as possibilidades de relacionamento amoroso nesta etapa da v ida, apes ar de
algumas v ezes serem difíc eis, são mais v iáv eis do que muitas pessoas imaginam (ALMEIDA &
LOUR ENÇ O, 2007). Dess a forma, se o idoso permitir-se tais viv ências pode-s e supor que ele terá um
envelhec imento positiv o, ao contrário, daqueles que somente darão v azão a um saudosis m o passiv o, ou
ainda, a quaisquer outras posicionamentos imobilizadores e negativos. Assim, ex is tem várias
possibilid ades de env elhecer afetivo-sex ualm ente, desde as possibilid ades mais negativas, que s e
distanciaram de qualquer tip o de inv estimento desta naturez a, às mais pos itivas, que se mantiv eram
articuladas ao proc esso de desenv olv imento biopsicossocial no qual o afetiv o-sex ual comporta uma de

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suas principais dimensões. C ontudo, infelizmente o que tem predominado é o as pec to negativo, velho
como algo inútil, deteriorado, obsoleto, ass exuado.
Então, pode-s e conceber o amor e a sex ualidade, sim ultaneamente, como alguns dos principais
elementos da interaç ão humana e, também, com o uma das principais diretrizes na estruturação das
relaç ões íntim as (ALFER ES, 1996; DENARI, 1996; ALMEIDA, 2003) ainda que para diferentes
populações. Dessa forma, o amor e os relacionamentos afetivos sex uais estão s e tornando c ada vez mais
uma condição indispensáv el para uma vida satisfatória e plenamente realiz ada, ao menos na concepção
dos que o buscam (ALM EIDA, 2008a). E ex press o de maneiras diferenciadas, o am or é s umamente
importante para o desenv olvimento da personalidade e crescim ento da hum anidade. Entretanto, tendo em
v ista que a sociedade m uitas v ezes mina as ex pectativ as de alguns segm entos sociais, com o por
ex emplo, os idosos que querem firmar um relacionam ento am oroso, estes atitudes podem causar um a
paralisia nas motiv ações, ao menos momentânea, além de confli tos desnecessários para as pessoas por
elas prejudicadas (ALMEIDA, 2008b).
O que se percebe, então, é que a escassez de informações sobre o proc esso de
envelhec imento,assim como das mudanças na sex ualidade em diferentes faix as etárias e
especialm entena v elhice, tem aux iliado a manutenç ão de preconceitos 1 e, conseqüentemente, troux e
muitas estagnações das atividades sex uais das pessoas com mais idade (RISM AN, 2005). E hoje em dia
há até um maior espaço para discussões que abarquem a s exualidade. Entretanto, apes ar da abertura
social que há para discussão de ass untos dess e âm bito à maioria da populaç ão ainda apresenta-s e
cons trangida para disc utir tais assuntos, principalm ente quando ques tões relacionadas à sexualidade na
terceira idade se apres entam (SANTOS, 2003). Dessa forma, uma má compreensão da sex ualidade e de
legítimas manifestações amoros as na T erceira Idade, talvez, leve a dificuldades desnecessárias de
superação para tais problemas, de forma tal, que um esclarecimento acerc a das informaç ões distorcidas
que s e difundem em relaç ão à sex ualidade e ao amor possa contribuir para a diminuição das crenças e
tabus sobre um assunto tão c heio de prec onceitos.
Logo, a sexualidade na v elhice é um tema comumente negligenciado pelas div ersas áreas da
saúde, pouco conhecido e tão pouco compreendido pela sociedade, pelos próprios idosos e pelos
profissionais da saúde (ST EIN KE, 1997). Ao contrário do que s e pode pensar, a v elhic e é uma idade tão
frutífera c omo qualquer outra no que se refere à v iv ência do amor e a ques tão da prática da sex ualidade.
Infelizmente, existem muitos mitos que dific ultam a c om preensão de c omo a v ivência do amor e da
sexualidade que es tão relacio nadas com pessoas de idade avançada.
O amor é um conc eito que possui um a ex tensa cadeia de significados e interpretaç ões dis tintas.
Muito longe de ser meramente um impulso gregário, amar é ir ao encontro de alguém e permitir a vinda
deste ao enc ontro de quem o busca (ALM EIDA, 2003). O am or é um sis tema complex o e dinâmic o que
envolv e cognições, emoç ões e comportamentos relacio nados, muitas v ezes, à felic idade para o ser
humano (ALMEIDA 2007 a e b). Desta maneira, am ar alguém, e conseqüentemente expressar sua
sexualidade e erotism o e talv ez consolidar um relacionamento amoroso, em primeira análise, signific a
reconhecer uma pessoa como fonte real, ou ainda, potencial para a própria felicidade (ALMEIDA, 2008a).

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Chamamos de "Viejismo" as atitudes negativas que a s ociedade estabelece em relaç ão aos idosos,
signif icando rejeição, marginalização, medo, agressão e disc riminação. Ocorre c om c erta freqüência e
relaciona-se às identif icaç ões que f azemos com os nossos velhos des de a inf ância.

12
Segundo Vasconcellos et al (2004):
“Acuados entre as múltiplas ex igências adaptativas que as alterações do envelhecimento
comportam, os indiv íduos enfrentam dificuldades para preserv ar a identidade pessoal e a
integridade de alguns papéis e funções, sobretudo aqueles relativ os à sexualidade que a
sociedade atentam ente vigia e sanciona” (p. 414).
Com uma visão restrita, tanto em relação à s exualid ade quanto à velhic e, a sociedade, muitas
v ezes, classific a este período da v ida como um período de assex ualidade e até mesmo de androginia.
Beauv oir nos mos tra (1990) que "a atitude dos idos os depende de sua opiniã o geral c om relaç ão à
v elhice” (p. 350). Dessa forma, neste período, o indivíduo teria que unicamente assumir o papel de av ô, ou
ainda, de av ó, ao lhe ser delegado pelos filhos o c uidado de seus netos, na expectativ a de que os
monitorem enquanto c oncomitantemente realiza ativ idades como o tricô e assiste à televisão e usufrui de
sua apos entadoria (RISMAN, 2005). E assim, Beauvoir (1990) aponta que o in divíduo é condic ionado pela
atitude prática e ideológic a da sociedade em relação a ele.
Dessa forma, a falsa crença que relaciona inexorav elmente a idade e o declinar da ativ idade
sexual têm contribuído de forma nefasta para que não se pres te atenção suficiente a uma das ativ idades
que m ais contribuem para a qualidade de v ida nos idosos, com o é a sex ualidade. Tanto o idoso bem com o
as pessoas que estão a c aminho do envelhecimento podem e dev em ser auxiliadas por meio de algum as
providências prev entiv as capazes de melhorar sua saúde, qualidade de v ida e também afetiv idade. A
falácia de que a v elhice é uma etapa assexuada da v ida é um desses pré-conceitos e ex erce influência
profu ndam ente na auto-estima, na autoconfianç a, no rendimento físico e social de adultos com mais idade,
além de contradizer a eterna capacidade de am ar do homem.
Para algumas pessoas, com a progress ão da idade, há uma simultânea anulaç ão do des ejo
sexual, sobretudo a partir do desvínc ulo laboral, enquanto, para outras, há apenas um a modificaç ão,
entretanto, de modo geral, o que se ev idencia é que para uns e outros é uma constante e cômoda
negação do desejo do idos o pela soc iedade. As mudanças oc asionadas pela Terceira Idade produz em
pertu rbações no equilíbrio desses indiv íduos e requerem adaptações significativ as, pois, o surgimento de
novas situações e ex periências marcam indelevelmente a vida do idoso, traz endo senti mentos como a
desv aloriz ação. Muitas v ezes a sociedade c ontribui para que o idos o tenha es te s entim ento, pois, os
idosos sempre foram imaginados com o aqueles que es tão se despedindo da v ida: aposentou-se do seu
trabalho, de s ua função, aposentou-se da v ida (CAR DOSO, 2008). Com ess a negação, a sociedade
sedim enta e reproduzem seus próprios medos e inseguranças, suas preoc upações no que diz respeito ao
próprio futuro e sua poss ível inc apacidade para amar na medida em que env elhecem. Adic ionalmente,
pode-s e referir a despeito des ta negaç ão dos afetos que é s uscitada pela cultura e desenvolv ida pelas
pessoas como um a forma de defesa psíquica frente ao sofrimento gerado pelo fato dos mesm os serem
considerados como des estabilizadores sociais, e cons eqüentemente, como uma am eaça constante, e que,
dessa forma, ameaçariam a coesão social no que concerne a moral e aos bons cos tumes.
Outros fatores que também são partícipes para que as pess oas com o passar do tempo tenham um
arrefecimento, ou ainda, anulação do desejo afetivo-relacional e da atividade sex ual, diz respeito a
fa tores religiosos, psic ossociais e morais. A soc iedade ocidental, geralmente, educada a partir dos
muitos paradigmas judaico-c ristãos, tem no fator “pec ado” uma grande causa de anulação e
arrefecimento para os seus desejos e práticas afetiv o-sex uais. Deriv ado dess a relação, as maneiras
pelas quais as pessoas foram educ adas, as repress ões v iv enciadas pelas m esmas ao longo de s eu
históric o de vida, os apelos infligidos pela família e pela soc iedade, contribuem para gerar pessoas

13
medrosas, ins eguras de seus próprios desejos e atitudes, sobretudo, no que diz respeito ao domínio
afetivo-sex ual. Isso gera um círculo v ic ioso de pais que geram esses padrões morais, éticos e
religios os aos seus desc endentes, e assim, sucessiv amente, o que torna as pess oas com um
pensamento cada v ez mais homogêneo, se não reconhecerem e não rejeitarem certos legados
culturais. (ALMEIDA & LOURENÇO, no prelo)
Outro aspecto relev ante, diz respeito a hav er certas dificuldades e a diminuição da freqüência nas
relaç ões s exuais entre parc eiros na terc eira idade, mas, dev e-se lev ar em c onta que ex iste também maior
qualidade nessas relações. É inegáv el a existência de patologias que, ainda que de form a secundária,
possam prejudicar o desempenho e, por v ezes, tornarem-s e in ibidoras, de um otimizar as prátic as sexuais
das pessoas em idade av ançada, como as patologias res piratórias (que podem c omprom eter a energia
canalizada para o exercíc io das prátic as sex uais), as complicações osteo-articulares e as neoplásic as (que
podem c omprometer a mobilizar por causarem dor), entre outras. No entanto, tornar as referidas
desv antagens sinônim o de incapacidade, perdas permanentes ou impossibilidades irrestritas é, para além
de uma v eleidade, im por limitações desnecess árias, imprecis as, traumatizantes e prejudiciais aos seus
acom etidos.
O sex o na Terc eira Idade ainda está envolto em preconceitos, delírios de grandeza, complexos e
frustrações, contudo a Terceira Idade não é necessariamente um a barreira para uma vida sex ual ativ a,
onde a assex ualidade marca presença, dado o ostracism o social pelo qual muitas vezes os idosos são
influenciados. Hom ens e m ulheres dev em estar conscientes das mudanças que estão ocorrendo em seu
corpo, e os parceiros dev em investir m ais em c aricias, toques, beijos e carinhos durante todo o dia e não
só na hora do ato sex ual (CARDOSO, 2008). Às vezes, é necess ário que s e busque ajuda de c aráter
psicoterápico (psic oterapia indiv idual, de casais, etc), ou ainda, a prescriç ão de uma interv enção
medic amentosa para que ess es consigam realizar seus des ejos latentes, para perderem o medo, a
inseguranç a, e assim, assumirem perante a s ociedade o direito que têm de exercer uma vida plena de
seus direitos e de qualidade de vida.
A caminho de soluções
A velhice assexuada é um mito. O amor e a sex ualidade são v iv ências que não precisam s e
sujeitar à corrosão física do env elhecimento humanos. Para isso os idos os podem adotar algum as
estratégias de enfrentamento para otimizarem este período da v ida no qual estão ins eridos.
Os problemas dec orrentes do próprio desgas te do organism o, doenças, problem as familiares,
financ eir os, dentre outros, podem causar dificuldades sex uais na v elhic e e o idos o tem que es tar cie nte
das modificaç ões orgânicas que seu organismo sofrerá, mas, tam bém não dev erá se preoc upar.
Atualmente, as pessoas podem recorrer a interv enções medicam entosas, ou ainda, tratamentos
terapêutic os, dietas, ex ercícios para resolv er esses impass es. Dessa forma, a v ida s ex ual de um cas al na
terceira idade pode ser plena e feliz e eles poderão enc arar a v elhice e o ato sex ual com a mesm a
tranqüilidade com que viv eram na juv entude e ainda m antendo viv o o desejo, m esmo após, seis, sete ou
oito décadas de v ida, s e isso for im portante na vida da pessoa. Muitos idosos, infelizmente, deix am de ter
relaç ões sexuais com suas parceiras, por medo, v ergonha (dentre outras possibilidades), acredit ando-s e
impotentes. Segundo Vasconcell os et al (2004, p. 414), “Com sua auto-es tima baix a, ficam receosos de
não conseguir um a ereç ão e acabam evitando ter relações para não s erem confrontados c om a
frustração.”

14
Atualmente, muitos remédios c omo, por ex emplo, o C itrato de Sildenafil (Viagra) utiliz ado pelos
homens e terapia de reposição hormonal para as m ulheres são poderos os coadjuv antes nas relações dos
casais na te rceira idade, que querem continuar v iv enciando sua relação afetiv o-sex ual (REIS, 2000).
Contudo, é im portante destacar que a motiv ação para o sexo depende mais da saúde m ental, da
disposição para o m esmo e da qualidade de vida dos c omponentes da relação, que da própria
musculatura enrijec ida (Viscardi citado por Reis, 2000).
Os ex erc ícios de contato e de ac ariciam ento, entre os parc eiros es tim ulam a função sex ual
despertando este ins tinto reprimido pela cultura, e reforçando a identidade s exual do cas al. Enc ontrar
posições confortáv eis para ev itar se deparar com problemas com o artrites dentre outr as; escolher os
melh ores dias e horários para ambos os parceiros para efetuares as ativ idades afetiv o-sex uais, por
ex emplo, para aqueles cas ais que têm problem as com a falta de privacidade por terem ido morar com os
filhos, são alguns exemplos que podem s er s eguidos por pess oas idosas para c onseguirem se relacionar
sexualmente. Também se aconselha a aceitar as limitaç ões e aprov eitar otimizando das funções que ainda
permanecem. Quando o intercurso não é poss ív el ex plorar outras práticas (beijos, carícias, pois som os
cheios de zonas erógenas, es timulaç ões manuais, fantas ias sexuais, mass agens). Dessa form a, a outra
pessoa torna-se um bom pretexto, pelo qual damos a nos mesmos a permissão para sentir am or. É c om
essa v azão da perspectiv a-v ida que poderem os ir transformando os prec onceitos que se ac umularam
sobre a v elhice e conferindo o sentido e o v alor do proc esso de In dividuaç ão até o final da v ida. De form a
similar, é conseguir lidar como o que rec ebe do outro, de uma maneira mais inclus iva, trazendo para
dentro e para perto, sem tantos preconc eitos nem rejeições a priori.
Pessoas muito rígidas, com preconceitos e valores muito determinados antes do contato com as
situações reais da vida, estão mais sujeitas a não refletir sobre suas v iv ências nem transpor o que têm
como regras de v ida, e ac abam am adurec endo com mais dificuldade. Es tas pressupõem e concluem antes
de uma ampliação de visão. Acabam conhecendo menos do mundo e, por c ons eguinte, prov avelmente
não s e des env olv em emocionalmente.
E para onde vão os sessentões que querem paquerar? Acompanhando a lógica de que
desapareceram os limites entre as idades, desapareceram tam bém limites geográficos entre as gerações.
Os sessentões podem ir a todo lugar. Há, é v erdade, muitos lugares em que determinadas “tribos” se
reúnem e qualquer es tranho é malvisto. Mas o velho não está mais res tr ito ao território domés tico, onde
estev e, em déc adas pass adas. Tem poder aquisitiv o melhor, agora que não tem mais filhos para sustentar
(apesar do fenômeno tam bém característico deste momento histórico, no contexto brasile iro, em que se
dá a perm anência dos filhos até mais tarde em cas a dos pais) e circ ula por onde quiser. Não chama mais
atenç ão em lugar nenhum: na universidade, em cas as noturnas, faz endo es porte, em espetáculos de
música erudita ou popular. Em qualquer dessas situações é possív el paquerar, usando qualquer das
mens agens v erbais ou não verbais já ex ploradas em outros tex tos. Em muitos lugares, as pessoas es tarão
abertamente para ver e serem vistas, paquerar e serem paqueradas. J á em outros lugares, será exigido
maio r habilidade na aprox imação, é necessário maior tato, maior poder de seduç ão.
O ambiente de trabalho ainda é o lugar onde muito freqüentemente as pessoas relatam terem
inicia do uma relação. Só que há muit os sessentões aposentados. Mais sessentonas do que sess entões, já
que elas têm direito à apos enta doria mais cedo. Além de que, grupos de amigos de trabalho, saem
bastante no final do ex pediente e isso facilita a paquera e futuras relações.
Ex iste outro território da paquera que tam bém es tá s endo ocupado pelo idos o: a rede internet.
Como o anonimato deste meio protege os jov ens, protege tam bém os v elhos que não dominam ainda os

15
códigos e a arte da paquera. Este es paço permite ainda em razão do anonimato uma aproximação mais
direta que não seria v iável em outra circuns tância sem risco. Que risco? Es pecialmente o risco do ridículo,
de dar vex ame, de “pagar mico”, que toda a pessoa teme ao v er-se ex pos ta a situ ações que não domina.
Todos sabem que o m elhor m om ento para aprender qualquer linguagem é quando s omos ainda muito
jov ens... O mesm o v ale para a linguagem da paquera! Por outro lado, os cientis tas dizem que nunca é
tarde para aprender, e que fazendo c oisas novas as pessoas es tarão ex ercitando e pres erv ando seus
cérebros por m uito mais tempo.
Ninguém pode negar a importância de alg uns fatores c omo o am or e a v ivência da sexualidade na
v ida do homem e se considera que estes são alguns dos principais construtos que colaboram para a
ques tão da qualidade de v ida. Dess a forma, é necessário que as pessoas e aqui, es pecific amente os
idosos, sintam-se produtiv os, que tenham auto-es tima valoriz ada, que faç am amigos, v iagens, passeios,
que v iv am bem com a fam ília, que conheç am novas pessoas, que amem e sejam amados.
Segundo alguns autores, para uma pessoa enamorar-s e de outra, deve-se levar em consideração,
que, ela deve estar predisposta e disponív el para tal (Almeida, 2003; Biddulph; 2003). E is to não se reduz
a simplesmente estar atraíd o(a) por um(a) parceiro(a). Isto quer dizer que a pessoa dev e ter um a
disponibilidade, não só física, mas um a dis ponibilidade psíquic a para ir e v ir ao enc ontro do outro. Idos os
que querem ser sedutores devem cuidar de noss a auto-imagem. Além do m ais, parece evidente que um a
pessoa que consegue viv enciar div ersas situ ações bem s ucedidas de cortejamento, independentemente
do fa tor idade, passa a ser fav orecida em sua auto-es tima e, c omo conseqüência, ocorre um aumento na
probabili dade de seleção de um parceiro que venha de encontr o às suas ex pec tativ as e necessidades
amorosas. Se não estamos satisfeitos conosco, encontraremos muitas dificuldades na arte da conquista afetivo-sexual. De acordo c om
Shiny ashiki & Dumêt: “apenas a dec isão rac ional de querer enc ontrar alguém não é s uficiente para
possibilitar o encontro” (Shiny ashiki; Dumêt, 2002, p. 166). Ainda os autores referem que na “realidade,
quem não encontra alguém é porque, internamente, não está predisposto a amar. N ão es tá dis ponív el
para env olver-se e, erroneam ente, pensa que es tá querendo com partilhar o amor” (Shiny ashiki; Dumêt,
2002, p. 166). E nisto consiste uma das principais raíz es do fenômeno amoroso: estar disponível para ir ao
encontro do outro (Alm eida, 2004).
A natureza da auto-im agem, conceito fundamental para auto-es tima, reside no conhecimento
individual de si mesmo e no des env olvimento das próprias potencialidades, na percepção dos
sentimentos, atitudes e idéias que se referem à dinâmica pessoal. Entretanto, a auto-estima não é
estática, e apresenta altos e baix os, se rev ela nos acontecimentos ps íquicos e fisiológicos, e emite sinais
em que podemos detectar seu grau. Considera-se que a auto-es tima é um dos princ ipais cons tr utos da
personalidade hum ana. Diferente de auto-c onc eit o, que se refere à noção ou idéia que faço de mim; e de
auto-imagem que diz respeito à como a própria pessoa se v ê.
A auto-es tima é o conjunto de atitudes que cada pessoa tem a respeito de si mesm a. Este autor
também acrescenta que auto-estima é a percepção av aliativa sobre si próprio. É um es tado, um modo de
ser no qual participa a própria pessoa, com idéias que podem s er positiv as ou negativas a s eu próprio
respeito. O ponto nodal de tantos problemas relacionados à busca desenfreada por uma busca pela
perfe ição da aparência é que não ex iste o amor próprio. Como as pessoas com uma rebaix ada auto-
estima sentem necessidade de ser aceitas, valorizadas, freqüentem ente, es ta rão obc ecadas com a
aparência, buscando no outro a aprov ação que elas mesm as não s e dão, ev it ando assim não se sentirem
atraentes, como geralmente os idosos costumam se c onc eber. Em se tratando de c ontex tos am oros os

16
para saber seduzir é essencial saber identificar as próprias carac terísticas (físicas e psicológicas) e usá-las
para motiv ar o objeto de desejo de seus pretendentes.
O apoio da família e dos amigos também é fundamental para ajudar os idos os a fim de não s e
sentirem descriminados. A v alorizaç ão da pess oa como ser humano, pertencente a uma sociedade
atuante, faz com que as pessoas não sofram e demorem a sentirem-se acabadas, relegadas a uma função
social inferior.
Ninguém, em s eu perfeito juíz o, negaria ao idos o todos os direitos e oportunid ades que a v ida lhe
confere: comer, dormir, div ertir-se, trabalhar, enfim, ex ercer plena e conscientem ente a v ida que pulsa. Por
que lhes negar o direito ao amor e v ivência de suas sex ualidades? Se isso foss e normal, certamente
esses des ejos legítim os e saudáveis se arrefec eriam com o passar do tempo. Se os desejos não
arrefecem, com o passar dos anos, um dos motivos é porque a sábia natureza reconhece s ua v alid ade. E,
pelo que cons tatamos a libido não tem mesmo id ade. Ela pede e grita no v elho como pedia e gritava no
jov em que ele foi. Logo, com o aceitar um a restriç ão que lh e é exterior? Como ceder à pressão e se
enclausurar, renunciar a v iv er esse lado e direito ex ultante do eu?
Em suma, a sociedade pode e dev e ajudar as pessoas de maior idade a serem pessoas
realizadas e feliz es, a te rem ainda um a longa jornada a ser percorrida (a ex pectativ a de vida aumenta
cada v ez mais no m undo). A chamada T erceira Idade, tem todo o direito de s erem pessoas felizes,
realizadas, com qualidade de vida e que ainda podem c ontinuar exerc endo s eu poder de sedução nos
relac ionam entos afetiv o-sexuais, sendo esses de vários anos com a mesma pessoa ou com v árias
pessoas ao longo da v ida.

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19
Qual é sua gloriosa idade?
O envelhecimento de mulheres iorubás (África Ocidental) à luz do
diálogo entre Cristopher Lasch e Lin Yutang

Ronilda Iyakemi Ribeiro 1

Resumo

No âm bito dos debates sobre env elhecimento e morte e s obre a questão feminina, o tex to aqui
apresentado reúne in formações a respeito do modo iorubá de env elhecer, particularizando dados s obre o
envelhec imento feminino. Para melhor com preendermos ess e es tá gio da v ida humana e melhor refletirm os
sobre a c oncepção dos iorubás, grupo étnico da África Ocidental (Nigéria, Togo e R epúblic a do Benin), de
marcante presença na v ida sócio-cultural brasileira, é tecido um diálogo entre as idéias de Cris topher
Lasch e as de Lin Yutang. Lasc h, autor de A Cultura do N arcisismo. A vida americana numa era de
esperanças em declínio, realiza uma lúcida análise das relaç ões humanas nas sociedades indus triais,
enquanto Lin Yutang, autor de A im port ância de viver. A art e de ser feliz rev elada pela profunda sabedoria
chinesa, tece considerações sobre as diferentes repres entações s ocia is do env elh ecim ento mantidas nas
sociedades indus triais e nas tradicionais, como a iorubá. Os tí tulos dessas obras já refletem atitudes
básicas frente à v ida e à m orte, das quais decorrem formas de relacionamento familiar ness as sociedades,
que definem de m odos distintos o lugar do env elhecim ento. Es te estudo foi realizado com bas e na
bibliografia de referência e nos relatos bio gráfic os de mulheres iorubás, na cidade de Abeokuta (estado de
Ogum, Nigéria) e brasileiras, na c idade de São Paulo (es tado de São Paulo, Brasil). Com parando-se o
lugar concedido à morte na sociedade tradic ional e na indus trial constatamos que, naquela, a memória
cumpre a funç ão de preserv ar v iv os os já-id os. Nesta, porém, a morte é necess ariamente interdita por
tratar-s e de soc ie dades do tempo produtiv o, fundadas na lógic a do lucro, que não deixam tem po nem lugar
para qualquer ativ idade que dem ande alguma energia, dada a necessidade de reverter toda a energia
poss ív el em benefício do rendim ento. Quanto ao env elh ecim ento, observ am os que, enquanto as
sociedades tradicionais mos tram -se fav oráv eis ao des env olv imento de atitudes positiv as ante o
envelhec imento e a morte, o m esmo não ocorre nas s ociedades indus triais, onde o horror ao
envelhec imento e à morte tornam intoleráv el a presenç a e a pers pec tiva da v elhic e. O m edo da v elhic e
tem origem na estimativa racional do que acontece às pessoas idosas ness as sociedades, bem como,
segundo Lasc h, no pânic o irracional das pessoas que, construídas nessas culturas do narcisis mo, têm a
necessidade de serem admiradas e tem em que pouco possa s ustentá-las quando a juv entu de passar.

1
Ronilda Iyakem i Ribeiro possui graduação em Psicologia pela Universidade de São Paulo – USP
(1968), mestrado (1981) em Psic ologia; doutorada (1987) em Psicologia pela USP e doutorado em
Antropologia (da Áfric a Negra) pela USP (1996). Pes quis adora do Instituto de Ciências Humanas da
Universidade Paulista e professora-orientadora no Program a de Pós-Graduação do Ins tituto de Psicologia
da USP, atua principalmente nos seguintes temas: Herança Africana, Tradição Iorubá, Relações Raciais,
Psicologia e R eligião, Etnopsicologia, R esponsabilidade Social e PsicoInformática. È membro da diretoria
da ON G Instituto Guatambu de Cultura-Canto das Águas. Email: iy akemi@us p.br.

20
Palavras-chave: env elhecimento, fem inino, io rubás, herança africana.

O continente africano, apesar de apresentar-se ao olhar m enos av is ado, com o um bloco únic o,
guarda um a imensa diversidade cult ural, lingüística, bioló gica e polític a. E em bora pelo m enos 45% dos
brasileiros tenham ances trais oriundos da África, es ta permanec e até hoje um dos continentes menos
conhecid os, comparativ am ente aos demais, que partic iparam da formação do povo brasileiro.
No presente contexto trato de apresentar alg umas informações sobre o modo iorubá de
envelhec er. Os iorubás integram um grupo étnico da África Ocidental, de fort e presença na vida sócio-
cultural brasileira.
Falo na posição de mulher de v alores negro-africanos e pele branc a, mãe de um c asal de jovens
iorubás, nascidos no Brasil. Aprendi com os ancestrais afric anos de m eus filhos, por mim adotados com o
minha própria ancestralid ade moral e espiritual, que o ensinament o se dá de boca perfumada a ouvidos
dóceis e limpos. Por isso, tratei de preparar, respeitos amente, a minha esc uta e, buscando cum prir o que
me compete na tarefa de sermos, cada um de nós, elos de uma corrente geracional, espero que as
sementes de s abedoria plantadas em mim pelos s ábios iorubás encontrem terreno fértil também na alm a
de jov ens das gerações que sucedem a minha.
Os iorubás ocupam grande parte da Nigéria, no sudoeste do país e, em menor proporção, parte do
Togo e da R epública do Benin (antiga Daom é). Pertenc em predominantemente aos estados do Ogun,
Oy o, Ondo, Kwara e Lagos, na Nigéria, onde conv ivem com outros grupos étnicos: anang, bataw a, edo,
efik, fulani, hausa, idoma, igbira, ibibio, ibo, igala, igbo, igbomina, ijaw, ijo, itsekiri, kanuri, nupe e tiv , cada
qual com sua própria língua, c ostumes e sistemas de administração tradicional. Des tes, os mais
numerosos são os hausa, iorubá e ibo. A conquista daomeana de parte das terras iorubás fav oreceu a
miscigenaç ão entre os grupos iorubá e fon, tornando-se pouco nítida a lin ha div is ória entre eles. Os
iorubás associam-se em sub-grupos - Egba, Egbado, Oy o, Ijesa, Ijebu, Ife, Ondo, Ilorin, Ibadan entre
outros.
Os relatos biográfic os que ouv i da boca de mulheres iorubás m ostram que a morte, quando boa,
não destrói os laç os familiares, pois alcançada a condiç ão de ances tral, perm anece o homem no seio
familiar, cuidando dos interess es dos s eus descendentes. Entre os iorubás a noção de corrente da vida
torna a imortalidade quas e visív el e palpáv el. As mulheres iorubás, conv ictas da continuidade da vida após
a morte, perc ebem a si m esmas c omo elos da corrente gerac ional, ex pressão no presente, da conex ão
entre pass ado e futu ro. Esse contexto sociocultu ral m ostra-se fav oráv el ao desenv olv imento de atitudes
positiv as ante o env elhecimento e a morte. O culto aos anc estrais cumpre, entre outras, a funç ão de
preservar relações entre viv os e já-idos, ou seja, entre viv os e mortos-viv entes. Quando os corpos
envelhec idos estejam totalmente imobilizados pela morte, os já-idos permanecem presentes na mem ória e
nos movimentos de seus filhos, netos, bisnetos.
Os iorubás percebem a família como um organismo c omposto de órgãos mutuamente
dependentes e a conv ivência entre os familiares ocorre de modo análogo ao das relações entre os órgãos
de um corpo: Com o nossos olhos, mãos, pés, pernas, braços, ... precios os auxiliares, com o pass ar do
tempo vão se tornando cada v ez m ais debilit ados, port anto, menos capazes de acorrer em nosso auxílio,
os corpos jovens dos netos vêm para substit uí-los, diz uma mulher iorubá. A identidade individual se
cons trói incluindo a percepção de si mesm o como parte de um organismo grupal - o familiar. Esse fato

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fav orec e atitudes positivas ante o env elhecimento e a morte. A din âmica das relações entre c ada in divíduo
e seu grupo de pertença supõe o rec onhecimento de uma pertença, aqui-e-agora, a um grupo fam iliar e
uma pertença, no tempo, a um grupo constituído pelos muitos elos da corrente geracional.
Buscando com preender o modo africano de signific ar as relações familiares, o envelhecimento e a
morte, confrontem os duas formas dis tintas de representação das relações familiares: a adotada pela
cham ada “cultura do narcisis m o” e outra, adotada por soc iedades tradicionais orientais. Para isso, pode
ser interessante retomar as falas de Cris topher Lasch e do filósofo e romancista chinês Lin-Yutang para
representar cada uma dessas formas de repres entar tais relações.
Chris topher Lasch (1983), da Univ ersidade de R ochester, em s ua obra A C ultura do Narcisismo. A
vida americana numa era de esperanças em dec línio, realiza uma lúcida análise das relações hum anas
em s ocie dades indus triais, enquanto Lin Yuta ng (1963), tece c onsiderações s obre as diferenç as c ulturais
que pôde observar viv endo na China e nos Es tados Unidos, em sua obra A importância de viver. A arte de
ser feliz revelada pela prof unda sabedoria c hinesa. Embora as obras desses autores tenham sido
publicadas há pelo menos duas déc adas, suas observ ações mostram -se bas tante úteis a nossos
propósitos. Observ em os que os títulos dessas obras já refletem atitudes básicas frente à v ida e à morte,
das quais decorrem formas de relacionamento familiar nas sociedades tradic ionais e industriais.
As sociedades indus triais carregam a marca de v alores da cult ura do narcisismo, que ex ige a
satisfação im ediata das necessidades e coloca as pess oas em es tado de des ejo perm anentemente
insatis feito. Lasch refere-se ao fato de que nessas sociedades v iv e-se a busca da felicidade no beco s em
saída de uma preocupação narcisista c om o eu. O narcisis ta não se interess a pelo futuro, em parte por ter
pouc o interesse pelo passado; subes tima a necessidade de interioriz ar associações feliz es ou criar um
estoque de lem branças am oráv eis, fo nte psíquica indis pensáv el para enfrentar a última parte da v ida. Diz
Lasch: Longe de considerá-lo uma s obrecarga inútil, vejo o passado com o um tesouro político e
psicológic o do qual extraím os reservas que necessitamos para enfrentar o f uturo. A in diferenç a de noss a
cultura pelo passado ... fornece a prova mais palpável da falênc ia dessa cultura ... Uma negaç ão do
passado m ostra o desespero de um a sociedade que não consegue enfrent ar o f uturo (Lasch, 1983:16). É,
pois, na desv alorização do passado que Lasch localiza um dos mais importantes sintomas da crise cult ural
das sociedades industriais.
Nessas sociedades, no in terio r de uma “cultura do narc isis mo”, a paixão predom inante é viv er para
si e para o m omento, o que determina a perda do senso de continuidade his tórica. Ness e contex to, até
mesmo a busc a religiosa e de auto-desenv olv imento pode estar apoiada, e fr eqüentem ente es tá, s obre o
interesse de cult iv ar uma auto-atenção transcendent al apenas com v istas a aumentar o próprio poder e
aperfeiçoar a própria performance, num a perv ersão dos princípios e finalidades de propostas religiosas ou
filosóficas que, em sua base, v isam fins bem distintos para suas práticas, pois têm por norte a esperanç a
em maior justiça social e almejam a com unhão univ ers al. Peter Marin, citado por Lasch (1983:27),
ressalta que o ponto de v ista adotado centraliza-s e unic amente no eu e considera c omo único bem a
sobrevivência individual.
Simone de Beauv oir descreve um fenômeno freqüente das sociedades indus triais: As árvores que
o velho planta serão abatidas ... o filho não recom eçará o pai e o pai sabe disso. Ele desaparecido, a
herdade será abandonada, o estoque da loja vendido, o negócio liquidado. As coisas que ele realizou e
que fizeram o sentido de sua vida são tão ameaçadas quant o ele mesm o (1970: 402).
Por outr o lado, Lin-Yutang refere-se ao fato de que na China tr adicional cada indiv íduo é

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considerado, também, um membro da unidade familiar, um elo da corrente da v ida: inic ialmente é cuidado,
depois cuida e, na v elhice, v olta a ser c uidado. Inicialmente obedece e respeita, depois é obedecido e
respeitado. Uma v ivência profunda do sentido de contin uidade histórica e a consciência de si mesm o
enquanto elo geracional fav orec em o desenvolv imento de uma atitude de zelo pelo bem com um, ainda que
seja, pelo menos, o do grupo fam iliar. Diz Lin Yutang: Cada avô, ao ver o net o que parte para a escola,
sente que está viv endo outra v ez na vida do menino e quando lhe belisca as boc hec has sabe que é carne
de sua carne e sangue de seu sangue. Sua vida é apenas uma part e da vida f amiliar e da grande corrente
da vida, que flui sempre e, port anto, ele é feliz ao morrer (p.157).
Lasch refere-se ao sentido de continuidade his tórica e Lin Yutang à corrente da v ida. O primeiro
descreve comportamentos e interações humanas que refletem um embotam ento da consciência a respeito
de hav er um flux o geracional. Um dos reflex os dess e embotamento é a atitude des favorável fr ente ao
envelhec imento e à morte. No confronto da vida oriental com a ocidental Lin Yutang diz não hav er
encontrado diferenças abs olut as, salv o nesta questão da atitude para com a idade, que é clara e não
admit e posiç ões intermediárias ... Na China, a primeira pergunta que se faz, por ocasião de uma vis ita
oficial, se já se conhec e o nome e o sobrenome da pess oa, é: "qual é sua gloriosa idade?" O entusiasmo é
tanto maior, quanto m ais avançada a idade. À ex periência de vida se atribui grande importância e os
velhos podem diz er aos jovens: "mais pontes cruz ei eu do que ruas tu cruz aste". E isso tem valor ...
(p.163)
Assinala, ainda, o fato de que os v elhos do Ocidente têm v ergonha de dependerem dos filhos e de
que o individualismo extremo os mantém permanentemente atarefados e ativ os. Compara-os a v elhos
chineses que, por não poss uírem o mesmo senso de independência in dividual, uma vez que to do c onceito
de vida se bas eia na ajuda mútua dentro de casa, não sentem v ergonha alguma por serem serv idos pelos
filhos no ocaso da ex is tência. Pelo contrário, considera-se um hom em de sorte aquele que recebe
cuidados dos filhos. Quanto a estes, diz Lin-Yutang, se são inc apazes de tolerar os próprios pais quando
v elhos e relativ amente des amparados, a quem poderiam tolerar?
Observ a-se então, que uma grav e consequência do indiv idualism o na sociedade industrial é a
av ersão ao processo de envelhec er. Sendo a merc adoria mais valiosa que o homem, env elhecer implic a
em tornar-se cada vez menos capaz de produzir, fa to que determ in a uma perda progressiv a de valor.
Valor concedido à forç a física, des treza, adaptabilidade e não à im portância da ex periência. O
envelhec imento, além de representar um caminho para a morte, confere uma c ondição realmente
lastimável ness e contexto social.
Sendo de raíz es profundas as c aus as sociais do status dos velhos, o simples uso de propaganda
ou a proposta de programas baseados em polí tic as mais humanas, não será, segundo Lasch (1983),
sufic iente para aliviar seus destinos. Nada menos que um a complet a reordenaç ão do trabalho da
educ ação, da família, de cada instit uição importante, tornará suportável a v elhice (p.254). Simone de
Beauv oir (1970) é da mesma opinião e afirma que a falta de sentido da v ida do homem v elho, in ativo, é
apenas m ais uma expressão da ausência de sentido de to da a sua vida, senti do roubado pelo contex to da
sociedade industrial. Segundo ela, a sociedade que permit e que o homem permaneça com o um homem
na velhic e é somente aquela em que ele tenha sid o sem pre tratado com o tal (p.146).
O horror ao envelhecimento e à morte reflete mudanças objetiv as na posiç ão social dos mais
v elhos bem c omo ex periências subjetivas que tornam in tolerável a perspectiv a da v elhic e. O medo da
v elhice tem origem, em parte, na estimativ a racional do que acontece às pessoas idosas na sociedade
industrial, mas origina-s e, também, segundo Lasch, no pânico irrac ional do narcisis ta, cuja necessidade de

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ser admirado associa-se ao tem or de que pouco possa sus tentá-lo quando a juv entude passar.
Não ocorre o mesmo com o processo de envelhecimento descrito por Lin-Yutang: As pess oas de
idade madura esperam, na verdade, com im pac iênc ia a época em que poderão comemorar o 510
aniversário ... o 510 anivers ário, isto é, o marco de meio século, é ocasião de regozijo para pess oas de
todas as class es. O 610 é data maior e m ais feliz que o 510 e, mais ainda, o 710 . E o hom em que pode
comem orar o seu 810 aniversário é olhado como pessoa especialmente favorecida pelo céu (1963:161).
Quanto ao lu gar da morte na sociedade tradicional e na indus trial constatamos sem dificuldade
que, naquela, a memória cum pre a funç ão de preservar viv os os já idos enquanto, nes ta, a morte é
interdita. Na sociedade do tem po produtiv o, fundada na ló gica do lucro, não há lugar para rituais fúnebres
nem para o luto, muito menos para a lem branç a v iv a do passado, um a v ez que toda a energia poupada
rev erterá em benefício do rendimento.
Quanto ao env elhecimento das m ulheres iorubás, o diálo go que tiv e com elas tornou evidente o
fato de que elas estão profundamente conv encidas da continuidade da vida após a morte e perceberem a
si mesmas como elos da c orrente geracional, express ão no presente, da conex ão entre passado e futuro.
Elos também, porque articulam entre si, num sistema orgânico de mútua dependência, os vários
elementos integrantes da estrutura fam iliar. A conv ivência das avós com os netos form a um corpo: Com o
nossos olhos, mãos, pés, pernas, braços, ... preciosos auxiliares, com o passar do t empo vão se tornando
cada v ez mais debilitados, portanto, menos capaz es de acorrer em nosso auxílio, os c orpos jovens dos
netos vêm para substituí-los, me disse um a mulher iorubá. A própria identidade inclui a percepção de si
como parte de um organis mo grupal - o fam iliar.
Esse contexto sociocultural m ostra-se fav oráv el ao des env olv imento de atitudes positiv as ante o
envelhec imento e a morte. O culto aos ancestrais cumpre, entre outras, a fu nção de pres erv ar relações
entre os já idos e os ainda não-idos, ou seja, entre mortos -viv entes e v ivos. Quando os corpos das
mulh eres v elhas estiv erem totalmente imobilizados pela morte, permanec erá ela v iva na mem ória e nos
movimentos de seus filhos, netos, bisnetos.
Dando ex pressão s ocial aos arquétip os femininos de sua tradição cultural, a mulher iorubá v iv e
Ox um, zelando por suas cria nças pequenas, carregadas em seus ventres geralm ente férteis , atadas às
suas cos tas, geralmente fortes, agarradas às suas saias, sem pre muito coloridas. Viv e simultaneamente
Oy á, a companheira corajosa, guerreira que enfrenta os embates difíc eis da v ida africana, lado a la do,
braço a braço com seu homem. Quantas v ezes viv e Obá, enciumada porque preterida, num sis tem a
poligâmico de relaç ões geralm ente tumultuadas e conflitantes, porém disposta a enfrentar todo e qualquer
desafio. No v igor de sua maturidade v iv e Iem anjá, m ãe de filhos adultos, por eles z ela ndo atrav és de
recurs os religiosos e mágicos. Viv e, finalmente, em sua velhice, Nanã Buruk u, a mãe de fil hos já maduros,
agora mulher sábia, muitas v ezes misteriosa. E em todas ess as etapas v iv e Iya-mi, compartilha o Poder
Ances tral Feminino, eternizando-se em funções procriadoras e nutridoras, guardando sementes e
fav orec endo o surgimento de belas flores e saborosos frutos.

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24
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LASCH,C. - A c ultura do narcisis mo: a vida americana numa era de esperanças em declíni o. Rio de J aneiro, Imago Eds., 1983.
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Babal awo F abunmi So wunmi
Balogun dos Babalaw o de Abeokuta. Ogun State, 1993
Prof. P. Ade Dop amu
Ilori n. Kwara State, 1992
Chi ef Wulemotu Alake Er inoso Salami
Ago-Ijes ha. Abeok uta. Ogun State, 1994

25
Fenomenologia do amor: mistura de psicologia, Adélia Prado
e religião

Marília Ancona-Lopez 1

Resumo

Em uma perspectiv a da psic ologia fenomenológic a, o capítulo apresenta a ex periência do amor


v alendo-se de uma linguagem poétic a e m etafórica. A apresentaç ão da ex periência do am or v ale-se de
conceitos da psicologia w innic ottiana, em uma visada fenomenológic a, e m os tra o seu transbordamento
atrav és das referências à obra de Adélia Prado e das metáforas de ordem religiosa. O objetiv o da
linguagem utilizada é o de atingir v iv ências similares nos leito res possibilitando rev isitar ex periências
amorosas e rev er seus significados a partir do encontro com a poesia e com o sagrado.

Palavras-chave: Psic ologia Fenomenológica; Experiências am oros as; Psicologia, poesia e religião.

Encontro amoroso, ex periência atemporal. Dia nte do am ado o tempo s e torna lento, ele se alonga.
Aquele sorris o que se forma em s eu rosto, eu o v ejo segundo a segundo, a dilataç ão de sua pupila, sinto
cada batida do coração. Seu toque em meu braço enc ontra nossas peles mais quentes. O tempo se dilata
na possibilidade dos infinitos graus de calor que ao se expandirem pelo corpo prov ocam reações que não
domino, às quais me entrego c om prazer. Mas foi só um ins tante, apenas um toque de seus dedos em
meu braço.

“O am or...” como s e me tocass e,


falava só para mim, ainda que outras pessoas estivess em à mesa.
“ O amor...” e arrastou sua cadeir a
pra mais perto
Não lev ant ava os olhos, temerosa
da explicitude do m eu coração.
A sala aquecia-se
do meu res pirar de crepit ação e luz es.
“O am or...”
Ficou só esta palavra do inconc luído discurso,
Alimento da fome que des ejo perpét ua.
Jonat han é minha comida. 2

A extensão do tempo v iv ida no forte balanço do av ião em z onas de turbulência. A instabili dade s e
instaura e a possibilidade de morte prolonga cada minuto. O passado e o futuro da história, todas as

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gerações que me precederam e possibilitaram o surgimento deste aparato tec nológico que me balanç a
acima dos rios e dos lagos, das montanhas e das cidades conc retizando a geografia e nossa pequenez.

Me aflige que escrevam:


‘Foi em mil oitocentos e tanto que apareceu a primeira bicicleta’.
Precis o que seja eterna.
Deus ent ende o que digo 3

Todos eles morreram, milhões de pessoas que v iv eram antes de nós. Eu me agarro ao cinto de
segurança, como me agarro à sua mão, e ac redito na presença de um Anjo tal c omo na eternidade de
nosso amor.

Quem me soc orre é Deus e toda corte c eleste


Com seus anjos e sant os.
Uma sens ação que tive esfumou-se, ia causar espanto,
Tão ins olitamente poética afigurava-se.
Tudo é por causa da m orte, a m ágic a,
A forma provençal de el corazón
a mão desobturando o peit o de seus ossos
e pinç ando o que em mim é pura dor,
coraç ão.
Ninguém entenderá bem o que digo e é bom que s eja assim
pra que os poem as não desapareçam )4

Milagres reais-ir reais acontecem em minha alma, permitem enfrentar a possibilidade da morte
com felic idade. Assim descanso, na segurança tão insegura da poltrona e dos seus braços:

...se resolvermos que o céu


É este lugar onde ninguém nos ouve,
quem poderá salv ar-nos ? 5

Ex periência interna que resulta de minha cultura, de minha his tória, de minha es trutura.
Parêntes es no qual o presente-futuro nos li ga ao que somos e ao que queremos ser, nos arrasta em
ondas de criatividade, nos afunda em abis mos de angús tia e nos apaga quando se perde na praia.
Nunca fui sozinha. Despontei no útero, possibili dade de ser mam ei em um seio, fui embalada.
Como sou, como viv o, esta é minha singularidade. Não pede ex plicações, v ivemos como v iv emos no
mundo em que v iv emos. O paradigma fenomenológic o dá suporte, explica a impossibilidade de
ex plicação. Teorias s ão produtos humanos, inv enções que nos ajudam a significar o mundo. São
provisórias, mutantes, sempre incompletas. Consciência e objeto da consciência, um a unicidade,
indivisível, es te é o prim eiro pressuposto, a intencionalidade. Não há pura objetividade, não há pura
subjetividade, assim v ivemos dentro e fora de nós, no mundo que criamos e no qual fomos criados.
Husserl é meu amigo:

Mesmo aquele que clarif icou para si o problem a só com dific uldade pode manter continuament e
eficient e esta claridade, e na reflexão superficial sucumbe novamente às tentações do modo

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natural de pens ar e julgar, bom como a todas as m aneiras falsas e sedutoras de pôr o problem a,
que crescem no seu solo. 6

Precis o de compreensões, das palav ras que dão sentido à v ida, às ex periênc ias. Formei-m e
psicóloga, e, em meu modo de ser pergunto sobre nós, sobre o amor, busc o significados.
Quas e acredito quando sábios colegas ex plicam o que somos e porque somos. Conv erso com
psicanalis tas kleinianos: introjetamos um seio bom, um seio mau, viv emos fases orais, anais, genitais,
projetamos, introjetamos. Em que fase nos fix amos, quais as defesas, as patologias, as esquis ofrenias, as
psicopatias ? Nos amamos, em nossa neurótica norm alidade. Os humanis tas são c onv idativos. Olham a
saúde, os recursos, o auto conhecimento, as possibilidades. O ser hum ano em boas condições tende ao
crescimento, ao desenv olv imento, à integração, à atualizaç ão.
O amor es tá sempre presente no atendimento psicote rápico. N a abstinênc ia do analista que abre
espaç o para que o outro se faça presente. Na em patia humanista, quando o terapeuta deixa de lado os
próprios sentim entos e se c oloc a disponív el ao outro, deix a-se afetar por ele na compreensão e aceitaç ão,
condições primordiais do diálogo terapêutico, na tolerância à liberdade de ex pressão do outro, no respeito
pela pess oa. 7 Na crença fenomenológica em uma estrutura com um que garante a intersubjetiv idade,
possibilita a compreensão mútu a. Permite que v ocê me compreenda, que eu o compreenda. Am or
presente na ac eitação incondicional, inclusive das suas escolhas, muitas v ezes diferentes da minha. Na
propos ta da Gestalt, tão próxima do senso c omum, tão difíc il de atualiz ar:

Entrar na existênc ia do outro sem perder o próprio referencial. 8

Não sou a sua terapeuta. Não posso ac eitá-lo inc ondicionalmente e no env olvimento do amor
perco minhas referências. Os sentimentos de inv eja, ciúme, poss e, surgem simultâneos e te quero à
imagem do meu desejo.

Jonat ham chegou.


E o meu amor por ele é tão dem ente
Que me es queci de Deus
Eu que diuturnamente rez o.
Mas não quero que Jonathan se demore.
Há o perigo de eu falar
Na presenç a de todos
Uma cois a alucinada9

Rogers 10 priv ilegiou a crença positiv a no ser humano, contra a v isão psicopatológic a, a saúde mais
do que a doença. Assim quero o teu amor, para ser melhor, para me tornar melhor.
Recebo Winnicott 11 , ele apresenta o espaço potencial, aquele da transicionalidade e diz que foi lá
que nos formamos. Rec ém nascidos, nem mes mo éram os saídos de nossas m ães, elas também s e
encontraram na fusão, fora dela ainda éramos ela, ela e nós éram os nós e ela. Nesse es paç o mãe-filho
nossas necessidades foram recebidas, fom os cuidados, alimentados, acalentados, protegidos. E, sem que
soubéssem os, o acolhimento possibilitou em nós a c onfiança. Confiança que viv o quando te encontro,
mesmo s abendo que nem mesmo v ocê é plenamente confiável. A mãe que estava lá, que se fez presente
quando necessitei dela, ofereceu-se para ser criada por m im. Voc ê que es tá aqui e que posso criar com o

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ser am oros o ao qual me entrego, tal como ao meu anjo da guarda, que não v ejo e que m e protege. Às
v ezes confundo os dois, logo v ejo que é difícil para você suportar tanta idealização.
Porque nos criaram podem os nos criar e criar o mundo na ilusão. Ilusão que se dá em um es paç o
transicional v iv ido nos primeiros tempos. Nessa z ona, nem interna nem ex terna, que não precis a de
comprovação, concretizamos noss a possibilidade de crescimento, amadurecimento, integração, dom
sagrado com o qual nascemos. Es paço que se mantém em nós c omo espaço potencial de criação. Real,
irreal s e fundem, não há paradox o, não há contraponto, não há diferença. Vida anterior à lógic a. Na v ida
adulta ocidental desenvolv i a racionalidade. N a v ida acadêmica c olo quei-me nos limites da c oerênc ia.
Lógica, silogis mos. Reviv er no amor, na arte, na c ultura, na religião. Abrir o tempo e o espaço.
Ex periências de transcendência. Boa a vida nascida do orgasm o, da fus ão, da entr ega, do amor.
Amor, poes ia e religiã o se aprox imam, neles a v ida emerge:

Não uma vida de rac io nali dade apenas, m as, uma vida na qual a m ágic a
primordial do pens amento, do gesto, da palavra, da imagem, em oção, fantasia está unida às
experiências cotidianas. 12

O amor depende do encontro do outro de mim. O outr o. Você não é um estranho, não está fora de
mim. Você, o outro, uma exterioridade que ressoa possibilidades já v iv idas, inscritas no corpo e na alma.
Cada amor concentra os primeiros amores, cada amor é o últim o, é todos os am ores.
Os amores não se repetem. São fluídos, pass ageiros, cambiantes. Não se am a igual outra ou a
mesma pessoa, ou a si m esmo. Amor em que cognitiv o e afetiv o, consciente e inconsciente se aglutinam.
Amor de cons eqüências s empre v iole ntas, porque modific am, trans formam e não c onhec emos a ex tensão
de seus efeitos. Perc o energia na fusão, saio dela com mais energia. Sei que v ocê não é v ocê. Eu li ess a
frase, não importa aonde: é impossív el am ar o outro tal como ele é. Não quero admitir. Para conhecê-lo
precis o destruí-lo em mim. Os adolescentes atac am o pai, a mãe e a fam ília, se contrapõem, se opõem
para cons eguir s e lib erta r dos moldes e dos m odelos, procurando ser quem são. Porém, não quero m e
liberar de v ocê, quero v iv er na fus ão, me desmanchar em seu amor.

Um corpo quer outro corpo.


Uma ama quer outra alma e seu corpo.
Este excesso de realidade me conf unde.
Jonat han fala ndo:
Parece que estou num film e.
Se eu lhe dissess e você é estúpido
Ele diria sou m esmo.
Se ele diss esse vamos comigo ao inferno pass ear
Eu iria. 13

Corto pedaços meus. Este é o paradoxo, tolerar suas diferenças e dis farçar as minhas. Não
mostro meu s er. Diferenç as não v enham à tona, não destruam, não derrubem. O tempo aponta o ex cesso
de es perança, confiança, expec ta tiv as. Obriga a enfrentar realidades.
Amar não é olho no olho. O olhar contí nuo sufoca. C ontava uma paciente que ele a olhava o
tempo todo e ela não podia nem m esmo ler o jornal, não s uportou sua pres enç a. Para Merleau-Ponty 14 o
olhar do outr o lev anta em mim possibilidades que nem eu mesma sabia ex istirem. O mesm o olhar não v ê
o que sou, vê o que eu poderia ser, ou a pess oa que quer que eu s eja. Para Sartre 15 o olhar do outro m e

29
mata, não vê quem s ou. As diferenças podem se tornar intoleráv eis, ou ex igir mais am or, um amor que
nem m esmo sabem os existir em nós.

... e tendo amado os seus que estavam no mundo amou-os até o fim. 16
A mãe, ao chamado do pai, muda o seu olhar, e assim permite que a criança seja. Abandono e
luto fazem parte do amor.
Deixo de lado ilusões. Você é apenas um homem. Sofro com suas fragilidades, suas doenç as.
Sofremos com o desamor. Continuamos na mesma direç ão. Amar não é mais olhar um para o outro, é
olhar na mes ma direção. Já não sabemos do que se trata, de amor, de patrim ônio, de submissão social,
de comodismo. C antou Erasm o Carlos: voc ê precis a de um homem pr’á chamar de seu, mesmo que ess e
homem seja eu. Volto a Adélia Prado:

vem Jonathan,
qualquer hora é hora,
o que vale é ser feliz,
mais vale um pássaro na m ão,
vem, ó galant e, do que dois av oando,
imploro-te,
mas vem logo, desgraçado,
senão eu te furo
e não tou nem aí. 17

A v ida se enc arrega de quebrar mitos de amor e outros mitos. O tem po que passa, as doenç as, as
parti das, os erros.

De vez em quando Deus m e tira a poes ia.


Olho pedra, vejo pedra mesmo.
O mundo, cheio de departament os,
Não é a bola bonita caminhando solta no es paço. 18

O tempo afetiv o parou. Tudo se torna nov amente lento. Vejo o seu sorriso se formar segundo a
segundo, sorriso que de tão c onhecido já não me sorri, carrega um a ironia, sinto c ada batida do coraç ão.
Seu braç o não me toca, sinto a pele mais fria um grau, pressinto os infinitos graus de frieza no v azio de
v ocê. Rev ivemos paradox os, amor-desam or, alegria-tris tez a, esperança-des esperança. Estamos no outro
pólo.

Amor e morte são cas ados


E moram no abismo trevoso.
Seus filhos,
O que se chama Felicitas
Tem o apelido de Fel 19 .

Não há surpresa, não há apelo, não há futuro. Em um filme, o personagem pergunta


deses perado: o que v ocê quer, Maria ? que eu env elheç a a seu lado ?

30
Não quero mais amar Jonathan.
Estou cansada deste amor sem mimos,
Destinado a tornar-se um amor de velhos.
Ó! – nunca falei assim – um am or de velhos. 20

Dar liberdade ao outro, deixá-lo ser na sua diferença é o preço da min ha liberdade.

Ainda bem que é m entira.


Mesmo que J onat han me olvide
E esta canção desafine
Como um bolero ruim,
Permaneço querendo a bicicleta holandesa
E mais tarde a cripta gótica
Pra nossos oss os dormirem.
Ó, Jonathan,
Não depende de você
Que a cornuc ópia invisível jorre ouro.
Nem de m im.
Quero enfear o poema
Pra te lanç ar meu des prez o,
Em vão.
Escrev e-o quem me dit a as palavras,
Escrev e-o por minha mão. 21

Escolhas resolv em contradições, mas não os paradoxos:

Pode-se definir uma contradição como uma proposiç ão com patível c om um a escolha,
freqüentemente dolorosa, mas possível, como : “Eu queria, ao mesmo t empo, comer esse doc e e
guardá-lo”. Em bora de forma doloros a, essa contradição é ultrapass ada com endo o doc e, ou
guardando-o. O paradoxo, ao contrário, torna impossível a própria noção de escolha, pois os dois
termos antinômic os que o compõem incluem e excluem um ao outro. Assim “t oda proibição est á
proibida” ou “se você me ama, você não me ama”(...) tem uma essência paradoxal e sair dess e
dilema ex ige mais do que uma escolha dolorosa. Quando esse tipo de c omunicação paradoxal faz
parte de uma “experiência vivida repetida” da qual o indiví duo não consegue fugir, ela traz um a
situação de duplo vínculo que pode dar margem ao surgimento da patologia. 22

Amor paradox o. Se você v ai, continua pres ente, se fica, continua ausente. T empo de morte. Morte
lenta, na qual nos acabam os paulatinamente, na dor sem fim, na decomposição ainda v iva do nosso am or
que c hega ao fim. Tempo de luto. A ambiv alência dissolve o paradoxo, re-apresenta a escolha. Na
ambiv alê ncia, não som os perfeitos, nem anjos nem m ons tros. Reconhecidos na alteridade o amor se faz
companhia, o melhor v inho Mas, a ressurreição é um milagre.
Procuro o melhor vinho, aquele que v eio da trans formação da água, serv ido no fi nal dos
esponsais. O amor do início, distribuído com largueza, alardeado, inebriado, tal como a paix ão, termina no
meio da festa, põe em ris co a própria festa. Você não me é mais alegria. R esta a água, bebida com um do
dia a dia, já não sinto o s eu gos to. Não é a água viv a. Cristo salv a a fes ta de cas amento, transforma a

31
água em vinho. Não é ação dos noivos, nem dos que es tão a seu lado. Atuam os conv idados, a
interc essora e seu filho, a palavra div ina, serv os obedientes, encher de água os anti gos odres. Faç am o
que ele disser. 23
Encher os recipientes de água. A água sem graça do dia a dia, que aplaca a sede, evita a seca. O
cuidado do dia a dia, a concretiz ação da mens agem, amar ao outro como a si m esmo, na alegria e na
tris tez a, na saúde e na doenç a. Promessa feita na ilusão do amor eterno faz sua cobrança:

Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,


Ela falou comigo:
“Coit ado, até essa hora no serviço pesado”.
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo. 24

O milagre v em de um outro, da observ ação, da escuta, da obediência a uma fala que ultrapassa a
lógica da racionalidade. Para Grum, s inais do inc onsciente. Intuiç ões. Aprender a ouv ir o seu interior. Os
conv idados, aqueles que o entorno ofereceu à sua fes ta, a s ua cultura, o seu m eio, o s eu ambiente, a sua
história. Aquele am álgama cultural que nos form a e nos sustenta. Ali es tá a resposta, a saída milagrosa.

Se eu descer aos domínios de minha alma que tiver enc oberto e ocultado, ali descobrir ei a
Deus, que se esconde nas profundez as do meu coração. Então minha oração será
recom pensada. Pelo fato de eu entrar em contato c om o que é oculto em mim, D eus também não
se esconderá de mim. 25
Para Wulf 26, entre a leitu ra literal dos livros sagrados, ou a leitura redutora dos liv ros a partir de
outros contex tos, impõe-se um a interpretação restauradora, o reconhecimento do poder de restauração e
de il umin ação dos mitos e dos s ímbolos.
São possív eis milagres de am or ? O proc esso criativo renov a-se continuamente em nós. 27 Talv ez
em cada época, em c ada sociedade e cultura, em c ada v ida singular, possamos refl etir,
deses peradam ente, refletir no que se apresenta para nós como impens ável. Mesmo se, prov av elmente, no
final desse es forço, não se consig a pensar o impens áv el, mas apenas reconhecê-lo com o mistério.
Pensar com a cabeça e o coraç ão usando imagens e palav ras que anunciam o o que nos esc apa.

Escolhe um m ês,
Falei à santa.
Ela esc olheu outubro.
E também à menina a quem pedi,
Falou, sem saber, out ubro.
Não pergunto a mais ninguém
Pois será neste mês
Que vou lavrar o ouro bruto
Encast elado em seu nome.
Pensava em Jonathan quando arm ei
o brinquedo,
Penso nele agora
Fazendo o que sei de melhor,

32
Mandar m ens agens de am or
Com a forç a do pensamento:
Jonat han, esc uta,
Sou eu a m osca adejante:
Junto às ruínas, em outubro.28

1
Mar ilia Ancona Lop ez. Doutora em Psicol ogia Clínic a. Docente do Programa de Pós -G raduação em Psic ologia Clínica da
Pontifíci a Universidade Católic a de São Paulo, onde orienta teses de doutorado e diss ertações de mestrado na i nterfac e
Psicologia e Religião. Membro do Grupo de Trabalho Psicologia e Religi ão da Associ ação Nacional de Pes quisa e Pós-
graduação em Psicol ogia. Vice-reitora de Pesquisa e Pós-G raduaç ão da Universi dade Paulista. Membro do Consel ho Naci onal
de Educ ação, Mi nistéri o da Educação.
1
Prado, Ad élia. Poesi as Reunidas, São Paulo: Siciliano, 1991. Santa Ceia, pg 403
1 Pr ado, Ad élia. i d. História, pg 378
1 Pr ado, Ad élia. i d. O Corpo Humano, pg 286
1 Pr ado, Ad élia. i d. O Enc ontro, pg. 397
1 Husserl, Ed mund. A Idéi a da Fenomenologia. Lis boa: Ediç ões 70, 1986, pg. 66.
1 Rog er s, Carl R. & King et, G. Mar ian. Psicoterapia & Relaç ões Humanas. Bel o Horiz onte: Interlivros. 1977.
1 Cior nai, Selma (org.) Ges tal -Terapi a, Psicodrama e Terapias Neo-Reic hianas no Brasi: 25 anos depois. São Paulo: Agora.
1995, pg.20.
1 Pr ado, Ad élia. i d. Matéri a, pg. 389
1 Rog er s, Carl R. Client-centered therapy. Boston: Houghton Mifflin, 1951.
1 Winn icott, Don ald W. O brinc ar e a realidade. Ri o de Janei ro: Imago, 1975.
1 Jones, Jam es W. Terror and T ransformation.New York: Tayl or & Francis. 2002, pg. 90.
1 Pr ado, Ad élia. i d. Poema começado do fim, pg. 391
1 Mer leau-Ponty, Maur ice. Fenomenologia da Perc epç ão. São Paulo: Martins F ontes, 1994.
1 Sartr e, Jean-Paul. Os Pensadores -Sartre. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
1 Bíblia. São Paulo: Edições Loy ola, s/d.
1 Pr ado, Ad élia, i d. Raiva de J onathan, pg. 354
1 Pr ado, Ad élia, i d. Paixão, pg. 199
1 Pr ado, Ad élia, i d. A Seduzida, pg. 396
1 Pr ado, Ad élia, i d. Mais uma Vez, pg. 400
1 Pr ado, Ad élia, i d. Mais uma Vez, pg. 400
1 Alam eda, Antoine. Les 7 péchés familiaux. Paris: Editi ons O dile J ac ob, 1998, pg. 105.
1 Bíblia. São Paulo: Edições Loy ola, s/d.
1 Pr ado, Ad élia, i d. O ensinamento, pg. 116
1 Grün, An selm. Se quiser experimentar Deus. São Paulo: Editora Voz es, 2001, pg 57.
1 Wulff, David M. i n Mar ina Massimi e Miguel Mah foud (orgs ) Diante do Mistério: psic ologia e Senso Religi oso. São Paulo:

Edições Loyola, 1999.


1 Ar cur i, Ir ene e Ancona-Lopez, Mar ilia. Temas em Psicol ogi a da Religião São Paulo: Vetor Editora, 2007.
1 Pr ado, Ad élia, i d. Adivi nha, pg. 398

33
Amor no processo de Envelhecimento
Irene Gaeta Arcuri 1

Resumo:

Jung aponta o caminho da individuação como possibilidade de c rescimento e des env olv imento durante
toda a nossa existência. Principalm ente na segunda m etade da vida, ou seja, depois de term os construído
uma base sólida, uma família, uma profissão, temos a jo rnada interior. A integraç ão dos aspectos
femininos (anima) e masculinos (animus) da nossa personalidade para que possamos enfim descobrir e
v iv er o amor v erdadeiro

Palavas chaves: anim a, anim us, indiv iduação, metanoia, Self

1
Psicóloga clínica de orientação junguiana (atende adolesc entes , adultos e idos os ), arteterapeuta, doutoranda em Psicol ogi a
Clínica pela PUC/SP. Mestre em G erontologi a. Es peci alista pel a USP – práx is artístic as interfaces c om a saúde. Docente,
coordenadora, do curs o de Gerontologia da UNIP – SP - Brasil

34
1. Am or no processo de Envelhecim ento

Como podemos amar? Esta indagação profunda remete à jornada da criativ idade interior. N ão é priv ilégio
da juv entude ou da v elhic e a dific uldade no campo do relacionamento am oros o, mas em qualquer idade
trata-se de uma escolha pessoal o desenv olvimento do amor. Na prim eira metade da v ida, somos
condicionados ao des env olvimento do ego, mas na v elhic e na segunda metade, da vida na metanoia
temos a possibilidade de integrar e desenv olver nossa c apacidade amorosa. Mas s empre será um a
cons trução. O relac ionamento amoroso é uma c ons truç ão tijolo sobre tijolo. .

Quando s omos c entr ados no Ego, viv emos acreditando que somente nossa própria consciência é real; os
outros apenas ex istem em relação a nós. Nessa medida, só podemos amar do andar superior, ou seja,
atrav és de uma relação hierárquic a. O que, no entanto, não pode s er identificado como amor e conduz ao
isolam ento. Assim, começamos a nos perguntar: por que nos sentimos sós? Por que não nos sentim os
amados? Por que, de fato, não nos sentimos aptos a nutrir amor inc ondicional por outra pessoa? De
acordo com Krishnamurti: “A verdade é uma terra sem c aminhos.”

2. Amor, encontro entre o fe minino e o masculino

“É no coração que as coisas psíquicas começam, onde se te m o pri meiro con tato com a
existência real . No reconhe cimen to dos sen timen tos e idéias é qu e podemo s ver o
Purusha. É o primeiro vislu mbre de um ser den tro da sua e xistência psicológi ca ou
psíqui ca que não é você mesmo – um ser dentro do qual você está contido , que é maior e
mais i mpor tante do que vo cê, mas que tem uma existên cia inteiramente psíquica .”
Carl Gu sta v Jung

35
Para Jung, a conscienti zarção da so mbra pode ser um meio de mini mizar o confli to causador de so fri mento . E, já
que nosso tema é o Amor, discorrere mos sobre Sizigia, isto é, o encontro de opo stos. O arquétipo da sombra
representa o ma terial mental e e mocional, pre sente no incon scien te individual e coleti vo, mas repri mido nesta s duas
esfera s.

Jung re feria-se à integr ação da sombra como u m desafio central para a espiri tualidade do Ociden te, devido à
tendência cultural de repri mir as e mo ções da infân cia.

Nosso tema , co m ba se na perspe cti va junguiana, é o encontro en tre o fe minino e o ma sculino, de modo a favore cer
a compreensão do desenvol vi men to do chakra card íaco .

Masculino e fe minino significa m, aqui , grandezas si mbóli cas. Não devem ser identi ficadas co m o ho mem e a mulher
concre tos, já que a psique masculina conté m os ele mentos contr a-sexuais fe mininos - que Jung denomina ani ma -
e a psique feminina, os ele mento s contr a-sexuais masculino s - ani mu s.

Neumann a tribui o nome de uróboro materno ao estágio original, tanto do desenvol vimento feminino quan to do
masculino. Ne sta fa se, o fe minino encontra- se no estágio de autoconser vação: o ego permanece unido ao
inconsciente ma terno e ao si mesmo . A dominância do ma terno equivale a uma separa ção e estranha men to e m
relação ao ma sculino , i mpossibilitando um encontro individual e total entre ma sculino e feminino.

Para o masculino, o auto-encontro atrela- se, essencial mente , ao desenvol vimento da consciência e à separação dos
sistema s consciente-inconsciente . Em dire ção oposta, portan to, à iden tifi cação pri mári a co m a mãe.

Já para o fe minino , o auto-encon tro é pri mário. Pode per manecer na relação primordial de identifi cação com a mãe ,
desenvol ver-se e chegar a si mesmo, se m ter de deixar o círculo da Grande- Mãe . Quando isto ocorre , o fe minino
continuará infantil e i maturo , no sentido do de senvol vi mento da con sciên cia, e mbora não alienado de si me smo Na
mitologia, reconhece mos o fenô meno na relação si mbólica de Deméter e Coré. O mesmo quadro, no ma sculino,
causaria u ma possível castração . Esta si tuação é simboli zada mitologi ca mente, pela s deu sas- mães e seus filho s-
a mante s que são ca strados, morre m e rena sce m. Por exemplo: Afrodite e Adônis, Cibel e e Átis.

No ho mem, a iden tidade de si, enquan to masculino, de senvolve-se por meio do di stinguir- se da rela ção pri mordial,
na medida em que a iden tificação com o ou tro, a mãe, evidencia-se de sde cedo co mo falsa . A experiência
per manece ati va na tendência de estabelecer relações por separação e confronto, objeti vas, relaçõe s à distância no
mundo consciente do logos e , ta mbé m, na de não querer iden tifi car-se , in consciente men te, com o outro.

Da mesma for ma, para que a mulher po ssa atingir a consciên cia, é importante a dissolução da totalidade inicial .
Assim, o fe minino prep ara-se para ‘ser diferen te’ , cen trando-se ‘ fora de si’, por meio de u m outro , masculino, que
te m o papel de consciência libertadora , vi venciado como transpe ssoal ou pessoal , como externo ou in terno.

Neumann descreve , co mo uróboro patriarcal , a aparição do arquétipo do pai, e m que o feminino experimenta- se
co mo mulher. Viven cia o esp írito co mo u m nú men ma sculino transpessoal desconhecido que penetra e se apossa
do fe minino, possibili tanto o sair de si. Esse estágio surge na mitologia co mo o deus que se apossa da virge m co mo
chuva , vento, raio, lua, ou penetra na mulher como falo nu minoso e m forma ani mal , como cobra , pássaro, touro.
Ta mbé m e stá presen te nos Deu ses da fe cundidade, co mo Dionísio ( Shiva) . Ao acei tar a situação de ser possu ído, o
fe minino ul trapassa a autoconser vação d a relação pri mordial co m a mãe e é conduzido, atravé s da renúncia , à
resolução do medo e sua transfor mação e m êxta se e orgasmo. A como ção orgásti ca, ainda que se manife ste no

36
corpo, assume u m caráter e spiritual, espe cifi ca men te feminino, co mo experiência do esp írito. Fenô meno
relacionado ao símbolo da lua na mitologi a, diferen te da lógica abstrata do espírito ma sculino-pa triarcal.

A fase de auto-renún cia i mpli ca o perigo de o feminino tornar- se víti ma do ma scu lino, ou de não poder diferenciar-
se. Pelo contrário, identi fica- se co m ele, a carretando a inimizade da Grande Mãe, e m seu aspecto negati vo. Quando
o feminino é do minado pelo uróboro patriarcal , per mane ce e m servidão ao e spíri to e tão alienado de si mesmo que
perde a rela ção co m a sua fe minilidade , in clusive co m seu corpo.

A a tuação do uróboro nega tivo co mo e spíri to fa scinan te, configur a a filha do “ pai eterno”. O espiritual transpe ssoal,
ao qual o feminino vincula-se , ta mbé m pode surgir personalizad o e m u m grande ho mem, conduzindo a mulher a
viver sua vida como ani ma de u m ho mem, co mo inspiradora , o que signifi ca a perda de sua individualidade. Pode,
inclusi ve, tornar- se e stéril , porque se descone cta de seu lado so mbrio e fér til da terra.

A possessão pelo animu s ta mbé m explica o não poder diferen ciar-se do masculino: o fe minino torna- se víti ma da
tendência à relação de iden tifi cação , e se aliena da própria natureza , à medida que sobrede senvolve o lado
masculino. A fixação no uróboro patriarcal pode signi ficar u m en trave à relação mulher-ho me m, no sentido de que
basta o ho mem pessoal.

En fim, a sociedade patriarcal caracteri za-se pela do minâ ncia dos valores masculinos e m oposi ção aos do fe minino,
alé mda máxi ma repressão po ssível do in conscien te.

Por outro lado, para a possibilidade de um encontro cara cterizado por u ma relação individual , de amor , entre
masculino e fe minino, é necessária a inte gração ani ma-ani mus.

A pré-formação arquetípi ca dessa situa ção amoro sa individual mani festa-se no mito de Amor e Psique. No encon tro
masculino e fe minino, a s estruturas con sciente e inconsciente rela ciona m- se co mo to talidade . Não ob stan te isto
acompanhe todo o desenvolvimento humano , é na me tanóia que adquire maior e mergência. Em outra s palavras,
surge intrap siquica mente , na con scien tiza ção , a relação do masculino co m seu próprio fe minino e do fe minino co m
seu próprio masculino. O que , muitas ve zes, pode provocar ruptura s em rea ções conjugai s, poi s requer tolerân cia
mútua .

A assi mila ção do lado feminino, pelo ho me m, integra seu pro cesso de individuação, que pode reve stir- se de
sofrimento , pela projeção do s tra ços fe mininos de sua personalid ade na mulher. E a cultura pa triarcal não e stimula
este proce sso , o que consti tui u ma diferença , se o co mpara mos à assi mila ção do lado ani mus/ma sculino pela
mulher. Nela, en tretanto, o processo não ocorre . Espera-se que cumpra os papéi s ma sculino e feminino ao mesmo
te mpo .

No decorrer do processo de indi viduação , principal mente na segunda metade da vida na me tanóia, masculino e
fe minino pode m superar a consciência patr iarcal e vivi fica-se a consciência matriar cal.

Segundo Neu mann , a consciência matriarcal domina onde a consciên cia ainda não está – ou não e stá mai s –
patriarcal mente liberada do inconsciente . Isso ocorre nos pri mórdios da história do homem, na infância e nos
processos cria tivos da individuação.

“Não se pode esquecer que o criativo , em sua essência , está relacionado com a consciência ma triarcal, pois não é a
consciência , mas o inconsciente que é criati vo, e porque toda realização criativa pressupõe todas as posturas de
gravidez e de relação que re conhece mos como con sciên cia matriarcal.” (p.96)

37
A reali zação cultural da pe ssoa criativa se mpre represen ta u ma sínte se da consciência recep tiva- continen te-
matriar cal e da consciência realizadora-pa triar cal.

O feminino , no transcorrer da individuação , retrai- se da rela ção com o par ceiro externo, a fi m de experi men tar, e m
u m nível superior, as in stân cias inter nas, às quais preci sou renunciar no início do seu desen volvi mento. As me sma s
constelaçõe s arquetípica s - símbolos e con teúdos - são reati vadas, agora em função da per sonalidade to tal, de u m
desenvol vi men to que te m seu centro não mai s no ego, mas no Self, co mo cen tro da psique unida .

Em síntese, a s instância s psíquicas, no in ício vivenciadas fora, no for mato de proje ções, tornam-se consciente s
interna men te, propi ciando integração ani mus-anima, seja no ho mem ou na mulher. O resul tado é u ma integra ção e
experiência do Sel f.

Refer ências

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Jung, C. Psicologia da Religião Oci dental e O riental. Petrópolis: Voz es, 1983.

Jung, C. Símbolos da Transformação. Petrópolis: Vozes, 1999.

Jung, C. The Psyc hol ogy of Kundalini Yoga. Princ eton: Princ eton University
NEUMANN, E. Históri a da Origem da Consci ênci a. São Paulo: Cultrix , 1995.

38
O Amor, Revelação do Divino no Humano

Ivo Storniolo 1

Resumo

O mis tério do amor revela o ser de Deus e o s er do Homem, pois o Homem é "imagem e
semelhança de Deus " (Gênesis 1,26-27). O amor a Deus, únic o Absoluto, liberta o homem da teomania e
o abre para relações nov as e justas, c onsigo mesm o, com o outro, com a Natureza e c om o Universo. N a
ex periência do amor es tá a maior experiência poss ível de Deus e também a maior experiência possív el do
humano. O am or é o mistério que suscita continuam ente liberdade e vida.

Palavras-chave: amor, Deus, Hom em, rev elaç ão, liberdade, v ida, proc esso, ética, m ístic a.

1
Ivo Storniolo, 63, é sac erdote católico da Dioc ese de São Carlos do Pi nhal, radic ado em São Paulo, capital . F ormado em
Filosofi a e Teologia, é Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Foi professor de ex eges e do Antigo
e do Novo T estamentos em São Paulo e Campi nas, bem como assistente de editor para a Bíbli a e a Psicologi a de Jung junto à
Paulus Editora, em São Paulo. Atual mente se dedica a escrever, à tradução e à hermenêutica produtiva de novas perspectiv as
na l eitura dos tex tos bíblicos . E-mail: ivos t@uol.com.br

39
AMOR, DEUS, HOMEM... três realidades que escapam a qualquer conceit o e, portanto, a qualq uer
forma de linguagem lógica. Com isso, querem os apontar para os limites de qualquer discurso,
princ ipalmente o t eológic o e o científico, que pretendesse, de um a vez por t odas, encerrar ou es got ar
essas três realidades. Elas existem, de fato, m as para além de qualquer disc urso racional. Por isso, talv ez
as pessoas mais indicadas para falar de tais realidades sejam os poetas e os místicos; melhor ainda, os
poet as-místicos, os únicos capazes da coragem de ultrapassar os li mites conhecidos e se aventurar na
escuridão luminos a do Mistério. C omo não sou poet a nem místico, tentarei apenas citar o que alguns
deles diz em. E, fixando limites, vou me ater à Bí blia, ou seja, as Escrituras do Judaísmo – a Bíblia
Hebraica – e as Escrituras do Cristianismo, o Novo Testam ento. O motivo da escolha é o fato de a Bí blia –
ou, digamos, o fermento israelita-judaico-crist ão, através da cultura grega e do direito romano – t er
formado a base da cultura ocidental, como sabemos. Procedo, porém, f azendo um caminho
cronologicamente inverso, do fim para o começo e do geral para o partic ular – esc avando, em busca da
heranç a que recebem os. Com preendamos nossa herança ocident al. Depois, talvez possam os imaginar o
que é possível faz er com ela.

Os últim os escritos da Bíblia cris tã formam a chamada “literatura de João” (que engloba o 4º
ev angelho, três cartas e o liv ro do Apocalips e). Interessa-nos aqui a prim eir a carta de João. Ela foi
escrita em tempo de turbulência e confusão religiosa. Diante do gnos ticismo asiático e de seu
propalado conhecimento do divino, os cristãos, confusos, se perguntavam por critérios: “O que significa
conhecer a Deus?”, “O que signific a ser cristão?”, “Estaríamos no caminho certo?” Respondendo a
essas perguntas, a certa altura de sua c arta, João diz: “Amados, am emo-nos uns aos outros, pois o
amor v em de D eus. E todo aquele que ama, nasceu de D eus e conhece a D eus. Quem não ama não
conhece a Deus, porque D eus é Amor” (1 João 4,7-8).1

Deus é am or... Essas palav ras surpreendentes são a última cois a que a Bíblia afirma diretamente
sobre Deus. Nunc a se dissera antes algo tão belo de Deus, nem algo tão importante do amor. Será que
também estaria certa a inv ersão, ou seja, dizer que “o amor é Deus”? João não diz isso, mas afirma que “o
amor v em de Deus”. Em outras palav ras, a fonte do amor não é o ego hum ano, mas é Deus, o próprio s er
de Deus; ou seja, no amor, sempre há um a revelação de Deus ou, melhor ainda, um des -velamento da
intimidade de Deus. No amor humano Deus s e revela, desvelando seu mais íntimo s er. E J oão afir ma:
“todo aquele que ama, nasceu de Deus e conhece a Deus”. Isso é muito radical: João não caracteriz a
esse “todo aquele que” – não diz se é um cris tão, ou judeu, ou muçulmano, ou qualquer outro adepto de
qualquer religião institucional, ou de nenhuma. Ele v ai além de todas as fronteiras: “todo aquele que”
signific a, de fato, todos e qualquer um. A cons eqüência, portanto, é inaudita: o critério supremo de s er filho
de Deus e de c onhecer a D eus é o amor expresso em prática, ou seja, em atos concretos, expressos pela
dinâmica do v erbo amar. Esta é a parte positiv a da exposiç ão de João.

Temos tam bém a parte negativ a: “Quem não ama, não c onhece a Deus”. E o critério, então, s e
torna completo. João também não especifica ess e “quem”; o quem, sem dúvida, é qualquer um que não
ame. Imaginemos as cons eqüências disso: até o m aior dos teólogos, se não am ar, não conhecerá a Deus,
e sua ciência sobre Deus nada significará; por outro lado, qualquer um que ama – ainda que sem teologia,
ainda que não seja adepto de qualquer ins tituição religiosa – esse, de fato, nasceu de Deus e conhece a

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Deus. João propõe esse critério radic al com o resposta às perguntas que as comunidades cristãs daquele
tempo lhe faziam.

De minha parte, eu diria que esse é o critério pelo qual devemos ler toda a Bíbli a, ta nto a cris tã
como a judaica. Esse critério fornece a óptica, não talv ez para entender ou com preender, mas para aceitar
e responder. Por exemplo, João diz: “Deus é amor”. Todav ia, de qual amor se trata? Ele diz muito, mas
não especifica nada. Poderíam os, então, entender: “toda e qualquer forma de amor”? Sim, sem dúvida:
toda e qualquer forma de am or v em de D eus, ou seja, tem s ua fonte última em Deus. João confia em
nossa sinc eridade e v erdade: nós sabem os muito bem dis tinguir o que é e o que não é am or. O
fundamental, porém, é que o amor é um mistério que nasce do mistério do próprio Deus. Por isso, o am or
sempre é sagrado, é div ino. E, caso duv idem os de nossos amores, temos a psic ologia para mos trar o
motivo de nossas angústias, desesperos, ciúm es, invejas, enfim, de to da a confusão que geralmente reina
em nossa vida. No fundo, nossos problemas todos se devem a uma aus ência de am or ou a uma dis função
do am or. Todo psic oterapeuta sabe disso.

Continuando sua carta, J oão especifica para os cristãos o que ele ac aba de dizer. Nós, porém,
v amos saltar daqui para o 4º ev angelho, tam bém do mesmo autor. Numa passagem programática, o
ev angelista afirma: “Deus amou de tal forma o mundo, que entregou s eu Filho único, para que t odo o que
nele acredita não morra, m as t enha a vida et erna. De fato, Deus enviou o s eu Filho ao mundo, não para
condenar o mundo, e sim para que o mundo seja s alvo por meio dele. Quem acredita nele, não está
condenado; quem não acredita, já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho únic o de Deus.
O julgamento é este: a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz, porque suas ações
eram más. Quem pratica o mal, tem ódio da luz, e não s e aproxima da luz, para que suas ações não sejam
desm ascaradas. Mas, quem age conforme a verdade, se aproxima da luz, para que s uas ações sejam
vistas, porque são feitas como Deus quer” (João 3,16-21).

Nesse tex to dens o, dirigid o aos cristãos, João salienta o dom total de Deus: ele entregou seu Filho
único para que a humanidade tenha a vida. J esus, portanto, é a ex pressão to tal da realidade do “Deus é
amor”. A pess oa de Jesus ex press a, histórica e conc retam ente, esse amor, e isso inaugura o critério do
julgamento da hum anidade. Entendam os bem. Quando se fala de julgamento na Bíblia, não se pensa no
tribunal que condena, conforme nosso imaginário comum. Pensa-se, de fato, naquilo que acontece no
tribunal, ou seja, a manif estação da verdade. Em outr as palav ras, a pessoa de Jes us, como ex pressão do
amor de Deus, é a manifes taç ão da v erdade, a verdade de que “Deus é amor”. Jesus, portanto, se torna o
espelho em que nos refleti mos e, diante desse espelho, v emos nossa própria imagem e temos de
reconhecer a noss a verdade. Ou seja: Amamos? Não amamos? Se amarmos, coincidiremos c om a
ex pressão de Jesus, ou s eja, terem os nascido de Deus e conheceremos a Deus. Se am arm os, teremos a
v ida autêntica, ou eterna, que é a vida “como Deus quer”. Se não amarmos, porém, teremos o contrário:
não teremos nascido de Deus nem conheceremos a Deus, nem teremos a vida autêntica. Esse é o
julgamento que m anifesta a v erdade de cada um.

Salte mos, porém, para outra passagem do 4º ev angelho. Pressentindo a prox imidade da morte,
Jesus deix a aos disc ípulos o que o evangelis ta cham a de “nov o mandamento”: “Eu dou a vocês um
mandamento nov o: amem -se uns aos outros. Assim como eu amei voc ês, voc ês devem se amar uns aos
outros. Se vocês tiverem am or uns para com os outros, todos reconhecerão que voc ês são meus
discípulos” (João 13, 34s). À luz do texto anterior, podemos c ompreender essa espécie de imperativ o

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categóric o para os cristãos: Am e como Jes us amou! Jesus é a expressão do amor de Deus pelo mundo, e
ele ex pressa esse am or concretam ente, até a morte, entregando sua v ida para que a humanidade tenha
v ida. Os cris tãos, para serem reconhecidos como discípulos de J esus, deverão obedec er a ess e
imperativ o categórico: am ar uns aos outros sem qualquer limite; o lim ite é a morte, ou seja, dar a v ida
como supremo tes tem unho do amor.

Estamos em terreno cris tão. Todavia, nem o Ev angelho dev e ser entendido como um “escrito
secreto”, nem os cris tãos com o uma espécie de “tribo secreta”. Ser cris tão não signific a pertencer a
alguma seita, mas ser aberto para todos, independente de qualquer raç a, cor, língua, classe social ou
religião. Para com preendermos iss o melhor, precisamos dar outro s alto. Agora para os três prim eiros
ev angelhos (Mateus, Marc os e Lucas ), nos quais enc ontramos uma passagem chamada de “o duplo
mandamento”. Tomemos o ev angelho de Lucas, que corresponde a uma forma já av ançada da tradição
cristã.

Nesse ev angelho, enc ontramos o duplo m andamento em um encontro entre um legis ta e Jes us.
Não c onfundam c om “médico legista”. Trata-se de um juris ta, especialista em leis, ta nto civis com o
religios as. O legis ta queria tentar a Jesus, ou seja, flagrar Jesus em um desliz e religios o-ético. Então
perguntou: “‘Mestre, o que devo fazer para receber em herança a vida eterna?’ Jesus lhe disse: ‘O que
está escrito na Lei? C omo você lê?’ Então ele res pondeu: “Ame o Senhor, seu D eus, com todo o seu
coraç ão, com toda a sua alma, com toda a sua força e com toda a sua ment e; e ao seu próximo como a si
mesmo’. Jesus lhe disse: ‘Você respondeu certo. Faça isso, e viverá!” (Lucas 10,25-27).

A passagem é importante. O legis ta já sabia a resposta para s ua própria pergunta. Ele quer saber
se Jesus sabe. Mas Jesus é irônic o, fazendo o próprio legis ta responder, e depois acresc enta a
importância da prátic a sobre a teoria: “Faça isso, e viverá!” Notemos o imperativo categórico. O mais
importante não é saber, mas fazer. Isso mos tr a que Jes us não veio trazer um a novidade teórica. A
novidade está na prática, e consiste em obedecer conc retam ente àquilo que se sabe. Conhecimento
religios o-ético sem prática concreta é inútil.

Ex aminem os, agora, o assim chamado duplo mandamento: a primeira parte é uma citação do
tex to c entral do liv ro do Deuteronômio 6,5. É o início da Shemá, a grande oração diária de todo judeu, até
hoje. De passagem, digam os que esse liv ro é o projeto de um a sociedade em aliança com Deus. Nessa
aliança, o mais im portante é “Amar a Deus acim a de t udo”, ou s eja, “com todo o coração, com toda a alm a
e com toda a força”. Lucas ainda ac rescenta “com toda a m ente”, porque deseja salientar a importânc ia de
compreender bem isso. A insis tência na totalidade e na ex clusividade implica o rec onhecim ento profundo
de Deus c omo único abs oluto acima da hum anidade. Uma nova sociedade só é possível quando há o
reconhecimento de que o único absoluto é Deus. Tudo o mais é relativo, ou seja, depende de relações
eqüitativas, relações entre iguais. Podemos dizer, então, que não ex iste um corte m ais radic al de qualquer
“teom ania”, ou melhor, de qualquer “inflaç ão humana egóica”, que é a raiz de qualquer poder absoluto ou
totalitário. Esse é o primeir o mandamento. Ele é o passo imprescindív el para a formação de um a
sociedade igualit ária e fraterna.

Mas o ev angelista salienta logo um segundo m andamento, sem chamá-lo de segundo. Ao “amarás
a Deus” ele acresc enta: “e ao s eu próx imo como a si mesm o”. Isso tam bém não é nov idade, mas s imples
citação do liv ro do Levític o 19,18. Junta ndo ess a parte à anterior, por m eio da c onjunç ão “e” e sob a

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regência do mesm o v erbo, o ev angelis ta mostra que ela é tão importante quanto a primeira parte, ou seja,
“amar ao próximo com o a si mesmo” é tão im portante quanto “amar o Senhor, seu Deus, com todo o
coraç ão, alma, força e mente...” E por que? Sem dúvida, para eliminar qualquer escapatória, ou seja, am ar
a Deus sem amar ao próx imo, ou amar ao próximo sem amar a Deus. Na prim eira forma, teríamos um a
incoerência; na segunda, teríamos a impossibilidade, porque, conforme diz João, todo amor vem de Deus.
Esses dois m andamentos, am arrados tão fortemente que se tornam um só, formam, na v erdade, a fo nte
da místic a e a fonte da étic a. Amar a Deus é a mística que se traduz concreta e v isiv elmente na ética de
amar o próximo. Em outr as palavras, não existe mística sem étic a, nem é possív el ética sem místic a. Mais
um critério para o discernim ento religioso e, ao mesmo tempo, econômic o, político e social do amor.

Ainda um a observ ação: olhando com atenção, descobrim os que “am ar o próximo c omo a si
mesmo” não é propriamente um mandamento, m as um axioma, is to é, uma v erdade evidente e aceita,
sem necessidade de demons tração. Ela consiste no fato de que o tipo de relaç ões que mante mos c om o
que é exterio r a nós é reflexo das relações que tem os com o nosso int erior: a relaç ão com o outro espelha
a relação que tenho em relação a mim mesmo. A forma ax iomática desse mandamento é, portanto,
rev eladora: s e não amo a mim mesmo, também não amarei o m eu próx imo, e daí por diante: também não
conseguirei compreender ou perdoar ou ac eitar o outro, pois não faç o isso comigo mesmo etc. O que é
muito interessante: podemos avaliar o mundo interior de uma pessoa pela observ ação de como ela s e
relac iona com o m undo ex terior.

Todav ia, o im portante em Luc as v em agora: “Mas, o espec ialista em leis , querendo se justificar,
disse a Jesus: ‘E quem é o meu próximo?’” (Lucas 10,29). Eis a célebre “racionalização”, v elha conhecida
dos psicoterapeutas. Jes us entrara com o imperativ o categórico e prático: “Faça isso!” Mas o legista
escamoteia, pois deseja delimitar o alc anc e desse imperativ o; isto é, ele quer dar um a identidade precis a a
esse próx imo que, digamos, “seria digno de que eu o amasse com o a mim mesmo”. Notem: o legis ta está
preocupado com a periferia ou fronteira do amor. Não é o que sempre somos tentados a faz er?

Jesus responde indiretam ente, contando uma his tória, e o importante é percebermos que a
história envolv e o interlocutor e muda a pergunta dele. Conta Jesus: Certo homem desce de Jerusalém
para Jericó – sem dúv ida um judeu, que teria ido a Jerusalém para alg uma fes ta. Ele é assaltado por
ladrões, que o deixam semimorto. Passa por ali um sacerdote, que v ê o homem e passa adiante, pelo
outro lado. Passa, depois , um lev ita, que também v ê o hom em, e pass a adiante, pelo outro lado. E, agora,
tex tu almente: “Mas um samaritano, que estava viajando, c hegou perto dele, viu, e teve c ompaix ão.
Aproximou-se dele e fez curativos, derramando óleo e vinho nas feridas. Depois colocou o homem em seu
próprio animal, e o levou a uma pensão, onde c uidou dele. No dia s eguinte, pegou duas moedas de prata,
e as entregou ao dono da pens ão, recomendando: ‘Tome conta dele. Quando eu volt ar, vou pagar o que
ele tiver gasto a m ais ’.” [Agora, a s ubs tituição da pergunta.] “E Jesus perguntou: ‘Na sua opinião, qual dos
três foi o próx imo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?’ O espec ialist a em leis respondeu:
“Aquele que praticou misericórdia para com ele’. Então Jesus lhe disse: ‘Vá, e faç a a mesma cois a!’” Lucas
10,29-35).

O tex to é carregado de senti dos. Prim eiro, digamos que, curiosam ente, ele contém três filosofias
de vida. A do ladrão é: “o que é teu é meu”. A do sac erdote e do lev ita é: “o que é meu é meu”. A do
samaritano, porém, é: “o que é meu é teu”, ou seja, “eu te amo com o a mim mesmo”. Em segundo lugar, a
tensão do tex to es tá no fato de um samaritano soc orrer um judeu (Jes us us a a téc nic a da “pegadinha”: o

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legista é identif icado com a pessoa daquele homem assaltado e semimorto). Naquele tempo, era
tradicional e v iolenta a rix a entre judeus e samaritanos – os judeus chamav am os samaritanos de “porc os
sujos”, o anim al mais detestado entre eles. Im aginem só: ser soc orrido por alguém detes tado! Mas, no
fundo, é justamente esse alguém que ex pressa concretamente o amor que “vem de Deus”. Em terceiro
lugar, vejamos a assimetria dos comportamentos: ver, passar adia nte, pelo outro lado X chegar pert o, ver,
ter compaixão, aproxim ar-s e. Isso já desloca a pergunta “quem é o meu próx imo?” para a pergunta: “de
quem eu me aprox imo?” Em quarto lugar, temos a palavra compaixão, que desencadeia e explica tudo o
que o samaritano faz. Compaix ão v em do latim com-pati, e significa “sofrer junto”. Essa palavra é
fundamental para os psic oterapeutas: só é possív el compreender alguém quando sofremos com ele, ou
seja, quando o vínculo ultrapassa a te oria e ex ige a prática de uma tot al em patia. Por fim, tem os a série de
atos, tota lmente im prev istos, suscitados pela compaixão. É que o amor conc reto obedec e às necessidades
do outro, que podem empenhar outros e até o futuro (“Cuide dele. Quando eu volt ar, vou pagar o que ele
tiver gasto a mais”).

Fim da história. Jesus faz, então, a pergunta decisiv a: “Qual dos três foi o próx imo do homem que
caiu nas mãos dos assaltantes?” O legis ta não tem esc apatória, e tem de reconhecer: “Aquele que
pratic ou misericórdia para com ele”. A palav ra “misericórdia” retoma a “compaix ão”, e tem o mesm o
sentido; se entendermos essa palav ra como vindo da ex pressão latina mittere cor, ou seja, enviar o
coraç ão, mis ericórdia sig nific a env iar o c oraç ão até o outro para, de fato, com preender a situação dele.
Notemos, porém que, na antr opologia semita, o coração não é sede de sentimentos e afetos, e sim a sede
da consciência ativ a, das idéias e dos projetos – hoje a c ham aríamos de “parte c onsciente” da pess oa.
Agir c om mis ericórdia é colocar-se conscientemente na situação do outro.

Jesus, portanto, coloc a a v erdadeira questão, mos trando que o am or v erdadeiro jamais pergunta
“quem é o meu próximo?”, mas in terpela o próprio s ujeito: “Você ama, na prática?”, “Você se aprox ima, de
fato?” Em outras palav ras, o verdadeiro amor é c entro que se irradia, sem limites ou fronteiras, sem se
perguntar quem é ou não é digno de am or. O amor v em do centro de si mesm o, e não depende das
periferias ou das fronteiras do ego.

E, por falar de fronteiras, saltemos agora para o evangelho de Mateus, no antológico tex to do
Sermão da Montanha (Mateus 5,43-48). Na última das seis antíteses, J esus diz: “Vocês ouviram o que f oi
dito: ‘Ame o seu próx imo, e odeie o seu inimigo!’ Eu, porém, lhes digo: amem os seus inimigos, e rez em
por aqueles que perseguem vocês!” Notemos que a prim eira parte v em do Levític o 19,18; mas em nenhum
lugar da Bíblia se ordena odiar o inimigo. Isso é pura deduç ão de nossa lógic a egóica. O tex to mostra bem
o motiv o desse im perativo: Deus envia sol e c huv a a justos e injustos... Se v ocês amam somente aqueles
que os amam... e se c umprimentam s omente seus irm ãos... v ocês estão sim plesmente praticando
comércio, com o qualquer um que não conhece a Deus. E agora temos o mais radic al dos im perativos:
“Sejam í ntegros, como é íntegro o Pai de voc ês que está no c éu!”. Notem que troquei o termo m ais usual
“perfeito” por “íntegro”, porque o termo grego téleios [que corres ponde à raiz sem it a tam] não signific a
perfe ição, mas completude, inteireza, integridade. O ev angelho não pede a ninguém uma perfeição
imposs ív el ou unilateral, mas a busc a da inteirez a, da integridade. Para o amor de Deus não ex istem
fronteiras ou div isões. Isso, portanto, ques tiona todos os tip os de fronteiras e de divisórias que
cons truím os, princ ipalmente as inv isív eis mas resistentes muralhas de nossos prec onceitos.

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Falam os até agora de critérios que lev am ao discernimento do amor e do imperativ o do amor.
Isso, porém, levanta uma questão, que já dev e estar rondando em nossas mentes. Em nome de qual
princ ípio fundamental teríamos a injunção: “Deus ama e, portanto, também nós devemos amar”? A busc a
desse princípio ex ige um nov o salto, desta vez para as primeiras páginas da Bíblia, para o início do liv ro
do Gênesis. Nesse liv ro temos dois relatos da criação, e aqui nos interessa o primeiro deles.

O relato se encontra no primeiro capítulo do Gênesis, mais os primeiros quatr o versículos do


capítulo s egundo. Ao contrário do que s e pens a em uma leitura fundamentalista, esse relato não descrev e
a criação a partir de um início absolu to do univ erso. O tex to nasceu, de fato, durante o ex ílio dos judeus
na Babilônia (séc. VI a.C.), ou logo depois da repatriação dos ex ilados (538 a.C.). Escrito pelos
sacerdotes, o tex to mostra para os repatriados a nova sit uação, o nov o ponto de partida de um a v ida que
v oltav a do “caos do ex íl io” para um novo “princípio” na terra de Judá. O relato apres enta, portanto, as
bases de uma nov a consciência, ou seja, ele é o term ômetro que mos tra a nov a realidade dos ex ilados.
Com o ex ílio, eles hav iam perdid o as bases de sua nação – Jerusalém, o Templo, o gov erno do Rei, e
toda a classe detentora dos m eios de produção da sociedade ju daíta. Ess e foi o caos real, histórico, a
“terra informe e v azia”. Agora, depois da repatriação decretada por Ciro – o rei pers a que derrotara a
Babilônia – o que se dev ia fazer? Sobre quais bases construir um novo futuro? É a isso que o relato
procura responder.

Sem delongas, porém, v amos ao ponto mais significativo do relato. Em forma de poem a
escalonado pelo tema da semana, os c inco primeiros dias apresentam o plano do univ erso e da natureza.
Tudo está em ordem, em seu devido lu gar. No sex to dia são criados os seres viv os e, entre eles, a
humanidade, o homem e a mulher. Nesse ponto culminante, Deus diz: “Façamos o homem à noss a
imagem e sem elhanç a... E Deus criou o homem à sua imagem; à imagem de Deus ele o criou; e os criou
homem e mulher” (Gênesis 1, 26-27).

O tex to é solene. Ele mos tra o ponto central, talv ez a afirmação teológica e antropológic a mais
fundamental de toda a Bíblia: a H umanidade – homem e mulher – é imagem e semelhança do próprio
Deus. Os horiz ontes, agora, se abrem, ou m elhor, se escancaram. O que chamamos de “ciência de Deus”,
ou Teolo gia, pode começar falando de Deus; ao mesmo tempo, contudo, fala também do homem. A
Teologia leva à Antropologia e às assim cham adas “ciências humanas”. Por outro lado, a Antropologia –
com todas “as ciências humanas” – pode c omeçar falando hom em, mas, ao mesmo tempo, acaba falando
de Deus, ou seja, chega aos horizontes de uma Teologia.

O tema do “homem-imagem de Deus”, portanto, abre discursos para horizontes sucessiv os,
discurs os que jam ais poderão se fechar ou chegar a uma conclusão adequada. A identidade última de
cada s er humano, sua vocação própria, é revelar e desv elar o divino, ou melhor, ser imagem ou reflexo da
div indade. Nesse proc esso, o homem, ao desc obrir o mis tério de si mesmo, descobre tam bém o próprio
mistério de Deus. Por outro lado, o próprio Deus só será plenamente revelado e conhecido quando toda a
humanidade, de fato, refletir o mis tério inconcebív el e inefáv el do próprio Deus, compondo um m osaic o
multifacetado de espelhos que refletem a Deus. Isso tudo nos diz muito sobre a importância e sobre o
v alor de todo e qualquer ser humano, esteja ele na condição ou no grau de desenv olv imento de
consciência em que estiv er. Cada um é um pequeno es pelho, e cada um, portanto, tem seu papel no
grande mosaico. É dentro dessa v isão maior que todo psic oterapeuta poderá “v er” o ser da pessoa que lhe

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abre sua alma, e avaliar o que im plic a escutar, analisar e com preender esse ser com essa inimagináv el
signific ação. Quanta responsabili dade!

A melhor imagem de Deus é, portanto, a própria humanidade. Isso lev ou Abraham Heschel,
grande filósofo e teólogo judeu, a dizer que, no exílio, hav ia tantas imagens de Deus quantos eram os
judeus ex ilados. Também entendemos o motiv o da proibição das imagens em Israel. É v erdade que todos
os seres, também, são im agens rev eladoras do div ino. Mas a im agem m ais nítida e definitiv a é o homem,
ou melhor, a hum anidade. Vejamos agora a simplicidade e a profundidade c om que Claric e Lis pec tor fala
do ser humano, quando diz: “A intimidade hum ana v ai tão longe que seus últimos passos já se c onfundem
com os primeiros pass os do que cham amos de Deus” (Crônica no Jornal do Brasil em 24 – 02 – 1968).
Quem é Clarice? Rom ancis ta ou teólo ga?

Vale lembrarm os aqui o que diz um antigo hin o, anterior a todos os escritos do Nov o Testam ento,
e que é citado por Paulo na carta aos cris tãos de C olossas. Ao falar de Jesus, Paulo cita o hin o, diz endo:
“Ele [Jesus] é a im agem do D eus invisível” (Colossens es 1,15). Ou seja, é na v isibilidade da humanidade
de Jes us que o Deus invisível se tornou visível. Por conseguin te, Jes us rev ela a Deus não por s er o eterno
e div ino Filho de Deus, mas por ser simples e plenamente humano. Em Jesus, o processo de
humanização se realiz ou c onc reta e totalm ente. J esus se tornou, então, a figura do homem escatológico,
ou seja, o homem final, o horiz onte ou a meta para a qual toda a humanidade caminha.

Será? Todos nós sabemos que a hum anidade é isso, mas tam bém s abemos que ela ain da não
realiza o que ela é. Todo psicólogo das profundidades s abe que o hom em é apenas 5 a 10 % consciente,
e ainda 90 a 95 % inconsciente. A esse mov imento de tornar-se consc iente podem os dar o nome de
história da hum anidade, ou melhor, do proc essam ento da hum anidade do ser humano. Cheia de falhas e
tropeç os, ela é, no fundo, uma his tória da busca da identid ade e da realização últim a do ser humano. Ess a
busca, porém, se perde no horizonte, porque o limite dela é o próprio Deus, ou seja, essa busca não tem
nem pode ter quaisquer limites. Não adianta confundirm os nossa identidade última c om “inflações do ego”,
ou melhor, com “teomanias do ego”. O caminho do homem é pôr s eu ego em busc a do fundo, do centro e
do to do de sua identidade últim a, em busc a do Si-mesmo, que signific a ser, não propriamente Deus, m as
“imagem e semelhança” do próprio Deus.

E aqui te mos o princípio radic al que procuráv amos: Tal Deus, t al homem. Sim ples. O ser próprio
do homem é e se realiza à m edida que ele s e torna “imagem de Deus”; ou, melhor, quando o homem
permite, na sua liberdade conscie nte, que Deus se rev ele atrav és de seu pensamento, de sua palav ra e de
sua ação, isto é, do todo de sua v ida. E qual seria a dinâmica dess a revelação? “Deus é amor”, diz João.
Portanto, c omo imagem e s emelhança desse Deus, dev emos dizer que a realidade última do s er humano
também é ser o “Hom em é amor”. A história humana, no fundo, é form ada pelas v icis situdes e peripécias
do am or ou desam or. Nossas maiores conquis tas e v itórias são as do am or, e todos os nossos erros e
derrotas também são os do amor. Portanto, nossas feridas são, todas elas, tam bém feridas de amor. Todo
psicoterapeuta testemunha is so.

Todav ia, o conhec imento de Deus não é uma teoria, mas nasc e de um a ex periência. T ambém na
époc a do pós-exílio s urge um dos menores mas, talv ez, um dos mais curiosos liv ros da Bíblia: o Cântic o
dos C ânticos – ou, traduzindo o s uperlativ o hebraico, O mais belo cântico. É um liv ro curto e simples,
formado por canções populares que celebram o amor hum ano, o amor entre um homem e uma mulher –

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algo comum, que acontec e na vida de todos. As canções são erótic as, sens uais, com insinuações sexuais
indubitáv eis e carregadas. Pois bem, no ponto culminante do liv ro, a amada exclama, ex tasiada, a seu
amado: “Grave-me, como selo em seu coração, como selo em seu braço; pois o amor é forte, é como a
morte! Cruel c omo o abis mo é a paixão. Suas cham as são c ham as de fogo, uma f aísca de Javé!” (Cântic o
8,6).

Eis aí: o amor humano é uma faísca de Jav é! Ou seja, a m aior e a mais misteriosa experiê ncia do
humano é – também e ao mesmo tempo – a maior experiência do próprio Deus. Por quê? Porque “Deus é
amor”, diz João. E esse amor inclui em si todo o ritual amoroso: Falo, Eros, Filia, Ágape... Em outras
palav ras, “Deus é Am or” significa, de fato, que Deus é sumam ente fálico, erótico, fílic o, agápic o. E, por
isso mesmo, Deus é o Supremo Criador. Em Deus, digamos psicologicamente, os opostos geradores
coincidem de forma total. O “Deus é Am or” se manifesta – c onforme já dizia Nicola u de C usa –, como tot al
coincidência dos opostos. Por cons eguinte, tam bém devemos diz er que, c omo imagem e s emelhança de
Deus, o homem é e ainda não é o que ele é; e, por isso, dev e sempre caminhar para esse horizonte da
total coinc idência dos opos tos, ou seja, para a suprema criatividade da v ida.

Todav ia, depois de afirmar que o amor hum ano é “uma faísca de Javé”, a amada ac rescenta duas
coisas importantes. Primeiro, ela diz que “as águas da torrente jamais poderão apagar o amor, nem os rios
afogá-lo” (Cântico 8,7). A torrente, ou abismo, é o mar tem pes tuoso do caos, também c ham ado em Israel
de “grandes águas”. Já dis semos que o caos, para os ju deus, foi o exílio na Babilônia. Que bela
mens agem: o exílio pôde des truir a nação inteira, mas não conseguiu des truir o amor! Isso rev ela a forç a
inv encível do am or: nem o grande caos econômico, político e social do im perialism o pôde [ou pode]
destruir o amor. Muito menos o poderão afogar os rios, os pequenos “caos” dos conflitos quotidianos. O
amor, no fundo, é forç a onip otente e v itorios a, pois ele vem de D eus. Em segundo lugar, a amada diz:
“Quisesse alguém dar tudo o que tem para comprar o amor... seria tratado com desprezo”. Outra
afirmaç ão radic al, e hoje importantíssima: o amor não é comercializáv el. A onipotência atual do mercado
globalizado pode querer comercializar tudo, mas não cons egue v ender ou comprar o amor; aliás, nem o
amor entre um homem e uma mulher nem qualquer outra forma do amor: am or paterno, materno, filial,
fraterno, amizade, solidariedade, honra, compaixão, mis eric órdia... É v erdade que o mercado propõe tudo
isso de forma objetiv ada, coisificada; tais cois as, porém, não são jóias verdadeiras; são quinquilh arias –
coisas que, como diz a amada, merecem desprezo. O amor, que v em de Deus – pensem os bem –,
também é capaz de enfrentar e de derrota r o mercado cons umis ta!

Uma observação, contudo. Ao diz er que Deus é a raiz última da sensualidade, do erotismo, da filia
ou amizade, do fálico e do agápico, eu poderia dar a im pressão de um a es pécie de “v ale tudo”. Será que
v ale tudo mesmo? Fernando Pessoa diz que “tudo v ale a pena, se a alm a não é pequena”. Bem colocado!
Melh or ainda o que diz Agos tinho de Hipona: “Ame, e faç a o que você quiser”. Tanto Fernando Pessoa
como Agostinho colocam critérios: “se a alm a não é pequena”, diz Fernando; primeiro, “ame”, diz
Agostinho. A alm a e o am or têm seus próprios crit érios, seus próprios cam inhos e seu próprio
discernim ento, e seria um grande engano ignorá-los.

A Bíblia fala desses critérios? Sem dúv ida. Encontramos esses critérios no momento fundador do
próprio pov o de Israel, que é também o centro teológic o de toda a Bíblia: o rela to do êxodo do Egito para a
Terra Prom etida. O relato s e encontra nos liv ros do Êx odo, Números, Lev ítico, Deuteronômio e Josué. O
tex to central, no liv ro do Êx odo, diz: “Javé disse [a Moisés]: ‘Eu vi muito bem a mis éria do meu povo que

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está no Egito. Ouvi o seu clamor contra seus opressores, e conheç o os seus sofriment os. Por isso, desci
para libertá-lo do poder dos egípcios e para fazê-lo subir dessa terra para uma terra fértil e es paç osa, terra
onde corre le ite e mel...” (Êxodo 3,7-8).

Gostaria de s alientar três c oisas. Primeiro, lem bremos que Jav é, o Deus do êx odo, s egundo João
é o “Deus é Am or”. Em segundo lugar, notemos a simetria entre o comportamento de Deus nesse tex to e o
comportam ento do samaritano da parábola: ver, [com pa]-descer, lib ertar de/para. Em terceiro lugar, o
relato rev ela e desvela o que o amor de Deus realiza no m omento fundador da his tória de Is rael e,
também, digam os nós, no fundo de cada ser humano: libertar do poder para a vida. Jav é liberta o povo do
poder do ego inflado do Egit o, ou seja, do modo de produção tributária, que es poliav a os camponeses até
que lhes restasse apenas a miséria e a força de trabalho. Lib ertar de, porém, é apenas o primeiro pass o
decisiv o. O segundo pass o é: libertar para. Jav é liberta para a terra onde corre leit e e m el, ou s eja, a Terra
Prometid a. Essa Terra é, de fato, sinônimo de Vida, pois o modo de produç ão da sociedade israelita
daquele tempo era em inentem ente agrícola e pastoril. Em outras palav ras, sem Terra não há Vida.

E assim, temos, em essência, o critério máx imo do amor: o amor li berta do poder para a vida.
Diante disso, podemos ex aminar nossos amores e, também, todo o cortejo dos fenômenos do amor. O
amor sem pre abre um leque de promessas e de possibilidades. No fundo, porém, o critério questio na:
Esse amor li berta? Esse amor lev a a v iver mais e melhor? À luz dess e critério podemos entender melhor
Fernando, e o que significa a c ondicional “se a alma não é pequena”. Também podemos entender melhor
Agostinho e sua premissa: “Ame... e [depois] faç a o que você quiser”. Jung diria algo diferente? Pens o que
não. Em sua autobiografia póstuma, ele afirma que “o núcleo de todo ciúme é um a falta de amor”. 2 Sem
dúvida, porque o ciúme tem, no mais fundo de si, o espírito de posse, de propriedade, isto é, o espírito do
poder. O poder é o oposto do amor. O v erdadeiro amor é, na v erdade, libertação desse poder do ego, que
se rev ela com o posse dis farçada em ciúme. Um a realidade que todos nós conhecem os.

Terminando, eu gostaria de afirm ar que o amor é a maior força de Deus. Deus tem o poder
absoluto – e isso é próprio da essência div ina. Mas, curios amente, o Deus bíblico não usa s eu poder. Ou
melh or, talvez Ele o use para conduzir o Univ erso. Quanto a nós, porém, Deus renuncia ao poder, em
troca do amor. Deus prefere nos seduz ir. Rabindranath Tagore sempre salientou que o univ erso e a
história em que v iv emos é um imenso jogo do amor de Deus, que nos s eduz, a fim de que res pondamos,
entrando no jogo. O amor, porém, nunca se impõe; ele apenas se insinua, s e esconde e se dis farça,
seduzindo-nos a proc urá-lo. Onde procurar a Deus? Deixo a pergunta em aberto. A resposta vem de todos
e de cada um. A todos nós cabe, porém, nos desarmarmos, procurarmos a Deus no am or e com amor, e
nos entregarm os inteiramente, para v iver um amor que, não te nhamos dúv ida, pode v encer todos os
obstáculos, e criar o mundo v erdadeiramente humano.

Notas

1. Todas as citações bíblicas foram ti radas de “ BÍBLIA SAG RADA – Edição Pas toral” . Paulus Editora, São Paulo, 2007.

2. Cf. C. G. J UNG, Memórias, sonhos, refl exões. Nov a Fronteira, Ri o de J anei ro, 198912, p. 125.

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Artigos de Opinião
O Tempo e o Amor
Mônica Guttmann 1

Não ex is te idade nem tempo para o amor, pois s aber amar é uma v ocaç ão ou aprendiz ado da
alma .Existem muitas maneiras de amar pois o amor pode alcançar v árias dimensões e form atos .
Uma cria nça pode saber amar tanto ou mais intensamente que um adulto , pois isto depende
princ ipalmente de sua capacidade de entrega . Mas a medida que crescemos , nossos conflitos e
pens amentos ambíguos v ão nos distanciando des ta entrega essencial e muitas v ezes nos perdem os da
v erdadeira naturez a das relaç ões .
O amor é entrega , assim como também está ligado aos longos aprendiz ados que nascem das
histórias de v ida de cada um . É um s entim ento amplo , s em forma , que irradia calor e luz para quem o
sente e para quem o recebe . Es tá aí para quem se permite ou consegue alcanç á-lo ou conectá-lo .O
amor é um a conex ão com o sentimentos máximo e mais ev olu ído da ex istência humana.
Mas o am or não é estático e é avesso aos apegos , teorias , racionalizações e apropriações .
Não pode ser tocado , modelado , manipulado , dirigido . Ele simplesmente expande o c oração de
quem o sente , transcendendo o ego em sua quente transparência.
Mas nem todos nós sabem os alcançar o am or .
Nem todos nós es tamos preparados para ele .
Saber amar implic a em abrir o coração sem medo do futuro , da perda , do retorno .
Saber amar é des ejar a felicidade do outro tanto quanto a sua própria .
Saber amar ao outro é saber amar a si mes mo , não tem jeito de ser diferente .

Muitos cas ais tem o privilégio e a sabedoria de env elhecerem juntos se amando .
É cla ro que este amor passa por ciclos e fases , m as é nutrido e abençoado a c ada instante pelo
tempo , cumplicidade e pelos desafios oferecidos pela v ida .
1
Mônica G uttmann é psicóloga formada pela Ponti fícia Universidade Católica de São Paulo com es pecializaç ões em
arteterapia e arte - educaç ão. Há mais de 10 anos atua c omo profess ora do Depto de arteterapi a do Instituto Sedes Sapi entae,
em São Paulo. É professora convidada do c urso de Psicopedagogia da PUC( SP) ,do c urso de Arteterapia ( Unip ) e INPG .
Como psic óloga e arte terapeuta, atende c rianças , adolescentes, adultos e famílias . Tem 12 livros publicados para crianças e
alguns capítulos em livros de educaç ão ,arteterapia e psicol ogi a .Escreve artigos, contos e poesias para jornais e revistas , além
de ministrar curs os e workshops de Psic ologia , arteterapi a e c riaç ão literári a . Trabalha na criação de materi ais lúdicos e
pedagógicos para esc olas e desenv olve regularmente work shops , palestras e oficinas temáticas no Brasil e no ex terior.
Oferece supervis ão para psicól ogos, pedagogos, estudantes de psicol ogi a e profissi onais da área de saúde.

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Quando um c asal consegue env elhecer se amando , mesmo c om todas a neuroses e
dependências que acabam fazendo parte e s endo ingredientes des te am or , escrev em uma história
comum. O tempo é o grande tempero e mestre deste am or .
Nem todos os cas ais env elhecem juntos com sabedoria e amor . Sabemos que também ex istem
aqueles que anulam-s e ou adoecem seu corpo e suas v idas por não terem tido a c oragem de busc ar
outras possibilidades de relacionam ento e amor .
Mas estam os fala ndo de amor e não de dependência ou medo .
O amor não prende , não escraviza , não aperta . O am or não c onsegue conceber o sofrimento do
outro .
Ex istem também , aquelas pessoas que envelhec em solteiras , v iúvas ou que encontram nov os
relac ionam entos depois de idos os . O amor não tem idade , nem sexo . O amor é uma v ocação que ex ige
paciência , humil dade e aprendizado .
Nascemos com v ocação para amar , mas nem todos desenv olv emos esta possibilidade em funç ão
daquilo que rec ebemos ou da v ida que cons truím os .Algum as pessoas cons eguem superar a falta de
amor que tiv eram na infância , elaboram s uas necessidades e buscam desenvolv er sua c apacid ade de
amar aprendendo com aqueles que escolhem como parceiros .
Todos nós somos es pelhos uns dos outros . E a partir daquilo que podem os v er sobre nós
mesmos nas relaç ões que escolhemos , conseguimos crescer ou não . Amar é aprender a respeitar e
aceitar no outro aquilo que também não ac eitam os em nós mesmos .
Ex istem aqueles que não aceita m env elhecer , buscando o amor em pessoas mais jov ens e
atraentes . M uitos deles confundem amor com paixão e sabemos muito bem as diferenç as entre um e
outro .
O amor é escolha ( lapidamos e escolhem os o am or a cada ins tante ) , a paix ão nos escolhe (é
pura projeção daquilo que des eja mos s er ). O amor é com o v inho, vai ficando melhor com o tempo e a
paixão , em geral , tem tempo limitado . O am or expande o c oraç ão , a paix ão acelera e muitas vezes
aperta o coração . Sofremos por paixão e o amor , em geral , cuida para que não soframos .
Ex istem pessoas que env elhecem o corpo mas não sua alma .
Continuam amando como os poetas e as crianças .
Ex istem pessoas que env elhecem seu c orpo mas não amadurec em com o pessoas . Seguem
repetindo v elhos padrões e não se preocupam em aprender e trans formar aquilo que não está bom . Estas
pessoas envelhec em com dificuld ade e nunca aprendem a amar , não c onhecem o s entimento de entr ega
.
Toda v ez que falo sobre o amor , sinto falta dizer algo que as palav ras não alcançam .O amor
transcende as palav ras ...o amor é mais do que um estado , um s entimento , um mit o , um símbolo , um
v ento mágico soprando felicid ade , uma benção div ina e humana ,um abraço encantado .
São tantas as formas de falarmos sobre o amor e parece que sempre falta algo .
Ex istem tantas formas de amar ... e cada pess oa tem seu jeito , enc ontra sua forma , s ua
possibilid ade .

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Amar talv ez seja com o a própria v ida , o tempo , o mis tério . Estamos sem pre tentando
compreendê-lo , ex plicá-lo,conhecê-lo , alc ançá-lo ...
Sabem os apenas que amar é maravilhoso .
Amar a v ida é um a benção , pois é nela que ex iste m todos os outros possív eis e im possív eis
encontros de amor .
Envelhecer amando a vida é um grande privilégio de encontro consigo mes mo e com os outros.
Uma resposta sábia de nós mesmos para a v ida que construímos e aprendemos .
Envelhecer amando a v ida é reflex o do am or que soubemos conhecer e acreditar .

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“O Amor no Processo de Envelhecimento”: uma reflexão1.
Vítor Fragos o 2

Partindo da afirmação “o amor no proc esso de envelhecimento”, procurei orientar a min ha reflex ão
atrav és da auscultaç ão da opinião dos alunos de uma Univ ersidade Sénior em que sou professor de
Inteligência Em ocional.
Procurei escutar a “v oz do tempo”, tentando compreender com o eles interpretariam a referida
afirmaç ão, que relações estabeleceriam c om os seus percursos existênc ias e que inter-relaç ões fariam
entre Amor, Envelhecimento, Afec tividade e Sex ualidade.

Escutemos a s ua v oz: “ só o amor que dam os ao longo da vida fort alec e em nós a esperança de amor
recebermos no Outono da nossa existência. O amor é o tempero da vida desde o nasc er ao findar” (M1,
Mulh er, 70 anos, casada). M1 realça a importância dos laços afectiv os que v amos “entrelaç ando” nos
encontros e desencontros do percurso ex istenc ial de nossas v idas, identific ando o amor como o fac tor de
união e fortalecimento da relação inte r-hum ana. Tal como defendia Freud “env elhec emos c omo viv emos”,
M1 refere a necessidade de nutr ir o amor ao longo do ciclo de v ida, para que o entardecer da vida seja
“temperado pelo afec to” . O Amor é simbolic amente representado como o “tempero da v ida”. Sabem os que
a funç ão do s al é temperar os alim entos e realç ar o seu sabor, assim como o s al também o amor ac entua
o “tempero do afectos” promov endo o enc ontr o afec tiv o entre os humanos (duas inter-s ubjec tividades).

Continuando a esc uta: “este assunto, não é fácil de reportar; contudo, diz-me a ex periência, que o amor
continua a est ar intim amente ligado à actividade sexual e que este, por razões óbvias, não podendo s er
exercido com o dantes, tem que estar apoiado no companheirism o, no carinho e sobretudo, no desejo
íntimo de agradar à sua companheira, até ao fim da cam inhada...” (H1, Hom em, 84 anos, cas ado). H1 fala-
mos da relaç ão entre am or e sexualidade e da nec essidade de adaptar a sua expressão
(amor/sex ualidade) e v ivência ao percurs o ex iste ncial do sénior. O Sénior dev e encarar c omo sadias as
prátic as amorosas e eróticas na velhice, sendo esta atitude positiv a, assoc iada a um sentimento de
ades ão à v ida (Alm eida, T; Lourenç o, M. L., 2007).

Muitos outros rela tos foram rec olhidos mas c omo o espaço de reflex ão é lim itado fico-me pelos rela tos
de M1 e H 1. N o enta nto não gos taria de terminar s em me debruçar um pouco sobre a fenomenologia do
amor c ujos constructos foram express os em todos os relatos.

Poderemos dizer que a fenom enologia do amor é a busca da c ompreensão da essência inerente há
necessidade de encontro entre humanos, ou seja a compressão do “ins tinto gregário” e relacional inerente
à noss a espécie. A compreens ão da fenomenolo gia do amor bas eia-se nos eixos antropológic os do s er
humano, tempo, es paç o, corpo e mundo, noto riamente expressos nos relatos apresentados.

1
Texto apresentado no Portal do Envelhecimento da PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo no Fórum “O Amor no processo de
Envelhecimento” http://www.portaldoenvelh ecimento.net/pforum/aptv-fev08.htm
2
Psicó logo, Docente na Universidade Sénior Contemporânea (USC) – Portugal. Pós-graduado em Terapia Familiar: intervenção sistémica. Ps icólogo Clínico no
Instituto de Psicologia e Neuropsicologia do Porto - IPNP . Director e membro do conselho científico da Revista Transdisciplinar de Gerontologia (RTG/USC).
Membro da Sociedade Portuguesa de Psicologia Clínica.

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Fenomelógicamente amar é aprox imar-se, é es tar presente é v alorizar o outro. Am ar é o palc o onde
Philia, Eros e Agapê se mostram presentes.
Refer ências Bibliográficas:
Almeida, T. ; Lourenç o, M. L. Env elhecimento, amor e sexualidade: utopia ou realidade?. Revista Brasilei ra de Geri atria e
Gerontologia. v. 10 n.1 Ri o de J anei ro 2007.
Gui marães Lopes, R. (2006). Psicologia da Pess oa e Elucidação Psicopatológica. Porto: Higi omed Ediç ões.

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1
Mar ilia Ancona Lop ez. Doutora em Psicol ogia Clínic a. Docente do Programa de Pós -G raduação em Psic ologia Clínica da
Pontifíci a Universidade Católic a de São Paulo, onde orienta teses de doutorado e diss ertações de mestrado na i nterfac e
Psicologia e Religião. Membro do Grupo de Trabalho Psicologia e Religi ão da Associ ação Nacional de Pes quisa e Pós-
graduação em Psicol ogia. Vice-reitora de Pesquisa e Pós-G raduaç ão da Universi dade Paulista. Membro do Consel ho Naci onal
de Educ ação, Mi nistéri o da Educação.
2
Prado, Ad élia. Poesi as Reunidas, São Paulo: Siciliano, 1991. Santa Ceia, pg 403
3 Pr ado, Ad élia. i d. História, pg 378
4 Pr ado, Ad élia. i d. O Corpo Humano, pg 286
5 Pr ado, Ad élia. i d. O Enc ontro, pg. 397
6 Husserl, Ed mund. A Idéi a da Fenomenologia. Lis boa: Ediç ões 70, 1986, pg. 66.
7 Rog er s, Carl R. & King et, G. Mar ian. Psicoterapia & Relaç ões Humanas. Bel o Horiz onte: Interlivros. 1977.
8 Cior nai, Selma (org.) Ges tal -Terapi a, Psicodrama e Terapias Neo-Reic hianas no Brasi: 25 anos depois. São Paulo: Agora.

1995, pg.20.
9 Pr ado, Ad élia. i d. Matéri a, pg. 389
10 Rog er s, Car l R. Client-centered therapy. Boston: Houghton Mifflin, 1951.
11 Winn icott, Don ald W. O brinc ar e a realidade. Ri o de Janei ro: Imago, 1975.
12 Jones, James W. Terror and T ransformati on.New York: Tayl or & Francis. 2002, pg. 90.
13 Prado, Ad élia. i d. Poema começado do fim, pg. 391
14 Mer leau -Pon ty, Maurice. Fenomenologia da Perc epç ão. São Paul o: Martins F ontes, 1994.
15 Sar tr e, Jean-Paul. Os Pens adores -Sartre. São Paul o: Abril Cultural, 1978.
16 Bíblia. São Paulo: Edições Loy ola, s/d.
17 Prado, Ad élia, i d. Raiva de J onathan, pg. 354
18 Prado, Ad élia, i d. Paix ão, pg. 199
19 Prado, Ad élia, i d. A Seduzi da, pg. 396
20 Prado, Ad élia, i d. Mais uma Vez , pg. 400
21 Prado, Ad élia, i d. Mais uma Vez, pg. 400
22 Alam eda, An toine. Les 7 péchés familiaux. Paris: Editi ons Odile Jac ob, 1998, pg. 105.
23 Bíblia. São Paulo: Edições Loy ola, s/d.
24 Prado, Ad élia, i d. O ensinamento, pg. 116
25 Grün, An selm. Se quis er ex peri mentar Deus. São Paulo: Editora Voz es, 2001, pg 57.
26 Wulff, David M. in Mar ina Massimi e Miguel Mah foud (orgs) Diante do Mistério: psicologia e Senso Religi oso. São Paul o:

Edições Loyola, 1999.


27 Arcur i, Ir ene e Ancona-Lopez, Marilia. Temas em Psicol ogia da Religião São Paulo: Vetor Editora, 2007.
28 Prado, Ad élia, i d. Adivi nha, pg. 398

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