Documentos de Académico
Documentos de Profesional
Documentos de Cultura
1 Introdução
2 Fundamentação constitucional
1
Texto originalmente publicado nos Anais da VIII SEPEsq (Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-
graduação) do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter), em novembro de 2012.
2
Doutor em direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor titular de direito
processual civil na Faculdade de Direito do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter), Campus de
Porto Alegre. Membro efetivo do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Projeto integrante do
Grupo de Pesquisa “Direitos humanos e fundamentais: eficácia e fundamentação”. Email
kckoplin@uniritter.edu.br
Revista do Direito nº 14 – 2013 96
Como o direito ao contraditório não era consagrado de forma geral por nenhum
diploma legal, havia na doutrina alemã anterior à atual Lei Fundamental grande dissensão
a respeito do seu fundamento jurídico.3 Franz Prager, escrevendo no início da década de
1930, aponta a esse respeito a existência de duas grandes linhas de pensamento. Uma
primeira linha, dentro da qual se alinhavam Planck, Stein, Kisch e Hellmann, procurava
justificar tal direito em preceitos legais setoriais e específicos.4 A outra, na qual ele
próprio se inclui, fundamentava o direito ao contraditório no costume jurídico, que seria
uma das fontes formais do Direito Processual. Nesta senda, o princípio tradicional do
Direito Romano consubstanciado na máxima “audiatur et altera pars” teria sido
recepcionado pela via da prática jurisprudencial, vindo a integrar o processo comum
alemão.5
Em suma, o direito subjetivo ao contraditório era visto, na ordem
infraconstitucional, como “a pedra angular de todo o direito processual civil e de cada
processo concreto por ele regulado”.6
O direito em questão só foi regulado expressamente em lei em 1949, ao ser
consagrado no art. 103, I da Lei Fundamental alemã (23.05.1949). Com isso, o mesmo foi
alçado ao grau de direito fundamental.7 Com efeito, estabelece o referido artigo que “em
juízo, todos têm pretensão à audiência jurídica” (“Vor Gericht hat jedermann Anspruch
auf rechtliches Gehör”). Desde então, coube ao Tribunal Constitucional Federal disciplinar
de forma pormenorizada as questões atinentes a esse direito, explicitando os seus
respectivos conteúdo e os limites a partir do mandamento constitucional.8
O direito à audiência jurídica (contraditório) encontra seu fundamento, segundo o
reconhecem os autores alemães, simultaneamente, no princípio do respeito à dignidade da
pessoa humana (‘Schutz der Menschenwürde’) e no princípio do Estado de Direito
(‘Rechtsstaats-prinzip’).9
A primeira fundamentação é ressaltada por Dürig. A ideia principal que inspira o
art. 1 da Lei Fundamental alemã é a de que o Estado não deve degradar o cidadão à
condição de simples objeto de sua atividade.10 Antes, este deve ser respeitado em sua
3
FRANZ PRAGER, Das beiderseitige Gehör im Zivilprozeß, Archiv für die civilistische Praxis,
12(1930):143-181.
4
PRAGER, op. cit., pp. 145-150.
5
Op. cit., p. 150. Cf., no que respeita ao direito comum alemão, GEORG WILHELM WETZELL, System
des ordentlichen Civilprocesses, Leipzig : Tauchnitz, 1868, § 43, n. 2, p. 422.
6
BAUMBACH, Adolf; LAUTERBACH, Wolfgang, Zivilprozeßordnung, München : C. H. Beck, 1965,
Vorb. nº 4 zu ZPO § 128: “Ein Eckpfeiler des gesamten Zivilprozeßrechts u jedes geordneten Verf ist, daß
jede Entsch nur nach Anhörung beider Parteien zu treffen ist.”; MAUNZ-DÜRIG, Grundgesetz
Kommentar. München : C. H. Beck, 1964., RN. 1; E. BENDA; A. WEBER, Der Einfluß der Verfassung im
Prozeßrecht, Zeitschrift für Zivilprozeß, 96(1983/Jul.):285-307, esp. p. 300 (“Grundpfleiler eines
rechtsstaatlichen Verfahrens”); PRAGER, op. cit., p. 143: “der unentbehrlichste Grundsatz des
Zivilprozesses.”;
7
MAUNZ-DÜRIG, op. cit., RN 1: “Neu ist dagegen die Aufnahme dieses Grundsatzes in die Verfassung
und damit seine Erhebung in den Rang eines Ver fas s u n g s gesetzes” (os destques constam do original).
8
FERDINAND KOPP, Das rechtliche Gehör in der Rechtsprechung des Bundesverfassungsgerichts. Archiv
des öffentlichen Rechts, 106(1981):604-632, esp. p. 604.
9
ACHIM VON WINTERFELD, Das Verfassungsprinzip des rechtlichen Gehörs, Neue Juristische
Wochenschrift, 1961:849-853, esp. p. 849: “Das Bekenntnis des BVerfG zum rechtlichen Gehörs als dem
verfassungsrechtlichen Reflex der Würde der Person des Einzelnen bettet das rechtliche Gehör unmittelbar
in die wertgebundene Kernordnung der Würde, Freiheit und Gleichheit des Menschen, damit aber in das
Fundament der freiheitlichen demokratischen Grundordnung des Grundgesetz, ein”
10
LEIPOLD, op. cit., p. 509. DÜRIG, op. cit., RN. 5; LÜCKE; WALCHSHÖFER, Münchener
Kommentar zur Zivilprozeßordnung, München : C. H. Beck, 1992, RN. 115.
Revista do Direito nº 14 – 2013 97
3 Endereçamento
11
J. J. GOMES CANOTILHO, Tópicos de um curso de mestrado sobre direitos fundamentais,
procedimento, processo e organização, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra,
1990:151-201, esp. p. 155: “o cidadão, ao desfrutar de instrumentos jurídicos possibilitadores de uma
influência directa no exercício das decisões dos poderes públicos que afectam ou podem afectar os seus
direitos garante a si mesmo um espaço de real liberdade e de efectiva autodeterminação no desenvolvimento
da sua personalidade.” É precisamente deste princípio que decorre o fenômeno da generalização do esquema
processual, apontado por ELIO FAZZALARI, Valori permanenti del processo, Rivista di Diritto
Processuale, XLIV(1989/1):1-11, esp. pp. 5; 8-9.
12
LÜCKE; WALCHSHÖFER, op. cit., p. 21. Mauder (op. cit., p. 10) exclui a fundamentação na dignidade
humana. Para ele, o direito ao contraditório fundamenta-se exclusivamente o princípio do Estado de direito.
13
BVerfGE, 9, 95. “Aufgabe der Gerichte, über einen konkreten Lebenssachverhalt ein abschließendes
rechtliches Urteil zu fällen, ist in aller Regel ohne Anhörung der Beteiligten nicht zu lösen. Diese Anhörung
ist daher zunächst Voraussetzung einer richtigen Entscheidung. Darüber hinaus fordert die Würde der
Person, daß über ihr Recht nicht kurzerhand von Obrigkeits wegen verfügt wird. Der Einzelne soll nicht nur
Objekt der richterlichen Entscheidung sein, sondern er soll vor seiner Entscheidung, die seine Rechte
betrifft, zu Wort kommen, um Einfluß auf das Verfahren und sein Ergebnis nehmen zu können”.
14
SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 4: “Gemäß Art. 1 Abs. 3 GG, der sich nicht auf die Grundrechte der
Art. 2 – 19 beschränkt, ist die Vorschrift folglich für alle Träger der Staatsgewalt verbindlich. Neben den
Gerichten ist es vor allem der Gesetzgeber, der Art. 103 Abs. 1 GG zu beachten hat. Konflikte mit der
Exekutive dagegen dürften selten sein”
15
Kunig (op. cit., RN 4) e Schmidt-Aßmann (op. cit., RN 49) são unânimes em afirmar que o direito ao
contraditório vincula unicamente os juízes estatais.
Revista do Direito nº 14 – 2013 98
dirige-se apenas aos juízes.16 Entretanto, compete ao Estado como um todo velar para que
os processos judiciários efetivamente a implementem. Assim, se a “atividade dos órgãos
legislativos” subtrai-se à área de abrangência da garantia, como pontifica Kunig,17 o Poder
Legislativo a ela está vinculado, por outro lado, ao criar o direito processual. 18 Em outros
termos: do processo legislativo deve resultar um direito processual que consagre o direito
ao contraditório. Mas a forma como esse processo legislativo deverá se desenvolver não
está determinada pelos parâmetros do art. 103, I da Lei Fundamental. Igualmente, existe
unanimidade em se considerar que o artigo em comento não se aplica aos processos
administrativos,19 muito embora a ideia de contraditório neles esteja presente, ainda que
consagrada por outras vias.20
O Estado desempenha suas funções a hoje, mais do que nunca, através de
processos.21 Ocorre que o art. 103, I disciplinou a ideia de contraditório apenas no âmbito
dos processos judiciais. O que não significa que os demais processos não devam orientar-
se também de acordo com esse princípio; apenas não se pode invocar o referido artigo para
implementar essa ideia, fora do âmbito judiciário.
Representa ponto consensual entre os comentaristas do art. 103, I a noção de que o
mesmo não fundamenta nenhum direito ao contraditório fora do âmbito estatal.22 Estão
excluídos do âmbito dessa garantia constitucional, portanto, os juízos privados
(‘Schlichtungsstellen’), os tribunais de arbitragem (‘Schiedsgerichte’), bem como os
tribunais eclesiásticos (‘Gerichtsbarkeit der Kirchen’).23 Todavia, existe um dever mínimo
de observar o contraditório que é reconhecido como preceito de “justiça natural” que
vincula também as entidades privadas.24 Em tal caso, o direito prescrito no art. 103, I atua
simplesmente como um paradigma.25
Em realidade, o direito fundamental ao contraditório vincula o Poder Judiciário
como um todo (inclusive Jurisdição Constitucional26) e faz-se presente em todas as
espécies de processo e também em todas as instâncias recursais que tenham sido previstas
pela legislação ordinária.27 Isso significa que o art. 103, I da Lei Fundamental não
confere direito a nenhuma forma determinada de procedimento ou de recurso.28 Não há
como deduzir do art. 103, I um direito genérico a superior instância. 29 A previsão dos
recursos, seus pressupostos de admissibilidade e de processamento, bem como seus
16
FROHN, op. cit., p. 36.
17
KUNIG, op. cit., RN 5.
18
ADOLF ARNDT, op. cit., p. 8.
19
FROHN, loc. cit.; HELLMUT RÖHL Das rechtliche Gehör, Neue Juristische Wochenschrift, 1964:273-
279, esp. p. 275.
20
SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 62-65.
21
Cf. FAZZALARI, op. cit., pp. 2-3.
22
SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 49: “Unter Gerichten i. S. dieser Bestimmung sind nur staatliche
Gerichte zu verstehen. Anzuknüpfen ist an den Gerichtsbegriff des Art. 92 GG.”
23
SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 50.
24
SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 50; KUNIG, op. cit., RN 4.
25
SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 50.
26
SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 52.
27
KUNIG, op. cit., RN 6: “Art. 103 I (...) hat bedeutung für alle Arten von Gerichtsverfahren”; “und für
alle Instanzen”; LEIPOLD, op. cit., RN 21 (o destaque consta do original). SCHMIDT-AßMANN (op. cit.,
RN 55) ressalta que, além dos juízes, também os escrivães (‘Rechtspfleger’) devem observar a garantia em
comento.
28
KUNIG, op. cit., RN 6. Por exemplo, está excluída a obrigatoriedade da audiência oral. Nem o legislador
ordinário está obrigado estabelecê-la, nem o juiz, a concedê-la. O princípio da oralidade é de natureza
infraconstitucional.
29
SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 61.
Revista do Direito nº 14 – 2013 99
respectivos procedimentos são assunto a ser regulado pelo legislador (são “Sache des
Gesetzgebers”).30 Todavia, uma vez que seja previsto um recurso, ele deve assegurar o
cumprimento do direito fundamental ao contraditório.
4 Conteúdo
4.1 Informação
30
LEIPOLD, op. cit., RN 21.
31
Também conhecido como direito ao aviso “Recht auf Benachrichtigung” (ANTÔNIO DO PASSO
CABRAL, Contraditório (Princípio do -), in RICARDO LOBO TORRES; EDUARDO TAKEMI
KATAOKA; FLÁVIO GALDINO (org.), Dicionário de princípios jurídicos, Rio de Janeiro : Campus,
2011, pp. 193-210, esp. p. 195. Waldner prefere a expressão “Recht auf Orientierung” (direito a orientação),
tomada do direito suíço (op. cit., p. 13).
32
LEIPOLD, op. cit., RN 41.
33
KUNIG, op. cit., Rn 12
34
SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 71.
35
Os jusnaturalistas, tanto os tomistas, quanto os racionalistas, baseavam o contraditório fundamentalmente
na citação. Os primeiros a viam como instituição divina, existente já no Paraíso; cf. HINRICH RÜPING,
Der Grundsatz des rechtlichen Gehörs und seine Bedeutung im Strafverfahren, Berlin : Duncker &
Humblot, 1976, pp. 16-18. Os segundos, entre os quais se alinha Pufendorf, a tinham como imperativo da
razão; cf. KNUT WOLFGANG NÖRR, Naturrecht und Zivilprozeß, Tübingen : J. C. B. Mohr (Paul
Siebeck), 1976, pp. 6-7.
36
E que deve ter possibilidades reais de ser conhecida pelo interessado. Cf. SCHMIDT-AßMANN, op. cit.,
RN 72.
Revista do Direito nº 14 – 2013 100
fim, no que se refere aos atos judiciais, a necessidade de que todos os de conteúdo
decisório – e não apenas os atos recorríveis ou as sentenças – devem ser comunicados às
partes.37
Em segundo lugar, destaca-se, na Alemanha, o direito a vista dos autos do
processo (‘Akteneinsicht’) como elemento fundamental da ideia de contraditório, sendo
deduzido diretamente do preceito constitucional em comento (‘verfassungsrechtliche
Akteneinichtsrecht’).38 O direito em tela abrange conhecimento assim dos atos do juiz e
das partes como dos atos dos demais auxiliares do juízo (oficiais e peritos, por exemplo).39
Por fim, a doutrina e jurisprudência alemãs destacam existir um dever de
advertência por parte do juiz (‘Hinweispflicht’), que se traduz como verdadeiro direito
subjetivo das partes. Consiste essa garantia, de forma concreta, no dever de o juiz chamar
a atenção das partes para os rumos prejudiciais ao contraditório, em cuja direção suas
alegações se dirigem.40 Essa advertência pode se referir a pontos de fato ou de direito; de
fundo ou a respeito dos aspectos processuais da causa.
Verifica-se, por conseguinte, o esforço para tornar o contraditório efetivo, com o
consequente incremento dos poderes judiciais.41 Gize-se, entretanto, que tal garantia deve
ser compreendida em conjunto com os caracteres gerais do processo civil, dentro cujos
pilares está a autorresponsabilidade das partes, o que evita a transformação do juiz em
advogado ou mero conselheiro jurídicos delas.
4.2 Manifestação
37
SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 73.
38
SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 74.
39
SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 75.
40
SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 76; LEIPOLD, op. cit., RN 41.
41
LEIPOLD, op. cit., RN 41: “Dem Zweck, die möglichst effektive Nutzung des Rechts auf Gehör zu
ermöglichen”.
42
SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 80.
43
FAZZALARI, op. cit., pp. 2-3.
44
Cf. ANTÔNIO DO PASSO CABRAL, op. cit., p. 196.
45
WALDNER, op. cit., RN 54.
46
Ibidem.
Revista do Direito nº 14 – 2013 101
47
SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 81.
48
Cf., a esse respeito, CANOTILHO, op. cit., p. 155.
49
Cf. entre outros, ANTONIO NASI, Contraddittorio (principio del), in: Enciclopedia del diritto, IX, pp.
720-728, esp. p. 721. No Brasil, cf. CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, A garantia do
contraditório, Revista da Faculdade de Direito Ritter dos Reis, 1(1998):7-27, esp. p. 10.
50
SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 84.
51
SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 85.
52
Como dados geográficos e eventos históricos comprovados. Cf. SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 85.
Ressalve-se, contudo, que o conceito é problemático, pois o que é notório em um determinado contexto
social pode não sê-lo em outro.
53
SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 86.
54
SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 87.
Revista do Direito nº 14 – 2013 102
4.3 Consideração
55
Idem, ibidem; LEIPOLD, op. cit., RN 21a
56
SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 92.
57
SCHMIDT-AßMANN. op. cit., RN 90. A questão deve ser entendida a partir do sistema processual
alemão, em que a questão da fixação dos prazos pelo juiz assume maior importância do que a que recebe no
sistema processual civil brasileiro.
58
SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 90.
59
SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 93.
60
WALDNER, op. cit., RN 54.
61
ANTÔNIO DO PASSO CABRAL, op. cit., p. 200.
62
VON WINTERFELD, op. cit., p. 850.
Revista do Direito nº 14 – 2013 103
cunho material ou processual, máxime daquilo que foi manifestado pelas partes.63 Exige-
se que o juiz esteja em condições reais para fazê-lo. Quanto a isso, a jurisprudência alemã
refere-se à necessidade, um tanto quanto pitoresca, de o juiz estar acordado e atento
durante a audiência, bem como proíbe a participação de um juiz portador de deficiência
visual em atos como o da inspeção judicial (‘richterliche Augenschein’).64
Em segundo lugar, impõe-se ao juiz o dever de ponderar e valorar todas as
alegações fáticas e jurídicas, além, obviamente, da matéria cognoscível de ofício
(‘Erwägung’).65 Inclui-se aí o dever de fixação dos pontos principais e controvertidos da
causa.66
Impõe-se, nesse momento, referência a alguns outros princípios que guardam
estreita conexão com a matéria em questão. Inicialmente, deve-se considerar o princípio
tradicional, segundo o qual ao juiz cabe, em razão de seu próprio ofício, conhecer e
interpretar o Direito objetivo (“iura novit curia”). Isso significa que as partes, titulares do
direito ao contraditório, não podem exigir que o juiz se atenha à mesma qualificação
jurídica dos fatos que tenham realizado, ou às visões jurídicas que tenham formulado.67
Finalmente, a jurisprudência e parte da doutrina tem reconhecido que esse dever
de valoração judicial fornece a fundamentação ao dever de fundamentação das decisões
judiciais.68 Assim, o juiz comprova que valorou as manifestações dos titulares do direito
ao contraditório através da discussão, do rechaço e da aceitação das mesmas, na própria
sentença.
A dimensão negativa do dever de consideração consubstancia-se em certas
proibições dirigidas ao juiz. A principal delas é a de julgar de forma a causar surpresa às
partes (“Vertbot der Überraschungsentscheidungen”). O julgado é tido como
surpreendente sempre que se afaste das expectativas legítimas das partes, avaliadas em
vista os pontos de vista jurídicos discutidos no processo, até o momento da formação da
sentença.69 Para evitar que isso ocorra, é necessário o juiz exercitar o dever de advertência,
antes apontado.70 Extensivamente, conclui-se que o juiz também deve ouvir as partes antes
de declarar inadmissível um recurso.71
Por fim, a duração a sentença do juiz deve ser prolatada dentro de um prazo
razoável (‘Recht auf Entscheidung in angemessener Zeit’).72 Para a determinação dessa
razoabilidade, entram em cena elementos como a natureza do conflito em questão, a
complexidade do processo, a existência de litisconsortes e de demais incidentes
processuais.
63
SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 95; DÜRIG, op. cit., RN 81.
64
SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 95.
65
SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 97; DÜRIG, op. cit., RN 81.
66
SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 99.
67
SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 98.
68
KOPP, com apoio em decisões do Tribunal Constitucional Federal alemão, reconhece ser o dever de
fundamentação parte essencial do direito ao contraditório (op. cit., p. 626: “Es geht dabei mit Recht davon
aus, daß die Begründungspflicht insoweit notwendiger Bestandteil des Rechts auf Gehör ist, weil nur so
sichergestellt ist, daß die Gerichte das, was die Parteien ihnen im Rahmen des rechtlichen Gehörs vortragen,
auch wirklich dei den Entscheidungen berücksichtigen” ). Cf., ademais, SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN
99; DÜRIG, op. cit., RN 81.
69
WALDNER, op. cit., RN 216; SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 140.
70
SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 141.
71
LEIPOLD, op. cit., RN 21 a .
72
VON WINTERFELD, op. cit., p. 850. Cf.
Revista do Direito nº 14 – 2013 104
4 Conclusões
Referências bibliográficas