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E AS FARSAS DO PODER
Este não é um livro de ficção, lamentavelmente. Desde o início de 2007 1 venho sofrendo
perseguições de caráter político e diversas ameaças. Tive meu nome difamado, sofri
drogadições involuntárias e tentativas de homicídio. Sabemos que tais coisas ocorreram
no passado e que talvez ocorram em algumas partes do mundo hoje. Porém sempre
pensamos nisto como algo um tanto distante de nossa realidade. Até acontecer conosco.
A maioria dos países tem um serviço secreto. Que propósitos tem tal atividade?
Eles alegam proteger a soberania nacional e a democracia, entre outras coisas. No
entanto é difícil imaginar que um governo tão corrupto esteja, ao mesmo tempo, tão
preocupado em manter a democracia. A soberania nacional, por sua vez, continua sendo
uma abstração sem base concreta. Basta citar o caso do nióbio – mineral absolutamente
necessário para a indústria mundial. Somos o único país do mundo com quantidade
significativa de nióbio e estamos vendendo este mineral a preços risíveis. O silêncio a
esse respeito é total.
A grande mídia distrai a população com questões que nos chocam. Somos
submetidos a sucessivos sequestros emocionais e levados, assim, a ignorar os problemas
reais – aqueles cujas soluções nos trariam mais qualidade de vida, prosperidade e paz. A
mídia atribui a causa de nossos problemas ao chapéu que temos sobre cabeça e não aos
pensamentos que nutrimos dentro dela. Então, compramos um chapéu novo e mais caro
– e continuamos com nossos problemas.
O presente texto convida a uma reflexão sobre a justiça e o poder no Brasil
contemporâneo e no mundo. A sucessão dos acontecimentos por vir darão a tônica de
nossas conclusões: um sopro de esperança no futuro ou a trágica constatação de uma
realidade abjeta e inexorável.
Os nomes das pessoas e instituições envolvidas foram trocados para evitar uma
eventual proibição do comércio da presente obra, como já aconteceu com outro livro
semelhante, a saber, “O Canto dos Malditos” de Austregésilo Carrano Bueno.
1 Na verdade, pude verificar que um primeiro indício significativo de que estava sendo vítima de algum tipo de
conspiração ou complô surgiu em 2006, talvez antes que eu tivesse sido premiado na Olimpíada Iberoamericana de
Matemática Universitária. Este indício consiste na alteração do texto de um meu outro livro – Fórmulas para
Números Primos – alteração esta feita, presumivelmente, via Internet por algum hacker. Após 10 anos acessando a
Internet sem nunca ter tido esse tipo de problema, essa foi a primeira vez em que percebi, de modo relativamente
claro, que dados contidos no HD de meu computador foram acessados e alterados. Tal alteração foi bastante sutil
para não ser percebida imediatamente, mas nociva o bastante para fazer com que a proposta de publicação de meu
livro pela Sociedade Brasileira de Matemática fosse recusada. Sem ter conhecimento da alteração do texto, acabei
por publicá-lo eu mesmo em formato digital ao disponibiliza-lo no site www.docstoc.com .
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem sido considerado excelente. Às
vésperas de uma eleição, Lula está a ponto de conseguir eleger sua candidata, a
ex-ministra Dilma Housseff. Perguntando a pessoas do povo, vê-se logo que Lula é muito
bem quisto pela população. Não é para menos! Hoje temos mais empregos que na época
de Fernando Henrique Cardoso, os salários subiram e o salário mínimo, em particular,
subiu bastante. O grande problema é o que tem sido feito por debaixo dos panos, sem
alarde, sem divulgação.
Venho denunciando o governo Lula por permitir que cidadãos brasileiros sejam
mortos pela ABIN – Agência Brasileira de Inteligência. A ABIN é o serviço secreto
brasileiro, o equivalente ao Serviço Nacional de Informações (SNI) da época da ditadura
militar. Muitas pessoas que trabalharam para o antigo e opressor SNI, trabalham hoje
para a ABIN. Inclusive gente envolvida com torturas, homicídios e coisas do gênero. Um
grande indício de que o presidente Lula sabe que cidadãos brasileiros estão sendo mortos
pela ABIN é o fato de que uma das funções da ABIN é justamente prover o poder
executivo de informações. Isto significa que Lula tem todo o direito de saber o que a ABIN
está fazendo. E se ele não sabe é porque não quer nem saber, isto é, não está nem aí.
Apesar de tudo, tenho que reconhecer que, talvez, Lula seja refém da ABIN. Foi a
ABIN a responsável pela criptografia do telefone presidencial. Essa criptografia protegeria,
em tese, as ligações de Lula e de seus familiares de coisas como grampos telefônicos. No
entanto, é lógico que se alguém faz a segurança das informações de outrem, poderá, se
quiser, ter acesso a tais informações. Por exemplo, o sistema criptográfico dos telefones
presidenciais pode ter uma falha que só a ABIN conhece, e a ABIN poderia se valer,
hipoteticamente, de uma tal falha para ter acesso às ligações do presidente. Não somos
governados por quem pensamos que nos governa.
Gostaria de acrescentar que essa segunda edição tem várias melhorias em relação
à primeira. Foram acrescentadas passagens antes omitidas, detalhes significativos e a
perseguição que sofri após a primeira edição. Também corrigi alguns erros que haviam na
edição precedente. Entretanto, esse texto ainda não está tão bom como gostaria que
estivesse. O motivo é que tive de apressar o trabalho para que fosse publicado antes do
segundo turno da eleição presidencial. Penso que a eleição pode mudar dramaticamente
a minha sorte – para pior. Talvez meus inimigos se sintam muito mais a vontade para
tentar me matar agora, já que Lula vai deixar a presidência da república. E se a denúncia
que lanço neste trabalho ficar erroneamente desvinculada da imagem de Dilma Rousseff,
candidata de Lula, o povo pode se enganar ao pensar que ela não tem nada a ver com os
assassinos de estado pagos a peso de ouro pelo governo federal e que trabalham para a
ABIN.
I X OIM U (20 0 6)
Nom e Prêmio Cidade-Estado
Rafael Daigo Hirama Ouro S.J. dos Campos – SP (1º)
Rafael Marini Silva Prata S.J. dos Campos – SP (2º)
Thomás Yoiti Sasaki Hoshina Bronze Rio de Janeiro – RJ (3º)
Felipe Rodrigues Nogueira de Souza Menção Campinas – SP (4º)
Luty Rodrigues Ribeiro Menção Fortaleza – CE (5º)
Luiz Felipe Marini Silva Menção S.J. dos Campos – SP (6º)
Eric Campos Bastos Guedes Menção Rio de Janeiro – RJ (7º)
Rafael Constant da Costa Menção Rio de Janeiro – RJ (8º)
Eric Campos Bastos Guedes, filho de Winter Bastos Guedes (pai) e Vanda Campos Guedes (mãe),
portador da CI nºXXXXXXXX-X, CPF nºYYYYYYYYY-YY, domiciliado à Rua Domingues de
Sá, n°422 em Icaraí, Niterói, RJ, vem por meio desta requerer registro de ocorrência e apuração
pelo seguinte: ameaça de morte, calúnia e difamação (texto abaixo, postado na página de recados da
vítima, no Orkut):
Nestes termos
Pede deferimento
________________________________
Niterói, 7 de novembro de 2008
Mensagens
mostrando 1-2 de 2
Fui internado numa clínica psiquiátrica por motivos políticos. Não havia indicação real para uma
internação, visto que eu estava calmo, lúcido e produtivo. No final da internação, como eles não
tinham como me manter mais tempo preso, deram uma agulhada no meu pé esquerdo. Quando olhei
para meu pé havia, no local da agulhada, uma gota de um líquido vermelho escuro. Não acreditei no
que eu estava vendo e não reclamei na hora porque eu estava drogado com altas doses de
antipsicóticos e tranquilizantes. Passei o dedo por cima do ponto vermelho em meu pé. Era sangue.
Desconfio que me infectaram criminosamente (talvez HIV), já que estou sendo perseguido desde
2006 por motivos políticos, principalmente depois que obtive a sétima colocação no Brasil na
Olimpíada Iberoamericana de Matemática Universitária (em 2006) sem estudar. Gostaria, em caso
de confirmada a infecção, processar o hospital. Não há, no momento, nenhum teste que confirme
qualquer infecção, mas preciso postar isto aqui para que fique o crime bem caracterizado. Como
devo proceder?
Boa Tarde Érico, lamento pelo que voce passou, mas uma coisa é certa, o bem sempre vence o mal!
Como não há nenhuma indicação de infeccção ou manifestação criminosa, no meu entender, para
deixar registrada tal situação para uma confirmação ou não de um crime, se dirija a um Distrito
Policial para lavrar um Boletim de Ocorrência de Preservação de Direitos, também pode se dirigir
diretamente ao Ministério Público e deixar sua denúncia lá, espero que não esteja contaminado, é o
que te desejo de melhor, mas, se algo surgir após um tempo, voce já deixou registrado em dois
órgãos que poderão investigar o ocorrido.
Boa sorte!
***
Eu perguntava pelas coisas que queria conhecer e geralmente elas tinham um caráter
numérico. Perguntei certa vez sobre o significado dos números que apareciam numa
bússola: “Você vai gastar o fosfato de seu cérebro”, respondeu minha mãe. Interessante
notar que ela era professora – e uma ótima professora, conforme sempre tenho ouvido
falar dela. Já imaginaram ela numa sala de aula dizendo isso para seus alunos? “Assim
vocês vão gastar o fosfato de seus cérebros”. Não é difícil imaginar porque o quociente de
inteligência do povo brasileiro – em torno de 89 pontos – está próximo da imbecilidade. A
boa professora dá sinais de caridade no trato com seus alunos na escola onde trabalha,
mas tolhe a inteligência do próprio filho. É como se ela ensinasse os desfavorecidos para
ostentar compaixão e dificultasse a vida dos mais promissores para mostrar que é melhor
que eles. Há quem seja acusado por favorecer familiares, mas sabotar a inteligência do
próprio filho é obra do diabo. Minha mãe sempre buscou manter uma imagem de
santidade e correção perante todos. O objetivo dessa sua busca é o de criar uma fachada
moralmente inatacável a fim de encobrir seus atos perversos. Ora, Vanda sabia que seu
empenho em ensinar estudantes desfavorecidos seria tido como uma atitude de caridade.
Por outro lado, ensinar ao próprio filho poderia ser visto como um tipo perigoso de
egoísmo. Por outro lado, por que um mestre se preocuparia em educar alguém inteligente
e interessado que pudesse vir a superá-lo? O único motivo que vejo para isso é imaginar
o mestre que ele toma parte, de algum modo delirante, no sucesso intelectual de seus
alunos. Fora isso, ninguém gosta da ideia de ser intelectualmente inferior a outrem. Se
não nos imaginamos tomando parte do sucesso de nosso próximo, não apreciaremos
este sucesso.
***
2 Ao examinar criteriosamente minha cronologia, verifiquei que é muito mais provável que meu gosto pela
Matemática tenha começado a se estabelecer aos 9 ou 10 anos. Nessa idade tinha muito mais interesse por
calculadoras que as demais crianças de minha faixa etária. Eu me interessava por questões como: “Quantos
segundos há em um ano?” Então, fazia algumas contas para chegar ao resultado (cerca de trinta e um milhões).
3 A pesquisa em comunidades do Orkut relacionadas com os temas que queremos conhecer conduz, não raro, à
elucidação de questões cujas respostas nos são negadas pelos veículos socialmente autorizados que deveriam
responder a contento as mesmas questões – mas não o fazem. E não o fazem porque o papel de muitas instituições
bem estabelecidas e bem conceituadas está fortemente ligado à manutenção da ignorância do povo. Isso é muito
comum em medicina, por exemplo. O detentor do saber médico – e do diploma – costuma se valer da ignorância do
paciente sobre o tema para receitar remédios desnecessários que talvez tornem seu paciente realmente doente. E uma
vez estabelecida a patologia, o adoentado deverá retornar muitas outras vezes ao consultório de seu médico.
4 Cada pequeno sucesso deve ser fator interno de motivação e conforto. Falar à outros sobre seu progresso o levará,
muito provavelmente, à decepção de não ser devidamente reconhecido. Você não deve depender da boa vontade de
outras pessoas em motivá-lo. É possível, inclusive, que todas as pessoas que você conhece intencionem
desestimula-lo, declaradamente ou não. Quando você fala sobre um seu objetivo ou sobre um seu sucesso para
alguém, poderá receber palavras de incentivo que não corresponderão à uma intenção verdadeira em motivá-lo, mas
devem-se tão somente essas palavras à educação. A motivação emocional e psicológica não deve vir de palavras ou
atitudes de pessoas próximas. Você mesmo deve se motivar.
***
***
O interesse pelo xadrez partiu de mim mesmo, ninguém em minha família jogava. Buscar
atividades inteligentes é atitude que favorece o aumento da inteligência e essa busca está
muito mais relacionada com uma pré-disposição da personalidade e do caráter do que
com uma uma arquitetura cerebral diferenciada. A inteligência está mais relacionada com
nossos anseios e motivações do que com uma genética privilegiada. Esse tipo de ideia
nos liberta da noção de que nosso quociente de inteligência – o popular QI – não depende
***
Segundo o que minha mãe me dissera, meu avô passaria por uma intervenção cirúrgica
muito delicada e da qual pouquíssimas pessoas sobreviviam. Eu fiquei chateado com a
notícia e esperava por sua morte. Quando ele voltou para casa fiquei impressionado.
Estava aparentemente bem. Tão bem como sempre esteve. Acabei por atribuir a
sobrevivência de meu avô Antônio a uma genética privilegiada. E fiquei satisfeito por ser
seu neto.
As coisas não estavam tão bem, entretanto. Antônio – ou seu caxeta para os
antigos conhecidos – estava tomando uns remédios. Me disseram que ele estava
sofrendo de depressão ou se tratando de uma aterosclerose. Talvez os remédios que ele
tomava fossem antidepressivos, mas isso eu estou conjecturando. Naquela semana ele
fizera para mim um alteres com um cabo de vassoura e dois pesos de chumbo que ele
mesmo fabricou derretendo uns canos velhos do mesmo material. Parece que ele queria
que eu praticasse musculação em casa com aquele halter, mas não me interessei muito
por isso não. E num dia de sol, pela manhã, meu avô pegou uma escada, uma corda e se
enforcou. Estávamos somente eu e ele em casa. Antes de sair para o colégio fui me
despedir dele e o encontrei deitado no chão de seu quarto. Supus – erroneamente – que
estivesse dormindo. Tentei acordá-lo de todos os modos, sem sucesso. Fiquei intrigado:
como ele poderia ter um sono tão profundo? Achei que ele estava fingindo que não
acordava. Então peguei meu material e fui para o colégio.
Naquela época, eu e meu irmão Winter Bastos Guedes Júnior estudávamos no
Curso São Francisco de Assis, uma escola tradicional de Icaraí que tinha o melhor ensino
fundamental de Niterói. Só ia até a quarta série primária, entretanto. Depois disso éramos
encaminhados para outras escolas. Naquele tempo eu fazia a quarta série e meu irmão
devia estar na primeira ou segunda série do primário. Nós estudávamos à tarde. Naquele
***
Meu pai morreu de modo intrigante. Muito mais intrigante do que eu poderia supor em
minha ingênua infância.
Certo dia, quando cursava a 5ª série do ensino fundamental no Colégio Salesiano
Santa Rosa, cheguei em casa após uma surra que levei de uns valentões da escola. Eles
me surraram por eu ter feito chacota do cara que eles bateram primeiro. Eu não sabia que
seria o segundo da lista. Não vou dizer que foi uma surra merecida, mas ao menos
aprendi a não zombar de quem apanha.
Eram cerca de cinco e meia da tarde quando cheguei em casa. Lembro que ainda
não havia escurecido e que os valentões pisaram no livro de matemática adotado pela
escola. Eu estava bastante chateado com o que ocorrera. Bati na porta da sala, como
fazia todos os dias para entrar. Nada. Bati novamente. Silêncio. De repente a porta é
aberta num rompante e meu pai passa carregado numa maca, aparentemente
desacordado, sendo levado por dois enfermeiros. Ao entrar em casa sou informado de
que ele sofrera um mal estar. Tudo bem. Ele não parecia estar tão mal na maca. Não
deveria ser nada grave, ele seria medicado e voltaria logo para a casa. Ao ver a grande
quantidade de sangue sendo lavada a baldes d’água mudei de opinião. Fiquei apavorado.
Minha mãe disse que fôssemos rezar para que ele ficasse bom e não morresse. Foi a
primeira coisa realmente importante que pedi a Deus e sem dúvida a oração mais
fervorosa que já fiz.
Uma semana depois recebo a notícia de que ele havia morrido no hospital. Minha
mãe me disse que ele havia tido uma tontura quando estava no alto de uma escada. Caiu
e bateu com a cabeça num murinho, sofrendo traumatismo craniano. A tontura teria sido
causada por um infarto repentino. Provavelmente uma farsa, como descobri mais tarde, já
adulto. De fato, num primeiro momento, ao ver meu pai passando por mim numa maca,
não me alarmei: ele estava bem, não havia sangue na roupa dele. O absurdo era
evidente: não havia sangue na roupa de meu pai, mas a escada que dava acesso ao
segundo andar da casa era um rio vermelho. Ao comentar isso com minha mãe, anos
mais tarde, ela disse: “Eles trocaram a camisa dele antes de levá-lo, para não assustar
seu irmão Winter”. Com essa emenda a fraude tornou-se patente. E segue o demônio
aplaudindo as mentiras de minha família.
Cheguei à conclusão – verdadeira ou falsa, ela é mais plausível do que a que me
***
Eu queria beijar uma garota. O nome dela era Gisele. Uma menina branca e loura, filha de
uma amiga matemática de minha mãe que morava nas proximidades. Não tinha a menor
ideia de como beijá-la e não fui feliz na execução de um plano que sequer existia. Foi
meu primeiro “fora”.
Refugiei-me nos livros, onde encontrei bom material para aprender sobre coisas
que julgava importantes. Na sexta série já havia aprendido a resolver equações do
segundo grau – que eram estudadas na oitava série – e um pouco de álgebra no livro
“Álgebra I” de Augusto César Morgado e Eduardo Wagner. Nessa época frequentei um
psicólogo chamado Eduardo Nicolau que mais tarde viria a me ajudar muito, me indicando
um excelente curso de matemática: o método Kumon. Os livros não me impediram de me
sentir em desvantagem perante meus colegas, que já conheciam as meninas na
intimidade. Eu, por outro lado, sequer sabia como era o corpo nu de uma mulher. Até
então, nunca havia visto uma mulher nua, nem ao vivo nem em fotos 5. Por estranho que
5 Naquele tempo as revistas eróticas vinham embaladas num plastico preto que tapava os corpos nus das modelos,
deixando à mostra somente os títulos das revistas. Também não existiam nos jornais as figuras picantes de mulheres
seminuas, como há hoje em dia. A exibição de filmes ou programas com mulheres nuas ou em poses e trajes
provocantes era muito mais rara que nos tempos atuais. A exibição das mulheres mais sensuais e menos vestidas
ocorria em programas como O Cassino do Chacrinha e O Clube do Bolinha, mas nada comparado ao que há hoje.
***
Na 6ª série saí do Curso Salesiano Santa Rosa, onde haviam me matriculado. Eu faltava
quase todos os dias e cobrava de mim mesmo um desempenho acadêmico superior,
como o que eu sempre havia tido até a quarta série, antes da morte de meu pai. As faltas
não se deviam a “vagabundagem” ou coisas assim, pois eu não saía para vadiar,
namorar, caminhar ou me divertir de algum modo. Eu só queria evitar a dor moral.
Simplesmente passei a sofrer muito na escola. Era um suplício assistir as aulas, eu não
conseguia prestar atenção ao que os professores diziam, ainda que me esforçasse para
isto, e minhas notas medíocres me faziam sentir mal. Se pelo menos eu fosse namorador,
poderia curtir mais a escola, ela teria alguma graça no recreio, pelo menos. Mas eu era
virgem e não tinha nenhum contato íntimo com garotas.
Achava que a matéria havia ficado muito mais complicada e muito maior e que por
isso já não bastava simplesmente prestar atenção às aulas para aprender as disciplinas.
Até certo ponto isso até ocorria, e eu tentei passar a estudar mais em casa para voltar a
ter boas notas e me sentir melhor por isso. Mas a verdade é que eu estava sendo
insidiosamente envenenado por drogas de uso psiquiátrico – e elas diminuem o
rendimento escolar, como bem se sabe.
Minha mãe e eu não sabíamos como lidar com a situação. Eu ainda tinha a
desculpa de ser uma criança, mas o que dizer de minha mãe? As vezes penso que ela
***
A descoberta da masturbação
***
Depois de ser aprovado na sexta série no Centrinho, tentei fazer lá mesmo minha sétima
série. Mas foi estranho. Meus antigos amigos do ano passado estavam mudados.
Quietos, calados e um tanto reservados demais. Eu não me sentia mais bem lá. Decidi
mudar de colégio.
Foi quando surgiu a chance de estudar com meu melhor amigo no Colégio
Figueiredo Costa, então um dos grandes colégios tradicionais de Niterói. O nome desse
meu melhor amigo é Raphael Oliveira de Rezende – o corredor que mencionei antes – e
somos amigos até hoje por conta dos grandes perigos que nos irmanaram em nossas
aventuras. Mas falemos disso mais adiante.
***
Foi nessa época que decidi entrar de cara na Matemática. Criei uma técnica diferente
para obter números primos que dois ou três anos depois viria a ser publicada na Revista
do Professor de Matemática (RPM) sob o título Uma Construção de primos, no número 15
dessa revista. Quem me ajudou muito foi a professora Renate Watanabe. Foi ela que
encaminhou esse meu primeiro trabalho para apreciação do comitê editorial da RPM. Seu
apoio e suas orientações, que recebi por carta, me foram muito valiosas. Naquele período
de férias de fim de ano pedi a minha mãe para contratar um certo professor particular de
***
***
Numa tarde, eu, Sandro e Winter vimos uma espécie de cruz ao longe e resolvemos ir até
aquela cruz para resolver o enigma e saber qual o significado dela. Mas era muito mais
longe do que podíamos ir naquela tarde. Então resolvemos ir no dia seguinte, pela
manhã. Não contamos nada para Blau nem para Vanda, pois eles iam “melar” nossos
planos. No dia seguinte iniciamos uma jornada até a misteriosa cruz. Teve uma hora que
tivemos que passar em frente a uma casinha que tinha um cão mal humorado tomando
conta. Resolvemos que um cachorro, mesmo grande e oferecendo risco, não iria impedir
nossa jornada. Então decidimos passar caminhando em frente à casinha, sem correr e
nem olhar em direção ao cão. Ele rosnou ameaçadoramente, mas ficou nisso e nós
conseguimos passar. Ao chegar na cruz misteriosa sondamos o lugar. Uma cruz grande
sobre um canteiro circular, com círculos concêntricos que se sobrepunham, os menores
sobre os maiores. Levantamos a hipótese daquele ser o túmulo de um cavalo muito bem
quisto por seu proprietário que, após a morte do animal teria resolvido e homenageá-lo
com a imensa cruz sobre o local de seu sepultamento. Voltamos para casa por outro
caminho e descobrimos que a tal cruz era o que as pessoas chamam de cruzeiro, que é
uma cruz numa parte visível da cidade que a consagra a Cristo. O cruzeiro mais famoso
do mundo é o Cristo Redentor, localizado na cidade do Rio de Janeiro. Uma estátua com
***
Nossa primeira aventura foi subir um morro em Niterói que tinha uma misteriosa
construção no topo. Naquela época minha mãe, meu padrasto, meu irmão e Sandro
moravam num apartamentozinho no oitavo andar de um prédio situado na rua Noronha
Torrezão, bairro de Santa Rosa, Niterói. Eu, Winter e Rapha resolvemos ir até o topo do
morro para saber do que se tratava aquela construção. Minha mãe, alarmada, fez uma
funesta previsão: “vocês vão morrer!”, mas nos deixou partir. A empregada fizera alguns
sanduíches com ovos para que levássemos em nossa pequena excursão sem guia. Acho
que chamamos Sandro para ir conosco, mas parece que ele não quis ir. Iniciamos nossa
aventura subindo uma ruazinha de um morro próximo, passamos na casa da madrinha de
Winter, que se chamava Rosa. Ela era meio enricada e morava numa casa grande perto
do morro. Nos avistou vindo ao longe e, não nos reconhecendo devido à distância,
mandou que os cães nos atacassem. Ficamos paradinhos e eles ameaçavam nos morder,
latindo ferozmente a uma pequena distância. Mas quando Rosa nos reconheceu, ordenou
que os cães retornassem. Fizemos um lanche na casa da madrinha Rosa e prosseguimos
a jornada. Teve uma ruazinha que subimos e na última casa precisávamos pedir
passagem para prosseguir. Pedimos água ali e o dono da casa nos orientou: “não vão por
tal caminho, porque tem uns marginais por lá. Sigam por este outro caminho”. Então
prosseguimos. Tivemos que jogar os sanduíches fora, pois entrou terra na sacola em que
os carregávamos. Após atravessar uma matagal queimado, chegamos até a construção.
Ela parecia abandonada, mas ao examinar melhor, avistei um sujeito sem camisa e com
uma arma de fogo num cinturão. Nos afastamos um pouco do sujeito e tentamos decidir o
que faríamos. Fiquei com medo dele nos matar. Não era bem medo o que eu sentia, mas
um receio que misturava prudência e animação. Ele podia ser um bandido ou algo assim.
Era uma situação difícil. Enquanto conversávamos o sujeito nos achou. Ele era da polícia
e nos disse que aquele era o posto de telecomunicações da polícia. Lavamos nossas
mãos com um sabão de coco metido num prego. O policial perguntou se estávamos lá
para pegar alguma pipa e dissemos que não. A vista era reveladora. De um lado estava
São Francisco e um outro morro com uma outra construção. Do outro lado víamos o
centro de Niterói, a ponte Rio-Niterói, e boa parte da Bahia de Guanabara. Era incrível.
Voltamos por outro caminho e eu escorreguei e rasguei minha calça de moletom.
Acabamos chegando no bairro de Fátima, próximo de Santa Rosa e voltamos a pé para
casa.
Essas aventuras marcaram muito minha infância e início de adolescência.
***
Em 1983 havia iniciado um tratamento com o psicólogo Eduardo Nicolau. Ele soube de
meu grande interesse por Matemática, mas na época em que me tratava achou que esse
interesse me absorvia tanto que estava a dificultar meu amadurecimento e ingresso no
mundo adulto e real. Era como se a energia e interesse que eu investia na Matemática me
mantivessem longe de resolver questões mais mundanas, tais como arranjar uma
namorada, me relacionar afetivamente, aprender sobre a vida etc.
***
6 Nessa época eu cursava a oitava série do primeiro grau no Colégio Itapuca, em Santa Rosa. A loura referida no texto
chamava-se Marcela e eu havia lhe proposto que fôssemos para meu apartamento fazer sexo.
***
Quero destacar três coisas: primeiro, o mito de que o agressor quer ser agressor;
segundo, o silêncio sobre os malefícios do atraso da iniciação sexual dos adolescentes;
terceiro, o fato pouco estudado de que drogas psiquiátricas são legalizadas, porém ainda
são drogas. Sobre o agressor querer ser agressor quero dizer que isso não corresponde
sempre a verdade. Cada caso é um caso. Um verdadeiro agressor quer ser agressor e
pode ser. Se uma agressão ocorre, uma das perguntas que se deve procurar responder é:
“o agressor queria cometer a agressão ou ele perdeu o controle?”. Se o agressor perdeu
o controle ele precisa de ajuda, mas se ele fez o que fez por um exercício do livre arbítrio,
deverá ser punido. Responder a pergunta proposta nos orienta sobre como resolver o
problema e evitar que futuras agressões ocorram. Se queremos resolver um problema,
temos que entender o problema primeiro. O que tenho observado é a mídia eleger os
vilões do momento, cada um deles teve a sua época: Josef Fritzl, como pedófilo, raptor e
estuprador da própria filha; o casal Nardoni, pela morte de Isabela Nardoni; Suzane Von
Richtofen pelo assassinato de seus pais; o maníaco do parque, pelo estupro e morte de
muitas mulheres; Febrônio Índio do Brasil, pela morte e estupro de crianças. Examinando
esses casos, podemos nos perguntar: “o que foi feito para evitar novas tragédias como
essas?”. Não vale responder dizendo que houve um aumento da pena, por exemplo.
Aumentar a pena para um crime fará o juiz relutar um pouco mais em condenar alguém
por aquele crime. Na prática, talvez menos pessoas sejam condenadas. Além disso, se o
mero aumento da pena resolvesse o problema ia ser muito fácil acabar com a
criminalidade: bastaria punir todos os criminosos com pena máxima, digamos, uns 40
(quarenta) de reclusão. Será que o mundo passaria a ser um paraíso ou um inferno? Acho
que viveríamos num inferno. Um indício forte que aponta nessa direção é o fato de as
prisões da Islândia serem como hotéis de quatro estrelas: lá o condenado tem direito a
duas horas por dia de Internet! Se uma punição branda favorecesse o crime, a Islândia
seria um país com alto índice de criminalidade, o que não ocorre. Por outro lado, se uma
punição mais severa fosse capaz de refrear o crime, o índice de criminalidade no Brasil
deveria ser muito mais baixo que o da Islândia, o que também não acontece. Estamos
olhando na direção errada se nos propusermos a combater o crime com o aumento das
penas. Mas qual a solução para isso? Uma pista nos é dada se lembrarmos um
pensamento devido a Pitágoras: “devemos educar as crianças para não ter que punir os
homens”. Quero acrescentar que não é uma punição mais ou menos severa que irá
resolver o problema da criminalidade. Para coibir o crime, as punições devem ser
adequadas, mas não necessariamente severas. Para ilustrar o que digo lembro-me do
caso do primo de um antigo amigo de meu irmão. O amigo atendia pela alcunha de
Bob Cuspe. Ele nos contou que um primo seu – ou algum outro parente, não tenho
certeza qual – fora preso por ter cometido um pequeno roubo ou algum delito de menor
importância. Devido às ameaças, agressões e traumas que teve na prisão, saiu de lá tão
***
***
***
Fui estudar no Colégio Gay-Lussac, no centro de Niterói. Lá conheci outra garota que,
como a anterior, chamava-se Marcela. Mas era uma Marcela muito diferente. Branca,
cabelos curtos e negros, inteligente, estudiosa. Ela me encantava com o que dizia e com
o interesse que manifestava por ideias, conceitos e teorias. Eu gostava muito dela e
Marcela estava sempre conversando comigo sobre os livros que lia e coisas assim. Era
muito bom vê-la falar com tanto interesse e admiração dos livros que costumava ler. Mas
eu me sentia frustrado por não acreditar ser capaz de estabelecer uma relação mais
próxima com ela, tipo um namoro. Olhando em retrospecto, percebo que era isso que nós
queríamos. Ou, mesmo que não quiséssemos isto, era exatamente isto que nos faria
felizes.
Minha grande dificuldade em me relacionar a contento com o sexo oposto foi, sem
dúvida, uma barreira que demorei muito para superar e que me causava grandes e
***
Zoofilia
7 Esse episódio ilustra bem a motivação do portador da Síndrome de Münchhausen (F68.1), também conhecida como
Síndrome do doente poli-hospitalizado. Apesar de nenhum dos personagens do episódio supra-relatado sofrer dessa
síndrome, o incidente mostra, claramente, que alguém que venha a sofrer uma agressão considerada indevida por
seu entorno social receberá carinho, aplauso e manifestação de apoio desse mesmo entorno. O portador da
Síndrome de Münchhausen busca dissimuladamente e com empenho receber essa mesma manifestação de apoio e
esse mesmo carinho de seus amigos e conhecidos. Para isso, procura, sempre que possível, passar a ideia de que foi
uma vítima inocente de reveses e infortúnios absolutamente imerecidos. Com a finalidade de desempenhar um papel
de vítima, o portador dessa patologia costuma simular doenças em si mesmo ou em familiares muito próximos (que
tecnicamente são chamados de substitutos). A fim de desempenhar o papel de vítima inocente, não hexita o portador
dessa síndrome em por sua própria integridade física em risco ou causar graves danos a familiares próximos,
podendo mesmo chegar a cometer o assassinato de familiares, desde que estejam convictos de que seu crime não
será descoberto jamais (é imprescindível que sejam sempre considerados inocentes, caso contrário deixam de
receber o carinho destinado às vítimas e passam a ser alvo da recriminação destinada aos agressores).
***
***
Testosterona
Cabe fazer alguns comentários muito pertinentes antes de continuar. Em primeiro lugar, é
fato bem conhecido haver muito mais líderes do sexo masculino do que do sexo feminino.
Se nos perguntarmos sobre o motivo para isso, uma das resposta possíveis será o
hormônio chamado testosterona. Este hormônio é um dos grandes responsáveis pela
qualidade de liderança. Quem tem mais testosterona terá, do ponto de vista endócrino,
mais talento para liderar do que quem tem menos. E por esse hormônio ser muito mais
atuante nos homens, isso explica porque é mais comum haver mais líderes homens do
que do sexo oposto.
Uma das principais características dos líderes talvez seja agressividade. A
agressividade pode significar coisas ruins, como hostilidade, destrutividade ou violência
física, mas nem sempre isso ocorre. Agressividade também pode significar coragem e
ousadia. Pode-se encarar a agressividade como a qualidade de ser agressivo. Nesse
caso, ser agressivo pode ser interpretado como ser empreendedor ou audacioso, como
na expressão “vendedor agressivo”. Do mesmo modo, ser agressivo também pode
significar ser arrojado e corajoso, como na expressão “campanha publicitária agressiva”.
Vimos, pois, que agressividade pode nos remeter a qualidades típicas da liderança, a
saber: coragem, ousadia e empreendedorismo.
O principal hormônio regulador da agressividade no ser humano é a testosterona.
Isso nos faz entender o maior número de líderes do sexo masculino do que do feminino.
Também explica porque os homens costumam recorrer mais à violência física que as
mulheres: eles tem muito mais testosterona.
O fato notável é que impulsos sexuais e agressividade estão fortemente
relacionados. A propensão ao sexo e à agressividade parecem brotar da mesma fonte. De
fato, citando Steve Biddulph em seu livro “Criando Meninos”:
“Sexo e agressividade estão ligados de algum modo – controlados pelos mesmos centros
no cérebro e pelo mesmo grupo de hormônios.”
Uma pesquisa reveladora mostrou, em 1980, uma forte conexão entre impulsos
sexuais e delinquência juvenil. Citando a mesma fonte:
“os meninos são muito mais propensos a problemas com a polícia seis meses antes de
10 Naquela ocasião, Ralph Costa Teixeira também participou dessa mesma competição. Entretanto ele fez a prova
referente ao 3º ano do segundo grau. O professor responsável – um matemático de origem portuguesa – anunciou,
enlevado, que Ralph obtivera a medalha de ouro em sua categoria ao ser o único a resolver todas as questões da
prova com absoluta correção. O mesmo professor, que antes da realização da prova soubera de meu grande interesse
por Matemática, fez, em seu discurso de divulgação dos resultados, menção a uma certa “decepção”, sem explicar,
entretanto, exatamente a que se referia. A carapuça acabou servindo.
O meu palpite é que da mesma fonte que brota a violência física, mina também a
energia psicossexual. A agressividade pode se transformar tanto em violência física
quanto em força sexual, bem como em intensa produção intelectual, tenha ela caráter
artístico, filosófico ou científico. Se a agressividade não for adequadamente canalizada,
ela pode estourar como violência (auto)destrutiva e descontrolada. Se nos
conscientizarmos que o atraso da iniciação sexual dos meninos pode torna-los vítimas de
chacotas, comentários maldosos e insinuações que põem em dúvida sua masculinidade,
estaremos aptos a concluir que um garoto com dificuldades em se relacionar com
meninas terá sucessivas frustrações afetivo-sexuais ao mesmo tempo em que armazena
grande agressividade. O resultado disso costuma ser trágico. Pode resultar em crimes
aparentemente inexplicáveis, como os casos em que o filho mata os pais, tios ou os avós.
Adolescentes considerados inteligentes e estudiosos, me parece, estão mais propensos a
explodir sua agressividade como violência descontrolada contra sua família. Seriam
considerados inteligentes por estarem canalizando sua energia para ciência e demais
estudos, numa tentativa de manter aberta essa válvula de escape e, assim, reduzir suas
frustrações afetivo-sexuais. Neste caso, quanto mais incentivo e facilidade encontrarem
para estudar e aprender, quanto mais recompensas justas por seus esforços eles tiverem,
mais longe irão. O caso emblemático foi o de Isaac Newton, físico e matemático inglês do
século XVII que pode muito bem ser considerado o maior cientista de todos os tempos.
Newton se absteve de relações sexuais durante toda sua longa vida e sua produção
intelectual foi algo sem precedentes. Alguns chegaram a achar que ele não era humano.
Sobre Newton, afirmou-se: “mais perto dos Deuses nenhum mortal pode chegar”. O caso
de Newton foi o de ter tido ele êxito em canalizar quase toda sua agressividade para seus
estudos, pesquisas e teorias.
***
Facada no padrasto
11
***
Depois que voltei a Niterói, passei vários meses (até o início de 1990, acho) tentando ter
uma vida longe da escola regular. Acreditava que se estivesse em ambientes
frequentados por pessoas mais velhas e mais sérias, elas não seriam tão cruéis comigo e
***
Em 1989 quis concluir o então chamado primeiro grau. Para isso, bastaria terminar a
oitava série. Não quis estudar em colégios onde se exigisse assistir aulas, pois todo o
inferno de minha frustração em não conseguir os carinhos de alguma menina desabaria
novamente sobre mim. Optei por terminar a oitava série num curso supletivo, onde se
pedia que estudássemos a matéria em módulos – pequenas apostilas com os tópicos que
cairiam na prova. Embora os módulos fossem, em geral, pequenos e fáceis de entender,
para ser aprovado num módulo era necessário tirar, pelo menos, a nota 8,0, isto é, ter um
aproveitamento de 80%.
***
Quando completei 18 anos de idade, ainda virgem, meu psiquiatra, Drº Eugênio Lamy,
insistiu para que eu procurasse uma sauna, lugar onde poderia trocar meu apoucado
dinheiro pelos favores sexuais de uma prostituta. Eu não queria transar com nenhuma
puta, pois tinha medo de tudo que a TV, os padres, e as piadinhas entre amigos diziam
sobre elas. Naquela época interrompi temporariamente as drogas tranquilizantes que o
próprio Lamy me receitara – haloperidol, carbamazepina e prometazina – e passei a ter
uma coragem que eu mesmo desconhecia. Eu fazia a oitava série no CES e ter deixado
de tomar meus “remédios” fez aflorar em mim uma sexualidade tão intensa que não se
deixava domar facilmente. Não estava plenamente preparado para controlar aquilo, ainda.
Essa energia intensa não se canalizava para o sexo de modo direto, porque eu ainda era
virgem e desprovido de recursos para estabelecer relacionamento sexual que
considerasse satisfatório. Mesmo sem falar em sexo ou buscá-lo de algum modo, a
intensa vitalidade sexual acabou sendo percebida no CES e, não tendo eu firmado
relações com mulheres na época, meu comportamento acabou sendo confundido como o
de um gay. Pelo menos foi isso que pensei na época. Hoje minha opinião é bem diversa:
sem que eu ficasse sabendo, minha tia Vera Lúcia de Campos ou minha mãe Vanda
12 Foi um fracasso e ainda saí de lá injuriado por um velho que sugeriu que eu fosse gay – o infeliz me envergonhou
diante de toda a turma e tive tanta raiva dele que quis trucidá-lo, mas lembrei do aperto que passei no episódio com
meu padrasto e preferi não fazer nada.
13 Outro fracasso, assim como no caso do curso de eletrotécnica, pois não fui capaz de me interessar verdadeiramente
por desenho e pintura – também fiquei com raiva do dono do curso e quis trucidá-lo, mas, novamente, me lembrei
do desespero pelo qual passei ao esfaquear meu padrasto e não fiz nada.
14 Tive um sucesso relativo em meu retorno ao Kumon, tendo feito cerca de 1200 folhas de exercícios de matemática.
Acabei cometendo o erro de dizer ao professor Faraday que eu havia metido uma faca em Lourenço. O tratamento
que passei a receber de Faraday mudou muito pouco, mas percebi que ele não me recebia mais em sua residência.
Foi bom ter cometido esse erro para que percebesse que não deveria mais comentar isso com ninguém.
15 Para alguém que não havia concluído sequer o primeiro grau, o curso de verão no IMPA foi um sucesso relativo, já
que tive 65% de aproveitamento na primeira prova dele, que se dirigia principalmente a estudantes da graduação.
***
Ter ficado sem drogas psiquiátricas naquela época afetou negativamente meu psiquismo,
ao contrário do que ocorre hoje em dia. Ao mesmo tempo em que parei de tomar
remédios, adotei durante dez dias um hábito de sono muito diferente do usual: eu dormia
noite sim, noite não. Quando ia para cama, acabava dormindo entre dez e dezesseis
horas seguidas para compensar a ausência de sono na noite anterior. Naquela época,
atribuí a meu psiquismo diverso a má interpretação de meu comportamento e a
decorrente crença, por pessoas do CES, de que eu fosse gay 16. Isso me revoltou, afinal,
eu já havia comido uma garota – uma garota de programa, e também nunca havia tido
relações com homens. Eu não sabia porque as pessoas estavam tendo uma ideia errada
de minha sexualidade.
A questão é que ter me relacionado sexualmente com uma prostituta não melhorou
tanto minha capacidade de convencer outras mulheres a se relacionarem comigo. Na
verdade, minha dificuldade em iniciar um relacionamento íntimo com mulheres não
16 Como já disse, talvez seja mais provável que essa crença tenha se estabelecido a partir de boatos espalhados por
minha mãe Vanda ou minha tia Vera.
***
***
De volta à Floresta
Sexo com putas era algo que eu me permitia fazer. Depois que voltei do Hotel Raposo
retornei ao prostíbulo conhecido como Floresta. Eu retornara ao uso de drogas
psiquiátricas e chamei Márcia – a mesma mulher com quem tive minha primeira relação
sexual – para ficarmos juntos novamente. Parece que ela não quis muito ficar comigo
não. Ela se negou a ficar comigo de um modo tão sutil e carinhoso que não me abalei.
Talvez tenha feito isso por eu não ter gozado com ela da primeira vez. Então escolhi outra
menina, que dizia chamar-se Amanda. No quarto, nu e duro, perguntei a Amanda: “Você
beija?”. Ela respondeu: “Claro que beijo” e tomando meu vigor nas mãos iniciou uma
sessão de sexo oral. Quando perguntei se ela beijava não estava pedindo isso. O que
queria era beijo na boca. No início essa era minha queixa principal. Elas, via de regra,
evitam o beijo na boca. Amanda ficou de quatro e tendo eu a penetrado ela foi a primeira
pessoa com quem gozei. Mas a achei muito larga, parecia faltar pressão. Retornei a
“Floresta” na outra semana. Não vi nem Amanda nem Márcia e então fiquei com uma
garota chamada Mirtes, de pele branca, cabelos negros e compridos de cerca de trinta e
poucos anos e cujo apelido era “indiazinha”. Esse único contato com Mirtes foi o suficiente
para que ela não me esquecesse mais. Após um ou dois anos sem nos vermos, ela ainda
se lembrava de mim. Mistérios do amor.
Na quarta vez em que retornei a “Floresta”, uma negra gostosa de nome Zuleica
me perguntou decidida e natural: “Vamos trepar?” Fomos. Disse a ela que queria
penetrá-la analmente. Ela me prometeu que faria isso da próxima vez que estivéssemos
juntos. Depois de alguns dias, retornei à “Floresta”. Entretanto, a casa estava em obras e
naquele dia ninguém seria atendido. Soube mais tarde que havia fechado as portas – o
motivo umas pessoas disseram que foi por um cliente ter matado uma prostituta lá, por
ele ter se apaixonado por ela; outros disseram que o problema fora o uso de tóxicos
ilícitos naquele bordel.
***
Rodei a cidade perguntando a um e a outro onde havia uma sauna com meninas.
Tomando as tais drogas psiquiátricas eu não conseguia mais resolver esse problema
extremamente simples: bastava perguntar a algum taxista, como eu tinha feito antes.
***
Por informações que tive com os próprios frequentadores da Alameda 250, cheguei a
outro lugar, na Rua Marechal Deodoro n.160, no centro de Niterói. Fui até lá e reencontrei
Mirtes. Passei por ela e reconhecendo-a tentei lembrar de seu nome, o que não consegui.
Mas, atento, ouvi alguém mencionar seu nome, presumivelmente se dirigindo a ela, o que
me fez recordar definitivamente. Fui procurar alguma garota de quem eu gostasse e
acabei dizendo um “oi” para Mirtes que testou minha memória dizendo-me algo como:
“Meu nome é Diomara” e eu respondi: “Não, seu nome é Mirtes”. Ela se derreteu toda.
Transamos. Eu pedi para penetrá-la analmente, mas ela se recusou. Desculpou-se e
justificou a negativa dizendo que tinha um problema nos rins. Não a peguei mais desde
então. Márcia, que me tirou a virgindade, também estava lá. Fez de tudo para ficarmos
juntos. Tentei escolher outra menina, mas elas, percebendo o interesse da companheira,
se recusaram a ficar comigo. Como eu resistia a ficar com ela, Márcia me disse que faria
sexo anal. Foi a primeira bunda que comi. No entanto, por pouco não brochei, pois me
senti pressionado, além de estar tomando várias substâncias psicotrópicas receitadas por
meu psiquiatra, Eugênio Lamy. Esses remédios acabavam comigo, mas na época eu não
sabia como seria a vida sem eles, além do que, devido minha juventude e grande saúde
física, podia ter uma vida próxima do normal mesmo os utilizando.
***
***
Em 1989 fomos fazer uma visita a meu tio Napoleão, minha tia Isabel – que chamávamos
tia Belita – e meus primos Fabrício Campos e Isabela. Eles moravam em Muqui, uma
cidadezinha do estado do Espírito Santo. Lá, meu irmão Winter e eu decidimos sair uma
noite para passear. Não encontramos nenhum barzinho ou qualquer coisa do tipo, então
ficamos andando sem rumo na noite silente de Muqui.
Num dado instante, percebi algumas pessoas no alto de uma pequena construção
– uma casa de dois andares ou pequeno prédio. Eram umas meninas que jogavam umas
pedrinhas na gente. Nos aproximamos e eu as chamei para descerem e conversarem
conosco. Para despertar o interesse das meninas eu disse que havia ganho um prêmio
numa loteria, mas nem eu nem elas levaram minha afirmação a sério. Desceram duas ou
três meninas. Uma delas era Márcia Regina, que viria a ser minha esposa doze anos mais
tarde. Ficamos conversando durante algum tempo e me despedi de Márcia me inclinando
e lhe dando respeitosamente um beijo na mão, como imaginava que os cavalheiros
faziam – era assim que eu tinha visto nos filmes!
No dia seguinte, pela manhã, ficamos esperando o ônibus que nos levaria de volta
a Niterói. Mas uma das meninas que conhecêramos na véspera foi até lá e me pediu meu
endereço, que eu dei solícito. Alguns meses depois, em minha casa em Niterói, já havia
esquecido o episódio com as meninas. Foi aí que recebi uma carta de Márcia com letras
bem grandes dizendo: “Mande notícias”. Começamos a nos corresponder e depois de
meses decidimos nos encontrar novamente.
Após uns meses me correspondendo com Márcia, voltei a Muqui para vê-la e nós
ficamos juntos – nos beijamos muito, mas não houve sexo, nem oral nem com
penetração. Havia pedido uns conselhos a meu então psiquiatra Dr. Eugênio Lamy, que
acabaram se mostrando bastante úteis para conquistar Márcia. Finalmente eu conseguira
uma namorada, coisa inédita para mim, embora já tivesse tido relações com prostitutas.
Na volta para casa, eu me sentia o homem mais feliz do mundo. Se eu morresse
na viagem de volta, teria morrido feliz. Nem mesmo a proximidade da morte poderia ter
***
Naquela época conheci um sujeito chamado Fernando. Ele era jovem, alto e forte.
Eramos da mesma turma do CIN – Centro de Informática de Niterói – um curso de
informática. Um dia ele me chamou para sair, iríamos ao Plaza Shopping a noite. Ele
acabou me contando que era bissexual e que queria ter relações comigo. Perguntou se
eu era virgem. Eu disse que não, que me relacionava frequentemente com prostitutas e
que era esse meu modo de encarar o sexo. Ele me contou a vida dele toda então. Que
tinha tido um menino menor de idade por amante; que havia frequentado bacanais gays,
mas que não fazia mais isso; que nestes bacanais ele era ativo, mas que uma vez, diante
da insistência de outro frequentador, havia sido o passivo; que tinha ascendência
portuguesa; que sua mãe lhe criou com muito carinho; que tinha uma garota do CIN lhe
dando bola (por sinal uma que eu queria); que tinha uma rixa com um irmão etc etc etc.
Após uma longa conversa, já de madrugada, ele me levou ao ponto de ônibus insistindo
para que eu tivesse um comportamento homossexual, o que não aconteceu. Então peguei
o ônibus e nos despedimos. Não fiquei angustiado como da vez que em Geraldo me
cantou, no Itapuca. Dessa vez não fiquei em dúvidas quanto a minha sexualidade. Já
tinha uma identidade sexual estabelecida. Eu era putanheiro.
Ter uma identidade sexual é o mesmo que estar satisfeito com a vida sexual que se
tem, qualquer que seja ela. Naquele momento da minha vida ser putanheiro era
satisfatório para mim – ou quase. Na verdade eu ainda queria me relacionar com
mulheres não-prostitutas, mas nesse particular tive somente um êxito em toda minha vida
que é minha esposa hoje.
***
De taradinho a taradão
***
Pedofilia
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Em 1993 Winter conheceu Nalini, uma garota que viria se tornar sua mulher. Eu fiquei
animado, já que meu irmão, adepto da doutrina anarquista, havia mostrado simpatia por
um episódio particular ocorrido numa comunidade anarquista: dois homens dividindo a
mesma mulher como se eles estivessem, ambos, casados com ela. Algo análogo ao que
acontece em certos países árabes e em alguns lugares da África, onde um mesmo
homem pode ter mais de uma esposa; a diferença é que, naquele caso, uma mulher tinha
mais de um marido. Expressei essa minha ideia a Winter que foi taxativo ao dizer que ele
queria Nalini só para ele. Eu achei que sua decisão contrariava seu ideal anarquista.
Ademais, me pareceu injusto da parte dele se opor a meu relacionamento com Nalini, já
que eu o havia iniciado no excitante mundo dos bordéis e lhe ofereci a melhor mulher do
bordel da rua Marechal Deodoro 160 – a minha muito querida Hilda Shanna. Winter e
Shanna transaram com meu consentimento e incentivo. Na época eu me preocupei com a
sexualidade de Winter. Pensava que se ele viesse a enfrentar problemas como os que eu
enfrentei, poderia meu irmão não superar como eu superei. Por isso achei por bem
incentiva-lo a manter relações sexuais com Hilda Shanna. Foi um ato de amor por meu
irmão. Se eu não me importasse com ele, jamais o teria incentivado a ir num bordel (que
eu saiba, ele só foi uma vez lá).
Diante da negativa de meu irmão, decidi não procurar ter relações com Nalini.
Acabei fazendo amizade com ela. Apreciei sobremodo a amizade não-sensual com Nalini.
Era sentia como se ela fosse minha irmã e fiz até um poema para ela. Mas não divulguei
a poesia para ninguém. De repente e sem aviso, Nalini começou a me evitar e ser irônica
comigo. Perguntei a Winter porque ela estava fazendo isso e se ele havia dito a ela que
eu esfaqueara Lourenço. Winter negou ter dito qualquer coisa desse tipo para Nalini, mas
na certa outra pessoa deve ter falado alguma coisa. E minha amizade com Nalini morreu
vítima da maledicência.
***
Bem no início de 1994 concluí o ensino médio no CES e entrei no curso pré-vestibular
Impacto. Nessa época meu psiquiatra era o Drº Eugênio Lamy. Sob sua orientação eu
estava tentando substituir o uso do haloperidol pelo da risperidona, que me deixava muito
mais motivado. Infelizmente, havia um efeito adverso tão bizarro quanto imprevisto:
alteração na sexualidade. Animado, passei a praticar corrida pela manhã e me
***
Devido a ter tido algum sucesso no estabelecimento de minha identidade sexual, passei a
ser um excelente estudante. Não me via mais como um perdedor incapaz de transar
mulheres. Em 1996 eu estava no auge de minha vida acadêmica. Estudava muito e tinha
as maiores notas de toda a faculdade. Meu coeficiente de rendimento, média ponderada
de minhas notas na faculdade, chegou a ser de 9,72 – é crível que um tal valor tenha sido
superado por menos de 10 estudantes em toda a história do instituto de Matemática da
UFF. Nessa época Hilda Shanna me disse que iria se casar. O cara era um sortudo. Anos
antes eu havia perguntado à Hilda: “O que você diria se eu te pedisse em casamento?”
Ela disse que não poderia viver com alguém que ganhava somente R$95 por mês. Este
era meu ganho mensal na época, o de um monitor da disciplina de Álgebra I na
Universidade Federal Fluminense.
***
O traseiro da perdição
Em julho de 1996 ocorreu o inevitável – mexi com a mulher errada. Estava a voltar da
UFF à pé para minha casa quando avistei uma mulher de shortinho jeans, cabelos curtos
e loiros se bem me lembro. Eu quis tocá-la. Então passei a segui-la com este intuito. Na
Rua Gavião Peixoto, próximo a um ponto de táxis, tive minha grande chance. Ela parou
próxima ao meio fio e, a fim de atravessar a rua, esperava os carros passarem. Eu me
ajoelhei atrás dela e vi, extasiado, as saliências do traseiro que me levaria a ruína. Era o
traseiro da perdição. Botei o linguão para fora e dei uma gostosa lambida na popa da
loirinha. Ela olhou para trás, surpresa. Eu me pus de pé diante dela e disse com um
sorriso: “As pessoas devem fazer amor livremente!”. Então prossegui meu caminho de
volta para a casa. Mas uns 100 metros depois, no calçadão do Campo de São Bento (o
mais conhecido parque arborizado de Niterói) recebi um empurrão por trás. Olhei e vi a
mulher muito zangada a se afastar e a dizer “E fazer violência também!”. Continuei meu
caminho e logo recebi outro empurrão. Era ela de novo e agora exigia que eu entregasse
minha carteira de identidade, caso contrario ela ameaçava dizer ao marido o que
ocorrera. Eu disse que não tinha feito nada de mal com ela e por isso não merecia
***
Incesto
Fiquei realmente preocupado com o que ocorrera. Sabia que o mundo seria um lugar
muito mais perigoso para mim daquele dia em diante. Ao mesmo tempo, não entendia
porque aquilo havia acontecido comigo. O que eu sabia é que se tivesse uma namorada,
não precisaria tocar mulheres na rua e me arriscar tanto. O problema é que, tirando
Márcia Regina – mulher que considerava problemática demais para mim – jamais havia
tido outra namorada na vida. Eu acreditava ser incapaz de cativar uma não-prostituta a
ponto de convencê-la a fazer sexo comigo. Eu não sabia bem o motivo na época, era
como se eu não fosse deste mundo. Na minha cabeça eu só poderia ter os carinhos de
alguma mulher não-prostituta se eu fosse muito íntimo dela desde o início. Já havia
pedido para fazer sexo com minha mãe (em 1985, no prédio da Noronha Torrezão), mas
ela se negara a isto, dizendo “Assim você me ofende”; também havia feito algumas
insinuações desse tipo para minha tia Vera Lúcia de Campos, que fingiu não estar
entendendo. Pensei comigo mesmo que deveria fazer sexo com uma filha minha e ter
filhos com ela, depois que ela atingisse a maioridade. Não seria impossível ter uma filha
sem precisar me casar, pensava eu. Bastaria pagar uma mulher para gerar uma filha
minha. Então seríamos amantes e teríamos mais filhos e filhas. Minha crença na
impossibilidade de ter o amor sensual de uma mulher não-prostituta, excetuando
mulheres da família, me levara ao abismo delirante do incesto planejado. Naquela noite
gravei uma fita cassete relatando minhas intenções pouco católicas de desposar uma filha
gerada por minha sanha. A gravação se perdeu, mas acredito que talvez minha tia Vera
Lúcia de Campos a tenha furtado de mim. Não ficaria surpreso se essa gravação
aparecesse de repente e fosse divulgada.
***
A volta de Márcia
Em agosto de 1996 recebi o telefonema de Márcia Regina Ribeiro, minha primeira e única
namorada. Eu a chamei para vir passar um tempo comigo. Foi uma relação intensa e
rápida, além de muito conturbada e problemática. Márcia queria toda a atenção para ela e
***
Poucos dias após minha separação de Márcia, o marido de minha última vítima me
encontrou. Ele era tenente da polícia militar, acho. Foi assim: eu estava a caminhar pela
Rua da praia de Icaraí, em Niterói, do lado oposto ao calçadão. Ele passou de moto com
sua mulher na garupa bem do meu lado e, parando logo em frente, desceu e perguntou:
“você se lembra dessa aqui?”. Eu estava perplexo, isso nunca acontecera comigo antes.
Ele mostrou que estava realmente zangado e disse em alto e bom som “Eu pensei em
arrancar seus olhos” e também “Eu sei que você mora na rua Domingues de Sá 422”,
então eu pedi desculpas e sugeri que resolvêssemos aquela situação de algum modo
civilizado. Ele respondeu que eu não tinha que pedir desculpas a ele, mas sim a mulher
dele. E completou mandando que eu me ajoelhasse e pedisse desculpas à sua esposa e
me pareceu que, se ela me desculpasse, ele também o faria. Então me senti
momentaneamente aliviado, pois até aquele momento estava a pensar que eu seria morto
ou apanharia muito. Fiz o que o tenente me disse. Me ajoelhei e pedi desculpas. Lembro
bem de uma frase que usei, eu disse: “Eu mudei”. Então a mulher sorriu satisfeita e foram
os dois embora. Mas antes de irem o tenente disse: “Agora desaparece!”. Ao contrário de
sua mulher, ele não parecia nada, nada satisfeito com sua vingança.
No caminho de volta para casa eu pensei como tinha sorte por ter escapado da ira
do tal marido. Pensei que poderia ter sido morto ou ter apanhado muito. Meu primeiro
sentimento foi o de alívio. Mas ainda bem antes de chegar em casa, passei a ter muito
medo. Afinal, nada poderia garantir minha segurança se o tenente quisesse ir ainda mais
longe. Ele sabia meu endereço e era um tenente da polícia militar. Se me matasse ou
mandasse alguém me matar, jamais seria preso por isso. Seu crime estaria plenamente
justificado diante dos outros policiais, militares ou civis. A polícia civil dificilmente apuraria
a contento um crime cometido por um tenente da polícia militar em tais circunstâncias.
Eles, quase todos casados, pensariam “no lugar do tenente eu faria até pior”; na verdade,
eu me coloquei no lugar dele e disse a mim mesmo que faria ainda muito pior. Mesmo se
a polícia civil apurasse o crime, o juiz não o condenaria, haja visto o grande número de
crimes terrivelmente escandalosos em que os policiais que os cometeram jamais vão para
a cadeia. Esses raciocínios me terrificaram por muitos meses. A faculdade deixou de ter
tanta importância para mim – afinal, eu poderia ser morto no dia seguinte. Pelo mesmo
mau raciocínio, deixei de cuidar tão bem de meus dentes como fizera durante tantos anos
ao sempre escová-los antes de dormir, por mais cansado que estivesse. Não tinha sentido
cuidar dos meus dentes sabendo que poderia ser morto em poucas semanas. Por conta
disso desenvolvi um mau hálito difícil de tratar. Não me sentia mais em segurança nas
***
Tentei voltar a UFF em 1998, sem sucesso. Naquela época começara um tratamento com
um novo remédio: a risperidona, um antipsicótico que passei a tomar no lugar do
haloperidol. Eu já havia feito isso em 1994, na época em que fazia o pré-vestibular no
Impacto e fora um desastre, mas achei que dessa vez seria diferente. A substituição do
haloperidol pela risperidona me deixou cheio de energia e motivação. Passei a estudar
muito mais e percebi que estava um pouco mais inteligente, entendendo mais e mais
rapidamente a explanação dos professores. Era como se tudo a minha volta ganhasse um
verniz de novidade e interesse maior.
Meu retorno foi frustrado por um problema para o qual não estava preparado na
época: o bulling universitário.
O que ocorreu, me parece, foi um efeito adverso da risperidona que, como quase
todos os usuários dela sabem, produz variadas alterações a nível de sexualidade. São
três os efeitos colaterais mais comuns sobre a sexualidade que a risperidona pode
produzir, conforme constatei numa pequena pesquisa no Orkut, pelo exame dos
depoimentos dos usuários dela. O primeiro efeito é o mais comum dos três: a redução
drástica dos impulsos sexuais e da vontade de fazer sexo – talvez isso seja observado na
maioria dos usuários de risperidona; outro efeito, possível, mas muito menos comum é um
grande aumento de prazer no ato sexual – só me lembro de um depoimento em que tal
efeito fora mencionado; um terceiro efeito, também raro, observei por duas vezes: em
mim mesmo e no depoimento de outro homem: a propensão à homofobia enquanto medo
patológico de ser considerado homossexual ou bissexual por pessoas próximas. O medo
de ser gay, para ser curto e grosso.
Eu não tive nenhum desejo de me relacionar sexualmente com outros homens,
***
Antes dos falsos boatos sobre minha sexualidade na UFF, eu não pretendia voltar a me
relacionar com prostitutas. Preferia pensar que abster-me de sexo e, em particular, de
minha atividade como putanheiro, me livraria da AIDS e de todas as outras doenças
venéreas que se podia ter. Em certa medida, adotei a filosofia neurótica de que quem
fazia sexo acabaria, em algum momento, contraindo AIDS. Passei a ver prostitutas e sexo
casual como fontes inexoráveis de doenças venéreas. Eu não me relacionava mais com
prostitutas naquela época e quem era descolado e tinha facilidade para ganhar as
mulheres no papo, “deve acabar se infectando com HIV em algum momento da vida”,
raciocinava eu. Enxergando nos outros a desvantagem de se fazer sexo, passei a ver
como uma vantagem o fato neurótico de eu não ficar mais com ninguém.
Isso mudou quando puseram minha identidade sexual em dúvida. Eu me senti
carente dos carinhos de mulheres. Minha intenção era fazer parar as insinuações
perversas que punham minha sexualidade em xeque. Deixar a UFF não foi o suficiente,
pois os boatos se espalharam tanto que chegaram aos meus vizinhos, inclusive à alunos
meus que eu tinha em alta conta (eu trabalhava com professor particular). Querer voltar a
manter relações era, naquele momento, mais uma necessidade emocional do que
propriamente sexual.
Então, em 1999, voltei a me relacionar sexualmente. Encontrei nos classificados do
jornal O Fluminense uma garota de programa chamada Sílvia, mas que atendia com o
nome de Priscila. Ela não beijava na boca, mas fazia sexo anal. Tinha um jeito sapeca
que eu apreciava muito e fazia o estilo ninfeta. Ela era uma daquelas garotas que eu
sempre desejei ter na cama, nem que fosse só em sonho. Era descolada, independente,
liberal e tinha um bom papo. Foi bom. Fiz um poema para ela, que transcrevo abaixo:
Ela só disse que seu nome era Sílvia depois que lhe mostrei o poema.
Ficamos juntos muitas vezes e era sempre bom. Até que eu e minha primeira
namorada, Márcia Regina – a mulher abacaxi – voltamos a nos relacionar. Nos casamos
em julho de 2000 após ameaças, agressões e intimidações que visavam o
estabelecimento de uma relação honesta e amorosa da qual apenas um de nós sairia vivo
para contar a história. Demorei para entender muitas coisas. Creio que hoje tenho uma
ideia mais concreta do que realmente seja um casamento.
Faço aqui um necessário adendo: a expressão “mulher abacaxi” foi usada na mídia
pouco depois de eu ter colocado a primeira edição dessa obra on line, em 10 de maio de
2009 no site www.docstoc.com. Naquela primeira edição o parágrafo precedente estava
quase idêntico ao que você, leitor, viu agora a pouco. A grande sacada é que, enquanto
eu utilizei a expressão “mulher abacaxi” para me referir a minha esposa problemática, a
mídia utilizou, pouco depois de mim, a mesma expressão para se referir um certo travesti.
Os grandes poderosos estão realmente preocupados comigo. Isso mostra que ainda
ofereço perigo para eles. Se não fossem culpados, não se importariam comigo – quase
toda a mídia de massa no Brasil toma parte nesse imenso e pouco entendido conluio para
esconder a verdade e impedir que os verdadeiros culpados sejam punidos.
***
A mídia zomba terrivelmente de maridos traídos, quase sempre dando uma forte
conotação de ridículo ao fato. Os homens que se julgam bem casados com mulheres fieis
devem entender que a eventual descoberta de uma traição da esposa é responsabilidade
dela, e não de quem sofreu a traição. Se eu cometo um erro, a responsabilidade é minha,
de mais ninguém. A vítima de uma traição jamais deveria se sentir tão mal, pois não foi
dela que partiu o ato insidioso. Está claro para mim, hoje, que a fidelidade é importante,
embora eu tenha passado um período pensando o oposto. O que está ocorrendo é que
em vez da mídia valorizar a fidelidade, ela ridiculariza o marido traído ao chamá-lo de
nomes feios como corno. Transforma, assim, uma vítima legítima num palhaço risível. Um
grande problema foi criado midiaticamente: o conceito de corno – isto é, do ridículo
marido traído. O paradigma que a mídia tenta impor é que o culpado pela traição é a
própria vítima dela. Dizem, por exemplo, que “mulher não trai, mulher se vinga”. Querem
dizer com isso que todo marido traído foi, ele mesmo, o artífice do erro da esposa e de
sua própria infelicidade. Quantas pessoas morrem vítimas desse conceito? Quando um
marido mata sua esposa ao encontrá-la com outro homem, não foi ele quem puxou o
gatilho, nem foi sua mão que desferiu os golpes. Foi o conceito de corno pregado pela
mídia que o fez. Foi a ridicularização midiática e equivocada do marido traído que desferiu
os golpes e puxou o gatilho. Foram as ridículas piadas sobre cornos que mataram aquela
mulher. O incrível é que as pessoas simplesmente não se dão conta disso. Tal coisa é
obvia para mim. Afinal, ninguém quer ser corno, ninguém admite ser ridicularizado num
assunto sacralizado como o amor e o casamento. Fiquei sabendo por conhecidos que
meu próprio irmão teria ameaçado se jogar da janela do apartamento em que morava por
ter ele descoberto a traição da esposa. Quando um marido mata a esposa, o motivo
amiúde é a traição do cônjuge. O número de vítimas do conceito midiaticamente criado de
***
Sobre o respeito
Posso dizer que uma mulher tem que ser uma semideusa para merecer a fidelidade de
um homem. Nenhuma das que conheci até hoje mereceu isto. Entretanto, meu dever é
respeitar todas elas, não porque elas mereçam, mas porque eu mereço ser uma pessoa
correta. Respeitar o próximo – merecendo ele ou não este respeito – é um ato de respeito
a nós mesmos. Por outro lado, quem desrespeita outra pessoa deveria entender que sua
atitude é, antes de tudo, um ato de desrespeito contra si próprio. Sempre que estivermos
prestes a fazer algo que prejudique a saúde física ou mental de alguém, devemos nos
fazer pelo menos uma pergunta: “a pessoa que ofendo pode se defender?” Se a resposta
a esta questão for “não”, então estaremos sendo covardes ao infligir dano a alguém sem
possibilidade de defesa. E se nossa covardia for descoberta pelas pessoas que amamos,
podemos ser desprezados por nossos cônjuges ou, ainda pior, dar péssimo exemplo às
crianças que nos admiram, tais como filhos e netos; por outro lado, se a resposta for
“sim”, tenha muito cuidado!, porque quem sofre uma agressão, de qualquer natureza que
seja, poderá vir a vingar-se de modo dramático.
Quero acrescentar algumas palavras a respeito desta questão sobre a
possibilidade de defesa da vítima. Se alguém não pode defender-se de uma agressão
física ou psicológica e se ao mesmo tempo acreditamos que, por algum motivo, esta
pessoa mereça punição, podemos ser levados a pensar erroneamente que estamos com
a faca e o queijo nas mãos – e só falta fazer um banquete. A questão é que a aparente
ausência de defesa de nossas vítimas nos informa que podemos agredi-las sem temer
retaliações, ao passo que atribuir culpa ou merecimento de castigo a elas nos faz
querermos machuca-las. Se podemos e queremos fazer algo, seremos levados a pensar
que devemos fazer. As falhas desse raciocínio são, principalmente, as duas seguintes: em
primeiro lugar a ausência de chance de defesa da vítima pode ser apenas aparente. O
fato inconteste é que por mais inteligente e conhecedora que seja uma pessoa, não
estará isenta de erro em todos seus julgamentos. E se atacamos alguém que pode revidar
nos ferindo mortalmente, sem que saibamos da possibilidade de revide, corremos sério
risco de sairmos muito machucados do embate, por sermos surpreendidos por coisas que
***
Se lermos o livro de Gênesis atentamente, perceberemos que Deus Jeová não ordenou
que Adão não comesse da árvore do conhecimento do bem e do mal – tratava-se muito
mais de um conselho do que de uma ordem. Para esclarecer citarei os versículos 16 e 17
do capítulo 2 do livro de Gênesis, numa tradução católica de Ludovico Garmus (Bíblia
Sagrada, 50° edição, editora Vozes)
“16O SENHOR Deus deu-lhe uma ordem, dizendo: 'podes comer de todas as árvores do
jardim. 17Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não deves comer, porque no
dia em que o fizeres serás condenado a morrer. [grifos meus]”
Se no versículo 16 o autor afirma, por ele mesmo, que se tratava de uma ordem,
basta ler o versículo seguinte para verificarmos que, segundo as palavras do próprio Deus
Jeová, citadas pelo autor, não era bem assim. De fato, Deus diz: “...não deves comer,
porque...”. Ora, o uso do verbo dever na expressão “não deves comer” sugere que Jeová
estava dando um conselho a Adão, e não exatamente uma ordem. Esse argumento é
reforçado pela palavra “porque”, utilizada para explicar a razão pela qual Adão não
deveria comer daquele fruto. Ora, uma ordem não necessita de explicações – tudo que se
tem a fazer é segui-la. Imagine um general dizendo a um soldado: “engraxe minhas botas,
porque... [e segue-se o motivo]”. O general não explica o motivo de sua ordem, ele não
precisa fazer isso. E não precisa fazê-lo porque não tem que convencer o soldado das
vantagens em lhe obedecer tampouco das desvantagens em lhe desobedecer. Note que
Deus procura mostrar a Adão o motivo de seu conselho para que ele não comesse do
fruto daquela árvore, alertando-o para as consequências dessa atitude. Seria essa a
atitude de um general que ordena? O soldado que mata obedece a ordens, mas o filho é
aconselhado por seu pai que o ama. E naquele contexto havia muito mais razão para
Adão ser considerado filho de Deus do que alguma espécie de soldado. Afinal, se tratava
do paraíso.
Poderíamos pensar porque motivo Deus Jeová colocara tal árvore malsã numa
***
Apesar de estar comendo a Sílvia, só isso já não bastava para mim. Ela cobrava R$70 por
duas horas de programa, mais R$10 para pagar o táxi, e esses valores me
impossibilitavam manter uma vida satisfatória do ponto de vista da frequência de relações
sexuais. Naquela etapa de minha vida eu necessitava de uma vida sexualmente mais
intensa. Afinal, eu era um jovem de 28 anos, cheio de saúde e energia e que não tinha
emprego e havia abandonado a faculdade. Também não estava satisfeito com os
comentários maliciosos da vizinhança sobre minha sexualidade, que chegavam à meu
***
Diante da negativa, tentei firmar compromisso com uma garota chamada Jaidene, que
conheci em conversas (chats) pelo então mais popular programa de comunicação on line,
da Internet: o ICQ. Jaidene e eu conversamos durante várias semanas até que ela me
chamou para ir em seu apartamento na cidade de Governador Valadares, em Minas
Gerais. Ela era filha de um pastor evangélico e também professava essa fé. Fazia
faculdade de farmácia, trabalhava numa drogaria e ganhava bem. Tinha a pele branca e
era fofinha, mas não era gorda. Peguei um ônibus no Rio de Janeiro até Governador
Valadares, viajei a noite toda e uma boa parte da manhã do dia seguinte, num total de 12
horas. Achei que, por Jaidene morar só e ter me chamado para passar uns dias em seu
apartamento, seria muito fácil passar o ovo nela e depois ter uma relacionamento de fato,
com filhos, casamento, compromisso etc. Mas, como em qualquer jogo, o jogo do amor
tem resultados imprevistos e simplesmente não houve química – a não ser a química do
Tegretol/Carbamazepina, que esqueci de trazer de casa e que, por estar eu dependente
desse estabilizador de humor e ter deixado de usá-lo, me levou a apresentar um
comportamento menos ajustado do que devia. Jaidene me recusou como amante e não
nos relacionamos sexualmente; também não nos beijamos na boca e não rolou nenhuma
intimidade física – porque ela não quis. Teve um momento em que nós nos
desentendemos e ela ameaçou me por para fora de seu apartamento. Foi muito
desagradável e eu chorei. Ela, ao contrário, riu. A falta do interesse dela em ter sexo
comigo me transformou, quase automaticamente, num objeto absolutamente descartável.
Uma vez coisificado, eu não tinha mais nada que pudesse interessar a Jaidene, então ela
se sentiu a vontade em me humilhar. Contudo, momentos depois de rir de minhas
lágrimas desesperadas, Jaidene deve ter pensado nas possíveis consequências do que
sabia estar fazendo; deve ter se lembrado das histórias e casos relatados pela mídia nos
quais pessoas que se conheceram pela Internet e se encontraram face a face acabaram
protagonizando verdadeiras tragédias. E, procurando se assegurar de que não sofreria
nenhuma consequência por sua atitude, me disse em tom sério, com um q de temor:
“Acho que você vai se esquecer rápido de mim”; e pediu para que eu apagasse seu nome
de meu computador, depois que voltasse para casa. Eu respondi: “Vai ser difícil esquecer
você”.
Depois que voltei para casa, liguei para Sílvia e falei a ela sobre minha frustração
amorosa. Bem humorada e sem-vergonha ela me disse: “Acho que você precisa é de uma
boa massagem!” Dito e feito. Chamei Sílvia para um programa e foi a melhor transa que
tive com ela entre todas as outras.
***
***
Antes de me casar, e durante muito tempo depois, eu queria ser fiel e honrar o
compromisso que assumi. Eu apontava um casal idoso na rua e dizia para minha esposa
Márcia Regina: “Olha. Nós vamos ficar juntos até nosso cabelo ficar daquela cor”. Só que
minha mulher não pensava assim. Em 2006 ela me deixou só. Vivíamos juntos, porém
não nos relacionávamos mais sexualmente. Ela preferia dormir com uma amiga chamada
Greiciane Souza da Silva (também conhecida como Greiciane da Nascimento de Souza).
Greice, ou Ci, como a chamávamos, tinha a pele parda, os cabelos curtos e crespos e era
gordinha.
Márcia e Greice se conheceram em 2005, num desses serviços telefônicos feitos
para “fazer novas amizades”. Greice havia se apresentado como se fosse um rapaz e
marcou um encontro com minha esposa. Fiquei sabendo disso depois, claro, porque
Márcia sabia que eu não consentiria com tal coisa. Naquela época, Suenne, uma irmã de
Márcia, morava conosco. Suenne se sentiu muito pouco a vontade com a presença cada
vez mais frequente de Ci em nosso lar. Teve uma noite em que a briga estourou na forma
de uma discussão escandalosa. Sol (apelido pelo qual também era chamada Suenne) não
se conteve mais e fez um comentário sobre a diferença entre o tamanho das unhas da
lésbica “fêmea” e da “macho”. Suenne acabou colocando em pauta, ostensivamente e de
modo acusatório, a possibilidade – e até a certeza – de que Greiciane fosse bissexual e
17 Essas pesquisas viriam a ser disponibilizadas na Internet por mim em 2009, na forma de um e-book em formado pdf.
O título desse e-book é Fórmulas para Números Primos e pode ser encontrado numa busca no Google. Trata-se do
mais importante trabalho já publicado sobre esse tema, apesar de conter alguns erros introduzidos por hakers. Sites:
www.docstoc.com e www.scribd.com .
***
Greice tinha um filho que eu estimava muito e ela também demonstrava bom humor e
interesse em nos ajudar, razão pela qual não tive dificuldade em aceita-la em minha casa.
Eu me preocupava com o filho de Greice como se fosse o meu próprio. Comprei um jogo
com números para Luiz Antônio e toda noite jogávamos. O filho de Ci começou a
aprender os números comigo. Também estimulei a memória e inteligência dele com jogos
educativos no computador. Greiciane sabia de meu afeto por Luiz Antônio e, conta Márcia,
queria e aprovava minha amizade com seu filho. Márcia nunca vira com bons olhos minha
afeição pelo pequeno Luiz Antônio. Eu pensava se tratar de algum tipo patológico de
ciúme. Quando a questionei a respeito de sua desaprovação quanto a afeição entre mim
e Luiz Antônio, Márcia dizia, muitas vezes enraivecida, que essa afeição poderia ser
confundida com pedofilia e que isso poderia me levar para a cadeia ou me fazer levar um
tiro do pai de Luiz Antônio; dizia que Luiz Antônio não sentia nada por mim realmente e
que era a mãe dele que mandava ele fingir que sentia, dizendo ao pequeno que me
abraçasse, que me chamasse de pai etc; dizia que Luiz Antônio não era meu filho de fato
e que ele nunca sentiria afeição verdadeira por mim; dizia que minha franca amizade com
o pequeno poderia autorizar Greice a dar queixa de mim na delegacia, o que tornaria
Greiciane uma chantagista em potencial – mas o único argumento de Márcia que eu
realmente entendia era o da intimidação, com gritos, ameaças, beliscões, escândalos e
uma careta tão feia que assustaria até o diabo.
Apesar de tudo, minha dedicação ao filho de Ci deixava minha esposa livre de boa
parte das críticas que eu pudesse lhe fazer. Por isso, talvez, eu tenha sido autorizado a
dedicar alguns momentos à educação de Luiz Antônio. E durante algum tempo o exercício
da paternidade proporcionado por Luiz Antônio compensou a ausência de Márcia. Eu
estava feliz ensinando os números a ele e o considerava uma grande oportunidade para
provar minha tese de que a inteligência é, principalmente, adquirida pela educação e pela
estimulação – e não por atributos genéticos ou hereditários, que teriam, conforme eu
queria mostrar, um peso muito menor do que se supõem. Devido ao fato de Luiz Antônio
ter só três anos de idade na época (2006), ele poderia aprender muito comigo se eu me
dedicasse à ensiná-lo.
***
Mudança de paradigma
***
Minha avó era uma pessoa correta, inteligente e católica. Ela gostava muito de mim e eu
dela. Apesar de ter morrido com idade avançada, aos 91 anos, não foi isso que a matou.
Minha avó foi morta por envenenamento causado por drogas psiquiátricas. A assassina
era sua própria filha, Vera Lúcia de Campos. Minha mãe, Vanda Campos Guedes sabia
da intenção de sua irmã Vera e permitiu que tudo acontecesse. A motivação do crime foi
Dermontina ter descoberto, após uns 60 anos convivência, quem realmente era sua filha.
Segundo me relatou minha esposa, Dermontina teria dito: “Finalmente descobri quem é a
Vera”. Isso era bastante plausível, pois minha avó acreditou durante décadas que sua
filha Vera ainda era virgem. Apesar de Vera já conhecer bem o coito, dizia a sua mãe ser
virgem ainda e não ter mantido relações sexuais com outras pessoas. A virgindade de
Vera já havia ficado pelos caminhos da vida, entretanto. Um dos dois namorados que a
louca teve, Deraní ou Luciano, homens que manifestaram interesse em se casar com
Vera, devem já ter traçado a louca. A farsa da virgindade era fator crucial para Vera
manter a credibilidade junto a Dermontina, sua mãe. Imagino que, ao perceber a iminente
queda do teatro que construíra por tantos anos, Vera tenha decidido por fim a vida de sua
mãe. A estratégia da beata matricida era muito boa: convenceu a mãe a ir a médicos e,
tendo comparecido também às consultas, manipulou os médicos para receitarem a
Dermontina as assim chamadas drogas neurolépticas, visando obliterar a inteligência de
minha avó e deixando-a dócil e obediente. Me foi relatado por Vera que Dermontina
estava a se tratar com uma certa “doutora Zulima”, que atendia – segundo Vera – na
Policlínica Sérgio Arouca (em Niterói, no bairro do Vital Brasil) onde, por sinal, eu fazia
***
***
E Márcia voltou
Márcia e eu acabamos voltando a morar juntos. Não me lembro como foi isso, mas
imagino que eu deva ter sentido misericórdia dela ao vê-la chorando e implorando para
reatarmos. Devo ter resolvido dar outra chance a ela, afinal, ela fora minha única
namorada e nosso amor tinha uma história de muita luta, sofrimento e superação.
***
Intriga imobiliária
Sou um dos donos de duas casas situadas uma ao lado da outra, nos números 422 e 424
da Rua Domingues de Sá, em Icaraí – Niterói – RJ. Minha mãe afirma que fez uma
promessa de compra e venda para uma mulher de nome Norma, que viria a comprar a
casa número 424. Mas Norma desistiu da compra e minha mãe teria feito outra promessa
de compra e venda da mesma casa para um travesti cabeleireiro chamado Luciano. Ele é
conhecido pela alcunha de Lu e ocupa a casa de nº424 desde de 2005 ou antes disso.
Lu, segundo minha mãe, pagou R$20 mil como promessa de compra e venda da casa
424. Eu recebi 25% deste valor – R$5 mil – que foi a parte que me cabia. Assim que o juiz
liberasse o alvará, a venda seria efetivada e eu poderia receber o resto do dinheiro, que
planejava investir na compra de uma sala comercial em algum prédio do centro de Niterói.
Minha intenção era ganhar algum dinheiro com o aluguel dessa sala. Entretanto, segundo
minha mãe, o alvará jamais foi liberado e a espera já dura mais de 5 anos. O cabeleireiro
Luciano18, conhecido pelo nome de “Lu”, está morando há anos na casa sem me pagar
aluguel. Se a casa fosse vendida por cem mil reais, como minha mãe me informou que
seria, eu teria direito a receber mais R$20 mil. Jamais vi um tostão deste montante, pois
Vanda afirma que estamos esperando o alvará do juiz que ainda não liberou a venda da
casa 424. Ela me mostrou um papel que indicaria que o pedido de alvará já foi e voltou
das mãos do juiz umas 75 vezes, sem que se obtivesse a autorização para a venda ser
definitivamente efetivada. Apesar de ter visto esse papel, hoje me questiono se o dinheiro
já não foi pago, sem que eu ficasse sabendo de nada.
Há bastante tempo o hospital Centrocardio quer comprar minhas casas. O último
que se negou a vender foi Heraldo, dono de uma eletrotécnica próxima. Ele sempre disse
que não venderia de jeito nenhum. Certa vez o Centrocardio pôs o lixo hospitalar em
frente ao estabelecimento de Heraldo. Ele pegou o lixo e jogou no estacionamento do
hospital. Heraldo acabou morrendo de um ataque cardíaco fulminante.
Deve haver muito dinheiro em jogo para o Centrocardio querer comprar aquelas
casas. Esse hospital já comprou umas três casas próximas. O problema é que eles não
querem pagar o que as casas valem.
***
Márcia havia saído um pouco para resolver alguns assuntos fora e eu estava sozinho em
18 Não confundir esse Luciano com o ex-namorado e ex-noivo de minha tia Vera Lúcia, também chamado Luciano.
***
Eu recebo, desde 2003 ou 2004, uma pensão deixada por meu pai para o caso de algum
de seus filhos se tornar legalmente incapaz. Minha incapacidade foi atestada legalmente
por um perito nomeado pelo juiz. O perito baseou suas conclusões no fato de eu estar
fazendo uso de drogas psiquiátricas há muitos anos, já ter sido diagnosticado como
esquizofrênico por outro psiquiatra de renome (Eugênio Lamy), no meu vasto e duradouro
histórico de crises e internações psiquiátricas (confirmadas por minha mãe) e também no
exame que fez de mim.
Em 2006, reduzi, por minha própria conta, a dose de algumas medicações
psiquiátricas que me foram receitadas, e suprimi o uso de outras tantas. Com isso passei
a me sentir muito melhor e mais ativo, tendo passado a ter um desempenho intelectual
muito superior, o que me tornou possível voltar a ser premiado em Olimpíadas de
Matemática. No início de 2007 também passei a querer tomar para mim as rédeas de
minha vida. Na tentativa de ser mais independente, quis gerir eu mesmo minhas finanças
e tomei posse do cartão bancário utilizado para retirar o dinheiro de minha pensão, que
era depositado todos os meses em minha conta. Também quis movimentar o dinheiro de
minha conta pela Internet, o que me permitiria ter mais conforto e poupar tempo na hora
de pagar as contas de casa, tais como as de água, energia e telefone. Pensando assim,
liguei para o Banco do Brasil para acertar alguns detalhes que me permitiriam ter uma
senha que me possibilitasse fazer transações bancárias pela Internet. O telefone para o
qual liguei foi: 0800-99-0001. Este número consta do cartão do Banco do Brasil. Na
primeira tentativa estava ocupado. Na segunda ou terceira tentativa uma gravação pediu
***
Desconfiei que a presença de minha esposa não estava me fazendo bem. Eu havia
passado no vestibular para a UFF, no curso de matemática, mas não estava estudando
como devia. Na verdade, não cheguei a estudar nada. Atribuí isto à presença de minha
esposa Márcia, que interrompia amiúde meus estudos, dificultando muito minha
concentração e aprendizagem. Sabendo que provavelmente seria interrompido, nem me
dava ao trabalho de iniciar o estudo.
Resolvi tentar viver longe de Márcia. Disse a ela que passasse um mês na casa de
sua mãe, Dona Lúcia. Ao completar o prazo de um mês eu ligaria para ela e das duas,
uma: ou diria que voltasse, pois não conseguia viver sem ela, ou terminaria nosso
casamento, porque ela não me fazia falta. Márcia relutou muito e sentiu-se envergonhada
***
O retorno de Márcia
Pus Márcia num táxi e disse a ela que fosse para casa de sua mãe. Depois que o táxi se
foi, voltei para minha casa achando que teria paz o bastante para voltar a me empenhar
em meus estudos universitários. Entretanto, logo fiquei sabendo que Márcia não fora para
casa de sua Mãe, em Santa Maria de Campos, mas sim para o apartamento de minha tia
Vera Lúcia, em Niterói mesmo. Nós conversamos pelo telefone e pensei comigo mesmo
que não teria como obriga-la a ir para Santa Maria. Além disso, raciocinei, se Márcia e eu
não morássemos sob o mesmo teto, talvez eu tivesse períodos de tempo suficientemente
prolongados que me permitissem estudar a contento para a faculdade. A vantagem é que
eu continuaria casado, tendo Márcia como parceira sexual e amiga, além de ainda poder
ter um filho com ela, coisa que sempre quis.
Eu e Márcia conversávamos todos os dias pelo telefone e acabamos marcando de
nos encontrarmos para almoçar. Ela veio até minha casa e transamos. Depois desse dia,
passamos a nos encontrar com muita frequência. Acabávamos sempre na cama, era
ótimo. Eu ficava o tempo todo pensando sobre como seria meu próximo encontro com ela.
Tínhamos uma fantasia em que ela fingia que era prostituta e eu fingia que era seu
cliente. Acabei levando essa fantasia a sério demais e, depois da transa, passei a lhe dar
um dinheiro, cerca de R$70. O resultado é que fiquei duro. Então pensei: “se Márcia voltar
a morar comigo, poderei ficar com ela todos os dias sem lhe pagar”. Acabei lhe
convidando a voltar para minha casa e ela logo aceitou. Infelizmente, as coisas não
aconteceram do jeito que eu imaginava.
***
Espalharam mentiras a meu respeito. Não sei ao certo de quem partiram as infames
calúnias que me atingiram. Dizer que a difamação partiu de um complô envolvendo minha
mãe Vanda, minha esposa Márcia e minha tia Vera me parece um bom palpite.
Isso me fez recordar o livro “O Processo” de Franz Kafka, que logo no início diz
algo como: “Certamente espalharam mentiras sobre Josef K., pois naquela manhã não
fora acordado para o desjejum pela senhoria, como de costume, mas sim por dois
homens vestidos com jaquetas e calças compridas com vários bolsos e fivelas”. Na trama
de Kafka o protagonista é acusado de um crime que ele sequer sabe qual foi. Procurando
se defender, passa a investigar de que crime lhe acusam. Entretanto, ele não tem
sucesso nesse intento e acaba sendo julgado e condenado, vindo a morrer sem saber
***
Intoxicação infame
Em março de 2007, certa noite, minha mulher me deu algumas gotas, misturadas com
água, que ela disse serem de haloperidol, um neuroléptico muito usado para o tratamento
da doença de código F20, da qual, supostamente, eu seria portador (F20.9). Não
consegui dormir de jeito nenhum. Meu esfincter ficou muito sensível, piscando
descontroladamente. Eu não entendia o que estava acontecendo. Mas hoje está claro
para mim que fui vítima de uma sórdida intoxicação provocada por minha tia Vera Lúcia
de Campos. O recipiente de haloperidol em gotas que continha o líquido que me foi
ministrado por minha esposa Márcia lhe fora dado por Vera Lúcia. Devia ser o recipiente
de haloperidol que teria sido usado por minha avó.
Está claro para mim que não era haloperidol o que aquele recipiente continha, mas
sim algo muito diverso. Talvez uma substância adquirida em alguma sex shop que tivesse
a função de causar um tal efeito anal.
Por ter sido minha esposa quem me ministrou a substância, achei que era ela a
responsável pela intoxicação infame. Tive essa suspeita por muito tempo, mas hoje,
analisando os acontecimentos que se sucederam, penso que a verdadeira culpada é Vera
Lúcia de Campos, minha tia matricida.
***
Sob vigilância
***
Na noite do dia 2 de abril de 2007 fui internado na Clínica Santa Catarina, na cidade de
São Gonçalo. Nas horas que antecederam minha entrada na clínica e durante toda minha
estada lá, tive a certeza de que estava próximo da morte, de que havia pessoas que
queriam me matar. Esse medo de algo que não se pode ver foi, possivelmente, provocado
pela minha própria namorada e, provavelmente, teve o aval de minha mãe.
***
Assim que entrei nas dependências da Clínica Santa Catarina, no local destinado aos
pacientes, a primeira pessoa que vi foi uma mulher jovem, muito bonita, atraente e com
um olhar lânguido e docemente provocante. Ela vestia um short curto e sexy que a
tornava ainda mais interessante. Entretanto, olheiras enegrecidas sugeriam o uso de
tóxicos. Para piorar muito a situação, ela tinha uma barriga saliente, que não combinava
com seu tipo físico. Provavelmente estava grávida.
Um tempo depois, conheci lá uma senhora com idade entre 50 e 80 anos. Ela
usava colares e brincos chamativos e se vestia como uma socialite, dessas que tem muito
dinheiro. Fiquei me indagando se seus colares e brincos eram simples bijuteria ou não.
Certa vez, ela me perguntou que doença eu tinha. Eu não queria dizer que tinha
esquizofrenia, pois acreditava que quem tem essa doença é muito mal visto por todos.
Então respondi que era bipolar, mas disse isto com fala intencionalmente rápida, tentando
aparentar ser um bipolar na fase maníaca. Parece que não deu certo.
Havia um outro sujeito internado lá chamado Arlei. Ele ficava movendo as mãos de
um lado para outro, quase que o tempo todo. Na época me pareceu que Arlei não tinha
doença alguma, apenas estava fingindo. Entretanto, hoje penso que talvez ele não
estivesse simulando doença alguma, mas sim sofrendo de uma discinesia causada pelos
próprios psicofármacos de que fizera uso. Uma hipótese plausível, já que não raramente
me deparo com casos de discinesia decorrente da ingesta de medicação neuroléptica.
Lá também conheci um tipo estranho, de cerca de 18 anos e que parecia não ter o
que chamamos de consciência – agia como um autômato, sem autocrítica. Certa vez,
durante uma das refeições ele me perguntou qual era minha religião. Eu respondi,
constrangido, que tinha um lado espiritual independente de religiões. Ele se aproximou e,
pondo minha cabeça contra seu peito, me disse qualquer coisa de que não me lembro.
Fiquei imaginando que tipo de coisas as pessoas que estavam na cozinha – eram várias –
estariam imaginando.
***
Também havia a enfermeira chefe Ana Paula. Ela me lembrou uma Ana Paula que
conhecera nos tempos de minha adolescência, em 1986. Naquela época ela devia ter uns
11 ou 12 anos e eu uns 14 ou 15. É possível que a enfermeira chefe Ana Paula fosse a
mesma Ana Paula de meus tempos de rapaz, embora não tenha certeza disso. A Ana
Paula menina que conheci tinha um comportamento sexual bastante promíscuo, na
época, para sua pouca idade. Era uma ninfeta, mas muito diferente da Lola de Nabokov.
Ana Paula tinha recursos tão toscos quanto eficazes. Vestia-se de modo provocante com
shortinhos bem curtos e insinuava-se de maneira direta. Eu a queria alucinadamente. Não
fazia ideia de como possuí-la, entretanto. Por outro lado, meu amigo Raphael já tinha se
relacionado sexualmente com ela, segundo me contara. Eu o invejei muito e pedi
indiretamente que ele me desse uma mãozinha para que eu também viesse a transar com
Ana Paula. No entanto, Rapha ignorou esse meu pedido, coisa que me deixou chateado.
Eu continuava a desejar Ana Paula e, um certo dia, no apartamento de meu amigo, ela
estava deitada na cama dele e me lançou um olhar sensual. Naquela ocasião estávamos
eu, Ana Paula, Rapha e sua irmã Raquel no quarto de meu amigo. Eu estava ávido por
sexo e, ao ver a bacante oferecendo-se, agi irrefletidamente. Guiado por meus hormônios
***
Roberto
De todos os tipos com quem tive algum contato nessa minha última internação na clínica
Santa Catarina, quem me chamou mais a atenção, e de quem mais me aproximei, foi
Roberto. Ele era um sujeito calmo, na dele e de poucas palavras. Certa vez me
perguntou: “Quer conversar?” Eu respondi que sim e entrei em seu quarto para tentar
falar coisas que não queria que as enfermeiras e enfermeiros escutassem. Ele disse “Mas
aqui não”; e eu perguntei “Porque?”; e então ele respondeu: “Porque aqui é meu quarto”.
Eu saí e voltei para meu próprio quarto. O motivo para eu evitar a proximidade com
enfermeiros e enfermeiras foi ter a sensação de que eles eram, em algum sentido, meus
inimigos e oponentes perigosos. E isto se mostrou ser uma verdade surreal.
Roberto era branco, tinha 1,79m de altura e cerca de 80kg. Seus cabelos eram
pretos ou castanho-escuros e ele me disse que era analista de sistemas. Disse também
que tinha uma filha chamada Aline, com 9 (nove) anos na época (em abril de 2007).
Roberto tinha uma camisa com a foto de sua filha, que era branca e tinha cabelos pretos
ou castanho-escuros.
***
Suspeitas de abuso
***
Tentativa de fuga
***
O verde-esperança
Naqueles dias, Márcia deixara de passar algumas noites comigo em meu quarto na clínica
Santa Catarina. Ela vinha me visitar na clínica sempre com um detalhe verde no trajar –
interpretei esse verde como a representação da esperança. Talvez ela quisesse me dizer,
com os detalhes verdes de suas roupas ou acessórios, que havia uma esperança para
mim. Certa noite ela veio e não tinha mais nenhum detalhe verde em sua roupa nem em
nenhum acessório. Minha esperança ameaçou me abandonar. Nessa ocasião estávamos
lanchando (ou talvez jantando) no refeitório do hospício quando reparei no detalhe verde
da camisa de Roberto. Assim como a esperança costuma insistir em sobreviver, de modo
muitas vezes irracional, acabei querendo me convencer de que a esperança estava,
agora, em Roberto. Passei a querer acreditar que Roberto talvez fosse alguém com quem
eu pudesse aprender algo. Do mesmo modo que ele me disse que não poderíamos
conversar no quarto dele, eu fiz o mesmo com o autômato sem consciência que havia
entrado em meu quarto. Disse a mesma coisa para o outro interno que havia entrado no
meu quarto. Fiquei estranhamente satisfeito em ter aprendido isso. Por este motivo,
Roberto subiu no meu conceito.
Então, inesperadamente, aconteceu o surreal.
***
Roberto esquartejado?
Márcia se divertia a valer comigo. Arrebentou meu livro “Topologia dos Espaços Métricos”,
partindo-o em dois pedaços diante de mim. Depois me apresentou um livro de auto-ajuda
cujo título era “Seu Balde está Cheio?” – achei que ela queria chutar o balde e estava
certo, pois pouco depois a sereia me disse que iria dormir no motel. Eu não podia dizer
nem fazer nada. Estava acabado. Dependia dela para sair da clínica e por este motivo era
obrigado a dizer amém para aquele demônio. Anoiteceu e ela foi embora.
Era noite e eu estava deitado em meu quarto quando ouvi barulhos vindos de fora
***
A evolução de minha fé
***
Voltemos à Clínica Santa Catarina. Após o terrível ruído, apaguei a luz de meu quarto e fui
dormir. No dia seguinte, ao acordar, ouvi a senhora dos brincos comentar: “liiiihh! o
Roberto foi transferido...”. Quando saí de meu quarto olhei discretamente para esquerda e
vi a porta do quarto dele fechada e uma das enfermeiras limpando a parede em frente ao
quarto que Roberto havia ocupado. Fingi ignorância. Nos dias que se seguiram tive uma
taquicardia muito forte ao acordar e pouco antes de dormir. Na certa o plano deles era
fazer com que eu tivesse uma parada cardíaca induzida por medicação. Já procurei me
informar – perguntei à um clínico geral, o Dr. Cid Leite Villela, e ele confirmou que é
possível fazer com que uma pessoa tenha uma parada cardíaca através da ingestão da
mistura adequada de medicações. Minha morte teria sido considerada por problemas
cardíacos. Outro recurso que eles poderiam usar seria dizer que eu fugi da clínica. Eu
seria dado como desaparecido e, obviamente, jamais alguém voltaria a me ver. De fato,
na entrada da Clínica Santa Catarina havia um painel com as fotos de várias pessoas
"desaparecidas". Interpretei a fortíssima taquicardia que passou a me acometer como
uma tentativa da clínica em fazer uma queima de arquivo, devido a eu, presumivelmente,
ser uma possível testemunha do presumível assassinato de Roberto. Eu estava errado
nesse ponto, mas não completamente.
Reclamei com a enfermagem sobre a forte taquicardia que eu estava tendo. Falei
que quando abria os olhos pela manhã meu coração disparava, batendo com muita força
***
Fraude na medicina
Afigura-se uma situação em que o remédio que deveria tratar uma doença hipotética
acaba por contribuir com o estabelecimento da doença. O primeiro exemplo disso foi
exatamente o que relatei no parágrafo precedente: os antipsicóticos causando a psicose,
os “medicamentos” que deveriam tratar a esquizofrenia agindo no sentido de evitar que o
paciente chegue à cura por si mesmo. Tal situação também acontece em outras áreas da
medicina. Por exemplo, o tratamento contra o câncer é o pior cancerígeno que há. Se
alguém for submetido a uma radioterapia ou quimioterapia, terá chances muito grandes
de desenvolver vários tipos de câncer nos 15 anos seguintes. Tal fato se deve unicamente
ao tratamento. Se alguém que não tem câncer se submeter a um tratamento desses por
tempo suficiente, passará a sofrer dessa doença.
Naturalmente, não é o caso de propor aqui que os pacientes diagnosticados com
câncer não façam o tratamento. Entretanto, essa questão deveria ser examinada mais
detalhadamente pelos pesquisadores, principalmente pelo viés da estatística. Por
exemplo: verificar se o número de pacientes com câncer curados por
radioterapia/quimioterapia compensa, no que diz respeito ao aumento da expectativa de
vida restante, a eventual morte de pacientes que foram submetidos a radioterapia e/ou
quimioterapia, decorrente da perda de saúde imposta por esses tratamentos. A pergunta
é: utilizar a radioterapia/quimioterapia em pacientes com um determinado tipo específico
de câncer fará aumentar a sobrevida média desses pacientes ou a reduzirá? O aumento
da probabilidade de uma cura rápida proporcionado pela radioterapia/quimioterapia
compensa a fragilidade que advém com o emprego desses tratamentos? Respostas
seguras a essas perguntas só podem ser dadas a contento mediante o estabelecimento
de estatísticas suficientemente precisas sobre cada tipo de câncer e sobre cada detalhe
tecnicamente relevante que influencie a probabilidade de cura daquele tipo específico de
câncer.
No caso do hipotireoidismo, ocorre algo semelhante ao que acontece com a
esquizofrenia. Alguém que faça uso do hormônio T4 (tiroxina) usado no tratamento dessa
***
Os números e a menininha
Subimos para o apartamento de minha tia Vera Lúcia de Campos. De lá segui no mesmo
dia para Santa Maria de Campos, pois Márcia havia levado todos os nossos pertences
para lá, numa casinha alugada às pressas.
Na rodoviária pedimos poltronas juntas, mas as únicas poltronas juntas eram as de
números 22 e 24, separadas pelo corredor. Compramos as passagens, mas comentei
com Marcinha: “Estes números não dão sorte...”. Por um momento sua fisionomia
mostrou um misto de preocupação e desconfiança. Ela pareceu ter concordado
tacitamente comigo. Próximo do ônibus avistei uma menininha de cerca de 4 anos que
viajaria no mesmo ônibus. Ela me chamava a atenção sobremaneira, sem que eu
conseguisse saber o porque, pelo menos não naquela época. “Calhordas! Que fizeram
comigo?”, pensei. Só poderia atribuir meu estado alterado de consciência às drogas que
me ministraram na clínica Santa Catarina contra minha vontade. Provavelmente a última
injeção que me deram na clínica foi a principal responsável por meu estado patológico.
Hoje, só posso interpretar esse interesse patologicamente aumentado pela tal menininha
como advindo de uma regressão ao estado infantil proporcionado pela injeção. Essa tese
foi reforçada mais tarde, depois de outras internações. Cada vez que recebia alta de um
manicômio, após receber injeções e comprimidos de drogas psiquiátricas pesadas,
passava a ter um interesse muito aumentado em relação a crianças e adolescentes. Esse
efeito adverso ia se reduzindo aos poucos, a medida que as substâncias estranhas iam
deixando meu organismo e eu ia me recuperando dos danos cerebrais causados por elas.
Sobre a homofobia
***
Durante a viagem fechei os olhos para não ver a menininha. Mas era inútil, pois ela ria e
ria. E eu não conseguia parar de imaginar que ela estava me olhando e rindo de mim,
reparando em mim com a curiosidade própria das crianças. É claro que não era nada
disso, este era tão somente o efeito das drogas que me ministraram – em particular o da
última injeção que me aplicaram. Mesmo após a substância estranha ter abandonado
meu corpo, tal efeito persistiu, em intensidade decrescente, durante bastante tempo.
Infelizmente, certas drogas psiquiátricas deixam marcas bastante persistentes, fato este
comprovado pela discinesia tardia, que é um efeito adverso muito bem conhecido e de
caráter irreversível da medicação antipsicótica. Acontece que a discinesia tardia é só um
dos efeitos persistentes dos antipsicóticos – há outros, como a disfrenia tardia, por
20 Na UFF, quando iniciei a faculdade em 1995, meu apelido era Vinte e dois
21 ABIN – Agência Brasileira de Inteligência, o serviço secreto brasileiro. Hoje tenho 90% de certeza de que são eles
que estão por trás da conspiração da qual tenho sido vítima.
***
Ao chegar a Santa Maria de Campos, fomos direto para a casa de minha sogra, Dona
Lúcia. Já estava muito tarde e fomos dormir. Eu não parava de imaginar que estávamos
numa espécie de fuga, sob ameaça de um poder que eu mesmo desconhecia. Custei a
pegar no sono.
No dia seguinte, pela manhã, meu sobrinho Gabriel cantarolou para mim uma
estranha canção: “Você vai morrêeeeer, você vai sofrêeeeer! Você vai morrêeeeer, você
vai sofrêeeeer!” Fiquei intrigado com esta sinistra cantoria. Onde ele aprendera tal coisa?
Meses mais tarde me lembrei de tal fato e o interpretei como uma profecia, ou como algo
que Gabriel ouvira de alguém que me queria mal.
***
Ataques verbais
22 Anos mais tarde, minha esposa diria que aquele ônibus não nos deixaria próximos da casa da mãe dela, pois seu
itinerário seria um pouco diferente do que o dos outros ônibus que pegamos em viagens anteriores. Não estou certo
da veracidade da informação.
***
Há um homem em Santa Maria de Campos chamado Leomir. Ele cria porcos e galinhas e
23 Duas das três prostitutas eram as que Márcia havia me autorizado a contratar ao dizer “Procura...”, no episódio em
que ela me deixara muito tempo sem sexo e eu fiz um ultimato a ela, dizendo que se ela me recusasse mais eu
procuraria outra mulher. A terceira prostituta era Sílvia/Priscila.
***
Sem saída
Eu me sentia frágil e em perigo. Marcinha já não era mais a mesma comigo. Ela me
tratava mal e não cuidava mais de mim. Pudera. Vanda trocara a senha de meu cartão
bancário com o qual eu recebia o dinheiro de minha pensão e dera o cartão a Márcia.
Com dinheiro na mão ela não precisava mais de mim. Mundo real, lógica real.
Em Santa Maria de Campos não há bancos. O mais próximo ficava em Bom Jesus
do Itabapoana. Isso tornava impossível para mim ir ao banco pegar meu pagamento, já
que eu não tinha o dinheiro da passagem para Bom Jesus e também não sabia chegar ao
banco daquela cidade. Bom Jesus do Itabapoana era completamente estranha para mim.
Além disso, eu não fazia ideia de onde Márcia guardava o cartão bancário e também não
sabia qual era a nova senha. Entretanto, nada disso representaria problema para mim se
eu estivesse de cara limpa, sem drogas psiquiátricas. Se eu não estivesse sendo
pesadamente drogado, acabaria dando um jeito, usaria minha inteligência e conseguiria
pegar meu dinheiro, voltando para Niterói.
***
Covardia e canalhice
Após Leomir instalar os dois ventiladores, fomos para casa de Dona Lúcia. Decidi ir para
lá, pois estava claro que minha casa em Santa Maria não era segura. Dormimos eu e
Márcia Regina na casa da mãe dela. Eu dormi pouco e muito mal. Estava preocupado
demais com o ventilador que faltava instalar às 9 horas do dia seguinte. Era improvável
que me matassem às 9 da manhã, mas não era impossível. E eu já sabia que estava
visado.
Não conseguia ver outra explicação para o que estava acontecendo. Interpretei os
dois ventiladores instalados como representando minha mulher e minha mãe. O terceiro
ventilador seria eu, e, no meu entender, Leomir queria me testar para ver se eu sabia de
algo, ou se eu estava disposto a fazer algum tipo de denúncia. Nunca fui bom em fingir ou
em mentir, razão pela qual julguei que Leomir já deveria saber que não poderiam confiar
em mim a ponto de me deixarem vivo.
No dia seguinte, quando Márcia acordou olhou bem nos meus olhos. Notou que eu
não havia dormido. Então ela foi para a cozinha, pegou um monte de fotos nossas e me
chamou:
Na cama comecei a pensar que coisa terrível eu havia feito. Consenti que minha
companheira e meu sobrinho fossem ao encontro de um possível homicida sozinhos!
“Tenho que ir lá”, pensei. Mas o terror de ter que enfrentar um homicida foi mais forte.
Tentei racionalizar, dizendo a mim mesmo que eles queriam me matar, mas não
machucariam Marcinha e muito menos meu sobrinho Gabriel. Mesmo assim me senti
péssimo e fiquei imaginando como eu era canalha e covarde.
Esperei.
***
Márcia e Gabrielzinho retornaram incólumes, mas isso não foi suficiente para me deixar
muito melhor do que eu estava. Até que tentei imaginar o que um assassino faria com
alguém tão covarde quanto eu e me desesperei. Talvez ele me torturasse até a morte com
uma furadeira elétrica ou coisa assim. Tão desesperado fiquei que preferi morrer com
menos dor. Me cobri todo com um lençol e enfiei a cabeça num saco plástico, segurando
a boca do saco contra o pescoço, de modo a impedir a entrada de ar. Minha respiração
começou a ficar mais e mais intensa, mais e mais veloz. Mas eu tinha medo de morrer.
Assim que a falta de oxigênio se tornava suficientemente incômoda, eu tirava a cabeça do
saco, tentando me convencer de que eu não precisava me matar. Então, já mais aliviado,
mudava de ideia e voltava a por a cabeça dentro do saco plástico. E tudo se repetia,
pateticamente. Eu punha e tirava a cabeça do saco. Pensando bem, a falta de ar não me
deixava com tanto medo de morrer a ponto de me fazer parar. O que tornava inútil cada
uma de minhas tentativas era simplesmente o grande desconforto da sensação de estar
sufocando. Até que Suenne, minha cunhada, entrou no quarto e interrompeu minhas
sucessivas tentativas fracassadas de suicídio. Ela reprovou meu comportamento e contou
o que eu estava fazendo para Dona Lúcia.
A partir desse dia, Márcia me manteve sedado com doses ainda mais altas de
Haldol/haloperidol (20mg/dia) e Rivotril/clonazepan (80mg/dia). Minha esposa também me
levou numa consulta com um psiquiatra de Bom Jesus de Itabapoana que me receitou
drogas ainda mais fortes, como o Amplictil/clorpromazina (de 100mg). Com a pesada
carga de drogas psiquiátricas, passei a ser acometido por uma coriza e por uma
obstrução nasal bastante frequente, especialmente a noite, o que me fazia acordar no
meio do sono para assoar o nariz, tentando tornar a respiração mais fácil. Devido à alta
dose de medicações neurolépticas e ansiolíticas eu estava incapaz de reagir de modo
***
Enquanto eu estive em Santa Maria de Campos, minha mãe telefonou algumas vezes
para mim. Eu disse a ela que estava sendo maltratado lá, que não me deixavam voltar
para minha casa em Niterói. Ela se limitava a desconversar perguntando: “Ah, é?” e “É
mesmo?” Este comportamento foi inteiramente diverso do que ela teve comigo durante
toda vida. Fiquei muito surpreso com isso. Atribuí essa atitude de Vanda ao conhecimento
dela sobre o homicídio de Roberto. Para mim, o que ela estava fazendo era se proteger,
evitando contato com alguém que estava marcado para morrer. Para mim esse era um
indício de que Roberto havia sido morto realmente e que Vanda, minha mãe, sabia ou
desconfiava disto. Outra hipótese era que Vanda queria receber o dinheiro da venda da
casa nº424 da Rua Domingues de Sá, ao lado da casa onde eu morava. O juiz não
liberava o alvará por ser eu interditado e um dos donos da casa. E é, muitas vezes, difícil
vender bens imóveis de uma pessoa interditada. O juiz pode postergar por anos a
liberação do alvará, segundo me fizeram crer. Comigo morto tudo ficaria muito mais fácil.
Ela e meu irmão conseguiriam receber o dinheiro da casa e não teriam que me dar nada.
***
***
A velha preta amiga de minha sogra apareceu certo dia dizendo: “Oi Lúcia! Eu ouvi no
rádio que sumiu uma criança por essas bandas. Não foi seu neto Gabriel que sumiu não?”
Perguntou a velha numa ameaça velada.
No dia seguinte a van que trazia Gabriel do colégio passou direto por nossa casa,
parando um tanto longe. Dona Lúcia ficara preocupada com Gabriel, talvez em razão do
***
Um dia decidimos assistir filmes. Entregaram-nos um sem som e sem legendas que
começava já do meio. Mas era um filme muito interessante. Duas crianças amigas, com
trajes típicos da arábia, resolveram brincar com um rifle. No deserto amplo e ermo vinha
vindo um ônibus com uma das protagonistas – uma mulher de feitio benevolente, jovem e
bonita. Escondidas num pequeno morro, os amigos dão um tiro no ônibus. O ônibus para.
Daí mostra-se o interior da viação: a protagonista havia sido atingida e agonizava, os
passageiros em pânico gritavam apavorados. A confusão em contraste com o deserto
silencioso das crianças que brincavam de soldado.
O sujeito que entregou este filme em nossa casa estava, por algum motivo, com
medo, conforme comentou minha sogra Dona Lúcia. A finalidade daquele filme era causar
exatamente este sentimento. Mostrar a fragilidade da vida, que se podia perder a
qualquer instante, mesmo pelas mãos de crianças inocentes. Aquele não parecia ser um
filme que qualquer locadora alugasse. Não sabíamos seu nome ou quem o havia alugado.
***
Gozado
Eu estava há dois meses sem gozar, desde que fora internado na clínica Santa Catarina.
Certa manhã, ao acordar, percebi que minhas mãos haviam sido esporradas. O sêmen já
tinha secado e não deixara marca visível, mas o odor característico estava lá. “Devo ter
gozado durante a noite”, pensei. Quis acreditar que fora polução noturna, mas verificando
meu short de pijama, vi que ele estava limpo e seco, sem sinal algum de sêmen. A porra
não era minha. No entanto ela já havia secado e ninguém acreditaria em mim. Mantive
silêncio a esse respeito. Tentei esquecer isso, já que não havia nada que eu pudesse
fazer. Na manhã seguinte o episódio se repetiu.
Tentei imaginar de quem era a porra. Só consegui dois candidatos: Kleyton, meu
cunhado e Gabriel, meu sobrinho de 10 anos. Pensei que Gabriel poderia ter sido
induzido por Márcia a fazer aquilo, e então ela teria batido uma foto do feito. Se tal foto
fosse parar nas mãos do delegado, talvez eu fosse parar na polícia – dependendo da
interpretação que fizessem da foto. Devido ao ódio generalizado que a mídia criou contra
a pedofilia, eu seria alvo de agressões por parte dos demais presos. Bastariam alguns
dias na cela e eu estaria morto. Minha morte seria uma estatística. Satanás é mesmo o
príncipe deste mundo.
Entretanto, o mais provável é que o gozador tenha sido meu cunhado Kleyton,
negro retinto e esperto que, anos antes, aprendera a jogar xadrez comigo.
***
***
Uma ameaça constante era o contágio via sangue, na hora de fazer nossa barba. Não
costumavam abrir a gilete na nossa frente, e não jogavam a gilete fora imediatamente
depois do uso. Nunca procurei conferir, pois isto poderia criar problemas para mim, mas
provavelmente muitas pessoas ali usaram a mesma lâmina de barbear que outros
pacientes. Uma vez eu disse ao camarada que estava fazendo minha barba – um outro
interno: “Você não trocou a lâmina de barbear” ele me respondeu que havia feito a barba
do outro sujeito com o outro lado da lâmina. O risco de contagio via sangue me parecia
bastante alto. É possível que outros pacientes tenham morrido por doenças contraídas
desse modo na própria clínica. Durante minha estada lá um dos internos morreu, e eu
havia estado com ele na véspera. Visivelmente ele tinha algum problema de saúde que
não fora tratado. Meu risco de morte foi multiplicado várias vezes ao entrar na clínica. Eu
sofri uma pressão muito grande na CRIL. Certa manhã, no pátio, o interno Edésio me
disse: “Eric, se você não urinar no quarto, vai ter que urinar pelo ralo”. Grande diferença
há entre urinar no ralo e urinar pelo ralo. A ideia que ele me passou foi de eu perder minha
mangueirinha e passar a ter um ralo para urinar. Quem nunca passou por sofrimentos tão
intensos não tem o direito de criticar quem quer que seja.
Durante meus primeiros dias na Clínica de Repouso ltabapoana um sujeito cujo
nome verdadeiro eu não sei, mas que dizia chamar-se José Roberto Abreu chegou à
Clinica. Logo suspeitei que ele havia sido mandado para me matar, mas não era
meramente isto. Ele queria fazer com que minha morte parecesse ser uma questão de
saúde meramente e não um homicídio. Certa vez ele disse: “Se eu quisesse te matar
você já estaria morto há muito tempo”. Com certeza era verdade, pois ele poderia pagar
alguém para fazer o serviço (dentro ou fora da clínica); poderia oferecer alguma vantagem
para alguém matar-me ou usar de ameaças veladas para fazer com que alguém me
***
O enfermeiro da CRIL conhecido como Baú costumava dizer que eu era dele. Desconfio,
e isto não é uma certeza, mas uma conjectura, que Baú recebeu, ou receberia, dinheiro
para facilitar minha morte. Certa vez Baú me perguntou quanto dava por mês uma taxa de
juro de 0,6% aplicada num capital de R$24 mil. Eu respondi de pronto: R$144 e ele me
disse que este era, realmente, um valor próximo ao que ele havia obtido. Ora, R$144
corresponde exatamente a 0,6% de R$24 mil, e esta é uma conta muito fácil que qualquer
pessoa munida de uma calculadora e que tenha um mínimo de conhecimento pode fazer.
Isto mostra que provavelmente o valor combinado não era R$24 mil, mas sim R$25 mil. A
troca de número era uma mera provocação, como muitas pelas quais passei.
No caso de uma investigação ser efetuada para comprovar as denúncias que faço
aqui, um exame muito sério das contas bancárias do enfermeiro Baú, de sua esposa e de
seus filhos deve ser levado a cabo. Deve-se procurar por um depósito de R$25 mil ou
algo próximo desse valor, ou mesmo por vários depósitos de valor menor que somem
R$25 mil.
***
Até então eu não tinha entendido porque já não tinham me matado de uma vez. O motivo
é que a ABIN, por ser um órgão do governo, ligado à presidência da república e, me
parece, também à militares de alto escalão, não poderia em hipótese alguma ser acusada
de praticar homicídios. Sim, porque o fato de políticos roubarem e se corromperem é
muito bem aceito pela população, mas a notícia de que algumas autoridades são
mandantes de homicídios contra o cidadão comum seria recebida como uma bomba
atômica. Para o povo é comum, normal e até mesmo desejável, que alguns políticos
sejam desonestos. Isto situa psicologicamente o cidadão comum num nível moral mais
elevado que qualquer político – que tradicionalmente é “ladrão, corrupto e picareta”. Sabe-
se que pedófilos, traficantes e milicianos são vistos como párias da pior espécie. O povo
acredita que eles merecem a morte. Imagine o choque para o cidadão comum saber que
o governo, que deveria protegê-lo com políticas públicas, com a aplicação da lei, e com
programas assistenciais, também comete assassinatos, como os bandidos. As pessoas
simplesmente não aceitariam isto, pois esta notícia transcenderia totalmente a repetição
exaustiva, das mesmas ideias e dos mesmos conceitos que os jornais, revistas e
emissoras de TV fazem diariamente. Quem diria? Autoridades dos mais altos escalões,
***
***
Certa manhã, após o banho frio e compulsório que diariamente tomávamos, fui à minha
enfermaria buscar minha toalha para me enxugar. Ao abrir a parte do armário que me
cabia deparei não com meus pertences, mas com uma bola de couro amassada, um
pedaço de pau num formato fálico e uma porção de jornal picado. Fingi não ter visto nada,
eu estava só na enfermaria. Peguei uma toalha em outro lugar e me enxuguei. Mais tarde,
quando já haviam outros internos na enfermaria, abri minha parte no guarda roupas e
***
Diante da sincera opinião de Edésio, decidi viver. Lembro que nesta ocasião o amigo de
Edésio disse que certa vez teve cera no ouvido e que o médico teve que por “um cano” no
seu ouvido para tirar a cera. O comentário aludiu a imagem de um sujeito com um
revólver na cabeça, claro, sugerindo um aspecto da realidade que não poderia, ou não
deveria, ser mencionado de outro modo. Nesta rápida conversa que tivemos Edésio me
***
Deixei de ter medo da morte para ter medo de morrer sob tortura. Sobre o homem que
dizia chamar-se José Roberto Abreu, tentei negociar minha vida com ele, dizendo que não
se deve mentir, mas sim omitir. Até então eu achava que o problema deles era eu vir a
denunciar a morte de Roberto na Clínica Santa Catarina. Meu comentário foi em vão, pois
ele disse que era “furada". Fosse como fosse, me parece, José Roberto Abreu não
decidia nada. Ele apenas cumpria ordens, e era muito bem pago para isto. Ele próprio
falou algo como “Cem mil ou trezentos mil”. Interpretei estes valores como os preços
pagos por minha cabeça. Hoje penso que os trezentos mil seriam os valores
supostamente pagos pelas mortes de minha mãe Vanda, de Márcia e de mim mesmo.
Pelo menos era isso que José Roberto Abreu queria que eu pensasse, para fazer com
que eu mesmo aceitasse e buscasse minha morte. Esse pessoal da ABIN usa de muita
psicologia. Essa é, na realidade, a principal arma deles. Nada de artefatos estranhos e
engenhosos que podem matar ou ferir. A mente humana dotada da técnica certa é a
melhor arma que pode existir.
A primeira tentativa de José Roberto Abreu foi fazer como na Clinica Santa
Catarina, simulando ataque cardíaco via medicamentos. Eu havia escrito um texto em que
oferecia minha vida pela de minha mãe e de meu irmão. Mostrei o texto a José Roberto
Abreu, na esperança de que seu comentário e atitude a respeito mostrassem a mim que
***
Uma noite tive taquicardia sem motivo aparente. Não havia feito nenhum esforço físico
nem tido raiva que justificasse tal sintoma. Concluí que os remédios estavam me
causando a taquicardia. Reclamei enfática e veementemente na presença dos demais
internos e dos enfermeiros. Então essa estratégia para me matar acabou ficando ruim, por
várias pessoas terem escutado eu dizer que os remédios estavam me fazendo mal. Caso
houvesse uma investigação, a clínica poderia ser responsabilizada, ou algum enfermeiro.
Isto tornou este plano deles inviável, por haver risco de alguém denunciar o esquema e a
partir daí chegar-se aos verdadeiros responsáveis – pessoas poderosas por trás da
conspiração, gente graúda que não poderia aparecer. Ao ver frustrado seu plano para me
matar, José Roberto Abreu entrou na enfermaria bradando em voz alta: “Vamos legalizar
isso aí!”, referindo o tal documento no qual eu oferecia minha vida pela de minha mãe e
de meu irmão, que haviam sido ameaçados por José Roberto de modo velado. De fato,
ele fez menção, durante uma conversa com outro interno de nossa enfermaria, ao final de
telefone 1541, que correspondia a um número meu antigo. E na hora ele até disse, sobre
o tal número telefônico: “Quem vai atender é a mãe ou o irmão”, donde ele sugeriu que
minha mãe e meu irmão corriam risco caso eu não morresse.
Na verdade, tentei negociar com Zé Roberto, através do tal documento, uma
"morte melhor" da que ele havia sugerido que eu teria, através de perfurações de
furadeira nas pernas. De fato, José Roberto Abreu falava o tempo inteiro que havia um
nervo na perna – chamado nervo ciático – cuja inflamação causava uma dor pior que a
dor do parto.
Ao fazer com que os enfermeiros – em particular Josias – me ministrassem drogas
para forçar um enfarte, José Roberto Abreu estava cumprindo sua parte no trato, me
possibilitando uma morte sem dor. Mas eu não me entregaria tão fácil.
O fato é que eu mesmo estava preferindo morrer logo à passar por aquelas
dificuldades. Eu costumava dormir com a cabeça virada para o lado da porta, para ver se
ele começava – e terminava logo – a perfurar-me pela têmpora, para que eu morresse de
forma rápida e sem dor. Expus esta minha ideia para J.R. Abreu, dizendo a ele que
começasse a perfurara-me pela cabeça. Nesta ocasião, outro interno com quem eu nunca
havia falado puxou assunto perguntando se eu queria um cigarro. Neguei sem dar muita
importância e ele respondeu: “Já está na cabeça”. Fiquei com medo, achei que estavam
referindo minha mãe, querendo dizer que ela havia levado um tiro na cabeça ou algo
assim. Achei que era provável que pudessem tentar matá-la – talvez até mesmo tivessem
feito isso. Pensei em como eu poderia, naquela situação, avisar minha mãe do risco. Eu
não podia. Então José Roberto Abreu me disse: “Acho que você vai receber uma boa
notícia nos próximos dias”. Comecei a pensar, então, que a morte de minha mãe pudesse
***
***
Mas J.R. Abreu não desistiu de sua missão. Na segunda tentativa ele teve mais sucesso.
Explico: fui de uma estupidez suicida ao aceitar uma maçã do agente. Ele deu uma maçã
a cada colega da enfermaria. Como a comida da CRIL era péssima, eramos compelidos a
aceitar qualquer alimento que nos oferecessem. O que se deu, penso, foi uma simpatia
patológica pelo carrasco, que ocorre, por exemplo, em sequestros, quando a vítima fica
“amiga” do raptor. E tendo o agente estudado psicologia, conduziu a situação de modo a
parecer mais simpático e amigável, favorecendo minha patológica simpatia.
Provavelmente, se eu estivesse lendo a Bíblia teria sido mais cauteloso com minha
própria saúde. Teria identificado o agente secreto como um enviado de Satanás e veria o
mal em cada um de seus atos insidiosos. Veria a mim mesmo como um soldado de
Jeová, cuja luta contra o mal assentava-se em bases divinas. Pensando assim, eu
perceberia haver muito mais em jogo que minha própria vida: o destino de toda civilização
humana seria definido pelo resultado do embate psíquico. Era a luta do bem contra o mal.
Porém eu estava muito distraído com outro livro. O ótimo "Problems in Higher
Mathematics" de V. P. Minorsky – livro russo vertido para o inglês com 2570 problemas de
Matemática Superior. Cheguei a resolver cerca de 200 ou 300 problemas deste livro em
***
Era noite e eu me deitei, fechei os olhos e tentei dormir, pouco depois de ter comido a tal
maçã. Não conseguia, entretanto. Meus joelhos formigavam. Fiquei imóvel na cama,
deitado de olhos fechados. O agente José Roberto Abreu me importunou jogando uma
toalha sobre mim e retirando-a em seguida. Demorei anos para entender porque ele fizera
isso. Ele estava verificando se eu já havia morrido. Percebi que havia algo na maçã que
aceitei de J.R. Abreu. Disse isso aos demais ocupantes da enfermaria. Capixaba
respondeu: “Na minha maçã não tinha nada”. O problema era só meu. J.R. Abreu e eu
saímos do quarto e reclamei com ele sobre a maçã, acusando-o de ter posto algo nela.
Então o agente disse ao enfermeiro Baú, que estava próximo: “Baú, o Eric está
reclamando que não morreu”. O enfermeiro Baú olhou para mim, olhou de volta para José
Roberto Abreu e respondeu: “Mas ele vai morrer”. Este era um indício forte de que Baú
estava envolvido na conspiração. O cálculo do juro da taxa de 0,6% que Baú me pedira
para fazer fazia sentido agora. Este era o juro médio da caderneta de poupança naquela
época. Talvez ele estivesse planejando manter o dinheiro recebido para facilitar minha
morte depositado para retirar o juro mensal.
Passei a me sentir ainda muito mais angustiado. Raciocinei que mesmo que eu
sobrevivesse um pouco mais, estava com meu tempo se esgotando. Até então eu tinha
como certo que uma hora ou outra eu teria alta, e depois disso Vanda ou Márcia teriam
que me tirar daquele inferno. Agora minha esperança se desfazia. Mesmo que eu saísse
da clínica, estaria doente. Quem acreditaria na história da maçã? Comecei a imaginar
com que doença eu estaria. Teria que ser algo que matasse com relativa rapidez, ou que
me anulasse rapidamente, comprometendo minha capacidade de raciocínio e
pensamento. Então não deveria ser AIDS ou sífilis, se é que se poderia contrair AIDS ou
sífilis deste modo. Imaginei que sofria de cisticercose, já que é uma doença sem cura e
que anula a inteligência do indivíduo, além de causar psicose e cegueira. Esta seria a
solução perfeita para meus algozes. Eu morreria psicótico e imbecilizado numa clínica
psiquiátrica.
***
Poucos dias depois de fazer com que eu comesse a tal maçã infectada, J.R. Abreu
despediu-se dos companheiros de enfermaria dizendo: “Meu trabalho aqui está
terminado”. O plano agora era fazer com que eu morresse internado na CRIL. Sobre isso
José Roberto Abreu comentou: “O esquecimento é o maior castigo”
***
Ênio Pezão tentou fugir. Aproveitou a liberdade que tinha para sair de vez em quando
para tentar escapar. O interno de nome Adão, um negro gordinho e de fala mansa passou
a ocupar o lugar de Ênio em nossa enfermaria. O nome de Adão era motivo de chacota o
tempo todo por parte dos demais companheiros de enfermaria. Isso ocorria devido a
semelhança fonética entre a expressão “Eva e Adão”, de caráter teológico e a expressão
“É viadão”, vulgar e pejorativa . Mas Adão levava na esportiva e não se aborrecia com a
gozação dos colegas. Eu ficava a imaginar como seus pais puderam dar um tal nome a
ele sem atinar para a possibilidade deste trocadilho infame.
***
Minha companheira Márcia Regina me visitou muitas vezes e minha mãe me visitou
algumas vezes. Nenhuma das duas assinou o termo de responsabilidade para me tirar da
clínica, mesmo depois de meus insistentes pedidos. Elas foram absolutamente
indiferentes ao meu sofrimento. Na verdade, divertiram-se com ele. Aproveitaram minha
fragilidade para tripudiar. Ao mesmo tempo, agiram com uma correção irrepreensível aos
olhos da sociedade. Ninguém ousou questioná-las, ninguém pôs sua conduta em dúvida,
ninguém as criticou. De fato, elas não fizeram nada de ilegal ou imoral. Eu era o doido, o
louco de pedra, o agressor, o anormal e sabe-se lá deus que outros qualificativos
injuriosos minha família atribuiu ao meu nome. Por outro lado, minha mãe era uma cristã
devota, uma professora competente e esposa exemplar. Ninguém via o monstro sob o
manto da Virgem Maria. Eu mesmo fui enganado pela astúcia do demônio que habita sua
alma.Isso explica porque tantos esquizofrênicos assassinam suas mães e familiares. Eles
vivem sob o jugo de mães esquizofrenogênicas e em famílias que lhes impõem
agressões emocionais. Uma pesquisa na Internet pelos termos “agressão emocional” e
“alta emoção expressa” elucida bem o que ocorre. O esquizofrênico é produto de um meio
familiar patológico. Ele sofre agressões emocionais de modo sistemático e dissimulado
por parte de familiares. Quem observar superficialmente a família esquizofrenogênica,
pensará que o problema está no membro dito esquizofrênico. Um exame mais cuidadoso
mostrará, entretanto, que ele tem sido vítima de repetidas agressões emocionais por parte
de seus familiares, e esse é o motivo de sua revolta – vez ou outra convertida em
violência física.
É por isso que os neurolépticos reduzem os sintomas da esquizofrenia. Eles fazem
com que o “doente” não perceba as sutis ironias de seus pais, o deboche de seus irmãos,
e as insinuações maldosas de suas tias. E quando há essa tal percepção, a irritação não
emerge, sufocada pela apatia e passividade decorrentes do uso de psicofármacos. Além
disso, ao ver o “doente” frustrado e abatido, os familiares sentem-se menos motivados a
agredi-lo. Afinal, ninguém bate em cachorro morto.
***
Ver alguém como realmente é, além dos papéis sociais que exerce, pode ser uma
experiência deliciosamente encantadora ou tragicamente perturbadora. Depende do que
encontrarmos sob as mascaras dessas pessoas. A experiência me mostrou que, pelo
menos numericamente, Satanás está vencendo a guerra.
A maioria das pessoas sabe fingir muito bem – quase o tempo todo. Elas
aparentam serem algo que não são. Falam em honestidade, e praticam a insídia; elogiam
a bondade e fazem o mal; aparentam ter conhecimento e são ignorantes; oram a Deus e
pagam o dízimo à Lúcifer. Quando o Cristo reinar sobre todos os povos da Terra, ele porá,
definitivamente, um fim nesse odioso espetáculo da mentira que oprime os filhos de Deus.
Como será doloroso o inferno dos maus! Não os invejo nem um pouco por seu
***
A declaração sem máscaras do enfermeiro Jorsélio me fez rever os valores que havia
alimentado até então. De fato, eu, que havia sido fiel a minha esposa, estava preso como
esquizofrênico e desprezado por minha mulher, ao passo que o enfermeiro traía, gozava
de liberdade e tinha, presumivelmente, os favores das mulheres. A conclusão que se
segue é que o enaltecimento da fidelidade marital uma fraude. A sacralidade do conceito
de fidelidade conjugal é um artifício concebido por pessoas mesquinhas para fornecer
material de acusação contra os desafetos dos acusadores. Qualquer um que tenha um
parceiro sexual declarado único – e isto deixa de fora padres, tias solteironas e libertinos
– está sujeito a cometer adultério ou a ser vítima dele. Porém, quem tem juízo logo
compreende que o infeliz que põe sua confiança em outras pessoas é um maldito imbecil.
De fato, a Bíblia afirma: “infeliz do homem que põe sua confiança no homem”. Ninguém
tem o direito de exigir fidelidade de um cônjuge, pois não podemos controlar o
comportamento de outrem, quem quer que seja. Podemos, sim, ser fiéis por nossa própria
escolha e firmar um acordo com nossos parceiros para que a fidelidade seja recíproca.
Isso propiciaria mais segurança ao casal, evitando doenças venéreas e a consequente
contaminação da prole. Porém jamais tal fidelidade recíproca pode ser exigida. Ela tem
que ser sempre uma escolha da própria pessoa. Se não compreendemos isso, ficamos
furiosos ou depressivos ao descobrir uma traição, ou nos sentimos culpados ao trair.
Nenhum desses sentimentos – fúria, tristeza e culpa – é desejável. Se um marido
descobre o adultério de sua esposa, deve pensar: “sou livre para procurar uma outra
companheira, do mesmo modo que ela foi livre para me trair”. Este modo de proceder tem
base bíblica, inclusive. Com efeito, o livro sagrado prevê a dissolução do enlace conjugal
no caso de prostituição – e uma traição é considerada prostituição pela Bíblia. Caso
escolha continuar com sua esposa, o marido deve pensar “sou livre para agir do mesmo
modo que minha mulher e procurar uma amante” - afinal, segundo o pensamento vivo de
Carlos Massa, o apresentador Ratinho, “corno que trai não é corno”. Ninguém deve
sentir-se humilhado pela traição do cônjuge, porque todos estão sujeitos a isso e o
homem que todos julgam ser feliz no casamento pode, na verdade, ser o marido de uma
prostituta discreta que encobre sua conduta.
***
***
Depois que J.R. Abreu foi embora minha situação melhorou muito. Consegui trocar
algumas coisas que eu tinha por um pequeno armário portátil. Passei a guardar meu livro
“Problems in Higher Mathematics” e demais objetos com mais segurança. Um outro
interno, chamado Murilo, observou meu modo de proceder enquanto eu resolvia algumas
questões de meu livro. Minha conduta digna me rendeu bons dividendos e fizemos
amizade. Ele me disse que não sabia quanto tempo ficaria ali e que gostaria de fazer algo
útil enquanto estivesse detido. Ele pediu um livro de matemática à sua mãe, para que
pudesse estudar para algum concurso. Estudamos durante alguns dias, mas eu não
estava muito animado para fazer isso. Estava mais preocupado com minha saúde e com
minha liberdade. Mesmo assim Murilo encontrou em mim um amigo. Certa vez ele me
disse: “Eric, quero morrer sendo seu amigo.”
Fiquei sabendo muitas coisas curiosas sobre ele. Soube que seu padrasto era um
militar de alta patente. Um brigadeiro da aeronáutica, se bem me lembro. Por ter um
padrasto influente Murilo passou somente 10 dias na cadeia ao assassinar uma família
inteira de evangélicos. Ele também me contou que fugira de outra clínica e que depois
que saísse da CRIL, arranjaria um meio de me tirar de lá. Disse-me que pediria a uma
garota para se fazer passar por uma prima minha, e assim, assinar o termo de
responsabilidade que me devolveria a liberdade. Eu disse a ele que teria como arranjar
R$10.000,00 como recompensa pelo feito. Ele respondeu que faria tudo de graça, por
camaradagem, mas que o pessoal que ele ia arranjar para o serviço precisaria de alguma
grana como incentivo. Embora eu não fizesse muita ideia de como conseguir dinheiro
suficiente, achei que ao chegar ao apartamento de minha mãe, tudo seria providenciado.
Naquela época eu ainda acreditava nas boas intenções de minha mãe. Ao se aproximar o
dia de Murilo ir embora, no entanto, percebi que ele desistira da ideia. Ele passou a me
evitar e notei que ele estava um tanto angustiado por não se sentir capaz de cumprir o
que prometera. Por fim, eu mesmo achei a ideia da fuga inexequível, dada a hesitação de
Murilo. Preferi desobrigá-lo desta tarefa e em vez disso pedi a ele que postasse no Orkut
um texto em que eu pedia socorro denunciando toda a situação.
Não sei dizer se ele chegou a fazer isso, mas se mostrou aliviado ao ver-se livre da
tarefa de arquitetar minha fuga. Assim, nenhum de nós teve que desistir da amizade pelas
imposições da realidade, e pudemos continuar amigos em nossas memórias.
***
***
Dois irmãos negros e menores de idade foram internados na CRIL. Seus nomes eram
Jackson e Jéferson. Era um absurdo internarem menores de idade numa clínica barra
pesada como aquela. Mas aqueles irmãos não eram nada bobos e aparentavam saber se
defender. Ainda que sua mentalidade fosse adulta, seus corpos eram infantis e por isso
alegravam um pouco o ambiente.
Comecei a imaginar que eles poderiam ser usados para me matar. Eles eram
menores de idade e talvez a lei pesasse menos sobre eles. Se me matassem talvez
fossem para a FEBEM e sairiam em alguns anos, após alcançarem a maioridade legal.
Certa noite, enquanto eu tentava dormir, meus colegas decidiram jogar dominó na cama
ao lado. Jackson sentou em minha cama para jogar também, mas ele estava me
incomodando, não conseguia dormir com ele ali. Pedi para que saísse. “Se eu não sair
você vai fazer o que?”, perguntou Jackson desafiador. “Não vou fazer nada. Você é que
tem que sair”, respondi. “Você tá precisando tomar um comprimido de piruculina”,
continuou. Foi meu limite. Sentei-me na cama e disse: “Vou jogar também”. “Não dá. O
jogo já começou”, responderam meus amigos que jogavam. Então retruquei: “Vou jogar
no lugar do Jackson”. Na mesma hora Jackson saiu da minha cama. Manoel Silveira disse
com alguma admiração: “É... Você teve atitude.”
Num lugar desses o respeito tem que ser conquistado através de atitudes
inteligentes.
***
Internou-se na CRIL um jovem chamado Murilo. Ele tinha pele branca, cabelos pretos,
compridos e desgrenhados. Sua família levava várias coisas para ele: livros, tortas
salgadas e doces, remédios caros de última geração, quentinhas com comida de boa
qualidade etc. Internara-se na CRIL após ter passado várias noites em claro,
drogando-se. Apesar de ser avesso ao uso de qualquer tipo de droga, lícita ou ilícita, fiz
***
***
A situação na CRIL melhorou depois que algumas belas universitárias passaram a nos
dar aulas num espaço que separaram para isso. Acabei gostando de uma dessas
meninas. Ela se chamava Katienny e cursava a faculdade de biologia. Quando eu soube
que uma das matérias que ela estudava era cálculo, logo mostrei algum conhecimento a
respeito. Passei uns bilhetinhos para ela, dizendo meu nome, pedindo que me ajudasse
pela Internet, contatando pessoas, postando mensagens para meus conhecidos no Orkut
e coisas assim. Buscando por meu nome na Internet, Katienny logo simpatizou comigo.
Meu nome aparecia no Google mais de mil vezes, entre premiações, artigos publicados,
resultados de concursos, e-mails arquivados e opiniões publicadas no Yahoo!Respostas.
O Google pode dizer muito a respeito de alguém.
Katienny tinha pele branca e um narizinho engraçado que eu gostava muito. Sua
postura era de crítica e auto-crítica. Logo em sua primeira aula ela disse que não gostava
do próprio nome. Penso que talvez ela achasse o nome “Katienny” um tanto diferente e
próprio para moças mais liberais. Eu, por outro lado, adorei seu nome e pensava muito
nela. Queria possuí-la, amá-la. Fantasiei situações sensuais com ela, cheguei ao êxtase
pensando nela.
Tudo teria sido muito bom se minha má reputação na clínica – sem
correspondência com a realidade – não tivesse chegado ao seu conhecimento, razão pela
***
Deus quis que eu fosse liberto. E foi numa manhã de sol que me chamaram, dizendo a
mim que arrumasse meus pertences. Baú me pareceu ficar levemente tenso. Ele disse:
“Se eu não te levar lá fora você não sai não”. Enquanto arrumava minhas coisas para sair
e perto do portão do pavilhão 2, recebi as felicitações de meus companheiros de
internação. Inclusive os cumprimentos respeitosos de Ênio Pezão e de Fiel (Fiel era um
interno jovem, branco, boa pinta e que estava sempre ouvindo a Banda Calypso no
radiozinho que trazia consigo – tinha uma tatuagem grande escrito “Fiel” e outra também
grande de Nossa Senhora).
Minha companheira me esperava do lado de fora do pavilhão, contrariada. A assistente
social veio conversar conosco e disse que eu estava de alta e que Márcia podia me levar
para casa. Minha companheira mostrou uma má vontade muito grande em me tirar da
CRIL. Eu, percebendo isso, tratei de me empenhar em mostrar o melhor comportamento
possível.
Antes de sair, fomos levados à presença do psicólogo Leonardo, que falou em
coisas como “resignificar experiências” e minha “companheira” falou coisas como
esse-filho-da-puta-pôs-fogo-em-mim-enquanto-eu-dormia-aqui-minhas-cicatrizes-ó. “Você
fez isso, Eric?”, perguntou Leonardo estupefato. Eu respondi que ela se queimou
enquanto cozinhava.
***
***
Assim que pus os pés fora da CRIL quis ir para Araruama, para o apartamento de minha
mãe. Mas Márcia pensava diferente. Como eu relutei em voltar com ela para Santa Maria,
***
Após deixar a CRIL, fomos para a casa Dona Lúcia, minha sogra. Uma das primeiras
coisas que fiz foi ir a uma Lan House buscar informações sobre a cisticercose. Descobri
que o tempo entre a ingesta dos ovos de tênia e o aparecimento dos sintomas, poderia
ser de 15 dias ou 40 anos. Alguns casos de cisticercose poderiam ser sanados por
cirurgia, mas nem todos. Alguns dos sintomas eram psicose, demência, cegueira e sono
em excesso. Também descobri na Lan House que o vermífugo praziquantel era o mais
indicado para evitar a cisticercose. Ele era comercializado com o nome de Cestox.
Eu teria que agir rapidamente se quisesse sobreviver.
Procurei o Cestox na farmácia de Santa Maria, mas não o encontrei lá. Também
estava complicado marcar uma consulta com o médico para que ele me avaliasse e
sugerisse um tratamento. As consultas seriam em Campos ou em Bom Jesus, mas minha
esposa Márcia Regina não poderia me acompanhar. Ela estava mais preocupada em
farrear, encontrar-se com seu amante e cuidar de um bar do qual havia se tornado sócia.
Passava o dia todo na rua.
Por outro lado, eu não conhecia nem Bom Jesus nem Campos dos Goytacazes. E dopado
do jeito que me encontrava, não seria possível ir às consultas nessas cidades. Era uma
sinuca de bico.
***
Neste ínterim percebi algo que já ocorria há algum tempo, mas que julgara erroneamente
ser coincidência ou efeito adverso do Haloperidol ou do Clonazepam. Que as pessoas de
poder influenciam populações através da TV, é fato conhecido e já bem aceito. A grande
novidade é que pessoas influentes podem, também, alterar a programação da TV
pontualmente, fazendo com que apenas um número pequeno de pessoas assista na TV o
que "eles" querem. Deste modo são capazes de atingir algumas pessoas apenas,
preservando as demais. Percebi isso na Clínica Santa Catarina, na Clínica de Repouso
ltabapoana e na casa de minha sogra. Mais tarde descobri que existe um aparelho muito
comum que possibilita isso. Chama-se videolink.
A noite, na casa de minha sogra, o jornal televisivo passou várias notícias seguidas
sobre assassinatos dos mais diversos tipos. A cada notícia de morte seguia-se outra
igualmente sangrenta. Foi bastante estranho, não me lembro de ter visto algo assim
antes. Contei as notícias consecutivas de homicídios e mortes violentas. Foram seis entre
um comercial e outro. Não se tratava do conhecido “Linha Direta”, cujo tema central gira
***
Percebi que teria que fugir. Caso contrário me mandariam, mais cedo ou mais tarde,
novamente para a CRIL. Além disso eu precisava me tratar, coisa que seria difícil se
continuasse em Santa Maria. Nos dias que se seguiram saí da casa de minha sogra e
voltei para a minha própria casa.
Numa segunda-feira pela manhã fui ao local onde se compravam passagens, uma
padaria. Ela estava fechada, entretanto. Talvez não abrisse nas segundas-feiras, pensei.
Então me dirigi à casa de minha sogra e, perguntei se as padarias deixavam de funcionar
nas segundas-feiras, como os bares (o bar de minha esposa não funcionava nas
segundas). Dona Lúcia disse que não, a padaria deveria abrir mais tarde. Retornei a
minha própria residência e recebi a ligação de minha sogra que disse ter desconfiado que
eu queria fugir. Ela disse também que ligara para a padaria pedindo à funcionaria para
não vender nenhuma passagem para mim. Então pensei "Ou vai ou racha, agora sim
tenho que ir mesmo". Me dirigi a padaria sem saber bem o que fazer. Se a funcionária não
me vendesse a passagem eu não poderia fazer nada. Se insistisse, poderia ser internado
novamente. Mas se queremos algo, temos que nos arriscar para conseguir. Então fui para
lá. Quando estava quase chegando na padaria surgiu, do nada, uma van indo para Bom
Jesus do ltabapoana. “Passa na rodoviária de Bom Jesus?”, perguntei. “Passa perto”,
respondeu o motorista. A passagem custava R$5,00. Quando chegamos a Bom Jesus
ofereci mais R$2,00 para que o motorista me deixasse em frente a rodoviária. Foi o que
ele fez, embora tenha recusado o dinheiro.
Eram quase quatro horas da tarde e não havia nenhum ônibus que fosse para
Araruama. Porém, havia um que ia para Cabo Frio, uma cidade próxima de onde poderia
pegar outra condução para chegar a Araruama, onde residia minha mãe. Minha vontade
era ter ido para Niterói, mas eu não tinha as chaves de minha casa lá. Também não sabia
qual a situação do imóvel. Talvez ele tivesse sido alugado ou coisa assim. Comprei a
passagem para o próximo ônibus que seguiria para Cabo Frio. Ele sairia às 16:30hs. Foi
uma espera torturante. Lembrei que Ênio Pezão havia sido recapturado naquela
rodoviária, tendo sido mandado para o inferno do pavilhão 4. Tive medo. Imaginava
Márcia surgindo de repente, numa ambulância ou num carro de polícia, acompanhada por
***
Ao chegarmos a Araruama, pedi a Pereira que aguardasse com o taxímetro ligado até que
eu conseguisse entrar no prédio. Interfonei para o apartamento de minha mãezinha
***
No dia seguinte, após ter me alimentado, dormido e tomado um banho, visitei algumas
farmácias procurando o vermífugo Cestox. Liguei para a UNIMED, meu plano de saúde,
e me informei sobre a dose e frequência com que deveria tomar os comprimidos para
tratar a cisticercose. Expliquei a situação para a atendente, falei sobre a maçã
contaminada e ela confirmou que era possível preparar uma maçã desse modo, com ovos
de tênia.
Fiz uma tomografia computadorizada do crânio. O clínico verificou que a imagem
de meu cérebro tinha um aspecto granuloso. Este era um sinal da cisticercose, conforme
eu já havia me informado pela Internet. O médico foi confirmar com o especialista se
havia algo de errado comigo ou não. Ele foi sério e voltou rindo e dizendo que eu não
tinha nada. Fiquei com a pulga atrás da orelha. Porque a tomografia mostrava meu
cérebro com um aspecto granuloso? Esta informação me foi negada.
Decidi tomar 4 comprimidos de Cestox de 12 em 12 horas durante 3 dias, conforme
as instruções da médica da UNIMED. Não sei se eu tinha alguma coisa, mas depois deste
tratamento com o Cestox passei a me sentir melhor. É claro que isso poderia ser efeito
placebo.
***
Pouco tempo depois recebi o telefonema da UNIMED dizendo que eu não poderia pedir
nenhum tipo de auxílio telefônico a eles, já que meu plano de saúde era de Niterói e eu
estava em Araruama. Achei isso muito estranho. Porque se importariam em ligar para
mim? E porque eu não poderia ter o auxílio médico pelo telefone? Aquilo não fazia
sentido.
***
Fiquei cerca de um mês em Araruama. Mas lá não era meu lugar e os donos do
apartamento me lembravam disso com frequência, dizendo: “Você não está na sua casa”.
Não me sentia bem com isso. Quem se sentiria? Ao mesmo tempo Vanda dificultava
minha ida para Niterói. Ela se negava a me dar as chaves de casa, tanto as de Araruama
quanto as de Niterói. Meu irmão tinha as chaves do apartamento, presumivelmente.
Porque eu também não podia ter?
Decidi pegar meu dinheiro no Banco do Brasil e voltar para Niterói. Descobri que
ela sacara parte de minha pensão para uso próprio. Então pedi meu cartão do Banco do
Brasil de volta, para que eu pudesse voltar para Niterói e pagar minhas próprias contas.
Ela me devolveu o cartão e eu peguei o ônibus para Niterói. Mas não sem antes ouvir ela
ameaçar me desinterditar, fazendo assim com que eu perdesse o benefício financeiro da
pensão.
***
A viagem para Niterói foi tranquila. Não identifiquei agentes no meu encalço.
Uma imobiliária estava com as chaves de minha residência, a fim de alugá-la. Ao
***
Desde que cheguei a Niterói passei a denunciar o assassinato de Roberto, mas sem
nenhum sucesso. Fui a polícia federal e eles alegaram que não investigavam homicídios e
me sugeriram ir à polícia civil. Foi o que fiz. Fui à 77ª DP na rua Lemos cunha, perto de
onde moro, e eles falaram que a denúncia teria que ser feita no local onde ocorreu o
crime. Mas isto foi em São Gonçalo – um lugar notoriamente perigoso, onde grassa a
criminalidade. Seria muito fácil para meus oponentes me matarem a distância e dizer que
foi bala perdida. Ou até mesmo simular um assalto. Ninguém ia estranhar ou se
incomodar muito com uma morte lá por aquelas bandas. Já em Icaraí, onde moro, área
nobre de uma cidade nobre, um crime dessa natureza poderia fazer os empreiteiros e
construtores terem um grande prejuízo. Haveria uma desvalorização dos terrenos o que
não combinaria com a atual onda de exploração imobiliária nessa região. Afinal, ninguém
quer morar numa área onde há homicídios.
Liguei para o disque denúncia, mas fui informado que eu teria que procurar uma
polícia investigativa, e não eles. Fui até um orelhão e liguei para a polícia militar, no 190.
Expliquei a situação e perguntei como proceder. A atendente informou que eu deveria
fazer a denúncia no departamento de polícia mais próximo a minha residência. Fiquei feliz
com isso e pedi para que confirmassem que eu tinha o direito de fazer a denúncia nas
proximidades de minha residência, e não necessariamente na DP da localidade da
ocorrência, mas tal confirmação me foi negada. A atendente disse, então, que eu deveria
fazer a reclamação na delegacia de São Gonçalo, onde ocorrera o crime. Eu expliquei
que não conhecia São Gonçalo e também não tinha carro e que por esse motivo seria
difícil e perigoso para mim fazer a denúncia lá. Perguntei se eles poderiam me escoltar
até lá, eles disseram que não e, sem me darem chance de argumentar, desligaram o
telefone. Foi frustrante, mas não desisti.
O absurdo da coisa toda não era nem o presumível homicídio ocorrido, mas a
impossibilidade de denunciá-lo. Se não se pode denunciar o governo como autor de um
assassinato, então o governo pode mandar matar quantas pessoas quiser, pois não
sofrerá nenhuma punição. De fato, a grande mídia alardeia as falcatruas do governo o
tempo inteiro. Nossos políticos roubam despudoradamente, sem punição. Mas a denúncia
da mídia centra-se no desvio de dinheiro. Ora, caro leitor! Ladrão, ladrão e meio! Um
assaltante é um homicida habitual, que não hesita em puxar o gatilho – quem rouba sem
punição, também mata impunemente! E se a impunidade protege o político corrupto e
ladrão, protege também o homicida.
***
***
***
Nos dias que se seguiram, continuei não tendo êxito em tentar fazer a denúncia na
polícia. Recorri ao Orkut, então. Postei o que sabia em algumas comunidades. Postei a
denúncia numa comunidade que reunia a polícia de São Paulo e também em outra que
tinha exatamente essa finalidade: fazer denúncias. Expus o caso aos amigos da
comunidade “Entender a Esquizofrenia”. Nesta última, me disseram: “Mortos não falam”,
acho que isso assustou alguns participantes, mas eu já tinha me acostumado com este
tipo de coisa. A ideia da morte já não me assustava tanto. Na comunidade de policiais
minha denúncia foi muito mal recebida. Inclusive com uma ameaça de morte postada na
minha página de recados. Dei queixa desta ameaça na 77ªDP, que repassou o caso para
a DRCI – Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática, localizada na cidade do Rio
de Janeiro.
Postei na Internet meu endereço completo e meu telefone mas ninguém apareceu
para verificar minha história ou ajudar. Ao contrário, apareceram uns tipos estranhos nas
proximidades de minha residência. Eles olhavam para mim como se me conhecessem.
Deviam ser agentes da ABIN, pois caso contrário não me reconheceriam, já que minha
foto não estava na Internet.
“Possivelmente, grampearam meu telefone. Talvez forjem gravações com minha voz a
partir de trechos gravados de conversas minhas ao telefone. Aí eles podem “remendar”
minhas falas e exibir na TV como se eu tivesse falado coisas absurdas, cometido crimes
etc. Meu celular e meu telefone não são mais seguros. Possivelmente eles estão
gravando minhas conversas. Parece-me que o orelhão próximo ao Centrocardio também
está sendo vigiado. Existem pessoas estranhas rondando as proximidades.
Falei com Álvaro, do prédio da Domingues de Sá 409, sobre o Esquemão.
Perguntei a ele se poderia ficar com uma cópia do dossiê, ele disse que não. O Maurício
Martins, irmão de um antigo amigo meu da UFF, Marlon, tem uma cópia do dossiê, mas
parece que está com medo. Vou tentar divulgar, para minha própria segurança.”
10/03/2008 – Segunda-feira
“Hoje tive uma consulta com Camila Cordeiro Donnola. Marcos Motta Murtha, o terapeuta
ocupacional, participou da consulta, a pedido de Camila. Estão preocupados. Querem que
eu me interne em Jurujuba. Eu concordei que um tal de Luiz fosse me buscar amanhã
para que fôssemos ao hospital de Jurujuba para uma avaliação. Foi meio forçação de
barra. É lógico que é uma armadilha. Vou dispensá-lo em alto estilo. O tal de Luiz vai sair
“catando cavaco”, com “duas quentes e três fervendo” amanhã. Porém, tenho que estar
preparado para tudo, talvez ele venha com reforços.
Quando acabou a consulta, a chave de fenda que eu tinha sob a roupa, presa por
uma fita crepe, escorregou e caiu no chão. Eu a peguei rapidamente, não sei se Camila e
Marcos viram. Provavelmente, sim.
É claro que não pretendia ferir ninguém. Essa era uma simples medida de
proteção. Eu deveria ter me protegido mais, entretanto. Em vez disso achei que estivesse
seguro e não levei mais a chave de fenda comigo. É claro que se tivesse levado,
provavelmente teriam me matado com um tiro. Eles só precisariam que eu desse um
motivo. Eu teria sido morto e a estória que iriam contar seria a que eles mesmos
escolhessem.
Está bastante difícil conseguir uma secretária. Ninguém quer o cargo. E quando
aparece alguém fica por pouco tempo. Tive 3 secretárias. A que ficou mais tempo saiu
antes de completar dois dias. A que ficou menos tempo, trabalhou menos de 30 minutos.”
***
Quando o tal de Luiz me procurou em minha residência, fingi cooperar, mas não fui com
ele à Jurujuba, claro. Um dia, entretanto, fui à policlínica Sérgio Arouca conversar com o
psiquiatra Luís Sérgio, que já me atendia há muitos anos. Sem fazer nenhuma pergunta
nem me examinar, ele passou uma recomendação para que eu fizesse uma avaliação no
Hospital Psiquiátrico de Jurujuba. Isto não fazia sentido, pois ele mesmo poderia fazer
essa avaliação. Além disso o Hospital de Jurujuba era só para casos de emergência,
quando o paciente está descontrolado, quebrando coisas, batendo em pessoas e esse
não era o meu caso. Um outro psiquiatra, que sequer me conhecia, reforçou o que Luís
Sérgio disse. Eu argumentei racional e pacientemente que meu caso não atendia aos
requisitos para uma internação em Jurujuba, além do que, precisava falar com algum
***
Fui conduzido ao SIM – Serviço de Internação Masculino. Estava calmo, entretanto, pois
eles precisariam de minha assinatura para me manter internado. O que eu não
desconfiava é que eles conseguiriam a assinatura de minha mãe autorizando minha
internação. Porque ela se deu ao trabalho de vir a Niterói assinar um termo autorizando
ato tão desumano e cruel contra seu próprio filho? Tal fato é absolutamente revoltante,
mas também ilustra o conceito cristão de que a salvação é individual. Estamos todos sós
na busca de nossa salvação. Ainda que Deus Jeová nos dê o paraíso, pode ser que dê o
inferno para nossos pais. Vanda, minha mãe, assinou o termo sem falar comigo,
colaborando cegamente com Raldo. Ela não se deu ao trabalho de verificar sequer meu
estado de saúde, ou se eu necessitava de algo. Há um véu de ignorância do pior tipo
encobrindo o conceito popular de “mãe”. Os filhos só convém aos pais enquanto lhes são
úteis e convenientes. Perante a sociedade, as mães fazem o que tem que fazer para
manter as aparências. E só. Elas pensam e se preocupam sim, com a opinião dos
demais, mas não vai além disso. Hoje, diferentemente do que sempre pensei até os 35
anos, reconheço isso. Mas reconheço também que não fujo a esta regra. Se eu tivesse
filhos e tivesse que escolher entre arriscar minha vida por eles ou sacrificá-los
mortalmente, faria a escolha certa. Na hora da morte estamos completamente sós,
ninguém pode morrer por nós, sequer se arriscar por nós. Não se pode ser
***
Nos primeiros dias de minha internação no Hospital Psiquiátrico de Jurujuba fui tratado
como um príncipe pelas psicólogas e atendentes terapêuticas. Mas logo a opinião delas
se inverteu e aquilo se transformou num campo de concentração. Elas tinham extremo
prazer em me agredir emocionalmente e frustrar minhas expectativas repetidas vezes. É o
tipo de coisa difícil de explicar, mas que está bem documentado na Internet. Basta
procurar pelos termos “alta emoção expressa” ou “agressão emocional”.
Certa vez, enquanto a observava, a psicóloga Débora escreveu no quadro de
avisos: “Inche”, quando deveria estar escrito “lanche”. Quem parava para ler poderia ficar
em dúvida sobre o que ela escrevera. Débora referia o fato de que os antipsicóticos
engordam o usuário e que ao causar hipotireoidismo tal ganho de peso poderia ser
irreversível. Aquela era uma forma sutil de zombar de meu estado de saúde. Como
alguém poderia sentir prazer em fazer tal coisa, meu Deus? Zombar da doença de outra
pessoa?
***
Eu havia feito amizade com um interno chamado Joseilton. Ele, eu e outro interno de
quem não lembro o nome resolvemos bolar um plano para fugir. Não funcionou e fomos
punidos exemplarmente, com altas doses de drogas. Semanas depois Joseilton disse que
queria me mostrar uma coisa. Eu fui ver com ele o que era. Joseilton levava consigo um
lençol branco. Chegamos num local onde nos encontrávamos sós. Então ele pôs-se a
meter o lençol por uma fresta do tijolo da parede. Eu não sabia o que ele estava fazendo.
Imaginei que era um sinal em código para que seus amigos da favela em frente
viessem resgatá-lo. Em seguida ele atou o lençol no pescoço e apertou com força,
abandonando o corpo à ação da gravidade. Eu entendi que ele queria se enforcar e
comecei a gritar desesperado. O pessoal da enfermagem logo apareceu. A atendente
terapêutica Raquel veio com um sorriso brilhante, acompanhada de um enfermeiro. Ela
me disse: “Viu, Eric, como a enfermagem age rapidamente?”
Só tempos depois entendi que era uma armação, algum tipo de teste ou algo
assim. Quem seria perverso o suficiente para simular uma tentativa de suicídio a fim de
levantar material de acusação contra um amigo? Joseilton era essa pessoa. Algum tempo
depois, estávamos sós, assistindo TV à noite quando Joseilton, fingindo espontaneidade,
pôs suas pernas sobre as minhas. Eu olhei para ele com estranhamento e disse: “Pode
sair de cima de mim?”, ele perguntou: “Porque?” e eu respondi: “Porque eu não gosto
disso”. Os testes continuavam. Joseilton era um maldito pervertido. E do pior tipo, aquele
***
Após o incidente com Joseilton a atendente terapêutica Raquel ficara simpática à minha
pessoa. Talvez eu tenha passado no teste, talvez minha sincera preocupação com o
pequeno calhordinha do Joseilton tenha feito brotar algum amor no coração da atendente.
Os agentes da ABIN logo perceberam isso e escreveram no quadro de avisos:
RAQ U E LAT
***
No início da internação conheci um interno chamado Carlos Andrade. Ou Carlos and raid,
conforme sugestão fonética. Logo percebi que se tratava de um agente da ABIN. Numa
de nossas conversas ele disse que eu poderia ir para Miame. Comentei que Miame era
perto de Cuba e ele indicou com os dedos como o pessoal lá “corta os charutos”,
referindo claramente a ideia de castração. Comentei com outro interno, de nome João
Moraes, que Carlos Andrade era um agente secreto. Estávamos sentados no pátio de um
lado e Carlos Andrade estava do outro lado do pátio. Ao levantarmos eu e João Moraes
para irmos conferir se ele era mesmo um agente, Carlos levantou-se sorrateiramente e
dirigiu-se à enfermaria. Nós o seguimos de perto, mas quando chegamos, ele fingia
dormir tão bem que não o chamamos. Carlos Andrade logo teve alta e sumiu.
***
Uma noite acordei com forte taquicardia. Fui até a enfermagem e medi por conta própria
minha pulsação. Em 15 segundos me coração bateu 38 vezes; quer dizer, o número de
batimentos por minuto era de 152. Disse isso à enfermeira e pedi a ela que confirmasse
por si mesma. Ela mediu meu pulso durante 1 minuto e disse que estava normal, com
cerca de 80 pulsações. Não havia nenhum meio de eu mostrar aos demais que ela estava
mentindo, pois ela se encontrava só no posto de enfermagem. Como eu poderia provar o
que dizia?
Numa outra ocasião diante, de forte taquicardia, à noite, pedi a outra enfermeira
que medisse minha pulsação e ela simplesmente se negou. A situação se repetiu uma
terceira vez, quando chamaram um médico que nem olhou para mim, simplesmente me
deu uma injeção para que eu dormisse.
Se eu tivesse morrido teriam teriam alegado morte por problemas cardíacos ou
qualquer coisa assim. Quem contestaria tal parecer?
Recebi a visita de minha tia Vera Lúcia de Campos algumas vezes. Certa vez ela me
trouxe duas maçãs. Eu as comi e logo depois minha garganta começou a pegar fogo,
como se estivesse querendo inflamar. Tive diarreia e depois de alguns dias minha
garganta ficou coçando por dentro. É claro que tinha algo na maçã. Pedi ao clínico para
fazer um exame de vermes e ele negou. Várias vezes pedi e várias vezes tal exame me
foi negado. Então pedi para que fosse ministrado em mim o praziquantel, um vermífugo
conhecido, pois eu desconfiava que a maçã estava batizada com ovos de tênia. Ele se
recusou e disse que teria que falar com minha mãe antes. Isso seria impossível,
entretanto, pois minha mãe vinha muito raramente no hospital e sequer residia na cidade
e ele, o médico, também não tinha um horário fixo para aparecer lá. Não dava para
combinar um encontro assim. Expliquei isso ao clínico e ele concordou em fazer os
exames se eu conseguisse um pedido para tal, assinado por minha mãe. Eu consegui o
pedido rubricado por minha mãe e mostrei a ele. Ele voltou a dizer que não poderia
ministrar o praziquantel sem falar com minha mãe. Fiquei sem remédio num hospital
psiquiátrico que é referência para o Brasil. Imaginem como é uma internação num hospital
ruim, então.
***
Desconfio que o Dr. Dimas, meu psiquiatra em Jurujuba, tenha recebido algum suborno
para me deixar tanto tempo internado. Fiquei mais de 4 meses detido, quando haviam
pessoas em situação bem pior que recebiam alta com duas ou três semanas.
Houve um sujeito, um pedófilo, que puxara uma peixeira ameaçando ferir outra
pessoa. Ele ficou menos de duas semanas internado. Não havia motivo para me manter
tanto tempo detido. Meu comportamento era ótimo e apesar de estar sendo claramente
injustiçado, não me rebelei, ainda que em certos momentos sentisse uma revolta muito
grande, que preferi não exteriorizar.
***
Uma noite acordei maravilhado. Tudo parecia muito bom. Até a morte. Cogitei fazer uma
declaração autorizando a retirada de meus órgãos em caso de morte. E eu sabia que iria
morrer, entretanto isto me pareceu, naquela noite, algo realmente muito bom. Eu estava
em êxtase, nunca havia me sentido daquele modo em minha vida. Era muito bom, ou pelo
menos eu pensei que fosse. Na noite seguinte acordei desnorteado, logo achei que havia
sido envenenado. Levantei-me, perdi o equilíbrio e caí no chão. Vi o chão ir e voltar várias
vezes, rápida e descontroladamente, diante de meus olhos. Não conseguia me levantar.
Estava claro que tinha sofrido algum tipo de intoxicação. Na noite posterior, comecei a
sentir uma raiva incomum, antes de dormir. Há dois anos não sentia uma raiva tão forte.
Posteriormente um interno que chamavam de Haroldo, e que claramente trabalhava para
a ABIN, disse algo como: “Esse papo de que neguinho se vicia em crack e não consegue
mais parar e balela. Conversa de vagabundo safado. Sei de um caso que o filho disse
isso para o pai, que era militar. O pai respondeu: 'filho, vou te provar que você pode parar
de fumar crack. Vou fumar somente 40 dias com você.' O pai fumou crack durante 40 dias
com o filho. Quando acabou o prazo o filho chamou o pai para fumar e o pai respondeu
'Não vou fumar, pois isso vai contra meu treinamento militar'”. Essa estória e eu saber que
Haroldo era da ABIN, me fez acreditar que haviam baforado crack na minha cara,
***
***
Passei a ser o fiel escudeiro de um interno conhecido como Dom Bosco, cujo nome
verdadeiro era João Bosco. Ele era puro e bom, alguém admirável. Tinha cerca de
sessenta anos e todos gostávamos dele. Eu o auxiliava em seu banho matutino todos os
dias. Ajudava-o a se enxugar e a se vestir, pois ele tinha dificuldade em fazer isso.
***
Certa noite fui acordado por Joseilton que conversava em tom tenebroso com outro
interno que eu ainda não conhecia. Eles conversavam num tom amedrontador. Logo achei
que este outro interno estava lá para matar-me. Percebi que falavam sobre mim e que
eles sabiam o que havia acontecido na Clínica Santa Catarina. “Podemos conversar?”,
perguntei a certa altura. “Não” foi a resposta categórica. A certa altura o cara que eu não
conhecia perguntou: “O doutor João Henrique está bom para você?” como que me
incitando a buscar vingança. Dava a impressão de que ele queria tratar comigo que
apenas o Doutor João Henrique Pinho Maia fosse punido pelo incidente na Clínica Santa
Catarina. Essa foi uma evidência clara de que ele era agente da ABIN – de outro modo,
como saberia sobre o Dr. João Henrique? Após o susto inicial, levantei-me, fui ao
banheiro e urinei de pé dizendo bem alto: “Eu estou determinado!”, como se quisesse
dizer que iria até onde fosse necessário para fazer justiça. No dia seguinte a psicóloga
Débora nos apresentou o sujeito na reunião conhecida como “Bom dia”. Esse mesmo
infeliz me fez uma ameaça velada ao me passar o que ele disse ser o número da conta
da Igreja Mundial (é claro que não era). O número da conta era “BB 253 0280-02”. O
“253” fazia menção ao telefone de um grande amigo meu, o professor doutorado pela
UFRJ Jorge Petrucio Viana, da UFF, que me orientou durante anos em minhas pesquisas
em Matemática – o número telefônico dele começava com “2553”. Escrevendo o “5” uma
vez só em vez de duas, ficava “253”. O bloco seguinte, “02”, fazia referência a Petrucio e
***
Houve uma conversa que tive com o psiquiatra Dr. Dimas em que ele toca na questão do
suborno. Ele questionou quanto eu poderia pagar para ter alta. Ele foi suficientemente
discreto para não justificar uma denúncia, mas se fez entender. A questão era “quanto”.
Das duas, uma: ou ele estava sendo pressionado para me manter internado, ou estava
recebendo dinheiro para isso. A segunda possibilidade me parece mais crível.
Fiquei chocado. Se um médico faz este tipo de coisa, que dirá um político ou um
juiz! Não é o desejo de ajudar as pessoas que motiva os estudantes de medicina, mas
sim a possibilidade de ter nas mãos a saúde de outras pessoas e poder decidir a quem
ajudar, conforme o tamanho da propina. Eu começava a entender as piadas sobre
médicos, como aquela em que um médico que acabara de morrer e estava diante das
portas para o paraíso dizia a São Pedro: “Deixe-me entrar! Eu só estava fazendo meu
trabalho...”
Outro ponto é que o direito que todo paciente tem de ver seu prontuário me foi
negado várias vezes, pelo terapeuta ocupacional Marcos Motta Murtha, pelo psicólogo
John e por duas enfermeiras. Pedi a todas essas pessoas para ver meu prontuário e elas
me negaram um direito que tenho por lei. Por conta dessa e de outras arbitrariedades
cheguei à conclusão de que a legislação é uma estória da carochinha. Não há
legitimidade nenhuma na legislação, do mesmo modo que não há legitimidade na
representação do povo no congresso nacional. A esmagadora maioria dos políticos
simplesmente acata as ordens do grande capital. A lei é uma ficção moral – um delírio
coletivo. Pelo menos por enquanto.
***
Conheci um sujeito chamado Marcelo Vicente em Jurujuba. Por sinal, ele foi internado um
dia antes de mim. Pensei ter nele um aliado, um amigo. Estava enganado. Marcelo
recusou a comida de Jurujuba e foi para o soro. Apesar desse mal comportamento,
recebeu licença e alta uns três meses antes de mim. Certa vez, quando ele estava
visitando o hospital pediu para que eu vigiasse uma maleta esverdeada que ele levava e
foi para outro recinto. Como ele demorava a voltar, peguei a maleta pela alça e fui
devolver para ele dizendo “Eu não posso tomar conta para você”, ao que ele diz:
“Vitória!!”. Ele só queria minhas digitais na maleta. Comecei a me preocupar. O pessoal
da ABIN poderia plantar a tal maleta na cena de um crime ou algo assim. Depois a culpa
recairia em mim. Hoje penso que provavelmente eles só queriam minhas digitais mesmo,
para o caso de eu tentar me vingar.
Quando tive alta do Hospital Psiquiátrico de Jurujuba estava com os nervos em
frangalhos. Um verdadeiro fantasma. Tinha uma rouquidão e apatia próprias de pessoas
doentes. Julguei estar com sintomas da AIDS, que teria se desenvolvido rapidamente a
partir de uma infecção absolutamente atípica. Intuí que a quantidade de vírus que meu
corpo havia recebido deveria ser muito alta para que, em poucos dias, a doença chegasse
num estágio tão avançado, que de outro modo levaria de cinco a sete anos para
acontecer. Todos os meus exames anteriores deram negativo para todas as doenças
venéreas, AIDS inclusive. Eu estava esperando o resultado do exame que fiz após a
perfuração em meu pé esquerdo, entretanto. Para minha surpresa e contentamento o
resultado também foi negativo, porém descobri que minha apatia e rouquidão decorriam
do hipotireoidismo, o que podia significar que a quantidade de vírus que meu organismo
recebeu era pequena o suficiente para não resultar num desenvolvimento rápido da
doença. Menos mal. Minha mãe dizia não acreditar nas coisas que eu lhe falei. Ela
***
***
Havia um interno com quem fiz uma boa amizade. O nome dele era César Prattes, uma
grande pessoa, um bom coração. Ele sofria de epilepsia e eu cheguei a presenciar
algumas de suas crises. Eu logo chamava os enfermeiros ou algum médico que estivesse
por perto. E estranhava que ninguém mais fizesse isso. Uma boa alma ele era. Pelo
menos foi o que me pareceu. César Prattes era paciente de Raldo Bonifácio.
Conversávamos eu, César Prattes e um outro interno, chamado Cleber, que dizia não
saber ler nem escrever. Cleber disse ser evangélico, mas mentia a respeito de ser
analfabeto, sabe-se lá com que intenção. “Eric, eu não tive quem me ensinasse as letras”,
lamentava-se numa farsa patética. Eu fingia acreditar, para não criar problemas. Certa vez
César Prattes apontou para uma letra “E” e perguntou a ele: “Que letra é essa?”, ao que o
infeliz responde: “Essa letra é o Ó”. Sim, fazia sentido, “E” de Eric e “O” de Otário. Esses
camaradas tiveram alta muito antes de mim. Havia outro interno chamado Etevaldo
Justino, alto, branco, calvo, de barba e que ficava indo e voltando com as mãos num
movimento irritante e meio gay. Não falava com ninguém e ninguém falava com ele. Na
maioria das vezes que puxei assunto com ele, não tive resposta.
***
Num dos primeiros dias de internação fiz a denúncia da morte de Roberto na porta da
enfermaria, diante de enfermeiros e pacientes. O psicólogo John sabia das denúncias e
me perguntou: “Porque você está fazendo as denúncias aqui?”, respondi: “Para garantir
minha segurança”. Algum tempo depois um enfermeiro apareceu para colher meu sangue,
para, supostamente, fazer exames. Fui levado a uma pequena sala, onde estávamos
somente eu e o coletor. Sentei-me, estendi o braço e permaneci imóvel. Entretanto, o
coletor, ao furar minha veia puxou a agulha para cima, levemente, dizendo: “fica quieto...
vai ser uma pena perder uma veia boa dessas” Estive imóvel durante todo procedimento.
O coletor usou força suficiente para se fazer entender: eu teria que ficar quieto, de bico
calado, caso contrário ele viria colher sangue novamente, e dessa vez poderia arrebentar
minha veia de propósito. E eu não poderia fazer nada a respeito. Afinal, quem teria mais
crédito? Em quem as pessoas iriam acreditar? Em mim, interno de uma clínica
psiquiátrica deixado ao deus-dará pela família ou em um funcionário público trabalhador e
pai de família?
No dia seguinte, pela manhã, João Moraes me mostrou um jornal e perguntou:
“Quer ler?”, “Sim”, respondi. A manchete era “Covardia assusta população” - tratava-se do
caso do homicídio de Isabela Nardoni, muito comentado na época. De tal forma fui
drogado na clínica que logo associei a “covardia” de que se falava na primeira página do
***
Na hora do jantar percebi que havia um pedaço de carne que eu mastigava, mastigava e
ele não era triturado. Tirei aquele pedaço de carne da boca e pus no canto do prato.
Terminei de jantar e reclamei veementemente: alguém estava colocando coisas no meu
prato que não faziam parte do cardápio. Guardei o pedaço de pele no bolso e falei com
várias pessoas a respeito: com a psicóloga Débora, com o Dr. Dimas, com a nutricionista.
Esta nos garantiu que se tratava de um tempero. Não era tempero, certamente, pois não
tinha gosto de nada nem cheiro de tempero e era visivelmente um tecido animal. Algum
tempo depois caiu a ficha: parecia muito com um pedaço de saco, o escroto mesmo, de
alguém, cortado bem embaixo. Duvido muito, apesar da aparência, que se tratasse de
tecido humano. Pensei em meu filho de consideração, Luiz Antônio, que morava em São
Gonçalo, num lugar perigoso, não raro palco de assassinatos. Tive medo. Mas realmente
fui inconsequente ao, no campo de futebol de Jurujuba, sem pronunciar uma palavra, e já
para ir embora, pegar a bolinha infantil e colorida de futebol americano, amorosamente, e
pô-la em lugar mais seguro. Pronto. A cagada estava feita. No dia seguinte o interno João
Bosco, também conhecido como Dom Bosco, que era um dos únicos loucos de fato lá,
puro, bom e ingênuo, me falou: “Companheiro, eu tô vivo companheiro. Eu tô vivo. Como
é que eu tô vivo se ouvi uma voz dizendo 'você matou a criança, você matou a criança' e
eu continuo vivo?” O pessoal da ABIN já sabia que eu sentia uma afeição de pai por Luiz
Antônio. Culpa do Orkut: “Tem filhos? > Sim, me visitam de vez em quando”. Graças a
Deus Luiz Antônio está bem, na casa de sua mãe, como verifiquei assim que saí de
licença. Inclusive ofereci abrigo à ele e à sua mãe Greiciane, mas ela recusou, por não
achar que houvesse necessidade. Não, eles não matariam Luiz Antônio comigo para
denunciá-los à Deus e ao mundo. Sim, eles matam criancinhas. Sempre mataram e ainda
matam. Em Esparta – cidade eminentemente militar – os bebês que não serviam para a
guerra eram atirados de um precipício. Em tempos mais recentes, no Brasil, está
documentada a “Operação Condor”, em que ficou clara a posição dos governos militares
da década de 70 a esse respeito. Havia um conluio de caráter internacional visando a
execução não somente de presos políticos, mas também de seus filhos – mesmo que
fossem crianças. Procurando na Wikipédia do Brasil, há mais detalhes.
Porque matar as crianças? Porque ao deixá-las viver corre-se o risco de que elas
cresçam e venham a clamar por justiça ou a querer a vingança. Elas poderiam, no futuro,
servir de testemunhas de acusação contra os antigos dirigentes num tribunal internacional
que julgasse crimes contra a humanidade. É uma questão de “lógica”.
***
***
Quando finalmente recebi alta estava acabado. Letárgico, sem vontade de fazer nada.
Dormia o dia todo e a noite toda. Só saída da cama para me alimentar. Fui a um clínico
geral de meu plano de saúde e ele me passou um hemograma completo, inclusive com o
teste para HIV. O HIV deu negativo, mas eu estava com hipotireoidismo, pelo menos
parecia que eu estava, pois o TSH se encontrava um pouco alto. Eu me sentia péssimo,
depressivo, envergonhado, pensando constantemente na morte. Minha mãe disse que
ficaria comigo, em minha casa, cuidando de mim. Em outra situação teria recusado, por
saber o escorpião que ela é. Mas do jeito que eu estava não havia saída.
Eu achava que provavelmente estava infectado com HIV, apesar dos exames
mostrarem que não. Haviam agulhado meu pé a poucos dias, mas ninguém acreditava
que eu estivesse com AIDS. Quando chamei Márcia para voltar para mim, ela veio. Não
resisti e nós transamos já no primeiro dia, sem camisinha. Teve uma hora que a
consciência bateu e eu decidi recusá-la sexualmente. Mas ela me provocava a cada dia.
Eu dizia a ela que em fevereiro de 2009 – quando pretendia fazer o teste definitivo – nós
voltaríamos a ficar juntos. Mas não me contive e passamos a nos relacionar sexualmente
sem camisinha. Contei a ela então sobre a agulhada que tinham me dado em meu pé
esquerdo quando eu estava no Hospital Psiquiátrico de Jurujuba. Ela ignorou, não
acreditou em mim. Continuamos a transar normalmente. Mas também ninguém acreditou
e já que é assim, não preciso me preocupar. Que tudo seja considerado uma alucinação
então. Posso até doar sangue. Ninguém vai perguntar no questionário: “Tem inimigos
poderosos?”; “Te deram uma agulhada suspeita no pé esquerdo?”; “Você é um opositor
do governo e tem talento (eu tinha) para ser reconhecido mundialmente e representar
perigo?”; “Você já passou a língua no rego de alguma vagabunda que usava aparelho nos
dentes e era casada com um militar de alta patente?”. Não, não iriam perguntar nada
disso.
Bem, é melhor escrever tais coisas que revoltar-me inutilmente e buscar uma
vingança destrutiva. O sucesso é a melhor vingança, e o conhecimento correto,
auto-disciplina e auto-confiança seus veículos eficazes.
***
***
Após reatar com Márcia, ela entrou em contato com o suposto Roberto, que ela afirmava
ser o mesmo Roberto que esteve na Clínica Santa Catarina, internado comigo. Foi muito
estranho o modo como ela conseguiu o telefone dele. Ela simplesmente ligou para a
Clínica Santa Catarina e pediu o telefone de Roberto. Eles não tinham obrigação
nenhuma de dar o número. Ao contrário, deveriam ter negado a informação para proteger
a privacidade do ex-paciente. Fizeram o contrário, e informaram o nome dele completo:
Roberto dos Santos Gregório. Achei isso ainda mais estranho, já que o nome “Roberto
Santos de Gregório” era justamente o nome de um grande amigo meu dos tempos de
adolescência (o nome completo desse meu amigo era “Carlos Roberto Santos de
Gregório” - já me referi a ele antes). Acabei achando que esta era uma piada da ABIN
para me confundir e mostrar que eles conhecem minha vida inteira. Márcia foi ao trabalho
deste Roberto e bateu duas fotos dele, mas não ficaram muito boas as imagens, pois as
fotos foram batidas meio de longe. Se Roberto estivesse vivo, meu principal argumento
para demonstrar o interesse que a ABIN tem de me matar cairia por terra. Porque os
meganhas da ABIN estariam no meu encalço, então? Que motivos teriam? Duas coisas
estão claras: o poder comunga com o poder e o poder quer minha morte. Acredito que
minha conquista da sétima colocação na Olimpíada Iberoamericana de Matemática
Universitária em 2006 foi o motivo para a perseguição que estou sofrendo.
***
07/11/2008
Fui ao Proderj, afinal, local de trabalho de Roberto. É mesmo o Roberto que trabalha lá,
ele está vivo. Ele me disse que havia tido uma crise na noite em que o vi caído no chão,
devido a alta ingesta de água com consequente baixa do sódio no organismo. Mas isso
não explica o barulho da motosserra que ouvi pouco depois naquela noite. Isso também
não explica a forte taquicardia que tive na Clínica Santa Catarina, beirando um ataque
cardíaco. Nem o fato de ter sido perseguido na Clínica Itabapoana e no ônibus que ia
para Cabo Frio.
O fato de Roberto estar vivo só piora minha situação, pois perdi um grande trunfo
que tinha contra meus algozes. Pelo menos agora sei que não é por este motivo que
estão me perseguindo. Qual o motivo, então? Talvez minha premiação na Olimpíada
Iberoamericana de Matemática Universitária em 2006, após ter suspenso a medicação
psiquiátrica, tenha sido o motivo. Há uma indústria bilionária em torno do mito da doença
mental. Os ditos “remédios” antipsicóticos são drogas terríveis que tolhem o indivíduo de
tal forma que o impedem de ter sucesso na vida. O tamanho do cérebro de alguém que
toma antipsicóticos é menor do que deveria. A memória é prejudicada pelos
tranquilizantes, o raciocínio torna-se impreciso e lento. O paciente fica “imbecilizado”,
torna-se uma sombra. Passa a descuidar da higiene e da aparência, transformando-se
***
Revoltado com minha situação – doente, perseguido, caluniado e detido sem motivo por
meses – passei a não procurar mais meu próprio desenvolvimento. Queria apenas curtir a
vida. Porém, passei a ter muita raiva do pessoal de Jurujuba e do posto de saúde Sérgio
Arouca. Fui seviciado durante meses sem necessidade alguma, sai doente de Jurujuba e
as pessoas ainda torciam o nariz para mim, como se eu fosse um grande mentiroso,
como se eu tivesse inventado toda história. Aquilo me indignou. Certo dia resolvi ir até a
policlínica Sérgio Arouca e pedir uma cópia de meu prontuário, que, afinal de contas eu
tinha o direito de ter. Pedi a secretária para ver meu prontuário. Ela disse que pegaria
para mim e falou para que eu aguardasse. Esperei o suficiente e então perguntei a ela
novamente pelo prontuário. Ela disse que o havia dado ao Drº Luís Sérgio. Eu me dirigi ao
consultório dele e pedi para ver meu prontuário. Ele disse que eu teria que esperar.
Encrespei. Porque o prontuário não foi entregue a mim? Porque o diabo da secretária
deixou a entender que entregaria a prontuário a mim quando na verdade não tinha
intenção de fazê-lo? Derrubei uma pilha de papeis da mesa de Luís Sérgio. O diabo da
secretária disse: “Vou chamar a patrulhinha!”. Então me desesperei e dei um empurrão
***
Nessa época chegou à Casa de Saúde Saint Roman uma uma garota chamada Thábata.
Branca, sapeca, ousada – tinha 21 anos e se vestia de modo provocante, com shorts que
realçavam suas curvas. O papo dela era insinuante. Ela dizia coisas como “Eu fiz
massagem mas mereço respeito”. Procurei me aproximar dela, manifestei interesse. Tudo
que ela queria eu fazia uma forcinha para conseguir. Thábata gostava de jogar dominó e
eu sempre jogava com ela.
Certa noite, no dia 15/01/2009 aproximadamente às 22:00, estávamos jogando
xadrez (eu a estava ensinando) quando ela disse: “Posso te perguntar uma coisa?”,
“Claro! O que é?”, disse eu. “Não, nada”, respondeu ela. Continuamos a aula e então ela
tomou coragem e disse: “Eu quero te dar um beijo!”. Eu enlouqueci. Levantei-me, nos
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Mortes suspeitas pelo uso de drogas psicotrópicas ocorrem e algumas delas são
***
***
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Porque o banco quando empresta dinheiro exerce seu papel social legítimo
permanecendo dentro da lei e o particular que empresta dinheiro a juros é taxado de
marginal, e chamado pelo nome pejorativo de agiota? Ora, se os particulares pudessem,
com o amparo da lei, emprestar dinheiro a juros, isso resolveria o problema de juros altos
que o país enfrenta atualmente. Também seria uma fonte de renda para boa parcela da
população. A maior oferta de crédito derrubaria o juro bancário e estabilizaria o mercado.
Com o mercado estável não haveria mais as grandes crises do capitalismo. O problema é
que não é o povo que legisla, não é o povo que faz as leis. Quem faz as leis são os
grandes banqueiros internacionais, a quem não interessa que o particular possa, também,
***
Como no filme Falcão – meninos do tráfico, digo: não sou mais nem menos que ninguém.
Se me matam hoje, nascem três, sete, dez para fazer o meu trabalho, levar minha
palavra. Sou um veículo que Deus encontrou para dizer o que digo, para pensar o que
penso, para fazer o que faço. Cada um de nós é assim. Ninguém é melhor ou pior.
Fazemos a cada instante o melhor para nós mesmos, ou pelo menos o melhor que nossa
mente concebe. Se eu morrer hoje, tenho a esperança da vida eterna num mundo
democrático, amoroso e bom que venha a ajudar a construir para meus filhos e netos.
Tenho a certeza de deixar boas obras, enquanto meu coração disser sim para Deus
e para o Bem. Na medida em que acredito que fazer o bem vale a pena, passo a significar
mais para a eternidade e para as pessoas que amo e que virei a amar. Luto pela
liberdade, pela democracia verdadeira, pela justiça. Minhas palavras encontraram voz na
minha voz; sou a imagem dos sentimentos que carrego em meu coração e que
escolheram minhas mãos para renascerem como atitudes e ações. Em mim não há
apenas um, nem dois. Sou outro Yoñlu: tenho o anseio de ser vários e a necessidade de
ser único. Não vou me matar se não conseguir. Sei que esse é não é o caminho. Não me
calo, não ficarei quieto num canto, sem atuar, sem exercer meu papel; não sou um
perdido nem um perdedor. Gritei do alto do penhasco e do cume da montanha. Serei
ouvido? Tenho certeza de que tenho uma chance. Se não vencer nesta vida sei que do
alto dos séculos futuros meu eco me sustentará.
Eu havia feito pelo menos uns três testes para verificar se estava ou não infectado por
HIV. Ou por qualquer outra doença venérea. Para meu alívio, todos os testes indicavam a
ausência de qualquer vestígio de HIV, sífilis, hepatite, HPV e tudo o mais. Meu sangue
estava tão puro quanto o de um bebezinho. Precisava repensar o episódio da agulhada
em meu pé que ocorrera no Hospital Psiquiátrico de Jurujuba (HPJ). Talvez o sangue se
devesse a picada de um borrachudo, um mosquito especialmente forte e que fosse capaz
de picar com tal intensidade a ponto de fazer o sangue aparecer.
Saber que eu não tinha AIDS me fez ficar bem menos transtornado e furioso. Minha
situação não estava tão ruim assim, afinal.
***
Depois que tive alta de Saint Roman tratei de parar logo com as drogas psiquiátricas que
me obrigaram a tomar. Depois, tentei retomar as rédeas de minha vida. A primeira grande
providência foi reiniciar meu curso de matemática na Universidade Federal Fluminense.
Eu havia passado na sétima colocação para o curso de graduação em matemática e
estava animado. Resolvi ganhar algum dinheiro com matemática e ao mesmo tempo
incrementar meu currículo visando aumentar minhas chances de obter futuramente uma
bolsa de mestrado na UFF. Com esse objetivo, concorri a três vagas para trabalhar como
monitor auxiliando alunos da UFF. Prestei provas para trabalhar como monitor de álgebra,
análise real e geometria. Em álgebra e análise tive a maior nota e em geometria tive a
segunda maior nota do concurso. Depois disso iniciei meu trabalho como monitor do
curso de geometria. Eu trabalhava como monitor e assistia as aulas na UFF.
***
O bote da serpente
Eu me sentia muito bem. Entretanto, havia algo de errado. Tive uma estranha dificuldade
ao fazer minha inscrição nos concursos para monitoria. A funcionária responsável disse
que meu nome não constava na lista de alunos matriculados na UFF. Eu retorqui dizendo
que havia passado na sétima colocação para o curso de matemática da UFF e que minha
mãe havia feito minha matrícula. Apesar da funcionária não encontrar meu nome entre os
matriculados, acabou atribuindo isso a uma falha do sistema informatizado e efetivou
minha inscrição para que eu pudesse fazer as provas para concorrer a monitoria.
Comecei a ficar preocupado, mas segui adiante. Dias depois, verifiquei se meu nome já
constava no computador entre os alunos matriculados. Não constava. Minha preocupação
se acentuou, e depois de um tempo entendi que minha mãe e minha esposa não haviam
feito minha matricula na UFF. Indaguei a Vanda se ela realmente havia feito minha
matrícula na UFF e ela sempre disse que sim. Até aquele momento, ela afirmava e
confirmava ter feito minha matrícula.
***
Repugnância
Muitos entregarão os seus próprios irmãos para serem mortos, e os pais entregarão os
filhos; os filhos se voltarão contra os pais e os matarão. (Mateus 10, 21)
Isso explica muitas coisas! Quando deparei com esse versículo bíblico, tive uma surpresa
reveladora: eu não estava só. O que ocorria comigo já estava a suceder por séculos e
séculos. A própria bíblia indicava isso! Minha ira contra os desmandos de minha mãe e
meu desejo repulsivo de vingança contra ela começaram a fazer sentido. No versículo
seguinte, Jesus prossegue sua pregação dizendo:
Todos odiarão vocês por serem meus seguidores. Mas quem ficar firme até o fim será
salvo. [grifos meus] (Mateus 10, 22)
Que coisa maravilhosa! O próprio Jesus Cristo reconhece nesse versículo que eu sou um
de seus seguidores. Também afirma que há uma chance para mim quando diz que “quem
ficar firme até o fim será salvo”. O que esses versículos querem realmente dizer? Ora, por
ter eu vivido a situação referida no versículo anterior (Mat.10, 21), eu estava capacitado a
interpretar a passagem bíblica. Aqueles que foram entregues nos braços da morte por
seus pais e irmãos são os seguidores de Jesus. Os que se voltarão contra os próprios
pais, matando-os, são os que, antes disso, serão traídos por seus familiares mais amados
e, devido a essa mesma terrível traição, cometerão o abominável parricídio. Mas quem
sobreviver à traição de seus familiares e não revidar assassinando-os, será salvo. Quem,
tomado de revolta diante da insídia de seus familiares, cometer parricídio, será
condenado a sofrimentos diabólicos. Algumas questões pertinentes ocorrem de modo
natural. Uma delas diz respeito ao motivo para pais e irmãos entregarem um familiar a
***
***
Mãe iníqua
***
***
Pensamentos destrutivos
Após ser dispensado da monitoria, passei a odiar profundamente aquela mulher. Vanda
era a imagem perfeita da mãe desnaturada. Se a examinarmos superficialmente, o
demônio que habita em sua alma não se revela. Para concluir isto, basta lembrar que as
irmãs Vanda e Vera enganaram a própria mãe por cerca de 60 anos, tal foi a mestria que
ambas alcançaram na arte da dissimulação. Fico imaginando como minha avó
Dermontina se sentiu ao ser seviciada por Vera com o consentimento de Vanda. A
ingratidão que demonstraram pela mãe que lhes educou; o coração perversamente
dissimulado que tinham; o matricídio impune que então executavam. Tudo isso deve ter
sido uma imensa decepção para minha avó. Como ela poderia encarar toda essa injustiça
pelo viés espiritual? Teria Dermontina perdido a esperança? Talvez, tal como Cristo na
cruz, ela tenha dito a si mesma: “Pai, porque me abandonaste?” e “Está consumado”.
Em vista de minha avó, que em termos morais era uma força da natureza, eu era
realmente muito fraco. Desesperado, não podia mais contar com ninguém. Minha mãe me
queria ver morto e minha esposa era fraca e ignorava os pressupostos básicos
necessários para entender o que estava acontecendo comigo. No raciocínio de minha
esposa Márcia Regina, se o governo quisesse me ver morto, já teriam mandado um
assassino me executar a tiros. É claro que não é assim que as coisas funcionam no
Brasil. Não estamos vivendo na China, em que o governo pratica um verdadeiro genocídio
ao executar sumariamente um número elevado de cidadãos e depois manda aos pais do
morto a conta pelo custo da execução. Se eu tivesse nascido na China, já estaria morto
há muito tempo. No Brasil o governo precisa manter a fraude, precisa manter a aparência
de democracia, de integridade, de respeito. E quando eu disse “governo”, quis me referir
***
Fofoca na academia
***
Ação a distância
Os piores demônios nos atingem a distância. Fazendo assim, evitam que sejam expulsos
dos corpos que habitam. Ora, sendo o diabo o pai da mentira, ele tornará seus filhos
mentirosos exímios. A mentira, quando parte de um filho do diabo, é tão bem contada que
a esmagadora maioria das pessoas a consideram uma verdade. O demônio precisa dar
esse talento ardiloso a seus seguidores, pois se a mentira é descoberta logo, isso mancha
de tal modo a reputação do mentiroso que tudo o mais que ele disser será considerado
uma outra mentira. Alguém que tenha se entregado à prática da dissimulação acaba por
tornar-se um mentiroso tão hábil a ponto de poder cometer os crimes mais imundos e
encobri-los tão bem que ainda será elogiado, admirado e confortado pelo crime que
cometeu. Alguns exemplos disso seguem-se: minha tia Vera, que matou a própria mãe
com drogas psiquiátricas e foi confortada pelos amigos devido à perda da mãe; um outro
caso foi o de uma mulher que tendo se casado e engravidado, asfixiou seu filho recém-
nascido – tendo ido a julgamento, disse que não o fez (afinal, porque ela faria isso?) e um
***
Preferi deixar aquela academia. Eu já não me sentia mais bem lá. Imagino que este tipo
de coisa é o que torna dificílima a recuperação de um ex-presidiário. Ao tentar se
reintegrar a comunidade, dedicando-se a atividades benéficas, tais como exercícios em
academia, cursos, empregos etc, passa a ser alvo de críticas e insultos no ambiente que
frequenta, o que o faz abandonar a busca pelo sucesso legítimo e, então, a voltar ao
mundo do crime. Depois o povo se queixa do índice de criminalidade! E intensifica mais
ainda o repúdio ao ex-detento, que não deve ter sofrido tanto na cadeia. Afinal, lá ele tinha
comida e teto de graça. Ora, se a vida no presídio fosse tão boa, todo mundo iria querer ir
para lá, e não é isso que ocorre.
Abandonei aquela academia e passei a frequentar uma outra, bem mais distante,
na qual, supunha eu, as fofocas demorariam muito mais para me alcançarem.
***
Na outra academia
A maledicência me alcançou muito mais rápido do que imaginara. Nessa outra academia
passei também a ser vítima de um dos instrutores e de uma mulher que malhava lá. A
mulher me dirigia olhares ameaçadores e o instrutor me tratava com desprezo. Certa vez
um rapaz pediu para alternar comigo o uso de uma máquina em que eu estava me
exercitando. Eu faria um grupo de repetições e teria de parar um pouco para relaxar a
musculatura. Então ele faria o grupo de repetições dele enquanto isso, e quando
terminasse, eu voltaria a utilizar a máquina. Isso é muito comum em academias. Eu
consenti. Cada vez que eu parava para descansar, ele aumentava a carga – isto é, o peso
ou força de resistência da máquina umas três vezes. A mulher que me era hostil soltou
uma gargalhada, zombando. As agressões emocionais já estavam me dando nos nervos.
Então, fiquei sem dinheiro para pagar a academia e não quis pedir nada a Vanda, pois era
terrivelmente humilhante ter de pedir a ela que me desse o meu dinheiro – não era o
dinheiro dela, mas sim o meu, proveniente de minha pensão. A maldita ladra não me dava
o que era meu por direito, mas gastava rios de dinheiro para sustentar o pinguço de meu
padrasto, um chupim ordinário. Basta dizer que o infeliz do marido de Vanda não
contribuiu com um centavo sequer para pagar as prestações do apartamento em que ele
vive. Ele costumava trabalhar como corretor de imóveis, mas passava muito mais tempo é
no bar mesmo, se embebedando. Em toda minha convivência com ele, só o vi trabalhar
uma vez, por cerca de 5 minutos, tempo em que atendeu um possível cliente, mas não
fecharam negócio. Ademais, meu padrasto Lourenço sequer tem o CRECI – registro que
***
Sobre a difamação
Nenhuma afirmação que não passe em pelo menos uma dessas peneiras deveria
ser levada a sério. Nenhuma difamação passa no critério (2), pois difamações são sempre
más; o critério (1) pode ser utilizado mas, em geral, é difícil ter certeza de que uma
difamação é, de fato, uma verdade. Resta-nos o crivo (3): a difamação é útil? Resolverá
algum problema meu? O que tenho observado é que o único problema que uma
difamação resolve, momentânea e enganosamente, é o de nos vangloriarmos achando
que somos gente muito boa, pois afinal, ao presumirmos que é verdadeiro o insulto a
outrem, isso nos faz pensar que “existem pessoas horríveis no mundo” e que nós, graças
a Deus, não estamos entre elas!... ao mesmo tempo, não nos julgamos propaladores de
mentiras, porque apenas “ouvimos falar”, isto é, não inventamos nada. E se há algum
mentiroso, foi aquele que nos transmitiu o falso, não nós, claro! Afinal, nunca foi nossa
intenção denegrir a imagem do outro, mas de tal indignação fomos tomados que
repassamos a mentira e ajudamos a destruir o bom nome de outrem. Esse erro, bem o
demonstrei, a civilização o comete repetidamente a milênios. Errar é até humano, mas
persistir no erro é diabólico.
***
O valor de uma acusação está no bem que poderá advir se ela for confirmada mediante
investigação e apuração dos indícios. Normalmente esse bem consiste em evitar dano
causado pelo objeto da acusação. Assim, quando eu exijo que o governo e a ABIN sejam
investigados por tentativa de homicídio contra minha pessoa, estou fazendo uma
acusação muitíssimo útil, pois sua apuração dificultará a execução de outras pessoas
nesse sistema de coisas. Ademais, divulgar ao público o que realmente o governo
brasileiro tem feito, capacitará a população mundial a entender que todos os países do
mundo tem um governo iníquo e desprezível, pois é esta a consequência da divisão entre
***
Tentativa de superação
Naquele mesmo ano de 2009, voltei a me inscrever no concurso vestibular da UFF para
estudar matemática lá. As drogas psiquiátricas que me obrigaram a usar em Saint Roman
haviam abalado muito minha saúde. Principalmente as injeções intramusculares de
Zuclopentixol. Após sair de Saint Roman, passei a ter tiques nervosos que me faziam
parecer um legítimo doente mental. Não conseguia permanecer quieto quando me
sentava, começava a mover as pernas em movimentos rítmicos e involuntários. Quando
passei a controlar melhor os movimentos indesejáveis de minhas pernas, percebi que o
descontrole de movimentos passara para braços e mãos. E ao readquirir parcialmente o
controle de meus braços e mãos, percebi que eu passara amiúde a morder meus lábios
de modo involuntário. Minha esperança era que tais sintomas se abrandassem com o
passar dos meses, desde que eu buscasse a melhoria de minha saúde. Também por isso
havia me dedicado à prática da musculação e da caminhada em esteira eletrônica.
Após ser vilipendiado nas academias que frequentei, eu simplesmente passei a
aguardar os dias das provas do vestibular. Era chato.
***
Minha esposa Márcia Regina me recusava na cama e tendo o irmão dela vindo passar
alguns dias conosco, pedimos a ele que dividisse nossa casa na rua Domingues de Sá
n.422 em duas partes, separadas por muros. Nos meses que se seguiram, adorei morar
só. Não havia sentido em conviver na mesma casa com Márcia se ela me negava fogo.
Nesse caso, nossa coabitação seria simplesmente um fator de estresse; brigaríamos e
nos maltrataríamos inutilmente.
***
Eu procurava me proteger e sempre usava camisinha lá. Mesmo assim, eu sabia que o
uso do preservativo não tornava o sexo absolutamente seguro. De fato, todo preservativo
é passível de ter micro-rachaduras pelos quais o vírus da AIDS pode passar. Além disso,
a retirada do preservativo do pênis após o gozo é uma etapa muito pouco esclarecida. O
que se diz é que a camisinha deve ser retirada com o membro ainda entumescido,
enrolando-a pelo pênis em direção à glande (cabeça do pênis). Mas quem fizer isso,
rapidamente chegará a conclusão de que há um risco considerável de as secreções
vaginais ou anais da mulher entrarem em contato com a fina membrana que cobre a
glande. Pode-se concluir, portanto, que mesmo com o uso do preservativo alguma
secreção da mulher acabará chegando ao pênis do homem. Existe uma evidência ainda
mais forte de que simplesmente utilizar o preservativo numa relação sexual – ou em todas
elas – não garante proteção total contra a contaminação por DST, particularmente a AIDS.
***
Certa vez fui de manhã ao prédio da Amaral Peixoto em busca de uma boa trepada. Tive
sorte duplamente. Em primeiro lugar encontrei uma garota de programa lá muito gostosa
e sensual. Ela era perfeita. Bonita, gostosa, sensual, liberal e seu modo de vestir-se era
altamente sexy. Era alta, tinha cabelos longos e pretos, pele parda e usava botas pretas
de cano longo e uma calcinha cavada e preta como as botas. Seus seios eram fartos e
sua voz denotava um carinho sensual que dirigia a todos, indistintamente. Não bastasse
tudo isso, eu ainda gostei dela como pessoa; e quando ela percebeu isso ficou toda
envergonhada. Transamos. Ela propôs que fizéssemos anal, e me cobraria R$10,00 por
isso. Topei, porque tinha dinheiro e ela era muito boa. Perguntei se ela tinha um número
telefônico para que eu pudesse contata-la a fim de nos encontrarmos novamente. Ela
disse que não tinha um número, mas passou para mim o telefone celular de uma amiga.
A transa foi muito boa, mas assim que deixei o prédio das meninas, minha
consciência começou a pesar. “E se eu pegar AIDS? E se eu me infectar sem saber e
passar AIDS para Marcinha? E se eu já tiver AIDS e já tiver contaminado minha esposa?
E meu filho que ela carrega no ventre? Ele pode nascer doente, meu Deus!” Esses
raciocínios me torturavam. No entanto, privar-me de sexo naquele momento de minha
vida era algo que eu dificilmente conseguiria. Então, orei a Deus pedindo que eu não
estivesse contaminado com nenhuma doença venérea e prometi a mim mesmo que dali
por diante só faria sexo com absoluta segurança, uma segurança ainda muito superior a
da proporcionada pela camisinha.
***
(1) O sexo deve ocorrer sem qualquer tipo de penetração, quer seja ela pênis-vagina,
pênis-ânus, pênis-boca, dedo-vagina, dedo-ânus ou dedo-boca;
(2) Nem minha boca deve tocar o corpo da prostituta, nem a dela deve tocar o meu – o
mesmo com respeito à língua, evidentemente;
(3) Não devo tocar em nenhuma parte da profissional do sexo que sabidamente
contenha secreções – boca, língua, ânus e vagina, também não devo ter contato
com a saliva, a urina ou as fezes da amante;
(4) Se a relação for se dar num prostíbulo ou num motel, leve uma colcha para forrar a
cama – não se deite diretamente sobre a roupa de cama do lugar.
(5) Antes da relação, devo pedir para a profissional tirar toda a roupa e, estando ela
nua, devo examinar seu corpo sem tocá-lo, procurando por feridas e sinais
indicativos de doenças venéreas. Caso haja algum sinal inequívoco de doença, a
relação deve ser abandonada. Se houver sinais dúbios, com possibilidade de se
tratar de outra coisa, o sexo deve ser feito, mas da próxima vez, procure outra
mulher;
(6) A prostituta deve tomar um banho completo com sabonete bactericida (tipo Protex)
antes de ter sexo comigo – eu devo tomar um banho completo com outro sabonete
bactericida imediatamente após o sexo e os sabonetes devem ser descartados no
lixo após seu uso; eu devo ter providenciado antecipadamente duas toalhas de
banho, uma para mim e outra para a menina. Depois da transa essas toalhas
devem ser esterilizadas com água fervente e deixadas de molho em água
misturada com um pouco de água sanitária;
(7) Não devo encostar meus genitais diretamente no corpo de minha amante
profissional, pois se ela tiver alguma ferida que tenha passado despercebida no
exame ou se ela não tiver se lavado direito, poderá haver contágio;
(8) Excetuando-se o caso em que o corpo da mulher tem alguma ferida de significado
dúbio e também o caso em que minhas mãos tenham qualquer tipo de ferida, no
início da transa, devo excitar-me tocando com as mãos nuas o corpo da
amante-profissional. Durante e após esse contato não devo tocar com as mãos em
nenhuma parte de meu corpo, nem fechar as mãos ou me coçar com elas, mas
sim, imediatamente após o contato, esterilizar minhas mãos com gel anti-séptico do
mesmo tipo daquele utilizado durante o reboliço da gripe suína;
(9) Após eu ter acariciado o corpo dela, a profissional deve vestir luvas cirúrgicas
pré-adquiridas por mim em farmácias em tamanhos variados e masturbar-me após
ela ter besuntado meu pênis com gel lubrificante tipo KY. E se o gel tornar-se
menos úmido, perdendo sua qualidade lubrificante, devo pedir a moça que aplique
um pouco de água mineral sem gás e a temperatura ambiente que devo eu mesmo
ter providenciado com antecedência – pode-se usar uma garrafinha de água
mineral com a tampa fechada e com um furo feito com faca ou garfo aquecidos no
fogo na tampa plástica.
A princípio, concebi somente as três primeiras regras como suficientes para impedir
totalmente minha contaminação por DST. Inclusive, marquei consulta com um
infectologista que me garantiu que bastaria obedecer as três primeiras regras da lista
supra para que não houvesse nenhuma chance de contaminação. Entretanto, após uma
pesquisa no site Yahoo!Respostas e também nas comunidades do Orkut, chegaram ao
meu conhecimento dados que indicavam a insuficiência das três regras como meio eficaz
de evitar contágio por DST. Com base nisso, acrescentei as seis regras seguintes. A
***
A gestação de Márcia Regina transcorreu sem problemas. Sólon Ribeiro Junger Campos
Guedes nasceu no dia 19 de junho do ano de 2009, entre 1 hora e 2 horas da tarde. O
parto foi numa pequena maternidade em São Gonçalo, uma cesariana. Pedimos a uma
enfermeira para que ela filmasse a cesariana, e foi o que fez. Meu filho nasceu perfeito,
cheio de saúde. Após ficar um dia em observação junto com os demais bebês
recém-nascidos, nos foi dada a missão de cuidarmos dele nós mesmos, eu e Márcia.
Sólon passou a ocupar nosso quarto no hospital, onde dormia em seu bercinho
apropriado para recém-nascidos. Mamava em Márcia e era bem cuidado.
***
Vanda também esteve na maternidade para nos ajudar com nosso recém-nascido Sólon.
Pudera: ela se considerava uma intercessora, isto é, alguém que deveria gozar de
credibilidade e influência para, no momento certo, canalizar o sentimento de seus aliados
na direção indicada por sua moral perversa. E para gozar de credibilidade e influência,
aproveitava ao máximo qualquer boa oportunidade de fazer com que todos se tornassem
seus grandes devedores de eterna gratidão. Por isso a infeliz estava lá. Entretanto, quem
tem um conhecimento insuficiente sobre as técnicas sofisticadas dos demônios e sobre a
camuflagem que utilizam para preservar seu hospedeiro, seria facilmente enganado pelo
demônio. A esmagadora maioria da população não sabe reconhecer nem mesmo
demônios toscos e com poucos artifícios. Deus Jeová será sempre superior a todos eles,
mas a inteligência e o poder dos demônios está sendo tão subestimado pela populaça
que, por desconhecer a natureza e o modus operandi demoníaco, não entende a
gravidade da situação e se torna presa fácil para os muitos demônios que habitam entre
nós.
Um dia, em agosto de 2009, uma conhecida de minha esposa me viu entrar no prostíbulo
e avisou Márcia. Por sorte, naquele dia eu não tinha dinheiro suficiente para uma transa, e
constatando isso fui logo embora, inclusive à pé, do centro de Niterói até Icaraí. Mas
Márcia não sabia disso e foi até o local com sua irmã Suenne me trazer de volta,
enfurecida. Fez um escarcéu lá, chamou o dono e, me descrevendo, perguntou se eu
estava nas dependências da casa. Eu já havia saído há quase meia hora e Márcia,
percebendo que não estava lá, voltou para casa de ônibus ou táxi. Quando eu já estava a
menos de 50 metros de casa, vindo a pé do centro, encontrei Márcia e Suenne. Minha
esposa estava furiosa e me deu uma tremenda bronca. Eu disse que não a havia traído, o
que se poderia passar como verdade, pois pelo menos não naquele dia eu não havia
ficado com ninguém. Mas, como péssimo mentiroso que sou, acabei contando tudo para
minha esposa. Disse a ela que tinha ficado com outras garotas por nós estarmos fazendo
sexo com uma frequência muito abaixo do que eu considerava razoável; disse que não
havia possibilidade de me contaminar, pois não rolava penetração com as garotas de
programa, nem boquete, nem beijo na boca. Márcia não aceitou nenhum de meus
argumentos e depois desse dia comecei a considerar seriamente a possibilidade de parar
de me encontrar com prostitutas. A ideia de perder minha esposa me deixava muito
preocupado, pois ela era minha aliada mais fiel. Se eu não pudesse contar com seu
amparo, seria uma presa fácil para meus inimigos.
***
Traição: pesquisando o 3S
Em setembro de 2009, Márcia começou a viajar com muita frequência para Santa Maria
de Campos. Ela sempre levava nosso filho Sólon consigo e isso me preocupava um
pouco. Eu não achava que isso fossem suficientemente seguro, pois nosso filho tinha só
três meses e cada viagem que Marcinha fazia com Sólon de Niterói a Santa Maria de
Campos demorava entre cinco e seis horas. Devia ser muito cansativo para nosso filho,
além do que a grande frequência das viagens – cerca de uma a cada dez dias – fazia a
probabilidade de não haver nenhum acidente diminuir geometricamente. No final de
setembro ou no início de outubro de 2009, viajei com Márcia e nosso filho Sólon para
Santa Maria. Antes de partir eu estava tentando descobrir quando e onde ocorreria a
XXXII Olimpíada Iberoamericana de Matemática Universitária e como eu deveria proceder
para participar dela. Deixei para fazer isso depois de voltar de viagem e fui curtir minha
estadia na casa de minha sogra. Márcia quis ficar mais tempo com seus familiares lá e
sugeriu que eu voltasse para Niterói antes dela. Foi o que fiz. Ora, eu estava já há duas
ou três semanas sem manter relações sexuais e, no ônibus, durante a viagem de volta
para Niterói, decidi que transaria uma meretriz o quanto antes. No dia seguinte, já em
Niterói, peguei meu dinheiro e fui ao centro da cidade. Havia ali um bordel, o mesmo em
que Marcinha tinha ido me buscar e não me encontrou. Dessa vez eu tinha dinheiro
suficiente para ficar vinte minutos com uma garota. Entrei no salão e procurei uma garota
que eu achasse bacana. Uma delas meteu a mão em meu órgão e segurando-o, me
chamou para irmos transar. Percebi que talvez eu não pudesse realizar meu intento com
ela de modo satisfatório. Eu queria me ater as três primeiras regras do 3S, mas o furor
daquela mulher poderia por tudo a perder se ela quisesse realmente ter prazer comigo na
***
***
Seguindo um inimigo
Eu estava a passear por Icaraí quando avistei o Drº Rui Cutrim, um psiquiatra que tinha
um cargo de chefia no Hospital Psiquiátrico de Jurujuba na época em que eu fora
torturado lá. Rui Cutrim contribuiu com minha tortura. Certa vez, após eu ter sido vítima de
tentativas de homicídio no HPJ, Rui me disse com um sorriso perverso: “Depois que você
tiver alta, vou te chamar para fazer um lanche no Rei do Mate.” Ora, o Rei do Mate é uma
espécie de lanchonete que há em Niterói, mas é claro que sua afirmação não deveria ser
entendida no sentido literal. A palavra “Mate” na expressão “Rei do Mate” é justamente o
verbo “matar” conjugado no imperativo. A ideia da morte estava implícita, e o fato de Rui
Cutrim a ter evocado me fez pensar que talvez ele já soubesse que estavam tentando me
matar. Na época achei que estava liquidado, pois até alguém da chefia do HPJ se
mostrava conivente com as tentativas de homicídio que praticaram contra mim.
Rui Cutrim estava de mãos dadas com uma menina que não tinha mais que 9 anos
de idade. Presumivelmente, tratava-se de sua filha. Ele não me viu e passei a segui-lo
para descobrir onde iria. Eu queimava de ódio por dentro e queria vingança por ter ele
permitido que me ministrassem flufenazina injetável, o que me deixou com sequelas
bastante desagradáveis, entre elas a própria ira que me acometia ao vê-lo. Se naquela
ocasião eu o tivesse agredido fisicamente, ele teria sido um dos artífices de seu próprio
dano. Entraram ele e a filha num prédio da Rua Paulo César, em frente de uma pracinha
do bairro de Santa Rosa, acho que no número 77. Sem mais nada que pudesse fazer,
voltei para casa.
***
A prova da primeira fase do vestibular UFF 2010 foi tranquila. No dia da prova da segunda
fase, Marcinha havia viajado com Sólon e eu estava só em casa. Acordei um pouco
atrasado e após fazer um desjejum rápido, peguei o material necessário para realizar a
prova e fui procurar um táxi. Fui aos três pontos de táxi mais próximos de minha casa na
direção do local da prova, que era no Ingá, acho. Não havia nenhum táxi disponível que
pudesse me levar lá. Decidi ir à pé para o local da prova. Entretanto, devido ao meu
atraso, eu não poderia ir caminhando até lá. Então me pus a caminho do local da prova
alternando corrida com caminhada. Não havia garantias de que eu fosse conseguir
chegar dentro do horário, porque apesar de saber o número e o nome da rua do local da
prova, além de um ponto de referência, não me lembrava exatamente do caminho para
chegar lá. Então, a medida que me aproximava, ia me informando com os transeuntes
sobre que caminho tomar para chegar ao local da prova. Graças a Deus, tive êxito.
Quando cheguei, os portões ainda estavam abertos, mas todos já haviam entrado. Devo
ter sido um dos últimos a entrar lá antes da prova. Um funcionário me viu ofegante e eu
disse a ele que havia vindo a pé, correndo. Durante a prova algo estranho aconteceu: fui
tomado por uma fúria incomum que atrapalhou minha concentração, mas não explodi em
raiva. Também as pernas da vestibulanda ao lado adquiriram para mim um fascínio
inédito. Com todos os problemas, fiz o melhor que pude dentro de minhas possibilidades.
Então voltei para casa.
***
Apesar de ainda não ter saído o resultado do vestibular, sabia que muito provavelmente
eu tinha sido aprovado no concurso. Em vez de ficar feliz com isso, indignei-me com a
situação precária de minha saúde mental. Eu, que outrora havia experimentado o sabor
da grandeza de ser mentalmente superior a todos que me rodeavam, agora me lastimava
pela degradação mental causada pela tortura química a que fora submetido no Hospital
Psiquiátrico de Jurujuba. A flufenazina injetável, e talvez também o haldol decanoato, são
drogas que sabidamente causam uma rápida degradação das funções psíquicas, tais
como linguagem, raciocínio lógico, memória e atenção. Mesmo após meses sem usar
nenhum psicofármaco, os efeitos da flufenazina injetável persistem, pois uma única dose
de flufenazina IM é capaz de deixar sequelas na mente de seu usuário. Se um psiquiatra
for questionado quanto a isso, provavelmente negará que haja um tal efeito por parte da
flufenazina ou do haldol decanoato. O motivo é que se um psiquiatra admitir que certas
drogas psiquiátricas são sequelantes, que tornam seus usuários mentalmente incapazes,
isso faria desse psiquiatra um vilão, pois ele provavelmente já receitou tais drogas ou já
fora favorável ao uso delas ou foi conivente com algum colega de profissão que receitara
tais drogas. Além disso, se um psiquiatra admitisse que a flufenazina IM é danosa a
mente, isto o transformaria num inimigo da indústria farmacêutica – e ninguém quer fazer
inimizade com um gigante que movimenta cerca de um trilhão de dólares por ano, a
menos que seja muito corajoso e que fique indignado com as arbitrariedades da
psiquiatria. Um exemplo de uma tal coragem e luta pelos direitos humanos nos é dada
pelo psiquiatra Tomaz Szazs, um dos baluartes da antipsiquiatria.
Eu havia experimentado por alguns meses uma sagacidade inédita e um altíssimo
rendimento intelectual. Essa sagacidade e esse alto rendimento intelectual se tornaram
evidentes para mim após meu tratamento contra cisticercose em Araruama e duraram até
***
Em dezembro de 2009 Márcia quis passar o Natal com sua mãe e irmãos, em Santa
Maria de Campos. Eu não queria viajar, entretanto. Achava que essas viagens deviam
estar estressando muito nosso filho Sólon e que não era prudente fazer tantas viagens
com uma criança de menos de um ano de idade. Combinamos que ela passaria o Natal
em Santa Maria, mas voltaria para passar o ano novo comigo. Naquela época os falsos
boatos a meu respeito estavam tão disseminados que cheguei a ser moralmente
seviciado numa lanchonete ao parar para comer um salgado nela. Foi um episódio
absolutamente revoltante e quando cheguei em casa passei a praguejar em voz alta e
repetidamente algo como “VAI TOMAR NO CENTRO DO MEIO RAIO DO C*”. Fiquei
repetindo isso várias vezes, em voz alta. Não havia, na ocasião, ninguém com quem eu
pudesse conversar e que pudesse me entender. Nem mesmo Deus, pois o sentimento de
revolta e indignação nos afasta da presença de Dele, ainda que momentaneamente. Em
minha experiência quotidiana, ainda não vi alguém exaltadamente revoltado e
verdadeiramente indignado orar a Deus e conseguir entrar na presença Dele. O
descontrole emocional corta nossa conexão com Deus.
Eu não me sentia seguro na rua com tantas pessoas me fustigando. Esse
sentimento de insegurança se intensificou com a ausência de Márcia, que fora passar o
Natal na casa de sua mãe. “Se me derem um tiro ou uma facada na rua, Marcinha não
estará por perto para me socorrer”, raciocinava eu. Preferi evitar a todo custo sair de
casa. O problema é que alguns itens alimentares básicos acabaram: o açúcar e a água
mineral de garrafão. Também não havia mais feijão e passei alguns dias me alimentando
mal. Bebia água retirada da torneira, mas cismava de fervê-la antes; depois a colocava na
geladeira para resfriá-la. Tinha um gosto horrível aquela água, não sei bem porque. Talvez
a caixa d'água estivesse suja.
Márcia voltou para casa após o Natal e antes do ano novo. Ela chegou em casa
acompanhada de sua irmã Suenne, de madrugada. A necessidade de adquirir gêneros
alimentícios era premente. Então Márcia e eu pegamos o ônibus 49 até o supermercado
Sendas, pertinho da praia de Icaraí. Eu não sabia que as Sendas ficavam abertas até
aquele horário. Já devia ser, pelo menos, umas duas horas da manhã. Um ou dois casais
aproveitavam o lugar para namorar e se beijar despudoradamente. Fiquei imaginando se
nesse horário o supermercado seria frequentado por pessoas a procura de uma transa.
Compramos o que queríamos e fomos para casa de táxi.
Eu me sentia posto de lado por Márcia, entretanto. Passei a ter pequenas crises
nervosas em que eu fazia um certo barulho. Apesar de estarmos morando em cômodos
separados e de as tais crises não serem tão graves, Márcia ameaçou chamar os
bombeiros para me internarem em Jurujuba. Foi a gota d'água. No dia 30 de dezembro de
2009 saí de casa. Arrumei algumas de minhas coisas numa bolsa grande de viagem e
numa mochila e parti para o centro de Niterói disposto a ficar em algum hotel por tanto
tempo quanto conseguisse. Fiquei no Hotel Ibéria, que tinha declaradamente um
ambiente familiar. O senhor que atendia na recepção era bem velhinho. Havia um mural
na recepção com muitas figuras da religiosidade católica. Isso me fez ter uma ideia errada
do lugar. Eu achava que haverem tantas imagens de Nossa Senhora, de Jesus Cristo e
de alguns Santos do catolicismo no lugar, era um indício forte de que aquele hotel era
gerido com base no respeito à pessoas. Eu estava enganado.
***
30/12/2009
O velhinho da recepção me perguntou se eu fumava e se eu bebia. Quando disse que
nem uma coisa nem outra, ele pareceu ter gostado. Me deu a chave de um quarto com
TV e fui arrumar meus pertences lá. Depois, voltei a minha casa para pegar mais coisas
minhas e aproveitei para cortar eu mesmo meu cabelo com uma máquina. Então, retornei
ao hotel.
Fui comer algo na rua. Sabia que provavelmente a ABIN havia mandado algum
agente me seguir. E foi sem grande surpresa que deparei com Etevaldo Justino no
barzinho onde decidi fazer um lanche. Etevaldo havia estado no Hospital Psiquiátrico de
Jurujuba na mesma época em que eu estive lá, como vocês devem lembrar. Ele pareceu
não ter me visto e eu também não lhe dirigi a palavra. Ainda bem, pois provavelmente
Etevaldo estava trabalhando para a ABIN, ou fazendo algum tipo de serviço de
espionagem relativamente a minha pessoa. O fato dele estar naquele barzinho não era
coincidência, mas sim uma armadilha. Se eu lhe tivesse dirigido a palavra, teria caído na
armação.
Voltei ao hotel, tomei um banho e em seguida fui para meu quarto onde fiquei
assistindo TV até a noite. Então, tive sono e fui dormir. E assim transcorreu meu primeiro
dia no Hotel Ibéria.
31/12/2009
Eu tinha receio de ser morto por algum criminoso que agisse conforme a ABIN queria,
como que um fantoche obedecendo seu dono. Por isso, no segundo dia escrevi um
bilhete numa folha de papel explicando o porque de meu (possível) assassinato,
indicando quem estaria por trás de minha morte, falando um pouco de minha história e de
quem eu sou. Dobrei o bilhete e escrevi por fora: “a minha verdade saúda a sua verdade”.
Então, deixei-o sobre o criado-mudo. Em seguida, saí de meu quarto, tranquei a porta
com a chave do hotel, deixei a chave na recepção e fui fazer um lanche na rua.
Ao retornar ao Hotel Ibéria tive uma surpresa: haviam entrado em meu quarto e
mexido no bilhete que eu deixara sobre a mesinha-de-cabeceira. Botaram o bilhete de
volta no lugar de cabeça para baixo. Não pareciam ter mexido em nada mais, felizmente.
Procurei compreender os motivos para terem entrado em meu quarto sem minha
permissão. Pensei que talvez eles quisessem se certificar de que eu não era algum tipo
de criminoso, marginal ou degenerado sexual. Me felicitei por não ser nada disso e
acreditei erroneamente que tal fato não se repetiria. Não dava para acreditar que era
gente mal-caráter, pois, afinal, os donos do hotel eram super-religiosos! Eu ainda não
tinha aprendido a lição com os exemplos de minha mãe e de minha tia...
Queria ganhar eu mesmo meu dinheiro, para poder pagar minha estadia no hotel
sem ter de pedir nada à minha mãe. Então decidi por em prática meu talento para curar
enfermidades mentais, porque se eu tinha curado minha esquizofrenia, conseguiria muito
bem curar os outros. Iria ganhar dinheiro aliviando o sofrimento psíquico de outrem.
Naquela noite haveria uma grande multidão na praia de Icaraí e resolvi aproveitar o fluxo
de pessoas para tentar conseguir clientes para meus serviços de psicoterapia. Meu plano
era cobrar um preço irrisório (R$1,00) na primeira consulta e, a medida que os clientes
fossem aparecendo, aumentaria o preço rapidamente. Eu só precisava pegar a prática da
coisa, depois o resto seria fácil. Num pedaço de papelão escrevi “TERAPIA R$1,00” e
fiquei de pé com o cartazinho na mão, aguardando aparecerem clientes. Mas isso não
deu certo, ninguém quis fazer a tal terapia que, na falta de um consultório, ia rolar na
mesa de uma lanchonete próxima mesmo. Acho que a ideia da terapia não estava bem
01/01/2010
Acordei mais ou menos as oito horas da manhã. Fiz meu desjejum e peguei R$50,00 com
minha esposa Márcia. Ela ficou com os outros R$50,00 de um dinheiro que Vanda havia
dado a ela. Márcia me disse que Vanda nos daria mais R$100,00 em breve e me
tranquilizei um pouco, pois estava com pouco dinheiro para pagar minha estadia no hotel
Ibéria. Arrumei mais uma bolsa com coisas minhas e fui para o hotel, resolvido a ficar lá o
máximo possível. Deixei minhas coisas no quarto e gastei os R$50,00 pagando a diária
referente àquele dia e ao seguinte. Então, me dirigi a lugares onde eu deveriam haver
advogados para me auxiliarem em minhas denúncias contra o governo e a ABIN. Fui a
dois ou três prédios no centro de Niterói, mas não haviam advogados atendendo lá. Pelo
menos não no horário em que os procurei. O motivo para isso era o recesso da justiça,
que iria até o dia 3 de janeiro. Decidi esperar no hotel até que o recesso acabasse. Nesse
ínterim, resolvi ir até o prédio das meninas ver se alguma delas me emprestava um
dinheiro ou se comprava alguma coisa de mim a baixíssimo preço. Chegando ao prédio
das garotas, subi um ou dois andares e logo me dei conta de que era uma ideia absurda.
Nenhuma delas me emprestaria nada, certamente. Se Hilda Shanna trabalhasse lá, eu
teria boas chances de conseguir um pequeno empréstimo. Lamentei ter perdido o contato
com ela. Voltei ao hotel e depois fui almoçar num estabelecimento próximo. Ao retornar,
fiquei um pouco na sala de estar do hotel, que tinha uma TV. Os helicópteros que
sobrevoavam minha residência na Domingues de Sá, agora passeavam ruidosa e
insistentemente sobre o hotel Ibéria. Suspeitei que o voo dos helicópteros visava algo
mais do que me amedrontar. Talvez o governo quisesse avisar alguém de que eu estava
ali. Talvez a polícia estivesse subindo o morro toda hora para irritar traficantes em razão
de querer algo deles. As coisas estavam começando a se encaixar. Lembrei de uma
reportagem que havia visto em casa, na Domingues de Sá 422: um traficante falava a
repórter que o que eles queriam era que a polícia parasse de subir o morro toda hora.
Achei um pouco estranho. Não parecia ser a política da mídia dar voz a um traficante para
que ele pedisse algo desse tipo. Preferi não comentar o barulho dos helicópteros, pois
fazer isso seria admitir que a polícia fustigava o crime organizado por minha causa. E tal
coisa me levaria a uma morte horrenda nas mãos do tráfico. Então, tentei me distrair um
pouco, pois começava a ficar seriamente preocupado. Para me distrair, passei a assistir
TV. Estava passando um filme na sessão da tarde: a estória de um leitãozinho que foi
colocado pelo dono num concurso para conduzir ovelhas. O destino do leitão deveria ser
a panela, mas acabou como porco-pastor de ovelhas. Depois fui fazer um lanche na rua e
resolvi comprar algo para comer. Entrei num supermercado e dois sujeitos passaram
carregando um grande porco abatido cuja carne talvez fosse vendida naquele
estabelecimento. A figura do simpático leitãozinho do filme parecia referir a mim ao
colocar um animal próprio para o abate guiando outros cujos destinos não seriam muito
diferentes. Se eu fosse o leitãozinho, as ovelhas que ele guiava seriam as pessoas do
02/01/2010
No dia seguinte falei com Marcinha por telefone. Disse a ela que em breve eu voltaria
para casa e tudo ficaria bem. Eu disse também que deveria passar em casa para pegar o
resto do dinheiro com ela, pois estava precisando. Márcia Regina me disse que Vanda
não havia lhe repassado mais nada e que, portanto, não poderia me dar dinheiro algum.
Eu respondi que teria que passar em casa assim mesmo e ela me disse que eu poderia
passar lá, mas não a encontraria porque ela passaria um tempo fora. Fiz algumas coisas
no Centro e quando retornei ao Hotel Ibéria a porta de meu quarto estava escancarada.
Certamente haviam mexido em minhas coisas. Aquilo foi inadmissível, ainda mais em se
tratando de uma pensão declaradamente familiar cujos donos eram religiosos a ponto de
ornar a recepção com tantas imagens de Jesus Cristo e Nossa Senhora. Acabei por ficar
seriamente desconfiado de que tinham me descoberto. Sim, talvez eu fosse o motivo para
os meganha subirem tantas vezes mais o morro do que o que era de costume. Talvez eu
fosse o motivo da prisão de um agiota para quem pedira dinheiro emprestado umas
semanas antes (ele se negara a emprestar para mim, impedindo que eu entrasse na
maior encrenca – a notícia da prisão dele saiu no jornal). Se esse pessoal do mundo do
crime mata sob tortura até o pessoal deles mesmos, o que é que iriam fazer comigo, meu
Deus? Fui acometido por um terror silencioso que me levou a cometer um erro. Deixei o
hotel só com minha carteira e as chaves de casa a fim de voltar para a Domingues de Sá.
Menos de 40 metros depois de por os pés para fora do Hotel Ibéria um ambulante gritou
alto em minha direção: “Mata o rato!”. Presumivelmente ele vendia o veneno conhecido
como chumbinho, utilizado por muitas pessoas para livrar suas residências de ratos. O
chumbinho também era bastante utilizado por suicidas. Por um ou dois segundos,
considerei a possibilidade de adquirir um pouco de chumbinho, porque, apesar de não
demonstrar, estava aterrorizado com a possibilidade de morrer sob sofrimento intenso.
Voltei para casa. Precisava pegar o resto de minhas coisas no hotel e decidi que iria lá de
táxi, para entrar e sair rapidamente, reduzindo assim, ao meu ver, a possibilidade de ser
capturado. Eu precisava de dinheiro para o táxi, entretanto, não tinha esse dinheiro,
porque gastara quase tudo que tinha contando com a outra remessa de R$100,00 que
não veio.
03/01/2010
Acordei um tanto tarde e me pus a trabalhar neste mesmo livro (O Povo Cego e as
***
Pus fogo na casa, e não precisava mais me ferir para que os bombeiros aparecessem.
Meu erro foi ter posto fogo na casa pra valer. Ora, se meu objetivo era que os bombeiros
viessem a minha casa e me levassem para o hospital psiquiátrico, bastaria ter feito um
incêndio meramente cosmético. Bastaria ter posto fogo num monte de papeis e coisas
sem valor colocadas antecipadamente na porta de entrada de minha casa. Não tive essa
presença de espírito, entretanto. No desespero, a gente acaba perdendo a cabeça, isto é,
deixando de usar a cabeça de cima para ser controlado por impulsos e emoções
primitivas. Não vale a pena desesperar-se.
Com o fogo a alastra-se, a fumaça passou a me incomodar. Fui para o quintal,
peguei uma escadinha e subi na lage que cobria a área de serviço. Sentei -me no alto do
muro que dava para o hospital Centrocardio. Os bombeiros logo chegaram e puseram fim
às chamas. Entrementes, uma pessoa da clínica disse que colocassem uma escada para
que eu descesse de lá para fora, em direção ao estacionamento do Centrocardio. Posta a
escada, me deram um shortinho para vestir – eu estava só de cuecas – e eu desci. Um
cara veio falar comigo dizendo que a chave de casa estava bem onde devia, e que eu não
deveria ter saído pelos fundos. Seu tom de voz sugeria que eu mesmo havia posto fogo
na casa. É claro que eu havia posto fogo na casa! Mas não tinha como explicar a situação
para aquele pessoal todo que me observava. Então respondi agressivo: “Vende tudo pro
Centrocardio logo!”. Os bombeiros vieram falar comigo. Um deles me disse que eles
estavam ali para ajudar e me pareceu que ele acreditava realmente no que dizia. Então
me perguntaram: “Seu nome é Eric Campos Bastos Silva?” Hesitei por um momento e o
bombeiro disse: “Nós queremos te ajudar”. Meu último nome não era Silva, mas Guedes.
Achei que mentir sobre meu nome seria muito mais arriscado do que dizer a verdade,
apesar de os bombeiros parecerem querer me ajudar de verdade ao sugerirem que
alterasse um pouquinho o nome que eu deveria declarar a eles. Eu disse: “Meu nome é
Eric Campos Bastos Guedes”. Ao retificar meu nome parece que quebrei uma espécie de
código de confiança. Fui levado ao Hospital Psiquiátrico de Jurujuba.
***
Me chamaram no consultório para uma avaliação de meu caso. Tinha umas três ou quatro
pessoas lá. Assim como os bombeiros, eles disseram que queriam me ajudar e eu
acreditei neles. Eles também disseram que queriam saber o que estava acontecendo,
exatamente para que pudessem me ajudar. Não era tão simples assim. Antes de serem
médicos, antes de serem honestos e simpáticos à minha pessoa, eles eram seres vivos, e
fariam de tudo para continuarem vivos. Se eu disse a eles o que eu pensava que estava
acontecendo, minha história seria ignorada. Não porque ela não fizesse sentido, não
porque ela fosse falsa e não porque eles quisessem me ferrar. Minha história seria
ignorada porque qualquer um que admitisse acreditar nela poderia se tornar um alvo do
crime organizado, do tráfico ou dos grupos de extermínio. O desejo de se manterem vivos
e o zelo pela segurança da própria família estavam, com certeza, acima de qualquer
simpatia que pudessem sentir por mim e de qualquer injustiça que quisessem reparar.
Eles me pareciam boa gente, mas não eram deuses.
***
Transferência antecipada
Estava ainda no setor de observação a esperar que Marcinha e Vanda viessem me levar
embora dali quando, numa certa manhã, fui acordado por um enfermeiro que logo pegou
em meu braço para coletar sangue. Era o mesmo enfermeiro alto e corpulento que esteve
presente na ocasião em que o psiquiatra Luís Sérgio me recomendou uma avaliação no
HPJ, em 2008. Ele parecia um tanto preocupado ou mesmo assustado. Esse enfermeiro
disse que a equipe resolvera me transferir para o SIM (Serviço de Internação Masculino)
de modo antecipado. Pelo que eu sabia, um paciente deveria ficar uma semana em
observação antes de ser transferido para o SIM. Não me lembro bem, mas parece que
alegaram que eu teria mais segurança no SIM. Então já deviam ter entendido a gravidade
de meu problema.
***
O morro em segurança
Fui conduzido por um longo corredor que dava na porta do SIM. Já passara várias vezes
por aquele corredor, em minha outra internação em Jurujuba. Foi desagradável me
aproximar da porta que dava acesso ao SIM: “Cá estou novamente!...”, lamentei-me em
pensamento.
Adentrando o recinto, deparo com S1 que me pergunta: “O morro está em
segurança?” Isso só reforçou minha opinião de que estavam achacando o tráfico no morro
para levá-los a me executar. Naquela ocasião eu pensava que eles haviam acabado de
descobrir minha existência e o motivo para tantos policiais subirem o morro tantas vezes.
Hoje, não tenho mais essa certeza, porque se S1 tivesse mesmo ligações com o tráfico, o
crime organizado saberia quem eu era e o que estava fazendo. Acho que a situação é
mais intrincada do que aparenta.
***
Algumas coisas haviam mudado no SIM. Raquel devia ter subido um degrau na carreira
porque parecia estar exercendo um cargo de liderança agora; não vi Raldo Bonifácio por
lá, o que me levou a pensar que ele não trabalhava mais no HPJ; Débora e Carol não
estavam lá; Joseilton também não; haviam acabado com o quartinho onde o enfermeiro
disse para mim: “Fica quieto... vai ser uma pena perder uma veia boa dessas” ao colher
meu sangue para exames puxando levemente a agulha para cima (transformaram o
quartinho em uma outra intercorrência); os psiquiatras de lá eram outros agora, nada de
Drº Dimas; e o mais notável de tudo: estavam tratando o interno Wilson Madeira à
pão-de-ló.
***
O interno Wilson Madeira tinha um certo grau de retardo mental. Em minha internação
anterior eu o vi sair do banheiro logo após um dos faxineiros do HPJ. Desconfiei. Eu já
sabia que os banheiros provavelmente eram usados para relações sexuais, pois, certa
vez, ouvi gemidos vindos de dentro de um deles. Os gemidos eram do interno Chianelo,
ao que parecia, e do modo como aconteceu acho que alguém o estava mamando. Na
edição anterior deste livro eu chamei a atenção para a situação de Wilson Madeira, que
aparentava estar sendo vítima de abuso sexual no HPJ. Lancei o alerta também na Carta
Aberta aos Direitos Humanos, publicada em meu blog – www.fomedejustica.blogspot.com
– com os nomes verdadeiros das pessoas. A denúncia parece ter surtido efeito, pois
Wilson passou a receber muito mais atenção. Bons profissionais agora o assistiam,
ensinavam-lhe as letras e davam-lhe banhos. É claro que só passaram a fazer isso para
fazer parecer que minhas denúncias eram infundadas. E agora que estou revelando isso,
não ficaria surpreso se Wilson fosse transferido do HPJ para outro hospício ainda muito
pior; ou se morresse devido a um ataque cardíaco fulminante (causado por drogas,
claro!); ou se, de repente, viesse a sofrer de alguma doença que o obrigasse a ser tratado
em algum outro hospital (seria muito fácil torná-lo doente por comida contaminada, por
exemplo). O certo é que a vida de Wilson Madeira e sua permanência em Jurujuba serão,
a partir da divulgação desse texto, um incômodo para os donos do poder.
***
Difamação no HPJ
A psiquiatra que me fora designada leu a edição anterior deste livro, ou parte dela. De
início, ela me adorava, exultava com minha inteligência e coragem, eu era um herói para
ela. Depois de uns dez dias sua opinião sobre mim mudou radicalmente. Acho que ou
textos difamatórios chegaram às suas mãos, ou os boatos espalhados por Vanda, Vera
Lúcia e Winter chegaram aos seus ouvidos. A princípio a enfermagem me apreciava
muito, mas após um mês a difamação chegara ao conhecimento deles e me puseram de
lado. Ainda que tivesse tido o nome difamado, os boatos se espalhavam com muita
dificuldade entre os funcionários do HPJ. Um belo dia descobri o porque.
***
Um dia, após uma noite passando frio, pedi um lençol a um funcionário. Ele tinha lençóis,
mas não eram para mim. Acho que não eram para nenhum dos pacientes daquela ala.
Mas ele sorriu e disse: “Vou dar o lençol para você porque você é parceiro!” Parceiro?
Eu? Não entendi bem o que ele quis dizer, mas fiquei com o lençol. Em outra ocasião,
estava no pátio de Jurujuba recebendo a visita de Marcinha e de meu filho Sólon na
mesma hora que Wilson Madeira conversava com alguns terapeutas na mesa ao lado.
Dois terapeutas sorriram para mim aparentando estarem me admirando muito. Um deles
mencionou a palavra “amor” e me quis saber o que eu sentia em relação a Wilson
Madeira. Acabei entendendo que eu fora um grande benfeitor para Wilson ao denunciar
sua situação no HPJ. Por isso várias pessoas lá me idolatravam. O faxineiro que eu vira
saindo do banheiro com Wilson na internação anterior agora estava com cara de quem
comeu e não gostou. Conversei rapidamente com um enfermeiro que soube dos boatos
difamatórios em minha internação anterior e sua expressão era de assombro: ele não
sabia o que pensar sobre mim.
***
O Drº Rui Cutrim exercia um cargo de chefia no HPJ. É claro que eu fui pedir desculpas a
ele. E fiz isso em alto e bom som, na presença do maior número de pessoas que pude.
Após pedir desculpas sinceramente e com público, Rui me chamou para conversarmos
em particular. A princípio aceitei, mas logo percebi a armadilha. Rui parava
demoradamente para fazer muitas coisas enquanto eu o seguia para conversarmos em
seu gabinete. Ele queria que eu manifestasse impaciência, claro. Isso o autorizaria a me
manter mais tempo internado e a utilizar eletrochoques, além de drogas mais pesadas e
mais danosas à saúde. Avaliei a situação e concluí que não seria bom que Rui
conversasse comigo em seu gabinete. Afinal, fora em seu gabinete que a ausência de
plateia o autorizara a me convidar para um lanche no “Rei do Mate”, o que me deixou
muito perturbado.
***
Sr. Agnóstico
Chama-se agnosticismo a crença de que Deus pode ou não existir, ainda que seja
impossível responder clara, racionalmente e com absoluta certeza sobre a existência ou
não de Deus. Tanto o crente quanto o ateu estão convencidos de suas posições com
respeito à existência de Deus. Enquanto o crente assume indubitavelmente a existência
de Deus e o ateu nega indubitavelmente essa mesma existência. Ora, ambos estão
baseando suas crenças na ausência de dúvida. Estão tão certos de suas opiniões que um
diálogo entre eles será sempre um duplo monólogo, cada qual falando em sua vez sem
nunca chegar a um acordo. O agnosticismo não nega e não afirma a existência de Deus,
mas a considera uma hipótese a ser investigada. Desse modo o agnóstico está apto a
aprender o que ele próprio acreditar ser bom – tenha esse aprendizado origem em
qualquer um dos sistemas religiosos ou na negação ateia de todos eles.
Assim que tomei lugar em minha enfermaria, conheci um senhor que professava o
agnosticismo. Não me lembro seu nome, e que por esse motivo chamarei de Sr.
***
A ABIN mandou pelo menos dois agentes para o meu caso. Um deles procurou sabotar
minha amizade incipiente com o Sr. Agnóstico. Esse agente mexia na cama do
Sr. Agnóstico quando ele não estava presente e tentava fazer isso parecer algo divertido.
Eu não caí nessa, claro. O tal agente também dizia, por meio de colocações indiretas, que
estava autorizado a me oferecer um suborno, uma quantia em dinheiro ou terrenos. O
modo como referia os valores eram tão vagos que nunca soube exatamente de quanto
dinheiro estávamos a falar.
Esse agente acabou com a saúde bastante abalada, pois sua médica lhe
prescreveu injeções de drogas psiquiátricas que os enfermeiros não se negaram a
ministrar-lhe. A transformação do agente mostrava o quanto as drogas psiquiátricas eram
perniciosas. Ele mostrava-se abatido e sua fisionomia confirmava isso. Ele mesmo dizia
que aquelas injeções o estavam destruindo e eu dava graças a Deus pela enfermagem ter
decidido não me ministrar injeção alguma, contrariando a prescrição de minha psiquiatra.
Os enfermeiros que sabiam de meu ato de coragem ao denunciar a situação de Wilson e
os que sabiam que eu estava sendo injustiçado achavam que eu não merecia tomar as
injeções; os enfermeiros que haviam ouvido falar que eu era violento receavam que eu
me vingasse deles porque estavam conscientes do efeito devastador das injeções sobre a
saúde mental de quem as tomava.
***
O agente número 10
Meu número na internação anterior foi o 15; nessa nova internação meu número era o 5.
O segundo agente da ABIN tinha o número 10. Era um sujeito de pele branca, forte e com
boa retórica. Aproximou-se de mim no pátio do HPJ. Falava amigavelmente, mas com
firmeza. Disse que os remédios (neurolépticos) davam energia e que era por isso que
quem fazia uso deles costumava explodir em fúria vez por outra (na verdade eu já tinha
concluído que a medicação neuroléptica causava perda momentânea de controle). Em
outra ocasião esse agente sugeriu que eu fizesse uma faculdade particular e que por
“apenas” R$21 mil eu poderia ter um diploma na área de informática, conferido pelo
próprio Luís Inácio Lula da Silva – nosso “excelentíssimo” presidente. Eu disse ao agente
10 que não queria cursar informática, mas sim matemática. Perguntei, então, quanto me
custaria um diploma nessa área. Ele disse que devia sair por uns R$11 mil.
Esse agente me perguntou se eu frequentava a oficina de música do HPJ; eu disse
que sim; então ele perguntou que música eu gostava de cantar lá; respondi: “ Nuvem
Passageira”, de Hermes de Aquino; ele disse que esse era um “bom sinal”, quer dizer,
uma “nuvem passageira” talvez não causasse tantos problemas para o poder iníquo que
domina o mundo.
***
Antes de ser internado eu havia percebido que alguns semáforos em Icaraí estavam meio
estranhos. Demoravam muito mais para dar passagem aos pedestres do que o habitual.
Nos meses de novembro e dezembro de 2009 (e talvez também em agosto, setembro e
outubro) ficou claro para mim que alguns sinais de trânsito do bairro de Icaraí, em Niterói,
passaram a ter uma propensão muito forte a dificultar a travessia de pedestres.
Esperávamos por muito mais tempo que o habitual. Os semáforos demoravam tanto para
autorizar a passagem de pedestres que a maioria deles não os respeitavam mais.
Atravessavam a rua na frente dos carros mesmo. Isso ocorreu no sinal de trânsito entre a
saída do Campo de São Bento e a agência da Caixa Econômica Federal, na rua Gavião
Peixoto; ocorreu também pertinho de minha casa, no sinal da Rua João Pessoa com a
Rua Domingues de Sá; também ocorreu em outros semáforos que, por coincidência ou
não, fizeram parte de meu itinerário na época. Considerei a possibilidade de estarem
criando essa confusão nos semáforos com a intuito de me fazer explodir em fúria. Eles
queriam reunir todos os sinais possíveis que indicassem ser eu um desequilibrado mental.
Isso faria com que um número maior de pessoas descartassem minhas denúncias como a
invenção de uma mente perturbada.
Poucos dias após minha nova internação no HPJ, a mídia noticiou a execução do
secretário de transportes de Niterói. Na época os jornais e a TV sugeriram que seu
assassinato teria relação com a máfia das vans ou com o crime organizado, mas ao que
me consta, nada ficou definitivamente esclarecido.
O Sr. Agnóstico se surpreendeu com a notícia da execução. Ele me disse que
conhecia o secretário de transportes e eu falei sobre a possível relação entre o
assassinato do secretário e as denúncias que eu estava fazendo. O Sr. Agnóstico
considerou minha opinião sem mostrar grande surpresa, mas um respeito prudente.
A notícia da execução do infeliz me deixou apreensivo. Hoje eu não tenho mais
tanta certeza de que o secretário de transportes de Niterói fora morto numa queima de
arquivo para evitar que pudesse chamar a atenção da sociedade para minhas denúncias.
Mas a notícia de sua execução me fez acreditar que o mesmo pudesse acontecer comigo.
E eu não queria morrer antes de educar meu filho Sólon.
***
Um moleque fora internado na mesma época que eu. Acho que ele era filho de uma
desembargadora, ou alguma coisa do tipo. S1 aparentava temê-lo, mas o moleque não
me assustava. Havia um outro rapaz, colega de S1, com quem eu muito simpatizava. Ele
estava quase sempre com um sorriso amigável no rosto, falava sem levantar a voz, não
usava de ironias ou sarcasmos, nem de ameaças ou constrangimentos. Também
mostrava importar-se com outras pessoas e manifestava interesse por jogos, o que
denotava alguma propensão pelo gosto de raciocinar e aprender. Por não me lembrar de
seu nome vou chamá-lo de S2, pois era colega de S1.
S1 e S2 aparentavam formar uma pequena quadrilha sob a chefia do moleque filho
da desembargadora. O linguajar e a forma de se cumprimentarem aparentavam ser
próprios de criminosos. Havia um cumprimento no qual o moleque dizia “Sempre vivo!
Nunca morto!” e ao mesmo tempo apertava a mão do outro de um modo característico.
Havia em Jurujuba uma mulher exercendo posição de chefia que eu julgava poder me
ajudar. Mas ao examinar sua expressão facial concluí que alguma calúnia a meu respeito
chegara até ela. Pedi para falar com ela.
***
A cozinha do capeta
“Pois quem põe os seus próprios interesses em primeiro lugar nunca terá a vida
verdadeira; mas quem esquece a si mesmo por minha causa terá a vida verdadeira.” 26
Mateus 16.25
Ora, a expressão “os seus próprios interesses” na citação supra pode muito bem
ser interpretada como sendo “os seus caprichos”, “os seus pequenos desejos nocivos”,
“os seus vícios” ou “as suas ações desarrazoadas”. Eu agi de modo estúpido ao não ouvir
a voz da razão. Preferi obedecer ao meu capricho, ao meu pequeno desejo nocivo e fui
vítima de meu próprio sentimento. É interessante lembrar que a cruz, símbolo cristão mais
comumente encontrado, representa exatamente a atitude racional sobrepujando a que se
baseia na emoção.
***
Armadilha
24 A Novo Rio era uma empresa que prestava serviços para o Hospital Psiquiátrico de Jurujuba, de modo terceirizado.
25 Não me lembro se foi em São Gonçalo ou em algum outro lugar, como Caxias, Fonseca, Centro ou algo assim.
26 O Novo Testamento – Nova Tradução na Linguagem de Hoje. Barueri – SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2002.
***
Falsa investigação
Uma profissional de Jurujuba se prontificou a investigar minha história. Ela disse que
viajaria à Campos onde, presumivelmente, tentaria comprovar minha história. Ao saber
disso, o moleque filho da desembargadora insistiu comigo para que eu dissesse a ela que
a história era falsa. Ele usou um bom argumento para me convencer. Acho que ele disse
que se denúncia fosse investigada eu demoraria muito tempo para sair de Jurujuba.
Concordei com ele e disse a mulher que queria investigar que meu texto era falso. Mas
acabei pondo a mão na consciência ao me lembrar de Hipátia de Alexandria, a primeira
mulher matemática, que teve uma vida santa e morreu esquartejada por amor à verdade e
por defender essa mesma verdade. Lembrei também do sofrimento de Jesus Cristo, que é
o caminho, a verdade e a vida, e que morreu sob intenso sofrimento por amor à
humanidade. Ora, se eu quisesse seguir os exemplos de Cristo e de Hipátia – e eu queria
– o momento de fazer isso era aquele mesmo! Mudei de ideia em 5 minutos e preferi falar
a verdade: confirmei a veracidade do texto.
Estranhei um pouco o fato do texto que ela fora investigar ter muitos nomes falsos,
trocados propositalmente para evitar que eu sofresse processos por calúnia e difamação.
Isso devia dificultar um pouco a comprovação de minhas denúncias, mas eu ainda tinha
esperanças. Uma boa parte da história poderia vir à tona, ainda que meu texto anterior –
divulgado na Internet desde o dia 10 de maio de 2009 – tivesse vários nomes trocados.
A mulher que se propusera a investigar as denúncias passara dias fora, semanas.
Quando uma funcionaria do HPJ começou a cantar um trecho da música do Cazuza: “...a
sua piscina está cheia de ratos, suas ideias não correspondem aos fatos, o tempo não
para...”, entendi que minhas denúncias não puderam ser comprovadas. E agora? Como é
que eu ia fazer para sair de Jurujuba? Não tinha mais o trunfo da possibilidade de
comprovação de minhas denúncias, então eles poderiam me manter preso naquele
hospício por muito tempo, até que eu fosse definitivamente sequelado pelas drogas
psiquiátricas por eles ministradas. Eu já tinha pedido insistentemente à minha esposa
para que ela solicitasse minha transferência para a Casa de Saúde Saint Roman, e não
entendia o motivo de não ter sido transferido imediatamente para Saint Roman, como
acontecera anteriormente. Até hoje não compreendo o porque de minha esposa ter me
deixado tanto tempo detido em Jurujuba. Quando a questiono a esse respeito ela diz
coisas que sei que são mentirosas; por exemplo, ela disse que eu mesmo pedira para
ficar em Jurujuba e não ser transferido para Saint Roman – eu jamais teria dito isto! Minha
***
Minha esposa relutou bastante em me transferir para Saint Roman. Quando o fez, parecia
estar executando uma operação de guerra, como se tomasse uma série de precauções
que julgava necessárias para que alguém de Jurujuba consentisse com minha
transferência. Isso era estranho, porque, ao que me consta, a transferência para outro
hospício não tem que passar pela aprovação de ninguém: essa é uma decisão da família
do paciente.
Decidiu-se que eu seria transferido para Saint Roman. Não havia nenhuma
ambulância em Jurujuba que pudesse me levar naquele momento, mas era importante
que eu saísse o quanto antes. Considerou-se a possibilidade de pagar uma ambulância
para me levar para Saint Roman, mas isso sairia caro. Então ficou resolvido que a
transferência seria feita de táxi mesmo. Eu achei que, por estarmos saindo de táxi,
poderíamos ir para onde quiséssemos. Não entendi porque não me levaram para um
outro lugar, onde eu pudesse realmente ficar em segurança. Meses mais tarde eu
perguntaria isso à Marcinha ou a Vanda e me responderia que não puderam fazer isso por
27 O nome NX-Zero trás três elementos de negação: o N, de não; o X, que pode ser entendido como uma censura; e o
Zero, que pode ser interpretado como uma ausência, isto é, algo muito próximo de uma negação.
Na Casa de Saúde Saint Roman encontrei pelo menos dois espiões. Um deles era uma
mulher de pele negra que disse ter 19 anos e chamar-se Angélica. Ao que parece, ela
estava representando um papel. O papel de filha de Hilda Shanna. De fato, se ela tinha 19
anos, poderia ser filha de Hilda, se ela tivesse nascido em 1991, o que era plausível,
apesar de Hilda poder não ter nenhuma filha dessa idade. Ela não disse que era filha de
Hilda, mas agiu como se fosse. Também havia um homem negro e alto que se fez passar
por marido de Hilda Shanna, apesar de ele nunca ter dito isso. Conversei com ele a sós
por duas ocasiões: na primeira eu disse a ele que sabia que ele era espião e que eu não
estava disposto a levar a denúncia adiante. Nessa ocasião ele também disse: “Eu só
quero de volta o que você tirou de mim”. Fiquei imaginando o que eu poderia ter tirado
dele, mas pensei, erroneamente (ao que parece) que ele tinha ligações com o tráfico que
estava sendo escrachado pela polícia a mando do governo – e punha a culpa em mim por
isso. Pouco tempo depois estávamos conversando no pátio coberto quando ele jogou, de
supetão, o café quente do copo que segurava sobre um lagarto no chão e disse “Mata,
mata! É um camaleão, ele muda a cor para se esconder.”, o que pode ser interpretado
como uma recusa em aceitar minha “garantia” de que minhas denúncias não seriam
levadas adiante. Depois de meses, já longe de Saint Roman, concluí que ele não era
traficante, mas sim um agente que fazia o papel de marido de Hilda Shanna. O motivo
para eles representarem esses papeis ligados a Hilda foi, presumivelmente, a tentativa de
me fazer acreditar que eles poderiam assassinar Hilda como retaliação pelas denúncias
que tenho feito. Também tocaram uma música de mais de 20 anos atrás no radio, uma
que dizia: “...hoje eu vi um lindo negro anjo, anjo negro, lindo anjo, negra Ângela!... ” Ora,
a negra Ângela da música do radio fazia referência clara a Hilda Shanna, que era negra e
que poderia ser comparada a um anjo por mim, conforme se depreende de meus relatos.
Havia ali um esquizofrênico internado com quem fiz alguma amizade. Ele era adepto do
estudo de parapsicologia e fez algumas previsões usando um baralho comum para
Ângela. Ele previu que Ângela ganharia um carro de seu namorado. Esse ex-paciente de
Saint Roman tinha pele branca e cabelos escuros (ou pretos ou castanho escuro) e era
fumante. Não me lembro de seu nome. Ele teve saiu de Saint Roman, mas retornou cerca
de um ou dois meses depois. Um fato bastante curioso é que havia um telefone público
na ala onde eu ficava (no térreo) e esse telefone foi grampeado pela ABIN ou por
traficantes, de modo que eu liguei para o telefone que eu achava que era o de minha
esposa (um telefone fixo de final 4070 ou 4074 que tínhamos em nossa residência na Rua
Domingues de Sá, nº422) e quem atendeu foi um homem que disse que eu havia discado
o número errado. Então eu redisquei o número e a mesma pessoa atendeu a chamada.
Haviam várias pessoas me observando ali, pois a TV ficava bem perto do telefone. Uma
dessas pessoas eu ainda não tinha visto e pela sua postura tive uma suspeita muito
grande de que se tratava de alguém ligado ao tráfico ou a ABIN, ou a outro grupo com
interesse em manter a ignorância da população quanto às minhas denúncias. Talvez eu
tivesse me confundido quanto ao número telefônico (achando que o final do telefone era
4070 quando na verdade era 4074, ou vice-versa), mas eu não considerei isso na
ocasião. Então, achei que haviam invadido minha residência, porque quando falei com o
cara (do número errado(?)), ouvi vozes ao fundo gritando desesperadamente, ainda que o
som dessas vozes estivesse bastante abafado (de início achei que fosse problema no
Minha esposa fez amizade com uma mulher chamada Greiciane. Ela passou a frequentar
nossa casa e acabamos trazendo Greice para morar conosco. Nossa amiga tinha um filho
chamado Luiz Antônio, com 3 anos de idade na época. Naquela época eu e minha
esposa não tínhamos filhos, acabei por acolher Luiz Antônio como o filho que eu tanto
queria. Eu o tratava com muito respeito e com muito amor. Comprei para Luiz Antônio um
brinquedo de madeira que servia para ensinar os números. A tardinha, costumávamos
brincar com as peças de numeradas de madeira. Também fiz download de jogos
educativos para Luiz Antônio e o deixava se divertindo no computador com esses jogos,
que exercitavam a memória, o raciocínio e conceitos como o de maior e menor, mais e
menos etc. Luiz Antônio foi o filho que eu ainda não havia tido. Mas Greiciane não era tão
amiga assim e parecia estar mais interessada nas vantagens que tinha ao frequentar
nossa casa. Greice morava em São Gonçalo e, aparentemente, poderia ter permitido que
se espalhasse o boato falso e infame de que eu teria abusado sexualmente de Luiz
Antônio. Nunca faria tal coisa com Luiz Antônio, eu o amava e respeitava profundamente.
Em linhas gerais, o texto que escrevi na época era próximo deste. Note o leitor que
não mencionei que o boato talvez (ou até provavelmente) tivesse partido de minha mãe.
Na verdade eu achava muito mais crível que a infâmia caluniosa tivesse partido de minha
mãe, a partir de um texto dela que chegou às minhas mãos por acaso e que incluirei no
final da presente obra. Mas dizer que tal calúnia infame partira de minha própria mãe
seria, talvez, algo bastante difícil para o advogado admitir como verdadeiro. Por outro
lado, mesmo com evidência em contrário, Greice poderia ter culpa no cartório.
Quando o advogado bipolar leu o texto, comentou: “Isso me fez lembrar de um
sobrinho meu que criei até os 11 anos e que depois preferiu ir morar com o pai ”. A partir
do dia seguinte o advogado passou a ter a postura oposta com respeito a mim. De grande
antipatia, passou a manifestar muita simpatia. Era como se a simpatia que passou a sentir
tentasse desculpar o mal juízo que ele fizera a meu respeito.
Doutora Tatiana foi minha psiquiatra em Saint Roman. Ela era bela, branca, magra
e tinha tênues vestígios de uma cicatriz no rosto que, longe de a enfeiar, a tornava mais
interessante. Nas duas ou três primeiras consultas que tivemos em Saint Roman ela me
tratou com sincera afeição e interesse em meu bem estar. Nas consultas seguintes,
percebi que ela tomara conhecimento da infâmia calunia sobre minha pessoa, porque
essa psiquiatra mudou para muito pior seu tratamento para comigo. Passou a usar de sutil
ironia ao me consultar e a falar coisas que eu sabia não serem verdadeiras, como, por
exemplo, ser a perseguição que eu estava sofrendo um delírio decorrente de minha
esquizofrenia.
Quando disse a ela que estava sofrendo de cisticercose e que precisava fazer o
quanto antes um tratamento com o vermífugo Cestox/Praziquantel, ela respondeu
ironicamente: “Meu querido... você precisa entender que sua doença é a esquizofrenia. É
ela que está fazendo você sofrer. Mas essa doença tem tratamento e esse tratamento é a
medicação.” Nessa ocasião eu havia pedido para que Marcinha que ela providenciasse o
Cestox/Praziquantel para que eu fizesse o tratamento. Achei que ou Márcia traria o
remédio, ou Tatiana o providenciaria. Mas parece que, ao dizer a Tatiana que eu
precisava do Cestox, somente passei uma informação ao exército inimigo – e Marcinha
ficou sabendo disso. Na próxima vez que eu falei com Marcinha ela disse: “Eu comprei o
remédio, mas não vou levar para você não”. Tatiana foi frontalmente contra meu
necessário tratamento com o Cestox. Eu havia dito a ela que o tratamento com
Cestox/Praziquantel deveria ser feito (para uma pessoa com cerca de 80kg, que era o
meu caso) com 4 comprimidos 3 vezes ao dia durante 3 dias seguidos – e após uma
semana ou dez dias deveria-se repetir isso: uma segunda e última seção de 4
comprimidos 3 vezes ao dia durante 3 dias seguidos (na verdade isso não estava
totalmente correto, o certo seriam 4 comprimidos de 12 em 12 horas por três dias
seguidos, depois uma pausa de 7 ou 10 dias, seguida por mais uma seção de 4
comprimidos de 12 em 12 horas por 3 dias seguidos – eu não me lembrava bem como
havia feito o tratamento contra cisticercose antes). Tatiana nunca havia prescrito o
praziquantel e não fazia ideia de qual seria a posologia do Cestox/Praziquantel para o
tratamento da cisticercose. Haviam outras patologias cuja dose e modo de usar estavam
claramente explicitadas na bula do Cestox, mas não havia na bula nenhuma indicação de
como e em que dose usar o praziquantel para tratar a cisticercose. Por sorte eu já havia
me informado sobre isso antes. Eu insisti muito com Drª Tatiana para que ela usasse o
Cestox para eliminar qualquer suspeita de cisticercose, mas ela não consentia. Cheguei a
procurar a médica clínica para pedir a ela que solicitasse meu tratamento com o
praziquantel. Falei com ela por duas ou três vezes e por fim, ficara a médica clínica da
Saint Roman de conversar com Tatiana para perguntar a ela se se poderia ministrar o
praziquantel em mim. Fiquei com esperanças, mas a médica clínica de Saint Roman me
disse, dias depois que Tatiana havia contra indicado o uso do praziquantel em mim por,
disse ela, achar que havia risco do praziquantel interagir com os outros remédios que eu
estava tomando e prejudicar, assim, meu tratamento psiquiátrico. Matar é, principalmente,
***
Fomos eu, minha mãe e minha esposa de táxi para Araruama. Vanda alugou dois imóveis.
Um apartamento para Márcia e Sólon e uma quitinete para mim. Tratei de reduzir e em
***
Vanda aproveitou que eu pedira insistentemente meu cartão bancário a ela para me
preparar uma armadilha. Ela disse que eu poderia pegar meu cartão bancário no
apartamento dela. Com o cartão, poderia sacar eu mesmo o dinheiro de minha pensão e
tomaríamos eu e Marcinha as rédeas de nossas vidas. O motivo para eu querer tomar
conta de meu próprio dinheiro é bem claro: Vanda já mostrara que não se importava com
minha segurança – sequer se importou com a de sua mãe! – e ao me furtar cerca de
R$5.500 durante minha primeira estadia em Jurujuba, confirmara cabalmente que a
honestidade que busca é a que tão somente pode ostentar como medalha em sua
reputação.
Na entrada do bloco de apartamentos do prédio de Vanda, fui imobilizado por um
brutamontes de 1,95m, com músculos superdesenvolvidos e tive as mãos e pés
amarrados por outro cara. Me levaram amarrado para o carro de um terceiro sujeito, que
me esperava no estacionamento do prédio de minha mãe. Os três dirigiram comigo
amarrado por muitos e muitos quilômetros, até a Clínica Ego, em Tanguá. Lá, Vanda me
aguardava no escritório do Drº João Henrique Pinho Maia. Durante todo o trajeto que
fizemos até a Clínica Ego, permaneci calmo. Também no momento em que fui amarrado
não esbocei resistência e também no consultório de Drº João estava tranquilo. Ora, eu já
não fazia uso de medicações psiquiátricas a várias semanas e foi exatamente por ter
aprendido a manter o controle sem drogas psiquiátricas que não me desesperei e não me
enraiveci naquela situação. Perceber isso fortalece a tese de que eram precisamente as
drogas psiquiátricas que me mantinham refém de meus instintos e propenso a acessos de
fúria e descontrole.
Na clínica Ego reencontrei meu amigo Ricardo Urquiza Allemand, que me cumprimentou
efusivamente. Ele já estava internado há cerca de 3 anos, direto. Ficou muito contente ao
me ver, mas eu não estava nada satisfeito com essa minha situação.
***
Rogério Jorge
Em minha passagem pela Clínica Ego, conheci um senhor de idade chamado Rogério
Jorge, um evangélico muito religioso que gostava de cantar vários hinos cristãos em seu
violão. A princípio Rogério Jorge tinha verdadeira ojeriza por minha pessoa. Ele dizia que
eu pensava que era Cristo. Em parte, ele tinha razão. Por mais que Rogério Jorge
expressasse sua grande antipatia por mim, cada vez que o ouvia cantar, eu exultava
acreditando que os hinos eram para mim mesmo. E não é maravilhoso quando alguém
canta hinos para glorificar tudo em que acreditamos? Eu me sentia muito bem com os
hinos de Rogério Jorge.
***
Ou era agente da ABIN ou era algum tipo de psicopata. Não mostrou estar se
aproximando de mim, em vez disso agiu de modo que eu me aproximasse dele. Jogamos
muitas partidas de xadrez e eu venci todas elas, mas não sem esforço. Ter vencido com
esforço me fez acreditar que ele não estava a me favorecer facilitando minhas vitórias,
mas isso poderia não ser verdadeiro. Ele disse admirado sobre meu jogo “O negócio é
que você não comete erros”; disse isso quando eu já havia ganho várias partidas dele e o
disse de modo aparentemente muito sincero. Ele me disse que havia iniciado a faculdade
de psicologia anos atrás, mas que jamais concluíra; disse que o reitor o elogiou muito e
que pediu para que ele não trancasse a matrícula, por, presumivelmente, o considerar
muito bom. Essa era um pouco de minha história também, só que não em psicologia, mas
sim em Matemática. Célio era mais alto que eu, tinha pele branca e era bastante
inteligente. Eu estava me identificando muito com ele e até considerei seriamente a
possibilidade de morarmos sob o mesmo teto para cada um evitar que o outro voltasse a
ser internado. Célio atribuía a responsabilidade por ele estar ainda ali à sua família que,
segundo ele me fazia crer, estava sendo injusta com ele. Seu irmão veio visitá-lo e me
disse em particular que Célio não estava dizendo toda verdade, pois fora o próprio Célio o
responsável por estar internado ali, já que, segundo o irmão, ele havia posto abaixo a
casa de sua própria tia. Quando o irmão de Célio já estava indo embora, ocorreu algo que
me fez mudar de ideia quanto a Célio Murilo Azeredo Bacelar: ele pediu um maço de
cigarros ao irmão e esse mesmo irmão deixou o maço de cigarros cair no chão, como se
Célio fosse o responsável pela queda. O verbo “caiu” apareceu forte em minha mente.
Mas eu pensei: “Quem caiu?” Não precisei pensar muito para entender que eu é que
estava caindo na armadilha dos secretas da ABIN... de novo! Ah!... dessa vez não, violão!
Eu já estava bem calejado após passar por tantas armações da ABIN, e daquela eu me
livrei, porque percebi o que estava acontecendo. Depois disso, não pus Célio de lado,
***
O assaltante internado
Teve um sujeito com quem joguei uma ou algumas partidas de dominó. Ele disse que
participara de um assalto a banco famoso. Famoso porque fora noticiado no telejornal.
Não duvidei, porque ele parecia não estar brincando e também aparentava conhecer bem
o mundo do crime e das cadeias. Tive receio de que a ABIN o pudesse utilizar para me
assassinar. Já que ele devia ter mortes nas costas, não seria tão suspeito se ele me
assassinasse. Apesar de tudo, o cara era gente boa. A diferença entre um cidadão de
bem e um criminoso acaba se diluindo na clausura da clínica psiquiátrica.
***
28 Por exemplo, em Jurujuba, tanto S1 quanto S2 já haviam se internado no HPJ um sem número de vezes, o que fazia
com que cada nova internação deles fosse considerada absolutamente normal; segundo exemplo: quando me internei
em Jurujuba pela segunda vez, encontrei lá um sujeito que havia jogado xadrez comigo numa internação anterior
nesse mesmo hospício – e eu já sabia que ele era da ABIN; 3º exemplo: em minha segunda estadia em Saint Roman
encontrei outro sujeito com quem eu havia jogado várias partidas de xadrez em minha internação anterior lá – na
época eu não sabia que ele era agente, mas ficou claro para mim que ele era agente sim, por ter tido a mesma atitude
do agente do segundo exemplo. Um 4º exemplo de agente infiltrado talvez possa ser dado por Leomir, que aos olhos
da população de Santa Maria de Campos era só mais um habitante da pacata localidade, apesar de eu desconfiar
bastante de que se trata de um agente infiltrado, fazendo-se passar por habitante comum.
***
A carta de “perdão”
No desespero surdo da internação na EGO, escrevi uma carta para Vanda onde disse que
a perdoava e que não queria mais acusá-la ou fazer qualquer denúncia. Vanda havia
posto dois pacotinhos de lenços de papel Softy's, com 15 lenços cada, junto com as
roupas, toalhas e sabonetes que me levaram. Era um modo sutil e irônico de dizer que
agora eu podia chorar... Como eu poderia perdoar tal malícia? Inclusive, a tal carta que
escrevi foi, presumivelmente, furtada por Vanda que talvez a queira utilizar para tentar se
proteger de qualquer acusação que eu venha a levantar contra ela. Recorrer a uma carta
de “perdão” escrita sob o domínio coercitivo de uma internação psiquiátrica é como
***
Minha esposa Márcia acabou me tirando da Clínica EGO. Fiquei “só” uns vinte e um ou
vinte e dois dias lá. As infames calúnias escritas por meu irmão já estavam chegando ao
conhecimento de algumas pessoas da clínica EGO e eu passara a ser destratado por
algumas pessoas. Uma servente colocou uma quantidade um pouco menor de comida em
meu prato e eu reclamei. Ela respondeu: “É isso aí mesmo, a conta está certa!” – A
expressão “a conta está certa” não era usual naquela situação, e a referência a uma certa
“conta” nos remete facilmente à Matemática, a ciência que tanto amei em minha infância e
juventude. A servente achava que sabia algo a meu respeito.
Ao chegar em minha quitinete, procurei por alguns textos meus que eu escrevera
na clínica Saint Roman e que trouxera comigo de lá. Entre esses textos, havia o intitulado
“Nunca fui pedófilo” de que já falei; havia um em que eu confessava meu erro e
arrependimento em ter esfaqueado meu padrasto – li esse texto em voz alta para a
Drª Tatiana, de Saint Roman, depois que percebi que a difamação escrita por meu irmão
havia chegado ao conhecimento dela; havia um terceiro texto que escrevi e que
propunha de modo bastante convincente e perfeitamente factível um meio de
reduzir o número de novos casos de contaminação por DST's, ainda que se
mantivesse relações com pessoas de grupos de risco e que se mantivesse um
grande número de relações e/ou parceiros. Essa ideia poderia ter impedido que um
meu cunhado, irmão de Márcia, viesse a contrair HPV. O desaparecimento desse
texto deve ter ocasionado a contaminação desnecessária de um grande número de
pessoas. É esse o resultado da ação do demônio que ocupa o corpo de minha mãe e de
tantas outras pessoas! Morte e doença para muitos, menos para os anticristos que as
causaram! Afinal, o príncipe deste mundo precisa proteger cada um de seus escravos –
que como qualquer outro escravo é um bem valioso para o senhor que o possui.
Quando eu disse anteriormente que os demônios costumam agir a distância, me
referia também a isto. A ação nefasta de Vanda – e as contaminações desnecessárias
dela decorrentes – não seria jamais considerada como um mal causado por Vanda.
Assim, o demônio protege sua fiel escrava e valida o modo de ação de seus servos.
***
Falsidade obrigatória
Hoje tenho que fingir uma simpatia por Vanda que definitivamente não tenho. Se voltar a
criticá-la, corro sério risco de ser internado novamente. Sou obrigado a fingir que está
tudo bem e a tratá-la com simpatia, mas se ela vier a viver tempo o suficiente, uns 85 ou
90 anos, acabará precisando de meu auxílio... finalmente entendi porque Vanda sempre
detestou a ideia de viver muito tempo: numa idade tão avançada ela teria muito menos
condições de manter a farsa e safar-se da ira das pessoas que destruiu. Ela também não
gosta da ideia de necessitar da ajuda de seus filhos quando sua idade lhe for penosa,
mesmo que isso seja algo natural e desejável. Após tantos anos a máscara correria o
risco de cair e sua verdadeira natureza seria revelada. A esperança de Vanda é morrer
***
Algumas palavras sobre o que tenho aprendido nos últimos anos em que fui perseguido e
sobre as ideias falsas em que a maior parte da humanidade acredita e que serão a causa
de uma altíssima mortandade de seres humanos nos próximos 30 anos (no máximo até
2040).
29 Márcia me informou que Vanda conseguira uma recomendação para me internar com um psiquiatra com quem eu
havia tido somente duas consultas várias semanas antes – esse psiquiatra nunca viu nenhum motivo para me internar
e quando deu seu parecer eu não estava presente. Ele apenas fez a vontade de Vanda, que tem muito mais respaldo
social que eu.
***
Muitos entregarão os seus próprios irmãos para serem mortos, e os pais entregarão os
filhos. Os filhos ficarão contra os pais e os matarão. Todos odiarão vocês por serem
meus seguidores. Mas quem ficar firme até o fim será salvo.30 Mateus 10. 21,22
Uma calúnia proferida por um inimigo declarado é inócua na medida em que soa falsa,
por acreditarmos que a intenção do acusador é tão somente atingir seu desafeto. Que
dizer de uma calúnia proferida por pessoas que deveriam nos proteger? O demônio seria
um adversário muito fraco para os seres humanos se não fosse capaz de validar suas
mentiras e torná-las tão fortes e convincentes quanto fosse possível. E na tentativa de
validar a infâmia que lança contra quem o enfrenta, consegue por vezes fazer com que
suas acusações partam de familiares muito próximos. Mostrarei exemplos claros disso
nas próximas páginas!
Primeira infâmia: a difamação do irmão. Dificilmente eu poderia acreditar que meu irmão
pudesse escrever um texto tão baixo como o que chegou às minhas mãos. E se ele
mesmo não tivesse admitido ter escrito o texto, eu teria sérias dúvidas quanto a autoria da
infâmia. Meu irmão Winter trás à baila assuntos já superados e acontecimentos de nossa
infância e adolescência omitindo o fato de que todas as acusações que lança contra mim
ao mencionar fatos deturpados, detalhes exagerados e erroneamente interpretados
ocorreram há cerca de 20 (vinte) anos atrás! No fim de sua tosca peça acusatória, conclui
que eu me tornarei mais violento e louco se ficar sem remédios psiquiátricos, mas
esquece de dizer que tudo que mencionara eu ter feito, se o fiz, foi justamente sob o
efeito dos tais remédios psiquiátricos! Tenta meu irmão fazer parecer que se preocupa
com as pessoas que poderiam ser vítimas de minha insanidade, quando na verdade seu
texto acusatório só causou dano e sofrimento à meu filho Sólon, por ter sido privado por
vários meses da companhia do pai, e à minha esposa Márcia, que sofre indiretamente as
consequências da difamação que foi dirigida a mim. O leitor deve notar que Winter
escreve seu nome, mas não assina seu texto. Se assinasse, correria o risco de sofrer um
processo violento por ter inventado tantas mentiras. É bem próprio do diabo instruir seus
escravos a não assumirem a responsabilidade por suas palavras e ações.
Segue-se o escâner do texto de meu irmão.
30 Retirado de O Novo Testamento – Nova Tradução na Linguagem de Hoje, editado pela Sociedade Bíblica do Brasil,
site: www.sbb.org.br, tel: 0800-727-8888
Há uma quantidade muito grande de falsas acusações nesse texto de meu irmão. Não
vou aborrecer meus leitores refutando uma por uma. Em vez disso me defenderei das
acusações mais graves e darei três regras gerais, que Winter utilizou para tornar mais
danosa possível sua infame acusação.
Segundo parágrafo: Não posso apresentar uma defesa eficaz a essa acusação de Winter
– meu comportamento foi realmente passível de repreensão. O estranho é que uma tal
repreensão tenha vindo somente 30 (trinta) anos após o acontecimento, quando o correto
seria que minha mãe – e o próprio Winter – me alertassem quanto ao erro que eu estava
comentendo tão logo o soubessem. Eu nunca fora suficientemente advertido ou
adequadamente punido por minha mãe, fizesse eu o que fosse. Não se pode exigir que
uma criança de 9 (nove) anos tenha um bom comportamento e se afaste de práticas
criminosas se essa criança não for educada por seus pais. Uma criança que não recebe
educação adequada de seus pais poderá vir ou não a ter um comportamento criminoso.
Uma vez que os pais se furtam ao compromisso de educar um de seus filhos, o caráter de
uma tal criança será forjado de maneira quase aleatória e o futuro de uma tal criança será
uma incógnita. De uma criança que não recebe instrução de seus pais não se pode exigir
– e atentemos bem para o significado da palavra “exigir” – que obedeça a leis e que tenha
boa compreensão do que é certo e do que é errado. Ela poderá vir a ser tanto uma
pessoa abençoada e carismática como também poderá se tornar um criminoso vil ou
simplesmente um cidadão pacato. O comportamento bom ou mal de uma criança que não
é instruída em seu lar será meramente a consequência da interação entre suas
características congênitas, seu ambiente e as pequenas e randômicas – mas decisivas –
experiências que marcarem sua vida. O fato de Winter não ter cometido tantos erros, ou
erros tão graves quanto os meus, simplesmente mostra que o acaso o favoreceu mais.
Ou mostra que ele não está disposto a arriscar, preferindo manter sua própria segurança
e conforto a correr qualquer risco. Ademais, Winter faz parecer que eu ofereci a tal bebida
a várias pessoas (ele expressou isso ao utilizar a palavra "outros", no plural, na primeira
linha do segundo parágrafo), quando na verdade só me lembro de ter oferecido a bebida
a minha tia Vera Lúcia de Campos, fofoqueira contumaz que eu já estava começando a
notar ser uma perversa de Satã. E de fato, Vera acabou por matar sua própria mãe
(minha avó Dermontina) com drogas psiquiátricas "regularmente" receitadas por médicos.
Nunca matei ninguém com a tal bebida que fizera, mas o Neozine/Levomepromazina e o
Haldol/Haloperidol que Vera Lúcia convenceu Dermontina tomar levaram minha avó para
a sepultura. Fico aqui a me indagar porque nunca chegara ao meu conhecimento
qualquer texto de Winter denunciando o assassínio de sua avó...
Quinto parágrafo: "No Centro Educacional de Niterói, furou a barriga de um aluno com o
compasso". Isso não ocorreu no Centro Educacional de Niterói, mas sim no Instituto
Gay-Lussac. Só estou retificando, porque já esclareci este episódio na primeira parte
desse livro.
Ainda no quinto parágrafo: "Eram comuns da parte dele: (...) socos na cara do irmão,
empurrões violentos na mãe, bofetadas no rosto da tia". Comentário: Não me lembro de
ter dado em meu irmão um soco sequer. Pode ser que isso tenha acontecido em algum
momento (devido ao uso de drogas psiquiátricas regularmente receitadas), mas jamais se
poderia dizer que prática fosse "comum". Inclusive, após 1981 – quando eu tinha somente
10 anos de idade e minha mãe foi morar com meu irmão Winter e com meu padrasto
Ainda mais no quinto parágrafo: "queimou a face da avó com um fósforo aceso". Mentira
deslavada! Se ele tivesse dito "simulou queimar a face da avó com um fósforo já
apagado", teria falado a verdade, mas não é a verdade que o interessa. Se eu tivesse
queimado o rosto de minha avó com um fósforo aceso, como afirma Winter, certamente
haveria uma cicatriz comprobatória. Qualquer pessoa isenta que tenha tido suficiente
contato com minha avó Dermontina, poderá esclarecer se havia ou não qualquer cicatriz
na face dela que fosse devida a alguma queimadura. E não havia! Examinando os
retratos de minha avó, pode-se logo concluir a falsidade da acusação de Winter! Mentira
deslavada, confusão do diabo!...
Sexto parágrafo: "Quando o irmão se casou, Eric queria convencê-lo a 'dividir a mulher
com ele'". A pretensa acusação de Winter transforma-se aqui numa comédia ridícula. Eu
já havia 'dividido a minha' mulher com ele (a garota de programa Hilda Shanna, não
Marcinha) quando ele aceitou ir ao prostíbulo (seria melhor usar o verbo 'compartilhar' em
lugar do 'dividir') comigo e alguns amigos. Então, de meu próprio ponto de vista, não
estava lhe propondo nada que eu mesmo julgasse ser absurdo. Além disso, Winter era
naquela época – e o foi por muitos anos – adepto da chamada corrente política
anarquista. Ele foi durante mais de dez anos adepto do anarquismo, o que poderá ser
confirmado por muitos de seus amigos da época. E naquela ocasião Winter me mostrou
um texto sobre uma comunidade anarquista do passado, em que se destacava uma
curiosa relação tripla onde dois homens "anarquistas" compartilhavam uma mesma
mulher maritalmente. Winter ressaltava aquele casamento triplo, pra lá de anarquista, com
Sétimo parágrafo: "...e ligava para todos os nomes de homens que encontrava,
convidando-os a formar uma gangue para atacar mulheres sexualmente." Meu amado
irmão Winter omite aqui um fato absolutamente crucial: ele mesmo participou da tal
"gangue", ele e alguns de nossos amigos na época!... acho que já falei sobre tal episódio
neste livro. Pelo fato da primeira "ação" de nossa "gangue" (chamada de OMB -
Organizações Mão Boba) ter se realizado em plena luz do dia na rua mais chique e
movimentada do bairro nobre de Icaraí, deveríamos ter sido todos caçados como loucos
por policiais, e até por simples transeuntes... tal coisa não ocorreu justamente porque
nossa "ação" não era tão repulsivamente violenta ou tão abominavelmente criminosa
como o texto de Winter sugere. Como bom bacharel em direito, meu irmão mostra ser
mestre em distorcer a verdade conforme suas intenções...
Oitavo parágrafo: "Sem nenhum motivo, surrou um amigo do irmão, inclusive jogando-o
de cabeça contra um poste" Comentário: mentira e distorção dos fatos. O tal amigo de
Winter me ofendeu gratuitamente, me chamando de "viado" numa conversa que tive com
ele pelo telefone. Então houve um motivo! Mas também não se pode dizer que eu "surrei"
o rapaz, porque não foi isso que aconteceu! Eu simplesmente dei um empurrão no cara
que o levou a chocar-se contra um poste, mas a dita "surra" mencionada por Winter
consistiu tão somente nesse empurrão, ainda que tivesse sido um empurrão bem forte.
Segundo minha esposa Márcia, esse amigo de Winter guarda ressentimentos até hoje e
parece ter feito queixa contra mim, contribuindo com isso para que eu fosse internado.
Ainda no oitavo parágrafo: "Tentou dar facadas num cachorro na rua, mas o cão
conseguiu fugir". Imagine a cena: um rapaz empunhando uma faca e correndo atrás de
um cão em pleno calçadão da praia de Icaraí, sob a luz do dia... a falsidade da afirmação
de Winter é obvia!... Realmente eu saí de casa com esse intuito, mas é fácil entender que
tal tarefa seria impossível de se realizar em lugares abertos devido ao cão ser mais rápido
e mais agil que um ser humano. E essa impossibilidade atestava que, de forma
inconsciente e subconsciente eu não queria fazer isso de fato. Manifestar intenção em
realizar uma tal loucura apenas refletia a incapacidade de lidar com frustrações que me
era imposta pelo uso de drogas psiquiátricas regularmente receitadas para mim por meu
então médico Dr. Eugênio Lamy, a quem eu obedecia criteriosamente quanto ás
orientações sobre a dose e horário de tomar cada comprimido. Se alguém duvida que o
uso regular de haloperidol, tegretol e prometazina possa causar um tal estado de raiva e
frustração, recomendo que procure ler muitos dos posts de usuários de drogas
psiquiátricas no Orkut. Assinar uma comunidade direcionada a esquizofrênicos pode
ajudar a entender meu comportamento, bem como conversar francamente com
enfermeiros e enfermeiras que tenham trabalhado o suficiente em estabelecimentos
psiquiátricos para ver o grande estrago feito por certas injeções de flufenazina ou haldol
decanoato. O sujeito que toma essas injeções pode vir a tornar-se descontrolado e
violento se eixar de tomá-las; mas, por outro lado, continuar tomando-as levará o paciente
a desenvolver uma rápida perda de suas capacidades intelectuais.
Imagine, caro leitor, que haja um seu conhecido casado, sem filhos, que tem dado abrigo,
na casa do casal, a uma amiga de sua esposa e ao filho de 3 (três) anos dessa mesma
amiga. Imagine saber que esse seu conhecido é carinhoso com o menino (filho da amiga
de sua esposa) e que a amiga da esposa tem uma condição financeira significativamente
inferior além de aparentar ser lésbica e “gostar muito” da esposa. Imagine também que
esse seu amigo goste de ser chamado de pai pela criança de 3 anos...
Imaginou?
O que você pensaria, então, se lesse o texto seguinte, escrito pela mãe do tal amigo:
Em toda minha vida jamais tomei conhecimento de um texto tão dissimuladamente falso,
maldosamente perverso e insidioso quanto este. E é minha mãe! Quem conhece a
caligrafia dela reconhecerá imediatamente que foi Vanda Campos Guedes a autora do
texto. Nas circunstâncias da época em que esse texto foi divulgado, fez parecer que
minha esposa Marcinha houvera “revelado” a Vanda que eu, Eric Campos Bastos
Guedes, tivesse abusado de Luiz Antônio, um menino adorável de apenas 3 anos de
idade! Note o leitor que Vanda mostra de modo muitíssimo sugestivo que o que foi
“revelado” era algo especialmente vil e desonroso, pois minha mãe adjetivou: “terrível
revelação” e “revelação sórdida”. Também fez crer que a revelação deveria atingi-la de
modo particular (ou seja, era pessoalmente significativa) quando disse que o que foi
revelado por Márcia não a abalou como seria “normal”, isto é, como seria de se esperar.
Sugeriu desse modo malicioso e dissimulado que, além de ser uma revelação infame (que
era do conhecimento de Márcia, minha esposa, não por acaso a pessoa mais próxima e
íntima de mim entre todas) era algo que envolvia alguém muito próximo afetivamente de
Márcia e da própria Vanda. Seguiu-se um sacrilégio desavergonhado, onde Vanda ainda
põem o nome de Deus no meio ao usar as palavras e expressões tais como “Senhor”,
“Espírito Santo”, “Santíssima Vontade” e “Divina Providência”. A desfaçatez da víbora
ainda arroga ser considerada muito piedosa por seus leitores quando demonstra
misericórdia e compaixão de menininho Luiz Antônio de 3 anos, ao dizer: “Tenho muita
pena do Luiz Antônio”. E ao mesmo tempo em que mostra misericórdia, sugere de modo
muito claro que Luiz Antônio fora, de algum modo, uma “vítima” na estória da tal revelação
de Márcia. E quando Vanda disse que era como se ela já soubesse de tudo, procurava
mostrar, na verdade, que admitia que eu fosse capaz de cometer um tal crime
absolutamente infame e abjeto (abusar de um garoto de 3 (três) anos de idade). E se a
própria mãe admite isso, autoriza automaticamente todas as demais pessoas a admitir
isso também. Muito importante observar que em nenhum momento Vanda cita meu nome.
É um artifício que lhe dá o direito – depois de descoberta a falsidade do texto – de negar
ser isso mesmo, lhe permite dizer (será que ainda permite?) que tudo isso não passou de
um grande mal entendido. Não haver mencionado meu nome também dá ares de
credibilidade ao texto infame, pois uma acusação direta pode ser interpretada como uma
forma de tentar manipular o leitor. De fato, o leitor desavisado dessa verdadeira pérola da
calúnia e difamação é conduzido muito sutilmente a conclusão de que eu (filho de Vanda
e marido de Márcia) teria abusado de Luiz Antônio. E o leitor acaba por acreditar que
chegou nessa conclusão por ele mesmo(!), tal foi a aparente ausência total de
intencionalidade de Vanda em me acusar de qualquer coisa, destruir minha reputação e
jogar meu nome na mais imunda lama que se poderia conceber.
A propósito: jamais abusei de Luiz Antônio.
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