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} ; Pec ee Lélia Gonzalez em primeira pessoa 37 Nanny'’® A experiéncia comum dos descendentes de africanos na América pode ser apreendida e unificada pela amefricani- dade, uma categoria que, no longo processo de resisténcia, remete a construcao de toda uma identidade étnica. Nanny, guerreira e “mae” de seu povo na Jamaica, consti tui-se, como Zumbi entre nds, num dos pilares da ame: canidade. Brasil — por razdes de ordem geografica, histérico-cul- tural e sobretudo da ordem do inconsciente — 6 uma América Africana cuja latinidade, por inexistente, te- ve trocado o t pelo d para, ai sim, nomear o nosso). pais com todas as letras: Améfrica Ladina (cuja neurose cultural ‘7 >< tem no racismo o seu sintoma por exceléncia). Nesse contexto, todos os brasileiros (e nado apenas os “pretos” e “pardos” do IB- GE) séo ladinoamefricanos. Para entendermos as artimanhas do tacismo acima caracterizado, temos que nos reportar A categoria freudiana de denegacdo (Verneinung): € 0 “processo pelo qual 0 individuo, embora formulando um de seus desejos, pensamentos ou sentimento, até af recalcado, continua a defender-se dele, ne- gando que Ihe pertenga” (Laplanche e Pontalis, 1970). Enquanto denegacao dessa ladinoamefricanidade, 0 racismo se volta justa- es BS. Nanny. In: Humanidades, v. 17, ano IV. Brasilia: Universidade de rasilia-UNB, Pag. 23-25. s rosas negras ntra aqueles que, do ponto ot vi Etnico, so os teste. mente contra da mesma, tentando tird-los de cena, apaga-los q, munhos vivordo para os especialistas as andlises lacanianas as mapa. Dea constitui um meio de grande potencial heuristi, ladinidade aha se volta para a categoria de amefricanidade co), nosso oO! orque ela nos permite ultrapassar limitacées de ca. Exatamente pa ‘linguistico e ideoldgico, abrindo novas perspec. rater cerTelhor entendimento dessa parte do mundo onde sk yee Een ‘a América como um todo (austral, central, insular e se sf setentrional). u cardter geografico, ela designa todo um Para além de se’ a gaa isté sso histérico de intensa dindmica cultural (resisténcia, aco- de novas formas) referenciada proce: ut \ dir modacio, reinterpretagao, criagao de n Y em modelos africanos e que remete a construcdo de toda uma identidade étnica. Desnecessdrio dizer que esta categoria esta intimamente relacionada aquelas de pan-africanismo, negritude, blackness, afrocentricidade, etc. Seu fator metodoldgico, a nosso. ' ver, estd no fato de resguardar uma unidade especifica, historica. mente forjada no interior de diferentes sociedades que se forma- ram numa determinada parte do mundo. Em consequéncia, o ter- mo amefricanas/amefricanos nomeia a descendéncia nao s6 dos africanos “gentilmente” trazidos pelo trafico negreiro, como da- queles chegados 4 América antes de seu “descobrimento” por Cristévaéo Colombo (Ivan Sertima, 1976). a presenca amefricana constitui marca indelével na elaboracao do perfil chamado Novo Mundo, apesar da denegacdo racista que habilmente se desloca, manifestando-se em diferentes niveis (pol{tico-ideolégico, so- cioeconémico e psicocultural). _£ €na chamada América Latina (muito mais amerindio- amefricana do que outra coisa) que essa denegacdo se torna am- plamente verificavel. Como sistema de dominagao muito bem es- tera iliteg na regido demonstra sua eficacia ao veietar gem” ete. Em out integragdo”, “democracia racial”, mss ea : cessidade de um mi egies pees eee paistorica dos paises eto a de reflexdo sobre a formacao Tent sobre esse modo de peer dares chegar a algum enters A formacio hi a agdo das desigualdades aCe node correr de uma luts a Orica de Espanha e Portugal se ce ea Plurissecular (a Reconquista) contra a Pre 336 a —_al » inv . af que professavam, afinal, as tropas que sla as! 41 nao s6 eram majoritariamente negras (6700 mouros e grabes), como foram comandadas pelo negro Gabel ae 300 parik-bin-Ziad (a corruptela de Gabel Tarik resultou ee praltar, termo que passou a nomear o estreito até entaio conn ‘do como Colunas de Hércules). Por outro lado, sabemos jo 80 0S soldados como 0 ouro do reino negro de Ghama tAftica ocidental) tiveram muito a ver com a conquista moura na Espa- nha (ou Al-Andalus). Vale notar que as duas tltimas dinastias que governaram. Al-Andalus eram precedentes da Africa Ociden- tal, a dos Almordavidas e a dos Amoéhadas. Foi sob o reinado des- tes tiltimos que nasceu, em Cordoba (1126), o mais eminente fi- jgsofo do mundo islamico, o aristotélico Averrées (Chandler, 1987). desnecessario dizer que, tanto do ponto de vista racial quando civilizacional, a presenga moura deixou profundas mar- cas nas sociedades ibérias (como, de resto, na Franga, Italia, tec.). Por af, entende-se porque o racismo como denegacao tem, na América Latina, um lugar privilegiado de expressao. Vale notar que as sociedades ibéricas se estruturaram a partir de um modelo fortemente hierarquico, onde tudo e todos tinham seu lugar determinado (atente-se para fato de que até o tipo de tratamento nominal obedecia As regras impostas pela hierarquia). Importante ressaltar que mouros e judeus, enquanto grupo étnicos diferentes, eram sujeitos a violento controle social € politico. As sociedades que se constitufram na chamada Améri- ca Latina foram as herdeiras histdricas das ideologias de classifi- cacdo social (racial e sexual) e das técnicas juridicas e adminis- tativas das metrépoles ibéricas. Racialmente estratificadas, dis- Pensaram formas abertas de segregacio (e isso é valido, também, Para aquelas de colonizac&o francesa), uma vez que as Mera quias garantem a superioridade dos brancos enquanto ee 05 minante (Da Matta, 1984). A expressdo do humorista Mill6r Fer- nandes, ao afirmar que “no Brasil nao existe racism Poel ehed negro reconhece o seu lugar”, sintetiza 0 que acabamos de expor. mente pela religiao invadiram a Ibéria . rmaram E foi no interior das novas sociedades que = ie que no Novo Mundo (sejam de segregacdo aberta ou dis ey eater S 4 amefricanidade floresceu e se estruturou. Ja na €P 337

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