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e Qg) A DESCONSTRUCGAO DE JACQUES DERRIDA Marcos Siscar APROBLEMATICA ESTRUTURALISTA, Otermo desconstrugio (déconsinuction), tal como € conhecido pelos tedricos da literatura, provém dh obra do filésofo franco-argelino Jacques Derrida (nascido em 1930 em El-Biar, Argélia). A palavra aparece pela primeira vez na obra Gramatologia, publicada'em 1967, como maneita de traduzir e adaptar 205 propésitos do autor as palavras do filésofo alemio Martin Heidegger Destruktion ou Abbau. Evitando, nesse processo de leitura ¢ tradugio, o uso da palavra “destruigio”, a desconstrugio procura distinguir-se de uma operagio de aniquilagio que estaria talvez mais prdxima da “demoligio” proposta por Nictesche. A desconstrugio nfo propée um movimento negative de destruigio, de desarticulagio ou de decomposi¢io do pensamento, apesar da notoriedade jornalistica de que goza essa interpretacio do termo. Como explica no texto “Carta a um amigo japonés", Derrida procurava com essa palavra designar “uma operacio relativa & estnitura ou 3 arquiletura dos conceitos fundadores da ontologia out a metafisica ocidental” (1987, p. 388). A desconstrugio apresenta-se, assim, como uma leitura da analitica existencial heideggeriana, herdeira da fenomenologia de Edmund Husser|, instalando-se, 20 mesmo tempo, no coragio da problemiética esruturalista, propriamente dita. Curiosamente, a0 ‘mesmo tempo em que o Estruturalismo se estabelecia institucionalmente, tanto na critica litersria quanto em outras ciéncias humanas, Derrida (1967b) propunha uma critica ao conceito de estrutura, No livro A Beritra € a Diferenga, 0 autor constata uma “invasio estruturalista”, afirmando que na questio da estrutura est em jogo muito mais do que um fendmeno de moda. Para ele, a opgio pelo conceit ¢ pela ferramenta analitica da estrutura cristaliza maneiras de pensar que sio bet mais ntigas. Pode-se dizer, portanto, que a proeminéncia da problemética estruturalista foi o ponto de partida para que Derrida desenvolvesse uma anilise da nogio de estrutura e a situasse no contexto de uma vasta € rigorosa abordagem de suas raizes e ressonancias em toda a tradicZo filoséfico-critica, Para Derrida, a teoria estruturalista, apesar de procurar romper com os discursos da verdade ¢ da centralidade, quer seja ao retomé-los em parte, quer seja a0 rejeité-los em bloco, acaba por manter a suposigio de uma origem e, de certa maneira, a funcionalidade estivel de um centro, Nesse sentido, trata-se de constatar que, apesar da radicalidade do gesto anti-metafisico, questionador dos fandamentos, o salto para fora da metafisica problemético, pois “nio hi henbum sentido em se abandonar os conceitos da metafisica para abalar a metafisica” (DERRIDA, 1967b, p. 412). A partir da leitura de conccitos desenvolvidos por Saussure, Lévi-Strauss ¢ Foucault, Derrida aponta para a quase inevitivel duplicagio (redoublement) metafisica efetuada Pelo gesto de ruptura anti-metafisico. Ao basear-se numa idéia de estrutura como sistema de relagdes diferenciais que eliminariam a necessidade da origem, opondo-se a0 jogo regrailo ¢ centrado caracteristico da tradig&o filoséfica, o gesto estrutural se realiza no elemento de sua prdpria impossibilidade como origem. A leitura que Derrida. faz, do Estruturalismo funda-se, portanto, em uma interpretagio do tratamento dispensado a idéia do jogo da estrutura ¢ nio pode ser reduzida 3 proposicio do abandono dos referenciais légicos da tradicio. O “jogo livre”, ou jogo sem fundamento assegurado, freqiientemente interpretado como uma espécie de auséncia gencralizada de regras (fiee play, segundo a expressio americana popularizada), contribuiu para enorme mal-entendido em relagio a uma suposta indeterminagao do sentido pregada pela desconstrugio. E preciso compreender esse Jogo, nio como tentativa de demolicio de qualquer possibilidade de sentido, o que estaria mais proximo de um certo trago estruturalista, porém, mais exatamente, como maneira de descrever a Jogica conflitante do discurso da estrutura, uma das variadas manifestagées da crenga na presenga cin hosso penisamento ocidental. A “determinagio do ser como presenca” caracteriza a forma matricial da metafisica ocideutal, cujas variantes seriam a esséncia, a existéncia, a substincia, o sujeito, a transcendentalidade, a consciéncia, Deus, 0 homem etc, A crenga nessa presenga, nessa manifestagio presente da coisa, inclusive do préprio sujeito do discurso (0 que determina a idéia de razio e consciéneia), seria wma forma de o pensamento garantir sua estabilidade ¢ a centralidade de seu diger. O pensamento ocidental, para Derrida, € um logocentrismo, resultado do privilégio e da centralidade da razio entendida como presenga. Ao conceito de presenga, ligado a identidade, Derrida articula a palavra différance, sonoramente idéncica & palavra francesa diffrence (diferenca), pofém comportando um “erro” inaudivel na prontineia da palavra, um “a” no lugar do “e” (diférance € traduzida em portugués de diversis maneiras: diferanga, diferéncia, diferincia, diferanga). A alteragio grifica, que nio configura exatamente um neologismo, escapa a ordem do sonoro e do sensivel, inscrevendo-se na logica derivativa da escritura. Com essa dramatizagio retérico-tedrica, Derrida busca mostrar que a diferenga em relagio a si é constitutiva do pensamento e, mais do que isso, que nio hi como relletir sobre essa diferenga sem inscrevé-la na mesma légica do desvio em relacio ao sentido préprio, sem duplicé-la incessantemente. A palavra diffrance procura fazer juz a essa constatagio, inserindo a diferenga derivativa da escritura na prépria formulagio do conceito; nfo s6 no scu sentido, ms inscrita no préprio corpo da linguagem. ALOGICA DO SUPLEMENTO ‘Nessa focalizagio de problemas abrangentes do pensamento, temos 0 questionamento da idéia de um sujeito que se sente e se percebe, de uma voz que ouve seu préprio murmiirio, 0 logocentrismo liga-se, historicamente, a um fonocenirismo, a um privilégio da voz, do “murnnirio” da consciéncia, da sensagio, da natureza como elemento que assegura a autenticidade da experiéncia. A propdsito, em Gramatolagia,, Derrida (1967a) analisa o texto € 0 pensamento de Jean-Jacques Rousseau, destacando 0 processo de exclusio, que nele se opera, da escritura como attificio ¢ perda cla presenga. Para Rousseau, como mais tarde para Lévi-Strauss, a escritura é um fendmeno da cultura, No sistema de pensamento rousseaufsta, em consonincia com um privilégio que se prépria filosofia platOnica, a voz esté préxima da pureza ¢, conseqiientemente, da legitimidade 152 0) A orsconsraicio ve sacques enero conferida ao natural; a escritura aparece em Rousseau, por outro lado, como um suplemento da voz emsua auséncia e, como tal, suspeita de inautenticidade. O gesto da desconstrugio consiste aqui em retomar a nogio de suplemento ¢ analisar suas conseqiiéncias no texto:de Rousseau, atentando para os contextos € relacSes por ela instaurados. Surpreendentemente, do ponto de vista do sistema de pensamento de Rousseau, Derrida encontra ali momentos em que o autor estabelece a necessidade, geralmente culposa, do suplemento a fim de suprir uma falha da natureza. O exemplo mais claro € 0 da cena em que Rousseau explica porque se tomon escritor, afirmando que 0 ocultamento provocado pela escritura é necessario para se mostrar averdade do sujeito que faz suas Confisses: “Eu presente, nfo se saberia o que valho”, escreve Rousseau. O suplemento, necessirio para preencher a lacuna do natural, também aparece no momento em que 0 auto-crotismo impée-se sedutoramente como maneira de suprir 0 contato com @ sexo ausente. Vemos, nessa anélise, de que maneira 0 que € condenado como destruigio da presenga (a escritura, 0 auto-erotismo) é reabilitado subrepticiamente como estratégia para se reapropriar daquilo que a experiéncia perdeu. O que era veneno, mostra-se também remédio: um. pharmckon, na ambigua palavra usada em Platio ¢ analisada por Derrida, em A Farmdcia de Platao (19722). O suplemento torna-se assim 0 elemento a partir do qual se operam as aporias, os conflitos insoliveis do pensamento. A escritura é um suplemento, na medida em que ela reiine em si as caracteristicas de substituta da presenca (origem da perversio, exterioridade do mal) © as caracteristicas da adigo produtiva (sorte da humanidade, positividade da cultura) Nessa leitura' do filésofo € romancista Jean-Jacques Rousseau, Derrida nota que a origem € concebida como aquilo que se afirma e se perde concomitantemente, que a imediatez € sempre jf, desde 0 inicio, detivada. Isso se aplica a prépria intencionalidade da escritura que é sempre suplementada por algo mais, algo menos ou. coisa diferente do que se quer dizer. Vemos, exemplarmente, como 0 texto de Rousseau afirma de maneira explicita uma condenagio a escritura, mas a pressupde ¢ a reafirma continuamente, em espécies de “pontos cegos” na perspectiva do pensamento. Para Derrida, a leitura nio deve ter como ilusio o respeito'to contetido dito intencional de um texto, ainda que um dom{nio instriimental do’ que convencionalmente se considera o contetido (tistérico, convencional etc.) de tal texto seja fundamental; no hé intencionalidade do. texto, contetido unfvoco daquilo que ele quer dizer. Por outro lado, e de maneira paradoxal, a leitura também nio pode transgredir o texto a partir de referentes exteriores (metafisica, historia, psicologia), impor-Ihe uma verdade a partir de um conhecimento exterior; ou seja, no ha um fora do texto (“il n'y a pas de hors texte”), no h4 referente ou significado transcendental. Na verdade, € por meio das cumplicidades e dissondncias entre o sistema de pensamento e a realizacio dacseritura de determinado autor que temos a revelacio de uma textualidade mais ampla, que se afirma e que se nega ao mesmo tempo. O ponto cego, 0 néo-visto, € aquilo que abre ¢ limita a visibilidade (0 sentido) de um texto. O seu sentido se localiza, assim, em urn lugar intermediério 0 hen, diria Derrida (1972a) em sua andlise de Mallarmé, em La Dissémination — e aporeticamente indecidvel. Na medida em que 0 sentido de um texto no coincide com aquilo que parece ser a sua lteralidade ou intencionalidade, toda leitura de texto pode ser considerada como uma producio de sentido, Assim sendo, a desconstrugio € um gesto produtor de sentido, mas uma produgio que tem como particularidade a ativagio ou a aceleracio do movimento conflitante no qual o prdprio texto e sua leitura esto implicados. A esse movimento, Derrida preferiria mais tarde dar o nome de duplo pesto ou double bind, usando a expressio inglesa. A desconstrucio interpreta o texto como um double bind no qual esti em jogo a prépria (im)possibilidade do sentido ou da experiéncia. Pensada dessa maneira, dando énfase a importncia da singularidade do ato de leitura ea suas trocas com o préprio texto, a desconstrugio dificilmente poderia ser tomada como ponto de apoio para o estabelecimento de um método de andlise. LITERATURA E VERDADE A centralidade do problema da origem nos faz. considerar que aquilo que esti em jogo no discurso (incluindo-se af o literdrio) € sua relagio com a fundagio do sentido, sua relagio com a 153

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