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A

DOR DO
AGORA
Textos: Thais DSR
Ilustração: Juliana DSR
identidade

Por muito caminhei só.


No isolamento de meus afetos me via
presa em um desejo indesejável.
No erro de meus atos, na insistência de
cometê-los e na vontade de fazer e ser
cada vez mais.
Primeiro veio a negação. Eu nego você. Eu
tranco você e assim você não existirá. Pelo
menos ninguém saberá que te carrego em
cada passo, em cada fala, em cada ato. Não
toque em minha mão, você sabe no que está
tocando? Volte para dentro desse buraco
pulsante de erros. Fique ao menos quieta,
por favor. Não fale aqui, não agora. Não
quero te ver. Não quero que seja parte disso.
Depois veio a aceitação. Não conseguia mais te esconder.
Para onde eu ia lá estava você, me olhando e me
entregando. Percebi que ou te abraçava como amiga e
seguíamos juntas ou eu morreria por tentar destruir o que
me dava vontade de viver.

Por fim, chegou o orgulho. Quando


finalmente consegui te olhar nos
olhos e ver o quanto você era
linda. Que idiota era em te repelir.
De fato, você é a melhor parte que
me constitui. Errado são eles. E
caraca, quase nos enganaram! Você
é beleza. É amor. É entrega. E
juntas somos resistência.
turing

A sensação é a do mais profundo isolamento. Nem sempre


Com medo de mostrar a face primeiro fortes,
mostramos o que construímos com nossos
músculos, ossos e sangue de pecadores. A
tentativa é expor que algo bom vêm de nem sempre
lugares de onde vocês não esperam, de onde de pé,
vocês não querem que venha, mas que vocês
sabem que precisam. E querem tanto que
enquanto produzimos nos deixam viver. nem sempre
Felizmente, quer queria, quer não, nós com vontade
existimos. A natureza não barra nossa de viver.
existência, e mesmo com toda a vontade
antagônica dos que julgam, aqui
permanecemos.
No entanto, apesar das tentativas
contrárias, muitos de nós sobrevivem para
contar nossas histórias, para nos tirar do
anonimato e dar voz a quem queria falar
mas que teve sua voz arrancada como num
grito que não sai da garganta.
As vezes vocês batem e nós caímos, mas
não somos os únicos a perder. Nessa
batalha em que nós morremos, vocês se
atrasam, atrasam a vida, a humanidade, o
desenvolvimento social e a justiça.

Que nos matem e fiquem com o fruto de nossas genialidades na


(in)consciência de que o que usam está impregnado com nosso suor, com
nosso prazer e com o nosso gozo.
resistências
Quanto mais me oprimem mais subversiva me torno
Sua repressão não me para
Nossa luta não é de hoje, carregamos o sangue de muitas.
Não é costume a gente aparecer nos livros
De loucas a desqualificadas
De tudo já fomos chamadas
Campo de concentração. Hospício. Prisão.
Nada disso cala nossa voz:
_ Não! Não! Não passarão!
a força revolucionária

De tempos em tempos
(re)surge uma força
impensável que move os
corpos.
As vezes ela se manifesta
mais e se torna tão forte que
se pode escutá-la em
qualquer canto do mundo.
Seu grito de liberdade nem
sempre sai completamente, as
vezes é abafado e para na
garganta. No entanto, quanto
mais tempo fica presa mais
forte sai quando finalmente
se liberta.
Por tempos ninguém escuta mais falar nela,
pensam que está morta. Então se torna mito, Gosto mesmo é quando consigo senti-la nas
lenda, coisas das gerações passadas. Porém, outras pessoas, ficamos conectadas por ela, por
enganasse quem acredita que o curso da mais que não se possa ver.
história para, porque há um espectro que ronda
muito mais que a Europa e há muito mais tempo
que se possa imaginar. E antes.
Ela estava no corpo das bruxas hereges, dos
negros fujões, das mulheres quilombolas, na
resistência indígena, e também está aqui, me
habitando.
Tem dias que posso senti-la. Tem dias que está
tão forte, mas tão forte que as coisas ao meu
redor se transformam.
Esse espírito nunca morre porque Coragem para acreditar
ele habita em todas nós. Enquanto que o que se vê pode não
uma de nós estiver em pé, então ser assim. Coragem para
estaremos todas lá. Não precisa acreditar no que se projeta
e deixar a força dar o
ter fé, precisa ter coragem. grito que acorda a
vizinhança inteira, que
desloca o mundo, que muda
o mundo.

Essa força que nos acompanha nos momentos mais inesperados. Que está lá até
quando ninguém acreditava que estaria. Essa força que se chama revolução!
Ódio habitado
Todo ódio que habita em mim me coloca a caminhar. Me
movo porque a raiva não me deixa quieta. O corpo
estremecido não para porque isso nunca nos foi uma
opção. Não ouvi os tiros, nem vi seu sangue escorrer
pelo centro da cidade, talvez por isso só me lembre de
sua voz que ecoava em minha cabeça desde agosto.
Agora, nesse momento em que habito, duvido de tudo
que chega a mim.
Rejeito qualquer proposta de esperança em seu nome.
Trocara toda multidão, toda organização, toda palavra
de ordem, por você viva. Ninguém dá conta nesse
horizonte de suor. E esse sentimento que iremos suar
por muito tempo está impregnada sob minha pele e fede.
Mas estamos aqui. Talvez te orgulhasse. Por isso
segurei meu cartaz até meu ombro não aguentar mais.
A dor ficou em forma de memória muscular dos braços
machucados de quem precisa escrever em quadro
branco.
também não vi — mas escutei de quem viu e
me disseram que era o fim do mundo. Talvez
para quem sinta tudo seja melhor não ver
nada. No local onde estava não chovia, mas
também parecia o fim do mundo. É sempre o
fim do mundo pra quem morre- já disse isso
em sala de aula. Não quero usar metáforas
para morte, não tenho esse direito e nem
essa força. Aqui, sem ousadias, só me resta
ser sincera, e de fato não morri naquela
Naquela noite, embora meu corpo projetasse noite, foi você que se foi. Foi sua vida
a todo momento, o vômito não veio. Desde negra, periférica, lésbica que foi roubada.
então sinto que tem algo preso entre meu Mas como não dizer que toda negra, lésbica
estômago e minha garganta. Naquela noite e de periferia não sentiu algo se indo
toda mulher de luta sentiu algo errado. Não também? Naquela noite mesmo com toda
tinha sol, o céu escuro já comandava sobre natureza gritando para não sairmos de casa
nossos tetos, transmitindo o medo que todas era impossível permanecer trancadas.
sentiram aumentar quando as notícias
foram chegando. Então veio a chuva, que eu
A rua nos chamava sem propósito, e se de som. E era mesmo. Sem idealizações, todas
queriam o silêncio do amedrontamento mal nós temos as nossas limitações e os nossos
sabiam que despertavam — via dor — todo temores e o maior erro seria te
desumanizar. Você era humana, de carne e
ódio que aniquilaria osso, passível à
qualquer medo. violência, passível à
Lembrei daquela frase morte. Dos seus
que gostamos muito de temores eu
proferir: “o compartilhava alguns.
verdadeiro Também tinha medo da
revolucionário é minha mãe saber sobre
movido por grandes meu amor por
sentimentos de amor.” mulheres. Essa dor de
Deve de ter uma não poder
verdade nisso, mas ali, transparecer nossos
naquele momento eu afetos. A queimação no
era movida por puro peito de não poder
ódio. A raiva perante olhar, não poder tocar.
a injustiça, a dor sobre toda perda, a É com rejeição que lidamos. Mas também com
angústia de saber que nada será suficiente coragem de ser o que somos e resistir como
porque nada te trará de volta. Você era a resistimos.
Por isso sigo na luta de contar sua história
melhor de nós — disse alguém em um carro e fico feliz de não ser a única.
Por isso, mesmo sem dormir fui nas escolas A gente está tentando, eu juro que estamos.
falar sobre você. É uma tarefa coletiva A contagem dos dias permanece, e depois de
agora, sempre foi. No dia seguinte outra voz um mês ainda estamos aqui falando de você,
ecoava do carro de som, dessa vez, de nossa sentindo você pulsar em cada lágrima que
companheira. Só se ouvia ruídos continua a cair. Quantas pessoas não te
estridentes, estava rouca e continuava a conheciam e agora te chamam de Mari? Para
falar, a gritar, a berrar! Do chão onde elas e para quem quiser ouvir eu digo que
estávamos o que se escutava era seu fígado, não nos contentemos com justiça pouca, a
seu estômago, eram suas vísceras que única digna de seu nome é que a faremos
repetiam: eu sou porque nós somos — e com a revolução, quando construirmos
outro mundo, um sem supremacia branca,
embora quase não houvesse som todos os sem patriarcado, e sem capitalismo.
braços se arrepiaram porque todos os
corpos sentiram. Então era suor e arrepio.

nós continuaremos resistindo

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