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Brasília-DF.
Elaboração
Produção
Apresentação.................................................................................................................................. 4
Introdução.................................................................................................................................... 7
Unidade I
Fundamentos Da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung....................................................... 9
Capítulo 1
Introdução à psicanálise freudiana................................................................................ 11
Unidade iI
Conceitos Psicológicos............................................................................................................... 38
Capítulo 1
Principais conceitos da psicologia analítica................................................................ 40
Unidade iII
Processos Psicopatológicos........................................................................................................ 74
Capítulo 1
Os complexos nas psicopatologias e outros temas correlatos................................ 75
Unidade iV
As diferentes formas de atuação.................................................................................................. 79
Capítulo 1
Desdobramentos na práxis da psicologia analítica ..................................................... 79
Referências................................................................................................................................... 86
Apresentação
Caro aluno
Conselho Editorial
4
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa
A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.
Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.
Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.
Atenção
5
Saiba mais
Sintetizando
6
Introdução
Minha vida é a história de um inconsciente que se realizou. Tudo o que nele
repousa aspira a tornar-se acontecimento, e a personalidade, por seu lado,
quer evoluir a partir de suas condições inconscientes e experimentar-se
como totalidade. A fim de descrever esse desenvolvimento, tal como se
processou em mim, não posso servir-me da linguagem científica; não
posso me experimentar como um problema científico.
(JUNG, 2002, p.19)
Estamos iniciando a disciplina Psicanálise para Carl Gustav Jung. Desse momento,
em diante vamos imergir no trabalho complexo, e não raramente, incompreendidos
de Carl Gustav Jung. Mas, a incompreensão faz parte mediante a grandeza de um
conteúdo que deve ser esmiuçado, explorado e saboreado. E não será jamais a
exaustão, pois a abordagem desenvolvida por Jung nos remete a uma amplitude de
temas inesgotáveis.
Para compreender a Psicologia Analítica e o próprio modus operandi do Dr. Carl Gustav
Jung, faz-se necessário incorrer por uma breve revisão acerca de alguns conceitos
teóricos da Psicanálise e da própria relação entre Sigmund Freud e Carl Gustav Jung.
Figura 1.
Fonte: <http://www.deldebbio.com.br/wp-content/uploads/2013/01/freudjung.jpg>.
Jung foi uma das pessoas mais eruditas do seu tempo. E ele expressou toda essa erudição
em uma obra vasta, que englobou e engloba vários campos do conhecimento humano.
Como a Psicologia, a Religião, a Mitologia, o Folclore, o Cinema dentre outros campos.
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Ao descobrir a psique como um campo de atuação da personalidade de forma múltipla,
Jung provocou uma ruptura com o pensamento ocidental que, em consequência, tornou
seus conceitos de difícil compreensão – ou pelo menos essa é a forma como sua teoria
foi rotulada. Não remete a uma verdade absoluta.
Nossa disciplina busca, acima de tudo, promover a interação entre tutor e cursista e a
troca de vivências, materiais e expectativas, ou seja, será um momento de profunda
interação entre nós. Através de vídeos, dos tópicos no ambiente virtual, fóruns de debates,
dentre outras possibilidades e desdobramentos dessa abordagem teórica fantástica.
Objetivos
»» Compreender os fundamentos da Psicologia Analítica desenvolvida por
Carl Gustav Jung.
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Fundamentos Da
Psicologia Analítica Unidade I
de Carl Gustav Jung
Figura 2.
Fonte: <https://www.biography.com/.image/ar_1:1%2Cc_fill%2Ccs_srgb%2Cg_face%2Cq_80%2Cw_300/
MTE5NTU2MzE2MjY4NjkzMDAz/carl-jung-9359134-1-402.jpg>.
A contribuição de Jung para Psicologia é gigante, de modo geral, não é ao acaso que
ele seja o segundo nome – logo após o próprio Freud – mais citado quando o tema
abordado é Psicologia.
Dr. Jung morreu em 1961 e deixou uma vasta obra, que contribui até os dias atuais – de
uma forma muito rica e também plural para a Psicologia e para a análise do mundo no
mundo que temos hoje.
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UNIDADE I │ Fundamentos Da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung
o homem consiga se situar de uma forma razoável dentro do mundo no qual ele está
inserido.
Então, a consciência estaria para tudo aquilo que é vívido, identificável, memorável
para o humano. Já o inconsciente estaria em tudo o que foge a esse conceito. Ou seja,
tudo aquilo que participa da nossa vida, tudo aquilo que faz parte do que somos; mas
que não temos uma compreensão tão direta, tão formal – como temos dos conteúdos
da consciência.
Jung desenvolveu um método interessante, mas vamos ver esse método e os demais
conteúdos de nossa disciplina ao longo do nosso caderno de estudos e pesquisa.
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Capítulo 1
Introdução à psicanálise freudiana
Há também quem imagina uma sala sombria, com decoração clássica e um divã. Atrás
do divã encontra-se alguém calado e de aspecto severo, fechado. Nada de sorrisos,
expressão facial inexpressiva, distanciada.
Fonte: <http://2.bp.blogspot.com/-WJEV6G3y7Ls/Ubeoqi_yxCI/AAAAAAAAAk8/-vJO_icPgJY/s400/417850_10200737857756194_1
756554284_n.jpg>.
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UNIDADE I │ Fundamentos Da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung
Muito desse imaginário coletivo faz parte do legado deixado pelo pai da Psicanálise,
Dr. Sigmund Freud (1856-1939).
(Sigmund Freud)
Em 23 de outubro de 1896, Jacob Freud morreu em Viena, aos 80 anos. Seu filho
Sigmund ficou, profundamente, abalado. As anotações, cartas e diários sempre foram
uma constante na vida do pai da Psicanálise. Deixamos como uma sugestão de leitura,
acerca da vida de Freud o livro de Peter Gay intitulado “Freud – uma vida para o
nosso tempo”.
Mitos e verdades, a Psicanálise está impregnada deles. Entendemos que a melhor forma
de elucidarmos a ambos é mergulhando em nossas pesquisas.
Dito isso, vamos retornar a considerações desse momento da perda do pai, vivenciada
por Freud. Quando ela relata que “sinto como se algo fosse me arrancado”.
A morte do pai reavivou o passado de Freud de forma contundente. Sua infância vinha
à memória em um fluxo de sonhos perturbadores. E lembranças quase esquecidas.
Diante dessa turbulência, Freud criaria uma tese mudaria para sempre conceitos
e ideias.
Freud acreditava que o ser humano era um animal em conflito. Não somos nossos
senhores. Ao contrário disso, grande parte de nossa vida é guiada pelo Inconsciente
que desconhecemos.
É uma ideia assustadora. Afinal, ela desafia todos os nossos desejos de afirmar nosso
livre arbítrio e racionalidade.
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Fundamentos Da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung │ UNIDADE I
Desejos inconscientes, lapsos verbais, impulsos reprimidos. Freud criou uma linguagem
para nossos medos, sonhos, nossos segredos mais íntimos e pesadelos mais tenebrosos.
Hoje isso é comum, porque as ideias freudianas fazem parte da nossa linguagem. “Você
é defensivo. Está racionalizando. Você está em conflito.”.
Na compreensão de Freud sobre a forma como a mente se divide, as formas pelas quais
travamos uma guerra interior mudam a concepção da natureza humana e mental.
Como disse, certa vez, Freud passou a vida enfrentando o demônio. O demônio da
irracionalidade. Mas, todas as suas crenças surgiram das descobertas que fizera quando
jovem, na virada do século 20. Quando aprendeu que para lutar com o demônio dos
outros teria de enfrentar o seu.
Sigmund Freud, o mais velho de sete filhos, cresceu em Viena. Ele conheceu os palácios
suntuosos, as ruas modernas, os parques e mercados locais. Destarte, Freud era
indiferente ao clima de animação. Enquanto, alguns sonhavam com champanhe e
valsas, o jovem Freud sonhava com a fama.
Em retrospectiva...
Em 1877, Sigmund Freud era um jovem ambicioso que planejava se dedicar à ciência.
O homem que um dia exploraria o tumultuado universo da mente, os desejos, sonhos,
ansiedades e impulsos, começou estudando a anatomia do cérebro.
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UNIDADE I │ Fundamentos Da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung
Fonte: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/e/ea/Ernst_von_Bruecke.jpg/150px-Ernst_von_Bruecke.jpg>.
Quarenta anos mais velho que Freud, Brücke foi o primeiro de vários homens que ele
respeitou e/ou imitou antes de seguir o próprio caminho.
Brücke era ríspido e muito exigente com seus alunos. Freud sentia por ele admiração e
medo, sentimentos nutridos por um pai – simbólico – inteligente e exigente.
A difícil decisão
Freud não possuía condições econômicas casar com Martha – e retornaremos a esse
tema mais adiante. Estudante de parcos recursos, ele ainda morava com os pais e não
poderia sustentar uma família.
Sem perspectiva de ganhar a vida como cientista e desesperado para se casar com
Martha, Freud tomou uma decisão difícil. Seis meses depois de conhecê-la ele sacrificou
as ambições cientificas pela mulher que amava. Decidindo ser médico.
Brücke conversou com ele, e disse “você não pode viver disso, meu jovem”. Se Brücke
tivesse pago os salários dele, nenhum de nós teríamos conhecido Freud.
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Fundamentos Da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung │ UNIDADE I
Ele raramente via Martha. Ela havia se mudado com a família para Hamburgo, no norte
da Alemanha, longe de Viena.
Tomado pela insônia, ele lia até tarde da noite Cervantes, Goethe, Shakespeare e escrevia
longas e apaixonadas cartas de amor à Martha, diariamente.
Ela foi o seu primeiro amor e Dr. Freud era muito atencioso e ardente.
Quero tanto ouvi-la falar, e calar sua boca – de vez em quando – com
um beijo para fazê-la parar.
Freud para Martha
Pesquisas...
Freud reclamava de depressão e falta de energia. Freud não anteviu que a cocaína
viciava. Ele encontrou algo “mágico”, que melhorava seu humor e lhe dava uma energia
incrível. Parecia ter descoberto o elixir da vida.
De acordo com Kaplan e Sadock (1993), em um dos seus episódios de depressão grave,
Freud relata que uma pequena quantidade da substância fez milagres em seu quadro
geral. Chegando a descrever como se estivesse “nas alturas”.
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UNIDADE I │ Fundamentos Da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung
Ela ganhou uma bolsa para estudar com um dos maiores neurologistas da época. No
auge da fama, Jean-Martin Charcot era chamado de “Napoleão da Neurose”.
Freud nunca foi psiquiatra, em Fadiman e Frager (1986), isso foi esclarecido. Ele era
neurologista. Um médico de família, digamos assim, aos moldes dos que iam na casa de
seus pacientes e cuidavam de todos os membros da família.
A Teoria de Freud surge do contato com a histeria. Essa foi uma questão fundamental,
além dos debates e discussões acerca da histeria que precedem a Freud. Remontando à
Grécia Clássica nos atendo à chamada Antiguidade helênica, principalmente em Atenas
nos séculos V e IV a.C. (antes de Cristo). Ou seja, a Grécia de Platão, de Sócrates, de
Aristóteles na Filosofia e de Hipócrates na Medicina.
A partir de Hipócrates, a Medicina clínica –tal como se entende ainda hoje – cria a díade
médico/paciente, constituindo como modelo de valor supremo a observação do corpo.
Não vamos ousar a falar em surgimento da Medicina científica, porém, é documental
que nesse contexto histórico cultural a Medicina se afasta da conotação de magia.
Aqui nesse momento, advém referências ao tema para o qual direcionamos nosso
interesse. Dentre os 72 livros hipocráticos – dos quais apenas alguns foram
comprovadamente escritos pelo próprio Hipócrates, segundo Nahoum (1989) – é
fornecida a descrição do corpo feminino, tal qual o olhar médico, reforçando, o olhar
masculino, o olhar do homem.
Devemos observar que esse olhar não era como um olhar do que era visto, mas sim do
que era imaginado. Afinal a observação não era direta. Isso só foi possível, mais tarde,
quando as necropsias, finalmente, permitiram ver o corpo feminino como realmente
era. Contudo, as representações fantasiosas permaneceram. A mulher era vista como
inferior, como um ‘homem invertido’ (visão de Galeno), com os órgãos de um homem,
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Fundamentos Da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung │ UNIDADE I
dentro de si. Reforçando o conceito de que homens medrosos, acabavam por nascerem
como mulheres.
Se a proibição aos exames era da ordem do pudor – e isto pode ser observado ao longo da
história da civilização – provavelmente, na própria Grécia essa regra não era extensiva
às prostitutas. O corpo dessas, de acordo com Nahoum (1981), era de quem pagasse
pelo seu uso. Essas sim, eram expostas – tinham seus corpos examinados e expostos –
para o avanço da ciência.
Assim, Freud utiliza vários termos que não foram criados por ele. Entretanto, foram
associados à teoria freudiana, tais como histeria, neurose, recalque, dentre outros, que
acabamos associando fortemente à psicanálise freudiana.
Freud era docente em neuropatologia e estudou em Paris entre 1885 e 1886, com uma
bolsa de estudos da Universidade de Viena, realizando estudos sobre a histeria no
Hospital da Salpêtrière com seu professor Jean-Martin Charcot. Conforme colocado no
“Relatório sobre meus estudos em Paris e Berlim” (1886). Freud revelou sua admiração
pela proposta de Charcot em sua busca por respostas referentes a sintomas histéricos,
bem como o desenvolvimento de um tratamento para a histeria.
O primeiro método empregado por Freud na cura da histeria foi a sugestão hipnótica,
descrita no artigo “Hipnotismo”, de 1891. Tratava-se de hipnotizar o paciente com o
intuito de rebaixar sua consciência. A partir dessa pesquisa, Freud analisou as vontades
e contra vontades em conflito no paciente.
A psiquiatria surge na França com Pinel, quando ele revoluciona o tratamento dado
aos pacientes com transtornos mentais, inclusive havendo romanceado a imagem
do médico libertando os pacientes dos grilhões. Justamente, porque eles eram
tratados como prisioneiros que eram jogados ali (nos manicômios) e esperava-se
apenas que eles morressem. Eram um inconveniente à sociedade, exatamente, por
isso mantidos à distância. O Dr. Pinel altera essa metodologia e passa a dar um
tratamento humano a essas pessoas. Havia toda uma teorização fortemente filosófica
na formação de Pinel e fortemente literária. Mesmo seus discípulos mais próximos
começam a se afastar dele por isso, afinal o movimento que comandava era o da
psiquiatria biológica.
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UNIDADE I │ Fundamentos Da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung
Figura 5.
Fonte: <http://cienciasdasaude.med.br/img/744.JPG>.
Essa alma teria para nós, na língua portuguesa, o significado de mente, personalidade.
Ou como hoje utilizamos psique ou psiquismo.
Mas, Griesinger desenvolve toda uma teorização de base realmente biológica, para
utilizar as ciências naturais à psiquiatria, apresentando teorias bastante interessantes.
Ele já apresentava uma “teoria dos complexos” – se é que podemos nos referir dessa
forma categoricamente – anterior a Jung.
Freud tinha o livro de Griesinger. Enfim, todos que se interessavam pelo tema tinham
seu livro. Sendo um livro fundamental, pois representa uma revolução metodológica;
como foi a do Dr. Pinel. Porém, que lançava as bases para a psiquiatria de base biológica
e médica.
Griesinger não era um reducionista, muito pelo contrário, mas a partir dele as questões
vão se intensificando até se chegar ao reducionismo biológico – que por sinal ainda
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Fundamentos Da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung │ UNIDADE I
está em voga. Esse reducionismo biológico ainda molda o nosso tempo. Se não for algo
que corresponda a algum aspecto físico, a maioria dos profissionais – principalmente
de orientação médica, não todos os médicos obviamente – mas, a orientação geral do
ensino médico é priorizar o sintoma físico.
Esse movimento foi pioneiro e trouxe muitos progressos ao estudo e intervenção das
psicopatologias.
Foi mediante esses estudos que se descobriu que 30% das pessoas asiladas na Europa
com diagnóstico de clementia paralytico, ou demência paralítica, eram pessoas que
apresentavam sífilisna fase terciária – que causava essa lesão anatômica no cérebro que
era responsável pelo quadro de demência.
Essa tendência era tão forte que chegava a ser uma discussão de saber o que era
próximo de um ser humano vivo, um ser humano morto ou um animal vivo. Porque os
pesquisadores também faziam essa psiquiatria comparada. Lesionavam o cérebro de
um rato e conferiam o que iria acontecer com a cognição dele.
Mas, o que acontece é que o campo das histerias permaneceu sem que fosse encontrado
o paralelo físico. O que levou muitos autores a considerarem que a histeria não era uma
doença. Ela era um teatro.
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UNIDADE I │ Fundamentos Da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung
Além disso, havia um preconceito razoavelmente arraigado – Freud exagera nesse ponto
– de que a histeria era exclusiva das mulheres. Especialmente, pela descrição feita por
Hipócrates que associava a histeria a uma atividade incomum do útero. Mesmo nas
inscrições mais antigas, já havia uma correlação entre histeria e a atividade sexual ou a
ausência dela.
Ocorre que, no final do século 19, um dos maiores anatomistas, Jean-Martin Charcot,
que dirigiu um dos hospitais que fora dirigido por Pinel, o Hospital Salpêtrière,
tendo como principal discípulo Pierre Janet, outro autor extremamente influente que
conquistou respeito e fama com o tratado “Sobre a Psicodinâmica da Hipnose”, afirmava
o óbvio, que não havia lesão anatômicaestrutural alguma que explicasse a histeria.
Mas, ele ainda era um fisicalista, um materialista, então ainda achava que havia uma
lesão neurodinâmica, algo fisiológico – que não corresponderia ao aspecto anatômico
ao qual Charcot já avança. Primeiro, porque ele considera a histeria como algo real,
uma doença e não era um piti ou pitiatismo – como era denominada. Não era exclusiva
de mulheres e ele já propõe uma espécie de psicodinâmica.
Retornando a Charcot
Charcot atraía as pessoas, era carismático e sabemos que Freud sempre gostou de
figuras masculinas fortes. Talvez para compensar a visão de fragilidade e impotência
que seu pai apresentava mediante a perseguição aos judeus.
O fato é que o ano que passou em Paris foi decisivo para Freud, assim como o trabalho
com Charcot.
Segundo Campbell (2000), quando Freud vai estudar com Charcot, ele estava
utilizando a hipnose. E obviamente, Freud ficou profundamente impressionado com a
demonstração do poder da mente até mesmo sobre o corpo. Foi o reconhecimento da
profundidade da mente através dos níveis de consciência e inconsciência interagindo.
Essa foi uma grande descoberta para Freud, pois foi a primeira pista de que a mente
não era clara.
Freud chegou a Paris fascinado pelos problemas do cérebro. Cinco meses depois ele
retornaria a Viena intrigado com os distúrbios da mente.
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Fundamentos Da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung │ UNIDADE I
Martha se tornou o tipo de mulher que Freud esperava, devotada à família e ao lar.
Tiveram filhos – em 9 anos tiveram 6 filhos – e ela uma excelente mãe e dona de casa.
Muito econômica. Freud se tornou um homem de hábitos comuns: passeava pelas ruas,
jogava cartas com os amigos nas noites de sábado. Com 1,70 de altura e impecavelmente
vestido, ele gostava de um bom charuto – fumando mais de 20 por dia.
Quando começou a trabalhar como neurologista, Freud ainda estava intrigado com o
enigma da histeria. Como outros médicos da época, ele tratava a histeria com pequenos
choques elétricos.
Sobre a hipnose
O criador da hipnose foi o médico austríaco Franz Anton Mesmer. No século 18, ele
defendeu a tese de que a hipnose era desenvolvida por um fluído universal – uma
energia. E que dessa energia fazia parte todas as coisas do Universo. Incluindo as forças
de fluxo e refluxo; atração e repulsão a semelhança do magnetismo mineral.
Mesmer trouxe uma fama um tanto duvidosa à hipnose. Ou seja, a hipnose era vista
como charlatanismo na Áustria, especialmente em Viena. Mas na França, com a
utilização para pesquisa e terapêutica de Charcot e Pierre Janet, a hipnose passou a ser
vista de outra forma. O que não acontecia no mundo germânico.
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UNIDADE I │ Fundamentos Da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung
Além disso, ele tinha uma espécie de teoria do trauma. Desse modo, havia um trauma
físico e com a predisposição para a histeria: um trauma físico lhe colocaria em uma
situação que permitiria ao sintoma aparecer. Ou seja, uma afasia, por exemplo, poderia
vir à tona no processo de hipnose.
Figura 7.
Fonte: <http://psicoativo.com/wp-content/uploads/2016/04/Charcot-hipnose-histeria-500x316.jpg>.
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Fundamentos Da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung │ UNIDADE I
Pierre Janet já estava nesse cenário quando, Freud vai estudar com Charcot. Ele percebia
a hipnose como um método de estudos, porque ela provava a existência de associações
e pensamentos separados da consciência, e de fato ela demonstra isso.
Por exemplo, vamos supor que um de nós seja hipnotizado e o profissional que nos
deixou em estado de hipnose diga “vou contar até 3, você não vai lembrar do que eu disse,
mas quando você atravessar aquela porta você vai esquecer o seu nome”. Acordamos!
Estamos lá. Ele nos pergunta “tudo bem?, lembra de alguma coisa?” Afirmamos que
que não lembramos e que está tudo bem.
Mas, ao atravessarmos a porta, quando nos é perguntado nosso nome, não lembramos.
Figura 8.
Fonte: <https://www.altoastral.com.br/wp-content/uploads/2016/09/hipnose-depressao-750x500.jpg>.
Isso mostra que existem correntes em separado de memória, que mostram que a
consciência não é abrangente. Há questões que estão fora escopo da consciência. Mas,
que quando vemos pelo exemplo da hipnose, elas afetam a consciência.
Freud vai, ao contrário, repensar a ideia de Janet. Pois ele afirmava que existiam elementos
psíquicos fortes na consciência e outros mais fracos. Quando havia o abaixamento do
nível mental era como se fosse um movimento de gangorra. Ou seja, esses que estavam
mais fracos – com a força diminuída – subiam, surgiam na consciência e faziam efeito.
Freud vai repensar essa psicodinâmica acrescentando a isso a ideia de recalque.
Há uma confusão entre repressão e recalque, mas o termo certo é recalque. Sendo o
recalque da ordem do inconsciente e a repressão um autocontrole consciente.
Freud era judeu, e toda a Europa era profundamente, antissemita. A vida dos judeus
na Europa sempre foi muito difícil, pois não eram bem aceitos. Jung aponta algo
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UNIDADE I │ Fundamentos Da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung
interessante a esse respeito, quando fala que o nazismo poderia ter sido desenvolvido
em qualquer país da Europa, pois o antissemitismo era extremamente arraigado.
Em 1891, quando Freud completou 35 anos, seu pai lhe deu a Bíblia da família para
que o filho se lembrasse da herança judia. Mas, os rituais e cerimonias judias não
interessavam a Freud. Ele não fora criado como judeu praticante. Ele celebrava o Natal
todo ano, com árvores iluminadas e presentes para as crianças.
Freud não era austríaco, ele nasceu na Morávia (Império Austro-Húngaro, mas não
faz parte do que hoje é a Áustria). Era filho de um comerciante judeu e de uma família
tradicional judaica, que imigrou para à Áustria – pois esse era um local mais favorável
à presença de judeus. Mesmo assim, o local tinha um prefeito que se elegeu a partir de
uma base de governo antissemita. Havia impostos específicos para os judeus. Proibição
aos judeus em contratar criadas cristãs, entre uma série de outras restrições.
Mas ainda assim, na Áustria, especialmente em Viena, era muito mais acolhedor para
os judeus. Inclusive, boa parte dos teatros e jornais da cidade – senão todos – eram
também de propriedade de judeus.
A família de Freud se muda para lá. Freud, inclusive, quando criança, presencia o pai
ser vítima de antissemitismo, sem nunca esboçar uma atitude.
Em uma determinada situação um grupo de jovens passou pelo pai de Freud, que usava
um quipá novo – que em hebraico הפיכ, kipá, significa “cobertura”. Sendo o chapéu,
boina ou outra peça de vestuário utilizada pelos judeus, como símbolo da religião bem
como símbolo de temor a Deus.
O fato é que Freud acompanhava seu pai quando esse grupo xingou seu pai e retirou seu
quipá, jogando o no chão. Chão esse que à época era cheio de esterco de cavalos. O pai
de Freud se abaixou, pegou seu quipá, limpou e colocou na cabeça. Sem pronunciar uma
palavra. E essa atitude, dentre outras, deixavam Freud muito decepcionado com o pai.
Fonte: <http://www.lpm-blog.com.br/wp-content/uploads/2013/05/sigmundfreud_jacobfreud.jpg>.
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Fundamentos Da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung │ UNIDADE I
Ele não agia como o pai, ele reagia às agressões antissemitas. Ele não se deixava
intimidar.
Freud optou pela medicina e era uma pessoa de poucos recursos. O dinheiro sempre foi
uma preocupação para ele. E as cartas trocadas entre ele e Marta, quando eram noivos
dão conta disso.
O pai de Freud já havia tido outros casamentos. Portanto, Freud tinha outros irmãos
bem mais velhos que moravam na Inglaterra. Ele foi à Inglaterra algumas vezes.
Ou seja, quem sonha com uma zebra viva é prosperidade, com uma zebra presa é traição
à vista. Há inúmeros significados. Ás vezes de uma realidade interna, às vezes de uma
realidade externa.
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UNIDADE I │ Fundamentos Da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung
A grande questão da histeria: ela era uma doença física, sem uma contraparte física.
Então, imaginemos que o indivíduo não consegue mexer sua perna ou ela se mexe
desesperadamente sem que a pessoa exerça controle sobre ela. Isso é uma histeria.
Tecnicamente, a histeria não tem qualquer relação com gritos, escândalos. Equívoco do
senso comum.
Freud olha para essa questão e se pergunta: como pode essa doença ter acontecido se
não encontro para ela uma lesão? Como dissemos, não havia nenhuma lesão nos casos
pesquisados de histeria.
Não havia um músculo lesionado, um nervo lesionado, sem nenhuma lesão cerebral.
Ele segue estudando e pesquisando muito os pacientes atendidos, e percebe que existe
algo em suas vidas tão importante quanto os traumas físicos: os traumas psíquicos.
Antes de Freud não se usava a palavra trauma para descrever algum evento emocional.
A palavra trauma era utilizada para falar de uma queda, uma quebra, um traumatismo.
Freud estuda seus pacientes e se dá conta de que essa quebra não é necessariamente
física, que existe uma quebra psíquica. Ou seja, alguma coisa na sua história causa um
impacto tão grande quanto uma queda.
Assim, a pessoa pode deixar de movimentar a sua perna porque caiu e lesionou o
músculo. Ou uma pessoa pode deixar de movimentar a perna porque em um dado
momento da existência – um momento muito específico – alguém gritou de forma tão
marcante que não era mais possível movimentar a perna.
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Fundamentos Da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung │ UNIDADE I
Aquilo que se produz como pensamento, aquilo em que se crê, aquilo que se sente não
é separado do que você é como realidade corpórea.
Então a ciência, de maneira geral, tem uma rejeição muito grande, muito acentuada,
aos processos de subjetividade.
Quando Freud diz que “o que você vive como história afeta sua vida”, ele é traduzido
primeiro como um charlatão. A grande crítica que lhe doía mais era acerca de sua origem
judaica e que isso era típico de um pensamento judeu. Ele não estava descrevendo uma
ciência, mas sim uma perversão dos judeus.
Então, primeiro ponto: a Psicanálise é uma teoria que leva em consideração a história
pessoal de cada indivíduo, que afeta seu organismo. Não é uma questão, por exemplo,
desvinculada do seu corpo e nem com uma subjetividade que exista para fora de seu
corpo. É uma relação. Uma relação entre o seu corpo e a realidade mental que o afeta.
O movimento psicanalítico é cíclico. Então, toda a teoria psicanalítica existe para
explicar como isso acontece, quando isso acontece e como intervir nesse processo para
que seja vivenciado de uma forma saudável, satisfatória.
Segundo ponto: quando Freud começa a estudar esse tema, ele dizia aquilo que você
é, enquanto corpo afeta sua realidade psíquica que afeta o seu corpo. Quando ele começa
a estudar essa questão, se dá conta de que não é qualquer momento, não é qualquer
história. Isso acontece em um momento específico que é o momento de formação.
De outra maneira, tendemos a fazer na vida adulta aquilo que aprendemos a fazer na
infância.
Freud não acreditava que os indivíduos passavam por longos processos de aprendizado,
principalmente pensando em aprendizado psicofísico emocional. Ele acredita que o
ser humano tem um período de formação e os períodos subsequentes costumam ser
confirmações ou negações desse período inicial.
Ou seja, o período inicial permanece como referência. Esse período inicial onde o ser
humano aprende a lidar com a realidade física e que eu construo a minha realidade
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UNIDADE I │ Fundamentos Da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung
Figura 10.
Fonte: <http://letras-equipe5.blogspot.com.br/2010/10/quem-foi-sigmund-freud.html>.
Ou melhor, avós.
Afinal, temos pais mais abertos ao diálogo hoje, ou não. Mas, o fato é que queremos que
se imaginem chegando na casa de pessoas conservadoras do seu ciclo mais próximo de
relações e dizendo: “hoje tive uma experiência sexual que me deixou um imenso tesão”.
É possível falar dessa forma com a pessoa que vocês imaginaram?
Bem, na época do Freud a palavra equivalente a esse tesão que muitos dos nossos avós
não se sentem confortáveis em ouvir é libido.
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Fundamentos Da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung │ UNIDADE I
Figura 11.
Fonte: <http://www.clinicahorizontes.com.br/o-conceito-de-desejo-em-psicanalise/>.
Freud pega exatamente essa palavra, com essa conotação sexual acentuada e usa para
desenvolver um conceito muito importante. Para Freud, libido transcende o contato
sexual e caminha para as relações de prazer.
Então, Freud vai dizer que nós procuramos prazer no nosso desenvolvimento e que
essa busca de prazer motiva nosso crescimento, nossa curiosidade e nossa inteligência.
Então, primeiro temos um corpo que desenvolve subjetividade, através de um elemento
denominado por Freud de energia libido.
Dessa forma, Freud diz a todos que sexo é algo mais abrangente do que se pensa e, em
segundo lugar, que é muito importante.
O que ele pensava basicamente era que a energia que os animais convencionais, os
outros mamíferos, utilizam para manter a própria sobrevivência e para se reproduzir;
nós, humanos, utilizamos para fazer poesia. Nós somos mamíferos, portanto, temos a
mesma dinâmica de necessidade vital que a maior parte dos mamíferos. Entretanto, nós
não nos contentamos em comer. Tão logo começamos a comer bem, queremos enfeitar
o prato. Os programas de culinária e a gastronomia mostram isso.
Ou seja, um filé com aspargos pode ficar mais gostoso, porque colocamos alguns
ramos de alecrim no prato e o deixamos mais bonito. A beleza fará a comida ficar mais
29
UNIDADE I │ Fundamentos Da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung
gostosa? A isso se chama capacidade de subjetivação. É a isso que Freud descreve como
sendo a ação da nossa libido, a libido em movimento nos leva a não nos contentarmos
simplesmente com a satisfação de nossas necessidades primárias.
É a isso que nos referimos quando falamos em fazer poesia. Nós não nos contentamos
apenas em comer ou em ter algum tipo de contato sexual. Ao contrário, também
queremos fazer poesia, fazer música, fazer arranjo floral etc. queremos produzir para
além do que parece necessário para a vida convencional, para a vida de outros animais.
Assim, para outro animal, para outro mamífero, a expressão direta da libido faz todo
sentido. Nós somos capazes de sublimar. Ou seja, desviamos essa energia da libido para
algum outro fazer. Que segundo Freud constrói a sociedade humana.
O método catártico
Figura 12.
Fonte: <http://www.olharrefletido.com/wp-content/uploads/2017/11/catarse-350x250.jpg>.
Nesse modelo, os sintomas histéricos crônicos observados nas paralisias, dores sem
etiologia orgânica, alucinações, se dariam pela passagem de material afetivo dessa
segunda consciência para a consciência original – fenômeno da conversão, enquanto
os sintomas agudos da histeria representavam uma consciência sobre o indivíduo.
O método catártico nesses moldes funcionava pela vazão do afeto inconsciente por meio
da fala, sem necessitar recorrer à conversão para tal. O método catártico promovia não
apenas a consciência dos traumas, mas também dos fatores inerentes a ele.
Figura 13.
Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=dXFm768GLR0>.
31
UNIDADE I │ Fundamentos Da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung
Figura 14.
Fonte: <http://psicoativo.com/wp-content/uploads/2016/07/freud-sonhos.jpg>.
32
Fundamentos Da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung │ UNIDADE I
O recalque, por sua vez, compõe uma barreira que divide a consciência do inconsciente,
contudo, permite a expressão de um conjunto de operações que se realizam sobre as
pulsões, conforme Freud coloca em seu artigo “Repressão” (1915). O recalque age de
acordo com o princípio do prazer e o princípio da realidade.
Uma última contribuição importante desse texto, também presente nos artigos sobre a
técnica consiste na diferenciação que Freud faz entre verdade como realidade externa
compartilhada e, realidade psíquica que compõe a forma como o sujeito interpreta a
realidade externa. A realidade externa e sua interpretação podem ou não ser tangíveis
ou sobrepostas, dependendo da análise possível, a partir da realidade psíquica
do paciente.
33
UNIDADE I │ Fundamentos Da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung
Figura 15.
Fonte: <http://pedratoque.blogspot.com.br/2010/11/principio-do-prazer-vs-principio-da.html>.
Freud afirma que no sonho se manifesta pelo conteúdo manifesto, apresentado de forma
explícita, correspondendo a personagens, cenários e narrativas e, pelo conteúdo latente,
que seria um fragmento inconsciente que sofre um trabalho do sonho, transformando-se
em conteúdo manifesto.
34
Fundamentos Da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung │ UNIDADE I
Para permitir uma melhor compreensão dessa evolução, a psicanálise pode ser dividida
nas suas diversas escolas, nas quais podem ser identificados alguns paradigmas
característicos relacionados com os caminhos a serem percorridos para obter a cura
dos pacientes. Somente depois de ter uma visão sobre as mudanças conceituais e as
novas descobertas que aconteceram nesses períodos, o analista estará fundamentado
e suficientemente aprofundado no seu conhecimento teórico e técnico, fato que
lhe permitirá ter uma definição clara dos rumos de sua própria práxis, aumentando
as possibilidades de obter uma melhor compreensão de si mesmo, através de uma
autoanálise muito mais abrangente e completa.
35
UNIDADE I │ Fundamentos Da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung
Não dá para falar de Freud, sem falar sobre à sexualidade. Pois, para o Pai da Psicanálise
o sexo é a raiz de todos os problemas humanos. Mas o sexo também é a nossa fonte de
energia. Ou seja, a nossa libido. Freud falava sobre à sexualidade das crianças – assunto
este abominável na época – e como já mencionado, continua a ser um tabu. Causando
pavor em muitas pessoas até hoje. Desse modo, Freud foi discriminado. Mesmo assim,
no século 19, contra tudo e contra todas as convenções morais, Freud explicitou que
criança também apresentava questões sexuais. O interessante é que ele não abordava
esse assunto de forma não abalizada – ao contrário – Freud foi um estudioso ao longo
de sua vida, um grande pensador. Ou seja, ele pesquisou a fundo para desenvolver a
Teoria que deu corpo à Psicanálise.
Uma das teorias mais importantes foi a do Inconsciente, na qual Freud afirma que até
os 5 anos toda nossa personalidade vai ser formada. E que desde então pouco poderá
ser alterado nela. Nosso núcleo de personalidade – quer seja neurótico, psicótico ou
perverso – está definido por volta dessa faixa etária. É interessante notar que a maioria
das pessoas não tem recordações claras de suas vivências até os 5 anos de idade.
36
Fundamentos Da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung │ UNIDADE I
Freud nos diz que tudo aquilo que o ser humano vive até os 5 anos vai para o Inconsciente
– Ics. Por isso a importância das vivências de uma criança nos primeiros anos de sua
infância. Afinal, será a base para a construção da personalidade.
Freud também dava extrema importância à interpretação dos sonhos. Ele dizia que
através do conteúdo onírico (material dos sonhos), nossos desejos reprimidos aparecem.
Por isso, havia a técnica da associação livre. Freud acreditava que se as pessoas
falassem sem parar e sem pensar, verborragicamente, as ideias que eram expressadas
mostravam seus desejos reprimidos. Pois não havia a censura. Eram incentivadas a falar.
Apenas isso ou tudo isso servia para abrir uma porta de acesso ao inconsciente.
Questões...
Afinal, o sintoma não existe sem a colaboração do meio em que o indivíduo se encontra
inserido.
As punições aos nossos desejos, os atos que não realizamos, os desejos que negamos
vão para o inconsciente. E em dado momento esse sistema, essa estrutura não dá conta
de absorver tantas questões recalcadas. Nesse momento, a energia represada necessita
ser expelida. E ela sai através dos sintomas – em alemão symptome.
37
Conceitos Unidade iI
Psicológicos
Figura 16.
Fonte: <https://2.bp.blogspot.com/-ECE5mJ4EvTk/VsM17P8IJUI/AAAAAAAAAmo/wYMqvBePiTI/s320/1.jpg>.
Jung queria saber tudo a respeito de tudo. Ele lia de tudo. Viajou para África, viajou para
Índia, viajou para América. Carl Gustav Jung era alguém que tinha um apetite voraz pela
experiência e por tentar entender a Psique em todos os tempos, locais e em todos os
cantos do planeta.
Jung nasceu dez anos antes de Freud desenvolver a abordagem psicanalítica que
revolucionou o mundo. Filho de um pastor, Jung conduziu experimentos espiritualistas.
Ele se tornou psicólogo para explorar as dimensões da mente, mas por toda vida nunca
perdeu o fascínio pelo oculto. Seu herói, Freud, se tornou tanto seu mentor quanto seu
maior rival.
Jung não conhecia Freud até 1907 e quando eles se viram, conversaram por 13 horas
seguidas e uma das questões que vieram à tona foi o ocultismo.
38
Conceitos Psicológicos │ UNIDADE II
Jung havia sido um defensor da teoria sexual de Freud sobre a histeria antes de se
conhecerem, chegando a defendê-la publicamente. Entretanto, não achava que a teoria
sexual explicava tudo.
E quando eles conversaram por 13 horas, Freud assumiu uma expressão muito séria
olhando para Jung, dizendo: “você precisa fazer uma coisa, meu filho, precisa me
prometer que nunca vai abandonar à teoria sexual e que vai fazer dela um dogma, uma
fortaleza contra a maré negra de lama”, então, Freud hesitou um instante e concluiu
“do ocultismo”.
Jung se recusou a acreditar que a repressão sexual explicava tudo e não pensava em
desistir do ocultismo. E Freud garantiu que Jung pagaria o preço.
Depois de romper com Freud, Jung caiu em uma depressão de seis anos. Ele se retirou para
sua casa de campo. Nesse momento ele estava em busca de sua própria pedra filosofal.
Jung lutou contra sua depressão e emergiu com um novo tipo de Psicologia imbuída de
pensamento místico. Ele usou cartas de tarô, usou Astrologia, mas mais importante que
cartas de tarô ou Astrologia é que Carl Jung acreditava na intuição.
Jung disse certa vez: “o que o terapeuta faz é pôr o seu paciente em contato com a
intuição e quando o terapeuta faz isso seu trabalho está feito”.
Durante seu retiro, Jung concluiu que era pela Astrologia, Alquimia, Mitologia e o I
Ching que os primeiros magos investigavam a consciência humana. E deu seu grande
salto, vendo a Psique como um campo de energia muito maior do que a personalidade
individual. Ele a chamou de Inconsciente Coletivo.
39
Capítulo 1
Principais conceitos da psicologia
analítica
Figura 17.
Fonte: <https://porque-se.com/wp-content/uploads/2015/12/La-psicologia-una-ciencia.jpg>.
Figura 18.
Fonte: <http://psicoativo.com/wp-content/uploads/2016/06/capa-de-psicologia-para-facebook.jpg>.
40
Conceitos Psicológicos │ UNIDADE II
A ideia da ciência é que nós tentamos inventar o mundo porque, afinal de contas ela é
uma procura pelo que nós ainda não conhecemos. Então o caminho, ou caminhos, da
ciência é uma invenção daquilo que é desconhecido no momento.
Uma descoberta!
O que é uma descoberta? Algo que antes, não sabíamos que existia ou achava que talvez
pudesse existir usando a intuição. Mas, não havia uma certeza com relação a isso.
E, às vezes, ela encontra o inusitado. Muitas descobertas científicas são descobertas que
são inesperadas e que podem mudar profundamente a nossa visão de mundo. E isso
pode ocorrer em dados momentos sem um plano principal. Ou seja, a maioria das
grandes descobertas científicas – ao longo da história – foram feitas sem pensar muito
no que vai ocorrer depois delas. Elas eram, simplesmente, nutridas por essa urgência
que é tão profundamente humana de conhecer o mundo.
O ser humano é impulsionado por essa vontade, esse desejo existencial de sempre
querer saber mais. E nesse processo de sempre querer saber mais fazemos o possível
para obter o sentido das coisas.
A ciência é um mecanismo que nós temos. Porém, não é o único. As artes, a literatura,
entre outras. Tentamos expressar a nossa relação com o Universo de formas diferentes.
E a ciência é uma dessas formas de expressão.
Figura 19.
Fonte: <https://dialogosjunguianos.files.wordpress.com/2010/06/foto_mosaico1.jpg>.
41
UNIDADE II │ Conceitos Psicológicos
O Inconsciente Coletivo inclui todas as questões que não nos são pessoais, que nos
transcendem. Que são conteúdos transpessoais e impessoais do inconsciente, aos
quais Jung chamou de arquétipos. São componentes que não têm nada a ver conosco
pessoalmente, não dizem respeito a experiências pessoais, não são sobre nossa mãe ou
nosso pai.
Tanto Jung quanto Freud praticaram os estados alterados da consciência usados por
magos para obter seus maiores insights.
Para Freud era o método de associação livre e para Jung era o método de imaginação
ativa onde você deliberadamente induz a fantasia e fala sobre aspectos de você que
estão personificados em formas imagéticas. É como no ocultismo, na mediunidade ou
nas sessões pensando que você fala com os mortos, quando na verdade você fala consigo
ou com diversos Eus interiores.
Jung e a Psiquiatria
Jung, como médico, foi ousado em optar pela especialização em Psiquiatria, mas
essa decisão lhe proporcionou o contato direto com os pacientes e as mais variadas
psicopatologias. Especialmente, quando acaba fixando residência no hospital de
Burghölzli, em Zurique, ao norte da Suíça.
Figura 20.
Fonte: <http://www.cardiffsciscreen.co.uk/sites/default/files/imce_uploads/Burgholzli.jpeg>.
42
Conceitos Psicológicos │ UNIDADE II
Inserido nesse meio e sob essas condições, Jung teve o primeiro contato com a obra
de Freud. Para Jung, as pesquisas de Freud eram fundamentais, especialmente, pelos
estudos acerca da histeria e a interpretação dos sonhos. As pesquisas de Freud indicavam
um caminho a ser desbravado em pesquisas subsequentes e como ferramenta para a
compreensão dos pacientes atendidos por Jung.
Com o passar do tempo, a relação com Freud se tornou intensa e veio a culminar em
uma amizade, de cunho intelectual bem como afetivo. Era o mestre e seu discípulo em
trocas intermináveis.
Retrocedendo um pouco, não é segredo que trocavam cartas, pois Jung já se interessava
pela linha de pesquisa e estudos de Freud. E em seu primeiro contato pessoal, ficaram
conversando ou debatendo por 13 horas ininterruptas. Havia uma relação de vínculo e
admiração.
Bem, também sabemos que isso não aconteceu. Caso contrário, não estaríamos
estudando a Psicologia Analítica e seu contexto teórico.
A verdade é que houve um rompimento, posterior, dessa amizade motivada por pontos
de vista teóricos discrepantes.
Ainda hoje, essas discussões são recorrentes à história do surgimento da Psicologia Analítica.
43
UNIDADE II │ Conceitos Psicológicos
Figura 21.
Fonte: <http://psicanaliseeamor.com.br/psicologia-e-psicanalise/>.
Achamos pertinente fazer uma breve elucidação a essa relação de amor e ódio, amizade
e inimizade, opostos e complementares que foi estabelecida entre Freud e Jung.
E novamente recorrendo a sabedoria de Nietzsche: “fale, não importa como. Apenas fale!”
Afinal, essa inimizade entre Jung e Freud ou Freud e Jung é responsável pela tensão
que existe ainda hoje entre ambas as abordagens.
Não é nada diferente do que acontece com pessoas que se distanciam de amigos,
pois a mudança aconteceu e aquilo que existia, não voltará a acontecer. Perdeu se em
algum lugar.
44
Conceitos Psicológicos │ UNIDADE II
Tabela 1.
Jung Freud
Mãe – problemática, apresentava uma personalidade dividida,
Mãe – afetiva e protetora.
incoerente.
Pai – um homem convencional, mas que não foi sua fonte de Pai – austero, mas não era uma figura de força e resistência fora de
inspiração intelectual. casa, especialmente em relação à perseguição antissemita.
Religião – tinha um peso grande no ambiente familiar. O pai era
Religião – pais judeus, mas pouco participantes.
pastor luterano.
Contexto social – viveu na Suíça cercado por influências religiosas, Contexto social – instabilidade econômica, social e preconceito
culturais e filosóficas. étnico e religioso. Mesmo não sendo um judeu ortodoxo.
Influência acadêmica – psiquiatra, sempre esteve aberto a
questões espirituais e filosóficas. Suas experiências em Burghölzli Influência acadêmica – neurologista, orientou seus estudos e
despertaram o interesse pelo afeto e a criatividade presentes por trás pesquisas para à sexualidade e as psicopatologias.
das psicopatologias.
Não podemos deixar de analisar o peso que tais influências e vivências tiveram no
desenvolvimento teórico de cada um. Mas, acima de tudo, no desenvolvimento pessoal
que obviamente causaria uma estranheza entre esses dois pensadores.
Através da tabela 1 podemos ver as influências sofridas por Jung e Freud. E agora
vamos ver as consequências dessas influências tanto na Psicologia Analítica quanto
na Psicanálise.
45
UNIDADE II │ Conceitos Psicológicos
Outro tópico bastante interessante em relação à construção teórica das duas abordagens
foi a religião.
Figura 22.
Fonte: <http://paulorogeriodamotta.com.br/wp-content/uploads/2016/04/Jung-e-Freud-Influ%C3%AAncias-religiosdas.jpg>.
Jung sempre atribuiu a Freud todo o crédito por haver introduzido a Psicologia na
Psiquiatria, embora Freud fosse neurologista.
46
Conceitos Psicológicos │ UNIDADE II
Jung teve contato com a obra de Freud por meio de alguns textos e, sobretudo, em 1900,
após a leitura de “Interpretação dos Sonhos”, Jung escolheu abertamente apoiar seus
trabalhos e fez conferências universitárias sobre os livros de Freud. Esses fatos, tiveram
consequências para Jung que foi advertido por colegas acerca do comprometimento
que tal atitude poderia trazer a sua promissora carreira. Demonstrando um risco.
Após 1906 começa a intensa troca de correspondência entre Jung e Freud. Em fevereiro
de 1907, encontram-se pela primeira vez. Iniciando a famosa conversa que se iniciou às
13 horas da tarde e seguiu ininterruptamente por 13 horas.
A relação de amizade foi tomando contornos de uma relação de pai e filho. De 1907 a
1912 ocorreu uma intensa colaboração entre Freud e Jung.
Freud, sem sombra de dúvida, significou muito para Jung durante o período em
que trabalhou em Burghölzli. Jung sempre teve grande respeito por Freud e sempre
reconheceu seu débito para com ele.
Hannah (2003), aponta que desde o início dessa aproximação Jung já pensava que os
caminhos de ambos não seguiriam na mesma direção, por muito tempo.
Jung sempre foi uma criança solitária, que gostava de brincar sozinho e que se irritava
ao ser julgado ou criticado. Interferências nas atividades que realizava também não
eram toleradas. Desde os 4 anos de idade, de acordo com Hannah (2003), Jung já se
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UNIDADE II │ Conceitos Psicológicos
demonstrava como uma criança sisuda, que não permitia que influências sentimentais
o afetassem. Sempre comparando os fatos. Esse perfil formou em Jung um extremo
senso de compreensão da imagem empírica. Esse realismo era reforçado pelo convívio
com seus colegas da escola rural. Digamos que ninguém é mais realista que pessoas de
origem rural ou que lidam em fazendas na Suíça.
Figura 23.
Fonte: <http://sandplay.jogodeareia.com.br/wp-content/uploads/2009/10/carl-jung-infancia.jpg>.
Com relação aos pais de Jung, a vida conjugal era cercada de problemas. O pai ficava
muito envolvido em questões religiosas, uma vez que era pastor, e sua mãe sofria de
transtornos emocionais. Os vínculos mais fortes eram voltados para a figura materna,
mesmo não compreendendo suas constantes mudanças de humor.
Figura 24.
Fonte: <http://principo.org/o-homem-e-seus-smbolos-carl-g-jung/3359_html_32965bf0.jpg>.
A família de Jung não era abastada e essa realidade ficou clara quando ele ingressa na
escola da Basiléia onde seus colegas vinham de famílias poderosas.
48
Conceitos Psicológicos │ UNIDADE II
Jung sempre demonstrou problemas em relação à matemática e não era muito propício
aos exercícios físicos. Mas, seu talento em outras disciplinas, amenizavam esse fato.
Podemos dizer que os anos no colégio foram uma provação. Poucos colegas, professores
intolerantes, dúvidas que não eram respondidas e o afastamento da religião. Esse
quadro resume bem o que foi o ensino para Jung.
Nesse contexto, o interesse de Jung pela religião diminui e começam a surgir novas
demandas. Especialmente, voltadas para à Filosofia. Foi a Filosofia que proporcionou
a Jung o contato com novas partes de si, através dela as suas dúvidas e inquietações
começaram a encontrar, finalmente, respostas.
Os livros sempre foram seus melhores amigos, pois a solidão e questões pertinentes a
totalidade das coisas insistiam e continuar em seu pensamento.
Com esse interesse por tudo, podemos imaginar que escolher um curso de ensino
superior seria um desafio. E foi! Suas principais áreas de interesse eram: Filosofia,
História, Arqueologia e Ciência. Após muita reflexão: Jung ingressa na Universidade
de Medicina.
De acordo com Hannah (2003), a escolha foi difícil para alguém que cogitava ser um
arqueólogo, voltado à assiriologia ou egiptologia. Entretanto, a Medicina resgatava a
ligação com o avô, e Jung não estava propenso a fazer aquilo que fora feito anteriormente
por seus familiares.
Antes, porém, é importante mencionar que mediante seu destaque foi chamado para
ocupar um cargo atraente em Munique, como assistente de Friedrich Von Muller,
cargo irrecusável para um médico recém-formado – se esse médico não fosse Jung.
Que declinou o convite e optou pela Psiquiatria.
No dia 10 de dezembro de 1900, Jung inicia seu trabalho como médico assistente no
Hospital Burghölzli, o principal hospital psiquiátrico de Zurique.
De certa forma, o estudo e pesquisas feitos ao longo dos anos sobre os chamados
fenômenos ocultos e outras vivências o conduziram à Psicologia.
49
UNIDADE II │ Conceitos Psicológicos
O caráter místico da abra de Jung é apresentado pelo estudo das religiões. Contudo,
existem estudos sobre simbolismos, mitologia e outros temas que suscitam uma gama
profunda de conhecimento.
Profunda, pois o ser humano é plural. Quando estudamos um caso clínico, por exemplo,
não damos apenas uma resposta e definimos tudo. Geralmente, observamos a diversidade
que leva a aspectos culturais, intelectuais, familiares, ou seja, uma infinidade de questões e
possibilidades que podem ter ou não ter influenciado na resposta apesentada pelo indivíduo.
Assim, a Psicologia Analítica nos convida a ler sobre tudo, ter contato com os universos
de seres humanos distintos.
Jung nunca nos incentivou a ficarmos fechados em uma teoria, mas a buscar o máximo
das demais. Logicamente, essa visão de Jung também é criticada.
O Inconsciente Pessoal está mais alinhado com a nossa alma e o Inconsciente Coletivo
é a sabedoria, os arquétipos, os mitos, as universalidades que qualquer um pode tatear.
Então, todos temos nosso caminho pessoal e todos temos um caminho coletivo.
Introversão e Extroversão
Cabe assinalar que não existe uma pessoa totalmente introvertida ou extrovertida.
Figura 25.
Fonte: <http://cafecomjung.blogspot.com.br/2014/09/introversao-e-extroversao-limpando.html>.
Figura 26.
Fonte: <https://i0.wp.com/souintrovertido.com/wp-content/uploads/2015/09/como-entender-introvertidos-com-essas-4-
situa%C3%A7%C3%B5es.png?resize=960%2C400>.
Ambas são exclusivas. Não podemos ser introvertidos e extrovertidos ao mesmo tempo.
Em cada situação uma irá assumir o controle ou se impor.
Caso você esteja se perguntando nesse momento: qual das duas é a melhor? Qual o
melhor modo de ser?
Jung não via essa questão como melhor ou pior. Elas existem e são igualitárias em
termos de importância. Em determinadas situações, a introversão será mais adequada,
em outras será a extroversão.
Por quê? Porque basear a forma de lidar com o mundo articulando apenas um desses
conceitos seria desastroso. Por exemplo, uma pessoa introvertida hesita, recua, vê
o contato como algo massacrante e pesado. O mundo exterior traz desgastes e isso
a faz atribuir ao objeto um superpoder. O interesse primevo dos introvertidos está
direcionado aos seus sentimentos, emoções, em seu mundo interior. O risco de perder
o contato com o mundo interior é grande, pois são extremamente introspectivos. Seria
aquela pessoa distraída que não presta atenção a uma conversa.
52
Conceitos Psicológicos │ UNIDADE II
Segundo Riesman (1950), os indivíduos guiados pela extroversão são orientados para
o outro, apoiando ideias de outros, não desenvolvendo assim sua própria forma ou
maneira de opinar.
Para Silveira (1981), na introversão há um recuo diante do objeto, pois este é uma
ameaça que mobiliza o indivíduo. Enquanto na extroversão a energia migra sem censura
ao encontro do objeto.
Inconsciente Coletivo
De acordo com Jung (1987), não podemos perder de vista a complexidade dos conceitos
relacionados ao inconsciente e a dificuldade de comprovação dos mesmos. Jung nos fala
sobre a experiência humana oferecer pontos de apoio sobre a existência do inconsciente.
Afinal, o que delimitaria qual, como e quando o conteúdo se torna inconsciente está
vinculado a experiências e vivências individuais.
Bem como existe a situação em que alguém nos fala algo, mas que não percebemos.
Essa não percepção, para Jung, é a nossa parcela inconsciente que, para a outra pessoa
que narra o fato, é óbvia e consciente.
De acordo com Jung (2000), uma parcela inconsciente apresenta camadas mais
superficiais, o que torna – muitas vezes complexo – precisar as fronteiras com a
53
UNIDADE II │ Conceitos Psicológicos
consciência; uma vez que por mais que existam conteúdos que possam chegar à
consciência também há conteúdos que dificilmente atingiram esse lugar.
Figura 27.
Fonte: <https://2.bp.blogspot.com/-K7qBCKKZXOU/UOZl-SuIplI/AAAAAAAAI30/yzlJmP0-5fg/s1600/inconsciente+coletivo.jpg>.
E quando Jung se refere aos distúrbios, não fala no sentido apenas patológico. O distúrbio é
compreendido como qualquer tipo de alteração – boa ou ruim – que leva ao desequilíbrio
do sistema psíquico.
O Inconsciente Coletivo foi proposto por Jung como uma extensão do inconsciente
na acepção pensada inicialmente por Freud. Para Freud o inconsciente é uma forma
54
Conceitos Psicológicos │ UNIDADE II
Para ampliar essa noção, ele reputa que existem processos de simbolização que não
decorrem de um recalcamento individual, mas uma espécie de negação cultural, um
repúdio coletivo a determinadas experiências que por outro lado são experiências
universais. Ou seja, acontecem com todas as pessoas, em todas as épocas, em todas as
culturas e religiões. Daí o fato importante para entender como funciona o conceito de
coletivo – Jung trabalhava como uma espécie de antropólogo comparativo. Ele via mitos,
expressões simbólicas, expressões artísticas de diversas épocas e encontrava certas
recorrências. Como, por exemplo, a presença repetitiva de símbolos que exprimem a
admissão do feminino. Então, ele chama esse simbolismo de arquétipo. Os arquétipos
que pertencem ao inconsciente coletivo – mas, sobre os arquétipos vamos discorrer no
próximo tópico.
Então, a ideia de que existe esse Inconsciente Coletivo que a gente não consegue abarcar
com a lógica, com o método científico ou com a consciência é a base da visão junguiana.
O inconsciente é um conceito limítrofe negativo, então, tudo aquilo que for dito acerca
dele é conjectural. Sobre a natureza do inconsciente não há como se dizer nada, porém, de
maneira indireta, a partir das manifestações desse inconsciente, eu tenho como tecer várias
conjecturas que têm um valor que nos permite compreender os fenômenos reais com os
quais vamos nos deparar. Seja na clínica, seja ao lidar com os fenômenos da cultura.
Dito isso, também é importante lembrar que o inconsciente – na estética de Jung, não
apenas a partir da ótica dele, mas de suas observações empíricas – é objetivo e autônomo.
A autonomia do Inconsciente representa que ele funciona independente da volição
55
UNIDADE II │ Conceitos Psicológicos
Tendo abordado esses aspectos que são cruciais quando falamos em inconsciente Jung
propõe que o inconsciente é composto por duas camadas distintas: aquela que é mais
imediatamente acessível que aparece mais amiúde nas manifestações do inconsciente
pessoal – sonhos, delírios, fantasias, sintomas. Os conteúdos do inconsciente pessoal
podem ser rastreados pela história individual. Reconhecemos que um conteúdo é
pertencente ao inconsciente pessoal quando seus efeitos, manifestações e origem
podem ser apontados ou rastreados na história individual. Esses são conteúdos que
muitas vezes deveriam fazer parte da consciência e a perda desses conteúdos causa uma
sensação de inferioridade ou um ressentimento moral.
Lembrando que quando falamos dos conteúdos do inconsciente pessoal estamos falando
daquilo que se manifesta na consciência, que a atravessa, porque jamais teremos um
contato direto não mediado pela consciência com esses conteúdos.
Quais os conteúdos que podemos supor que fazem parte do inconsciente pessoal?
Primeiramente, tudo aquilo que é subliminar. A nossa consciência é focal, ela só pode
se concentrar em um objeto de cada vez – todo o restante das percepções se torna
subliminar. Essas percepções subliminares caem sobre o poder do inconsciente.
Além disso tudo o que foi esquecido e reprimido, Jung vai abandonar esse termo (em
um primeiro momento), preferindo o termo que tem relação com o conceito de atitude
que foi selecionado pela consciência. Num primeiro momento, utilizaremos reprimido.
Tudo aquilo que poderia ser consciente, mas não é justamente por conta dessa diferença
e das neoformações reativas. Pois o inconsciente não apenas retém coisas que chegam a
ele, mas também é capaz de se manifestar criativamente. É um dos paradoxos que Jung
aponta que são fundamentais para a teoria.
Figura 28.
Fonte: <https://4.bp.blogspot.com/-1v_x_6Q4Z7c/V208KcFo7FI/AAAAAAAABSo/Z6ydLUEsU8YjK92AUI9wKZ596yFzc1SKQCLcB/s320/
inconsciente-coletivo.jpg>.
56
Conceitos Psicológicos │ UNIDADE II
Mas coletivo, para Jung, é aquilo que simplesmente não pertence apenas a um indivíduo
e sim a muitos. O fato de respirarmos não pode ser entendido como algo pessoal, é
algo coletivo. Todos respiramos. Então coletivo é simplesmente aquilo que é geral.
Um sinônimo interessante para coletivo é esse, geral.
Não é como se fosse uma mente de colmeia, com todas as abelhas que têm a mesma
mente. Não é isso.
Em “Tipos Psicológicos”, Jung fala sobre esse tipo de pensamento místico, ao qual ele
diz ser estéril e esterilizante. Em determinados momentos, Jung era bem irônico em
relação ao misticismo que atribuíam a sua teoria.
O inconsciente coletivo é algo geral, inato – Jung sempre fazia a menção de que já
nascemos com o cérebro altamente complexo, pronto para a evolução. A mente para Jung
não pode ser uma tábula rasa, como afirmava o empirismo inglês. Como ser uma tábula
rasa se já nasce com aptidões, competências, evolução se possibilitando a mais. O melhor
termo em inglês poderia ser folha em branco. Algo que já vem da filosofia aristotélica,
quando os medievais traduzem Aristóteles e dizem que “não há nada no intelecto que
não tenha passado primeiro pelos sentidos”. Jung discorda disso! Isso é fundamental
perceber, pois quando estamos falando de inconsciente coletivo dessa camada geral, o
correlato indispensável ao inconsciente coletivo é a ideia de arquétipo.
57
UNIDADE II │ Conceitos Psicológicos
Arquétipo
Esse conceito é de difícil entendimento, embora tenha sido banalizado. Hoje, as pessoas
falam do arquétipo como sendo alguma coisa bem simples. E na verdade não é tão
simples assim.
O conceito foi desenvolvido a partir da observação de que existem imagens que são
formadas a partir da vivência de cada um, mas que tem uma estrutura semelhante.
Por exemplo, todos os seres humanos têm pai e mãe. Então todos os seres humanos têm
a possibilidade de formar uma imagem de pai e uma imagem de mãe.
Figura 29.
Fonte: <http://3.bp.blogspot.com/-6l5xfHT_OxE/UnvBvItj0CI/AAAAAAAAAVE/UR1AGNUEumc/s1600/botticelli_birth_venus.jpg>.
58
Conceitos Psicológicos │ UNIDADE II
Figura 30.
Fonte: <http://www.simoneelhage.com.br/files/2017/03/aequetipos.jpg>.
Ao falar em arquétipos, também se faz necessário revisitar o contexto dos mitos. Afinal,
foi por meio dos estudos mitológicos e simbólicos que Jung iniciou a construção do
conceito de Arquétipo – que estão em nós e para além de...
De modo geral, podemos dizer que os mitos são as expressões mais humanas dos
arquétipos.
Segundo Jung (2000), o arquétipo é uma matriz primitiva herdada pela psique,
ele é um conteúdo hipotético que faz parte das camadas mais profundas do ser.
Estamos falando aqui de um local onde podemos alocar os arquétipos, e esse local é
o inconsciente coletivo.
Por se localizar nas camadas mais profundas do ser e, consequentemente, não estar
sob o domínio de uma linguagem e expressão da consciência, Jung (2000) propõe
uma distinção entre arquétipo em si – algo irrepresentável, pertencente a um plano
além do humano – e a imagem arquetípica. Dessa forma, temos que ter em mente
e de forma clara que o primeiro se constitui de uma estrutura inerente à psique e a
segunda se expressas sob as diferentes formas de manifestações de imagem, formas
e símbolos.
59
UNIDADE II │ Conceitos Psicológicos
Figura 31.
Fonte: <https://portal2013br.files.wordpress.com/2014/08/post-08-31-15.jpg?w=454&h=41>.
Esses conteúdos são formas mais antigas e universais que caracterizam a vida, Jung chega
a afirmar que essas imagens remetem a conteúdos anteriores ao desenvolvimento do
homem. Ou seja, estão relacionados com conteúdos pertencentes, inclusive aos animais
menos desenvolvidos. São conteúdos que relacionam sentimentos, pensamentos,
expressões que interagem com a vida como um todo.
Jung acreditava que essa forma da psique servia como uma forma de herança
psicológica, pois contém toda a herança e o conhecimento que compartilhamos com
o Universo. Ele sugeriu que esses modelos são inatos, universais e hereditários.
Os arquétipos são ignorantes e têm a função de organizar como nós vivenciamos
algumas questões.
Ainda afirma, em seu livro na “Natureza, da Psique” que todas as ideias mais poderosas
da história se voltam para os arquétipos.
60
Conceitos Psicológicos │ UNIDADE II
Figura 32.
Fonte: <http://i1.wp.com/femininosagrado.com.br/wp-content/uploads/2017/01/Mandala2.jpg?resize=274%2C300>.
Disposições latentes existem em todos nós. Mesmo que o indivíduo negue esses elementos
em sua própria psique, ele pode projetar no outro, dessa feita que Jung informa que a
sombra pode aparecer em sonhos ou visões, tomando assim uma variedade de formas,
tais como um monstro, uma cobra, um dragão etc.
Segundo Jung, o arquétipo persona pode vir a aparecer no conteúdo onírico e ter
diferentes formas.
Os arquétipos não são fixos ou estáticos, eles podem se sobrepor em alguns momentos.
Outros arquétipos:
61
UNIDADE II │ Conceitos Psicológicos
Esses são alguns dos muitos arquétipos que existem. No decorrer de nossas aulas,
contaremos com a interação para que possamos apresentar os demais arquétipos –
quer seja através de fóruns ou de vídeos.
Figura 33.
Fonte: <http://3.bp.blogspot.com/_oZXvAej90RA/R54Li3WXauI/AAAAAAAAAIw/L29n6lv0l3U/s200/banner_worldmandala.jpg>.
62
Conceitos Psicológicos │ UNIDADE II
Complexo
A teoria dos Complexos surge a partir da experiência de Jung com o Teste de Associação
de Palavras. Nesse teste, a pessoa deveria responder as primeiras palavras que lhe
vinham à mente quando ouvisse certa palavra estímulo.
Figura 34.
Fonte: <http://www.posugf.com.br/thumbs.php?src=dyn_images/1/1737_jung_1.jpg&maxsize=200>.
Desse modo, Jung admitia que a consciência era perturbada por esses estímulos verbais
e que havia fatores inconscientes envolvidos.
63
UNIDADE II │ Conceitos Psicológicos
A priori, pode ser dito, pelo que vimos, que o complexo representa um conjunto de ideias
e que esse conjunto não apresenta uma realidade má ou boa. São apenas conteúdos.
Figura 35.
Fonte: <http://1.bp.blogspot.com/-DGi_RXE9gHo/UjZteA9MX-I/AAAAAAAAAVA/PSySZw1QgbM/s1600/depression2.jpg>.
Exemplificando: uma pessoa que tem uma relação de conflito com facas e ao ouvir essa
palavra – em algum assunto trivial no cotidiano – desperta reações psicossomáticas
nas quais o Ego não dá conta de manter o controle. Nesse caso, o entendimento do
conflito diminui o conflito em si.
Complexos são obsessores. E quando dizemos isso é obvio que não estamos dizendo que
tais obsessores se originam em um mundo transhumano, transpessoal. O que estamos
dizendo é que complexos são opressores do Ego. Eles obsediam o Ego, tentando ocupar
o lugar do Ego. Esse é o motivo pelo qual os complexos fazem o indivíduo sofrer.
Ou seja, eles querem convencer o Ego da realidade deles. E o Complexo de Inferioridade
tem a pretensão de tomar a posição central na consciência, isto é, fazer com que o
indivíduo realmente acredite que ele é um monte de asneiras, tolices etc. e o Complexo
de Inferioridade o tortura, dizendo coisas depreciativas como estas sobre ele próprio.
A pretensão, então, do complexo é ocupar o lugar principal como centro da consciência
que é o Ego, nesse caso. Então, o indivíduo se convence de que ele é exatamente aquilo
que o complexo disse para ele que ele é.
Figura 36.
Fonte: <http://2.bp.blogspot.com/-GN70841xRTA/TrbY8lS6BeI/AAAAAAAAA7g/3A5SEiJJim0/s320/inferior.jpg>.
65
UNIDADE II │ Conceitos Psicológicos
Nos casos mais graves das psicoses esquizofrênicas, de fato o componente arquetípico
– o complexo arquetípico – fragmenta o eu. E toma o lugar dele dominando, assim,
a personalidade total, e assim nós temos a famosa loucura. Loucura que observamos
nas vias públicas pessoas psicóticas falando exaltadamente, brigando com alguém que
parece estar fora dele, mas que são pedaços da própria mente dele ejetadas que ficam
obsediando o próprio indivíduo. Indivíduo que já não tem mais um eu para dialogar
com aquelas imagens, um processo de grande sofrimento.
Então, quando dizemos que complexos são obsessores não estamos nos referindo aos
obsessores tidos como reais em um escopo voltado a uma doutrina religiosa, ou seja,
não é algo de fora que entra no indivíduo (visão religiosa), mas sim algo que está no
indivíduo. E pela dificuldade de experimentar como sendo algo interno é projetado
para fora. A projeção é uma defesa de alívio.
Dessa forma, através do estudo e detalhamento dos complexos afetivos, Carl Gustav
Jung, desenvolveu toda a psicodinâmica psicopatológica: neuroses dissociativas,
despersonalizações e estados afetivos anormais podem ser atribuídos à influência dos
complexos sobre a consciência.
Sincronicidade
Figura 37.
Fonte: <https://searmedeamor.files.wordpress.com/2016/01/tumblr_nmc5gghwia1sy6m2qo1_540.jpg>.
66
Conceitos Psicológicos │ UNIDADE II
Ela existe e é percebida quando você não pode atribuir uma relação direta entre
antecedente e consequente entre causa e efeito; onde não podemos entender o porquê
isso aconteceu. Esse por que tem que ser alvo de uma elaboração pessoal muito maior
que vai procurar a busca do sentido do acontecimento. Então, seria mais para que isto
aconteceu e não por que isto aconteceu.
E essa é uma maneira difícil de pensar para nós, pois acreditamos no modelo de ciência
que é puramente causal. O próprio Freud expressa através da Psicanálise o ponto de
vista causal, uma vez que ele gostava de saber o que causava determinados aspectos
psicodinâmicos, acreditando que se conhecermos as causas podemos interferir nos
efeitos. Jung propõe que muito mais que a questão da causa, nós temos a questão
teleológica de finalidade. Os processos não têm necessariamente uma causa. Mas, tem
sempre uma finalidade do para que acontecem.
Figura 38.
Fonte: <https://i0.wp.com/www.ishindo.org.br/wp-content/uploads/2014/07/Taoismo2.jpg>.
67
UNIDADE II │ Conceitos Psicológicos
Por que ela acontece? Não sabemos! Nós podemos dizer que ela acontece para que as
pessoas prestem atenção no fato de que há outras formas de conexão entre os eventos
do mundo que transcendem o tempo e o espaço.
Figura 39.
Fonte: <https://portal2013br.files.wordpress.com/2017/10/post-10-19-11.jpeg>.
O significado?
Sonhos
Vamos iniciar esse tópico com uma pergunta: qual o sonho que você recorda?
E deixe essas imagens presentes por alguns instantes. Vamos nutrir essa possibilidade
dentro de nós. Conseguindo resgatar através da lembrança a sua relação com o sonho
vai ajudar nesse momento.
Qual foi o sonho que mais lhe marcou? Aquele sonho que pode ter acontecido há 5, 10,
15 anos atrás, mas que quando alguém fala de sonho – o seu sonho volta.
Até a década de 1950, as pessoas ainda acreditavam que nem todas as pessoas sonhavam
– só algumas – uma com maior frequência outras com menor. E que as pessoas que
tinham sonhos muito significativos eram uma exceção.
Mas, quando nos aproximamos da linguagem dos sonhos, cada vez ficamos mais
familiarizados. Haverá um aspecto comum na linguagem do sonho e um aspecto
particular. É como se o nosso inconsciente criasse figuras de linguagem, metáforas,
analogias, eufemismos que acabamos por reconhecer: nessa situação de novo?
69
UNIDADE II │ Conceitos Psicológicos
Figura 40.
Fonte: <http2.mlstatic.com/livros-D_Q_NP_905844-MLB27088143584_032018-Q.webp>.
Jung revela que os sonhos e as visões que ele teve eram a matéria-prima para todo o
trabalho que ele desenvolveu. Ou seja, foram a fonte de toda a obra de toda a vida dele.
Se formos um pouco atrás nessa linha do tempo, na criação da Antropologia por Edward
Burnett Tylor, verificaremos que ele fala horrorizado sobre as sociedades primitivas –
como eram chamadas de maneira pejorativa, diminuindo seu potencial – que esses
povos bárbaros não conseguiam diferenciar o objetivo do subjetivo e neste ponto que
se constrói a ciência; nas palavras dele. E que esses povos davam muita importância
aos sonhos, não conseguindo fazer a diferenciação. Como se os sonhos estivessem
integrados ao dia a dia, tem uma escuta para essa dimensão.
Fonte: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Edward_Burnett_Tylor>..
E isso foi desqualificado, porque o que aconteceu e ainda acontece é colocar o que é
objetivo de uma maneira superior à nossa subjetividade. Então, aquilo que é material é
70
Conceitos Psicológicos │ UNIDADE II
melhor que os nossos sentimentos. O tangível tem valor, mas o intangível – as sensações
– não vale nada.
Se eu tenho uma experiência com uma pessoa eu levo em consideração. Ou talvez não.
Estamos vivendo a pós-modernidade. Tudo é imediato. Quem era a pessoa? O que ela
faz? O que ela tem? Quando as perguntas deveriam ser opostas: Essa pessoa agrega
emocionalmente ou intelectualmente? Como foi a qualidade dessa troca afetiva?
Outra questão que incomoda muito na tentativa de controlar é que podemos ter um
sonho que nos leva lá para trás ou então para frente. É comum esses sonhos acontecerem.
Jung os observou várias vezes. Você pode ter um sonho que lança luz sobre um evento
que não aconteceu ainda. É claro que só se saberá quando esse evento acontecer.
O inconsciente não age dessa forma para que evitemos a situação. O que achamos que
acontece é que acabamos nos preparando um pouco para ela.
Jung atribui um papel de grande importância aos sonhos em nossa psique, pois eles
auxiliam na compensação de influências dispersadoras.
Dessa forma, a função dos sonhos é favorecer o equilíbrio psíquico total através de uma
balança compensatória psicológica.
71
UNIDADE II │ Conceitos Psicológicos
Figura 42.
Fonte: <http://mundodapsi.com/jung-interpretacao-dos-sonhos/>.
Pintar ou desenhar os sonhos é uma forma de digerir seus conteúdos. Para Jung a livre
associação não ajuda na compreensão do sonho, pois ela traz à tona os complexos e não
o significado do conteúdo onírico.
Símbolos tem mais de um significado, como sonhar com uma zebra – por exemplo –
pode significar o mesmo para cada uma das pessoas que lê esse caderno de estudos
nesse exato momento. Isso é possível? E as nossas vivências.
Agora imaginem sites, livros, revistas e sabe lá mais o que que possa trazer o significado
e a interpretação dos sonhos de A à Z. O que representa o trabalho do Psicólogo?
Como uma lista de nomes irá substituir a atuação profissional de cada um de nós?
Retornando aos sonhos e sua interpretação, para que essa seja uma prática
bem-sucedida é necessário que se leve em consideração o comportamento, as emoções,
as experiências de nosso atendido. O caráter da interpretação é experimental, até que
essa interpretação seja validada pelo nosso atendido.
A maneira como Jung interpreta os sonhos é mais complexa. E aqui não é uma crítica
em relação à Psicanálise, mas uma constatação.
Os que nos é produtivo compreender, agora, é que os sonhos são nossos amigos, pois
nos colocam em contato com nosso inconsciente.
73
Processos Unidade iII
Psicopatológicos
Figura 43.
Fonte: <http://psicoativo.com/wp-content/uploads/2016/07/ilusao-de-otica-sinistra-bailarina-palhaco-580x445.jpg>.
Vamos trabalhar com a visão de que existe algo na psique que precisa ser entendido
através do processo psicoterápico.
Esse fato é entendido por meio da relação de troca entre o consciente e o inconsciente.
Quando há algo que é percebido como incomodo à consciência, devemos buscar a fonte
desse desequilíbrio em processos inconscientes.
A questão que precisa ser respondida é: qual parte da psique, qual conteúdo, está
precisando ser atendido, ser observado?
A busca a essa resposta nos leva as perceber quais complexos estão mais atuantes nos
processos normais executados pelo Ego (Eu).
74
Capítulo 1
Os complexos nas psicopatologias e
outros temas correlatos
Figura 44.
Fonte: <http://psicoativo.com/wp-content/uploads/2016/04/cerebro-numa-cuba-hilary-putnam-500x445.jpg>.
75
UNIDADE III │ Processos Psicopatológicos
A visão que o indivíduo tem do mundo sofre modificações a cada estágio do seu
desenvolvimento, sendo as variações de arquétipos, símbolos, deuses e mitos, a expressão
e o instrumento para essa mudança. São essas representações que irão direcionar o
desenvolvimento do indivíduo juntamente com a relação com o meio externo.
De acordo com Neumann (1995), a história só se inicia com um sujeito capaz de fazer
experiências, ou seja, quando o Ego e a consciência já existem.
Em seu livro “A criança” (1991), Neumann relata que nos primeiros meses de vida o
ego se forma ou começa a se desenvolver. Nessa época, o núcleo do ego se encontra
presente, cresce e adquire unidade, podendo se referir a um ego infantil levemente
estruturado. Aqui podemos nos referir a existência do pré-ego.
Figura 45.
Fonte: <http://aquariusthewaterbearer.com/wp-content/uploads/2015/06/ouroboros.png-300x296.jpeg>.
Esse período é caracterizado perlo símbolo da Uroboros, a cobra que engole o próprio
rabo, uma das representações da totalidade.
76
Processos Psicopatológicos │ UNIDADE III
Para Jung a criança começa a tomar consciência de si, ao dizer “eu”. Nesse momento
ocorre o processo de emersão da consciência – que se diferencia do inconsciente.
Para a Psicologia Analítica, até os 20 anos vai ocorrer o maior e mais intenso
desenvolvimento da consciência e, depois desse período se torna menos provável que novas
partes da esfera inconsciente venham se juntar a ela. Sendo assim, o amadurecimento da
criança é um processo que só surge à medida que a consciência do ego e a individualidade
se desenvolvem, favorecendo o processo da individualização que, em geral, é processo de
formação e particularização do ser individual, distinto do coletivo.
Jung (1995) desenvolve a teoria dos complexos, quando chega à conclusão de que
todas as psicopatologias possuem complexos autônomos que perturbam a consciência
fazendo com que as pessoas adoeçam. Nesse sentido, o que gera a patologia é o conflito
entre um complexo autônomo e o Eu.
Sendo assim, para Jung, tanto as neuroses quanto as psicoses têm sua base na teoria
dos complexos.
Assim, a doença expressa um conteúdo profundo da psique e que a forma dessa doença
se expressar no campo emocional ou físico, depende da forma patológica de expressar
tal conteúdo. Assim, há a forma abstrata e a forma mais concreta, corporal.
A somatização pode ser o resultado da expressão de um conteúdo que ainda não foi convertido
em uma linguagem verbal, mas corporal. A linguagem corporal usada na patologia remete à
linguagem da infância, não verbal, uma linguagem arcaica onde o corpo fala.
77
UNIDADE III │ Processos Psicopatológicos
que os sintomas são expressões simbólicas que de forma violenta violam e revelam a
existência do conflito entre o Eu e o Inconsciente.
Ou seja, entre as suas crenças e questões mentais com o mundo interior, que dá
sentido e significado à própria existência. Dessa forma quando surge um sintoma,
inevitavelmente surge uma sentença de morte.
Assim, surge a necessidade que aconteça uma transformação – essa morte é simbólica.
A visão de mundo do indivíduo tem que mudar. E se não acontecer essa mudança do
ponto de vista dos valores e crenças, não vai ocorrer a mudança das atitudes – que o
leva a desenvolver o mesmo modus operandi.
78
As diferentes formas Unidade iV
de atuação
Capítulo 1
Desdobramentos na práxis da
psicologia analítica
Figura 46.
Fonte: <http://academiadopsicologo.tempsite.ws/uploads/2017/07/bigstock-132088565.jpg>.
A psicoterapia é algo que existe desde que o primeiro ser humano experimentou algo
desconfortante. Uma angustia, um sentimento existencial de que precisava encontrar
sentido e significado para o seu ser no mundo.
Nós sofremos não por causa do trauma, ou dos nossos traumas; porque todo ser humano
é traumatizado. O próprio nascimento é visto como uma experiência traumática.
Vide o famoso livro de Otto Rank: “Trauma do Nascimento”. Então, nascer é um trauma.
79
UNIDADE IV │ As diferentes formas de atuação
O início da vida é uma experiência nada simples. E sabemos das consequências de uma
intolerância a essas experiências iniciais sobretudo quando não há um bom apoio que
acolha ou seja capaz de receber o desespero do nascimento. Estamos falando da mãe
positiva junguiana.
Se nascer é traumático. A capacidade de lidar com isso é que vai determinar como nós
resolvemos os nossos dramas existenciais e, nesse caso, até mesmo um drama biológico.
Não são os traumas os nossos problemas, mas a forma como lidamos com eles.
Em “Memórias, sonhos e reflexões”, o livro autobiográfico de Carl Gustav Jung, ele diz
que quem vê sua a obra, vê a vida dele. Que não há nenhuma diferença entre o que ele
andou escrevendo e estudando e publicando e a vida interior dele.
Na verdade, os trabalhos acadêmicos de Jung e sua obra completa refletem o seu mundo
interior, a prática da psicoterapia dele é um reflexo do seu mundo interno, o qual ele foi
capaz de realizar.
Novamente, quando lemos “Memórias, sonhos e reflexões” nós vemos que Jung foi
uma criança extremamente problemática. Perturbada. A ponto de Donald Winnicott
chegar a dizer que na infância Jung desenvolveu uma esquizofrenia infantil. Pensamos
que Winnicott exagerou e era alguém que tinha problemas. Aliás como todos têm.
Mas, o fato é que Jung era uma criança com suas peculiaridades, atormentado, e em
constante sofrimento. Era uma criança muito angustiada.
Dito isso, costumamos dizer que o terapeuta é constituído de duas estrelas que se unem
em um jogo amoroso de encantamento.
A primeira é a dor. Uma estrela dor, que lateja, dentro da alma do próprio terapeuta.
E ele pode avistar desde o início da sua vida como Jung foi capaz de avistar. E tal como
é a biografia do Jung.
E a segunda estrela é a paixão. Paixão por essa dor. A paixão por compreender essa dor.
É uma espécie de sacerdócio de vida devotada à compreensão da alma humana e como
um ser humano é consonante a todas as coisas que existem no mundo. Quando alguém
desvenda alguma coisa de si é como de desvendasse algo sobre o resto do mundo. O todo.
80
As diferentes formas de atuação │ UNIDADE IV
Isso é extraordinário, pois pessoas as quais não conhecemos e que estão em lugares
distantes, ao resolver questões internas, “pulverizam” no ar esses “átomos psíquicos”,
como diria Demócrito.
São pensamentos que ficam por aí, no ar, no cosmos, e vai que pegamos um desses. E tenho
um insight extraordinário sem saber de ode veio, nem como chegou, simplesmente aparece.
A única precondição é que estejamos em sintonia. Sintonia com o quê? Com a minha
alma, com as minhas questões internas.
Como terapeutas temos nossas vivências – como todos as têm. Mas, a grande questão
é saber lidar criativamente com as dificuldades que constituem o fato de existir no
mundo para o desenvolvimento e se entender esses desafios. Essas situações de conflito
são situações naturais do próprio processo de individuação. E que sem esses processos,
sem esses conflitos, não há como haver um processo de individuação, na medida em
que tal processo constitui a integração desses componentes que estão distanciados da
consciência.
Figura 47.
Fonte: <https://cdn.culturagenial.com/imagens/o-grito-evard-munch-0.jpg>.
Então, nós podemos tranquilamente dizer que a vida é crise. Toda vida humana é crise
e não precisamos ficar entristecidos ou frustrados com o fato de a vida ser crise.
81
UNIDADE IV │ As diferentes formas de atuação
Portanto, é a nossa atitude em frente às crises que constituem a jornada de toda vida que
fazem com que nossa jornada seja bem aproveitada e integrada como autoconhecimento
e sabedoria.
Cremos que o fato de Jung ter percebido de forma positiva essas situações e ter descrito,
o método dele como teleológico; ou seja, tem um fim, uma meta.
Houve encontro com Freud que teve muito valor, mas que possibilitou perceber as
discordâncias – como as causas das neuroses. E mesmo sabendo da importância em
saber das causas, há uma complementação entre Freud e Jung. São os opostos, que
até podem não necessariamente se atrair sempre, mas que em determinados casos
apresentam a concatenação de ideias. Não devemos nos desesperar!
Esse fator é uma das contribuições mais valiosas da fala de Jung, aos que estão aqui para
conhecer mais sobre seu manancial de ideias e sobre a forma de acolher o sofrimento
do paciente. O desespero não conduz a lugar algum.
Cada qual deve descobrir o seu mito pessoal e perceber com clareza qual o caminho deve
percorrer, estando ciente de que as dificuldades surgiram, mas haverá um Ego heroico
capaz de lutar – no sentido de se misturar com a coisa, extraindo dela a essência vital,
antes desperdiçada no inconsciente. Agora disponível para consciência.
82
Para (Não) Finalizar
Figura 48.
Fonte: <http://4.bp.blogspot.com/-BvajXaRBfwk/VXIpg2tUHwI/AAAAAAAALBs/KKaPNSiXtAI/s320/Espiral%2Bda%2BVida%2BII.jpg>.
Em 1905, com 30 anos de idade, Carl Gustav Jung conheceu um jovem alemão que
trabalhava como escriturário em um escritório de patentes suíço. O jovem, em questão
se chamava Albert Einstein.
De certa forma, Einstein tinha um coração místico. Quando criança ele havia observado
os movimentos da agulha de uma bússola e jurou, a si próprio, que um dia ele iria
conhecer a mente de Deus.
Assim como Newton, Einstein entrava em estados alterados da consciência que chamava
de exercícios mentais e intuitivamente chegou às suas descobertas. Somente mais tarde
Einstein iria retomá-las com fórmulas e provas.
Em 1904, Einstein escreve cinco artigos sobre a “nova física” publicados na revista
“Annalen der Physik” – a revista mais importante sobre Física – sendo o primeiro
desses artigos escrito em 1901, quando ele tinha 22 anos. Nesses artigos havia teorias
que reescreviam as regras do Universo. Nelas ele apresentou a teoria da relatividade
defendendo que tempo e espaço são relativos. Conceitos mutáveis não absolutos.
83
Para (Não) Finalizar
Afinal, se descobria que o Universo era como um relógio gigante e que tudo funcionava
de maneira ordenada. Einstein apareceu e disse bem isso pode ser assim, mas também
é relativo. E virou tudo de ponta cabeça de novo.
Nas notas autobiográficas de Einstein, ele pedia a Newton que o perdoasse, por
revolucionar a ciência da Física. Einstein, enfim, resolvia a contradição que Newton
havia observado no comportamento da luz. A luz age como uma onda, mas às vezes age
como partícula e no processo ele finalmente provou a intuição de Newton a respeito da
existência de átomos.
Einstein rejeitou a Física Quântica. Mas, a Física Quântica não poderia ser ignorada.
Os conceitos do ocultismo iriam ajudar a entender algo sobre esse território não
mapeado.
84
para (não) finalizar
Os cientistas falavam do Efeito Pauli. Seus colegas dos laboratórios experimentais de física
falavam a ele que, por favor, ficasse longe. Porque assim que ele chegava no laboratório,
todos os experimentos paravam de funcionar. Ele na verdade, nem precisava entrar no
laboratório, ao desembarcar do trem os experimentos paravam de funcionar.
Pauli era, como muitos outros que tomamos como grandes cientistas, um propositor
consumado. Ele podia projetar o que estava para acontecer e acontecia, de certa
maneira. Ele era um dos mais criativos pensadores da Mecânica Quântica, por isso.
Pauli, como Newton, mergulhou fundo em seu trabalho e acabou tendo um colapso
mental. Em 1948, ele foi ao recém-criado Instituto C.G Jung em busca de ajuda do,
agora, famoso psicólogo. Assim que ele entrou no consultório o Efeito Pauli ocorreu,
de repente, um vaso caiu no chão. Ambos diriam mais tarde que quando o vaso se
estilhaçou eles reconheceram seus destinos.
Juntos, Jung e Pauli tentariam compreender o Universo, usando tanto a Física quanto
a Psicologia.
Jung e Pauli combinaram seu brilhantismo ne sua intuição e chegaram a uma Teoria do
Universo. Se a matéria se comporta de acordo com a observação, teriam os homens feito
sua própria realidade? Teriam os pensamentos e sonhos das pessoas criado o mundo?
É uma noção que muitos cientistas rejeitam e que ecoam no ocultismo.
Antigas ideias ocultistas de uma consciência latente que permeia nosso mundo, tornam
muitas das interpretações da Mecânica Quântica mais simples. Pois se a consciência
é essencial para o ato da observação para trazer uma realidade definida dessas ondas
quânticas de probabilidade, a vida, de certa forma, se explica melhor se houver outras
fontes de consciência além da nossa.
85
Referências
86
Referências
KLAUS M.; KENNEL, J. Pais/bebê: a formação do apego. Porto Alegre: ArtMed, 1993.
NASIO, J.D. Édipo: o complexo do qual nenhuma criança escapa. Rio de Janeiro:
Zahar, 2007.
PESSOA, Adalberto Ricardo. A quinta força: uma nova visão da alma humana.
São Paulo: DPL, 2003.
RIESMAN. D. The lonely crowd. New Haven: Yale University Press, 1950.
87
Referências
______. A face estética do self: teoria e clínica. São Paulo: Unimarco, 2005.
SILVEIRA, N. Jung: Vida e Obra. 7. ed. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1981.
SPITZ, Renné. O primeiro ano de vida. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
STEIN, Murray. Jung: o mapa da alma – uma introdução. São Paulo: Cultrix, 1998.
88