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Introdução

A competência em produção textual não depende apenas do conhecimento do código


lingüístico. Para ler e escrever com proficiência é imprescindível conhecer outros
textos, estar imerso nas relações intertextuais, pois um texto é produto de outro texto,
nasce de/em outros textos.

A essa relação (que pode ser explícita ou implícita) que se estabelece entre textos dá-
se o nome de intertextualidade. Ela influencia decisivamente, como estamos afirmando,
o processo de compreensão e de produção de textos.

Quem lê deve identificar, reconhecer, entender a remissão a outras obras, textos ou


trechos. As obras científicas, os ensaios, as monografias, as dissertações, as teses, por
exemplo, remetem explicitamente a autores reconhecidos, que corroboram os pontos de
vista defendidos. A compreensão de uma charge de jornal implica o conhecimento das
notícias do dia. A leitura de um romance, conto ou crônica e a compreensão de uma
propaganda aponta para outras obras, muitas vezes de forma implícita.

Nossa compreensão depende assim de nossas experiências de vida, de nossas


vivências, de nosso conhecimento de mundo, de nossas leituras. Quanto mais amplo o
cabedal de conhecimentos do leitor maior será sua competência para perceber que a
mensagem recebida dialoga com outras mensagens, por meio de referências, alusões ou
citações, e mais ampla será sua compreensão.

As referências são muitas vezes facilmente perceptíveis, identificadas pelo leitor. Por
exemplo, no anúncio publicitário sobre meias "Os fins justificam as meias", o leitor
percebe de imediato a recriação da máxima "Os fins justificam os meios". Há, por outro
lado, referências, alusões muito sutis, compartilhadas ou identificadas apenas por alguns
leitores, que têm um universo cultural, um conhecimento de mundo muito amplo.

A intertextualidade, como dissemos, também diz respeito à possibilidade de um texto


ser criado a partir de outro(s) texto(s). Quem escreve não escreve no vazio, pois um
texto não surge do nada. Nasce de/em outro(s) texto(s). Pode-se dizer que escrever é a
habilidade de aproveitar criticamente, criativamente outros materiais interdiscursivos,
outros textos. É por isso que quem lê está em situação privilegiada para escrever, uma
vez que se apropria, mediante a leitura, de idéias e de recursos de expressão.

Para ilustrar o fenômeno da intertextualidade bem como para pôr em destaque sua
relevância no momento da produção textual, apresentamos a proposta de trabalho
aplicada nas salas de aula da Famecos / PUCRS.

Para a realização do texto, apresenta-se a crônica de Fernando Sabino, em que o


aluno observa, entre outros fatos, o estilo do autor (frases curtas, nominais, repetições,
etc.). Apresenta-se também pequeno trecho do poema "Morte e Vida Severina" de João
Cabral de Melo Neto.

A tarefa consiste em produzir uma crônica apropriando-se dos textos acima referidos.
O resultado, como se verá, apropriou-se do estilo de Fernando Sabino e inseriu
adequadamente passagens do poema de João Cabral de Melo Neto.
Exercício de criação intertextual

Textos dos quais os alunos devem se apropriar

Notícia de Jornal

Fernando Sabino

Leio no jornal a notícia de que um homem morreu de fome. Um homem de cor


branca, 30 anos presumíveis, pobremente vestido, morreu de fome, sem socorros, em
pleno centro da cidade, permanecendo deitado na calçada durante 72 horas, para
finalmente morrer de fome.
Morreu de fome. Depois de insistentes pedidos e comentários, uma ambulância do
Pronto Socorro e uma radiopatrulha foram ao local, mas regressaram sem prestar
auxílio ao homem, que acabou morrendo de fome.
Um homem que morreu de fome. O comissário de plantão (um homem) afirmou
que o caso (morrer de fome) era da alçada da Delegacia de Mendicância, especialista
em homens que morrem de fome. E o homem morreu de fome.
O corpo do homem que morreu de fome foi recolhido ao Instituto Anatômico sem
ser identificado. Nada se sabe dele, senão que morreu de fome.
Um homem morre de fome em plena rua, entre centenas de passantes. Um homem
caído na rua. Um bêbado. Um vagabundo. Um mendigo, um anormal, um tarado, um
pária, um marginal, um proscrito, um bicho, uma coisa - não é um homem. E os
outros homens cumprem seu destino de passantes, que é o de passar. Durante setenta e
duas horas todos passam, ao lado do homem que morre de fome, com um olhar de
nojo, desdém, inquietação e até mesmo piedade, ou sem olhar nenhum. Passam, e o
homem continua morrendo de fome, sozinho, isolado, perdido entre os homens, sem
socorro e sem perdão.
Não é da alçada do comissário, nem do hospital, nem da rádiopatrulha, por que
haveria de ser daminha alçada? Que é que eu tenho com isso? Deixa o homem morrer
de fome.
E o homem morre de fome. De trinta anos presumíveis. Pobremente vestido.
Morreu de fome, diz o jornal. Louve-se a insistência dos comerciantes, que jamais
morrerão de fome, pedindo providências às autoridades. As autoridades nada mais
puderam fazer senão remover o corpo do homem. Deviam deixar que apodrecesse,
para escarmento dos outros homens. Nada mais puderam fazer senão esperar que
morresse de fome.
E ontem, depois de setenta e duas horas de inanição, tombado em plena rua, no
centro mais movimentado da cidade do Rio de Janeiro, Estado da Guanabara, um
homem morreu de fome.

Morte e Vida Severina

João Cabral de Melo Neto

De sua formosura
já venho dizer:
é um menino magro,
de muito peso não é,
mas tem o peso de homem,
de obra de ventre de mulher.

De sua formosura
deixai-me que diga:
é uma criança pálida,
é uma criança franzina,
mas tem a marca de homem,
marca de humana oficina.

Sua formosura
deixai-me que cante:
é um menino guenzo
como todos os desses mangues,
mas a máquina de homem
já bate nele, incessante.

Sua formosura
eis aqui descrita:
é uma criança pequena,
enclenque e setemesinha,
mas as mãos que criam coisas
nas suas já adivinha.

De sua formosura
deixai-me que diga:
é belo como o coqueiro
que vence a areia marinha.

De sua formosura
deixai-me que diga:
belo como o avelós
contra o Agreste de cinza.

De sua formosura
deixai-me que diga:
belo como a palmatória
na caatinga sem saliva.

De sua formosura
deixai-me que diga:
é tão belo como um sim
numa sala negativa.

É tão belo como a soca


que o canavial multiplica.
Belo porque é uma porta
abrindo-se me muitas saídas.
Belo como a última onda
que o fim do mar sempre adia.
É tão belo como as ondas
em sua adição infinita.

Belo porque tem do novo


a surpresa e a alegria.
Belo como a coisa nova
na prateleira até então vazia.
Como qualquer coisa nova
inaugurando o seu dia.
Ou como o caderno novo
quando a gente o principia.

E belo porque com o novo


todo o velho contagia.
Belo porque corrompe
com sangue novo a anemia.
Infecciona a miséria
com vida nova e sadia.
Com oásis, o deserto,
com ventos, a calmaria.

Proposta: apropriar-se dos textos para transmitir a mensagem de uma mulher que deu a
luz no corredor de um hospital por falta de atendimento adequado, sob a forma de
crônica jornalística.

Texto criado por aluno

Pariu no Corredor do Hospital

Renata Appel

Leio no jornal a notícia de uma mulher que pariu no corredor do Hospital Fêmina.
Jovem, negra, pobre, pariu no corredor do hospital, com poucos socorros, em pleno
banco estofado, em meio a enfermeiras, médicos e pacientes. Somente abriu as pernas
e deu à luz.
Pariu no corredor do hospital. Gritou por ajuda, clamou por assistência médica. No
entanto, o tempo não pôde esperar e acabou parindo em pleno corredor.
Gestante pariu no corredor de hospital. A enfermeira disse que havia falta de
quartos. Fêmina apresentava super lotação de parturientes. E a pobre negra somente
abriu as pernas e deu à luz.
Eis que de seu ventre surge um menino magro. De muito peso não é, mas tem peso
de homem, de obra de ventre de mulher. É uma criança pálida e franzina. Mas tem a
marca de homem, marca de humana oficina.
Pariu no corredor do hospital. Entre diversas enfermeiras, médicos e pacientes.
Mulher pobre. Sozinha. Miserável. Gestante. Jovem demais. Negra. Baixo nível.
Ignorante. Um bicho, uma coisa - não foi tratada como digna parturiente. E pariu no
corredor do hospital. E eis que de seu ventre salta uma criança pequena. É tão bela
como um sim numa sala negativa.
Não é responsabilidade dos profissionais, nem do hospital, nem das autoridades. O
que têm a ver com o fato? Deixa a mulher parir em pleno corredor.
E ela, o que faz? Jovem e destemida dá à luz sobre um banco estofado, sem
recursos e com pouco auxílio. E eis que de seu ventre nasce o menino. Somente após
o ocorrido, a jovem é amparada. Nos braços, o rebento abençoado infecciona a
miséria com vida nova e sadia.

Observe-se como a aluna se apropria habilmente de recursos lingüísticos encontrados


na crônica de Fernando Sabino:

Crônica de Fernando Sabino Texto de Renata Appel

A repetição "morreu de fome" A repetição "pariu no corredor do


(18 ocorrências) Hospital"
(7 ocorrências)
Frases nominais: "Um homem caído na rua.
Um bêbado. Um vagabundo. Um mendigo, Frases nominais: "Mulher pobre.
um anormal, um tarado, um pária, um Sozinha. Miserável. Gestante. Jovem
marginal, um proscrito, um bicho, uma coisa demais. Negra. Baixo nível. Ignorante.
- não é um um homem." Um bicho, uma coisa - não foi tratada
como digna parturiente."

Observe-se igualmente como a aluna insere passagens do poema de João Cabral de


Melo Neto:

 " Eis que de seu ventre surge um menino negro. De muito peso não é, mas tem
peso de homem, e franzina. Mas tem a marca de homem, marca de humana oficina.

 É tão bela quanto um sim numa sala negativa

 ... infecciona a miséria com vida nova e sadia.

É evidente que a repetição de expressões, o uso adequado de frases curtas, nominais,


fragmentadas e a referência aos versos do poema "Morte e vida severina" conferem à
crônica traços de literariedade.

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