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A essa relação (que pode ser explícita ou implícita) que se estabelece entre textos dá-
se o nome de intertextualidade. Ela influencia decisivamente, como estamos afirmando,
o processo de compreensão e de produção de textos.
As referências são muitas vezes facilmente perceptíveis, identificadas pelo leitor. Por
exemplo, no anúncio publicitário sobre meias "Os fins justificam as meias", o leitor
percebe de imediato a recriação da máxima "Os fins justificam os meios". Há, por outro
lado, referências, alusões muito sutis, compartilhadas ou identificadas apenas por alguns
leitores, que têm um universo cultural, um conhecimento de mundo muito amplo.
Para ilustrar o fenômeno da intertextualidade bem como para pôr em destaque sua
relevância no momento da produção textual, apresentamos a proposta de trabalho
aplicada nas salas de aula da Famecos / PUCRS.
A tarefa consiste em produzir uma crônica apropriando-se dos textos acima referidos.
O resultado, como se verá, apropriou-se do estilo de Fernando Sabino e inseriu
adequadamente passagens do poema de João Cabral de Melo Neto.
Exercício de criação intertextual
Notícia de Jornal
Fernando Sabino
De sua formosura
já venho dizer:
é um menino magro,
de muito peso não é,
mas tem o peso de homem,
de obra de ventre de mulher.
De sua formosura
deixai-me que diga:
é uma criança pálida,
é uma criança franzina,
mas tem a marca de homem,
marca de humana oficina.
Sua formosura
deixai-me que cante:
é um menino guenzo
como todos os desses mangues,
mas a máquina de homem
já bate nele, incessante.
Sua formosura
eis aqui descrita:
é uma criança pequena,
enclenque e setemesinha,
mas as mãos que criam coisas
nas suas já adivinha.
De sua formosura
deixai-me que diga:
é belo como o coqueiro
que vence a areia marinha.
De sua formosura
deixai-me que diga:
belo como o avelós
contra o Agreste de cinza.
De sua formosura
deixai-me que diga:
belo como a palmatória
na caatinga sem saliva.
De sua formosura
deixai-me que diga:
é tão belo como um sim
numa sala negativa.
Proposta: apropriar-se dos textos para transmitir a mensagem de uma mulher que deu a
luz no corredor de um hospital por falta de atendimento adequado, sob a forma de
crônica jornalística.
Renata Appel
Leio no jornal a notícia de uma mulher que pariu no corredor do Hospital Fêmina.
Jovem, negra, pobre, pariu no corredor do hospital, com poucos socorros, em pleno
banco estofado, em meio a enfermeiras, médicos e pacientes. Somente abriu as pernas
e deu à luz.
Pariu no corredor do hospital. Gritou por ajuda, clamou por assistência médica. No
entanto, o tempo não pôde esperar e acabou parindo em pleno corredor.
Gestante pariu no corredor de hospital. A enfermeira disse que havia falta de
quartos. Fêmina apresentava super lotação de parturientes. E a pobre negra somente
abriu as pernas e deu à luz.
Eis que de seu ventre surge um menino magro. De muito peso não é, mas tem peso
de homem, de obra de ventre de mulher. É uma criança pálida e franzina. Mas tem a
marca de homem, marca de humana oficina.
Pariu no corredor do hospital. Entre diversas enfermeiras, médicos e pacientes.
Mulher pobre. Sozinha. Miserável. Gestante. Jovem demais. Negra. Baixo nível.
Ignorante. Um bicho, uma coisa - não foi tratada como digna parturiente. E pariu no
corredor do hospital. E eis que de seu ventre salta uma criança pequena. É tão bela
como um sim numa sala negativa.
Não é responsabilidade dos profissionais, nem do hospital, nem das autoridades. O
que têm a ver com o fato? Deixa a mulher parir em pleno corredor.
E ela, o que faz? Jovem e destemida dá à luz sobre um banco estofado, sem
recursos e com pouco auxílio. E eis que de seu ventre nasce o menino. Somente após
o ocorrido, a jovem é amparada. Nos braços, o rebento abençoado infecciona a
miséria com vida nova e sadia.
" Eis que de seu ventre surge um menino negro. De muito peso não é, mas tem
peso de homem, e franzina. Mas tem a marca de homem, marca de humana oficina.