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%0 laudo psicológico, em referência ao encaminhamento de portadores

de deficiências mentais leves a classes especiais, "freqüentemente, não é


O laudo psicológico mais do que um engodo". O psicólogo termina por legitimar discriminação
e a classe especial1 e segregação de crianças, "a pretexto de problemas ou dificuldades que
Roberto Moraes Salazar 2 apresentam na escola ". Esta questão é discutida em vista da realização de
pesquisa pertinente à matéria. F .w , „ ,

1-Considerações inici
No decorrer da minha
vida profissional, atuando como
psicólogo clínico e educacional,
vejo emergir diariamente muitas
questões e problemas que me têm
despertado interesse. Entre as
questões e os problemas que mais
me têm preocupado estão aqueles
originados das ações derivadas
das relações que se firmam entre
o psicólogo e a escola. E entre
tantas inquietações, aquela que
mais me perturba atualmente,
refere-se ao laudo psicológico
utilizado para o
pretexto de problemas ou encaminhamentos de crianças para
encaminhamento de crianças
dificuldades que apresentam na serviços psicológicos com queixas de
às classes especiais para
escola. problemas escolares que
portadores de deficiência
Ao longo desses anos de pretensamente se legitimam sobre a
mental (DM).
atuação convivendo com o cotidiano base de aspectos psicológicos e não
Esta inquietação é
de algumas escolas, pude observar pedagógicos. Esse procedimento
resultante do fato de entendermos
que há uma tendência para se reflete, a nosso ver, um modo de
que o laudo, produto derivado de
acreditar que problemas escolares justificar uma ação escolar pouco
ações que se constituem das
relacionados às questões de eficaz, muitas vezes calcada em
relações formalizadas entre o aprendizagem, derivados das ações práticas preconceituosas,
psicólogo e a escola, têm se que se processam no seio da escola, discriminatórias e estereotipadas,
caracterizado como um só terão solução, se forem levando a escola, com freqüência, a
documento perverso e poderoso repassados aos especialistas que se atribuir a responsabilidade das causas
ao ser utilizado para encaminhar à situam fora do espaço escolar. Esse dos inúmeros problemas que surgem
classe especial crianças que são modo de pensar propicia um aumento durante as relações estabelecidas
discriminadas e segregadas sob cada vez maior no número de entre ela e o aluno, à criança e à sua
família. aos textos de Patto(1990), Collares
Em 1989, a equipe de Saúde & Moysés(1992; 1986) e
Mental do Sistema Único Machado(1990) quando se referem
Descentralizado de Saúde (SUDS-3) ao fracasso escolar. Segundo essas
/ Administração Reginal de Saúde autoras, ao se atribuir as causas do
(ARS-3) - em São Paulo, realizou um insucesso escolar à própria criança,
levantamento com crianças na faixa localiza-se nela uma incapacidade
etária de seis a catorze anos, entre para aprender. Assim, a escola
os dias dois e quinze de maio, em aparece isenta de responsabilidade e
treze das vinte e uma Unidades o fracasso da criança passa a ser
Básicas de Saúde (UBS) explicado sob nominações causais
pertencentes a essa regional, para variadas, tais como: "distúrbios",
conhecer a origem e os motivos dos "disfunção", "problemas",
encaminhamentos que recebiam. Nele "dificuldades", "carência",
se constatou que dos 88 "desnutrição", "família
encaminhamentos de crianças feitos desestruturada", entre outras, que se
para atendimentos nessas UBS, 44 situam num âmbito bem mais próximo
(50%) foram realizados por escolas da doença e de razões sociais do
e 23 (26,2%) pelos pais. Das 82 que de situações escolares reais.
queixas formalizadas para justificar Nessa perspectiva passa-se a seus "problemas escolares".
esses encaminhamentos, 41 (50%) crer que as respostas ou soluções Nesse sentido, a escola repassa
eram referentes a dificuldades de para as causas desses problemas - uma responsabilidade que é sua a
aprendizagem na escola e 17 que dão origem à produção do um outro profissional, o
(20,73%) se referiam a distúrbios de fracasso escolar - não se encontram psicólogo, na crença de que este
comportamento relacionados à mais na escola, mas sim fora dela. poderá explicar ou solucionar a
escola. Essas posições, como é queixa em questão.
É interessante enfatizar, que possível perceber, levam Entretanto se analisarmos
dos 88 encaminhamentos realizados invariavelmente a se transferirem a fundo essas ações, veremos de
para as Unidades de Saúde, metade responsabilidades que seriam da área um lado a escola querendo abrir
deles era proveniente de escolas. pedagógica - que deve criar e mão das suas responsabilidades
No tocante às queixas, dois terços buscar soluções na própria escola pedagógicas e do outro o
delas se situavam nas "dificuldades para auxiliar as dificuldades dos psicólogo acreditando na sua
de aprendizagem" e nos "distúrbios seus alunos - para outras áreas competência para esclarecer e
de comportamento" e apenas um situadas em outros níveis de uma ação resolver os problemas escolares a
terço não mantinha relação alguma não pedagógica e que se encontram partir das suas avaliações, apesar
com questões escolares. Essa além dos muros e dos portões da sua formação pouco adequada
situação reflete, de maneira muito escolares, como por exemplo: a área e do seu insuficiente conhecimento
sutil, a discriminação e o preconceito psicológica. Desse modo, essa para lidar com as questões
que a maioria das crianças transferência de uma área para outra, educacionais que emergem na
encaminhadas sofre e contribui para configura-se geralmente, de forma instituição escolar3 .
reafirmar muitas das idéias mais significativa e mais freqüente, a Temos visto autores como
equivocadas que se mantêm sobre o partir de uma solicitação da escola aos Collares & Moyses (1992) se
fracasso delas na escola. pais da criança com dificuldades de posicionarem de forma bastante
comportamento ou de aprendizagem. crítica, sobre essa ação dos
Para melhor compreensão de Assim, a escola pressiona os pais a profissionais da saúde - incluindo
números tão expressivos de encaminharem o aluno que ela aqui o psicólogo - e o modo como
encaminhamentos escolares com consideraproblemático ao psicólogo ela vem se processando dentro do
queixas dessa natureza, remetemos para que este avalie e/ou trate dos espaço escolar, principalmente no
que se refere ao modo como eles ser objeto de reflexão e mudança - o "doentes" e assim uma pretensa solução
encaram os problemas escolares processo pedagógico - fica que tem se apresentado, foi a criação
das crianças ao realizarem as suas mascarado, escamoteado, pelo e a crescente ampliação das classes
avaliações, como podemos ver no diagnosticar e tratar singularizados, especiais nas escolas.
texto que se segue: uma vez que o problema, o 'mal' está
A classe especial
sempre localizado no
"A atuação de um profissional da saúde no aluno. E o fim do
A classe especial é uma
processo é a
espaço escolar inevitavelmente acarreta a modalidade de atendimento entre
culpabilização da
patologização desse espaço. Sua formação outras três oferecidas na Educação
víima."(Collares &
é calcada exclusivamente no modelo Moysés, 1992, p.27) Especial para alunos caracterizados
como "excepcionais", conforme a
clínico, preferencialmente individual, A i n d a
definição estabelecida na
biológico... De modo geral, esses segundo as autoras,
Deliberação do Conselho Estadual de
profissionais, assim como o médico, tendem esses rótulos atribuídos
Educação - CEE n° 13/734 , que
a utilizar o modelo clinico às crianças que
considera como "...excepcionais os
apresentam
indiscriminadamente, frente a qualquer alunos que, devido a condições
dificuldades na escola
problema, inclusive frente às questões físicas, mentais, emocionais ou
e que se firmam nesse
sociais. Tornam-se, assim, eficientes sócio-culturais, necessitam de
processo de avaliação
processos especiais de educação
(porque inconscientes) agentes de um diagnóstica que
para o pleno desenvolvimento de
processo de ocultação dos determinantes culpabiliza o aluno ao
suas potencialidades." Essa
sociais dos conflitos; tendem a biologizar, localizar nele o
caracterização se dá a partir de uma
a patologizar qualquer problema que devam problema, não
avaliação específica da criança por
interferem apenas na
enfrentar. Tentam encontrar a doença, o um profissional credenciado na área
vida escolar, mas
distúrbio, o desvio que explique e justifique na qual a excepcionalidade se
também em todo o
o problema. 'Doença'preferencialmente manifesta. As excepcionalidades
desenvolvimento da
consideradas para efeito de
biológica, mas sempre localizada no personalidade, da
avaliação e de atendimento em
indivíduo, isentando de responsabilidades auto-estima, do
classes especiais são: as deficiências
o sistema educacional." (Coitares & autoconceito. Desse
auditiva, física, mental e visual em um
Moysés, 1992, p.27) modo, a criança
determinado nível, e também os
introjeta a 'doença' e
alunos superdotados e talentosos
passa a se considerar
Collares & Moysés (SÃO PAULO (ESTADO)
doente, mantendo assim esses rótulos
comentam que essa forma de atuar Secretaria da Saúde - DAE, 1987).
cruelmente ligados à vida.
leva a um processo de patologização A criação de classes
Nessa ótica, em que os
que altera as relações profissionais especiais para esses fins é decorrente
problemas enfrentados no espaço
na escola, quando transforma os de dois fatores:
escolar são situados quase que
professores - "responsáveis por O primeiro deles está
exclusivamente na própria criança e nos
analisar e resolver os problemas assegurado por um princípio básico
quais os profissionais da saúde
educacionais" - em triadores de da Constituição Brasileira que
contribuem com os seus diagnóticos
alunos para encaminhá-los aos estabelece o direito à educação
para a extensão e gravidade dessa
especialistas da saúde. Para elas esse igual para todos. Esse princípio
"patologização", a escola, que tem o
procedimento acalma a angústia, fundamenta a legislação federal e
dever de educar e de democratizar o
pois além de transferir os deveres estadual, que estabelece e fixa normas
seu espaço para todos, se vê obrigada
desses professores, desloca o eixo gerais, no sentido de oferecer um
- apesar das suas tentativas de
de preocupações do coletivo para atendimento educacional
encaminhamento - a tomar de volta para
si essas crianças consideradas especializado que atenda às
necessidades específicas dos desenvolvimento global. se refere à área de deficiência
portadores de deficiência e dos Essa modalidade de mental, o profissional responsável
superdotados, com o objetivo de atendimento, geralmente é designado para essa função,
integrá-los nas atividades regulares da encontrada dentro das escolas deverá ser o psicólogo.
escola e na comunidade, após um pertencentes à rede pública de ensino Essa avaliação é uma
período de permanência na classe estadual. Atende um número pre- exigência legal6 que tem como
especial. Estes princípios foram estabelecido de crianças, agrupadas objetivo obter informações
reafirmados e reassegurados na Lei de acordo com o tipo de necessidade específicas de acordo com as
no 9.394, de 20 de dezembro de especial da qual são portadoras. normas estabelecidas na Instrução
1996, que estabelece as novas Essas necessidades devem ser DAE/SE7 , como por exemplo o
Diretrizes e Bases da Educação devidamente diagnosticadas por um índice de QI da criança avaliada.
Nacional. profissional credenciado e as crianças Concluídos esses procedimentos e
Esta nova LDB contém devem ser acompanhadas em sala de constatada a "incapacidade" ou
pontos sobre a Educação Especial, aula por um professor especializado. "deficiência" do aluno para
apresentados dentro de uma permanecer na classe comum, o
proposta de um sistema nacional de A classe especial
resultado da avaliação deve ser
educação e estão incorporados no para portadores de DM
comunicado em forma de relatório
Título V - Dos Níveis e das (laudo) e mantido no prontuário do
Modalidades de Educação e Nesse quadro em que se
aluno para consulta do professor.
Ensino, no seu Capítulo V, composto configuram e se situam as classes
pelos artigos 58,59 e 60. especiais, vamos encontrar uma
O outro fator se deve às modalidade que se destina a atender A questão a ser estudada
preocupações e às crenças de muitos exclusivamente as crianças
Nesse ponto em que se
educadores, que vêem nessa caracterizadas como DM - "portadores
configura essa interface dentro do
modalidade de atendimento, uma de deficiência mental leve"(educável) - sistema educacional - de um lado
possibilidade de propiciar ao aluno de que "são alunos que, embora as classes especiais para portadores
classe especial - a partir de um possuam grau de inteligência abaixo de deficiência mental e de um outro
ambiente físico adequado, com da média, podem ser alfabetizados os relatórios de avaliação
professor, equipamentos, métodos, seguindo programa curricular psicológica utilizados nos
técnicas e recursos pedagógicos adaptado às suas condições pessoais, encaminhamentos de alunos para
especializados - condições de alcançando ajustamento social e essas classes - é que gostaríamos
ocupacional e, na idade adulta, de situar a questão do nosso
independência econômica parcial ou problema de pesquisa, a saber,
total5." como estão sendo realizados os
Porem, antes que o aluno laudos psicológicos utilizados no
portador de DM possa frequentar a encaminhamento de crianças às
classe especial, é necessário que classes especiais para portadores
ele seja avaliado por uma equipe de DM.
interdisciplinar ou na Como podemos verificar na
impossibilidade dessa literatura (Machado, 1996,1990) e
avaliação acontecer, nas pesquisas de Souza & Sayão e
deverá ser realizada uma de Collares & Moysés,
outra, por um profissional apresentadas no I Encontro de
credenciado, que Educação Especial8 , esses laudos
caracterize o grau de têm se tornado nos últimos anos alvo
excepcionalidade da de constantes críticas e
criança. Nesse caso, que preocupações entre vários autores
que têm se inquietado com o especiais para DM, mostrou que os apresentava do que das interações
cotidiano das classes especiais. resultados de uma avaliação contida em sociais que ele mantinha. Esta
As críticas feitas referem-se um laudo psicológico podem ser concepção, fortalecida pelos "sistemas
a que o psicólogo, ao realizar suas nocivos e ter repercussões gravíssimas teóricos de inspiração biológica e
avaliações e produzir um laudo sobre a vida escolar de uma criança fisicalista que, de uma forma ou de
psicológico em que deverá atestar encaminhada para essa classe. Nesse outra, imprimiram à psicologia o rumo
se a criança "está apta ou não" para prisma, a autora chama a nossa atenção da ciência positivista" (Patto, 1984,
ser encaminhada para a classe sobre os cuidados que se devem tomar p.90), ainda se mantém forte e viva em
especial, acaba por comprometer ao se encaminhar uma criança para a nosso meio, associada a umapostura
esse trabalho ao aceitar, reforçar e classe especial. Ela aponta para a liberal10 na qual se fundou o sistema
endossar de forma acrítica, a responsabilidade que se deve ter ao educacional do nosso país e que ainda
posição da escola que localiza no analisar os efeitos desse acontecimento,
persiste na escola. Tal concepção não
aluno o problema ou a dificuldade de modo que se possa prever possíveis permite que esses laudos ofereçam
que ele apresenta para aprender. mudanças nas opiniões constatadas e alternativas e aberturas suficientes
Ao fazer isso, o psicólogo muitas nas condutas sugeridas (p.85). Assim, sobre a forma de coletar os seus dados
vezes não conhece os problemas diante das considerações apresentadas e de emitir as suas informações, de
intra e extra-escolares que se dão pela autora, nas quais os laudos se modo que possam ser mais condizentes
na vida do aluno e nos bastidores inserem, é possível dizer que esse com a realidade e com as condições
das classes especiais. Outras críticas documento, que tem a pretensão de se de vida nas quais a criança está
apontadas se referem ao fato de o mostrar um instrumento útil, em favor einserida.
psicólogo utilizar instrumentos e em defesa do aluno que passa por uma Essas posições - ainda
técnicas tradicionais da psicologia avaliação psicológica, para promover, remanescentes nos enfoques
pouco adequados à realidade da defender, preservar e garantir o seu teóricos que dão sustentação aos
criança. Assim esses psicólogos desenvolvimento global9 dentro da laudos psicológicos - influenciam na
muitas vezes se preocupam apenas escola, frequentemente não é mais do forma e no modo como os mesmos
em avaliar, classificar, rotular e por que parte de um engodo ainda presente são compostos, contribuindo assim
fim apresentar o veredicto sob a na escola que se fundamenta ainda em para reafirmar ainda mais as
forma de um laudo. Desse modo, o antigos paradigmas e concepções condições já traduzidas nas
profissional objetiva a crença da psicológicas, ultrapassadas, que já nãoreflexões realizadas por Patto
"criança doente" - já cristalizada podem ser sustentadas nesse cotidiano, (1990; 1988), sobre o estigma e a
antes na escola - em detrimento das a não ser para fundamentar a segregação que estão presentes e
suas reais potencialidades, estabilização e a cronificação desse cristalizados dentro do espaço
cronificando apatologização numa processo patológico sobre as crianças escolar, contra milhares de crianças
pseudodeficiência mental. Nesse socialmente menos favorecidas. que são rotuladas dia-a-dia em
contexto, que sabemos se processar
Entendemos que o modo como nossas escolas por laudos emitidos
numa relação bem mais complexa
vêm sendo elaborados esses por esses especialistas como
do que essa que apontamos até
documentos hoje, é decorrente em "diferentes" ou "deficientes", o
agora, o psicólogo acaba
grande parte da própria matriz teórica que colabora, com certeza, para
contribuindo com os seus laudos
em que os laudos elaborados pelos justificar a "produção do fracasso
para a discriminação que se faz das
psicólogos estão assentados. Tal forma escolar" e consequentemente, para
crianças consideradas problemas,
de proceder, traz em si condições a exclusão dessas crianças da
tornando esse quadro ainda mais
limitadas e limitadoras próprias de um escola. Tal situação faz fomentar e
pungente quando falamos do
determinado momento dopensamento ratificar a idéia da necessidade de
encaminhamento delas para as
psicológico, em que se acreditava que criar-se, de maneira indiscriminada,
classes especiais.
o desenvolvimento do ser humano mais e mais classes especiais,
Machado (1994), na decorria mais da influência das como única solução ou alternativa
pesquisa que realizou com classes características biológicas que ele para superar esses problemas
escolares já crônicos em muitas Em fevereiro/94, o CRP/06 exigências básicas do seu "bom"
dessas instituições, prejudicando ou organizou vários grupos de discussões uso, como também, sobre a forma
impedindo a criança de seguir o seu de diversos setores de atuação da como os seus laudos são utilizados
processo natural de escolarização, psicologia para debaterem as propostas no sistema escolar.
através da exclusão. de uma ação nacional que Ao realizar uma pesquisa
Quando a exclusão não representasse a posição do conjunto de preliminar para traçar algumas linhas
acontece para esses alunos, o que psicólogos dessa regional para levá-las norteadoras que subsidiassem a
vemos é uma outra situação bem ao Congresso Nacional Constituinte da elaboração do meu projeto inicial de
mais cruel e dolorosa à qual muitas Psicologia 12 , que se realizou em pesquisa, com o objetivo de obter
dessas crianças são submetidas e agosto/94, em Campos do Jordão/SP. dados e informações mais precisas
da qual se tornam vítimas: a Este Congresso foi precedido e concretas sobre esses
segregação e a discriminação na em todos os Conselhos de Psicologia documentos, pude notar numa
escola. Esse quadro, no meu do país por discussões realizadas em primeira análise, ao vistoriar treze
entender, se constitui de modo encontros setoriais e Pré-Congressos laudos contidos em prontuários de
constrangedor, opressor e Regionais, que debateram e formularam alunos de uma classe especial de
discriminatório, talvez muito pior do propostas de ação para as áreas de uma escola da região Oeste do
que aquele que ocorre no processo atuação da Psicologia, entre elas a Município de São Paulo, que:
de exclusão, por ser bem mais Educação, sob a luz de grandes eixos
violento, isto porque, além de se temáticos, tais como: Entidades e a) esses documentos
criar e de se estabelecer um Organização Política; Exercício constituíam-se desvinculados de
processo de "patologização" das Profissional e Formação uma análise crítica e profunda das
questões educacionais e sociais Profissional13 . condições de vida e do cotidiano
(que isenta o sistema social e a As questões iniciais do meu escolar da criança.
escola de suas responsabilidades tema-problema de pesquisa,
na produção do fracasso dessas começaram a se configurar melhor no b) esses documentos pouco
crianças) gera-se um outro, bem período em que participei intensamente elucidavam, ajudavam ou
mais sutil e muito mais grave, qual das atividades que se desenrolaram no orientavam nas resoluções e nas
seja o de facilitar a internação de CRP/06, como discussões mantidas superações das questões relativas
crianças nas classes especiais. pelos encontros setoriais de Educação; aos alunos das classes especiais.
Diante dessa realidade e por na qualidade de integrante da
perceber que o laudo é parte delegação 14 paulista nesses Com freqüência, temos
fundamental na estabilização e Congressos e como fiscal eventual observado que aspectos como
cronificação desse processo de requisitado pelo Conselho Regional de esses, acima apontados, têm sido os
internação, ao pensar sobre um tema Psicologia de São Paulo para apurar, responsáveis por muitas das críticas
de pesquisa para desenvolver no no interior do Estado, denúncias de que são dirigidas a esses
mestrado, senti necessidade de irregularidades na confecção de documentos. As críticas apontam
centrar a minha atenção na questão laudos que eram utilizados para que os laudos têm servido apenas
do laudo psicológico utilizado para encaminhar crianças para classes para fortalecer o estigma e a
especiais.
encaminhar crianças à classe especial. segregação que existem na escola,
Pude observar nos materiais, ao não oferecerem informações

wtmr^mih dados e informações levantados e


obtidos nesse momento no Conselho
Regional - que a maioria dos laudos
psicológicas suficientes e/ou
necessárias, úteis à solução ou à
superação do problema da criança
As razões motivadoras deste psicológicos encaminhados às escolas, avaliada (Machado, 1996, 1990;
estudo prendem-se às minhas deixava evidente a desinformação, o Parto, 1995; Sass, 1994; I Encontro
participações no Conselho Regional de desconhecimento e o descaso que de Educação Especial 1 5 ). Soma-
Psicologia de São Paulol 1 .- CRP/06- muitos psicólogos têm sobre as se a essas críticas também o fato de
que a matriz teórica e ideológica na próprios psicólogos quanto em análise desses dados, nos propomos
qual se fundamenta o parecer - outros segmentos sociais. A par da também a:
outra denominação dada ao laudo - cega aceitação do laudo 1- Discutir a elaboração do
não favorece uma compreensão da psicológico, há uma rejeição diagnóstico psicológico na formação do
psicólogo.
dimensão psicológica do indivíduo, igualmente cega à elaboração de
2- Fornecer subsídios para
da sua realidade e das suas ações. documento técnico sobre a refletir sobre a formação profissional e
Possibilita sim, criar distorções que intimidade do sujeito. Psicólogos o trabalho na instituição escolar.
com uma certa constância têm recusam os instrumentos Acredito que essa pesquisa nos
gerado erros, medos, incertezas e historicamente construídos, sob permitirá obter elementos para
dúvidas, conforme pudemos variados pretextos, enquanto compreendermos melhor os rumos e as
observar nos trabalhos leigos reivindicam a utilização de formas como são elaborados esses
desenvolvidos por Machado (1996, tais instrumentos para justificar a laudos psicológicos hoje, e,
1990). condição subjetiva da pessoa... " consequentemente, servirá para
refletirmos sobre o sentido real que
A esse respeito há um artigo (Sass, 1994, p. 16).
eles têm no sistema educacional
de Patto, que ilustra muito bem essa Apoiado nos argumentos e nas brasileiro.
idéia: considerações apresentadas até agora, O fato de descortinarmos este
procuramos conduzir esse trabalho. "caso de (des)amor", que se configura
"Laudos invariavelmente Para isso visamos aos seguintes nas relações estabelecidas entre o
ausentes de substrato objetivos: laudo psicológico e o
teórico, mergulhados no 1- Conceituar teórica e encaminhamento da criança para
historicamente o significado e a uma classe especial de DM, fornecerá
senso comum, lacônicos,
construção do laudo psicológico, a nós, psicólogos, uma base para
arbitrários, carentes de quanto aos seguintes aspectos: refletirmos sobre as formas atuais de
crítica, feitos com uma a) - como se constituiu o laudo. encaminhamento de crianças às classes
displicência reveladora de b) - como o laudo é entendido, especiais e assim, pensarmos em formas
desrespeito pelo cliente e de concebido e utilizado, no que se refere de intervenções junto a essas classes,
certeza de que as pessoas ao encaminhamento de crianças às que sejam mais justas e mais úteis para
vítimas dessas práticas não classes especiais de DM. essas crianças. Esta intervenção, a
têm nenhum poder a opor ao 2- Coletar um conjunto de nosso ver, deverá ser mediada por uma
poder técnico, servem, na documentos que foram efetivamente ação mais crítica do psicólogo sobre o
verdade, para estancar a utilizados para encaminhar crianças seu trabalho, onde ele, consciente do
para as classes especiais de DM. seu papel, possa garantir, de fato, para
carreira escolar de tantos 3- Analisar esses documentos, esses alunos frequentemente rotulados
pequenos brasileiros" (Patto, para obter informações mais detalhadas como "deficientes mentais", um
1995, p.16). de como eles estão sendo realizados melhor atendimento psicológico, a fim
hoje, seguindo um roteiro previamente de possibilitar para essas crianças uma
Nessa perspectiva, estabelecido. permanência segura, saudável e estável
entendemos ser necessário Com base nos resultados da na escola.
discutirmos mais e conhecermos
melhor esses documentos que se NOTAS REDACIONAIS
1
constituem sobre representações Esse texto faz parte da Introdução da Dissertação de Mestrado: "O LAUDO
distintas dos psicólogos como PSICOLÓGICO E A CLASSE ESPECIAL: UMA ANÁLISE DE LAUDOS
PSICOLÓGICOS UTILIZADOS NO ENCAMINHAMENTO DE CRIANÇAS ÀS
comenta Sass, em artigo publicado CLASSES ESPECIAIS", sob a orientação da Profa. Dra. Maria Regina Maluf. Este
no Jornal do CRP/06: trabalho foi defendido em maio de 1997, no Programa de Estudos Pós-Graduados em
Psicologia da Educação da PUC de São Paulo. A Banca Examinadora foi composta
"... é curioso refletir sobre os pelo Prof. Dr. Odair Sass e pela Profa. Dra. Maria Helena Souza Patto.
2
entendimentos paradoxais Mestre pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia da Educação da
suscitados pelo laudo PUC/SP, Psicólogo e Professor em cursos de graduação e pós-graduação "lato-sensu "
na cidade de São Paulo.
psicológico, tanto entre os 3
Ver pesquisa realizada por Maria Regina Maluf (1996, pp.71-86) que discute a
forma como o conhecimento da Psicologia é passado e apropriado pelo psicólogo durante a sua formação.
4
"Homologada pela Resolução SE de 10-8-73, publicada no DO de U/8/83, p.20/21" (in: SÃO PAULO (ESTADO) Secretaria da
Saúde - DAE, 1987, p. 31)
5
Segundo a definição atribuída na Portaria Interministerial n° 186, de 10 de março de 1978 (in: SÃO PAULO (ESTADO)
Secretaria da Saúde -DAE, 1987, p.12)
6
Cf. Portaria Conjunta CENP/CEI/COGSP/DAE, Publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo, em 24 de dezembro de
1986(in: SÃO PAULO (ESTADO) Secretaria da Saúde - DAE, 1987, pp.40-41)
7
Ibid, (pp.43-45)
8
Este evento foi realizado em São Paulo pelo Conselho Regional de Psicologia - região 06, em 27 e 28 de outubro de 1995. Os
trabalhos apresentados nesse primeiro Encontro e citados neste artigo, estão no livro: "Educação Especial em Debate ", organizado
pelo CRP/06, publicado pela Casa do Psicólogo e lançado no II Encontro de Educação Especial, realizado em São Paulo, nos dias
13 e 14 de junho de 1997, pelo Conselho Regional de Psicologia.
9
Este desenvolvimento global é entendido no sentido de desenvolvimento sócio-emocional, escolar, psicomotor, orientação
temporo-espacial, linguagem etc.
10
Ver LA. Cunha, 1979, pp.27-60 e M.H.S. Patto, 1996, pp.53-64
11
A Região 06, é constituída pelo Estado de São Paulo. A sede, localiza-se na capital do Estado.
12
Com o apoio do plenário do congresso esse evento passou a ser denominado lo. Congresso Nacional da Psicologia.
13
Ver Conselho Federal e Conselhos Regionais de Psicologia. Processo Constituinte: Repensando a Psicologia. Congresso
Nacional Constituinte da Psicologia, Campos do Jordão 25 a 28 de agosto de 1994.
14
Nos pré-congressos também foram escolhidos os delegados (psicólogos representantes) para defenderem as teses elaboradas
pelos vários grupos de trabalho nos respectivos Congressos: Regional e Nacional.
15 Ver ref. bibliográficas: Conselho Regional de Psicologia - São Paulo. "Educação Especial em Debate", 1997.

Referências Bibliográficas
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SP, 25 a 28 de agosto de 1994. NACIONAL E DO ENSINO DE lo. e 2o. 1994, pp.157 -200.
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