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Direito Internacional Público

1º Ano, Licenciatura em Direito

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Nota Introdutória:
Esta sebenta diz respeito à matéria abordada no ano
letivo 2017/2018 da cadeira de Direito
Internacional Público (DIP), lecionada pelos
docentes Marta Chantal (aulas teóricas) e Tiago
Ramalho (aulas práticas).

Esta sebenta foi elaborada com a colaboração dos


apontamentos de Ana Margarida Marques Pereira e
tem como base as duas obras obrigatórias: Direito
Internacional Público e Ordem Jurídica Global do
século XXI, de Maria Luísa Duarte e Manual de
Direito Internacional Público, de André
Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros, bem
como os PowerPoints apresentados pela docente.

Este instrumento não substitui a leitura das obras


obrigatórias. É um mero acompanhamento ao
estudo.

Bom estudo!
Comissão de Curso do 1º ano, 2017/2018

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CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO AO DIREITO
INTERNACIONAL E RELAÇÕES INTERNACIONAIS
1 – Breves considerações acerca da evolução histórica do DI
• Aparecimento do DI:
Ø Até 476 d.C. (expansionismo dos impérios - primado da força);
Ø Até 1492 (influência da igreja católica).

• Do século XV até à 1ª Guerra Mundial:


Ø Surge o Estado (conceito de soberania de Jean Bodin - poder supremo na
ordem jurídica interna e independente e igual na ordem jurídica
internacional);
Ø Período do DI clássico (relações de reciprocidade/coordenação de soberanias
- paradigma da independência).

• Universalização do DI:
Ø A paz pelo Direito - período entre as duas guerras;
Ø A ordem jurídica internacional contemporânea - caracterizada por relações
de cooperação e de ajuda ao desenvolvimento/relações de integração; a nova
ordem mundial (paradigma de interdependência);
Ø O mundo após 11 de setembro de 2001.

• Já na Bíblia e nos filósofos, historiadores e poetas da Antiguidade clássica se


encontravam regras morais e políticas que se aplicavam a relações entre
Estados. No entanto, foi só com o Direito Romano que essas relações passaram
a ser disciplinadas por normas jurídicas.
• O estudo da História do conceito de Direito Internacional exige que se conheça
o processo de evolução da definição romana do ius gentium até ao Direito
Internacional tal como o entendemos hoje.

• Direito Internacional na Antiguidade Clássica:


Ø No tempo do Direito Romano, o ius gentium correspondia à parte do Direito
interno Romano que regulava relações entre cidadãos romanos e estrangeiros
(peregrinos) ou apenas entre peregrinos. Era um Direito universal, no
sentido de que possuía aceitação generalizada, porque se destinava a
satisfazer as necessidades comuns a todos os homens. Apesar de abranger
relações entre particulares (faceta do Direito Privado), este Direito das gentes
já possuía algumas áreas sensíveis ao Direito Público, particularmente no
que se referia à guerra.
Ø Apesar dos seus contornos, o ius gentium sofria de várias imprecisões e
confusões terminológicas. No entanto, foi com Ulpiano que se chegou à
primeira definição que historicamente se aproximava do moderno conceito
de Direito Internacional - “(…) é Direito das Gentes o que é usado por todos
os povos”.

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• Direito Internacional e a Escola Clássica Espanhola:
Ø Com a escola clássica espanhola do Direito Internacional Público, pôs-se
fim à imprecisão e confusão terminológica. O conceito de Direito
Internacional passou a ter uma base objetiva - a existência de uma
Comunidade Internacional que transcende os limites da Respublica
Christiana. O Direito Internacional surge aqui como a Ordem Jurídica da
Comunidade Internacional porque regula as relações entre os povos que
compõe aquela comunidade.
Ø Assim, com a escola clássica espanhola, nasceu o conceito moderno de
Direito Internacional - o Direito das Gentes em sentido próprio é aquele que
vincula os Estados nas relações entre si.

• Direito Internacional no século XX e XXI:


Ø O Direito Internacional clássico manter-se-ia como Direito Internacional da
Paz e da Guerra até aos nossos dias, mais concretamente, até ao fim da 1ª
Guerra Mundial de 1914-1918, que pôs em causa a ideia da soberania
indivisível dos Estados, sobre a qual assentava toda a construção do Direito
Internacional. Isto levou à transformação do Direito Internacional Público.
Ø De facto, a 1ª Guerra Mundial foi verdadeiramente destrutiva, o que motivou
os Estados a procurarem criar um organismo internacional - a Sociedade das
Nações - com o objetivo de prevenir a aparição de outra guerra. Este
organismo desde logo apresentou fragilidades, até porque os EUA não
aderiram e porque não proibiram verdadeiramente o recurso à força, apesar
de o tentarem adiar através da proposta de suspensão de hostilidades durante
meses. A verdade é que a SDN nunca chegou a colocar a guerra fora do
Direito.
Ø Entre as duas guerras mundiais, houveram esforços bilaterais no sentido de
colocar a guerra fora do Direito, sendo um exemplo o Pacto de Kellogg-
Briand (1928) entre o Secretário de Estado dos EUA Frank B. Kellogg e o
ministro francês das relações exteriores Aristide Briand. Ambos fizeram o
primeiro esforço internacional de celebrar um tratado no qual taxativamente
se proibia o recurso à força, exceto quando em legítima defesa. Como
sabemos, não foi suficiente para evitar a 2ª Guerra Mundial.
Ø A 2ª Guerra Mundial revelou mais uma vez que a principal ameaça ao
homem é o próprio homem. Acabou por resultar na substituição de uma
fracassada SDN pela Organização das Nações Unidas (ONU) com a Carta
de São Francisco, sendo um dos seus objetivos a colocação da guerra fora do
Direito.
Ø O pós-2ª Guerra Mundial trouxe um novo modo de estar e de pensar o
Direito Internacional, na medida em que a soberania passou a conviver com
a ideia de limites e regras comuns. A grande vocação da ONU passou a ser a
garantia da paz e da igualdade entre Estados.
Ø Embora a passagem de século represente, por norma, esperança, com o 11 de
setembro de 2001 esta esperança aniquilou-se.

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• Os grandes desafios atuais para o Direito Internacional:
Ø Alterações climáticas:
- Constituem o mais complicado desafio, uma vez que se problemas como
o aquecimento global não forem travados, podem produzir-se alterações na
atmosfera que alterarão completamente a vida como a conhecemos.
- Não existem normas jurídicas capazes de prevenir situações relativas às
alterações climáticas.
Ø Terrorismo internacional:
- Hoje vemos o recurso à força nas suas formas mais desumanas, iniciado
por sujeitos indiferenciados que não cabem nos conceitos que o DI consagrou até
à atualidade.
- O terrorismo internacional é um fator de desequilíbrio do equilíbrio
desejado pela Carta de São Francisco. É um problema para o século XXI e é um
inimigo de face invisível que conduz a uma instabilidade.
Ø Regulação dos oceanos:
- A principal área do planeta - o alto mar - não é regulada, representando
mais de metade do Planeta Terra e tendo poucas normas que se lhe aplicam. É por
isto que os oceanos são zonas de pirataria, tráfico ilegal, poluição, etc.
Ø Refugiados:
- Um problema sentido globalmente, nomeadamente na América Central e
Sul e no Sudeste Asiático.
Ø Democracias instáveis:
- Os novos países inseridos na democracia ainda não se adaptaram
completamente ao conceito, tendo muitas vezes democracias de aparência.

2 - Definição de Direito Internacional


• Critérios para a definição de Direito Internacional:
Ø Critério dos sujeitos: Direito Internacional como o conjunto de normas
jurídicas reguladoras das relações entre os Estados soberanos. O DI é quem
faz as normas e a quem se destinam as normas. Critério defendido por
Fauchille, Von Liszt e Anzilotti.
Ø Critério do objeto da norma internacional: Direito Internacional como
conjunto de normas jurídicas que regulam as matérias internacionais por
natureza. Seria necessário e possível separar as matérias da competência
interna do Estado daquelas que interessam à Comunidade Internacional. Este
critério é invalidado por ser muito difícil encontrar uma fronteira nítida entre
estas competências.
Ø Critério da forma de produção da norma internacional: Direito
Internacional como o conjunto de normas jurídicas criadas pelos processos de
produção jurídica próprios da Comunidade Internacional, e que transcendem
o âmbito estadual. É DI aquele que surge na Comunidade Internacional (por
ex., tratados internacionais, costume internacional, atos, etc.). Critério
defendido por Kelsen e Guggenheim.

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• Exemplos de definições de Direito Internacional:
Ø Critério dos sujeitos: “é um corpo de normas jurídicas que se aplica nas
relações entre os estados soberanos e outras entidades providas de
personalidade internacional” (Cristina Queiroz).
Ø Critério da forma de produção da norma: “conjunto de normas jurídicas
criadas pelos processos de produção jurídica próprios da comunidade
internacional e que transcendem o âmbito estadual” (AGPereira e FQuadros).
Ø Definição mista: “sistema de princípios e normas, de natureza jurídica, que
disciplinam os membros da sociedade internacional ao agirem numa posição
jurídico-pública no âmbito das suas relações internacionais” (Bacelar
Gouveia).

• Sociedade ou Comunidade Internacional:


Ø Tanto o conceito de sociedade como o de comunidade transmitem a ideia de
membros com interesses comuns e divergentes, fatores de aproximação
ou de conflito. Na comunidade, os fatores de agregação são mais fortes do
que os de desagregação, enquanto na sociedade passa-se o oposto.
Ø Esta construção foi transposta para o Direito Internacional, sendo que para o
Professor Georg Schwarzenberger na chamada Comunidade Internacional
existem interesses comuns e convergentes entre os Estados que a compõem,
mas o individualismo internacional dos Estados, fundado na soberania de
cada um deles, traduz-se num potencial fator de conflito, cujo efeito
desagregador é mais forte do que o efeito agregador. Como tal, a chamada
Comunidade Internacional integra-se na categoria de sociedade e não na de
Comunidade.
• Assim, autores que são menos crentes na capacidade de imposição do Direito
Internacional acabam por usar o termo “Sociedade Internacional”.

• Relações jurídicas entre Estados:


Ø Relações de coordenação ou cooperação: relações dominantes na
Comunidade Internacional. Resultam do simples relacionamento entre os
Estados e da necessidade sentida por eles de satisfazerem em conjunto
interesses comuns. São relações meramente horizontais, isto é, não implicam
limitações às soberanias.
Ø Relações de subordinação: caracterizam algumas áreas da Comunidade
Internacional. São iguais às relações que se estabelecem no interior do Estado
entre governantes e governados, pelo que provocam limitações à soberania
dos Estados.
Ø Relações de reciprocidade: o tipo mais antigo de relações na Comunidade
Internacional. Durante muito tempo, o Direito Internacional viveu sobretudo
de tratados bilaterais celebrados entre Estados, com o objetivo de disciplinar
uma dada matéria comum aos Estados em termos de reciprocidade. São
exemplos as relações entre Estados em matéria de dupla nacionalidade.

• Principais características do Direito Internacional:


Ø Parcela do Direito Público;

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Ø Policêntrico nas suas fontes e sujeitos/consequências:
- Pluralidade e incerteza na relação entre as fontes: o teste mais difícil à
credibilidade do raciocínio jurídico-aplicativo é descobrir qual é a regra e qual é a
extensão das excepções à regra, portanto é sobre a generalidade das matérias
reguladas pela lei internacional.
- Dispersão das normas: embora existam tratados de âmbito universal,
como a Carta das Nações Unidas, a situação mais comum é a coexistência de vários
tratados. A comunidade internacional não tem um estatuto jurídico único ou
codificado, porque a Carta das Nações Unidas só parcialmente funciona como tal.
Ø Fragmentação do Direito Internacional nas matérias abrangidas pela sua
regulação:
- Os Estados regem-se pelo princípio da plenitude do ordenamento
jurídico interno, na medida em que situações internas de conflito
obrigatoriamente encontram uma solução dentro da ordem jurídica interna.
- Na Idade Média, face à existência de lacunas, recorria-se ao Direito
Romano, por exemplo, dado que não havia resposta por parte do Direito
Português. Chegou a recorrer-se também às opiniões mais autorizadas dos grandes
jurisconsultos da época.
- Com a formação dos códigos, percebeu-se que cabia sempre ao Direito
interno criar uma solução para os problemas, de modo a não ter que se recorrer a
ordens jurídicas exteriores ou antigas. Assim se construiu paulatinamente o
princípio da plenitude do ordenamento jurídico interno. A solução do Direito
interno é em último caso caber ao juiz do processo colocar-se na posição do
legislador e aplicar os grandes princípios gerais que lhe informa a ordem jurídica
nacional e criar assim a solução ideal para o caso concreto quando o Direito escrito
não dá resposta.
- Ao contrário das ordens jurídicas nacionais, o Direito Internacional não
goza deste princípio da plenitude. O DI não versa sobre todas as matérias, sendo
que há situações conflitantes que emergem no DI que não são resolvidas porque
os Estados não querem que o DI resolva. Esta fragmentação possibilita vários
conflitos entre normas diferentes relativas a várias matérias.

• Argumentos de natureza técnico-jurídica contra a natureza jurídica do


Direito Internacional:
Ø Faltam às normas internacionais as características técnicas específicas da
norma jurídica;
Ø Na Comunidade Internacional não há nem legislador, nem juiz, nem polícia.
Há, portanto, uma falta de coercibilidade que é fundamental para a
qualificação do ramo do Direito Internacional como ramo de Direito.

• Refutação dos argumentos de natureza técnico-jurídica contra a natureza


jurídica do Direito Internacional:
Ø De facto, o Direito Internacional não é igual ao Direito Interno nem é um
ramo de Direito. No entanto, se fosse exatamente igual ao Direito Interno,
teríamos um Direito Interno de plano mundial, como se de um superestado
se tratasse. Assim, os Estados perderiam a sua soberania, na medida em que

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haveria um Estado federal mundial com poderes de decisão vinculativos
para todos.
Ø O Direito Internacional não tem um legislador interno, mas tem um
legislador descentralizado e policêntrico, por exemplo através de tratados
vinculativos.
Ø O Direito Internacional tem juiz, dado a existência de tribunais
internacionais como o Tribunal Penal Internacional e o Tribunal
Internacional de Justiça.
Ø O Direito Internacional tem polícia, mas com outras características, na
medida em que tem meios de aplicar sanções aos infratores. Por exemplo,
no caso limite de recurso à força armada ilegal, o Conselho de Segurança
pode decidir uma intervenção armada com vista a fazer cessar uma situação
ilegal.
Ø As normas do Direito Interno, tal como as do Direito Internacional, nem
sempre são eficazes. Por exemplo, os detentores de maior poder político e
económico conseguem declarações de inocência mesmo quando culpados
por terem poderosas equipas de advogados. A diferença entre um Direito e
outro não é de natureza, está apenas no grau da eficácia.
Ø O Direito Internacional não nasceu para falhar, tem apenas um percurso
mais difícil do que o Direito Interno, por ter uma fase mais complicada de
garantia do seu cumprimento.

• Características do ordenamento jurídico internacional contemporâneo:


Ø Institucionalizado e multilateral: é constituído por conferências
diplomáticas e organismos internacionais onde se tomam decisões relativas à
futura preparação de trabalhos. Acentuou-se assim também uma metodologia
multilateral.
Ø Democrático e inclusivo: sobretudo a partir da Paz de Vestfália, há um
princípio de igualdade soberana que culminou ainda com a Carta das Nações
Unidas. Independentemente da dimensão do país, na assembleia geral da
ONU os Estados são iguais.
Ø Expansivo: hoje em dia quase que não há limites para as matérias cobertas
pelas normas internacionais.
Ø Internormativo e prevalecente: na pureza dos princípios, o Direito
Internacional deve prevalecer sobre o Direito interno, embora nem todas as
constituições o aceitem.
Ø Humanista e social: sobretudo com a proliferação de tratados e pactos para
a proteção dos direitos do Homem.
Ø Global: um Direito altamente globalizado.
Ø Universal: desenvolveu um conjunto de princípios que a doutrina e alguns
tribunais entendem constituir a ordem pública internacional, pertencendo
estes princípios ao ius cogens - ao Direito imperativo sobre os estados. Por
exemplo, o principio da proibição do genocídio e o respeito pelas fronteiras
dos Estados.
Ø Assimétrico: algumas matérias estão muito mais desenvolvidas do que
outras, por exemplo, o Direito Penal está pouco desenvolvido.

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3 – Distinção e relação com outras disciplinas
• Ordens normativas jurídicas das quais o DI se demarca:
Ø Direito Comparado: não há nenhum ramo de Direito que se possa designar de
Direito Comparado, uma vez que o que existe é um método comparativo no
estudo do Direito aplicado a diversas ordens jurídicas estaduais.
Ø Direito Internacional Privado: é um sistema de normas que em dada ordem
jurídica regulam as questões privadas internacionais e regula as relações
jurídico-privadas dadas em situações de vida plurilocalizadas, através da
remissão para uma das ordens jurídicas locais com que as questões estão
conexas. Trata-se, portanto, de um Direito interno de remissão. Assim, o que
é internacional no Direito Internacional Público é o processo de produção
jurídica e o que é internacional no Direito Internacional Privado é o objeto da
norma.
Ø Direito da União Europeia: importa sublinhar que o Direito da UE não é
Direito Estadual nem é Direito Internacional. Designa o conjunto de regras e
princípios que regem a existência e o funcionamento da UE. Distingue-se do
Direito Internacional Público na medida em que são diferentes do ponto de
vista estrutural e político, uma vez que o DIP é o estatuto jurídico da
comunidade internacional e o DUE é o estatuto jurídico da UE.

• Ordens normativas não-jurídicas das quais o DI se demarca:


Ø Moral internacional: tal como a norma jurídica e a norma moral, são distintas
nessa medida. Apesar disso, os princípios morais são chamados a enriquecer
a Ordem Jurídica internacional, como é o caso do princípio da boa fé.
Ø Cortesia internacional: as regras de cortesia vigentes na esfera internacional
distinguem-se por não serem também jurídicas. No entanto, a observância
destas regras é importante uma vez que acabam por suprir os inconvenientes
da escassa estruturação jurídica da Comunidade Internacional.
Ø Política internacional/Relações internacionais: o Direito Internacional
congrega as regras jurídicas, a imposição de dever-ser, que limitam e
condicionam a vontade dos sujeitos. Já a Teoria das Relações Internacionais
lida com a realidade internacional na sua expressão fáctica do que é e do que
acontece.

4 – Caracterização do DI e discussão acerca da respetiva natureza


jurídica
• Características do DI Contemporâneo:
Ø Institucionalizado e multilateral:
- Resultante da criação de um número cada vez maior de organizações
internacionais com papel decisivo no respeitante, por um lado, ao processo

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de elaboração das normas internacionais e, por outro lado, em relação à fase
da sua aplicação;
- Com um grau superior de institucionalização, de tipo comunitário, que
envolve da parte dos Estados o exercício em comum de poderes de
soberania.
Ø Accountability:
- Os Estados assumem a obrigação de prestar contas pelo exercício das suas
competências perante órgãos de controlo político, judicial ou
administrativo.
Ø Democrático:
- Por oposição ao pendor oligocrático do DI Clássico e Moderno, concebido
basicamente pelas grandes potências para dar satisfação aos seus interesses
e perpetuar a sua hegemonia;
- Depois de 1945, a criação das Nações Unidas e de outras organizações
internacionais, bem como a realização de grandes conferências
internacionais sobre as prementes questões que interessam a Humanidade,
são a expressão de um direito de base multilateral e inclusivo;
- A afirmação crescente do papel interventivo da sociedade civil global,
através das organizações não-governamentais, grupos de cidadãos ou
cidadãos com atuação individual e mobilização potenciada pelas redes
sociais, funcionam de modo muito eficaz para limitar soluções unilaterais e
manter abertos canais de negociação entre os Estados e restantes atores
internacionais.
Ø Expansivo:
- Expansivo com a regulamentação internacional a estender-se às mais
variadas áreas de relevância jurídica transnacional, acompanhada de um
importante movimento de codificação em áreas fundamentais como o
Direito Humanitário, o Direito do Mar, o Direito do Comércio Internacional
e o Direito Internacional dos Direitos do Homem.
Ø Internormativo e prevalecente:
- Sem prejuízo da autonomia inerente a uma ordem jurídica própria, que
coexiste com as ordens jurídicas nacionais e regionais, o DI é parte
integrante destas ordens jurídicas que, por insuficiência dos mecanismos
internacionais ou por critérios de subsidiariedade, asseguram a aplicação da
regra internacional e garantem – ou devem garantir – em caso de conflito
com o direito interno, a sua primazia.
Ø Humanista e social:
- A centralidade reconhecida ao princípio da dignidade da pessoa humana
pela DUDH foi desenvolvida e aprofundada através da celebração de um
número vastíssimo de convenções internacionais sobre Direitos Humanos,
incluindo sobre direitos económicos e sociais, tendo sido possível em
relação a alguns destes instrumentos normativos a criação de tribunais (v.
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem) ou órgãos de controlo (v.
Comité dos Direitos Humanos);
- O DI já não se confina aos limites clássicos de um direito sobre aspetos
institucionais e dirimição de conflitos entre Estados, porque a própria

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questão da paz é avaliada como um objetivo que depende, em particular, de
políticas internacionais de desenvolvimento económico e social dos povos.
- Um outro elemento fundamental do conteúdo humanista e social do DIP
está diretamente ligado ao reconhecimento do indivíduo como titular de
direitos e de deveres de fonte internacional e que exerce no quadro
internacional.
Ø Global:
- Como resposta às necessidades específicas de uma comunidade de
Estados em processo acelerado de partilha de interesses, de problemas e de
riscos, profundamente interdependente, cuja dimensão transnacional e,
sobretudo, extraterritorial, escapa às soluções clássicas do tratado bilateral
ou mesmo do tratado multilateral;
- Justifica, por exemplo, o desenvolvimento de mecanismos internacionais
de cooperação administrativa, judiciária e policial de ação rápida e meios
sofisticados de atuação.
Ø Universal:
- É o ordenamento jurídico que tem por base o conjunto de Estados, cujo
número ultrapassa os atuais 193 que são membros das Nações Unidas;
- Embora a comunidade internacional não seja apenas formada por Estados,
nem o DI se limite a exprimir a vontade soberana dos Estados, importa não
esquecer que os Estados ainda são o elemento estruturante da comunidade
internacional e a sua cooperação voluntária, permanente e
institucionalizada, é fundamental para garantir o respeito e a aplicação das
normas internacionais;
- O DI impõe a todos os Estados deveres em relação à comunidade
internacional no seu conjunto, seja a proibição do uso da força nas relações
com os outros Estados seja a proibição de genocídio. Valores comuns e
universais, como o da paz e o da dignidade da pessoa humana, são geradores
de direitos e deveres de âmbito geral que refletem, em determinado
momento histórico, o consenso geral da comunidade internacional.
Ø Assimétrico:
- Palavra que resume a fragilidade do ordenamento internacional, o qual,
em função de fatores basicamente extrajurídicos, apresenta graus muito
diferenciados de regulação e de efetividade, dependendo das matérias e
dependendo das regiões.

5 – Fundamento da obrigatoriedade do Direito Internacional


• Características do DI Contemporâneo:
Ø Doutrinas voluntaristas (críticas gerais):
- O voluntarismo jurídico assenta sobre a seguinte proposição: as normas
jurídicas são produtos da vontade humana e existem por causa desta
vontade e em função dela.
- Teoria do Direito estadual externo (Hegel):
• O voluntarismo estatal identifica esta vontade com a vontade do
Estado, segundo uma conceção que reflete, no século XIX, a teoria

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de Hegel sobre a natureza do Estado de comunidade suprema e
protetora.
• Consiste na mais radical das teses voluntaristas que fundamentam o
DI na vontade exclusiva de um só Estado. Parte da tese hegeliana da
impossibilidade de hétero-limitação do Estado, que assenta no
princípio da soberania absoluta e intangível do Estado, só
reconhecendo, portanto, força obrigatória ao DI que, e na medida em
que, for recebido pelo Direito interno. O chamado DI mais não é do
que a projeção externa do OJ estadual.
• Esta construção não vingou porque conduz à negação do DI. Através
dela, o Estado podia desvincular-se unilateralmente das suas normas
sem problemas de responsabilidade ou de violação do DI. Para além
disso, esta teoria ignora a existência de regras que transcendem a
vontade do Estado e que, por isso, se lhe impõem.

- Teoria da auto-limitação do Estado (Jhering, Jellinek):


• Na ordem internacional, o Estado não conhece autoridade superior,
mas a prerrogativa soberana da auto-determinação implica a auto-
limitação.
• Nas suas relações com outros Estados, o Estado aceita auto-vincular-
se e aplica o DI que corresponde ao seu próprio interesse enquanto
membro da CI.
• Nega-se a hétero-limitação do Estado soberano para se admitir só a
sua auto-limitação. É o Estado que fixa as limitações do seu próprio
poder absoluto quer perante os seus súbditos quer em relação aos
demais Estados com que estabelece relações.
• Também esta teoria leva à negação do DI e, portanto, não fornece
resposta para o problema do fundamento deste ramo de Direito. Se o
Estado se vinculou livremente ao DI também se poderia desvincular
livremente dele.

- Teoria da vontade coletiva (Binding, Triepel):


• Parte da distinção entre vontade isolada (no direito interno) e vontade
comum.
• No DI esta vontade comum ou conjunta exprime-se de modo expresso
através dos tratados ou de modo tácito através do costume.
• Considerando a ausência de uma autoridade superior aos Estados,
Triepel defendeu, contudo, que é possível a conjugação de uma
vontade comum, distinta e acima das vontades particulares dos
Estados.
• Segundo Triepel, há em Direito duas categorias de acordos de
vontade: o contrato, ou Vertrag, e o acordo coletivo, ou
Vereinbarung. No contrato, as várias vontades participantes
representam interesses divergentes, ainda que correlativos, pelo que
o conteúdo das respetivas obrigações é forçosamente distinto. Ao
contrário, no acordo coletivo, as partes prosseguem interesses iguais

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e comuns, isto é, as várias vontades intervenientes têm o mesmo
conteúdo, gerando, por isso, para todas as partes obrigações idênticas.
• Segundo esta construção, o tratado consistiria numa manifestação de
Vereinbarung no DI. E seria nessa reunião de várias vontades com
conteúdo idêntico que se fundamentaria a obrigatoriedade da norma
internacional, ao contrário do Direito interno, que repousaria na
vontade de cada Estado isolado.

Ø Doutrinas anti-voluntaristas:
- Tese normativista (Kelsen, Anzilotti, Perassi):
• Marcada pelo objetivo de “libertar” a construção jurídica das suas
ligações aos critérios não jurídicos.
• É uma Teoria Pura do Direito, que propõe um modelo de
compreensão do Direito que é auto-referencial e sistematicamente
auto-suficiente.
• O formalismo jurídico de Kelsen assimila a existência do Estado a
um complexo ordenado de normas, o ordenamento jurídico, pelo
que a função primordial do Estado é a unificação e aplicação do
Direito.
• Kelsen justifica a força vinculativa do Direito pela ideia da
ordenação hierárquica das normas, em que a norma inferior retira
a sua força de referência à norma imediatamente superior, até
chegar ao topo da pirâmide normativa. No Direito Interno, a norma
fundamental é a Constituição. No DI, o fundamento jurídico
convencional é o princípio pacta sunt servanda, enquanto que o
direito costumeiro retira a sua obrigatoriedade do princípio
consuetudo est servanda.

- Tese sociológica ou objetivista (Duguit, Scellce, Roberto Ago):


• Rejeita a noção dogmática e explicativa da soberania para
interpretar o DI como expressão da relação de solidariedade que
se estabelece entre os membros da sociedade internacional e que
são, na sua dimensão sociológica e biológica, os indivíduos.

- Tese jusnaturalista (Hugo Grócio, Pufendorf, Le Fur, Verdross):


• Recupera a ideia original do DI identificado com o direito natural,
de origem divina ou de origem racional.
• Os autores reconduzem o fundamento do DIP a um conjunto de
valores suprapositivos, uma pauta axiomática que, ao mesmo
tempo, justifica a autoridade do DI e orienta os seus conteúdos
normativos.

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CAPÍTULO II – AS FONTES DE DIREITO INTERNACIONAL
1 – As fontes principais do Direito Internacional
• As fontes designam os procedimentos e modos de criação do Direito
Internacional Público.

• Classificações de fontes:
Ø De acordo com a capacidade de criar Direito:
- Formais: o sistema jurídico reconhece-lhes a propriedade de criar
Direito;
- Materiais: alheias à criação de Direito, acabam por influenciar e
modelar o sentido da norma jurídica e contribuem, fortemente, para
erodir a distinção entre criação e aplicação da norma jurídica (v.g.
jurisprudência, doutrina jurídica).

Ø De acordo com a vontade dos sujeitos internacionais:


- Espontâneas: costume, princípios gerais de Direito;
- Convencionais ou pactícias: convenções internacionais;
- Autoritárias ou unilaterais: atos dos Estados e, sobretudo, das
organizações internacionais.

• Diferentes termos de acordo com as obrigações para os sujeitos do OJI:


Ø Direito Internacional Geral: integrado por normas consuetudinárias e
princípios gerais de Direito;
Ø Direito Internacional Particular/Convencional: vincula apenas quem o
aceita.

Ø Normas dispositivas: passíveis de substituição por outras de conteúdo


diferente no exercício da vontade normativa dos sujeitos;
Ø Normas imperativas ou peremptórias: protegendo valores e interesses
de toda a CI, não podem ser derrogadas ou substituídas. Definem
obrigações erga omnes.

• Fontes principais do Direito Internacional (Maria Luísa Duarte):


Ø Convenção internacional;
Ø Costume internacional;
Ø Princípios gerais de Direito;
Ø A jurisprudência e a doutrina;
Ø A função atípica da equidade (ex eaquo et bono);
Ø Atos unilaterais.

• Análise crítica do artigo 38. º do ETIJ:


Ø Uma vez que a Comunidade Internacional não é um Estado, e porque não
tem uma Constituição, não existe um texto com valor universal que
determine quais são as fontes do DI. Mas existe e vigora um texto col valor

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para-universal, pela sua importância política e pelo número de Estados que
a ele aderiram: é o Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça (ETIJ).
Ø O artigo 38.º dispõe como fontes de Direito, em caso de litígio, a aplicar
pelo Tribunal:
- As convenções internacionais, gerais ou especiais, que estabeleçam
regras expressamente reconhecidas pelos Estados em litígio (a);
- O costume internacional, como prova duma prática geral aceite
como sendo de Direito (b);
- Os princípios gerais do Direito reconhecidos pelas nações
civilizadas (c);
- Sob reserva das disposições do artigo 59.º, as decisões judiciais e os
ensinamentos dos mais altamente qualificados publicistas das várias
nações, como meios auxiliares para a determinação das regras de
Direito (d);
- Decisões ex eaquo et bono do Tribunal, se as partes estiverem de
acordo.
Ø Críticas ao artigo 38.º:
- Ordem e forma como enumera as fontes;
- Não define as fontes;
- É incompleto e apresenta deficiências (nomeadamente, não inclui os
atos unilaterais das OI’s).
Ø Resultado da análise do artigo:
- Não é exaustivo;
- Não dá indicação quanto à hierarquia a estabelecer entre as próprias
fontes;
- Não estabelece um sistema universal de fontes genericamente
obrigatório: supostamente confunde verdadeiras fontes com
pretensas fontes;
- É desatualizado: anacronismo da expressão “pelas nações
civilizadas”.

2 – O Costume Internacional
2.1 – Noção
• O artigo 38.º do ETIJ refere “o costume internacional” que apresenta
como “prova de uma prática geral aceite como direito”.
• O conjunto das normas costumeiras forma o Direito Internacional Geral que
representa uma espécie de base ou pano de fundo (background) sobre a qual
se desenvolvem as relações internacionais.
• O costume, ao qual apelam os Estados, aplicado pelos tribunais internacionais,
que influencia o curso dos trabalhos de conferências internacionais,
minuciosamente estudado pela doutrina, permite a formação de um regime

17
jurídico, geral e uniforme, que, nesta medida, exprime o consenso
historicamente assumido pela CI sobre o conteúdo dos direitos e deveres dos
seus membros.

• O costume passa pela repetição de uma forma de conduta, ativa ou omissiva,


(corpus, elemento material ou objetivo) acompanhada da convicção da sua
obrigatoriedade (animus, elemento psicológico ou subjetivo) - elemento
objetivo e elemento psicológico do costume.
• É uma fonte espontânea, nasce da convivência social ou no plano interno ou
no plano internacional, de que resultam normas vinculativas para as partes, na
medida em que sempre que o conjunto social entende que a violação de uma
determinada prática espontânea constitui um ato ilícito que deve ser objeto de
sanção, estamos perante a criação de uma norma jurídica.
• Sendo o DI uma ordem jurídica mais imperfeita e dinâmica, é mais aberto ao
costume e as práticas internacionais adotadas pelos Estados tornam-se
obrigatórias, sobretudo nas áreas onde não há tratados internacionais.
• Exemplo de costumes internacionais: as ZEE.

• Fundamento da obrigatoriedade do costume:


Ø A doutrina do DI tem discutido o problema de saber qual o fundamento da
obrigatoriedade do costume. As conceções que a este respeito têm sido
sustentadas ligam-se às duas grandes posições doutrinárias – o
voluntarismo e o antivoluntarismo.
Ø A conceção objetivista e anti-voluntarista diz-nos que o costume é uma
forma espontânea de criação do Direito pela prática.
Ø O costume internacional impõe-se como Direito Comum, quando a
convicção da sua obrigatoriedade existir na grande maioria dos
Estados; mas, embora não seja naturalmente possível dizer-se qual a
maioria numérica necessária, sempre se reconhece que o DI Comum, de
base consuetudinária, se impõe a todos os Estados, quer tenham ou não
participado na sua elaboração.

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Ø Isto é particularmente nítido quanto aos novos Estados, que vão entrando
sucessivamente na CI, e que ficam vinculados, independentemente de
aceitação, ao DI Comum. No entanto, estes Estados têm um papel ativo na
alteração de muitas das regras do costume internacional.
Ø Em suma, o fundamento da obrigatoriedade do costume é o mesmo
fundamento da obrigatoriedade do DI em geral.

2.2 – Importância
• Caráter evolutivo e natural adaptabilidade às modificações da vida
internacional (caráter espontâneo).
• Apesar da importância crescente das convenções internacionais, continua a ser
uma das fontes principais do DI.
• É a fonte que melhor se adapta ao dinamismo da comunidade internacional e à
alteração de valores da mesma, ao contrário das convenções que, apesar de
darem maior segurança, se cristalizam e barra, a evolução espontânea.

2.3 – Elemento material do processo costumeiro


• Definição de elemento material: prática continuada.

• Autores da prática:
Ø Estados (principais autores da formação de costume): posições tomadas
pelo chefe de estado, chefe de governo, os embaixadores, o ministro dos
negócios estrangeiros; a prática do estado também se revela através da
legislação que adota (se é de acordo com a legislação internacional ou não);
através dos tribunais (internos vs internacionais); atos dos órgãos externos
(Chefe de Estado, agentes diplomáticos), atos dos órgãos internos (governo,
parlamento, tribunais e atos interestaduais;
Ø Instituições Internacionais (são menos relevantes): decisões de tribunais
internacionais permanentes ou arbitrais através dos órgãos das próprias
organizações internacionais. Os tribunais internacionais têm tido um papel
preponderante na identificação de normas costumeiras o que dá origem a
uma controvérsia que termina nos tribunais internacionais, como o Tribunal
dos Direitos do Homem. Por exemplo, a prática seguida nas votações do
Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Ø Movimentos de libertação nacional; ONG; Indivíduo: apenas quando a
sua atividade é assimilada ou tolerada pelos Estados.

• A base da validade do costume é o uso ou a prática, quer dizer, a repetição de


uma forma de conduta que vai pouco a pouco sendo considerada como
juridicamente obrigatória.

19
• Critérios:
Ø Repetição da prática no tempo:
- Constante: período de tempo que tem de ocorrer para que se forme
um costume. O essencial é que no decurso desse tempo a prática
tenha sido seguida cada vez que os Estados tiveram oportunidade
disso. 

- Uniforme: número de atos para se considerar que há uma base
considerável de prática para se afirmar um costume. Os atos devem
ser concordantes sendo que a frequência dos atos pode interferir com
a necessária duração da prática. 

- Caso exemplificativo 1: no primeiro Acórdão proferido no célebre
caso Haya de la Torre, que opôs o Peru à Colômbia em que se
discutia uma questão relativa ao asilo diplomático, o Tribunal
Internacional de Justiça afirmou que “a prática revelava tantas
incertezas e contradições, tantas flutuações e discordâncias”, que
não se podia tirar dela um uso constante, suscetível de servir de base
ao costume.
- Caso exemplificativo 2: em relação ao tempo de duração do uso,
pode ser referido o caso da plataforma continental, um caso de
formação de um costume rapidamente. Até 1945, os Estados
ribeirinhos não reivindicavam qualquer direito sobre a parte da
plataforma continental subjacente ao alto mar, para além do limite
das águas territoriais, pelo que se entendia que o seu regime era o do
alto mar, com liberdade de utilização para todos os membros da CI.
Em setembro de 1945, porém, uma declaração do presidente Truman
reivindicava para os EUA o direito exclusivo de exploração e
pesquisa de toda a plataforma continental. Logo um grande número
de Estados produziu idênticas declarações sem protestos. Em cerca
de uma década, encontrava-se assente este costume, incorporado na
Convenção de Genebra de 1958, sobre a Plataforma Continental. Faz
hoje então a regra parte do DIC.
- Em suma: só uma pratica coerente, quer dizer, efetivamente seguida
e sem alterações, pode gerar uma regra costumeira. Ao contrário,
uma prática incerta, contraditória, com flutuações e discordâncias
não pode resultar em costume internacional (conclusão 15 do Draft).
Só uma prática coerente, quer dizer, efetivamente seguida e sem
alterações, pode gerar uma regra costumeira. Ao contrário, uma
prática incerta, contraditória com flutuações e discordâncias não
pode resultar em costume internacional.
- Além disso, se o estado se opõe expressamente a uma prática na
altura em que ela se forme - não se pode formar a norma costumeira.

20
O Draft impede que um estado novo reclame contra uma regra
costumeira que se formou anteriormente. 


Ø Repetição da prática no espaço:


- Qual o número de Estados cuja intervenção é necessária? Há
que distinguir:
A caracterização pelo artigo 38º, nº1, alínea b),
ETIJ, do costume como “prática geral” não exclui a existência de
costumes regionais, locais e bilaterais.
- Costumes gerais: basta que a maioria ou os Estados representativos
adotem determinada prática de uma forma uniforme e constante. No
entanto, se um Estado representativo se opuser, a prática não se
verifica. Esta oposição terá que ser feita no devido momento, caso
contrário não produzirá efeitos. Por exemplo, a liberdade dos mares.
Levantam bastantes dúvidas quanto a saber quem fica vinculado pelo
costume. Era difícil todos os estados do mundo estarem vinculados
por uma prática, até porque há certas práticas que nem podem ser
praticadas por certos estados. Como tal, não é obrigatória a
unanimidade, basta a maioria dos estados ou os estados mais
representativos desenvolverem essa prática, desde que não haja
oposição dos outros estados.
- Costumes regionais: no caso do Direito de Asilo, o TIJ aceitou
como possível a formação de um costume regional ou local que
abrangeria os Estados da América Latina, embora, no caso concreto,
não o tivesse reconhecido (Acórdão de Haya de la Torre).
- Costumes bilaterais: no caso do Direito de Passagem sobre o
Território Indiano, em processo instaurado por Portugal contra a
República da Índia, que o TIJ realizou “o reconhecimento explícito
e categórico daquilo a que se chamou costume bilateral e que
consiste em costume formado pela prática de apenas dois Estados e
vinculando somente esses dois Estados”. 


2.4 – Elemento psicológico do processo costumeiro (Opinio iuris


vel necessitatis)
• Definição de elemento psicológico: convicção sobre a obrigatoriedade
jurídica de certos comportamentos ou atitudes adotadas.
• A formação de um costume é um fenómeno sociológico, lento e progressivo,
que não pode ser apreendido por quadros formais do normativismo. Por isso, o
elemento psicológico é formalmente exigido pelo artigo 38.º do ETIJ, e a
sua necessidade resulta expressamente de vários acórdãos do Tribunal. Assim,
o Tribunal Permanente de Justiça Internacional afirmou num acórdão que “só
se a abstenção for motivada pela consciência do dever de se abster é que se
pode falar de costume internacional”.

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• Dificuldades:
Ø A prova de convicção de obrigatoriedade;
Ø Atuações dos Estados dominadas por considerações de oportunidade,
conveniência ou interesse político.
• Superação/solução das dificuldades:
Ø Artigo 38.º ETIJ + jurisprudência do TPJI + TIJ (meios subsidiários);
Ø Inverte-se o ónus da prova - sempre que se estiver perante uma prática geral,
constante e uniforme presume-se que ela é acompanhada da convicção da
sua obrigatoriedade - presunção iuris tantum (relativa), suscetível de
demonstração em contrário.

• Só pelo elemento psicológico se pode diferenciar o costume das práticas gerais


e constantes, mas não obrigatórias.
• É fundamental para distinguir o costume de meros usos, de regras de cortesia.
Surge também para verificar se uma determinada prática surge também com a
convicção de obrigatoriedade.

3 – Tratados/Convenções Internacionais
3.1 – Importância, terminologia e noção
• Importância:
- Se o costume continua a ser a mais importante fonte do DI, o tratado
internacional tem vindo a tornar-se, na prática e de modo crescente, na
fonte de maior significado e relevância.
- Após a 2ª Guerra Mundial, toda a produção de guerras internacionais
nos domínios do Direito da Paz, da integração económica, do reforço e
da especialização da cooperação internacional, a criação de um grande
número de OI’s e a própria codificação do DI têm tido como
instrumento o tratado internacional.

• Noção da CV:
- O tratado internacional é a fonte formal de Direito Internacional
mencionada em primeiro lugar no artigo 38. º do Estatuto do TIJ
(embora não exista uma hierarquia na ordem exposta pelo estatuto).
- O Direito Comum ou Geral dos Tratados, ou seja, as normas de DI
relativas à conclusão dos tratados, à sua interpretação, à sua aplicação,
à sua validade e à sua eficácia encontram-se codificadas na CV sobre
o Direito dos Tratados, assinada em 23 de maio de 1969. A CV só
entrou em vigor em 27 de janeiro de 1980.
- A CV define no artigo 2.º/1 o tratado como um “acordo internacional
concluído por escrito entre Estados e regido pelo direito internacional,
quer esteja consignado num instrumento único, quer em dois ou mais
instrumentos conexos, e qualquer que seja a sua denominação
particular”. Esta definição não fornece um conceito jurídico, uma vez
que se destina aos “fins da presente Convenção”. Isto significa que
podem existir tratados que não caibam nesta definição. É necessário
então encontrar uma definição mais rigorosa.

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• Noção de maior rigor:
- Podemos definir o tratado como um acordo de vontades, em forma
escrita, entre sujeitos de Direito Internacional, agindo nesta
qualidade, de que resulta a produção de efeitos jurídicos.
- Em primeiro lugar, o tratado é um acordo de vontades, um ato
voluntário (ex consensu advenit vinculum). São-lhe, portanto,
aplicáveis, com a devida adaptação, as regras da teoria geral do negócio
jurídico.
- Em segundo lugar, o tratado é em forma escrita. O Direito
Internacional não nega a validade de acordos verbais, mas não se lhe
aplica a eles a teoria geral dos tratados. Do artigo 3.º CV resulta que
a exclusão da aplicação da CV aos acordos que não revestem a forma
escrita não afeta quer a validade destes, quer a aplicação a eles dos
princípios nela contidos, quando tal aplicação resultar do costume
internacional ou dos princípios gerais do Direito. Em princípio,
nenhuma razão parece haver para que o DI não aceite a validade dos
tratados verbais e até dos tratados tácitos e implícitos (ex. Estatuto do
Território de Dantzig, 1932).
- Em terceiro lugar, a Convenção só se aplica aos tratados celebrados
entre Estados. Isso não significa, também por força do artigo 3.º da CV,
que não haja tratados, ainda que não regidos pela CV, em que são partes
sujeitos do DI que não os Estados, como as OI’s e a Santa Sé. Pelo
contrário, a referência aos “Estados”, pode mesmo induzir em dúvida,
porque não é pacífico que se incluam no conceito de tratados os
acordos celebrados entre os Estados federados. Esses acordos, ainda
que se lhes possa aplicar, por analogia, algumas regras de DI, não são
regidos por este, mas sim pelo Direito Constitucional interno do
respetivo Estado Federal. Por outro lado, a exigência pela CV de que o
tratado seja celebrado entre Estados também não significa que o DI,
ainda que não o contido na CV, ignore hoje todos os acordos
celebrados entre o Estado e pessoas privadas estrangeiras.
- Em quarto lugar, para haver tratado os sujeitos do DI têm de agir nessa
qualidade. A CV não o exige expressamente, mas parece que não pode
ser de outra forma. Não estão, por conseguinte, incluídos na noção de
tratado os acordos celebrados entre Estados agindo como pessoas
coletivas de direito interno. Por exemplo, se um Estado vendesse um
terreno a outro, a venda desse terreno é um acordo em forma escrita
entre sujeitos do DI. Mas, apesar disso, não é um tratado porque nem
um nem outro se apresentam revestidos de ius imperii.
- Em quinto lugar, em virtude do elemento da produção de efeitos
jurídicos, são de excluir da noção de tratado as declarações puramente
políticas (ex. Carta do Atlântico) e os gentlemen’s agreements –
acordos baseados na honra -, produtores unicamente de efeitos morais,
e não jurídicos.

23
• Nomenclatura:
- A referência na parte final do artigo 2.º/1/a), da CV, à possibilidade de
denominações diversas deriva do estado atual da terminologia jurídica
sobre a matéria. Nada há de assente quanto à nomenclatura a utilizar
para referir a realidade que designamos por tratado. Além deste nome e
o de convenção (preferido para referir um acordo em que uma das partes
seja uma Organização Internacional ou um tratado celebrado sob a sua
égide: este último é por exemplo, o caso da Convenção de Viena de 69),
são utilizadas as designações de pacto (caso da SDN), carta (caso da
ONU), estatuto (caso do TIJ), constituição (caso da OIT), acordo, etc.
- As designações mais utilizadas são as de tratado e convenção,
praticamente tomadas como sinónimas, e que serão como tal por nós
utilizadas. É, aliás, pela sinonímia que se decide o Estatuto do Tribunal
Internacional de Justiça, já que o artigo 38.º dispõe:
1) O tribunal, cuja função é resolver, de acordo com o Direito Internacional,
os litígios que lhe sejam submetidos aplicará:
a) As convenções internacionais, gerais ou especiais, que estabelecem
regras expressamente reconhecidas pelos Estados em litígio.
- Ao passo que o artigo 36.º do mesmo Estatuto, ao definir a competência
do Tribunal, dispõe do nº 2 alínea a) que ela compreende os diferendos
de ordem jurídica que versam sobre a interpretação de um tratado.

3.2 – O caso especial dos acordos entre Estados e pessoas


privadas estrangeiras
• Como foi referido, a circunstância de a CV exigir que as partes num
tratado sejam Estados significa só que aquela Convenção apenas rege
os Tratados entre Estados: designadamente, não quer dizer que ao DI
sejam hoje indiferentes os acordos concluídos entre Estados e pessoas
privadas estrangeiras físicas ou coletivas. Estes acordos versam sobre as
mais diversas matérias: fornecimento de bens (para fins civis ou militares);
prestação de serviços (estudos, assistência técnica, assistência financeira
etc.), obras públicas (construção e reparação de pontes, portos, aeroportos),
exploração de recursos naturais (exploração de recursos petrolíferos, gestão
de serviços públicos etc.
• Os objetivos destes acordos podem também ser variados, podendo
consistir num objeto de índole meramente financeira (empréstimos por
exemplo); pode visar a criação de empresas comuns entre o Estado e a
empresa privada; pode até apresentar até o que Dominique Carreau chama
um “objeto de soberania”: é o caso dos acordos de indemnização entre um
Estado e cidadãos estrangeiros na sequência da nacionalização de bens
destes últimos. Dentro desta variada panóplia de acordos aqueles que se têm
revisto de mais importância são, sem dúvida, os chamados contratos de
investimento.
• Quando se diz que uma das partes nos acordos em questão é um Estado
quer-se com isso dizer que tanto pode ser a Administração Central do
Estado como Estados federados, regiões autónomas, autarquias locais,

24
empresas públicas ou quaisquer outras pessoas de Direito Público,
conforme a repartição de atribuições e de competência em vigor dentro do
respetivo Estado.

• Qual o Direito que rege esses acordos?


- A solução clássica nesta matéria encontra-se retratada, de forma feliz,
no Dicionário Basdevant, onde se definia o tratado como “termo
genérico que pode servir para designar um acordo entre 2 ou mais
Estados para regular uma questão, determinar os seus direitos e as suas
obrigações, definir regras de conduta que (os signatários) se obrigam
a observar, seja qual for o seu objeto, forma e a denominação adotada
pelas partes, mas que não é aplicável a um acordo entre Estado e uma
pessoa privada”.
- Portanto, classicamente esses acordos não eram considerados
tratados e, portanto, não se encontravam sujeitos ao DI. Esta posição
fundamentava-se na “imunidade do Estado” ou imunidade da soberania
do Estado, segundo a qual um Estado só está sujeito ao seu Direito e
só pode ser julgado pelos seus tribunais nacionais. Esta tese foi aceite
pela jurisprudência internacional nos casos dos empréstimos sérvios e
brasileiros e, ainda que de modo mais subtil, no caso Anglo-Iranian.
Também os tribunais franceses e alemães aderiram por essa altura à
mesma orientação. E ainda hoje ela é seguida por muitos Estados em
vias de desenvolvimento, sobretudo da áfrica e ásia.
- No entanto, mais tarde ou mais cedo, a tese em apreço da
nacionalização dos acordos acabaria por entrar em crise:
Ø Primeiro pela própria conceção da “imunidade do estado” que
começou a ser posta em causa;
Ø Depois, várias empresas europeias e americanas que a passaram a
não confiar nas garantias reconhecidas pelos sistemas jurídicos de
muitos novos Estados saídos da descolonização posterior à 2ª Guerra
Mundial.
- Nasceu então um movimento de internacionalização daqueles
contratos, ou seja, uma orientação visando a sua sujeição a um “Direito
Internacional dos Contratos Internacionais”. Começou com várias
sentenças que aceitavam que certos contratos entre Estados e pessoas
privadas estrangeiras se tinham “internacionalizado” em função do seu
conteúdo e das suas características próprias, o que os colocava sob o
império do DI e já não do Direito Interno de cada Estado. A seguir é de
referir a influência da decisão de acolher esta tendência por parte de
Organizações como as Nações Unidas e a própria CV que no artigo 3.º
ressalva que os acordos entre Estados e outros sujeitos de DI (dentro dos
quais se tinham de incluir os contratos em apreço sempre que se pudesse
afirmar a personalidade jurídica internacional dos contraentes privados)
não viam, por esse facto, afetado o seu valor jurídico nem ficava

25
prejudicada a aplicação àqueles acordos das regras contidas na mesma
CV.

• Poder-se-á dizer que os contratos entre Estados e pessoas privadas


estrangeiras são tratados internacionais e revestem a mesma natureza
jurídica que os tratados clássicos, entre Estados? Como vimos a maior e
mais relevante orientação é esta da desnacionalização e consequente
internacionalização destes acordos. De facto, como já vimos, as próprias
Nações Unidas e o Banco Mundial, já nos anos 60, se inclinavam para
assimilação desses contratos aos tratados internacionais, e, por conseguinte,
para a sua sujeição ao DI público, o Instituto de DI, na sua sessão de Atenas de
1979, ainda submetia aos DI privado. De facto, uma resolução então aprovada
por aquele Instituto rezava: “Os contratos entre um Estado e uma pessoa
privada estrangeira serão sujeitos ao Direito escolhido pelas partes ou, na
ausência de tal escolha, ao Direito com o qual o contrato tenha uma conexão
mais estreita”, ou seja, serão as partes a escolher a Ordem Jurídica nacional
que vai reger o contrato; se não o fizerem, será o DI privado a descobri-la.
Nesta orientação, aqueles contratos nunca serão regidos pelo DI público.
Parece, pois, acertado dizer-se que ainda não se atingiu a fase da assimilação
dos contratos em questão aos tratados internacionais, pelo que aqueles e
estes continuam a mostrar-se como atos jurídicos de natureza diferente.
Todavia, a aplicação progressiva àqueles contratos, e particularmente aos
contratos de investimento, de um regime de DI público, autoriza-nos a
qualificar aqueles contratos de “quase-tratados”.

3.3 – Classificação
• Os tratados têm sido objeto de múltiplas classificações, algumas das quais já
ultrapassadas pela doutrina mais moderna. Faremos a distinção entre
classificação material e formal.

• CLASSIFICAÇÃO FORMAL:
a) Tratados-Lei e Tratados-Contratos:
Ø Esta classificação, consagrada pela tradição, não tem presentemente o
valor que outrora lhe foi atribuído.
Ø No tratado-lei dá-se a criação de uma regra de Direito pela vontade
conforme das partes. No tratado-contrato as vontades são divergentes,
não surgindo assim a criação de uma regra geral de Direito, mas a
estipulação recíproca das respetivas prestações e contraprestações. Esta
classificação tem uma certa analogia com os termos correspondentes no
Direito Interno.
Ø Modernamente reconhece-se, porém, que esta classificação apresenta
apenas um valor tendencial. Não é absolutamente rigorosa, pois há
tratados híbridos, difíceis de enquadrar, com elementos de uma e de

26
outra classificação. Assim, mais do que uma classificação de tratados é
uma classificação de estipulações contidas nos tratados.
Ø Contudo, o carácter normativo do tratado é um dos elementos da definição
de um conceito de grande importância no estudo da teoria dos tratados –
o conceito que adiante examinaremos de tratado multilateral geral. À
contribuição para o estabelecimento deste conceito parece reduzir-se hoje
a utilidade da distinção entre tratados-leis e tratados contratos.
Ø Para certo setor da doutrina a dicotomia tratado-lei/ tratado-contrato
juntar-se-ia uma terceira categoria: o tratado-constituição. Esta
qualificação seria reservada ao tratado que constitui uma Organização
Internacional e, por isso, contém as regras fundamentais que regem
aquela Organização. No caso da Organização das Nações Unidas, como
no local próprio estudaremos, fala-se na Carta da Organização como
“Constituição da Comunidade Internacional”, porque ela, mais do que
enunciar as regras básicas da ONU, define os princípios jurídicos
fundamentais da Comunidade Internacional.

b) Tratados-Lei e Tratados-Quadro:
Ø Diferença invocada a propósito dos Tratados institutivos das
Comunidades Europeias; o Tratado de Paris que institui a CECA em
1951 seria um tratado-lei pela maneira precisa de regulação das condições
de funcionamento do mercado siderúrgico e carbonífero, enquanto o
tratado de Roma em 1957 que criou a CEE (tratado da União Europeia),
após a revisão de Maastricht, se limitaria a enunciar objetivos gerais e a
fixar as competências para os realizar. O mesmo critério aplicado aos
tratados vigentes revela o Tratado da União Europeia (TUE) como um
típico tratado-quadro, enquanto o TFUE ostenta características mistas de
tratado-quadro e de tratado-lei.

c) Tratados Gerais e Tratados Especiais.

• CLASSIFICAÇÃO MATERIAL:
a) Qualidade das partes
Ø Tratados celebrados entre Estados;
Ø Tratados celebrados entre Estados e OI’s;
Ø Tratados celebrados entre OI’s.

b) Número de partes
Ø Tratados bilaterais:
- São naturalmente os celebrados entre apenas duas partes, sendo
multilaterais todos os demais. Mas há a notar que falamos em
partes e não em Estados ou em sujeitos de Direito Internacional:

27
é que, tal como no negócio jurídico em geral, também aqui a
coincidência de interesses pode fazer cm que cada uma, ou
apenas uma, das partes, seja constituída por mais de um sujeito
jurídico. É o que sucede normalmente com os tratados de paz,
que separam vencedores e vencidos: os tratados que puseram fim
às duas guerras mundiais foram bilaterais, embora englobando
por uma das partes todos os Estados vencedores (vejam-se os
tratados de paz com a Itália em 1947 e com O japão em 1952.
- O tratado não perde naturalmente o carácter bilateral se uma das
partes for uma organização internacional, pois aí é a Organização
que intervém como sujeito de Direito, e não os Estados membros:
são bilaterais, por exemplo, os acordos comerciais concluídos
pela comunidade económica europeia com Israel em 1970, com
os diversos Estados Membros da EFTA, um a um, em 22 de Julho
de 1972 (inclusive com Portugal), e, mais tarde, com a Noruega,
a Jugoslávia e a Finlândia.

Ø Tratados multilaterais:
- Tratado celebrado entre mais de duas partes;
- Pode ser um tratado geral/coletivo/normativo: tratado com
uma vocação para-universal ou até mesmo com uma tendência
para a universalidade, i.e. tratado que pretende conter uma
disciplina potencialmente aplicável a todos os membros da
Comunidade Internacional (ex.: Carta das Nações Unidas,
Convenção sobre Diversidade Biológica, Convenção das Nações
Unidas sobre o Direito do Mar, Pactos sobre direitos humanos,
etc.) – tratado aberto; 

- Pode ser um tratado restrito: semiaberto (admite a adesão dos
sujeitos de DI que reúnam 
determinadas condições)
ou
fechado (só admite a participação dos sujeitos de DI que 

fizeram e celebraram o tratado). 


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4 – Processo de conclusão das convenções internacionais
• Direito Aplicável:
1) Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 69: codifica as
regras do costume internacional geral. Portugal aderiu e passou a vigorar
cá em 2004, no entanto, já estava vinculado ao costume internacional -
Direito Costumeiro (artigo 38º, por exemplo);
2) Constituição portuguesa;
3) Legislação avulsa: por exemplo, a RCM 17/88 e a Lei Orgânica do MNE.

• Fases internacionais:
Ø Negociação e adoção (aprovação e autenticação);
Ø Vinculação internacional (assinatura ou ratificação)
Ø Entrada em vigor;
Ø Registo e publicação (a nível internacional).

• Fases internas:
Ø Aprovação;
Ø Referenda governamental (ART. 140.º);
Ø Publicação no DR.

a) NEGOCIAÇÃO
• Fase na qual o texto do tratado vai ser concebido, elaborado e redigido. 

• Levada a cabo através de plenipotenciários, munidos de plenos poderes, os
quais constam de documento emanado geralmente do Chefe de Estado – ART.
2º/1, c), CV. 

• Os plenos poderes constituem uma fórmula sem valor real porque abrangem
um conjunto de faculdades bastante limitadas, destinando-se praticamente a
designar o indivíduo encarregado da negociação do tratado. 

• Partiu da Comissão de Direito Internacional a ideia de que há certas entidades
em relação às quais, pela natureza da função que desempenham, se presume
estarem sempre autorizadas a negociar tratados – ART. 7/2 CV. 

• O objetivo essencial desta fase da celebração dos tratados é conseguir o acordo
dos plenipotenciários quanto ao texto do tratado. 

• A aprovação do texto do tratado exige voto unanime de todos os Estados que o
negociem, salvo quanto aos tratados aprovados numa conferência
internacional, quanto aos quais basta a maioria de 2/3 dos Estados presentes e
votantes, salvo se estes, também por 2/3, decidirem fixar uma regra de votação
diferente – ART. 9 CV. 

• Uma vez fixado o texto do trado, segue-se a redação do texto. Este consta de
um articulado, precedido normalmente de um preambulo onde se designam as
partes contratantes, os motivos do tratado, o seu objeto, o local de celebração,
etc., e por vezes seguido de anexos ou definições, frequentes sobretudo nas
convenções de caracter técnico. 


29
• A negociação pode ser efetuada:
- Pela via diplomática ordinária: agentes diplomáticos munidos de
plenos poderes. Não obsta à necessidade de os agentes diplomáticos
serem munidos de poderes especiais para a negociação de cada tratado
de per si;
- Através de uma conferência diplomática: reunião de plenipotenciários
designados expressamente para esse fim.

• A fim de simplificar o sistema e evitar a emissão constante de plenos poderes,


estipulou-se que há certas entidades em relação às quais, pela natureza da
função que desempenham, se presume estarem sempre autorizadas a
negociar tratados.

• Artigo 7.º, CV69 – Plenos poderes.


• Artigo 8.º, CV69 – Confirmação posterior de um ato praticado sem autorização
– um ato relativo à conclusão de um tratado praticado por uma pessoa que,
segundo o artigo 7.º, não pode ser considerada como autorizada a representar
um Estado para esse fim, não produz efeitos jurídicos, a menos que seja
confirmado ulteriormente por esse Estado.

• Objetivo da 1ª fase da celebração dos tratados:


Ø O objetivo é conseguir o acordo dos plenipotenciários quanto ao texto do
tratado.
Ø Artigo 9.º, CV69 – Adoção do texto – A aprovação do texto do tratado
exige voto unânime de todos os Estados que o negoceiam, salvo quanto aos
tratados aprovados numa conferência internacional, quanto aos quais basta
a maioria de 2/3 dos Estados presentes e votantes, salvo se estes, também
por 2/3, decidirem fixar uma regra de votação diferente.

• Uma vez fixado o texto do tratado segue-se à redação do texto do tratado.

• Término da negociação: adoção do texto e autenticação (artigos 9.º e 10.º,


CV69).

• O texto do tratado consta de um articulado, precedido normalmente de um


preâmbulo onde se designam as partes contratantes, os motivos do tratado, o
seu objeto, o local da celebração, etc., e por vezes seguido de anexos ou
definições (frequentes sobretudo nas convenções de caráter técnico).

(REGIME PORTUGUÊS)

30
• Quem tem competência em Portugal para negociar tratados?
Ø Artigo 197.º/1, alínea b), CRP – “Compete ao Governo, no exercício
de funções políticas, negociar e ajustar convenções internacionais.”
Ø Artigo 2.º/1/j), Decreto-Lei 121/2011 – Dentro do Governo, cabe ao
Ministério dos Negócios Estrangeiros “conduzir as negociações
internacionais e os processos de vinculação internacional do Estado
Português, sem prejuízo das competências atribuídas por lei a outras
entidades públicas” + Resolução do Conselho de Ministros n.º 17/88
(n.º 1 e 2)
Ø Artigo 227.º/1/t), CRP – As Regiões Autónomas podem “participar
nas negociações de tratados e acordos internacionais que diretamente
lhes digam respeito (...)”, integrando a delegação portuguesa.

• Primeira Negociação:
Ø Objetivo e iniciativa:
- O objetivo é determinar o texto do tratado e os termos do compromisso
que vão constituir. Portanto, passa por conseguir o acordo dos
plenipotenciários quanto ao texto do tratado.
- A iniciativa pode ter variadíssimas origens e depende da vontade das
entidades de DI.

Ø Modo como é efetuada:


- O modo da negociação difere:
v Via diplomática tradicional: agentes diplomáticos munidos de
plenos poderes. Por exemplo, quando é por 3 ou 4 partes, enviam
representantes do país, reúnem-se e começam a redigir o texto ou
a trabalhar propostas de texto.
v Conferência diplomática: reunião de plenipotenciários
designados expressamente para esse fim. Por exemplo, quando é
negociada por muitos países - art.º 9 CV69.
- As regras da aprovação do texto dependem do número de partes - se
forem poucas partes é necessária unanimidade, mas se o texto for
negociado entre muitos estados e recorre-se à conferência, é
necessário ou um regulamento ou a própria conferência deve
determinar as regras para a adoção do texto ou aplica-se a regra
supletiva do artigo 9.º n. º2.

Ø Competência (quem participa nas negociações):


- Representantes dos Estados munidos de plenos poderes para o
efeito (plenipotenciários: artigo 2.º, n. º1, al. c) e art. 7º n.º1 CV69). Há,
portanto, uma habilitação específica - quem se apresenta nas
negociações necessita de credenciais que designem como competente
para representar o Estado na negociação. Pode ser um único indivíduo
ou pode ser um conjunto (delegação).

31
- Presunção da posse de plenos poderes (art.º 7 n. º2 CV69): presume-
se a posse de plenos poderes em algumas pessoas logo não precisam de
habilitação específica, por exemplo o MNE ou Chefes de Estado cuja
constituição lhes reconheça essas competências. O artigo 7.º n. º2 tem
que ser articulado com o Direito Interno dos países. Em Portugal, o
Chefe de Estado não tem poderes para negociar qualquer tipo de tratado,
só o Governo tem. Há, portanto, uma habilitação funcional geral ou
específica - diplomática e institucional).
- Confirmação posterior (art.º 8 CV69): em caso excecional, a
participação de alguém que não traz as credenciais, por esquecimento
por exemplo, tem que ser confirmada durante o decurso das negociações
ou a posteriori.

• Término: adoção do texto e autenticação (arts 9.º e 10.º CV69).

• Estrutura tradicional: preâmbulo (razão do tratado, etc.), articulado


(dispositivo do tratado, artigos, cláusulas, regulamentos, etc.), anexos (podem
ter ou não o mesmo valor jurídico que o articulado. podem ser informativos,
podem ser complementadores de disposições do tratado, etc.).

• 1ª Negociação - regime português:


Ø Artigo 197.º n. º1 alínea b) CRP: cabe ao Governo a negociação de
convenções internacionais (tratados solenes e acordos em forma
simplificada). Dentro do Governo cabe ao Ministério dos Negócios
Estrangeiros a condução e o acompanhamento das negociações
internacionais.
Ø DL 121/2011 (art. 2. º, n.º1 al.j)) e Resolução CM 17/88 (n.º1 e 2)
Ø Art. 227º n. º1 alínea t), CRP + Estatuto das Regiões: as regiões
autónomas dos Açores e da Madeira podem integrar a delegação
portuguesa que negoceie convenções internacionais cuja matéria lhes
diga diretamente respeito.

• Segundo o ART. 197/1, b), CRP, compete ao Governo da República, no


exercício da função de “órgão de condução da política geral do país” – ART.
182, CRP-, “negociar e ajustar convenções internacionais”. O carácter
exclusivo desta competência não prejudica, contudo:

a) O poder de participação das Regiões Autónomas – ART. 227, t), CRP

- As Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira têm o direito de


participar nas negociações de tratados e acordos internacionais
que “diretamente lhes digam respeito, bem como nos benefícios
deles decorrentes”.
- Matérias de interesse regional – i), h), r) e s) + Estatutos Político-
Administrativos especificam um conjunto muitíssimo alargado de

32
matérias em relação às quais as Regiões Autónomas terão um direito
de participação.
- A sua participação compreende a apresentação na delegação da
República Portuguesa incumbida da negociação, o direito de ser
notificada de toda a documentação relevante e ainda a oportunidade
de ser ouvida e de se pronunciar, de modo efetivo, sobre as questões
da negociação com incidência direta – ART.198/3, RAR.

- Ao Governo Regional comete o exercício destas competências, bem
como o poder correlativo de, após a entrada em vigor do tratado ou
do acordo, acompanhar as vicissitudes da sua execução.
Na
eventualidade de violação destas prerrogativas de participação
regional, entendemos que se verifica uma inconstitucionalidade
formal, relevante em sede de fiscalização preventiva – ART. 279,
CRP – mas insuscetível, no quadro do ART. 277/2, CRP, de impedir
a aplicação interna da convenção internacional em causa e de, nos
termos do ART. 46, CV, a sua invalidade.

b) E, da parte do Governo, o cumprimento de deveres específicos


de informação e de concertação.

- PRESIDENTE DA REPÚBLICA:
- Nesta fase, não participando diretamente, dever ser informado do
andamento das negociações – ART. 201/1, c), CRP -, e
adequadamente inteirado do desfecho previsível sobre matérias
de maior relevância.
O Presidente da República tem um papel
importante e ativo no domínio das relações externas, como
representante da República Portuguesa e garante a independência
nacional – ART. 120, CRP.
É também titular de poderes
próprios de decisão de vinculação internacional, cabendo-lhe o
poder de ratificar (ou não) os tratados internacionais – ART. 135,
CRP.
- Exige-se, por isso, uma prática de concertação entre o
Governo e o Presidente da República, no âmbito pressuposto
pelo princípio da interdependência entre órgãos de soberania
– ART. 111/1, CRP.
- O Governo tem ainda deveres de informação, em plano
institucional diferente, de conteúdo mais genérico, em relação
aos grupos parlamentares – ART. 180/2, j), CRP-, e aos partidos
políticos representados na Assembleia da República e que não
façam parte do Governo – ART. 114/3, CRP.

33
- O incumprimento dos referidos deveres de concertação
institucional e de informação terá um significado no plano de
responsabilidade política, desprovido, contudo, de desvalor no
plano jurídico-constitucional.

QUEM TEM PODERES PARA REPRESENTAR O ESTADO


PORTUGUÊS NA NEGOCIAÇÃO BILATERAL OU MULTILATERAL?

• Em virtude das funções que exercem – ART. 7/2, a), CV69:


- Presidente da República;

- Primeiro-Ministro;

- Ministro dos Negócios Estrangeiros.

• Verificando-se certas condições – ART. 7/2, b) e c), CV69:


- Chefes de missão diplomática (embaixadores); 

- Representantes acreditados dos Estados numa conferência internacional.

• Fora destes casos de plenos poderes funcionais: 



- O representante português tem de ser portador de uma carta ou credencial
de plenos poderes, assinada pelo Presidente da República e pelo
Ministro dos Negócios Estrangeiros. 


• FUNÇÕES DO GOVERNO: 

- Decisão de abertura das negociações, condução destas mesmas e decisão
final de ajuste que corresponde à autenticação do texto, por rubrica ou
assinatura. 


• FUNÇÕES DO MINISTRO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS: 

- Nos termos do DL Nº121/2011, o qual aprova a lei orgânica do MNE, a
missão deste ministério é a de “formular, coordenar e executar a politica
externa de Portugal”. Para prossecução desta missão, compete ao MNE
“conduzir as negociações internacionais e os processos de vinculação
internacional do Estado português, sem prejuízo das competências
atribuídas por lei a outras entidades públicas. 


• A lógica desta divisão de competências é a de reservar para o Conselho de


Ministros a decisão sobre a “rúbrica ou assinatura de acordos
internacionais, seja qual for a sua designação, forma ou conteúdo”.


34
• É requerida a aprovação prévia pelo Conselho de Ministros, que depende do
mandato expresso, ficando, contudo, tacitamente delegada ao Primeiro-
Ministro. 


• Uma situação de assinatura ou rubrica por decisão unilateral do MNE, ou


do representante da negociação, é uma violação da Resolução no 17/88.

• Já a assinatura como forma de manifestação do consentimento – ART. 11,
CV69-, é expressamente excluída da CRP ao exigir no ART. 8/2, a ratificação
ou aprovação como condição de vigência e, portanto, de vinculação ao Estado
Português por convenções internacionais. Seria uma inconstitucionalidade
orgânica e formal, afetando a validade da convenção internacional assinada,
mas não aprovada, nos termos definidos do ART. 46, CV69 e consagrados na
solução do ART. 277/2, CRP.

• De forma a evitar esta situação, o representante português quando assina, deve
faze-lo sob reserva de aprovação e excluir o eventual efeito imediato de
aplicação a titulo provisório, também contrário ao regime constitucional do
ART. 8/2, CRP.

• APROVAÇÃO:
- É uma etapa fundamental no procedimento interno de celebração da
convenção. 

- Ocorre necessariamente depois da adoção do texto, integra-se na fase de
manifestação do consentimento, comummente designada ratificação. 

- ART. 8/2, CRP – A aprovação é uma exigência imperativa e aplicável a
todas as modalidades de vinculação internacional através de convenção
internacional, seja pela forma de:
ü Tratado: ratificação, antecedida de aprovação – ART. 8/2 em
articulação com ART. 135, b), CRP. 

ü Acordo: ART. 8/2 em articulação com ART. 161, i) e 197/1, c)

- Não pode ser substituída por qualquer outro meio alternativo; 

- Como a CRP exige expressamente a aprovação interna da convenção
internacional, é incompatível a existência de:
ü Acordos em forma ultrasimplificada; 

ü Ratificações implícitas ou negativas – ART. 8/2, CRP; 

- A omissão de aprovação ou a verificação de falhas graves no processo de
aprovação redunda em vício de inconstitucionalidade formal e/ou
orgânica, com o efeito de vedar a aplicação da convenção internacional
em causa na ordem jurídica interna portuguesa, em sede de fiscalização

35
sucessiva – ART. 277/2- e, naturalmente, impedir a conclusão da
vinculação em sede de fiscalização preventiva – ART. 279/1/4, CRP.

• A quem compete? 

- Assembleia da República (primado);
- Governo.

• A Assembleia da República aprova: 



- TRATADOS: todas as convenções internacionais que ostentam a
designação de tratados e ainda aquelas que, independentemente da
intitulação, versem sobre as matérias identificadas pelo texto constitucional
e que correspondem a áreas de particular melindre público e de opção
fundamental no domínio das relações externas:
ü Participação de Portugal em organizações internacionais; 

ü Tratados de amizade; 

ü Tratados de paz; 

ü Tratados de defesa; 

ü Tratados de retificação de fronteiras; 

ü Tratados de assuntos militares. 

- ACORDOS INTERNACIONAIS: cuja designação no texto adotado não
seja tratado, relativos a matérias da competência legislativa reservada –
ART. 164 e 165, CRP -, e também os acordos relativos a matérias da
competência legislativa concorrencial que o Governo entenda submeter à
sua apreciação.
- A sua aprovação é feita a partir de RESOLUÇÕES – ART. 166/5, CRP.

• O Governo aprova:
- ACORDOS INTERNACIONAIS: sobre as matérias que não integram a
reserva de tratado nem a reserva de competência legislativa parlamentar,
salvo se decidir submeter à Assembleia da República a sua aprovação.
- A sua aprovação é feita a partir de DECRETOS – ART. 197/2, CRP-,
apreciado em Conselho de Ministros – ART. 200/1, d), CRP.

• No que toca à maioria parlamentar: maioria relativa – ART. 116/3.

b) ASSINATURA
• A negociação termina com a adoção do texto, que muitas vezes coincide com a
assinatura da convenção - constitui a autenticação do texto, portanto, o texto
não pode mais ser alterado. Em tratados mais complexos, o término coincide
com um prazo aberto para a assinatura, tendo-se mais tempo para analisar o

36
conteúdo. Permite-se ainda a estados que não estiveram na negociação
poderem assinar.

• Tipologia:
Ø Assinatura (definitiva);
Ø Assinatura ad referendum ou rúbrica (provisórias).

• Efeitos:
Ø Acordos em forma simplificada (arts 11.º e 12.º, CV69): vinculam o
Estado se nada mais for dito, não necessitam de ratificação. Basta a sua
assinatura para imediatamente o acordo vincular o Estado.
Ø Tratado solene (artigo 14.º, CV69): representantes dos Estados assinam,
mas a assinatura dá apenas o direito de ratificar. Só com a ratificação é que
os Estados ficam vinculados (assinatura sob reserva de ratificação, art.º
14 CV69). Um Estado que assine um tratado pode até nunca vir a ratificá-
lo. No caso de um Estado que não assine um tratado e mais tarde se queira
vincular, a vinculação já não dependerá da vontade das partes contratantes,
que podem decidir se aceitam ou não a ratificação desse Estado - pedido de
adesão.

• Efeitos jurídicos da assinatura dos tratados solenes:


Ø Exprime o acordo formal das partes quanto ao texto do tratado e
autentica o texto do tratado (fica definitivamente fixado – artigo 10.º, b),
CV);
Ø Marca a data e o local da celebração do tratado, uma vez que a
ratificação vai ser feita posteriormente e em datas diferentes por cada
um dos Estados;
Ø Produz o direito de o Estado ratificar;
Ø Faz surgir o dever para os Estados signatários de se absterem de ações
ou omissões que privem o tratado do seu objeto ou do seu fim. Trata-se
de um imperativo do princípio da boa fé – ART. 18.º CV69;
Ø O Estado fica obrigado a respeitar aquelas disposições do tratado que se
destinam a vigorar exatamente antes da sua entrada em vigor - art.º 24,
n.º4, CV69.

• Efeitos jurídicos da assinatura de acordos em forma simplificada:


Ø A assinatura pode vincular imediatamente os Estados cujos
plenipotenciários assinarem – ART. 24/4, CV;
Ø Os plenos poderes podem, contudo, não conferir ao plenipotenciário a
faculdade de assinar. Se assim se suceder, este, ou se limita a apor no
texto as suas iniciais ou assina ad referendum, ficando as assinaturas
definitivas para mais tarde. É o caso da assinatura sob reserva de
aceitação, que tem de ser confirmada pelo respetivo Estado, sendo esta
confirmação normalmente dada pelo MNE (Ministério dos Negócios
Estrangeiros) e não se confundindo com a ratificação – ART. 12/2, b),
CV;

37
Ø Um mesmo tratado pode revestir a forma de tratado solene para um
Estado signatário e de acordo em forma simplificada para outro.

(REGIME PORTUGUÊS)
• Ao Presidente da República cabe:
- Ratificação dos tratados solenes – ART. 135, b), CRP;
- Assinatura das resoluções da AR e dos Decretos do Governo que aprovam
acordos internacionais – ART. 134, b), CRP.

• Em relação ao Tribunal Constitucional:


- O Presidente da República pode, no exercício de uma competência não
vinculativa, requerer ao TC a apreciação preventiva da
constitucionalidade – ART. 278/1, CRP.
- Tal fiscalização incide sobre as normas constantes da convenção
internacional e não sobre a convenção na sua totalidade. A pronúncia do
Tribunal, princípio do controlo de normas – ART. 204 e 277/1, CRP.
- A pronúncia do TC deve ser feita no prazo máximo de 25 dias – ART.
278/8 -, sendo os seus efeitos os seguintes – ART. 279, CRP:
a) Se o acórdão não identificar inconstitucionalidade, o PR:
decidirá, livremente, se ratifica/assina a convenção internacional.
b) Se o acórdão se pronunciar pela inconstitucionalidade de
norma constante de CI, e não estando contemplada a solução de
expurgo ou eliminação da norma, o PR: ou VETA, recusando a
assinatura no caso de acordo internacional (ART. 279/1, CRP) ou
RATIFICA, no caso de tratado, se este for confirmado pela AR por
maioria de 2/3 dos Deputados presentes, desde que superior à
maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções (ART.
279/4).

• O ato de aprovação de acordos internacionais – resolução da AR e decreto do


Governo – é assinado pelo PR – ART. 134/1, b), CRP.
• Ao contrário da ratificação, a assinatura tem uma função meramente certificativa
ou declarativa do consentimento do Estado Português, resultante do ato de
aprovação.
• O Presidente da República pode, facto, recusar a assinatura com base em
motivos de discordância política, mas tal nunca aconteceu. 

• A assinatura está sujeita a referenda ministerial, sendo que não pode ser recusada
e em caso de falta a sanção é a da inexistência jurídica – ART. 140/2, CRP. 


• Portugal - art.º 161, al. i), CRP. Compete à AR:


- Aprovar os TRATADOS, designadamente os tratados de participação de
Portugal em organizações internacionais, os tratados de amizade, de paz, de
defesa, de retificação de fronteiras e os respeitantes a assuntos militares (são
reserva de tratado solene), bem como os ACORDOS

38
INTERNACIONAIS que versem matérias da sua competência reservada
ou que o Governo entenda submeter a apreciação.

• Regime português para assinatura:


- Competência do governo - art. 197.º, n.º1, alínea b) da CRP (“ajustar”).
- A assinatura ou rúbrica de convenções internacionais pelos
plenipotenciários portugueses, para além de depender de mandato expresso,
está sujeita a prévia autorização que é dada em Conselho de Ministros,
estando esta competência delegada no PM (Res. 17/88, n. º3 e n.º4).
- Nota: é importante distinguir os efeitos da assinatura nos tratados solenes e
nos acordos em forma simplificada. Nestes últimos há que refletir sobre a
importância da rúbrica, assinatura ad referendum (artigo 12.º cv69) ou da
assinatura sob reserva de aprovação interna.

• Aprovação:
(1) Competência (política) principal da AR: art.º 161 al. i) e arts. 164.º e 165.º
CRP.
- Todos os tratados solenes (art.º 161 i));
- Acordos em forma simplificada sobre matérias da sua competência
reservada (absoluta ou relativa) (arts 164.º e 165.º CRP);
- Acordos em forma simplificada que o Governo entenda submeter à sua
aprovação (art. 161.º al. i) e art. 197.º n. º1 al. c) CRP.

A aprovação pela AR é feita através de resolução - art.º 166 n.º5 CRP.

Nota: A AR não pode delegar no Governo a sua competência (política) para


aprovar convenções internacionais (a contrario, artigo 161.º d) e artigo
165.º).

(2) Competência (política) residual do Governo.


- Só aprova acordos em forma simplificada e apenas nas matérias da
competência legislativa corrente (artigo 197.º n. º1 c) CRP).
- A aprovação dos acordos em forma simplificada pelo Governo é feita
por decreto simples (art.º 197 n. º2 e art.º 200 n.º1 d), CRP).
- Nota: A AR não pode delegar no Governo a sua competência (política)
para aprovar convenções internacionais (a contrario, artigo 161.º d) e
artigo 165.º).

c) RATIFICAÇÃO
• A ratificação é o ato jurídico individual e solene pelo qual o órgão competente
do Estado afirma a vontade deste se vincular ao tratado cujo texto foi por ele
assinado – ART. 11 e 14, CV. Pode tomar o nome ou forma de aceitação,
aprovação ou adesão.
• A ratificação é um ato político ou de governo, portanto, o seu controlo pelos
tribunais administrativos não é possível, ou seja, há uma plena liberdade de

39
decidir se se ratifica ou não o tratado, independentemente da opinião dos
tribunais.
• A ratificação é um ato livre, salvo a hipótese, aliás rara, de o dever de ratificar
derivar de um tratado anteriormente concluído. O que quer dizer que não viola
o Direito Internacional o Estado que não ratifica um tratado solene que
previamente assinou.
• Podemos apontar como instrumentos de ratificação a “carta de ratificação”
(portanto, tratado, declarações e, se for o caso, reservas que se pretendam apor).
Só com a subsequente notificação, troca ou depósito dos instrumentos de
ratificação é que um Estado fica vinculado ao tratado – ART. 16 e 24, CV.

• Os motivos para a recusa de ratificação podem ser vários, e alguns deles


podem resultar das normas constitucionais do Estado em questão:
- Recusa pelo Parlamento da aprovação do tratado, necessária para a
ratificação; 

- Declaração de inconstitucionalidade do tratado (ou do ato legislativo que o
aprovou); 

- Veto político do Chefe de Estado; 

- Simples inoportunidade ou inconveniência política do tratado. 


• O carácter livre da ratificação também lhe faculta a escolha do momento em


que o há-de ratificar. 


• Desta discricionariedade da ratificação resultam duas consequências:


a) A possibilidade de ratificações tardias, passados muitos anos sobre a
assinatura do tratado; 

b) A possibilidade da recusa da ratificação, sendo que pode criar situações
politicas embaraçosas. 


• Os esforços por parte da doutrina no sentido de fazer nascer um dever jurídico


de ratificação não têm tido sucesso. Para que tal acontecesse o princípio geral
da boa fé teria que exigir que os Estados não assinassem tratados que não
pretendessem ratificar. 
Mas, por um lado, nem sempre a recusa de
ratificação significa que o Estado não estivesse de boa fé quando assinou o
tratado; e por outro, a violação do dever de boa fé é desprovida de sanção. 


• As recusas de ratificação são largamente responsáveis pela proliferação dos


acordos em forma simplificada e pelo declínio da importância da
ratificação. 


• Por norma, e em caso de ratificação, esta funciona da seguinte maneira:

40
- Chefe de Estado emite a chamada carta de ratificação, incorporada no
instrumento de ratificação, a que é junto o texto do tratado. 

- Procede-se à troca de ratificações – modo habitual de os Estados se darem
mutuamente a conhecer que ratificaram os tratados entre si já negociados.


• O significado político da ratificação ao longo do tempo:


- Na monarquia absoluta:
Ø Se o próprio príncipe tivesse negociado o tratado, a ratificação não
era necessária, pois, sendo o Chefe de Estado detentor de todos os
poderes, a assinatura era suficiente para o tratado obrigar o Estado.
Ø Se a negociação fosse feita por plenipotenciários, estes que agiam
como mandatários do príncipe, este último intervinha a posteriori
para verificar se a sua vontade fora bem expressa.
Ø O tratado ficava concluído com a assinatura, a ratificação retroagia
ao momento desta, e havia um dever jurídico de ratificação dos
tratados assinados, salvo excesso de poder da parte dos
plenipotenciários, dever esse que se traduzia na promessa de
ratificação.
- A partir do estabelecimento nos Estados do princípio da divisão de
poderes e do aparecimento das constituições:
Ø Surge o poder executivo – que negocia o tratado. E o poder
legislativo – Parlamento, cuja aprovação é necessária para que se dê
a ratificação e, portanto, para que o tratado vinculo o Estado na
ordem internacional e, consequentemente, vigore na ordem interna.
Ø A ratificação passa a ser a forma de expressão da vontade do
Estado no plano internacional nos termos previstos nas diversas
constituições e deixa de produzir efeitos retroativos, sendo que é
mesmo a ratificação e não a assinatura que vincula o Estado ao
tratado.

• No caso da ratificação pelas Organizações Internacionais, há um órgão


plenário – órgão composto por todos os Estados membros da Organização – e
um órgão executivo – compostos por só alguns. A competência para a
ratificação será atribuída, em regra, ao primeiro, mas também pode ser
atribuída aos dois.
• Os tratados comerciais concluídos pelas Comunidades com terceiros são
da competência do Conselho – órgão legislativo da Comunidade em questão
e que é composto por representantes de todos os Estados membros, um por
cada Estado.
É de notar que nestes casos não há troca de ratificações.

• Exigência ou não de ratificação:

41
- Como surgiram os acordos em forma simplificada?
Ø Com o desenvolvimento das relações internacionais, particularmente
com o incremento do comércio internacional, passou a ser urgente para
os Estados sentirem-se obrigados pelos tratados que livremente
negociavam, o que nem sempre se compadecia com a demora da
aprovação parlamentar, necessária à ratificação pelo Chefe do Estado.
Ø Os governos passaram a forçar a vinculação dos respetivos Estados aos
tratados por força da sua simples assinatura, como forma de evitar que
uma recusa posterior de aprovação do tratado pelo Parlamento, ao
impedir a ratificação, obstasse à vinculação do Estado ao tratado.
- Como saber se um tratado reveste a forma de um tratado solene ou de
um acordo em forma simplificada?
Ø É uma questão que, no plano do Direito Internacional, deverá, em
princípio, ser esclarecida pela própria convenção. No entanto, se tal não
se verificar, existem doutrinas que admitem a designada regra da
presunção de necessidade de ratificação.
Ø É de notar que, todavia, a CV não veio a adotar sobre este ponto qualquer
regra supletiva, limitando-se a enunciar, nos artigos 11 a 15, as várias
formas de expressão do consentimento do Estado. Não obstante que no
artigo 11 se identifique a mera assinatura e, por associação poderia
admitir-se a ratificação, a verdade é que existe efetivamente a omissão
da regra residual ou supletiva, verificando-se, consequentemente, que a
presunção geral a favor da ratificação está progressivamente
enfraquecida.
- A importância das matérias versadas nas convenções tem influência?
Ø Não é a importância da matéria versada na convenção que faz com que
ela imponha a sua ratificação e lhe dá a forma de tratado solene. No
entanto, é importante notar essa reduzida importância se deve ao facto
de ser o Direito Constitucional dos Estados a definir quais são as
matérias que podem ou não ser objeto de acordos em forma
simplificada.
Ø É aí que o legislador constituinte de cada Estado conserva uma total
liberdade, resultando, frequentemente, que um mesmo tratado seja
solene para uma Parte Contratante e de forma simplificada para outra.

Por fim, é possível admitir a existência de algumas constituições, como
o caso da Constituição Francesa de 1958, que prevê expressamente os
acordos em forma simplificada e estabelecem de modo expresso quais
as matérias sobre os quais eles podem versar, transmitindo assim
comodidade ao jurista e segurança ao diplomata.
Ø No caso do Direito Constitucional norte-americano, a sua constituição
prevê unicamente tratados solenes, de tal forma que os acordos em

42
forma simplificada surgem pelo elemento prático, uma vez que se tornou
indispensável à condução da politica externa a conclusão do executive
agreements, dada a dificuldade de reunir a maioria de 2/3 no Senado,
necessária à ratificação de um tratado solene. É de notar, porém, que não
identifica as matérias a que se podem validamente estender os
agreements.

(REGIME PORTUGUÊS)

• A ratificação corresponde a uma declaração solene e final de aceitação do tratado


pelo Estado Português que, em linha com a prática costumeira internacional e
constitucional, o faz através de intervenção do Chefe de Estado. 

• Materialmente é traduzida na assinatura sobre a carta de ratificação, objeto de
troca no tratado bilateral e de depósito no tratado multilateral. 

• O ato interno correspondente ou simétrico é o decreto presidencial de
ratificação, publicado no Diário da República. 


• É um ato livre do Chefe de Estado, sendo que este pode ou não ratificar. A
não ratificação implica um fundamento em argumentos de discordância
politica – ART. 120, CRP. 


• No caso de discordância por dúvidas relativas à eventual incompatibilidade do


tratado com a CRP, o Presidente da República tem ao seu dispor o mecanismo
da fiscalização preventiva da constitucionalidade – ART. 278/1, CRP. 


• A CRP não prevê o procedimento de recusa de ratificação pelo Presidente da


República. 

• A CRP não estipula um prazo de ratificação, pelo que se deve aplicar, de
acordo com o princípio da cooperação leal, o critério do prazo razoável.
No
caso de ratificação tardia, contraria ao referido critério, existirão
consequências no plano jurídico-constitucional e repercussão negativa nos
quadros das relações externas. 


• Externamente, a ratificação é, sendo um ato livre, a expressão da soberania


do Estado. 


43
d) Entrada em vigor + e) Registo e publicação
• Admitia-se inicialmente o seguinte: “Todos os tratados ou acordos
internacionais concluídos no futuro por um membro da SDN deverão ser
imediatamente registados pelo Secretariado e por ele publicados logo que
possível. Nenhum destes tratados ou acordos internacionais será obrigatório
antes de ser registado.”
• Tal feito permitia submeter os tratados à opinião pública e eliminar os tratados
secretos.
Mas a sanção prevista, que na pratica era assimilada à nulidade do
tratado, era demasiadamente rigorosa.
• Daí que a alteração tenha sido feita no sentido de se admitir que os tratados não
registados não eram nulos, mas simplesmente inoponíveis perante os órgãos da
SDN e o Tribunal Permanente de Justiça Internacional.
• Assim se encontra consagrado na Carta das Nações Unidas – ART. 102:
- Nº1: prescreve um dever jurídico de registo dos tratados e acordos
internacionais que venham a concluir, abrangendo todos os membros da
Organização.
- Nº2: com um âmbito mais abrangente, englobando os Estados e outros
sujeitos do Direito Internacional, mesmo os não membros da ONU; contém
um ónus que, em caso de não ser satisfeito, gera inoponibilidade do tratado
não registado perante os órgãos da ONU, incluindo o Tribunal Internacional
de Justiça.

1) Aspetos internos: a fiscalização preventiva da


constitucionalidade, a referenda e a publicação no DR
• Há a possibilidade da Assembleia da República, antes de aprovar convenções
nacionais, sujeitar os tratados ou contratos a referendos, de acordo com o
ART. 115, CRP.
Um tratado ou acordo pode ser sujeito a referendo e
aprovação, sendo que a ratificação estará dependente dos resultados do
referendo.
• Dá-se, por isso, a perda da liberdade de aprovação do referendo por parte
da Assembleia da República, do Governo e do Presidente da República.
No
caso do referendo se apresentar como negativo, a Assembleia da República ou
o Presidente da República não podem ir contra a vontade do povo. No caso de
o referendo ser positivo, a Assembleia da República não pode invocar depois
elementos para impedir a aprovação do contrato, sendo que o mesmo acontece
com a ratificação do Presidente da República.
• O próprio regime de referendo – ART. 115/8, CRP- admite que a única
hipótese é sujeitar a proposta de referendo à fiscalização preventiva da
constitucionalidade, sendo que só aí é que se considera válida a justificação
para nova ratificação.
A liberdade de apreciação pode ser limitada no caso
de existir referendo sobre assuntos de interesse nacional que possam afetar

44
tratados com esses mesmos interesses.
No caso de Portugal, considera-se que
o uso do referendo é mínimo ou quase nulo, no entanto existem países, como o
caso da Suíça, em que existem matérias de referendo obrigatório.

• Sistema de estrutura mista parlamentar-presidencial: após a aprovação dos


tratados solenes pela AR, o ato de ratificação cabe ao PR (art. 135.º b), CRP),
seguindo-se a referenda ministerial sob pena de inexistência do ato (art.º 140,
CRP = ratificação é um ato “complexo”).
• Outros exemplos: Timor-Leste (ratificação pelo Parlamento Nacional), Brasil
(PR, sujeito a referendo do congresso nacional), Angola (PR, mediante
aprovação da assembleia nacional) e Cabo Verde (igual a Angola).
• O PR ratifica os tratados solenes através de decreto – o Decreto
Presidencial de Ratificação, publicado no Diário da República (art. 119.º n.
º1 d), CRP).
• Nota: a questão do referendo (art.º 115 e 295, CRP).

• EM QUE MOMENTO É QUE PODE SE PODE FISCALIZAR A


CONSTITUCIONALIDADE?
- No caso de ser um tratado solene, a fiscalização da constitucionalidade
terá que decorrer antes do ato de ratificação.

- No caso de ser um acordo em forma simplificada, a fiscalização da
constitucionalidade terá que ter lugar antes da assinatura da resolução
ou do decreto.

• QUAL É O EFEITO DO PEDIDO DE FISCALIZAÇÃO AO TC?


- Em tratados solenes:
Ø Se existir declaração da inconstitucionalidade, o Presidente da
República fica impedido de ratificação, a não ser que a Assembleia
da República volte a aprovar o contrato com uma maioria superior à
maioria absoluta exigida para a revisão constitucional.
Segundo o
ART. 279/4 e, cortejando a interpretação deste artigo com o ART.
203 e 204 da RAR, é uma inconstitucionalidade material,
correspondendo à mais forte.
Ø Há que admitir, ainda, a existência de uma outra hipótese. Se o
Tribunal Constitucional declara uma determinada norma do contrato
como inconstitucional, existem outros mecanismos que podem
facilitar a sua ratificação, como é o caso da reabertura das
negociações, principalmente se se tratar de um contrato bilateral.
Se não for o caso, isto é, se for multilateral, e se o tratado admitir
reservas - ART. 19 e seguintes da CV69- há a possibilidade de o

45
Presidente da República ratificar, mas para que tal aconteça tem que
existir a exclusão, no decreto presidencial de ratificação, das
normas consideradas inconstitucionais para o sistema Português.
Ø O que acontece é que o tratado se torna vinculativo, mas não quanto
às normas inconstitucionais que apresenta.
Ø Estas reservas correspondem a formas de maior flexibilidade no
que respeita a adesão de contratos, uma vez que permitem uma
participação mais ampla e, consequentemente, uma aplicação
diferenciada nos tratados.

- Em acordos em forma simplificada:


Ø Não existe a aplicação do ART. 279/4, CRP no que respeita os
acordos, uma vez que o artigo contempla apenas os tratados. Assim,
a ligação faz-se com o Nº1 e Nº2, devendo-se fazer uma
interpretação expansiva e análoga aos acordos, equivalendo-os aos
tratados solenes. Canotilho propõe a aplicação do Nº2 também a
acordos, isto é, com uma maioria de 2/3, sendo que o acordo passa
então a estar aprovado pela Assembleia da República.
Ø No entanto é importante notar a situação em que o acordo é
aprovado pelo Governo. Já não se encontra abrangido pelo Nº1,
nem pelo Nº4. Assim, caso o Presidente da República tenha um
Decreto Lei para aprovar, sendo este internacional e
inconstitucional, a única hipótese é devolver o Decreto ao
Governo e em seguida prosseguir para a aprovação da Assembleia
da República, sendo que aí sim, já se encontra abrangido pelo Nº2.

4.1 – Especificidades do processo de conclusão de convenções


multilaterais: o caso das reservas, em especial.
• Especificidades do processo de conclusão de convenções multilaterais:
- Negociação institucionalizada: por conferência diplomática ou no seio
de uma OI;
- Alargamento a outros Estados: assinatura diferida ou adesão (prévio
consentimento dos Estados parte);
- Possibilidade de aposição de reservas.

• A questão das reservas:


- Noção: ART. 2, Nº1, d), CV.
- Inconvenientes e vantagens: participação parcial nas convenções como
desvantagem, mas permite uma mais ampla participação dos Estados
como vantagem.
- Condições de validade:

46
a. Formal (ART. 19, 1º parágrafo, e ART. 23, CV69);
b. Material (ART. 19, a), b), c), CV69 – respeito pelo DI geral e pelas
normas imperativas).
- Depositário: escolha do depositário (ART. 76, Nº1, CV), funções do
depositário (ART. 77, CV) e natureza internacional da função (ART.
76, Nº2, CV). Nos tratados multilaterais, as ratificações, quer dos
Estados que participaram na negociação, quer dos que praticaram a
assinatura diferida, bem como os instrumentos de adesão, não são
trocados, mas sim depositados junto de uma entidade que é escolhida
como depositária. O depositário é um órgão de uma organização
internacional ou organismo do Estado. Assume funções de gestão de um
tratado quer em relação aos depósitos quer aos fenómenos futuros que
possam por em causa o tratado. Cabe-lhe assegurar a guarda do texto
oficial nas línguas oficiais, enviar copias, receber assinaturas dos
tratados, notificar partes, etc. Assim, desempenha uma função
internacional: a de Gerir a vida do tratado.

• Regime das reservas (regime supletivo – ART. 20.º e 22.º, CV):


- Condições das reservas (ART. 20, CV):
Ø Tratados entre poucas partes (ou se o mesmo resultar do seu objeto
e fim) – ART. 20º, nº2 - têm que estar todos de acordo.
Ø Tratados gerais e plurilaterais – ART. 20.º N.4;
Ø Tratados institutivos de OI – ART. 20.º N.3.
- Efeitos jurídicos das reservas (ART. 21, CV).

(EXTRA)
• A elaboração do texto do tratado multilateral dá-se quer numa conferência
internacional convocada para esse efeito, quer numa Organização
Internacional, podendo então ser aprovado por uma resolução.
A consequência
principal disso é que o texto poderá resultar, então, não de um acordo unânime,
mas de uma votação maioritária, para a qual se exige geralmente a maioria de
dois terços. Daqui deriva o aparecimento das reservas.
• Não há, portanto, normalmente, lugar à assinatura. E, por isso, o ato pelo
qual é fixado o texto do tratado designa-se pelo termo genérico de adoção –
ART. 9 CV.
• Em rigor, a inexistência da assinatura devia gerar a não existência da
ratificação. Mas a tendência tem sido no sentido de se continuar a exigir a
ratificação, que, para o efeito, não é vista como uma confirmação da
assinatura. Também a escolha da língua em que ele deve fazer fé e ainda a
interpretação desse tratado quando ele for redigido em várias línguas e as várias

47
versões não coincidirem na sua terminologia técnica correspondem a
problemas resultantes dos tratados multilaterais.

• A participação dos Estados pode dar-se pela forma clássica: assinatura,


quando a ela houver lugar, seguida de ratificação. Mas o tratado pode estar
aberto a outros Estados que não participaram na sua negociação,
designando-se então por tratado aberto.
Pode estar aberto a alguns dos
restantes Estados, segundo uma restrição geográfica, política, económica ou
a todos os Estados, umas exigindo-se-lhes especial qualificação e outras sem
restrições algumas. Só no caso de não existirem restrições algumas é que se
considera um verdadeiro tratado aberto, em todas as restantes restrições
apresentadas consideram-se tratados semiabertos.
• É de notar que o próprio mecanismo de participação dos Estados num tratado
internacional pode traduzir-se numa restrição a essa mesma participação, por
exemplo, no caso de se exigir unanimidade dos Estados partes para a aceitação
de um novo Estado como parte.

• A participação do Estados num tratado multilateral pode ter lugar através


de:
- Assinatura diferida: o Estado, ou tendo participado na negociação não
quis assinar no momento de adoção do texto e, entretanto, mudou de
ideias e decidiu também vincular-se ao tratado OU não participou sequer
na negociação e assina o tratado durante o período, mais ou menos curto,
em que ele fica aberto à assinatura de Estados que não participaram na
sua negociação inicial. 

- Adesão: o Estado que não participou na negociação do tratado exprime
o seu consentimento definitivo quanto ao seu texto e vincula-se a ele –
ART. 11 e 15, CV. 


• Um problema político extremamente delicado é o da participação dos Estados


nos tratados multilaterais gerais.
Dado o seu carácter tendencialmente
universal, deveriam, em princípio, ser abertos à participação de todos os
Estados. Não tem sido, porém, esta a orientação que tem prevalecido, de um
modo geral, nos tratados multilaterais gerais celebrados sob os auspícios das
Nações Unidas. 
Nos tratados multilaterais, as ratificações, quer dos Estados
que participaram na negociação, quer dos que participaram a assinatura
diferida, bem como os instrumentos de adesão, não são trocados, mas sim
depositados junto de uma entidade que é escolhida como depositária, e que,
nas convenções concluídas sob a égide de uma Organização Internacional,

48
é, geralmente, o Secretário-Geral respetivo. Quando o tratado não esteja em
relação direta com uma Organização Internacional, ou, sendo o ato constitutivo
de uma Organização Internacional, esta ainda não exista no momento do
depósito das ratificações, a prática internacional é no sentido de escolher como
depositário o Governo do Estado em cujo território se realizou a
conferência de onde provém o tratado. 
Por via de regra, a entrada em vigor
do tratado far-se-á então depender do depósito de um certo número de
ratificações, ou das ratificações de certos Estados.
As funções do
depositário encontram-se definidas nos artigos 77 e 78, CV. 
Por vezes, nos
tratados multilaterais faz-se depender a participação dos Estados não da adesão,
ou da ratificação, mas da aceitação. Este termo engloba então tanto a adesão
como a ratificação ou qualquer outra forma de participação que seja
válida segundo o Direito Constitucional dos Estados. 


• ADESÃO:
- A adesão corresponde à forma mais vulgar de participação dos Estados,
sendo que implica a existência de um Estado que não participou na
negociação do tratado, mas que vem posteriormente a produzir uma
declaração unilateral de vinculação a ele, afirmando que quer ser nele
parte. Tem, portanto, o mesmo alcance que assinatura e a ratificação, sendo
que neste último caso, apenas se o tratado em causa for um tratado solene.
- Também a adesão deve respeitar o Direito Constitucional do respetivo
Estado e, por conseguinte, se para a vinculação internacional do Estado a
sua Constituição impõe prévia aprovação do tratado por qualquer órgão
político essa aprovação deve ser obtida antes da adesão.
- Afirma-se como um processo semelhante ao da ratificação e que, na
ausência de regulamento daquela, se lhe aplica o mesmo regime
jurídico desta. Mas este raciocínio é apenas correto se o tratado em questão
revestir a forma de tratado solene. Nada impede que um Estado adira a
um acordo em forma simplificada e, nesta hipótese, o processo de adesão
estará submetido, no plano internacional e no plano interno, ao mesmo
regime da assinatura do acordo.

- A adesão está sujeita a duas condições:


Ø O tratado não pode ser um tratado fechado, isto é, um tratado que
não admite a participação de outros Estados além dos que
originariamente o assinaram, sendo o caso da maioria dos tratados
bilaterais ou dos que versam sobre questões altamente políticas,
como é o caso dos tratados de paz, de aliança militar, de defesa, etc.
A adesão só será, portanto, possível em relação a tratados abertos,

49
isto é, tratados que admitem a ulteriora participação neles de todo e
qualquer Estado, ou em relação a tratados semiabertos, ou seja,
tratados que aceitam a ulteriora participação de Estados que reúnem
determinadas características. 

Ø Circunstância de nenhum Estado ter o direito de se tornar parte
num tratado originariamente concluído por dois ou mais
Estados, sendo que a sua participação nesse tratado depende
exclusivamente da vontade das partes originárias no tratado, ou
porventura também dos que, entretanto, lhe aderiram, e essa vontade
deve ser expressa nos termos previstos do próprio tratado. 


- A adesão a tratados institutivos de Organizações Internacionais está


sujeita a um regime especial de confronto com a adesão a vulgares
tratados bilaterais ou multilaterais. É que para aquela se exige que os
Estados membros da Organização, por votação expressa, ou por ratificação
expressa do tratado de adesão, aceitem o novo candidato. 

- Em muitos tratados multilaterais fala-se aceitação ou aprovação do tratado,
em vez de adesão, e tal se traduz no facto de, em desse modo, se furtar o
respetivo tratado ao processo interno de ratificação, se doutra forma este
devesse ser respeitado. É, por isso, uma forma de facilitar o problema do
Direito Constitucional Norte-Americano, uma vez que permite que os
Estados Unidos possam aderir a um tratado multilateral solene sem a prévia
aprovação do Senado. 

- Por fim, sendo a adesão uma declaração unilateral, pode ela própria, do
ponto de vista formal, ser objeto de uma convenção, entre o Estado
aderente e os Estados partes no tratado original. Fala-se, por isso, em
tratado de adesão, que se distingue do tratado em ao que o Estado adere,
e que é utilizado quando a adesão impõe uma vasta e pormenorizada
negociação. 


• RESERVAS:
- As reservas correspondem à declaração feita por um Estado no momento
da sua vinculação a uma convenção, da sua vontade de se eximir de certas
obrigações dela resultantes ou de definir o entendimento que dá a certas, ou
a todas, dessas obrigações – ART. 2/1, d), CV.
É, por isso, um elemento
de particularismo da situação do Estado perante a convenção, configurando
uma participação parcial do Estado no tratado, e, por isso, só existe em
tratados multilaterais. Na verdade, se o tratado é bilateral a reserva
formulada por um dos Estados equivale ou à sua recusa de ratificação ou à

50
proposta de novo texto do tratado. No caso de não se aceitar, não se forma
acordo de vontades e não existe tratado.
- A formulação de reservas deriva muitas vezes do facto de o Estado ter sido
posto em minoria na votação final de uma determinada disposição, que, no
entanto, não pode aceitar.

- Da não aceitação até à aceitação da formulação de reservas: Em que


condições são admissíveis as reservas?
Ø A posição tradicional do Direito Internacional ia no sentido de recusar
a possibilidade de introdução de reservas nos tratados sempre que isso
afetasse a integridade das regras substanciais ou de fundo do tratado.
A isso acrescia que a aceitação de reservas aos tratados significava a
limitação da soberania dos outros Estados partes no tratado.
Ø Depois de várias convenções que sustentavam esta ideia inicial,
admitiu-se que a regra consistia na aceitação de reservas aos tratados,
de tal forma que a pratica da Sociedade das Nações tentava conciliar
esta aceitação com a invocabilidade da soberania dos outros Estados
partes na convenção. Admitia-se então que elas só eram admissíveis
quando aceites, ao menos tacitamente, por todos os Estado
vinculados à convenção. Portanto, se um destes Estados se opusesse à
reserva, o Estado que a formulava não se podia tornar parte no tratado.
Era, por isso, aplicada a regra da unanimidade, característica da
própria Sociedade das Nações.
Ø Posteriormente, porém, foi-se registando uma tendência para tornar
mais flexível a admissão de reservas.
Ø O TIJ admitiu que um Estado que tinha formulado uma reserva aceite
por alguns dos Estados membros da Convenção, mas rejeitada por
outros, poderia ser considerado como parte na Convenção se a reserva
não fosse incompatível com o objeto e o fim desta, mas não no caso
contrário. Considerava, ainda, que os Estados que tinham rejeitado a
reserva podiam considerar que o Estado que a formulara não era parte
na Convenção em relação a eles. Nesse caso, a Convenção só vigoraria
entre o Estado que formulara a reserva e aqueles que a tinham
aceite.
Ø Posteriormente, o Secretário-Geral das Nações Unidas, na sua
qualidade de depositário de inúmeros tratados, passou a considerar
como partes num tratado os Estados que a ele formulavam reservas.
Ø Até a própria CV considerou três categorias de tratados no que respeita
a questão das reservas – ART. 19 a 23.
Assim, a CV abandona, ao
menos como princípio geral, a regra da unanimidade, no entanto a
solução que apresenta nos artigos atrás considerados apresenta-se com

51
grande imprecisão, porventura inevitável, da referência, por exemplo,
a “um número restrito de Estados”, sendo duvidoso que seja considerar
parte na convenção um Estado cuja reserva tenha sido rejeitada por
grande número dos outros Estados partes. Mais duvidoso é ainda o
facto de excluírem de uma convenção um Estado cuja reserva tenha
levantado oposição de mais um terço dos Estados membros.

Ø Uma outra critica corresponde ao facto da CV não abordar
expressamente o difícil problema das relações entre a formulação de
reservas e a entrada em vigor das convenções multilaterais: quando essa
entrada em vigor dependa das ratificações de um certo número de
Estados, deverão contar-se também, para perfazer o número exigido,
as ratificações acompanhadas de reservas?
E ainda, como maior
ponto criticável da CV, o que se refere às convenções que instituem
Organizações Internacionais: por via de regra, a entrada em vigor destas
convenções depende do deposito de um certo número de ratificações;
ora, se estas forem acompanhadas de reservas, como poderá
pronunciar-se sobre elas o órgão da Organização, se esta ainda não
existe?

- Distinção entre declarações e reservas:


Ø Note-se que as reservas não se devem confundir com meras
“declarações interpretativas” ou simples “declarações”, essas
admissíveis mesmo em tratados bilaterais e em tratados multilaterais
que não admitem reservas.

Ø Através dessas declarações o Estado que as formula, os próprios órgãos
da Organização Internacional sob cuja égide se conclui o tratado em
questão, ou até a certa ou certas partes contratantes do globo,
aprofundam o sentido a dar a certa ou certas cláusulas do tratado,
completando o seu alcance ou, simplesmente, esclarecendo a
interpretação que concedem a alguma ou algumas das disposições do
tratado, mas sem propriamente a intenção de se eximirem ao seu
cumprimento, diferentemente do que acontece com as reservas que
implicam, precisamente, este último elemento de eximir.

5 – Processo de conclusão das convenções internacionais


• A interpretação dos tratados corresponde à determinação da norma contida
neles mesmos.

52
• Resulta da doutrina e da jurisprudência que o objeto da interpretação do tratado
consiste na averiguação da vontade real das partes contratantes, isto é, a
sua vontade comum.

• Interpretação das convenções internacionais:


- Arts 31.º a 33.º, CV69 – traduzem as tendências gerais da prática, embora
não possam dar conta de todas as nuances. Refletem a prática internacional
da ética.
- Noção: averiguação da vontade real das partes contratantes (vontade
comum). As normas nem sempre são de interpretação fácil e por isso é
importante
- Competência para a interpretação:
Ø Interpretação autêntica: feita pelo próprio autor da norma, em anexo
por exemplo, sendo que as partes esclarecem qual é o sentido de uma
norma específica do tratado. No Direito Interno tb pode acontecer o
próprio legislador afixar a melhor interpretação a dar a um texto
legislativo complexo.
Ø Interpretação não autêntica: feita por terceiros (juiz internacional,
órgão de uma OI). Há ainda uma cadeia de autores como advogados por
ex. que podem também fazer interpretação não autêntica. Em caso de
diferenças na interpretação, é a decisão de um juiz que prevalece.

• Métodos de interpretação:
a) Meios de interpretação à disposição do intérprete:
- Elemento literal (artigo 31.º n. º1): atende ao significado usual dos
termos do tratado. É o elemento natural, primeiro elemento que
intuitivamente utilizamos – recorrer à letra da lei. Não podemos
interpretar distorcendo a lei (“sentido comum a atribuir aos termos”).
A partir da letra da lei, podemos corrigir e completar com o elemento
sistemático.
- Elemento sistemático (art. 31.º, n. º1/2): serve-se do contexto em que
está inserida uma norma, um artigo, uma alínea. A interpretação
sistemática é fundamental pois temos que ver o sistema em que a norma
está integrada, tendo em conta o texto, preâmbulo e anexos. O sistema
pode ser o ato normativo dentro do qual uma norma está incluída e
também a sua relação com outros complexos normativos e com atos
externos, de natureza jurídica diferente. É dos mais difíceis de articular
dependendo de ser mais simples ou mais complexo, mas é neste domínio
que muitas vezes está a resposta. “(...) no seu contexto”.
- Elemento teleológico (art.º 31, n. º1, última parte): dá relevância ao
objeto do tratado mas, sobretudo, aos 
fins por ele visados – ART. 31/1,
in fine, CV. O que o interpretador pretendia realizar com uma

53
determinada norma, o objeto e o fim do tratado. O preâmbulo por ex.
ajuda a definir esta intenção. “à luz do respetivo objeto e fim”.
- Elemento atualista (art. 31.º, n. º3, alíneas a e b): permite-nos
localizar a norma e a sua interpretação no tempo em que ela vai ser
aplicada e não no momento em que foi redigida. “ter-se-á em
consideração simultaneamente ... o acordo posterior...”.
- Elemento histórico – método complementar (art. 32.º): quando a
norma, apesar de usando as técnicas, continua a não fazer sentido, então
pode-se recorrer ao elemento histórico. Este elemento leva-nos a
analisar todos os trabalhos preparatórios que levaram à elaboração da
norma. Perceber através da análise de trabalhos preparatórios ou
documentos das negociações, se existentes, de uma lei, tratado, etc.

b) Regras metodológicas:
- Na utilização dos vários meios o intérprete deve conjuga-los e selecioná-
los de modo a obter um resultado lógico, evidente e eficaz – a principal
regra metodológica é a da boa fé (art. 31.º n. º1), segundo a qual os
tratados são negócios bona fide e devem ser interpretados por forma a
excluir a fraude. Passa por, no fundo, não distorcer o sentido da
interpretação só para servir um determinado propósito “egoísta”. É
preciso ter seriedade e aceitar quando um determinado resultado
interpretativo normativo não nos favorece, caso contrário o Direito seria
uma articulação de argumentos ao sabor de interesses divergentes.

• Consequências do princípio da boa fé:


- Efeito útil da interpretação: exclui que o tratado possa ser interpretado
por forma a privá-lo de efeito prático. É fundamental que o uso dos
elementos nos faça atingir um resultado útil. A interpretação tem que
realmente corresponder ao sistema em que a norma está inserida e à
finalidade do legislador.
- Resultado não absurdo: a interpretação não pode conduzir ao absurdo.
- Efeitos implícitos dos tratados: regra de harmonia com a qual deve
entender-se que foi querido não só o que expressamente se estipulou,
mas ainda aquilo que for indispensável para a realização da estipulação.
- Interpretação teleológica: os tratados devem ser interpretados de
harmonia com os fins que prosseguem.

• Isto pode implicar designadamente:


- Consideração dos objetivos e fins da convenção;
- Princípio das competências implícitas.

• Na Convenção de Viena (art. 31 a 33):


- As regras aí definidas concedem ao intérprete suficiente maleabilidade
em função da natureza de cada tratado concretamente considerado.
De
facto, embora se parte inevitavelmente do elemento literal, tempera-se

54
o sentido que ele concede à norma interpretada com o que advém do
contexto dessa regra, do elemento teleológico e da pratica posterior
(ART. 31/3, b), embora se oriente no mesmo sentido também a a)),
levando-se em consideração também, ainda que de forma
complementar, o elemento histórico. 

- A CV concede ao interprete os meios necessários para ele a moderar em
função do que foi a vontade real das partes, permitindo inclusive a
atualização daquela vontade através do disposto no citado Nº3, a), e,
sobretudo, b), do ART. 31.
É de notar que o elemento literal pode vir
a ceder perante a consideração do que foi a vontade das partes, por força
do que estabelece o Nº4, do mesmo artigo.

• Interpretação de tratado para tratado:


- É importante referir que os elementos de interpretação não apresentam a
mesma importância em todos os tratados, como é o caso da interpretação
de tratados de fim evolutivo, nos quais é largamente valorizado o elemento
teleológico, como forma de assegurar a progressão de toda a Ordem Jurídica
das respetivas Organizações de integração em direção aos objetivos últimos
apontados àquelas, desde logo, nesses tratados institutivos.

• Qual aplicar: interpretação restritiva ou interpretação extensiva dos


tratados?
- A interpretação extensiva dos tratados não é, de facto, muito vulgar. Já a
interpretação restritiva dos tratados é mais frequente, uma vez que as
limitações da soberania dos Estados não se presumem e em caso de dúvida
devem ser interpretadas restritivamente.

6 – A questão da validade das convenções internacionais


• Condições de validade das CI’s (artigos 46.º a 53.º CV69):
1) Que o sujeito seja capaz: que o sujeito tenha ius tractuum;
2) Que a sua vontade tenha sido expressa de forma livre e regular;
3) Que o objeto prosseguido pela convenção seja lícito.

1) Que o sujeito seja capaz:


- Só os sujeitos ativos do DI podem ser partes num tratado (exclusão dos
particulares) – a falta de capacidade determina a simples inexistência do
tratado.
- Capacidade plena: os Estados. Os Estados em princípio têm capacidade
plena para celebrar qualquer tipo de tratado.

55
- Capacidade limitada: OI (capacidade limitada ao seu objeto), Santa Sé
(só pode celebrar tratados que promovam os seus objetivos espirituais
como as suas concordatas com os países), movimentos de libertação
nacional (tratados de independência e tratados de paz reconhecidos pela
outra parte, capacidade seletiva e funcional) e beligerantes (capacidade
funcional).

2) Vontade expressa de forma livre e regular:


- Causas de nulidade: enumeração taxativa pela CV69 (artigo 42.º).
- Distinção entre nulidade relativas e nulidades absolutas (CV69):
Ø Relativas:
ü Só podem ser invocadas pela parte cujo consentimento tiver sido
viciado (ART. 46, 48, 49 e 50);
ü Podem admitir a divisibilidade da convenção nos termos do ART. 44 -
se a nulidade só aceitar um artigo ou um capítulo e estes forem
destacáveis sem prejudicar a essência do tratado, é possível uma
nulidade meramente parcial de um tratado.;
ü O Estado pode perder o direito de invocar a causa de nulidade (ART.
45). 

Ø Absolutas: 

ü Invocáveis por qualquer parte, mesmo exteriores ao tratado (ART. 51 a
53); 

ü Não admitem divisão da convenção nos termos do ART. 44/5; 

ü São invocáveis a todo o tempo (não se aplica o ART. 45). 


A) Irregularidades formais – as “ratificações imperfeitas” (arts. 46.º e 47.º,


aplica-se tanto a tratados solenes como a acordos em forma
simplificada):
- Nulidade relativa;

- Parte-se do principio de que a convenção é válida.
- Condições cumulativas para a anulação: 

Ø 1º: Violação manifesta de uma regra relativa à competência para a
conclusão dos tratados (relação com o ART. 7 CV). O artigo 7.º,
especialmente o n.º2, completa-se com o 46.º; 

Ø 2º: Regra do direito interno de importância fundamental 

- O artigo 277, nº2, CRP.

B) Irregularidades substanciais:

56
- O erro (art. 48.º): os pressupostos do erro revelam ser errados. No
entanto, há que notar que nenhum estado pode pretender anular um
tratado por erros ortográficos.
- O dolo (art. 49.º): implica má fé de uma das partes em relação a outra.
Uma parte usa artimanhas e mentiras para convencer a outra parte a
celebrar o tratado que a outra parte nunca aceitaria a não ser que fosse
erradamente convencida em relação a certos factos. Por exemplo,
tratados do século XIX e XVIII entre potências europeias e chefes
tribais.
- A corrupção do representante do Estado (art. 50.º);
- A coação sobre o representante do Estado (art. 51.º) OU sobre o
Estado (art. 52): causa de nulidade absoluta. Exprime a ameaça do uso
da força sobre o representante (por ex. ameaças à família do
representante) ou o Estado (ex. ameaça nuclear para o país). Na altura
em que o artigo 52.º foi discutido, as partes só pensavam na força militar
e no princípio da proibição do recurso à força militar, no entanto,
acontece que os países em desenvolvimento mais vulneráveis à coação
económica e à coação política entendiam que o artigo 52.º também se
devia aplicar a tratados concluídos com coação subtil de ganho ou perda
de vantagens económicas. Esta pretensão dos países em
desenvolvimento não venceu, mas ficou na declaração anexa à CV que
exprime este desejo de alguns países. A questão é se esta declaração é
interpretativa do art. 52.º ou não: se formos ao elemento histórico não é.
Poderá ser o art.º 52 interpretado evolutivamente e de uma forma
atualista?

• No caso da coação sobre o Estado exige-se a ameaça do emprego da força


militar (interpretação restritiva)? Ver a Declaração sobre a proibição da
coação militar, política ou económica na celebração de tratados e a Carta dos
Direitos e Deveres Económicos dos Estados. O problema dos tratados
desiguais: violação do princípio da igualdade soberana?

• O recurso à força e a sua limitação (reconstituição histórica breve):


- Convenção Drago-Porter (1907): proíbe o recurso à força para cobrança
forçada de dívidas contratuais (represálias armadas exercidas pela Itália,
Alemanha e Reino Unido contra a Venezuela, em 1902).
- Pacto da SDN (1919): não se proíbe diretamente a guerra, mas
estabelecem-se regras destinadas a evitá-la e adiá-la.
- Pacto Briand-Kellog (1928): viragem decisiva – colocação da guerra “fora
da lei” (aplicável a todas as guerras, condenando-as em absoluto)

57
- Carta das Nações Unidas (1945): art. 2.º, n. º4: “um por todos, todos por
um”.

• Licitude do objeto:
- Violação do ius cogens: artigo 53.º + art. 64.º.
- Inovação da CV69: contém o único artigo que nos dá uma orientação sobre
o ius cogens – o artigo 53.º - do qual resulta a impossibilidade de
incompatibilidade com o Direito Imperativo. As normas de ius cogens
pertencem a um conjunto de normas superiores que constituem a ordem
pública internacional, são normas que obrigatoriamente têm de ser
respeitadas por todos os estados de forma a que estejam garantidos os
pressupostos fundamentais pelos quais se devem reger as relações
internacionais. Estas normas imperativas são determinadas pelo conjunto
dos Estados.
- Admite-se, implicitamente, a existência de uma ordem pública
internacional, quer dizer, de uma comunidade jurídica universal fundada
sobre valores próprios cujo respeito se impõe a todo e qualquer Estado.
- Determinação das normas de ius cogens + artigo 66.º a) (decisão do TIJ
ou tribunal arbitral). A dificuldade está em determinar quais as normas e a
quem entregar a tarefa de definir o ius cogens. O artigo 53.º remete para a
CI a definição do IC, no entanto, o que é a CI? No limite, em caso de dúvida
acerca se uma norma é ou não direito imperativo, cabe aos juízes
internacionais em última instância definir se a norma tem ou não o
alcance de norma imperativa (artigo 66.º a).
- Qualquer Estado pode dar início ao processo de anulação, faça ou não
parte da convenção.
- O ius cogens está no topo da hierarquia de todas as normas, mas enquanto
tal não é uma fonte de direito internacional. O ius cogens é um conjunto
de normas que se podem retirar do costume, dos tratados, dos princípios
gerais, etc. Ou seja, estão contidos nas fontes, mas têm uma natureza
especial de normas imperativas.
- O artigo 53.º é uma verdadeira causa de nulidade, diz respeito a uma
situação em que o tratado é celebrado violando uma norma de ius cogens
em vigor – o tratado nasce nulo. No caso do artigo 64.º é diferente, é um
caso de nulidade superveniente, portanto, é uma situação em que um
tratado é formado validamente mas, fruto do desenvolvimento
internacional, surge uma norma de ius cogens e o tratado torna-se inválido
supervenientemente.

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• Normas imperativas que parecem ter obtido, até ao momento presente, o
consenso necessário (Direitos Humanos):
1º) Normas que garantem as liberdades individuais: princípios da
proibição do recurso à força, da proibição da escravatura, da pirataria, do
genocídio, da discriminação racial, inviolabilidade pessoal dos agentes
diplomáticos e consulares, princípio da liberdade dos mares.
2.º) Normas que garantem as liberdades coletivas essenciais: direito à
auto-determinação dos povos, direitos das minorias.
Qualquer tratado que viole uma destas normas é nulo, não tem qualquer valor
jurídico.

• Processo de anulação das convenções internacionais:


- O regime previsto na CV69 apenas é aplicável a causas de nulidade
previstas na própria Convenção (art. 42.º: caráter taxativo (?).
- O processo de anulação das convenções internacionais consta dos artigos
65.º a 68.º e visa sobretudo limitar os abusos a que conduziram, no passado,
as declarações unilaterais de nulidade por parte dos Estados.

• Consequências da nulidade das convenções internacionais (arts 69.º e


71.º):
- A declaração de nulidade de um tratado produz efeitos ab initio (artigo 69.º
n. º1) – um tratado quando nasce assim nasce inválido, portanto produz
efeitos retroativos, as partes devem tentar reconstituir a situação que existia
antes da norma nula produzir efeitos.
- Exceções: boa fé (os estados que tenham participado num tratado de boa fé
e não conheciam a causa de nulidade podem exigir a manutenção em vigor
de alguns dispostos) e impossibilidade.

• O alcance da restitutio in integrum no caso do art. 71.º (ius cogens).


• A exceção do caráter retroativo no caso do art.º 64 (ius cogens): extinção e
não propriamente anulação.

• As consequências em relação às partes:


- Tratado bilateral – artigo 69.º e art. 44.º
- Tratado multilateral – artigo 69.º n.º 4. Se não for violação de uma regra
de ius cogens, só é nulo para a parte que invoca a nulidade.
- Violação de regras imperativas – é afetado todo o tratado e em relação a
todas as partes – artigo 71.º n.º1.

59
• Os vícios mais graves figuram como causas de invalidade do tratado – ART,
47 a 52, CV69-, sendo que o desvalor da nulidade pode ainda resultar da
violação de normas paramétricas, de direito interno – ART. 46, CV69- ou de
Direito Internacional Geral – ART. 53, CV69.

• A preocupação com a garantia do equilíbrio entre os deveres de vinculação e o


direito à desvinculação está patente nas soluções acolhidas pela Convenção
de Viena que alicerçam no seu conjunto uma presunção de validade e vigor
jurídico favorável aos tratados:

1) Tipicidade das causas de validade: 



Enquanto as causas relativas à invalidade de um tratado ou do
consentimento de um Estado em estar obrigado são de enunciação taxativa,
estando previstas no ART. 42/1, CV69, as causas relativas à extinção do
tratado, à denuncia, à retirada de uma Parte e à suspensão de aplicação,
reguladas pela CV, não impedem a existência de outras, desde que previstas
no tratado em causa – ART. 42/2, CV69. 


2) Princípio da irrelevância das violações ao Direito Interno aplicável no
processo de vinculação internacional do Estado, salvo no caso de
violação grave e manifesta na aceção do ART. 46, CV69. 


3) A invalidade não afeta o dever geral de um Estado respeitar as
obrigações decorrentes do Direito Internacional e às quais está
vinculado por via do costume ou de outras regras convencionais –
ART.43, CV69.

4) A invalidade afeta o tratado no seu todo – ART. 44/1, CV69-,


admitindo-se, contudo, algumas exceções desde que compatíveis com a
divisibilidade das disposições do tratado – ART. 44/2/3/4/5, CV69.

5) O Estado não pode invocar nulidades ou causas de cessação de


vigência, de retirada e suspensão de aplicação se, após ter tomado
conhecimento dos fatos:
- Aceitou expressamente a validade e vigência dos tratados; 

- Deva, em razão da sua conduta, concluir que aceitou a validade do
tratado ou a sua permanência em vigor ou em aplicação – ART. 45,
CV69-, o que equivale a uma consequência do principio estoppel. 


• NULIDADES:

60
- A noção de nulidade significa que o ato jurídico nulo não produz efeitos
desde o inicio da sua vigência, sendo que as disposições de um tratado
nulo carecem de força jurídica – ART. 69/1, CV69. No entanto, alguns dos
atos praticados e alguns dos efeitos produzidos podem ser mantidos – ART.
69 e 71, CV69.
- A nulidade de um tratado fundamenta o direito de solicitar o
restabelecimento da situação que existiria se os atos não tivessem sido
praticados, mas esta projeção retroativa da invalidade está limitada por
uma clausula do possível – “tanto quanto possível”, ART. 69/2, c), CV69.
- As causas de invalidade dos tratados estão enumeradas e tipificadas na
Convenção de Viena – ART. 46 a 53, CV69-, sendo objetivadas como
comportamentos ilícitos, contrários aos princípios e regras de Direito
Internacional. Admite-se que o regime de nulidade dos tratados está, por
isto, indissociavelmente ligado ao regime da responsabilidade internacional
e à ideia da relação necessária entre crime e castigo, entre violação e sanção.
- Em suma, um tratado internacional contrário ao Direito Internacional
não deve produzir efeitos jurídicos.
- Entre as 8 causas de invalidade dos tratados:
Ø 7 correspondem a vícios do consentimento – ART. 46 a 52, CV69;
Ø 1 corresponde à violação de uma norma substantiva e imperativa de
Direito Internacional Geral – ART. 53, CV69.

• NULIDADE RELATIVA:
- A causa da invalidade só pode ser invocada pela parta cujo consentimento
foi manifestado ou obtido de modo contrário ao Direito, sendo que o vício
é sanável – ART. 45, CV69.
Este tipo de invalidade não afeta a vigência
do tratado, salvo se for um tratado bilateral, e não prejudica a sua aplicação
nas relações entre as outras partes, no caso de tratado multilateral.
- 1. Violação das disposições de direito relativas à competência para
concluir tratados – ART. 46, CV69. 

- 2. Restrição especifica dos poderes de manifestação do consentimento
de um Estado, apenas invocável se a restrição em causa tiver sido
notificada aos outros Estados que participam na negociação – ART. 47,
CV69. 

- 3. Erro relativo ao conteúdo do acordo, já que os erros de redação do
texto seguem o regime do ART. 79, CV69; relevante se respeitar a uma
situação ou facto que o Estado supunha existir no momento de conclusão
do tratado e que funcionou como base essencial do consentimento em ficar
vinculado, sem prejuízo de uma avaliação do comportamento do Estado
prejudicado com o erro à luz de exigências de boa fé e da devida diligência
– ART. 48/1/2, CV69. 


61
- 4. Dolo, no caso de um Estado ter sido levado a concluir um tratado em
virtude da conduta fraudulenta de outro Estado que participou na
negociação – ART. 49, CV69. 

- 5. Corrupção do representante do Estado; se o consentimento foi obtido
através de aliciamento por outro Estado que participou na negociação –
ART. 50, CV69-; situação difícil de provar, como problemática é a
distinção entre atos de corrupção e atos de cortesia, eventualmente
justificáveis por padrões culturais ou corporativos, dependendo da própria
evolução dos usos diplomáticos. 


• NULIDADE ABSOLUTA:
- O vício não é sanável – ART. 45, CV69, excluindo do âmbito de aplicação
os ART. 51, 52 e 53, relativos às três situações mais graves de invalidade.
Pode ser invocado em qualquer altura, pelo Estado prejudicado, por
qualquer Parte no tratado e, inclusive, por Estados e entidades que não estão
vinculados pelo tratado nulo, mas que, neste caso, exercem um direito de
proteção de interesses públicos internacionais, como por exemplo, o
Tribunal Internacional (mesmo que as partes não aleguem nulidade) e um
órgão internacional competente para velar pela aplicação do tratado.
- Por força do ART. 44/5 da CV, a proibição da divisibilidade do tratado é
uma consequência da nulidade absoluta resultante dos casos de coação –
ART. 51 e 52, CV69-, e da violação da norma de IUS COGENS – ART.53,
CV69.
- 1. Coação sobre o representante de um Estado: quando a manifestação
do consentimento foi alcançada por coação exercida sobre o seu
representante, através de atos ou de ameaças dirigidas contra ele, tal
manifestação é desprovida de qualquer efeito jurídico – ART. 51, CV69.
- 2. Coação sobre um Estado pela ameaça ou pelo emprego da força: é
nulo o tratado cuja conclusão foi forçada pela ameaça ou pelo emprego de
forma em violação dos princípios de Direito Internacional consignadas na
Carta das Nações Unidas – ART. 52, CV69. 

- 3. Violação de norma imperativa de Direito Internacional Geral (IUS
COGENS), sendo que o ART. 53, CV69 admite como desvalor máximo a
nulidade originária - tratado que, no momento da sua conclusão, é
incompatível com uma norma imperativa de Direito Internacional. 
Já o
ART. 64, CV69, estende a consequência da nulidade, com cessação de
vigência aos tratados cuja incompatibilidade resulta da superveniência de
nova norma de IUS COGENS, correspondendo a uma nulidade
superveniente. *

62
* Apesar de, nos dois casos referidos, a consequência jurídica ser a
nulidade, o ART. 71, CV69, estabelece algumas diferenças entre a nulidade
originária e a nulidade superveniente, em função de uma adequada
ponderação dos efeitos da retroatividade plena. Assim, as partes são
obrigadas a eliminar os efeitos jurídicos produzidos na medida do possível
– ART. 71, a), CV69-, e poderão manter no futuro direitos e obrigações,
desde que uma tal “manutenção não seja em si mesma incompatível com a
nova norma imperativo de Direito Internacional Geral – ART. 71/2, b),
CV69, o que, contrariando o ART. 44/5, CV69, parece admitir a
divisibilidade das disposições do tratado. 

Em suma, a eficácia jurídica dos tratados pode sofrer diferentes graus
de inibição, dependendo da causa geradora do juízo de desvalor: 

- Ineficácia jurídica, limitada à inoponibilidade perante a Organização
das Nações Unidas, no caso de falta de registo – ART. 102, CNU;
- Nulidade, absoluta e relativa – ART. 69, CV69;
- Inexistência jurídica, nos casos extremos de ausência de aparência de
ato jurídico, insuscetível de proteção pelo principio da boa fé.

7 – Execução das Convenções Internacionais


• Execução pelas partes:
- Boa fé;
- Não retroatividade: quando um tratado entra em vigor só vincula as partes
para o futuro, a não ser que tenha sido criado para resolver problemas
passados por ex. indemnização de guerra);
- Execução territorial: artigos 26.º a 29.º - se nada mais for dito, admite-se
que a aplicação do tratado estende-se à aplicação total no território do
estado.

• Efeitos em relação a terceiros Estados:


- Artigo 2.º n.º1 g) e h): regra de ouro na convivência internacional pois os
tratados só vinculam os Estados que aceitaram esse compromisso.
- Princípio da relatividade: efeitos inter partes (res inter alios acta) – ART.
34.º (há exceções, como por ex. o ART. 38.º) - consentimento pelo 3º
Estado, caso o tratado produza efeitos para o terceiro estado. Por exemplo,
a cláusula da Nação mais favorecida (estado A e B celebram um tratado e
determinam que se algum deles celebrar com um terceiro Estado um
tratado para o mesmo fim mas com maiores benefícios, esses efeitos e
benefícios logo se reproduzem no tratado inicial).

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- A questão diferente da oponilidade erga omnes (v.g. tratados que delimitam
fronteiras) – criam uma situação com caráter geral e, portanto, têm
punibilidade geral. Um tratado de delimitação de fronteiras não tem uma
vinculação somente inter-partes.

• Convenções sucessivas sobre a mesma matéria – artigo 30.º: a matéria das


convenções sucessivas é extremamente complexa e de grande relevo prático. É
objeto de grande desenvolvimento jurisprudencial e diz respeito a situações em
que um estado que vai celebrando tratados com outras partes sobre a mesma
matéria.

Pode um tratado produzir efeitos em relação a terceiros?


• A regra geral está consagrada no ART. 34, CV69:
“Um tratado não cria
obrigações nem direitos para um terceiro Estado sem o consentimento deste”.
É o princípio do efeito relativo dos tratados que retoma regra equivalente do
Direito Civil, sendo que este último corresponde, no Direito Português, ao que
se encontra disposto no ART. 406/2 do Código Civil. No entanto, é importante
notar que não é absoluto o princípio da relatividade dos tratados, uma vez que
a sua aplicação se encontra sujeita a limites e condições, alguns previstos na
Convenção de Viena, outros ensaiados na prática internacional e discutidos na
doutrina.

• Noção de terceiro Estado – ART. 2/1, b) CV69:


- Um terceiro Estado corresponde a um Estado que não é parte no tratado
e tudo o que esse mesmo tratado determine que possa criar obrigações ou
direitos na esfera jurídica desse Estado, depende do seu consentimento –
ART. 35, CV69.
No caso de se tratar de uma atribuição de direitos,
presume-se que existe um consentimento enquanto não houver indicação
em contrário, constituindo, pois, um exemplo de relevância jurídica do
silencia por parte do Estado terceiro. Verifica-se efetivamente que, segundo
o ART. 37 da CV69, existe uma relação de coerência no que respeita a
revogação ou modificação de obrigações e direitos de terceiros Estados e o
princípio do consentimento.
- Desta forma, os direitos e as obrigações passam a integrar a área de atuação
jurídica do terceiro Estado apenas após o consentimento – ART. 35 e 36,
CV69 – e não desde a entrada em vigor do tratado.

• Existem situações que tornam pertinente a questão de saber se não serão


verdadeiras exceções à regra do consentimento e ao princípio da
relatividade dos tratados. Dois exemplos:

64
1. Tratados aplicáveis a situações objetivas ou estatuto territorial
- O acordo sobre regimes jurídicos de neutralidade de um Estado ou de
desmilitarização produzem uma situação objetiva oponível, em
principio, a toda a comunidade internacional. Entendimento equivalente
justifica a autoridade erga omnes de tratados sobre delimitação de
fronteiras, terrestres, marítimas ou fluviais.
2. Obrigações que prevalecem em caso de conflito
- O ART. 2/6, da Carta das Nações Unidas, em articulação com o ART.
103, impõe aos Estados que não são membros das Nações Unidas, o
respeito das obrigações relacionadas com tudo quanto for necessário à
manutenção da paz e da segurança internacionais”.
• Nestas duas situações, embora que distintas quanto ao seu alcance, deparamos
com obrigações de fonte heterovinculativa, baseadas numa ideia
comunitária e integradora do Direito Internacional Público que, pelo
menos em relação a certas matérias, é incompatível com o dogma da vontade
soberana dos Estados.

• Por outro lado, existem situações que, embora envolvam um efeito de


capilaridade jurídica no sentido em que as normas do tratado extravasam o
perímetro originário das Partes, não devem ser tratadas como exceções ao
princípio do efeito relativo. Quatro exemplos:
1. A cláusula da nação mais favorecida
- Serve para o Estado A garantir ao Estado B, por via de acordo, todas as
vantagens que vier a reconhecer em acordos futuros celerados com o
Estado C.
O âmbito de aplicação do tratado celebrado entre o Estado A
e o Estado B fica, assim, dependente de um fator de evolução exterior
ao próprio acordo.
- A aplicação das vantagens preferenciais previstas no tratado entre o
Estado A e o Estado C ao Estado B resulta de uma disposição
convencional, plantada no tratado celebrado entre o Estado A e o Estado
B, pelo que não existe, em rigor, um desvio à regra do consentimento.
2. A sucessão dos Estados em matéria de tratados

- A Convenção de Viena procurou conciliar dois princípios. Por um lado,
a liberdade de contratar por parte do Estado sucessor, no caso
paradigmático de ser um novo Estado que nasceu de um processo de
descolonização. Por outro lado, o princípio da continuidade do Estado
sucessor em caso de separação ou de integração de territórios,
pressuposto pelo objetivo da estabilidade das relações internacionais. 

- Por razões políticas, a Convenção de Viena de 1978 consagra duas
soluções radicalmente diferentes do enunciado da regra geral: 


65
ü Para os Estados de recente independência, cujo território estava
submetido a um regime de tutela colonial, o critério aplicável é
o da “tábua rasa”, pelo que o novo Estado não estará obrigado
a manter em vigor os tratados celebrados pelo Estado predecessor
– ART. 16/1.
ü Em relação aos Estados resultantes de unificação ou separação
de Estados, a regra aplicável é, justamente, a inversa, porque o
Estado sucessor fica vinculado pelos tratados em vigor na data
da sucessão, celebrados pelo Estado predecessor – ART. 31/1.
- Nesta segunda situação, não se pode dizer que ocorra uma exceção ao
princípio do efeito relativo dos tratados, dado que existe uma relação de
continuidade jurídica entre o Estado predecessor e o Estado sucessor,
não devendo este ser considerado como terceiro Estado relativamente
aos tratados em vigor.
3. Tratados sobre Direitos Humanos ou relações económicas 

- Proliferam os tratados celebrados entre Estados sobre direitos humanos
ou relações económicas que atribuem direitos e estabelecem obrigações
para os respetivos cidadãos nacionais que estes, graças ao princípio da
aplicabilidade direta, poderão invocar nos tribunais domésticos ou nos
tribunais internacionais criados para interpretar e aplicar os tratados em
causa, como acontece com o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
e, de forma mais condicionada, com o Tribunal de Justiça da União
Europeia. 

- Não configura, todavia, um desvio ao princípio do efeito relativo dos
tratados, porque este se refere aos Estados e não ao elenco dos
destinatários das normas. 

4. Tratados relativos à criação de uma organização internacional 

- Os tratados relativos à criação de uma organização internacional
regulam a sua existência jurídica e determinam as regras fundamentais
aplicáveis ao seu funcionamento. No que respeita a posição da
organização internacional perante o seu próprio tratado institutivo, esta
primeira apresenta-se como objeto e não como Parte ou Terceiro.

8 – Revisão, modificação, suspensão e cessação da vigência das


Convenções Internacionais
• Revisão:
- A vida dos tratados pode passar por processos de revisão, tal como previstos
nas regras específicas do próprio tratado ou regulados, de modo supletivo,
pelas disposições dos ART. 39 a 41 da CV69, sendo que a regra costumeira
vertida no ART. 39 corresponde à regra da revisão de acordos das partes,

66
corolário do princípio geral tratado posterior revoga ou altera tratado
anterior (Pactum posterius derogat priori).
- A prática internacional posterior a 1945 seguiu uma evolução muito
semelhante ao regime das reservas e ao regime dos tratados sucessivos com
regras incompatíveis: a revisão pode ser adotada por acordo entre a maioria
dos Estados Partes, mesmo que o tratado inicial tenha sido aprovado por
unanimidade. Nestes casos, o acordo de revisão é só aplicável nas relações
entre os Estados que o ratificaram.
- A diferenciação entre o universo das Partes no tratado inicial e o conjunto
das Partes que aceitaram o tratado de revisão provoca um efeito complexo
de geometria variável quanto à definição dos direitos e obrigações de
incidência bilateral.
As soluções são apoiadas pelo ART. 21, CV69 –
relativo às reservas, pelo ART. 30/4, b) – relativo aos tratados sucessivos
com o mesmo objeto, para o qual remete o ART. 40/4.
- Será juridicamente defensável a existência no campo do Direitos dos
Tratados de limites materiais de revisão?
Pela sua reconhecida
especificidade de instrumentos jurídicos de integração de soberania, os
argumentos favoráveis à operatividade de tais limites serão dificilmente
transponíveis para toda e qualquer área de regulação convencional. É de
notar que a previsão de limites materiais em clausulas expressas tem um
significado político, dificilmente relevante no plano jurídico.
Se os limites
em causa não gozarem de uma vinculatividade reforçada em virtude da sua
natureza consuetudinária ou imperatividade de IUS COGENS, uma norma
convencional não pode impedir a sua própria alteração, o que seria
contraditório com o princípio da autonomia da vontade e da liberdade de
contratar.

• Modificação (implícita, em sentido restrito, ART.41):


- A modificação implícita do tratado pode resultar da prática subsequente dos
Estados ou da superveniência de novas regras de Direito Internacional. 

- Uma prática posterior à entrada em vigor dos tratados seguida pelas Partes
na sua aplicação pode conduzir à alteração de clausulas do tratado.
Importa
aqui fazer a distinção entre:
Ø Prática interpretativa, cujos efeitos se produzem desde a entrada em
vigor do tratado

Ø Prática derrogatória, que opera para o futuro, uma vez verificada a
modificação. 

- Com independência da prática posterior seguida pelas Partes, pode,
igualmente, verificar-se uma alteração implícita do tratado em virtude da

67
formação de uma nova regra de Direito Internacional, designadamente
por via do costume. Tal alteração ocorrer, por exemplo, quando os conceitos
ou categorias jurídicas previstas na letra do tratado passam a ter, no quadro
da legalidade internacional, uma aceção diferente. 

- A modificação implícita ou informal permite, com vantagem, a adaptação
do tratado e contribui para consolidar a efetividade entre as partes.
Ajuda, em especial, no caso de tratados cuja revisão é difícil – unanimidade,
maiorias alargadas-, ou se afigura mesmo impossível, em virtude da
confluência negativa de fatores jurídicos e extrajurídicos. 

- A modificação informal envolve, porém, certos riscos pela incerteza que
gera quanto ao texto escrito vigente e, em especial, pelo efeito de erosão
que provoca na vontade soberana e igual das Partes.
Um dos fatores
principais de risco é o chamado ativismo judicial ou institucional que, em
concreto, no âmbito da União Europeia, pode estar na origem de soluções
limitadoras dos direitos dos Estados, em nome do projeto de integração, que
não têm correspondência sustentável no texto dos tratados institutivos. 


• Suspensão da aplicação e cessação da vigência das convenções internacionais:


- Nota: enquanto que as causas de nulidade ocorrem num momento anterior ao da
entrada em vigor das convenções, as causas de suspensão ou de cessação da
vigência ocorrem num momento posterior ao da sua entrada em vigor.
- Por vontade das partes contratantes: exemplos – termo ou condição resolutiva
(um tratado pode definir quando termina a cessação da sua vigência; execução do
objeto; revogação; denúncia/recesso (artigos 54.º a 57.º; artigo 59.º).
- Por circunstâncias não previstas nas convenções e exteriores à vontade das
partes – exemplos: desuso – o problema é saber quando é que a prática posterior
é contra legem; desaparecimento ou alteração territorial de uma da das partes,
conflito armado internacional + artigos 60.º a 62.º e artigo 64.º

• Suspensão/cessação por acordo entre as partes:


- A cessação da vigência dá-se por acordo quando resulta do consentimento
de todas as partes, encontrando-se prevista na CV, no ART. 54, b), e traduz-
se na ab-rogação do tratado, isto é, na prática de um actus contrarius, ou
seja, na celebração de um novo tratado que põe termo ao primeiro. 

- A ab-rogação pode ser tácita, se as partes celebram um novo tratado que
regula a mesma matéria por forma incompatível com o primeiro. Neste caso
a vigência do tratado anterior cessa por novatio, encontrando-se prevista no
ART. 59, CV. 

- Também resulta da vontade das partes a extinção do tratado pelo termo
final, quando o tratado é concluído por período de tempo fixo ou pela
realização da condição resolutiva. 


68
- É de notar que a execução da obrigação convencional pode, se esse era o
único objeto do tratado, marcar a sua extinção. 

- Segundo os voluntaristas é possível reconduzir a cessação da vigência do
tratado por desuso à vontade das partes, isto é, por formação de um
costume em sentido contrário. No entanto, é importante referir que, fora
desta perspetiva voluntarista, a cessação da vigência do tratado por
desuso insere- se na cessação de vigência dos tratados por circunstancias
exteriores à vontade das partes. 


• Suspensão/cessação por uma das partes:


- Admite-se que o espectável seria reconduzir a extinção do tratado por
denúncia a acordo das partes, no entanto tal não é possível dado que a
denuncia só é lícita quando é prevista pelo próprio tratado, que geralmente
a submete a um prazo de pré-aviso, para além do facto de exigir a
intervenção posterior e individual da vontade do Estado denunciante, que
declara não querer continuar vinculado às disposições do tratado. 

- A denúncia não prevista no tratado não opera a cessação da vigência deste
e, sendo ato ilícito, acarreta a responsabilidade do Estado no plano
internacional. 

- Segundo o ART. 56, CV, um tratado que não contenha disposições
relativas à sua extinção, e não preveja que as partes possam denunciá-lo,
não é suscetível de denúncia ou de recesso, salvo o caso em que esteja
estabelecido terem as partes admitido a possibilidade de uma denúncia ou
de um recesso ou se essa possibilidade resultar da própria natureza do
tratado. Neste caso, as partes devem notificar, com pelo menos doze meses
de antecedência a sua intenção de proceder à denuncia ou ao recesso do
tratado. 

- Existe uma maior flexibilidade na denúncia dos tratados, mesmo que estes
não contenham cláusula alguma para o efeito, desde que se comprove que
a intenção das partes é a de aceitar a denúncia. 

- Existe uma grande necessidade de prudência na aplicação das duas alíneas
do ART. 56/1, CV, em virtude do não consenso entre os Estados. 

- Há tratados que são insuscetíveis de denúncia, pelo menos da denúncia ad
nutum, pela sua própria natureza: tratados de integração e, concretamente,
tratados que criam as Comunidades Europeias e os modificam. 

- É de notar que a denúncia pode muito bem não acarretar a extinção do
tratado, se se tratar de um tratado multilateral, que só deixa de vigorar
quanto à parte denunciante, tomando o nome técnico de recesso. 

- O ART. 60, CV admite que se deve invocar a exceptio non adimpleti
contractus, no caso da violação do tratado por uma das partes. 


69
• Suspensão/cessação por circunstâncias exteriores à vontade das partes:
- A doutrina tem admitido que se trata de um problema de caducidade dos
tratados, considerando que existem quatro fontes de caducidade destes
mesmos, podendo caducar por: 

1. Desaparecimento ou alteração territorial de um dos Estados
contratantes: nos tratados bilaterais o desaparecimento do Estado produz a
caducidade do tratado, salvo se as obrigações convencionais passarem para o
Estado no qual o primeiro se incorpora, correspondendo ao problema da sucessão
dos Estados.

2. Impossibilidade superveniente do seu cumprimento – ART. 61, CV:


É de notar que embora se admita como uma fonte de caducidade, a verdade é que
não é permitida a sua invocação pela parte que for causadora, ilicitamente, dessa
impossibilidade, prendendo-se com a questão da cláusula rebus sic stantibus *.

3. Guerra: também a guerra determina a caducidade dos tratados


bilaterais entre beligerantes, com exceção dos tratados que expressamente
prevejam a sua vigência em tempo de guerra, ou aqueles que criem situações
territoriais objetivas, como, por exemplo, a delimitação de fronteiras. Quanto aos
tratados multilaterais, continuam a vigorar, mas essa vigência é suspensa entre
as partes beligerantes pelo tempo do conflito, e renasce, portanto, automaticamente
no termo deste.

4. Desuso.

• A cessação da vigência pode dar-se, em certos casos, não para todas mas só
para algumas cláusulas, quando estas forem separáveis, em aplicação do
princípio utile per inutile non vitiatur, acolhido pelo ART. 44, CV.

* Sobre o problema da cláusula rebus sic stantibus:


- Aceitou-se que o princípio de que uma alteração radical de circunstâncias pode ter
efeito sobre a vigência das obrigações assumidas em tratados, embora a extensão da
relevância desse princípio dependa de cada caso concreto.
Admite-se que esta
cláusula permitiu realizar a verdadeira vontade das partes e repor a proporção
entre as obrigações recíprocas, evitando que uma alteração fundamental ou
substancial de circunstâncias, para as quais nenhuma das partes contribuiu, venha a
impor a qualquer delas sacrifícios não previstos ou injustos.
- Contudo, a admissão desta cláusula envolve evidentes riscos para a estabilidade
dos tratados, na ausência de um sistema de jurisdição obrigatória universalmente
aceite.
O regime vazado no ART. 62, CV, pretendeu ir de encontro com a ideia de

70
equilíbrio entre as vantagens e esses riscos decorrentes da invocação da cláusula
rebus.
- Como ponto de partida, aceita-se que ela seja invocada, para se pôr fim a um tratado
bilateral, para o recesso de um tratado multilateral ou, apenas, para a parte interessada
suspender a vigência do tratado, mas limitam-se a dois os casos em que tal invocação
poderá ser atendida:
a) A alteração fundamental das circunstâncias respeitar a um facto ou a uma
situação que era a “base essencial” do consentimento das partes;
b) A alteração fundamental gerar a “transformação radical” da natureza
das obrigações que resultam do tratado – ART. 62/1. 

- As exceções são, por isso:
ü Os tratados de delimitação de fronteiras, aos quais se entende não ser
aplicável, em caso algum, a cláusula rebus; 

ü As alterações de circunstâncias que as partes tenham previsto ou
provocado – ART. 62/2. 

- Mas, mesmo que preencha a previsão das duas alíneas do ART. 62/1, a parte
interessada perde o direito de invocar a cláusula rebus se, expressa ou tacitamente,
aceitou a alteração fundamental das circunstâncias que alega, segundo o ART.
45, CV. 

- Para além disso, a invocação daquelas cláusulas tem de seguir um processo, regulado
nos ART. 65 a 67, CV, que permite a fiscalização pelas outras partes no tratado dos
motivos alegados pela parte que se pretende servir da cláusula rebus e, na falta de
acordo, prevê o recurso aos meios indicados no ART. 33 da Carta da ONU. 

- Carece de dois aperfeiçoamentos:
ü Há que definir, de uma forma precisa, quais as alterações das circunstâncias
que são atendíveis;
ü A admissão daquela cláusula conviria que ficasse ligada a uma cláusula de
jurisdição obrigatória do Tribunal Internacional de Justiça ou de Tribunal
Arbitral. 


71
9 – Os princípios gerais de Direito (fonte de DI)
• Princípios gerais de Direito (pp):
- Artigo 38.º ETIJ: fonte autónoma ou método de aplicar as outras fontes?
Na opinião da Prof. Chantal, são fonte autónoma.
- Importância: funções legitimadora, interpretativa, integradora e
complementadora.
- Princípios comuns aos direitos internos (a) + Princípios próprios do DI
(b)
- Conteúdo – exemplos:
(a) dignidade da pessoa humana; boa fé; proporcionalidade; pacta sunt
servanda;
(b) liberdade dos mares; não ingerência nos assuntos internos; não
ingerência nos assuntos internos; não agressão; princípio do direito dos povos
à autodeterminação.

10 – Os atos jurídicos unilaterais


• Características:
- São fontes autónomas, ou seja, a sua validade não depende de qualquer
outra fonte;
- Emanam de um só sujeito de DI, seja um Estado, seja uma OI;
- Têm caráter normativo, que tem vindo a ser reconhecido pela
jurisprudência internacional;
- São fontes de DI, embora não sejam abrangidos pelo artigo 38.º do ETIJ;
- Não estando sujeitos a exigência formal, podem ser expressos, tácitos
ou implícitos.

• Quando são dos Estados (e outros sujeitos):


- Podem ser protesto, notificação, reconhecimento, promessa e renúncia.
- Protesto: declara que uma determinada situação não é conforme o
Direito;
- Notificação: um Estado comunica um determinado facto do qual
decorrem consequências jurídicas. Por exemplo, Portugal celebra um
acordo bilateral com Espanha e esse acordo tem de ser ratificado, e os
Estados concordam em avisarem-se mutuamente do depósito da
ratificação.
- Reconhecimento: os Estados têm necessidade de se pronunciar em
relação a um determinado facto, e pronunciam-se declarando que esse
facto é conforme o Direito. O exemplo mais frequente é o
reconhecimento de Estados, como por exemplo quando Timor Leste se
tornou independente;
- Promessa: um Estado compromete-se a desenvolver uma determinada
ação. Em determinados contextos, pode ser considerada como
vinculativa para o Estado;
- Renúncia: um Estado abdica de um determinado direito. É um ato
jurídico unilateral, irrevogável, extintivo de um direito do seu autor.

72
Distingue-se da denúncia porque, embora esta seja um ato jurídico
unilateral, depende dos princípios consagrados nas convenções a esse
respeito, não sendo, portanto, fonte autónoma.

• Quando são específicos das organizações internacionais:


- Têm vindo, com o aumento da importância das OI’s como sujeitos de
DI, a ganhar crescente significado os atos unilaterais provindos dos seus
órgãos.
- Estes atos distinguem-se dos atos dos Estados em duas medidas: nas
organizações, eles retiram o seu fundamento dos tratados de constituição
da respetiva organização (embora isso não lhes retire autonomia porque
o tratado não prevê o conteúdo desses atos) e apresentam uma maior
diversidade de conteúdo e de forma que os atos dos Estados.
- Atos jurisdicionais: quando são sentenças de tribunais pertencentes a
OI’s;
- Atos de pura administração interna: atos de caráter processual ou de
gestão do respetivo pessoal;
- Atos de funcionamento da organização internacional com eficácia
externa: são os mais importantes, correspondendo a “Direito interno das
OI’s”, segundo alguns autores. Estes atos retiram o seu fundamento dos
tratados de constituição da respetiva organização (que pode também
assumir a forma de uma resolução da Assembleia Geral da ONU), que
são direito originário e daí desenvolvem-se as finalidades, a estrutura
orgânica e a dinâmica de funcionamento, através desses atos de
funcionamento da OI, com eficácia externa, que correspondem a direito
derivado.
Ø Organizações internacionais de tipo clássico: resoluções,
recomendações, decisões;
Ø Organizações internacionais de integração – o caso da EU:
regulamento (materialmente, corresponde a uma lei), diretiva
(ato vinculativo, os Estados adotam legislação para transpor a
diretiva), decisão, recomendação e parecer (não são vinculativos,
com exceções) – ART. 288.º, TFUE.

11 – Relevância da jurisprudência e da doutrina. A questão da


equidade
• A jurisprudência e a doutrina: fontes mediatas ou indiretas, pretensas fontes.
• O caso especial da equidade: não é fonte de Direito – ART. 38, ETIJ.
• A noção de soft law (“direito flexível”): surgiu por atuação das OI e traduz-
se essencialmente em resoluções, recomendações e declarações – são uma fase
catalisadora de normas jurídicas vinculativas que acaba por condicionar a
conduta dos Estados.

73
12 – A hierarquia das fontes do DI
• Superioridade das normas imperativas.
• Princípios gerais de Direito.
• Ausência da hierarquia entre costume e tratado.
• Em abstrato, os atos unilaterais obedecem ao costume, aos tratados.
• O Direito derivado das OI obedece ao Direito obrigatório.

74
CAPÍTULO III – INTRODUÇÃO AO DIREITO
INTERNACIONAL E RELAÇÕES INTERNACIONAIS

1 – Doutrinas em presença: dualismo e monismo.


• Cabe a cada Estado, através do seu Direito Interno ou da sua Constituição, definir
de que modo vigoram as normas do Direito Internacional. Em alguns casos, a
própria norma jurídica internacional impõe a sua vigência no OJ interno, mas
isto é excecional.

• Querela entre a tese dualista e a tese monista:


- Tese dualista (a mais antiga/Triepel, Anzilotti):
Ø Entende que DI e Direito Interno são ordens jurídicas radicalmente
distintas (fontes diferentes, sujeitos diferentes, mecanismos de
garantia diferentes) – o DI precisa de ser “nacionalizado”,
transformado em Direito Interno (por meio de “cláusulas de
transformação).
Ø Sistema de transformação = receção material do DI (do conteúdo,
transforma-se a norma internacional em norma interna e esta passa
a vigorar no OJ interno).

- Tese monista (hoje dominante/Kelsen):


Ø Defende que DI e Direito Interno têm uma natureza idêntica;
Ø Monismo com primado do Direito interno (dentro daquela ideia
de que o DI é o produto da vontade do Estado e reflete no plano
internacional uma vontade imperativa do Estado, em alguns países
optava-se por esta tese que se consubstancia no DI ser resultado de
uma atuação no plano externo e caber ao Estado definir como essas
normas vigoram no OJ interno e se prevalecem no direito interno.
Desta forma, prevaleceria sempre o direito interno e o DI
desapareceria – inaceitável) ou com primado do DI – radical ou
moderado (dominante)?
Ø O DI para vigorar no direito interno precisa de ser simplesmente
recebido – esta ‘receção’ pode operar-se por cláusulas diversas.

• Tese monista com primado do DI:


- Sistema de receção – o DI vigora no direito interno mantendo a sua
natureza original, com tudo o que isso implica – receção formal (da fonte e
não do conteúdo).
- Opera-se através de cláusulas de vários tipos: de receção automática, de
receção condicionada, de aplicabilidade direta.

NOTA: podem haver sistemas mistos – cláusula de receção semiplena (ex.


monistas para o costume internacional e dualistas para os tratados internacionais).

• Desinteresse prático pela querela porque:

75
- Para o DI, na verdade, é indiferente se os estados são monistas ou dualistas
uma vez que há uma certeza – se as constituições internas estabelecem que
em caso de conflito entre uma norma interna e uma norma de um tratado ou
costumeira, as autoridades devem aplicar a norma interna, daqui só resulta
a responsabilidade internacional dos Estados de cumprirem o DI
(princípio pacta sunt servanda).

1) Há sempre o dever de o Estado conformar a sua ordem jurídica com as suas


obrigações internacionais.
2) Mas cabe ao Estado escolher a forma técnica como há-de cumprir este dever.
3) O não cumprimento não tem por efeito a vigência forçada do DI na ordem
interna. Ou seja, o juiz nacional tem de respeitar o que o seu direito interno ou
constituição lhe diz, com exceção do direito da UE e os direitos ius cogens.
4) O DI apenas determina as consequências do seu desrespeito: a
responsabilidade internacional do Estado e o desencadeamento de todo o
regime de sanção internacional.

2 – A questão no Direito português: interpretação do artigo 8.º da


CRP
NOTA PRÉVIA: cabe ao Direito Interno, máxime constitucional, definir o
sistema de vigência e a posição do DI no Direito Interno (exceção – ordem jurídica
da UE).

A) Sistema de vigência:
- Monismo com primado do DI (moderado) – Portugal é um sistema
monista para o costume, para os atos unilaterais e para os tratados. O facto
de a AR aprovar tratados ou acordos não os transforma em Direito Interno,
uma vez que o ato de aprovação não é um ato legislativo – é um ato
político (uma vez que é através de resoluções, que não são atos legislativos
nos termos do ART. 112, CRP).

B) Cláusulas
1. As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte
integrante do direito português. A questão é saber qual é o alcance da expressão
“normas e princípios de direito internacional geral ou comum” e “integrante do
direito português”.
- RECEÇÃO AUTOMÁTICA do “direito internacional geral ou comum”
(costume internacional geral e princípios gerais de DI + ius cogens). Diz
respeito a normas não escritas principalmente, que, uma vez adotadas no plano
internacional, também vigoram na sua plenitude no plano interno.
- O problema do costume regional - nenhum serve para dar vigência ao
costume regional, ou o legislador não o quis incluir ou outra opção. Autores
como Jorge Miranda e Maria Luísa Duarte fazem uma interpretação extensiva
e incluem o costume regional no artigo 8.º.
- As normas de ius cogens, sejam elas quais forem, vigoram através do ART.
8.º/1. Há uma ideia de automaticidade uma vez que assim que as normas

76
produzam efeitos na OJI, automaticamente produzem efeitos na OJ
portuguesa.

2. As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas


ou aprovadas (1ª condição) vigoram na ordem interna após a sua publicação
oficial (2ª condição, publicação no DR, ART. 119.º) e enquanto vincularem
internacionalmente o Estado Português (3ª condição ou simples evidência?).
- RECEÇÃO CONDICIONADA das convenções internacionais. O nosso
sistema é monista para as convenções internacionais. Enquanto no N.º1 fazem
parte integrante do DI com automaticidade, aqui, existem condições para fazer
parte.

3. As normas emanadas dos órgãos competentes das OI’s de que Portugal seja
parte vigoram diretamente na ordem interna, desde que tal se encontre
estabelecido nos respetivos tratados constitutivos.
- APLICABILIDADE DIRETA do direito derivado das OI (atos jurídicos
unilaterais), nos termos definidos pelo direito originário (1ª Revisão
constitucional/1982: razões). Em 1982, quando se dá a primeira revisão
constitucional, o artigo 8.º cresceu em número. A intenção deste 3º foi
preparar a nossa constituição para a adesão à CEE, criar um sistema de
vigência que permitisse a aplicação em Portugal desta OJ com
características especiais – nomeadamente a aplicabilidade direta (atos
adotados pela UE que são self-executing, automaticamente vigoram nos
estados membros).
- A doutrina diverge na classificação desta cláusula. Por exemplo, JoMi acha
que esta cláusula não é diferente do n.º1 e designa-a como cláusula de
receção automática.
- Questão a refletir: o problema dos atos unilaterais dos Estados - interpretação
analógica? Talvez, pelo princípio dos “objetivos e fim” que preside ao artigo
8.º.

4. As disposições dos tratados que regem a UE e as normas emanadas das suas


instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem
interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios
fundamentais do Estado de direito democrático (+ art. 7.º/6 CRP).
- 6ª Revisão constitucional (2004): razões.
- CLÁUSULA DE EFEITO DIRETO quanto às disposições do direito
originário (tratados institutivos da UE).
- CLÁUSULA DE APLICABILIDADE DIRETA EM SENTIDO AMPLO
(combina aplicabilidade direta em sentido restrito e efeito direto) quanto aos
atos unilaterais vinculativos (direito derivado).
- 1 – Aplicabilidade direta no contexto da UE: as normas da UE vigoram no
direito interno dispensando qualquer formalidade de natureza interna
(publicação no jornal oficial nacional) ou mesmo simples receção.
- 2 – Aplicabilidade imediata: as normas da UE são vigentes na ordem jurídica
interna estão aptas a produzir todos os seus efeitos em relação ao Estado e aos
seus cidadãos, criando direitos ou estabelecendo obrigações, sem que seja
necessária a adoção de medidas de execução pelos órgãos competentes da UE
ou pelas autoridades nacionais.

77
- 3 - Efeito direto (equivalente a aplicabilidade direta no Direito
internacional): suscetibilidade de um particular poder invocar uma norma da
UE perante os tribunais nacionais com vista a defender um direito que esta lhe
concede ou a afastar direito nacional contrário.

- As interpretações que têm sido feitas da CRP podem subsumir em


2 grandes grupos:
- Visão constitucionalista – valor infraconstitucional do DI, as opiniões
subdividem-se quanto à posição hierárquica do DI em relação à lei (valor
supralegal, infralegal ou igual posição hierárquica?)
- Visão internacionalista – superioridade do DI em relação à lei, anterior
ou posterior, e, com exceção das CI’s, superioridade do DI em relação à
própria constituição – posição adotada.

• N. º1 do artigo 8.º:
- Entendimento (maioria da doutrina): o DI geral ou comum tem valor
supraconstitucional e obviamente supralegal.
- Argumentos:
1. A letra do próprio artigo;
2. A natureza e composição do DI geral ou comum (inclui as normas do ius
cogens);
3. O artigo 16.º da CRP.

• Dificuldades:
- O sistema de fiscalização sucessiva (concreta e abstrata) da
constitucionalidade – artigos 204.º, 277.º/1, 280.º/1, 281.º/1/a), CRP.
- Aparente contradição ultrapassada por interpretação sistémica (artigos
7.º, 8.º/1 e 16.º).

• A Prof. Marta Chantal discorda que o artigo 8.º/1 diz respeito a atos
jurídicos unilaterais.

• N. º2 do artigo 8.º:
- Entendimento: o DI convencional tem obrigatoriamente valor
infraconstitucional, devido ao sistema de fiscalização da
constitucionalidade (v.g. arts 278.º/1, 279.º, 280.º/1/3). A Constituição
prevalece sobre os tratados internacionais, em caso de conflito entre uma
norma da constituição e a norma de um tratado, prevalece a norma da
constituição. O argumento mais decisivo face ao valor infraconstitucional
do DI convencional está no artigo 280.º/3.
- Dificuldades: conflito, em abstrato, com o princípio pacta sunt servanda,
com os artigos 26.º e 27.º da CV69, com a jurisprudência internacional e
com a jurisprudência do TJUE – eventual responsabilidade internacional do
Estado português.
- NOTA: evita-se este resultado recorrendo à fiscalização preventiva da
constitucionalidade (arts 278.º e 279.º), à revisão constitucional (art. 284.º
e segs) ou, podendo, à aposição de reservas.

78
- Entendimento 2: o DI convencional tem valor supralegal.
- Argumentos:
1. O princípio pacta sunt servanda e os artigos 26.º e 27.º CV69.
2. A própria letra do artigo – enquanto vincularem internacionalmente o Estado
português.
3. Certas disposições constitucionais – art.º 7, 119.º, 278.º/1. O artigo 119.º é
relativo à publicidade dos atos no DR e indica uma ordem hierárquica
descendente que não é por acaso. Dá então mais força para dizer que a intenção
do legislador constitucional é a prevalência das CI’s sobre a lei ordinária.
4. A necessária coerência com o artigo 8.º/3/4: em caso de conflito entre CI’s e
leis ordinárias, permanecem as CI’s – entendimento do artigo 8.º.

• N. º3 do artigo 8.º:
- Entendimento: valor supraconstitucional (?) e, obviamente, supralegal.
Pela mesma coerência anterior entre o valor supralegal dos tratados e o
valor supralegal dos atos, para haver uma coerência entre os tratados e os
atos unilaterais, os atos unilaterais também devem ter valor
infraconstitucional porque os tratados também têm.
- Argumentos: a essência da aplicabilidade direta.
- Dificuldades:
1. O sistema de fiscalização sucessiva da constitucionalidade – artigos
204.º, 277.º/1, 280.º/1, 281.º/1/a), CRP.
2. Se o direito originário não pode ele próprio contraria. CRP parece
inútil e até contraditório falar-se em valor supraconstitucional do direito
derivado.

• N. º4 do artigo 8.º:
- Entendimento: valor supraconstitucional e obviamente supralegal.
- Argumentos:
1. A essência da aplicabilidade direta e do efeito direto
2. A jurisprudência do TJUE / o artigo 4.º/3 do TUE. Primado absoluto do
Direito da União sobre o Direito nacional, prevalece sobre a lei ordinária
e sobre a própria constituição. Se for uma norma do tratado da EU, o
juiz nacional é obrigado a obedecer ao primado da união.
- Dificuldades:
1. O sistema de fiscalização da constitucionalidade
2. Só se poderá defender o valor supraconstitucional dodireito derivado se
considerarmos, por uma questão de coerência, que os tratados da união
prevalecem sobre a constituição.

NOTA: importância do regime de fiscalização preventiva da constitucionalidade


e da revisão constitucional (relação com o n. º2).

79
CAPÍTULO IV – OS SUJEITOS DE DIREITO
INTERNACIONAL
1 – A personalidade e a capacidade jurídica internacional

• NOTA PRÉVIA: distinção entre personalidade (suscetibilidade de se ser


destinatário de normas internacionais) e capacidade jurídica internacional
(medida dos poderes e das obrigações de que cada pessoa é titular no seio do
Direito); distingue-se a capacidade de gozo da capacidade de exercício?

• Noção: tem personalidade jurídica internacional quem for suscetível de ser


titular de direitos ou suporte de obrigações resultantes direta e imediatamente
de uma norma de DI. Tem de ser titular de um direito ou obrigação que a norma
internacional lhe confere. Um indivíduo só tem personalidade jurídica em casos
específicos em que as normas internacionais lhe fornecem direitos ou
obrigações.

• Classificação:
- Com capacidade plena (Estado) e com capacidade limitada (todos os
outros).
- Com base territorial (Estado; Estados semi-soberanos; associações de
Estados; beligerantes) e sem base territorial (OI; MLN; Santa Sé;
indivíduo).

• Consequências gerais da personalidade internacional:


- Direito de celebrar tratados (ius tractum) – Estados; OI; Santa Sé; MLN;
Estados beligerantes. Os Estados têm capacidade plena para celebrar
tratados, as outras organizações não (só podem celebrar tratados de acordo
com o seu fim). Os movimentos de libertação nacional e os estados
beligerantes só podem celebrar tratados de paz, de independência, de cessar
fogo (relativos às condições em que se desenvolvem e em que nascem estes
sujeitos).
- Direito de legação (ius legationes) – CVRDiplomáticas, de 18.04.1961 e
CVRConsulares, de 24.04.1963 – Estados, OI e Santa Sé
- Direito de reclamação internacional: Estados, individuo (TIJ, TPI,
TIDM, TJUE, Tribunal Europeu dos DH, etc.). O TJUE e o TEDH, em
casos limitados, reconhecem ao individuo o poder de recorrer ao tribunal
quando há um direito que está a ser violado pelo seu Estado.
- Direito de fazer guerra (ius belli) – em legítima defesa ou mediante
decisões de OI (ONU; NATO) – Estados. Passou-se de direito de fazer
guerra para proibição do recurso à força. Hoje em dia, só se admite o ius
belli em legítima defesa.

2 – A questão do reconhecimento

80
• Noção: ato unilateral pelo qual um ou mais sujeitos de DI dão o seu acordo ao
surgimento, na cena internacional, de um novo sujeito de DI.

• Modalidades:
- Reconhecimento declarativo: limita-se a afirmar a existência de um
sujeito, sem que esta afirmação coloque em causa a constituição prévia da
personalidade jurídica internacional. Sujeitos: Estado.
- Reconhecimento constitutivo: cria e atribui personalidade internacional.
aplica-se a todos os outros sujeitos de DI – movimentos de libertação
nacional, beligerantes.

• Pode ser de iure (irrevogável/definitivo) ou de facto (provisório/estabelecem-


se condições ao sujeito, se este as cumprir fica definitivo).

• APLICAÇÃO:
- Estado: declarativo (possibilidade de recusa ou condicionamento)
Ø O Estado é o sujeito do DI cujo reconhecimento é declarativo pois
basta que se reúna território, povo e poder político soberano. Não é de
todo impossível que um Estado subsista sem um reconhecimento
exterior. Foi sempre defendido doutrinalmente, mas muito recentemente
em 2010 sobre o seu parecer sobre o Kosovo, o STJ deixou implícito
que o reconhecimento do Estado é declarativo.
Ø NOTA: o reconhecimento do Governo é constitutivo. Um Estado pode
ser reconhecido e o seu Governo não, sobretudo em casos em que uma
força política chega ao poder por via não-democrática.

- Insurretos: não são ‘sujeito’ de DI (reconhecimento por motivos


exclusivamente humanitários)

- Beligerantes e movimentos de libertação nacional e Governo no exílio:


constitutivo
Ø São de reconhecimento constitutivo. Só os sujeitos que os reconhecem
que estabelecem relações internacionais com estes. Passam a ter
personalidade jurídica em função do sujeito que os reconhece e só em
relação a eles é que se pode estabelecer um quadro de direitos e
obrigações internacionais.
Ø O Governo no exílio é uma variante de Governo.

- Organismos internacionais: tendencialmente declarativo


Ø A doutrina tende a defender que o reconhecimento é declarativo pois
as OI’s são um sujeito que depende de um ato de vontade dos Estados,
das partes contratantes. Portanto, a personalidade jurídica emerge do ato
e vontade de criação.

2.1 – O reconhecimento do governo e do governo no exílio

81
RECONHECIMENTO DO GOVERNO
- Relevância:
Ø Só há necessidade de reconhecimento neste caso se o governo toma ou
mantém o poder fora das normas constitucionais ou vê a sua função de
governo posta em causa por um outro grupo político rival. Por ex. uma
junta militar ou revolucionária que por força de armas depõe um
governo legítimo em funções.
Ø O reconhecimento do governo nestes casos é importante pq a falta de
apoio internacional ao governo ilegítimo acaba por determinar a sua
continuidade ou não-continuidade.
Ø Há duas doutrinas clássicas que se debatem: doutrina da legitimidade
(Carlos Tobar/Equador e Woodrow Wilson/EUA – só deve ser
reconhecido um governo que se sujeite a um referendo popular que
confirme a legitimidade para se manter no exercício de funções) e da
efetividade (Genaro Estrada/México).
Ø A questão da ingerência nos assuntos internos: a comunidade
internacional não tem de se pronunciar nos assuntos internos. Há um
princípio no direito internacional que proíbe a ingerência (artigo 2.º da
Carta das Nações Unidas).

- DOUTRINAS EM CONFRONTO:
Ø Doutrina da legitimidade (Carlos Tobar/Equador e Woodrow
Wilson/EUA): só deve ser reconhecido um governo, dos que chegam
ao poder de forma ilegal ou inconstitucional, que se sujeite a um
referendo popular que confirme a legitimidade para se manter no
exercício de funções.
Ø Doutrina da efetividade (Genaro Estrada/México): tende a
prevalecer esta doutrina. Nem sempre é possível que o Governo se
sujeite a um voto popular. Esta doutrina diz que se deve reconhecer o
Governo que na realidade, mesmo chegando inconstitucionalmente ao
poder, tenha meios ao seu alcance para cumprir todos os deveres do
Estado quer no plano interno quer no plano internacional, garantindo a
estabilidade normal do Governo. Terá que haver algum tempo de espera
para concluir se o governo é suficientemente sólido e estável para
passar ele a representar o Estado no plano internacional.

• EFEITOS DO RECONHECIMENTO:
1) Determina-se o verdadeiro titular da função de representação internacional
do Estado.
2) Permite, na ordem interna dos outros Estados, o gozo das imunidades
reconhecidas pelo DI e garante o respeito dos seus atos internos suscetíveis
de produzir efeitos jurídicos extraterritoriais.

• INSURRETOS

82
- Não são "sujeito” de DI – poderão evoluir para sujeito de DI dependendo
da sua causa vir ou não a ser reconhecida por algum estado.
- Relevância: Pressupõem a existência de rebelião organizada no território
de um Estado, a qual põe em causa a unidade nacional e a capacidade ou
legitimidade do Governo para exercer poder sobre todo o território.
Dependendo da legitimidade dos propósitos destes movimentos, eles
podem vir a tornar-se beligerantes ou movimentos de libertação nacional
se um Estado ou mais Estados reconhecerem a causa como legítima. Se
nenhum Estado reconhecer, mantêm-se como insurretos.
- Mesmo nunca vindo a ser reconhecidos, o DI preocupa-se com eles do
ponto de vista humanitário, algumas normas da convenção de genebra são
de índole a aplicar-se apenas por ex. a prisioneiros internacionais e
aplicam-se tb aos insurretos. De forma, a que não sejam tratados como
delinquentes comum e tenham um certo estatuto que os proteja.
- NOTA: a qualificação envolve sempre interesses políticos controversos.

• BELIGERANTES E MOVIMENTOS DE LIBERTAÇÃO NACIONAL


- Requisitos e distinção:
1). Ambos possuem um comando organizado e responsável
2). Os beligerantes controlam e administram efetivamente uma “parte
significativa” do território de um Estado (governo local ‘de facto’ – têm
poder militar, administrativo e político num certo território), não sendo este
requisito necessário no caso dos MLN.
3). Os MLN surgiram durante a descolonização e exprimem o direito dos
povos à autodeterminação (dimensão externa e interna) – têm de demonstrar
que ganharam a representatividade de um povo, de modo voluntário, e que
exercem controlo político sobre esse mesmo povo.

- NOTA: no presente, o direito à autodeterminação tem sido invocado em


contextos distintos do da descolonização, com argumentos baseados em
razões históricas e regimes opressivos, violentos, racistas, desiguais (v.g.
caso do Kosovo, declaração unilateral de independência; 17.02.2008;
Parecer do TJ de 22.07.2010).

- Efeitos do reconhecimento:
1) A guerra civil é assimilada a guerra internacional
2) Dever de neutralidade
3) Irresponsabilidade do Estado pelos prejuízos causados a terceiros por
beligerantes e MLN, desde que o próprio Estado os reconheça como sujeitos
de DI.
4) O reconhecimento é discricionário e transitório (problema de
reconhecimento do ‘governo’ ou de um novo ‘Estado’).

• O movimento de libertação nacional invoca razões específicas para a sua


existência, como a identidade de um povo, uma identidade cultural, etc. que
determinam que o povo deseje a sua independência. Enquanto o beligerante

83
para ser tal necessita de controlar um certo território, o movimento de
libertação nacional não precisa.
• Os movimentos de libertação nacional surgiram fundamentalmente no contexto
da descolonização e exprimem o direito dos povos à autodeterminação (direito
de se constituírem como Estado independente; reconhecido pela carta das
nações unidas) – têm de demonstrar que ganharam a representatividade de
um povo, de modo voluntário, e que exercem controlo político sobre esse
mesmo povo.

• Dimensões do direito à autodeterminação dos povos (surgiu primeiro na


doutrina soviética):
- Direito à autodeterminação externa: direito dos povos colonizados se
tornarem independentes em relação aos povos colonizadores. Conceito
preconizado por doutrinadores de matriz soviética;
- Direito à autodeterminação interna: direito do povo independente decidir
com toda a liberdade e sem pressão externa a organização política,
administrativa, judiciária e constitucional do Estado, e essa escolha deve
ser feita democraticamente (conceito preconizado pelo presidente dos EUA
Wilson). Não foi totalmente respeitada pois os novos países foram
fortemente influenciados pelas superpotências, quer do bloco ocidental quer
do bloco soviético.

• O direito à autodeterminação dos povos veio-se a revelar também noutros


moldes: em situações em que há um povo identificado por laços culturais
próprios, por uma identidade linguista, racial ou religiosa, e se esse povo estiver
integrado num Estado que o persegue (políticas de extermínio ou de opressão).
Direito reconhecido a um povo cuja sobrevivência depende da independência
(devido a ações de neutralização). Por exemplo independência de Timor
Leste/Indonésia (atos de genocídio para com o povo timorense por parte dos
indonésios; políticas de enfraquecimento do povo a níveis desumanos).
• Tem de ser estabelecido um limite entre o direito de autodeterminação dos
povos e o princípio de respeito pela integridade territorial dos Estados.
Estes princípios chocam um com o outro, pois é raro um Estado querer perder
um elo.

• Situação catalã:
- Há limites à invocação do direito à autodeterminação e na atualidade só
pode ser invocado quando um povo está sujeito a um regime opressivo. Do
ponto de vista do DI, a Catalunha não reúne os requisitos para se declarar
independente. É um problema a resolver no plano interno, pela via do
direito espanhol, e não do DI. A independência da Catalunha depende da
vontade do governo central. O que deve prevalecer é o princípio da
integridade territorial do Estado espanhol.

RECONHECIMENTO DO GOVERNO NO EXÍLIO

84
• Noção: Governo que reivindica autoridade suprema sobre um Estado já
existente que se encontra sob controlo de outro governo (nacional ou
estrangeiro), ou a criar.
• Exemplo: Governo do Tibete exilado na Índia, estando o território ocupado
pela China; França, Holanda e Bélgica durante a II guerra mundial.

• Requisitos:
1). Tem de ser reconhecido, pelo menos, pelo Estado onde está sediado
2). Reunir condições para a prática de, no mínimo, alguns atos do Estado
(relações diplomáticas, proteção diplomática e conclusão de acordos
internacionais).

3 – O Estado soberano enquanto sujeito de DI. Figuras afins


• Requisitos da personalidade internacional do Estado:
- Artigo 1.º da Convenção sobre Direitos e Deveres dos Estados
assinada em Montevideu em 26.12.1933.
- Yugoslavia Arbitration Commission, parecer n.º1: “o estado é
comummente definido como uma coletividade que se compõe de um
território e de uma população, submetidos a um poder político
organizado e que se caracteriza pela soberania”
- Povo: laços naturais e culturais (Nação) ou desejo de viver em
comum? (elemento humano). O conceito de povo-nação identifica o
povo de um estado como um povo identificado por um conjunto de
laços culturais, religiosos, linguísticos, etc. comuns. Este requisito já
n é importante p definir o povo de um Estado. Pensamos no povo
como população: pessoas que cumprem os critérios de atribuição da
nacionalidade, um vínculo da nacionalidade-cidadania.
- Território: terrestre, fluvial e lacustre, marítimo, aéreo (elemento
territorial).
- Poder político soberano: poder de auto-organização e domínio
(dimensão interna) + independência e igualdade frente a outros
poderes (dimensão internacional) (elemento funcional)

• Território marítimo português:


- Território emerso;
- Mar territorial: soberania tal como no território emerso, excepto
direito de passagem inofensiva;
- Zona contígua: controlo das atividades fiscal, imigração, sanitária e
aduaneira;
- ZEE: das 12 às 200 MN. Direitos soberanos para a exploração,
aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais.

85
Jurisdição ambiental. Liberdades de navegação e sobrevoo.
Portugal é o país com mais ZEE na UE.
- Plataforma Continental: direitos soberanos para a exploração,
aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais.
Jurisdição ambiental.
- Plataforma continental exterior: reconhecimento internacional
depende de caraterísticas geofísicas e processo próprio
- Alto mar: liberdades de navegação, sobrevoo, de exploração e
aproveitamento de recursos naturais (exceto recursos minerais e
outros)

• O INDIVÍDUO
- A personalidade internacional do indivíduo é uma questão controversa
pois, na maioria dos casos, o Estado constitui um “ecrã” entre as
pessoas privadas e o DI.
- Em certas circunstâncias, é sujeito autónomo de DI: mas é sempre um
sujeito ‘derivado’ e ‘menor’

• CONSEQUÊNCIAS DA PERSONALIDADE INTERNACIONAL


DO ESTADO
- Unidade:
Ø A atuação internacional vale para todo o território (plenitude
da competência interna: pessoal e territorial).
Ø A regra geral é que a atuação internacional do Estado vale para
todo o seu território. Daí o Estado ter uma competência plena quer
pessoal (o Estado define quem é cidadão, atribui nacionalidade a
pessoas e bens, etc.) quer territorial (tem exclusividade da prática
de atos da autoridade dentro do seu território). Existem exceções,
como o princípio da extraterritorialidade que trata um estado
terceiro poder exercer autoridade no território de outro Estado,
como uma embaixada por exemplo. Mediante acordos entre países
e intervenção da U.E. podem ser produzidos outros efeitos
extraterritoriais, nomeadamente ao nível da eficácia de atos
judiciais.
Ø Quanto à competência territorial, a plenitude da competência
significa exclusividade. Ou seja, o Estado soberano tem o direito
de recusar o exercício de qualquer ato de autoridade por parte de
um outro Estado no seu território. No que diz respeito à
competência pessoal, para apreendermos a plenitude da
competência interna do Estado soberano temos que atender ao
conceito de nacionalidade. Na realidade, o Estado soberano detém
a competência exclusiva para atribuir a sua nacionalidade a pessoas

86
singulares e coletivas, a navios, aviões, a satélites e a outros
engenhos espaciais.
Ø Qualquer que seja a sua organização política interna, a atuação
internacional do Governo vale, salvo reserva expressa, para todo o
território do Estado.

- Permanência:
Ø Os compromissos internacionais são alheios às mudanças de
governo. O princípio da continuidade do Estado.
Ø Independentemente da mudança de um governo seja por forma
legitima ou ilegítima, qualquer dos governos é obrigado a cumprir
os compromissos anteriormente assumidos pelo outro governo em
prol da segurança jurídica internacional e da confiança legítima.
Os compromissos internacionais n podem estar dependentes das
vicissitudes internas de um estado. Se o novo governo não se revê
nos compromissos anteriormente assumidos, só pode respeitar os
procedimentos internacionalmente estabelecidos para a
desvinculação de tratados. Se for um costume internacional geral
ou direito imperativo não tem como se desvincular.
Ø Para além das mudanças internas do seu Governo, o Estado
permanece o mesmo no plano internacional, os seus direitos e
deveres não se alteram e o novo Governo está vinculado pelos
compromissos contraídos pelos seus antecessores assim como
pode exercer os direitos por eles adquiridos (o não cumprimento
dos compromissos pode levar a responsabilidade internacional do
Estado).

- Competência internacional:
Ø Ius tractum; ius legationis; ius belli; direito de reclamação
internacional.
Ø O direito de legação (ius legationis), ou seja, o direito de enviar e
receber agentes diplomáticos; o direito de celebrar tratados
internacionais (ius tractum); o direito de reclamação internacional,
ou seja, o direito de usar 
internacionalmente certos meios de fazer
valer os seus direitos; o direito de fazer a guerra (ius belli), ou seja,
de usar a força para manter 
o seu direito, nos casos permitidos
pelo DI. 


• VICISSITUDES DO ESTADO:
- Aparecimento:

87
Ø Separação de um território (v.g. descolonização e ‘remedial
secession’); desmembramento; fusão.
Ø Remedial secession foi o que aconteceu com Kosovo. O
desmembramento é um processo político interno que através de
acordo resulta no desmembramento (ex. URSS, Jugoslávia). Um
Estado pode fundir-se com outro, como aconteceu com a Tanzânia.
Ø Como é que nasce o Estado soberano como sujeito do DI? 
Causas
que podem estar na origem do aparecimento do Estado soberano
como sujeito do DI: um novo Estado soberano nasce, ou pela
separação de um territorial colonial do Estado metropolitano
(descolonização), ou pelo desmembramento de um Estado
preexistente ou pela fusão de antigos Estados soberanos (secessão
ou criação concertada de um Estado novo). 
O Estado é composto
por três áreas: os espaços terrestres, marítimo e aéreo. 

Ø Aparecimento do Estado soberano – separação de um território
(descolonização e ‘remedial secession’), desmembramento de um
Estado preexistente, fusão de antigos Estados soberanos.

- Transformação:
Ø Mutação territorial; transformação política.
Ø As categorias mais importantes de transformações do Estado
soberano são a transformação por mutação territorial (perda ou
anexação de um território ou parte de um território) e a
transformação política, cujo caso principal é a mudança violenta
de Governo. 

Ø Mutação territorial (perda ou anexação de um território ou parte de
um território), transformação política (mudança violenta de
Governo)

- Desaparecimento:
Ø Quando desaparece um dos seus elementos constitutivos (em
especial, o poder político soberano): fusão; divisão em Estados
independentes; incorporação noutro Estado.
Ø Desaparecimento do poder político soberano. Por ex.
desaparecimento político da RDA (republica democrática alemã).
Ø O desaparecimento do Estado soberano dá-se quando desaparece
um dos seus elementos constitutivos. Efetivamente, pode, pelo
menos teoricamente, desaparecer o território, por cataclismo físico.
No entanto, a hipótese mais frequente é a do desaparecimento do
poder político soberano, ou por incorporação noutro Estado, ou por
fusão convencional, ou por divisão do seu território em novos
Estados soberanos. 


88
Ø Ocorre quando desaparece um dos seus elementos constitutivos
(hipótese mais frequente: desaparecimento do poder político
soberano por incorporação noutro Estado, por fusão convencional
ou por divisão do seu território em novos Estados soberanos).

• SUCESSÃO DE ESTADOS (questão altamente complexa):


- Convenção de Viena sobre Sucessão de Estados em matéria de
Tratados, de 1978 (entrou em vigor a 6 de novembro de 1996,
Portugal não é Parte);
- Convenção de Viena sobre Sucessão de Estados em matéria de
Bens, Arquivos e Dívidas de Estado, de 1983 (ainda não entrou em
vigor) 


- Não têm tido muito sucesso para a maioria dos países, não viram
necessidade de ratifica-las. Não há nenhum país de língua
portuguesa que participam na convenção.

- Qual o destino dos direitos e das obrigações internacionais dos


Estados desaparecidos, ou que recaíam sobre os territórios que
passaram de um Estado a outro?
- Por sucessão dos Estados entende-se “a substituição de um Estado
por outro na responsabilidade pelas relações internacionais de um
território”.
- Há sucessão de Estados não apenas quando um Estado desaparece
totalmente e em seu lugar nasce um novo Estado, mas também quando
um Estado, sem desaparecer, sofre uma mudança profunda num
qualquer dos três elementos que vimos compor o seu conceito.
- O problema da sucessão de Estados mais comum em DI nasce de
mudanças ou modificações territoriais no Estado preexistente: ou
seja, da transferência de território de um Estado para outro.
Exemplificando, a unificação da Alemanha foi um caso de
incorporação (legal, até porque voluntária) de um Estado noutro; o
nascimento de novos Estados por força do desmembramento parcial
de um Estado preexistente é o fenómeno típico da descolonização e,
além disso, foi o que se passou recentemente na Jugoslávia; e o
aparecimento de novos Estados pelo desaparecimento total de um
Estado preexistente foi o que aconteceu quando da extinção da ex-
URSS e da antiga Checoslováquia.

89
• Quais são os direitos e as obrigações que o DI confere ou impõe aos
Estados sucessores?
- Não se pode dizer que o DI já possua uma resposta absoluta e
coerente para esta interrogação.
- Em alguns casos, o Estado predecessor e o Estado sucessor têm
concluído entre si convenções e a regular a sucessão. É a via ideal.
Mas esta prática tem sido rara ou porque a sucessão tem sido
conflituosa ou porque as convenções em causa têm incidido apenas
sobre domínios específicos ou têm respeitado a meros períodos de
transição.
- O mais vulgar é o Estado sucessor, por leis internas, ou até por
meras decisões políticas casuísticas, definir arbitrariamente os
termos em que sucede ao Estado anterior. Há que averiguar aí em
que medida é que o DI consente nessa prática e que disciplina lhe
impõe.
- O problema da sucessão dos Estados coloca-se em três domínios:
o das relações entre o Estado sucessor e os particulares; o das
relações entre o Estado sucessor e o Estado antecessor; e o das
relações entre o Estado sucessor e a ordem internacional.
- Em matéria de relações entre o Estado e os particulares o que se
discute é se aquele é obrigado, e em que medida, a respeitar os
direitos constituídos à sombra da lei do Estado predecessor e,
contratos celebrados entre este e os particulares.
- A doutrina tem-se inclinado para uma solução equilibrada. Esta
corrente defende que o Estado sucessor se encontra vinculado pelos
compromissos assumidos pelo Estado antecessor, pelo que ele só
se poderá furtar ao seu cumprimento mediante indemnização justa
e adequada. Todavia, se se entender o contrario, o Estado sucessor,
nos termos gerais do Direito, incorrerá sempre em responsabilidade
internacional pelo menos por prejuízos causados a cidadãos
estrangeiros.
- O entendimento pacifico é aquele segundo o qual nunca o Estado
sucessor sucede nos “direitos públicos” assumidos pelo Estado
predecessor: ou seja, pelo menos as regras sobre nacionalidade,
Direito eleitoral, regime da Função Pública, competência de
tribunais e autoridade e regime de execução de decisões judiciais e
administrativas.

90
- No que toca às relações entre o Estado sucessor e o Estado
antecessor, há que analisar de modo especial os problemas de
subsistência do sistema jurídico do Estado predecessor e da
transmissão dos seus bens e das suas dívidas.
- No que toca ao sistema jurídico do Estado antecessor, ele só
perdurará se e na medida em que o Estado sucessor o entender. Em
principio, este terá vantagem em evitar um vazio jurídico e, para
tanto, ser-lhe-á conveniente manter em vigor, pelo menos
transitoriamente, parte ou a totalidade do sistema jurídico do
Estado predecessor.
- No que toca às dividas de Estado, a regra para a sucessão de
Estados é a de que as obrigações financeiras internacionais do
Estado predecessor, isto é, aquelas que nasceram de um acordo
com outro sujeito de DI, se transmitem para o Estado sucessor
“numa proporção equitativa, que atenda, nomeadamente, aos bens,
direitos e interesses que se transmitem ao Estado sucessor em
relação a cada divida de Estado”.
- Por fim, temos que examinar a sucessão de Estados no que respeita
às relações entre o Estado sucessor e a ordem internacional. E aí há
três questões a considerar: a sucessão em matéria de tratados, a
sucessão na participação em OI e a sucessão em matéria de
responsabilidade internacional.

- Quanto à primeira questão, temos de começar por estudar a


sucessão de Estados quando o Estado sucessor não é novo:
nesse caso, os tratados concluídos pelo Estado sucessor estendem-
se ao território ao qual se deixam de aplicar os tratados concluídos
pelo Estado predecessor. É o principio da “extensão automática”,
aceite pacificamente pela doutrina, e que hoje se encontra acolhido
no artigo 15o da CV de 1978.
- A segunda questão a examinar nesta sede é a da sucessão na
participação em OI’s. Aqui, a regra é a da não sucessão, isto é, o
Estado sucessor deve requerer a admissão na respetiva OI, de
harmonia com o processo próprio previsto no respetivo tratado
institutivo. Foi o que aconteceu com todos os casos de
descolonização, de um modo mais ou menos fácil, e sem embargo
de alguns desvios à pureza dos princípios. Foi o que, mais
recentemente, sucedeu também quando o Conselho da Europa

91
decidiu que as Repúblicas Checa e Eslovaca não ocupavam
automaticamente o lugar que naquela Organização cabia à antiga
Checoslováquia. Tem sido essa, igualmente, a prática das Nações
Unidas.

• OS ESTADOS SEMISSOBERANOS
(1) Estado vassalo
(interesse histórico)

- A vassalagem era um instituto próprio do sistema feudal. 
O
Estado vassalo tem personalidade internacional, mas está ligado ao
Estado suserano pelo vínculo feudal, o que implica que o exercício
de alguma da sua competência internacional dependa de
autorização do suserano – ex.: direito de guerra, alguns atos de
maior importância política. Além disso, o Estado vassalo paga ao
suserano um tributo – o que é caraterístico do vínculo feudal e
representa o reconhecimento da suserania


(2) Estado protegido 
(interesse histórico) 



- Um protetorado internacional consiste numa relação jurídica que
se estabelece, por via de tratado, entre dois Estados, pela qual o
Estado “protetor” se compromete a proteger o Estado “protegido”,
em princípio contra a agressão ou outras violações do DI. O Estado
“protetor” ficará com a faculdade de dirigir total ou parcialmente
as relações internacionais do Estado protegido e até alguns aspetos
da sua política interna. 
A situação de protetorado resulta de um
acordo entre os Estados soberanos e não determina a perda de
personalidade internacional do Estado protegido, que, todavia,
sofre importantes limitações na sua capacidade de agir na esfera
internacional. 
(ex.: Marrocos – protetorado francês) 


(3) Estado membro de uma confederação


- Confederação – associação de Estados formada por um tratado, do
qual resulta a criação de órgãos comuns para a prossecução de
determinadas atribuições, geralmente internacionais
(nomeadamente, a defesa nacional e as relações externas).
- A confederação tem normalmente personalidade internacional,
mas não elimina a dos Estados membros, que fica apenas limitada.
A capacidade internacional de exercício dos Estados membros fica

92
limitada, porque não abrange as matérias que tiverem delegado nos
órgãos da Confederação.

(4) Estado membro de uma federação


- Os Estados federados só têm capacidade internacional (para
concluir tratados ou para outros fins) quando tal resulta da
Constituição do respetivo Estado federal e dentro dos limites
por ela fixados. A outorga de capacidade internacional significa,
nos termos gerais do Direito, a concessão implícita de
personalidade jurídica internacional aos Estados federados.

(5) Estado exíguo


- Diferente de micro-Estado ou mini-Estado (estes são estados
insulares, muitos deles arquipelágicos).
- Estados exíguos na Europa Ocidental: os Principados do Mónaco
e Liechtenstein e a República de São Marino).
- Estados exíguos são comunidades políticas que, pela sua
diminuta extensão territorial e escassa população, não estão em
condições de exercer plenamente a soberania (particularmente,
o ius belli).
- Os Estados exíguos são Estados independentes, mas algumas
competências do Estado são assumidas pelo Estado limítrofe.
- Devido à sua população e dimensão diminuta não têm capacidade
para assegurar funções internas e internacionais regulares de um
estado. Por isso recorre-se um estado que exerce essas
competências. O Mónaco é um exemplo clássico.

(6) Estado neutralizado


- O Estado neutralizado é o Estado cujo estatuto de DI comporta a
proibição de participar em qualquer conflito armado, exceto em
legítima defesa.
- Por sua própria opção ou imposição externa fica impedido de
participar em conflitos armados. Ex. de imposição externa foi a
Alemanha.
- Exemplo: Suíça.

93
(7) Neutralização de um território
- Proibição de se instalar nele bases ou forças militares.

• ASSOCIAÇÕES DE ESTADOS:
- NOTA: nem sempre é fácil distinguir organizações internacionais
(sem base territorial; tem sempre personalidade jurídica internacional)
de associações de Estados (com base territorial).
- União Real (Portugal 1580 a 1640);
- Confederação (a mais interessante na atualidade – uma associação de
estados em que os estados são soberanos, mas atribuem a associação
o poder de definir uma politica externa e de defesa comum).
- São normalmente criadas por tratados ou resultam de uma ordem
sucessória e determinam que consoante a realidade que estejamos a
retratar certos objetivos passem a ser exercidos por uma associação
de estados em substituição aos seus estados-parte.

• SANTA SÉ
- Tem suporte territorial no Estado do Vaticano.
- Exerce o ius tractum (podem celebrar concordatas com os países) e o
ius legationis (podem enviar representantes diplomáticos intitulados
úncios e legados relacionados com a relação espiritual).
- Participa no reconhecimento de Estados e governos.
- Não intervém nos conflitos temporais dos Estados.
- Tem capacidade internacional limitada à prossecução da sua
tarefa espiritual (v.g. pronuncia sobre crise dos refugiados, desastre
humanitário na Síria, evocação do massacre Arménio pela Turquia em
2017: mensagens internacionais aos peregrinos iniciadas em
muçulmana).
- Mesmo que admitíssemos que o território é suficiente, falta o critério
da população. O Vaticano não tem uma população própria, tem, pois,
funcionários, pessoas que vivem no estado vaticano enquanto
desenvolvem lá funções e beneficiam de uma nacionalidade de certa
forma funcional.
- A Santa Sé precisa de um vínculo territorial e estrutura
administrativa para prosseguir a sua missão. A estrutura

94
administrativa tem na centralizada no Estado do Vaticano e
descentralizada nos vários países que a aceitam.

• O INDIVÍDUO
- A partir da entrada no século XX, afirma-se a personalidade jurídica
internacional do indivíduo, por ex. no domínio do comércio
internacional. A personalidade internacional do indivíduo é uma
questão controversa pois, na maioria dos casos, o Estado constitui um
ecrã entre as pessoas privadas e o DI.
- Em certas circunstâncias, é sujeito autónomo de DI. Mas é sempre um
sujeito derivado e menor.
- Noção lata de indivíduo: pessoas singulares ou coletivas (v.g.:
sociedades comercias); populações; minorias.

• Parâmetros para averiguar a personalidade internacional do


indivíduo:
- A norma internacional cria direitos ou estabelece obrigações de
forma direta e imediata para o indivíduo?
- Qual o regime da responsabilidade internacional em relação ao
indivíduo (como infrator e como vítima)?

• O indivíduo - proteção do indivíduo pelo DI:


- Distinguem-se direitos individuais de direitos coletivos e direitos
imediatamente exigíveis de direitos-programa:
Ø Carta Internacional dos Direitos do Homem; Declaração
Universal dos Direitos do Homem, A/RES/217.º, AG-ONU,
1012.1948; Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos,
de 16.02.1966; Pacto Internacional sobre Direitos Económicos,
Sociais e Culturais, de 16.12.1966.
Ø Convenções setoriais ou regionais sobre Direitos do Homem –
a mais relevante é a CEDH, de 04.11.1950 (entrou em vigor em
1953) – acesso dos indivíduos ao TEDH; Convenção
Americana dos Direitos Humanos, de 1969; Carta Africana dos
Direitos do Homem e dos Povos, de 1981.

95
• Casos importantes:
- O caso da Maria da Penha, 2001 (Comissão interamericana dos
Direitos Humanos) – cidadã brasileira, violência doméstica v. Estado
brasileiro.
- O caso do Direito ao Esquecimento, TJUE, 2014 – cidadão espanhol
v. Google.

• A definição do crime internacional está em normas avulsas. Há tratados


dispersos que criminalizam certos comportamentos.

• O INDIVÍDUO: como ‘infrator’


NOTA: não há um Código Penal Internacional – o DI intervém por
via do costume ou de tratado, mas de forma fragmentária e empírica.

A) AGINDO NA SUA VESTE PRIVADA (infrações internacionais


graves):
Ø Tipologia de crimes (exemplos): pirataria em alto mar, tráfico de
escravos, tráfico de estupefacientes ou de seres humanos,
interferência na aviação internacional, terrorismo internacional,
tráfico de armas, circulação e tráfico de publicações obscenas, atos
ilícitos contra bens culturais.
Ø Repressão: o direito penal só é internacional no plano normativo,
pois a ação repressiva é fundamentalmente ‘nacional’ – os Estados
têm a obrigação de tomar todas as medidas necessárias para
prevenir e reprimir as infrações puníveis (conflitos positivos de
competência // ‘punição ou extradição’)

B) AGINDO NO EXERCÍCIO DE FUNÇÕES PÚBLICAS (POR


CONTA DO SESTADO)
Ø Normalmente, no plano internacional, o Estado é o responsável
(Projeto de artigos sobre Responsabilidade do Estado por Atos Ilícitos,
2001), sem prejuízo de sanções políticas, administrativas ou penais
que se apliquem ao indivíduo ao abrigo do direito nacional. Um
exemplo é o caso Rainbow, no qual não encontramos um crime
internacional, mas sim um delito internacional (um homicídio não é

96
um crime internacional, é julgado pelo direito interno do estado dos
autores do delito).
Ø Todavia, se for cometido um crime internacional, o ecrã estadual
desaparece e o indivíduo é internacionalmente responsável
(tribunais penais internacionais, ad hoc ou permanentes).

• Tribunais penais internacionais ad hoc


- Instituições para julgar autores de crimes graves internacionais.
Nasceram após a 2ªGM com o Tribunal de Nuremberga e Tóquio. Só
em 1998 é que foi criado um tribunal penal permanente – o Tribunal
Penal Internacional. Diferem pois os ad hoc são relativos a um conflito
específico, enquanto o tribunal permanente está em pleno
funcionamento e tem competência para julgar qualquer crime que
venha a ser praticado, desde que o crime se subsuma na lista de crimes
tipificados no estatuto do tribunal.
- O primeiro tribunal ad hoc - Tribunais de Nuremberga e Tóquio:
Ø Acordo de Londres, de 08-08-1945 // julgou crimes de
guerra, contra a paz e contra a humanidade cometidos
durante a 2ªGM.
Ø Levantou controvérsia por se questionar em que medida é
que o tribunal tinha competência para julgar factos que à
época podiam não ser considerados crimes de guerra, contra
a paz e contra a humanidade por causa de uma regra de ouro
do Direito Penal – não há pena sem lei prévia. No entanto,
o tribunal sustentou a sua institucionalização através de
convenções que já condenavam um conjunto de atos que na
realidade correspondiam ao que hoje designamos como
crimes de guerra.
- Tribunal Penal Internacional para o Julgamento de Crimes
Cometidos na Ex-Jugoslávia:
Ø Resolução 827, de 25.05.1993, do Conselho de Segurança da
ONU, adotada ao abrigo do Cap. VII da Carta da ONU.
Ø Crimes de guerra, genocídio e crimes contra a humanidade
cometidos nos Balcãs (em especial, na Croácia, Bósnia-
Herzegovina e Kosovo) na década de noventa.
Ø Cessou funções em dezembro de 2017, após julgamento de
Ratko Mladic e suicídio em plena audiência de Slobodan
Praljak (novembro de 2017).

- Tribunal Penal Internacional para o Julgamento de Crimes


Cometidos no Ruanda:

97
Ø Resolução 955, de 08.11.1994, do Conselho de Segurança da
ONU, adotada ao abrigo do Cap. VII da Carta da ONU.
Ø Reprime o genocídio, outros crimes graves contra a humanidade e
violações do direito humanitário – cometidos entre 1 de janeiro e
31 de dezembro de 1944 no Ruanda ou em países limítrofes com
relação ao Ruanda.
- Também existiram tribunais para o julgamento de crimes
cometidos durante a ocupação de Indonésia e da Serra Leoa.
Existem menos dados sobre estes, por não terem sido criados pelo
Conselho de Segurança.

• TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL (PERMANENTE):


- Criado pelo Estatuto de Roma, adotado em 17 de julho de 1998 (entrou
em vigor em 1 de julho de 2002) – tem sede em Haia (art. 3.º).
- Atualmente são 123 os Estados Partes, incluindo Portugal. Não são
partes, por exemplo, os EUA, a China, a Rússia e a Índia (fragilização
do tribunal). Há uma obrigação de os Estados Partes cooperarem
com o TPI (ART. 86.º et seq.).
- Jurisdição ratione materiae: ART. 5.º, julga crimes de genocídio,
crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
- Âmbito da jurisdição ratione personae: ARTS. 12.º e 13.º.
- Competência ratione temporis: ART. 11.º.
- Não é exigido o esgotamento prévio das vias de recurso interno usual
nos tribunais regionais de Direitos do Homem. Complementaridade:
ARTS. 17.º, 18.º e 19.º.
- Só pode julgar crimes após 2002 tipificados no estatuto do tribunal.
Após 2002, a maioria das agitações têm sido no continente africano, pelo
que os primeiros anos de atividade do tribunal aí se concentraram, o que
começou a ganhar antipatia. Isto levou a que vários países africanos
tenham submetido notificações de denúncia/recesso do tribunal.
- Penas máximas: pena de prisão até 30 anos ou mesmo prisão perpétua,
em casos mais graves identificados pelo estatuto: ART. 77.º e 103.º. O
TPI não tem um país próprio para decidir onde vai ser cumprida a pena
e, por conseguinte, terá de haver um acordo com os países que se
dispõem a acolher o prisioneiro.
- Os crimes são imprescritíveis, portanto, “um criminoso está sempre a
tempo de ser julgado” – ART. 29.º.

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ANEXO - Patrícia Galvão Teles – “O Trabalho da Comissão de Direito
Internacional das Nações Unidas”
• A Convenção de Viena de 1969 foi preparada pela Comissão de Direito Internacional.
• Quando a ONU foi criada em 1945, deu como mandato à Assembleia-Geral a
promoção do desenvolvimento progressivo do DI e a sua codificação no artigo 13.º
Da Carta – um mandato que a ONU dá na sua Carta. Para o cumprir, a Assembleia-
Geral, em 1948 cria a Comissão de Direito Internacional, uma comissão de peritos
(34 eleitos por um mandato de 5 anos) que preparam projetos que levem a cabo o
desenvolvimento progressivo e codificação do DI.
• Os membros da comissão são divididos. Há distribuição de lugares de acordo com os
grupos regionais da ONU (grupo dos países ocidentais e outros; grupo dos países da
Europa de Leste; grupo africano; grupo da América Latina e Caraíbas; grupo asiático),
de tal modo que cada candidato pode apenas concorrer às vagas que existam no seu
grupo. Trabalham com uma ideia de que todos os sistemas jurídicos estão
representados.
• O estatuto da CDI tenta distinguir o que é a codificação e o desenvolvimento
progressivo:
- Codificação: passar a escrito, ordenar, sistematizar as regras que já existem em
termos de Direito Costumeiro. Ex. Pacta Sunt Servanda (CV69)
- Desenvolvimento progressivo: em áreas que o Direito Costumeiro não estiver tão
desenvolvido, propor novas normas ou cristalizar normas para passarem a constar em
convenções internacionais. Mesmo dentro da própria norma, podem existir assuntos
mistos. É uma tarefa mais ambiciosa e mais difícil. Ex. Artigo 53.º (CV69), ligado ao
Ius Cogens, introduzido como algo novo em termos de desenvolvimento progressivo.
• Ao preparar os projetos, a Comissão faz um comentário a cada artigo – é uma espécie
de uma convenção anotada.
• Realizações da Comissão:
- Preparação do projeto de artigos sobre o direito dos tratados. Processo concluído em
66 e, no final da CV69, foi aprovado e entrou em vigor em 1980. Muitas das
disposições da CV69 são consideras codificações do costume e por isso muito úteis
quer para os estados em número significativo que fazem parte quer para os que não
fazem. O Estado Português só aderiu à CV em 2003~2004 (foi a Professora que fez
o processo de adesão), apesar de a utilizar como referência muitas vezes antes.
- Na área do direito dos tratados, a CV69 foi complementada com uma Convenção de
86 sobre tratados entre Estados e Organizações Internacionais e entre OI’s. Portugal
não chegou a aderir. O direito dos tratados é uma área fundamental no DI.
- Codificação das regras sobre as relações diplomáticas e as relações consulares:
utilizavam inúmeras regras de Direito costumeiro. Por exemplo, a questão dos filhos
do embaixador do Iraque em Portugal e a sua imunidade diplomática. Estas regras são
muito antigas, vêm desde que existem relações entre Estados, e a CDI preparou
também um projeto para relações diplomáticas e relações consulares que deram
origem a convenções em 61 e 62.

99
- Tribunal Penal Internacional: o projeto inicial do Tribunal tinha sido preparado em
meados dos anos 90 pela CDI.
- Atos internacionais, questões de contramedidas, não-reconhecimento de efeitos de
determinados atos ilícitos.

• A Comissão coexiste com um inúmero elenco de fóruns e instituições especializados


por exemplo em direitos humanos, área do comércio, etc. onde se produzem as regras
e convenções sobre essas matérias.
• A Comissão guarda, no entanto, um lugar central e ocupa-se das questões centrais do
DI.

• O que está na Agenda da CDI hoje:


- Projeto de artigos sobre crimes contra a humanidade. O único crime que não tem
uma convenção são os crimes contra a humanidade, então a CDI está a realizar um
projeto de artigos para transformá-los numa convenção se os Estados quiserem.
- Projeto de diretrizes e guias para complementar trabalhos feitos, por exemplo, um
projeto de conclusões sobre a identificação do costume que terá uma utilidade prática
para ajudar a encontrar o costume e, por exemplo, um projeto para tentar ajudar a
definir e dar mais conteúdo ao artigo 53.º da CV69, relativo ao ius cogens.
- Tema da imunidade de jurisdição penal de altos funcionários do Estado. Existem
normas costumeiras pouco claras e de difícil aplicação, que acabam por gerar tensões
entre Estados (por exemplo, saber se um alto funcionário estrangeiro tem imunidade
ou não nos Tribunais Nacionais).

• O grande desafio é que temas a CDI vai encontrar no futuro para continuar a ter uma
agenda relevante. Hoje em dia, é difícil encontrar temas que tenham interesse para os
Estados e tenham matéria suficiente para serem apresentados como projeto, no
entanto, é um trabalho que a Comissão tem de fazer de modo a continuar o seu legado.

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