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AMOR, ÓDIO, REDENÇÃO E MORTE.

ADAPTAÇÃO TEATRAL
Uma obra de Paulo Vitor Grossi
Para você que adquire um destes livros na forma física

O preço (quando não, apreço!) terreno atribuído às obras do presente autor


apenas se justificam pelos meios de produção e sua posterior divulgação. A
fé em Deus, à Luz e ao Bem Comum é e sempre será o intuito desta vida,
por enquanto durarem meus dias.
Agradeço a todos a oportunidade, e que nossos erros possam ser
perdoados.
Que a Paz esteja em nós!
Prefácio para a primeira edição de “AOREM”

Nesta adaptação, a problemática gira em torno do caso que o poeta Bruno


tinha (ou ainda tem?) com Lila, sua editora, e como veem o mundo após
sua separação, isso durante um tempo. A forma abrupta com que as coisas
terminaram é apenas um detalhe, se alguém quiser se ater.
“O reencontro dos dois reafirma o que já sabem, e também se deram conta
ou não querem mais esconder: a vida que levavam até aquele momento é
insuficiente, nada justa, e poderia ser muito melhor. Pretendem então uma
troca!”
Como alterar esse cenário? Sabemos que o caminho para o agraciar pode
não ser dócil, nem afável será a companhia durante uma vida inteira. Para
qualquer união existem altos e baixos, apenas os laços verdadeiros não se
alteram. E o que dizer ainda das boas e perdidas almas que atravessam todo
e qualquer percurso? Tomara que se reencontrem e possam sim corrigir o
que quer que seja. Mas quanto tempo ainda lhes resta para redimir? O que
descortinar e como respirar pelo total delírio de quaisquer conclusões... e,
além de tudo isso, prosseguir na cadeia da Existência.
Sobre a sociedade em que ainda vivem, é dito durante a peça: “Falemos de
razão e princípios. Tais divagações que têm faltado... e nos pegamos em
pleno ato de compartilhar as opiniões e anseios, os traumas das últimas
décadas. Quantos estragos os últimos tempos impuseram às sociedades
atuais?... vamos pensar. É preciso entender o que aconteceu, entender sob
vários pontos e óticas. O que se passou após as guerras mundiais e quais
revoluções surgiram e foram suplantadas pelo Capitalismo exacerbado...
Conhecimento e força é a matriz poética, queremos os valores para
vivermos em igualdade social!” Vejam só como o casal está, até parece que
não conseguiriam sair disso!
Em dado momento, sem que do acaso mais uma vez justificável possam
fugir, flutuam em um puro pensamento universal, e aqui a voz de Lila vem
como um alívio, falando que: “Eu sei antes de você (Bruno), por exemplo,
que os signos usados para escrever e os que organizam as conclusões não
são os mesmos da compreensão.” (Lila) Quer dizer então que dialogar
ajuda? Parece que sim.
A trilha sonora fica por conta da Música Popular Brasileira, sendo sugerida
pelo autor as execuções de nomes como Alice, Instrumental Vox, Secos &
Molhados, SAEM, íO, Cidade Negra, Naná Vasconcelos, Raimundos,
Pholhas, Sepultura, Pitty, Gal Costa, Tim Maia, Mutantes, Cartola, Clube
da Esquina, Casa das Máquinas e mais (ver as indicações sugeridas no final
do roteiro)
Sobre as demais personagens, tão enfáticas entre si, citamos as aparições
mais que decisivas do Jornaleiro e do Taxista, além da bela voz da
Professora narrando estes fatos para as crianças (alunos) e os adultos (pais
e parentes) É ela que começa
Amor, Ódio, Redenção e Morte
(A história de um Poeta e sua Editora num tempo de ausente Poesia)

Atores (em ordem de aparição)


Professora – NARRADORA
Bruno – POETA
JORNALEIRO
COZINHEIRO
PAI & A CRIANÇA
Joca – TAXISTA
PORTEIRO
Lila – EDITORA
ATO UM

[Abre o pano e entra pela direita a PROFESSORA, é ela que narra os


movimentos da peça. Ela se posiciona no centro do palco. Começa a
música “23h59min.” (Alice) A Professora sorri para o público, e por um
tempo ela analisa as pessoas que estão assistindo a peça. Depois começa a
falar.]

PROFESSORA
(para a plateia)
Apenas… não vejam isto a menos que saibam quem são de
verdade, previamente.

[Começa a projeção com o panorama da cidade. Ouve-se de tudo, desde


vozes de conversas casuais até carros e ônibus, músicas, buzinas, gritos e
risos descompromissados de pessoas em seus afazeres e atitudes por ruas
e calçadas. Muitas lojas e vendedores ambulantes povoam o ambiente. Só
então é que começa a música “Sincopada Pt.1” (Instrumental Vox)]

PROFESSORA
(para a plateia)
Na cidade a vida não para já que não se dá o direito!
Ouvimos mais sons de lá, e algumas crianças cochicham.
As imagens se contrapõem umas às outras; nossos atos,
como os créditos de um filme, aparecem de baixo para
cima na tela, um bloco subindo ao céu. Então chega o
ponto em que o tempo muda!

[A projeção agora mostra uma chuva torrencial.]

PROFESSORA
(para a plateia)
Olhem para o alto dos céus enquanto assistimos os
milhares de pingos caindo em seu ritmo intercalado.
Retomando a música de onde paramos, voltando daquele
refrão que nos leva a nós mesmos. Este começo é vagaroso
e seu intuito é seguir o ritmo da Natureza em detrimento
do farfalhar da cidade ao fundo.

[Volta a aparecer a projeção da tal cidade em um ângulo completo. É final


de tarde, em algumas partes do céu já é possível perceber a chegada da
noite.]

PROFESSORA
(para a plateia)
Partiremos por fim para outro local, é um parque, e sobre
a visão desse parque aos poucos vamos enxergando o título
da história se fazendo na tela da existência. Nosso título,
em letras vivas, revela um amor, um ódio, redenção e
morte; dois seres que se reencontram continuamente
através dos tempos. Fiquem conosco.

[Começa a tocar “Primavera nos dentes” (Secos & Molhados) enquanto a


Professora deixa o palco, pela esquerda. O pano desce no meio da música.]

FIM DO ATO UM
ATO DOIS

[Abre o pano e ouvimos apenas os sons da cidade. Depois a projeção


mostra como já noiteceu. Caminha pensativo o poeta BRUNO pelo palco,
vindo da esquerda. Ele segue com seu olhar o movimento das pessoas na
plateia.]

BRUNO
(para a plateia)
Eu voltei, viram!? Poderia ser um policial ou um mero
angustiado com seus tons escuros, força e tristeza. Vejo
então essa cidade, está úmida pois há pouco chovera, ela
compactua com sua apatia, transforma meu rosto em uma
careta divertida; nem sabe o porquê de seu desconforto,
mas que lugar! Mesmo assim, a mesma careta poderia
arrancar o sorriso de uma criança que passasse com sua
mãe e um cachorro na coleira, bem ao meu lado.
Poderiam rir também. Todos nós.

[Bruno está cansado, visivelmente fatigado, e assim suas expressões e gestos


demonstram isso, até a roupa lhe pesa, mas continua.]

BRUNO
(para a plateia)
Em uma troca, vejo o céu noturno, mas enxergo apenas as
fachadas dos prédios decaídos e um punhado isolado de
pessoas nos parapeitos de seus apartamentos. Que sei de
tudo isso? Agorinha tinha tão poucas preocupações, me
parece que estou em pleno desencaminho, fui posto na
encruzilhada da idade e da vez. Que sei eu da minha
história? Tenho a impressão de qualquer insignificância...
e é até melhor poder extrapolar alguma coisa, vejo que
muita gente não sente mais. Curo então algo também da
moléstia do egoísmo pelo mundo, é um exercício suicida!
Mas é, e meus semelhantes? Como ajudo essa gente? É
minha gente! Como me ajudo? Sinto as dores do
Universo, sinto sem distinções. Prefiro assim, me nutre de
toda forma, e percebo que uma hora terei a resposta. Aqui
eu penso... como fiquei tanto tempo longe?

[Assim, ele hesita. Seu corpo fica paralisado, o rosto tenso. É um


momento de tomada de consciência para o poeta.]

BRUNO
(assustado, para a plateia)
E aqui o fluxo de pensamentos narrado se aquieta um
pouco. Precisamos saber o que fazer!

[Enquanto Bruno ainda está nessa letargia, toca a música “No Norte do
Polo Sul” (Naná Vasconcelos), e aparecem projeções de pessoas de várias
idades digitando em seus celulares.
Depois de um tempo, mas como que retomando de um sonho, Bruno volta
a si, anda mais pelo palco até que entra o JORNALEIRO, pela direita. A
projeção é do interior de uma banca. Bruno se aproxima dele.]

BRUNO
(para a Jornaleiro)
Boa noite, pode me trocar uma nota de R$ 50?

JORNALEIRO
(irritado, para Bruno)
A essa hora, parceiro? Estou sem troco, claro.

BRUNO
(para a plateia)
Se fosse então outro horário, me respeitaria?

JORNALEIRO
(confuso, para Bruno)
Hã, como assim?? Ó, vaza daqui! Sem mais palavra
alguma, já vi que tu é desses biruta.
[Bruno abre um sorriso, é uma felicidade aliviada. Há calmaria no
ambiente, como se o que fora dito pelo Jornaleiro fosse tamanha besteira
que nem abalara o ânimo desse cliente.]

BRUNO
(aliviado, para a Jornaleiro)
Você falou comigo, que bom.

JORNALEIRO
(para Bruno)
Pois é, né.

BRUNO
(para a Jornaleiro)
Que sabe da história da tua própria espécie? Não fique
preso a essa surpresa, por favor.

JORNALEIRO
Que tá geral lascado. Ei ô, vai encher o saco de outro,
valeu!?

[Reina um estranhamento depois daquele comentário, o Jornaleiro


desconfia de Bruno, acha que ele o desafia e força a saída do rapaz com
gestos.]

JORNALEIRO
(indiferente, para Bruno)
Tudo certo? Tou fechando.

[O Jornaleiro pergunta, vira o corpo e recolhe algumas revistas pelo chão


do palco, como que mudando o foco daquilo tudo. Bruno está calmo,
espera alguns segundos e responde.]

BRUNO
(para a Jornaleiro)
Óbvio.
BRUNO (cont.)
(agora para a plateia)
Tal ato de raiva da parte dele, uma raiva ingênua, prosaica,
só fez suscitar mais paciência em mim. Para algumas
pessoas, a inquietude endereçada ao gênio do “herói” é
como um alimento, dá forças. Vem à minha mente uma
imagem plural demais, é como uma visão dentro da
realidade comum, a imagem de uma máscara que cai pelas
mãos cinzas do próprio Jornaleiro por cima da poeira de
algumas das publicações. Ele resmunga, é algo ininteligível,
mal pode falar coisa com coisa esse homem. Fica quieto.
Eu vejo ele atado a esse cenário.

JORNALEIRO
(também para a plateia)
Aparece a Bruno também, ele entende por fim a face
pálida e assustada do comerciante olhando as mãos cinzas
de poeira daquelas publicações. Estou assim, cansado de
vender nessa vida!

BRUNO
(para a plateia)
E se cala definitivamente, olhando as revistas e o troco; o
Jornaleiro sente vergonha, olha para os lados... e tomba
com seu corpo pesado, e estica as mãos pedindo socorro.
É como um raio, uma lucidez tardia; um raio certeiro
então atinge o cara estendido, que levanta o corpo e as
mãos para o alto. É só.

[Bruno sai calmamente, o Jornaleiro dá um sorriso.]

JORNALEIRO
(para Bruno já distante)
Tchau! Liga não.

[Sai o Jornaleiro, pela direita como havia entrado. Depois, a projeção volta
às ruas, as imagens são exibidas da perspectiva da pessoa que caminha.
Bruno também passeia pelo palco.]
BRUNO
(para a plateia)
Humanos, se ficam sem interesse. Que lhes falta? O que
houve nesse processo? Parece que a naturalidade virou
palavra classificada e só é vista nas telas do passado. Tudo
e mais a me azucrinar a cabeça! Para quê! Quê? Qual foi?
Se reclama é o chato! Ahh. Se diz qualquer coisa, é
pretensioso. O que querem? Talvez o apressado seja eu
mesmo e as coisas se ajeitam depois, afinal, a ordem já
esteve por aí antes de mim, antes até do planeta. Eu que
não passo de instante e matéria orgânica para os ciclos da
Existência. Viver é só errar mesmo... Mas será que volta
tão melhor quanto?

[Terminando de falar e ainda andando, ouvimos “Podes crer” (Cidade


Negra) enquanto outra projeção mostra uma zona de bares, a área boêmia
do centro da cidade. Pessoas em mesas discutem exaltadas, turistas se
perguntam banalidades em uma língua estranha e olham seus mapas; uma
garota discute com alguém ao celular, uma jovem mãe repreende seu filho,
diversos repórteres de rádio, televisão, jornais disputam entre si; um grupo
comenta sobre qual seria a senha do Wi-Fi dali; uma atraente repórter de
uma página online e um estagiário acertam detalhes, ela com um caderno
de notas na mão... estão esperando por algumas palavras de um senhor
engravatado enquanto um morador de rua dá risadas deles.
Bruno está perdido entre todas essas ocorrências, olha em volta, pede ajuda
ao público. Terminando a música e a projeção, fica apenas a voz do poeta
sem o som ambiente do teatro. Continua ele a se imolar.]

BRUNO
(para a plateia)
Todos eles e seus problemas e pressas. Há um mundo
interligado e relações desconectadas; senão descontroladas!
Por que não conseguem se concentrar como pessoas? Já
tentou um texto completo ou só se limita às páginas de
notícias, posts de redes sociais? Preocupe-se com a vida
adulta, onde há mais dureza. Sim? Ou não? Deve
depender. Não, não mesmo! Não dependa.
Eu não sou um computador, vamos fazer por partes.
Calma, relaxa, esvazia a tua mente! Pense como uma célula
normal, tanto mediana, sei lá. Pensa sem travas! Esquece
um pouco as máquinas e seus confortos. Peço que fique,
ao menos, este dia fora da linha, isso, sem celular. Não
estou senso herege, vaiii. Há tanto para se discutir; tanto
tempo foi gasto em asneiras e distrações.

[E Bruno provoca a plateia ainda mais com as seguintes palavras em tom


de brincadeira.]

BRUNO
(rindo, para a plateia)
“Ainda consegue, viciadinho? Viciadinha?”

[A projeção mostra uma lanchonete. Bruno detém-se na frente do telão.


Entra o COZINHEIRO, à esquerda, notadamente contrariado.]

BRUNO
(para o Cozinheiro)
Um suco de laranja, por favor. Homem, a maré é de
instabilidade e ações turvas de bondade.

[O Cozinheiro não liga para o que Bruno diz. Mesmo assim, o Cozinheiro
grita para Bruno como estivesse de lá de dentro da lanchonete. Ele prefere
irritar.]

COZINHEIRO
(para Bruno)
Tamos fechando!!! Tenta o da esquina!

BRUNO
(para o Cozinheiro)
Tá brabo, hein. E por que não abaixou a grade?

COZINHEIRO
(desaforado, para Bruno)
Quem é tu para me dizer o que fazer?
[Abrupto, o Cozinheiro faz movimento de abaixar uma grade. De fora do
palco, figurantes vestidos de ajudantes com sua vestimenta típica riem do
que se passa. Bruno entra na zoação.]

BRUNO
(para o Cozinheiro)
Eu, pois que nem sou ninguém. Tampouco tenho mais
nome.

COZINHEIRO
(para Bruno)
Então se larga daqui. Chispa!

BRUNO
(apontando para a plateia)
Ao contrário do que pensam os transeuntes curiosos, saio
é aliviado, como se dessa situação fosse brotar um sorriso
besta no meu rosto machucado. Vou para a pista principal,
numa pequena corridinha. Respiro fundo. Por certo que
são somente irrelevâncias. A vida é de se surpreender.
Apenas o perder, para nós, isso que é complicado. Existe
um molde; a forma nem foi para o lixo. Nunca disse que
era... profissional.

COZINHEIRO
(para Bruno)
Ah tá, se tá dizendo. Já nem sei o porquê de tudo isso,
rapaz.

BRUNO
(respirando fundo, para a plateia)
Percebem? Que sabe a pessoa estabilizada sobre
desenvolver atividades cerebrais mais intensas? E da busca
pelo Conhecimento além do que percebemos do usual??
Que houve com tuas relações, cara? Como escapuliu tua
Filosofia? Onde relega tuas realizações!? E o calor, os
toques, risos, trapalhadas, besteiras? Não era belo tentar?
Sempre a gente... Para sempre se arrependerá de esquecer
quem é. E foi. Foi-se. Por onde anda tua família, amigos,
amores? Volta para terra e o que pode tocar, que os outros
elementos te seguem. O comércio te levou mais do que
pensa. Te pinica. Escancarou o portão da sanidade. Leia-
me então, e depois joga fora. É para reciclar o papel e
você. E eu... também concordo que sem livros não há
futuro... é mais um grave erro da atualidade pensar que
pode suprimir a cultura pela tecnologia! As coisas precisam
ser somadas, não divididas dessa forma tola. Ih, tecnologia,
que sonsa!

[Bruno puxa um celular do bolso e joga para a plateia. Ele ri. Passa uma
CRIANÇA falando com o PAI, ele se distrai.]

CRIANÇA
(para o Pai)
Dá gole desse guaraná... falta muito pra gente chegar, pai?
Que sede...

PAI
(para a Criança)
Vamos andando, filho. Hoje é um dia de descanso, vamos
assistir uns shows; não tem celular nem videogame, é só a
gente mesmo e música alta.

CRIANÇA
(para o Pai)
Tá bom!

[O poeta sorri, adiciona essa frase, olhando para o Pai e a Criança.]

BRUNO
(para a plateia)
Me informa mais desse algo bom, inominável. A família
sim é uma estrutura completa.

[Pai e filho vão embora, em paz.]


BRUNO
(sorrindo)
Quem ia que tava que tava... inominável? Não confiem

[E nem bem Bruno completa a palavra “inominável”, ouvimos a música


“Felicia” (íO) roubando a cena! Bruno ainda fala mais, e enquanto a música
toca ele torna a andar na paisagem noturna da projeção.]

BRUNO
(para o Pai e a Criança)
Esses superficiais de papel! E ainda existem deles
querendo desestabilizar as pessoas e seus lares.

BRUNO (cont.)
(para a plateia)
São os mesmos superficiais que fazem isso com a Música.
Têm uma partitura que não sabem ler, buscam o “papel”
da Música para a alma humana mas não ouvem um álbum
completo. Quem sabe possam ter uma noção, já que não
são nem artistas ou apreciadores nem nada; nem acha que
Cultura sirva para alguma parada além de aparecer na TV,
ou algo disso que lhe cabe no bolso. Homem, é
exatamente o contrário: a Arte é para deixar justamente a
vida mais prosaica, leve, achando graça na “perda de
tempo” de acreditar nela; fiem-se na distração, num modo
de existir mais digno. São as mesmas balelas que existem e
vocês sabem delas, porém com outra roupagem. Me
entenderam? Tentei ser didático, e eu digo isso olhando
vocês, para os espectadores.

BRUNO (cont.)
(bocejando, para a plateia)
Odeio isso de nhenhenhém, se continua, me faz cansar e
transpirar, ainda que me renove o corpo; o banho de mar
tem o mesmo efeito. O mar te ajuda! E Arte também, eu e
você, bem mais que isso de manuseio caro ou barato, é a
Beleza de nossa espécie... Mas por hoje chega, é demais.
Você aí ouvindo e eu aqui andando logo teremos nossos
sonhos cheios, e agravamentos, e... pesadelos. São
necessários. Que mundo chato hoje, por sorte o ser
humano é como uma criança perto da idade do Universo,
aprendendo, engatinhando dentro da ordem eterna.

[Bruno ri. Ditas as presentes palavras, ele se recolhe para o canto esquerdo
do palco e apanha algo, um pano claro. Toca outra música, é “Sauer Jam”
(íO) Logo após alguns segundos, Bruno veste a roupa, uma túnica de um
linho claro que cobre todo o seu corpo. Ele fica então de pé com os braços
levantados, paralisado. Sai desse estado quando enche os pulmões, abaixa
um pouco a cabeça e os braços para ficar no nível do público. Ele declama
o poema a seguir.]

BRUNO
(solene, para a plateia)
“O movimento que pelo ar atravessa e cria a chama; é
sempre você com o renascer caminhando, junte então.
Nós somos o que ainda há tempo!”

[Ele recolhe o corpo, abraçando a si próprio em lento voltear. Inspira e


expira seu ar com os braços ao redor do corpo.]

BRUNO
(para a plateia)
É o que espero.

[O pano desce.]

FIM DO ATO DOIS


ATO TRÊS

[O pano reabre e a projeção mostra a orla da cidade, entra Bruno pela


direita enquanto toca um trecho de “Blu” (íO) Na projeção agora passam
automóveis por uma pista. Bruno faz final como se fosse pegar um táxi.
Entra pela esquerda o TAXISTA, arrasta prosaicamente duas cadeiras e
indica para Bruno. Bruno sorri e eles se sentam, lado a lado. A projeção
então mostra a visão do motorista de dentro do carro passando pela cidade.
O Taxista puxa assunto, quer ser simpático como faz com todo mundo,
mesmo que puxar assunto com esta pessoa contemplativa que entra em seu
táxi se torne quase que um dever. Ele nota a face perdida do homem ao
lado. Toca como se fosse no rádio do carro algo esporrento (“Nariz de
Doze”, Raimundos), e então o Taxista “abaixa o volume” com sua mão
direita. Fala ele com Bruno.]

TAXISTA
(simpático, para Bruno)
Desculpa, o volume alto do som do carro atrapalharia o
entendimento da minha voz, enfim.
Ninguém gosta de ficar muito tempo mesmo naquela área,
foi bom você evitar. Ali era legal, agora anda lotada de
parasitas. Nem parar para tomar uma brejazinha em paz é
possível. Não acha?

BRUNO
(para o Taxista)
Concordo plenamente, senhor...

TAXISTA
(para Bruno)
É Joca, me chamo Joca.

[Bruno olha para o lado, através da projeção ele vê o mar e a orla da cidade
desfazendo-se no passeio do carro. Volta, sorri e completa.]
BRUNO
(para o Taxista)
E para quê me diz isso?

TAXISTA
(para Bruno)
Quê, meu nome?

BRUNO
(para o Taxista)
Não, o de antes. Por que foi bom sair dali? Me chamo
Bruno. Prazer.

TAXISTA
(para Bruno)
Não sei, bem, talvez pelo fato de comentar. Às vezes
dividir os pensamentos é bom, meio que gasta as
preocupações, alivia. E quando aparece um cliente aqui no
táxi que tem as mesmas queixas, discutimos abertamente.

BRUNO
(irônico, para o Taxista)
Tá certo. Não que isso possa trazer alguma solução real!

TAXISTA
(para Bruno)
Na minha opinião, olha, sim que pode.

BRUNO
(evasivo, para o Taxista)
O que você faz a respeito?

TAXISTA
(para Bruno)
Bem, além de reclamar e fazer piadinhas...
BRUNO
(animado, para o Taxista)
Faz piadas!?

TAXISTA
(para Bruno)
É.

TAXISTA (cont.)
(para Bruno)
Talvez isso aconteça com todo mundo que passa aqui,
quer dizer, toda relação comercial no fim é assim...
estranha. Por isso uma piada suaviza tanto.

[Sorri o Taxista. A projeção então mostra o interior do automóvel decorado


e personalizado, como com uma extensão da vida pessoal do Taxista; além
disso, as propagandas de valores e pacotes de destinos turísticos fazem a
visão de Bruno se perder através do telão. O rosto de Bruno percorre
também o estofado com seus rasgos, um crucifixo no retrovisor e uma
sacola com restos de lanche no banco da frente. Logo após, a projeção
apresenta outras ruas por onde o carro passa.]

BRUNO
(para o Taxista)
Muitos fazem também, entendi.

TAXISTA
(para Bruno)
Temos essa arma.

BRUNO
(para o Taxista)
Não é uma “arma”, meu amigo, é uma forma de se excluir
da real proporção. Transforma os problemas em
brincadeiras. Tanta gente faz isso, quem ri por último são
os que ficam intocáveis.
TAXISTA
(para Bruno)
Não te entendendo, moço.

BRUNO
(para o Taxista)
Por que, em vez de fazer piadas, não grita pelo vidro do
carro?

TAXISTA
(rindo, para Bruno)
Me tomam por maluco, poxa. Mas que postura agressiva.

BRUNO
(mais calmo, para o Taxista)
Tem razão. Na verdade, todos somos loucos, aceitamos
essa vida se paramos nela. Há de ser notar a medida! Mas
isso não se discute... desde que a Espécie saiu da Savana...
Hunf. Bem, ao menos você os incita a pensar, né. É uma
aproximação.

TAXISTA
(para Bruno)
Quem, os clientes? Claro, fuzilo a cabeça da galera. Sabe,
passo muito tempo aqui sentado, rodando, vendo cada
figura. Aí fica tudo parado. Nem sempre tem gente, muitos
vão de ônibus, metrô, é mais barato mesmo. E agora os
aplicativos. Fica muito tempo pra mim sozinho, digo,
conversando comigo mesmo.

BRUNO
(para o Taxista)
Faça isso sempre, de entender você mesmo de uma forma
jamais vista. É, cara, acredito muito no que dizem, falam
que o básico é você saber quem é.
TAXISTA
(para Bruno)
É, deve ser, conhecer a você mesmo e tal, vai que é...

[Começa “Solidão” (Pholhas) A música é tocada durante boa parte do final


do trajeto proposto no telão, enquanto o táxi é visto do alto rodando pela
cidade e fazendo curvas. Foco nos olhares do Taxista e de Bruno vendo o
que passa nas ruas. Toca até antes do próximo diálogo entrar.]

TAXISTA
(para Bruno)
Conhecer a você mesmo, já ouvi isso. Chegou teu ponto.
Tenha uma boa noite.

BRUNO
(para o Taxista)
Tomara, todos nós. Aqui tá o pagamento, espera.

[Bruno mexe no bolso, pega a algumas notas e estica a mão com o


pagamento da corrida. O Taxista olha para Bruno um pouco sem graça.]

TAXISTA
(para Bruno)
Valeu!

BRUNO
(para o Taxista)
Fica com o troco, por ter te alugado a viagem toda. Sei que
não é o devido, mas enfim. Minha cabeça está longe.

TAXISTA
(para Bruno)
Ei, todos temos questões.

BRUNO
(para o Taxista)
Que bom! Boto fé nisso.
TAXISTA
(para Bruno)
Tá certo, tchau meu amigo. Fica com Deus!

BRUNO
(para o Taxista)
Você também! Valeu.

[Bruno se levanta e sai ao mesmo tempo que o pano desce.]

FIM DO ATO TRÊS


ATO QUATRO

[Abrindo o pano, começa a tocar a música “Siporsi” (SAEM) Entra a seguir


pela direita a Professora com um livro na mão “lendo” para algumas
crianças e adultos. A projeção apresenta o prédio de Bruno. As crianças
depois saem pela esquerda do palco, ficam apenas os adultos.]

PROFESSORA
(para os alunos)
Bruno não pode evitar o cansaço nas escadarias até a
entrada do condomínio. Anda ele em um passo
descompromissado até chegar próximo à guarita, depois
solta um bocejo! Cumprimenta o vigia pelo caminho com
um “Olá, boa noite... tudo tranquilo, tranquilo”, e ri; e o
outro também ri. Mas o vigia não responde com palavras,
apenas olha para frente e acena com a cabeça. Ao que,
depois, este puxa da gaveta da mesa onde está sentado uma
garrafinha dessas de bolso e dá uma golada demorada;
retira também um maço de cigarros do bolso da camisa,
estica-se. Depois de acender o cigarro, o vigia então presta
atenção em uma linda jovem que passa em frente à guarita.

[Entra o PORTEIRO com um cigarro aceso, depois vem a JOVEM


LINDA. Eles se olham demoradamente. Toca a música “Hot Brunette”
(íO), nesse ínterim.]

PORTEIRO
(para a plateia)
Sempre ela por aqui. É o que faz a noite mais limpa, ahhh.

PROFESSORA
(para os alunos e a plateia)
Do outro lado das grades da vila em que Bruno mora há
um movimento escasso. O vigia acompanha intimamente a
Jovem. Ela percebe tudo, mas deixa. Melhor sair rindo!
[Chega Bruno pela esquerda e fica ali olhando a plateia.]

BRUNO
(no canto, para o Porteiro)
Danadinho você. Só apaga esse cigarro, por favor.

PROFESSORA
(rindo, para os alunos)
Voltando à escadaria, entre pensamentos rápidos,
aparecendo e reaparecendo em diferentes ângulos, os
sapatos de Bruno e seus passos ditam os movimentos. E
narra ele, é o que sabe.

BRUNO
(já no centro do palco, para a plateia)
Como seria propor uma questão a todos que possam ter
acesso... Digo, até a nível mundial. Vincular em todas as
mídias existentes, como uma comoção global. Daria o
título de “A Questão do Equilíbrio das Coisas”. Quantos
seriam atingidos e quais os que nada fariam caso? E se
dissesse para todos nós que é um poema? Isso mesmo, um
poema de todo mundo, de poesia pura, ainda lembram?
Isso sim é para rir, me contradizendo.

PROFESSORA
(para a plateia)
Ouvimos os risos de Bruno ao dizer a palavra
“contradizendo”. E seu suor, a respiração dele. Está
ansioso!

BRUNO
(ansioso, para a plateia)
Quis dizer, é... um “poema cláusula, ou, se preferirem,
prosa solidária”. Proponho com esse poema a imposição
da discussão de como a noção de união move blocos,
como já tanto o fizemos antes! A todos que possam
acreditar nos desafios. Falemos de razão e princípios. Tais
divagações que têm faltado... e nos pegamos em pleno ato
de compartilhar as opiniões e anseios, os traumas das
últimas décadas. Quantos estragos os últimos tempos
impuseram às sociedades atuais?... vamos pensar. É
preciso entender o que aconteceu, entender sob vários
pontos e óticas. O que se passou após as guerras mundiais
e quais revoluções surgiram e foram suplantadas pelo
Capitalismo exacerbado... Conhecimento e força é a matriz
poética, queremos os valores para vivermos em igualdade
social!

[A projeção mostra melhor a fachada da residência dele, um prédio comum,


modesto.]

PROFESSORA
(para os alunos)
O poeta descansará uns segundos. Ouve os vizinhos
tagarelando. Gira a fechadura com calma, chega finalmente
na sua casa. Arrasta-se para dentro. Não acende luz
alguma, apenas vai tateando. Acha a cama e... desaba.

[O ator se deita no chão do teatro, boceja. A projeção mostra o luar da


cidade.]

PROFESSORA
(para os alunos)
Bruno está dormindo na cama, que sono agitado. Sua
janela está aberta e vemos a lua cheia daquele dia, sob um
céu bem estrelado e rico. “Então a lua remexe os sonhos
das pessoas, é isso”, diria o poeta.

[O pano desce.]

FIM DO ATO QUATRO


ATO CINCO

[Abre o pano e lá está a Professora no meio do palco. Chega mais para a


borda, perto do público.]

PROFESSORA
(para a plateia)
É de manhã. Ouvimos sons de muitos pássaros. Esse
panorama passa assim um bom tempo, tudo em paz,
apenas um céu azul do momento matinal.

[Na projeção, uma televisão está ligada em qualquer desenho animado;


logo, terminado este, vem em seguida um destes programas culinários de
auditório.]

PROFESSORA
(para a plateia)
Bruno caminha em direção ao aparelho e desliga. Volta ao
sofá de onde saíra.

[Nisso, toca alguma música arrastada e bucólica. Na sugestão, “O Relógio”


(Mutantes)
Entra Bruno com uma cadeira na mão, vai para junto da Professora e a
cumprimenta. Depois se senta para assistir o telão; durante praticamente
toda a execução da música ele está sentado com a cabeça pendendo para
trás. No final, põe-se a comer seu pão, biscoitos e bebe café imaginários.]

PROFESSORA
(para a plateia)
Durante o lanche, ele reflete sobre a questão do riso.
Sente-se melhor ao comer. Fala consigo e conosco,
espectadores poéticos, ao mesmo tempo... em voz alta.
Seu monólogo, ou desabafo, é este... e deve ser!
BRUNO
(para a Professora e a plateia)
O riso, isso que me torna... afável. O riso como
esclarecimento, adorno, fuga, desleixo. Rindo para não
“chorar”, ainda que mesmo assim, faz afogar as mágoas.
Meio que expele o peso das costas, exorcizando e
aliviando, como acontece em uma terapia. O mesmo efeito
paira sobre o riso grupal, a comoção dos humores. Se te
enlatam o riso, terá que pagar para mexer os músculos da
face... não deixa! Rir é saúde, ou não se lembra de tanta
gente amiga advertindo que ficaremos mais jovens rindo;
igualmente o riso te tira tanto desse peso de existir. Penso
de novo como existe tanta gente que não quer mais
ninguém rindo ou mesmo só feliz! Tanta gente nem
querendo alguém por perto. Recebe de bom grado à
qualquer momento, dê gratuitamente um olá, sorrindo.
Isso eu não prescrevi, só enfatizo, como quase tudo o que
comento... nesse instante aqui, entre nós. Sim, e nem
quero nada em troca! É uma tendência, um fato, hábito
antigo, vai saber, vamos rir juntos. O certo é que funciona,
e faz mesmo bem... para ambas as partes, é preciso
sinalizar... Nós e quem fizer o bem de rir. Precisamos
demais adorar esta vida!
Bom, não sendo profissional... é até melhor assim, sem
pressas ou pressões; dar a alguém a graça, o ar da paz. Sem
ter que inventar a esmo; o que é, é o que é... gostem ou
não, este método empregado faz parte.

[Bruno se ajeita na cadeira. Em flashes aparecem seguidamente muitas


projeções com pessoas rindo.]

PROFESSORA
(para a plateia)
Esses risos então tomam conta do ambiente, porém, que
não sejam de uma alegria insana, beirando o ódio,
desprezo, mas sarcasticamente, não veem? Ecoam as vozes
e seus risos característicos, risos de gentes diversas pelo
mundo, em instantes bruscos.
[Bruno se reclina mais na cadeira.]

PROFESSORA
(para a plateia)
Ainda assim, continua divagando o poeta, talvez a se
explicar, falando como se para esse propósito bastasse a
explicação.

BRUNO
(para a plateia)
Brincadeira, foram rodeios a despistá-los... de minha
ignorância. Afinal de contas, estamos na mesma todos os
seres, apenas fazendo o que nos dá na telha. É belo tentar!
E achar que é. Somente o que importa, e intensamente.
Há mais riqueza em todas as convicções que tivermos
assim, disso posso tomar fiado e emprestar o conceito. Um
beijo e um abraço às pessoas amargas a que nada de bom
baste, esqueçam isso, esqueçam do que eram. Vamos
tentar, mexa esse rosto! Eu calmamente rio.
Libera a criança para sempre, vai ser legal. Liberte sua paz!
Finalmente livre, a estudar o mundo inteiro... e isso inclui,
obviamente, os benefícios e malefícios. Digo também para
romper com o passado... não sem antes lhe enxugar as
rugas e sugar do suor a experiência, as ações e tomadas de
consciência. O melhor do que foi, do que era, reutilizado
dando-lhe prosseguimento. Coisas não finalizadas nem
interessam tanto, você verá, vocês verão. Há tensão, haverá
sempre quando a força e determinação estiverem
presentes.

[Estica-se novamente o poeta. Respira fundo.]

BRUNO
(para a plateia)
É tão amplo que me envergonho ao pensar pequeno!
Podemos é de tudo! Pode ser de tudo em... e para... todos
nós. Aprisionar o sentido, ou os sentidos, a um punhado
ou dois de significados é sacanagem!!
[Bruno fica de pé e olha para os lados, a projeção mostra um auditório.]

BRUNO
(para a plateia)
Só falta a aproximação, pessoas para pessoas! Deixa rolar,
vai. Ofereça-se ao natural, sinta em você mesmo a vida
fluir, ouça com todo cuidado; agradeça a Deus a
oportunidade e perdão para tantos erros; Ele nos perdoa!
Então você vai perceber seu próprio corpo se movendo e
dando as caras ao redor. Sempre tende a se expressar o
corpo vivo, é dele isso. O Amor existe!

PROFESSORA
(para a plateia)
Diante dessas palavras reconfortantes, e feliz ao desabafar,
Bruno se dirige à geladeira. Ele come algo.

[A imagem de uma geladeira é projetada. Bruno encena o ato de abri-la,


pegar algo e comer. Depois também encena tudo o que a Professora narra.]

PROFESSORA
(para a plateia)
Os passos seguinte se passam fora da casa. Está Bruno
separando o lixo em plásticos, papéis e materiais orgânicos
ao mesmo tempo que atira tudo nos seus devidos
recipientes. Ouve o telefone de longe. Corre. Entra em
casa, mas logo que entra dá uma topada na quina da mesa
da cozinha, uma dessas batidas que deixa qualquer um
zonzo vendo trens e estrelas! Ele xinga todos os palavrões
possíveis... e quem não!? Bem, mas ele não vai fazer isso
em voz alta, aqui ele só faz uma cara irritada.

[Com a pancada, algo desorientado, ele leva a mão esquerda à cabeça.]

PROFESSORA
(para a plateia)
Logo, a ação se passa internamente. De forma embaçada
ele inicia a narração do que lhe veio à mente. Ouvimos.
[Passa no projeção a reprodução dos pensamentos do poeta, entre imagens
múltiplas de cores borradas, tintas, texturas que tomam a tela, escorrendo
como faria a tonalidade do próprio sangue humano espirrado em uma
superfície. Bruno ri dele mesmo assim que começa a falar. Toca ao fundo
“O Caminho do Bem” (Tim Maia)]

BRUNO
(para a plateia)
Ah m&®! Tinha que levar essa topada, arrancou um
pedaço de mim. Fiquei zonzo sem querer... antes fosse
induzido! Mais parecem os juros do mundo a me
perturbar com suas cobranças fartas e desmedidas. Uns
sobre os outros os juros para eu ‘ficar’ em o que quer que
seja. Por que será que entrei nesse jogo? Não sou disso,
não suporto nem competir. Não é minha essa sociedade,
não pertenço a isso, me desfoca... que faço? Vivo, as
topadas e os juros me perseguem; morto, há o indefinido.
Fujo? Assassino o ‘sistema’? Me mudo para uma ilha
deserta? Onde é ela? Troco de planeta? Adiantaria
mesmo?

BRUNO (cont.)
(para a plateia)
Ficar zureta só me faz estar é alerta, a pensar na Poesia, na
Palavra; tudo desfalece, vira areia nesse caminhão
moderno. Não estou à venda, sou um poeta pelas pessoas,
mas essas mesmas pessoas só assimilam arte que é vista
estática, ali como que na estante e sem graça, meramente
exposta. Como ficar, então? Me ponho louco ao aceitar
essas regras, ou estava doido ao considerar? Querem
minha alma restringida. Digo não, sou íntegro e bem-
disposto, não entro nesses esquemas; sou um homem livre,
poxa! Porém, não estou em lugar algum, me evitam, virei
um fantasma próprio e modelo de passado. Se a Arte virou
pedra velada, e eu participava dela, então sou um
paradoxo... parábola e adeus. Que o digam os copiadores
atuais! Não posso. Só sei fazer o que quero, não sou desses
que respeitam demais e se aquietam. Deve ser esse o
motivo dessa topada! Portanto, fui excluído da jogada.
Então, para os livres e desimpedidos ao qual me encaixo
certamente; para estes é o fim, é o tempo sem Poesia... é o
tempo das palavras justapostas, do comércio dos rins do
Saber.

[Toca agora em um volume mais alto “Imunização Racional” (Tim Maia)


Bruno se desloca de forma irregular pelo palco; a Professora acompanha
do canto direito.]

BRUNO
(para a plateia)
Estou morto. Deve ser a preferência nacional, um
artista que não fala, não contesta, que não dá
trabalho. Precisaria vagar. Estão mortos os que
acreditam na Arte, ah qual foi?? Que anos vieram
para mim de presente, em que época nasci!!
Caminham pela Terra apenas os compradores de
espólios!

[Nisso, um telefone no som do teatro, o toque se repete e irrita Bruno, que


ainda está segurando o pé. Sua cara é assustada, mas volta a si, olha ao redor
buscando o aparelho telefônico. Ele também está em alerta, pensando em
voz alta.]

BRUNO
(para a plateia)
Será que esse número que chama é mesmo o que
imagino?

[A Professora chega perto com um telefone na mão, estende para o espanto


dele. Eles se entreolham e saem pela esquerda. O pano desde.]

FIM DO ATO CINCO


ATO SEIS

[Abre o pano e Bruno está com o telefone na mão no meio do palco, ele
continua olhando em um misto de ansiedade e indecisão para o aparelho.
Detém-se, para, espera; ele pensa se vai ou não para algum lugar.]

BRUNO
(para a plateia)
Por fim eu devo correr e atender, não gostaria de fazer
ninguém esperar; não é correto fazer com os outros aquilo
que desagrada a nós mesmos; ainda assim, só não esperava
ter que receber certas ligações, mas sou movido pela ética.
Vou ver quem é!

BRUNO (cont.)
(telefone no rosto, para a plateia)
Pronto, quem fala?

[Logo a projeção apresenta a visão do alto de uma feira livre, dessas de


bairro, e vai passeando entre as bancas e suas pessoas, provocações, provas
de quitutes e sucos aos montes. Ali estão como deveriam estar: felizes e em
movimento! Dessa forma, ouvimos a voz de LILA; depois, a de Bruno,
enquanto tocam olás. Lila chega pela direita do palco, também com um
telefone na mão.]

LILA
(para Bruno)
Sou eu, Lila. Lembra de mim?

BRUNO
(para Lila)
Êêê, que susto. Não tava esperando... para falar a verdade,
nem sei se ia mais usar isso, digo, o telefone! Vai que era
cobrança, né. Lila, é você mesma?? Caramba... logo você!
LILA
(para Bruno)
Que isso, Bruno... Está tudo bem?

BRUNO
(para a plateia)
De verdade que estou balançado, só não sai se muito ou
pouco ainda, há muito oxigênio perpassando meu corpo;
ouvir a voz dessa mulher nesse momento é demais; respiro
então mais fundo tentando rapidamente aguentar a
emoção. Seja forte! eu penso, e vou recobrando a
seriedade. Mas... precisava só de uma distração antes de
respondê-la.

[Nesse momento há uma sequência de imagens do passado dos casal


passando na projeção. Coisas que passaram. Ambos em fotos de jornais e
em lançamentos de livros, e também caminhando lado a lado em uma
exposição de artes plásticas.]

LILA
(para a plateia)
Será que ele queria me ouvir? Vai que nem pensava que
estivesse mais viva. Estou sem graça!

BRUNO
(para Lila)
Claro, é que me veio uma ideia repentina. Mas tudo
tranquilo, tá dominado... Que me diz, querida?

[E ri para suavizar a conversa. Do outro lado ela esboça um sorriso


também.]

LILA
(para Bruno)
Bom, na posição de sua editora...
BRUNO
(para Lila)
Como assim, Lila? Disseram que cancelaram as
publicações, que faliram e tal, que poesia não dá mais
dinheiro, que mal dava para cobrir os gastos... Achei que
fosse isso mesmo.

LILA
(para Bruno)
Calma, não é bem assim. Foi uma situação delicada que
passamos. Eu fali também, recorda não? Mas eu sempre
me lembro de você, viu. Na verdade, muito mais esses
dias. E acredito que já estejamos melhor.

BRUNO
(para Lila)
Faz dois anos que não tenho contato com vocês, com você,
precisamente. Por que a volta?

LILA
(para Bruno)
Não julgue a gente assim. Todos nós passamos por
problemas, ainda mais uma empresa pequena como a
nossa, não me julgue.

[E ela amacia a voz nessa parte.]

LILA
(para Bruno)
Só quero conversar, falar das tuas obras, saber se tem algo
novo... Tem?

BRUNO
(rindo, para Lila)
Na verdade, não. Passei por males, por pestes, passei por
um choque de consciência... Ser artista é pior do que virar
bandido nesse país. Veja só um exemplo, na cadeia tem
almoço, janta, salário, emprego grátis e garantido. Tem até
curso de qualificação! Já aqui fora é só judiação, né. Tive
que fazer diversos bicos para sobreviver e manter uma
casa, ao menos. Nesse intervalo, pausei todos os meus
trabalhos. Em especial depois de saber que estava falido e
com dívidas em diversos órgãos que se criaram por aí... na
praça...

LILA
(para Bruno)
Entendo, estou me livrando dessas também... e até hoje...
Atinge a todos que não se adaptam; não que seja um
dever, sabe.

[Depois ela sorri e fica um pouco sem jeito.]

BRUNO
(para Lila)
Tudo bem.

LILA
(para Bruno)
Então, mas o que me diz de tentar novamente?

BRUNO
(para Lila)
Isso soa meio esquisito, moça... mas enfim...

LILA
(para Bruno)
Só porque é vindo de mim?

BRUNO
(para Lila)
Que isso! Tentar novamente, digo.

LILA
(para Bruno)
Escrever, Bruno.
[Ele nada diz, mas sorri malicioso. Entra a Professora e se posiciona no
meio deles.]

PROFESSORA
(para o casal e depois para a plateia)
Pela primeira vez no dia seus rostos se iluminam, juntos.
Passam por sua mente vultos e reflexos dos dois juntos, no
sentido carnal da expressão. Essas duas pessoas agora se
estranhando depois de todos esses anos já foram muito
unidas, mas seus planos acabaram suplantados por
equívocos. Em toda separação há alguma perda, ou
descasos, raiva. Mas a memória está acesa. Eles não são
lindos assim?

[Na projeção, Lila está guardando calmamente suas coisas e se mudando


para outro local. No palco, Bruno respira fundo para poder completar sua
posição, é aí que se mune de um sorriso aberto que visa desatar quaisquer
novos equívocos entre ele e Lila.]

BRUNO
(para Lila)
Escrever? É mais suicida do que atinar contra os
capitalistas! Querida, não te disseram que venderam tudo?
Esquece isso e vamos tratar da gente.

LILA
(para Bruno)
Bruno!!!

BRUNO
(para Lila)
Que... que foi arrendado imbecilmente? Melhor a gente
fazer que nem aqueles escribas do passado, enterrar nossas
tábuas e pergaminhos na areia e torcer pelas próximas
gerações!

[Esse comentário é seguido de uma sonora risada dele, ao que a editora


fica constrangida. A projeção então mostra a mão de Bruno
compulsivamente desenhando formas geométricas em pedaço de papel
ocasional, mostra também detalhes do escritório de Lila, que rabisca e se
mexe na projeção também.]

LILA
(para Bruno)
Ah, não fala assim. Até queria rir da situação contigo mas a
piada seria demais. Quanto a outras coisas, quero sim uma
boa notícia, estou esperando.

BRUNO
(para Lila)
Estou te julgando? Não, só fui realista, só brinco. Você
também é brincalhona, que sei. Relaxa, Lila. Sou eu.

LILA
(para Bruno)
Você tá errado, muito errado. Eu que sou a realista. Não...
Existem muitos que adorariam ler algo novo seu. Agora eu
que gasto!

BRUNO
(para Lila)
Bom, menos eu. Que leiam a bula dos seus remédios. Lila,
ninguém mais entende um poema. Não sei escrever para
que passem o tempo. Tudo bem falar de uma forma
direta, mas não se for para ser vago. Queria que pensassem
por si sós, queria a evolução das pessoas, que
interpretassem e encontrassem novos sentidos, e que
busquem muito além de mim e delas mesmas; eu aqui só
digo às pessoas algo como uma introdução ou conselho.
Você sabe muito bem que sou um instigador, quero que
pensem, queria que ouvissem o som da Vida em cada um
deles. Todos nós temos esse OHM! E o OHM precisa
deles, de nós, de todos. Deixa isso de poesia de lado um
pouco, melhor a gente esperar um período melhor, um
tempo mais frutífero, estamos em um tipo de entressafra,
na boa! Além do mais, não sei escrever por extenso. Sei lá,
acho que posso concluir que acabou a Poesia, é isso. As
coisas acabam, é normal.

[Do outro lado do palco, Lila morde os lábios e seus olhos ficam úmidos.
Fala baixinho fora do gancho.

LILA
(para a plateia)
Burro, burro. Ai, não acredito.

PROFESSORA
(para a plateia)
É grande o afeto que Lila sente por Bruno, mesmo depois
de ‘tudo’... ‘Tudo o que deixaram’, ‘Tudo que passou’.
Posso revelar tão mais do que é possível em uma rápida
olhada; a beleza de Lila não só se mantém intacta com o
passar dos anos como o Tempo está lhe conferindo mais
sutilezas e um ar deveras centrado.

BRUNO
(para a Professora)
Queria rever o rosto dela e sua expressão cheia.

PROFESSORA
(para Lila)
Ele está perplexo pelo que havia dito, e às vezes as
conclusões esperam a sua vez, e então ele a escuta com
mais atenção do seu lado da linha, quer deixar que você
fale. Fala então!

LILA
(animada, para Bruno)
Não seja tão pessimista. Falando assim você se esquece de
que os sentimentos não se dissolvem... dessa forma

[Mal completa a frase, e ela se segura para conter a voz titubeante enquanto
ele continua o diálogo por ela, salvando assim o pranto de Lila.]
BRUNO
(para Lila)
Tudo tomado de limo, poeira, cracas... é muito adornado!
Tem gente que adora ‘o que não mata, engorda!’

LILA
(para Bruno)
Para vender em shopping? Não a gente.

[Lila ri e se anima, enfim. A risada dela é típica a ponto de esquecerem


qualquer coisa para poder prosseguir nesse bom papo.]

BRUNO
(para Lila)
Sim, e logo vão vender até pessoas, escravos dos escravos e
dominação por tabela. Ri daí, Lila!

LILA
(para Bruno)
Você não respeita ninguém. Sempre adorei isso.

[Nota-se leve sorriso contínuo nela, pedindo mais da voz dele, e a expressão
de Lila do outro lado não volta à apreensão anterior, de agora em diante.]

BRUNO
(para Lila)
Obrigado. Me alegra que seja você.

LILA
(para Bruno)
O quê?

BRUNO
(para Lila)
A me ligar.
LILA
(para Bruno)
Olha, posso te encontrar para almoçarmos juntos?

BRUNO
(para Lila)
Claro. Meio dia no café aquele?

LILA
(para Bruno)
Perfeito.

BRUNO
(para Lila)
Lila, pode não parecer, mas nem estava sendo irônico.
Chega uma hora que é preciso ter classe e sair. Melhor que
não seja com o rabo entre as pernas; você sabe, forçar
demais estraga a colheita! Eu não sou isso, ah não, nunca
uma dessas figuras empedradas que fazem de certos
artistas. Só cansei. É até normal.

LILA
(compreensiva, para Bruno)
Eu sei disso, por que acha que te importuno? Sei quem é e
como tudo aconteceu em nossas vidas, sei porque pensei
muito a respeito; mas viver é cheio desses ‘sortilégios’...
palavrinha tosca!

[Ela sorri, ele igualmente.]

BRUNO
(para Lila)
Pragas. Vamos para o manicômio. Ao menos lá não tem
comércio. Nunca disse que era profissional...

LILA
(para Bruno)
Conheço essa!
BRUNO
(para Lila)
Ahãm, veremos. Té logo.

LILA
(para Bruno)
Tchau.

[Os dois fazem gesto para desligar o telefone, logo começa de fundo a tocar
a introdução de “Não vem, não tem” (SAEM)]

LILA
(desabafando, para a plateia)
Caraca, que é que é isso, esse foi o papo mais difícil de
começar que tive; anos atrás... eu nem sei se conseguiria, e
precisaria naquela época de muito tempo para superar
caso desse tudo errado, mesmo... sério mesmo...

[Se sentem bem ao marcar seu encontro, depois saem cada qual por seu
lado; a Professora vai a seguir. Na projeção, a orla da cidade com todas
aquelas pessoas vivas na praia e no calçadão; gente tranquila fazendo
exercícios, muitos namoros e ciclistas de olho em quem está nos quiosques.
O que as pessoas fazem ao redor é captado com doçura pelo telão
enquanto toca de fundo o começo de outra música, é “Ratamahatta”
(Sepultura)
Organizar as cenas simples mas cheias de cor e alegria; mostrar mais da
beleza da raça humana e suas variações, interações, tonalidades, vestes,
risos etc. As crianças soltas fazem os papais e mamães correrem!
Reproduzir “Ratamahatta” apenas durante alguns minutos. Volta a
Professora, agora com um livro na mão.]

PROFESSORA
(para a plateia)
Está escrito! Curiosamente, chegam ao mesmo tempo no
tal café, localizado no Parque da Cidade.

[Enquanto os dois entram de novo no palco, toca “Memórias” (Pitty)]


BRUNO
(para Lila)
Oi, chegamos juntos. Deve ser bom sinal.

LILA
(para Bruno)
Não é, também achei!

[E cumprimentam-se com um abraço forte e demorado e beijo no rosto.


Começa a tocar “Déjà Vu” (Pitty) Olham-se mais, gostam da situação. Lila
tem uma pasta na mão.]

LILA
(divertida, para Bruno)
Como está? Te achei meio carregado ao telefone. Imagino
quanto te aflige. Ainda mais conhecendo teu jeito, sabendo
o que sente pelo mundo afora... As pessoas se ajeitam,
cara! Uma hora param e enxergam seus defeitos. Mas deve
ser difícil mesmo dar algo em prol de uma causa como
essa da Arte pelas pessoas.

BRUNO
(para Lila)
Eu sei, Lila, relaxa. Não vai ser isso que vai me matar.
Você sabe que eu sou também é muito cético em relação à
galera! Mas realmente, ficar se cobrando é chatão.

LILA
(para Bruno)
Você é dramático, isso sim.

BRUNO
(para Lila)
É, né... os dramas e os expurgos da mente.

[Bruno ri, ela lhe dá um pequeno tapa no braço e ri também. Sentem-se


bem ali, estava tudo confortável. Lila respira fundo. Bruno sorri para ela de
novo. Ela se ajeita para falar.]
LILA
(para Bruno)
Não, que isso...

BRUNO
(para Lila)
A culpa é minha, sério mesmo. Tenho uma visão muito
romantizada, pretendo a extensão do Pensamento, não o
inverso. Mas quem não o quer, poxa!...

LILA
(para Bruno)
“Quem?” é a grande pergunta.

[Passam alguns figurantes através do palco e olham os dois. Sobre essas


pessoas olhando, podemos dizer que é um olhar de análise, mas meio terno,
digamos. Como quando alguém vê um casal e sente uma pequena inveja
boa. Termina de tocar “Déjà Vu”
Na projeção, o parque está cheio, uma excursão de escola e uma boa
quantidade de crianças aparecem no telão. O tempo todo um figurante
passa pelo palco e faz seu pedido como se estivesse no café.]

LILA
(para Bruno)
Viu só?

BRUNO
(para Lila)
O quê? As pessoas aqui, ali?

LILA
(para Bruno)
É, nos olharam de baixo para cima, cruzes. Devem achar
que somos conspiradores.

[E se riem mais uma vez, riem alto. Toca “À Zíngara” (SAEM) Algumas
crianças, também figurantes, correm na frente deles, desviando dos dois.]
BRUNO
(para Lila)
Pois é, teóricos da conspiração.

LILA
(para Bruno)
A queda dessas tosquices, convenções...

BRUNO
(para Lila)
Tipo comprar presentes com os olhos, ãhn. Né?
Lembrou.

LILA
(para Bruno)
Claro que eu lembro.

BRUNO
(para Lila)
Falei isso, você riu, eu lembro como foi que aconteceu, era
um filme ao vivo com nós dois de personagens perfeitos.
Abriu caminho para nos conhecermos e você aceitar
minhas piadinhas. Bons momentos.

[O rosto dela está claro, sorri sempre. Segura forte a pasta. Então suspira
tranquilamente, olha a pasta e se volta ao horizonte. Logo respira fundo
balbuciando como que em um alívio as palavras “Ai, ai”. Lila então encara
mais ele e dispara.]

LILA
(para Bruno)
Ei, tem pastel e caldo de cana aqui pertinho. Deve ser mais
legal ainda.

BRUNO
(feliz, para Lila)
Gostei da sugestão! Se tenho fome, fico inquieto.
LILA
(para Bruno)
Ué, vamos.

[Partem pela esquerda. Toca uma canção, é “Namorinho de portão” (Gal


Costa) Seguem lado a lado, sorrindo nos refrões. Na projeção o parque está
bem de longe, visto do alto. Eles estão também no telão comendo pastel e
bebendo caldo de cana. Brincam, falam coisas inaudíveis, termina com a
música fechando o ato.]

FIM DO ATO SEIS


ATO SETE

[Abre o pano, Bruno e Lila estão sentados de pernas cruzadas um de frente


para o outro, em silêncio. Este sétimo e derradeiro ato começa com a
execução da música “Preciso me encontrar” (Cartola) Depois, a projeção
vai mostrando o interior do parque e logo a lanchonete onde estão; vemos
assim desde o corte dos alimentos à visão da massa do pastel envolvendo
um punhado de carne seca, o preparo da cana, a fritura, e o óleo
escorrendo. Os funcionários fazem piadas entre eles.
A seguir vislumbramos no telão mais cenas dos dois comendo enquanto
ainda toca a música. Terminado por fim o epitáfio de Cartola, passam ainda
alguns segundos com eles olhando um para o outro. Conversam então
sobre os manuscritos de Bruno que estão ao lado deles.]

LILA
(feliz, para Bruno)
Ainda que a todo tempo eu seja invadida por alguma
memória da gente namorando, posso sim dizer que eu me
reapaixono por você!

BRUNO
(sorridente, para Lila)
Aí eu fico sem graça. Olha, não começa.

[Eles riem um para o outro. Lila depois olha os papeis.]

LILA
(para Bruno)
Bom, você já tem bastante material, juntando as obras
publicadas anteriormente... Vou dar uma olhada nos
papéis que já começou, te dou umas dicas. Vejo o que
pode ser lançado, talvez uma coletânea com extras, ou
umas reedições; agora temos alguns colaboradores para as
capas e diagramação, estamos ficando mais atuais, cara! Sei
que você é muito perfeccionista e pilhadinho
BRUNO
(surpreso, para Lila)
Pilhadinho!?? Melhor não terminar o raciocínio.

LILA
(risonha, para Bruno)
É, sempre vem com detalhes. E teu segundo livro?
Lembra sim que eu sei. Que chateação. Eu seiii.

[Ele faz gesto de negação e ri, termina de beber o caldo de cana fictício de
um copo.]

BRUNO
(para Lila)
Você disse que estava pronto, e estava mesmo. Tudo bem,
faz o que quiser.

LILA
(para Bruno)
Confia em mim. Te peço mais uma vez. Apesar do cenário
literário estar um caos com todo mundo querendo ser
minoria perseguida, temos uma boa ideia.

BRUNO
(para Lila)
Vai, diz logo. Sem rodeios. Pelo teu rosto, essa expressão
sapeca quer dizer algo relevante.

LILA
(para Bruno)
E é.

[Dito isso, ela ajeita o cabelo. Este movimento é feito lentamente.]

BRUNO
(brincando, para Lila)
Olha, quanta convicção! Familiar.
LILA
(rindo, para Bruno)
Isso, a proposta é minha. Vim até você diretamente.
Parece meio esquisito o que vou dizer... mas... ah, não
disse a mais ninguém... ainda que saibam das intenções.
Bem, sou sócia majoritária.

BRUNO
(para Lila)
Fala logo, doidinha.

LILA
(direta, para Bruno)
Pensei em assassinar você.

BRUNO
(animado, para Lila)
Êta, poxaa. Fui marcado para morrer??!

LILA
(para Bruno)
Não é isso, ficcionalmente. Quero que você escreva como
quer ser morto. Publicaríamos por último.

BRUNO
(se insinuando, para Lila)
Gostaria que me matasse você mesma.

LILA
(risonha, para Bruno)
Ah é, como?

BRUNO
(para Lila)
Já sabe.

[Ele se engrandece, mexe o corpo. A tensão sexual entre eles só aumenta.


Ela fala a seguir e dá um empurrão de leve nele.]
LILA
(para Bruno)
Bobo, deixa eu terminar!

BRUNO
(mais sério, para Lila)
Prossegue.

LILA
(para Bruno)
Tipo... você pode depois forjar a própria morte, fora dos
livros e ir parar nas páginas policiais. Sem dívidas, livre
para fazer o que quisesse e com todos comentando sua
obra e ideias. Que tal? Te espantei com minha clareza?
Calma, junta os fatos, a simetria e lógica das situações, sei
que de cara assim parece esquisito, parece até crime. Mas
se dermos uma desculpa artística todos vão engolir, digo,
um tempo depois.

BRUNO
(para Lila)
Você sabe do que faz. Não dá ponto sem nó. Desculpa
artística, essa foi boa! Eu te fiz uma brincadeira anos atrás
sobre isso de forjar a própria morte e tal, mas foi um
camarada meu quem tentou. E deu errado!

LILA
(para Bruno)
Porque ele deu mole. Não sou mais esperta?

BRUNO
(para Lila)
Evidente.

LILA
(para Bruno)
O esquema do vinho que matura...
BRUNO
(animado, para Lila)
Por mim, eu faço agora.

[Lila fica eufórica. Dá um abraço nele. É forte, talvez o mais reconfortante


em tempos. Olham-se diretamente, frente a frente. Estavam sentados, ele
então a levanta cortesmente. Já de pé, beijam-se, e seus corpos se excitam,
tanto que este carinho vai ficando gradativamente mais acalorado. Bruno a
aperta forte pela cintura e Lila suspira. Ela em seguida se acalma dizendo a
frase abaixo, devagar, ao ouvido de Bruno.]

LILA
(se recompondo, para Bruno)
Eu sei antes de você, por exemplo, que os signos usados
para escrever e os que organizam as conclusões não são os
mesmos da compreensão.

BRUNO
(sedutor, para Lila)
Lila, quando você profere ‘compreensão’, diminui o
tempo de execução da tua voz, e a palavra vai sendo
repetida em eco enquanto na minha memória são
enquadradas... partes dos nossos corpos se chocando para
mais beijos. Há várias posições, todas... ótimas.

[Rapidamente, o diálogo é abafado pelo som de uma revoada de pássaros,


mas não se sabe de onde vêm. São diferentes variações de espécies e
piruetas pelos ares na projeção. Entra de fundo a música “Nada será como
antes” (Clube da Esquina)
Depois, nuvens e seus desenhos em um céu mais limpo; voos e asas de
novos pássaros estão na tela também. Lila sussurra juntando os lábios ao
ouvido de Bruno.]

LILA
(carinhosa, para Bruno)
Assim até parece que sou uma ordinária te seduzindo...
BRUNO
(para Lila)
Se for assim, sou pior do que você... por aceitar!

LILA
(para Bruno)
Vamos para sua casa.

BRUNO
(para Lila)
Eu chamo o táxi.

[Saem de sua posição para o outro lado do palco, ela puxando ele pelo
braço.]

BRUNO
(no ouvido de Lila)
Isso aqui foi só uma distração.

LILA
(divertida, para Bruno)
É possível acompanhar através de uma leitura labial!

BRUNO
(para Lila)
Caramba, olhando assim em volta não tem táxi nenhum
passando.

LILA
(para Bruno)
Tudo bem, esperamos... Vai ser até engraçado, em casa.
Te sirvo um drinque. Passo o cálice como uma
sacerdotisa. Seria teu rito de iniciação. Sorrimos e
conversamos enquanto você degusta o líquido. Falamos e
falamos besteiras. A solução que haveria no vinho te
deixaria “morto” por 3 dias.
BRUNO
(para Lila)
Vem cá, aquele teu primo ainda trabalha na Polícia?

LILA
(para Bruno)
Acho que sim...

[Mal ela completa o “sim...” e ele já emenda as frases.]

BRUNO
(para Lila)
Você poderia discursar no meu velório. Ia ser bem pesado,
até apareceriam os que gostassem de chorar e rasgar seda.

LILA
(entusiasmada, para Bruno)
Ô!?

[Se divertem ao imaginar como seria isso. Comentam e esbarram entre si


rindo daquilo tudo.]

BRUNO
(para Lila)
Depois, viraria minha curadora ou algo do gênero...

LILA
(para Bruno)
Tá rolando um humor sarcasticozinho ou o quê? Gosta de
saber que vai enganar o mundo, não é?

BRUNO
(para Lila)
Fazemos isso todo dia, já é natural. Além do mais, é por
um bem maior. E eu devo ressuscitar, creio... pela minha
oportunidade.
LILA
(pensativa, para Bruno)
Isso é que assusta.

BRUNO
(rindo, para Lila)
Que nada, é pela melhor oportunidade!

LILA
(para Bruno)
Bruno, vou libertar as coisas que escreveu, soltar a poesia.
Por aí, eu vejo. Se fossem pássaros, teus livros contariam
coisas que muita gente esqueceu. Há muito o que analisar
nas tuas páginas... diretrizes para algumas pequenas curas
dessas cegueiras intelectuais dos dias de hoje, esses teatros.

[Ela pausa a narrativa meio que escolhendo as próximas palavras. Suspira


antes de recomeçar.]

LILA
(séria, para Bruno)
Ou do que perdura de burrice... por isso voltei, e por você.

BRUNO
(pensativo, para Lila)
Só prego as sensações e sentimentos como uma passagem
por aqui nesta vida; vejo o quanto muitas dessas distrações
aparecem para não pensarmos na alma. Isso é o que
importa, nossa alma, o que o espírito simboliza. Nos
enganaram para pensarmos que o corpo era o melhor
nessa existência. E que tivesse atingido geral! Infelizmente
acertaram em alguns termos; eu fui, você também, todos
fomos pegos de certa forma em uma ampla distração. E
agora nos tornamos perfis nas mãos do mundo... isso é
fraqueza. Quando a Poesia me pediu ajuda, utilizou minha
mão, eu apenas deixei. Eu nem vi e já estava nessa. Talvez
fosse minha contribuição.
LILA
(carinhosa, para Bruno)
Tomara que mais gente encontre a sua própria
contribuição, ou missão, como dizem.

BRUNO
(para Lila)
Não sou nada além da transmissão de pensamento.

LILA
(para Bruno)
É sim, eu vejo. Vai fazer com que pensem, refletir ajuda
tanto.

BRUNO
(para Lila)
Questionem-se. Uma vez que seja já é válido.

LILA
(para Bruno)
E você acha que estou satisfeita? Somos feitos de carne e
osso, penso muito no que vai acontecer depois, mas sei
também que devemos ser felizes aqui de uma forma justa.

BRUNO
(para Lila)
Não sendo artificiais. Mas realmente, estamos no mundo,
vamos viver dignamente ao menos.

[Se abraçam e ele passa as mãos pelas costas até chegar ao cabelo dela.]

LILA
(satisfeita, para Bruno)
Que maneiro atear fogo novamente!

BRUNO
(feliz, para Lila)
É...
LILA
(para Bruno)
Faltam mensagens boas, relaxamento, falta empatia,
divertimento.

BRUNO
(para Lila)
Só falta a gente.

LILA
(rindo, para Bruno)
Ihhh, me deixou confusa.

[E se esbalda de rir ela. Fica corada.]

BRUNO
(para Lila)
Calma! Falta sentir que estão vivos, e não manipulados.
Quantos potenciais artistas, cientistas, filósofos, educadores
etc se perderam em trivialidades econômicas e sociais
todos os dias pela pura ganância, violência, babaquices...
essas “paradas”?

LILA
(para Bruno)
Ainda por cima enraizadas em nossos átomos; achamos
que éramos as trivialidades, quando Deus tem um plano
muito maior! Para não falar dos costumes da carne! Ou
não foram vedados por gerações e gerações?

BRUNO
(para Lila)
É uma infecção da mentalidade... Mudando de assunto...
Olha, Lila, queria dizer que... sobre como tudo terminou...
mesmo assim, foi o caminho para chegarmos onde estamo
LILA
(interrompendo, para Bruno)
Eu não ligo. Eu pensei, pensei muito mesmo. Daí um belo
dia sonhei e ali nos reencontramos, era para ser. Não sei se
você lembraria.

BRUNO
(tranquilo, para Lila)
Claro que lembro, fui semana passada.

LILA
(emocionada, para Bruno)
Queria te dizer, te ligar logo no dia seguinte. Mas sei lá...

[Enquanto isso, Bruno acaricia o rosto dela.]

LILA
(para Bruno)
Nesse sonho o nosso destino era outro. Quer ouvir de
novo como foi? Não sei se lembra dos detalhes.

BRUNO
(para Lila)
Claro, né. Adoro premonições. Fico ansioso para ouvir da
sua boca.

LILA
(mais calma, para Bruno)
Olha lá, hein. Vou logo alertando, não foi nada legal.

BRUNO
(para Lila)
Nossa, mas que tão grave poderia ser?

LILA
(para Bruno)
Nós nos perdíamos. Mas que bom que agora ao teu lado
percebo como vai ser diferente.
[Lila dá pausa e revisa sua linha de pensamento, meio que rindo aliviada.]

LILA
(para Bruno)
Calma, não foi premonitório. Soou mais como um alerta.

BRUNO
(para Lila)
Hummm, só quero ver! Mas conta melhor isso aí. Sua
expressão é ainda mais curiosa.

LILA
(para Bruno)
Era assim... Você vai achar engraçado de cara, primeiro.
Estávamos, acho que nesse mesmo parque. Então vinha
um caminhão e pumm, acertava a gente. Sei lá, um
caminhão de coisas, mudanças, deve ser. Talvez uma
representação ou parte de um passado. Mas vendo agora
por outro lado, mesmo que eu virasse meu rosto e um
caminhão fazendo curva realmente nos atingisse...

BRUNO
(risonho, para Lila)
Faria um ruído forte, interrompendo nossa conversa. Uma
cena insólita que congela qualquer ambiente!

LILA
(rindo, para Bruno)
Que disse? Ai, ai. Escuta... sem termos terminado de falar,
seríamos interrompidos pela massa do veículo de
mudanças descontrolando nossas vidas. De uma forma
seca e escrota ficamos os dois atropelados na viela, vítimas
de mais um ser descontente com a própria realidade... que
havia decidido, talvez minutos antes, pôr fim ao seu
desespero causando o maior estrago possível com o
veículo em suas mãos, até se ajeitar na direção do mar e
perecer ele também, deixando sua marca impensada...
tipo, vaga. Que coisa, né! Também achei. Ao fundo da
visão do parque víamos a linha azul do mar. O caminhão
só pararia lá. Ele consegue, esse motorista mudou o curso!

BRUNO
(confiante, para Lila)
Só em sonho mesmo. Eu teria visto antes e te salvado.

LILA
(se divertindo, para Bruno)
Bobo! Eita, mas você achou isso tudo engraçado? Seria é
muito trágico.

BRUNO
(para Lila)
Ainda bem que teu subconsciente percebeu que seria
horrível acabarmos dessa forma.

LILA
(para Bruno)
Pois é, e se fosse agora, logo depois de revermos um ao
outro... que isso!? Um final mais romântico acredito que
suavizaria as ideias de quem lesse sobre nós.

BRUNO
(para Lila)
Mesmo que nos reencontrássemos depois, no além?

LILA
(para Bruno)
Seria o ideal primeiro nos encontrarmos aqui e resolver
aqui o que fizemos, né...

BRUNO
(para Lila)
Aqui! Justo.

[Eles riem juntos e descontraem ainda mais o ambiente. Então logo após
isso, Lila abre seus braços para poder envolver Bruno.]
LILA
(carinhosa, para Bruno)
Vem cá, nada disso vai acontecer. Vamos ficar juntinhos.
Tenho certeza de que não vai ser dessa forma... Pode
deixar.

[Bruno retoma a fala e responde com a boca junto ao corpo dela.]

BRUNO
(para Lila)
Esse sonho foi um medo, quero muito que dê tudo certo
para a gente agora.

LILA
(calma, para Bruno)
É sim, eu também. Não foi para tanto que passamos todo
esse tempo largados! Quando tivemos esse pesadelo nem
éramos os mesmos de hoje. Foi graças a Deus que estamos
aqui mais essa vez!! Foi graças a Ele que vimos a Luz...

BRUNO
(para Lila)
Sim.

[Lentamente a projeção entra com algumas nuvens, ao mesmo tempo que


raios do Sol ofuscam a plateia até a visão ficar totalmente clara.]

LILA
(para Bruno)
Tenho que comentar com você algo que sempre quis
desabar. Que bom que hoje em dia estou mais à vontade
para diz isso... Você sabe, não é a primeira, nem a única
vez que nos encontramos em vida.

BRUNO
(para Lila)
Claro, minha linda, eu também sempre soube. Nunca
entro nesse assunto para que qualquer lembrança a mais
apareça. Vai que mexe em alguma ordem. Não que seja
complicado, mas você sabe...

LILA
(para Bruno)
Pois é, melhor deixarmos assim. Eu imagino o quanto que
vamos resgatar. Melhor deixar quieto.

BRUNO
(olhos brilhando, para Lila)
Melhor. Contudo, algo no Tempo-espaço se ajusta,
ficando a nossa relação mais fácil daqui para frente.

LILA
(chorando, para Bruno)
Amém! Hoje mais do que nunca eu acredito, Bruno. Olha
só meus olhos como se enchem d’água!

BRUNO
(para Lila)
Ficaremos um pelo outro. É nossa vez.

LILA
(enxugando o rosto, para Bruno)
Como se tudo fosse para ser, meu amor!

[E se abraçam longamente no meio do palco. Depois entra pela direita a


Professora seguida de seus alunos, alguns homens e mulheres com crianças
em torno de sete a oito anos, mais ou menos.]

PROFESSORA
(para os alunos e a plateia)
Ainda assim, unidos. O reencontro dos dois reafirma o
que já sabem, e também se deram conta ou não querem
mais esconder: a vida que levavam até aquele momento
era insuficiente, nada justa, e poderia ser muito melhor.
Pretendem então uma troca!
Sabemos que há o lado ruim na vida, não vamos fugir de
encarar esses fatos. O amor, ódio, redenção e a morte são
processor naturais, depurativos, simples, necessários. Lila e
Bruno são os meus pais, eles apenas ainda não sabem; o
Tempo tem formas distintas de se manifestar. Um dia
mesmo eu achei uma frase escrita em um papel que caíra
da bolsa da minha mãe, era esta: “Cada um tem que
realmente ser líder neste planeta...”
Todos temos uma história, um passado, e um futuro; não
é em vão que estamos aqui aprendendo. Vocês vão se
perguntar tantos porquês. Talvez o silêncio dos seus
pensamentos sirva para esclarecer, e que entendam que o
Bem ainda está aí. Vamos refletir.

[Após as falas da Professora, entra a música “Liberdade Espacial” (Casa das


Máquinas), enquanto o cenário da cidade é visto do alto através da projeção.
Bruno e Lila ainda se beijam longamente. Seu afeto é notável!]

PROFESSORA
(para os alunos e a plateia)
Pois bem, vamos voltar!

[A Professora chama todos com gestos. A música é interrompida e outra


projeção aparece. O ambiente era um campo aberto, um céu livre sobre o
descampado e o horizonte. É belo o dia, propício ao aprendizado e às
coisas boas! A Professora olha para eles, e assim com sua cândida voz dita
a seguinte frase, pedindo que todos a repetissem. Enquanto ela fala,
também as crianças repetem em coro.]

PROFESSORA
(para os alunos e a plateia)
“Vês, disse Osíris, uma semente luminosa cair das regiões
da Via Láctea na sétima esfera? São germes de almas.
Vivem como vapores leves na região de Saturno, alegres,
sem preocupações, não sabendo o quanto são felizes. Mas,
caindo de esfera em esfera, revestem invólucros cada vez
mais pesados. Em cada encarnação, adquirem novo
sentido corporal, conforme o meio que habitam. Sua
energia vital aumenta; mas à medida que entram em
corpos espessos, perdem a lembrança de sua origem
celeste. Assim se cumpre a queda das almas que vêm do
Divino Éter. Cada vez mais cativas da matéria, cada vez
mais inebriadas pela vida, elas se precipitam como uma
chuva de fogo, com tremores de volúpia, através das
regiões da Dor, do Amor e da Morte, até sua prisão
terrestre, onde tu mesmo gemes retido pelo centro ígneo
da Terra e onde a vida Divina parece um sonho em vão.”
“Enrijece então tua alma, ó Hermes, e serena teu espírito
escurecido contemplando esses voos longínquos das almas
que sobem as sete esferas e se espalham lá como bandos
de vaga-lumes. Pois também tu podes segui-las; basta
querer para se elevar. Vê como elas enxameiam e
descrevem coros Divinos. Cada uma se põe sob seu gênio
favorito. As mais belas vivem na região solar, as mais
poderosas se elevam a Saturno. Algumas sobrem até o Pai,
entre os poderes, sendo elas mesmas outros poderes. Pois
lá onde tudo termina, tudo começa eternamente; e as sete
esferas dizem juntas: Sabedoria! Amor! Justiça! Beleza!
Esplendor! Ciência! Imortalidade!”*

[Todos os atores ficam contentes após a leitura, eles se abraçam ternamente.


Um fundo azulado composto por um belo céu povoado de nuvens fofas é
projetado no telão; a brisa toca, folhas são levadas pelo vento. Ouvimos
então depois de um curto período uma música doce, “Isopor” (Pato Fu),
enquanto desce finalmente o pano.]

FIM
*Nota do Autor: trecho retirado de “Os Grandes Iniciados/A Visão de
Hermes”, de Édouard Schuré.
Sugestão de músicas pelo autor:

Ato 1: “23h59mim” (Alice), “Sincopada Pt.1” (Instrumental Vox),


“Primavera nos dentes” (Secos & Molhados), “No Norte do Polo Sul”
(Naná Vasconcelos), “Podes crer” (Cidade Negra), “Felicia”, “Sauer Jam”
& “Blu” (íO)
Ato 2: “Nariz De Doze” (Raimundos), “Solidão” (Pholhas)
Ato 3: “Siporsi” (SAEM), “Hot Brunette” (íO)
Ato 4: “O Relógio” (Mutantes)
Ato 5: “O Caminho do Bem” & “Imunização Racional” (Tim Maia)
Ato 6: “Não vem, não tem” (SAEM), “Ratamahatta” (Sepultura)
Ato 7: “À Zíngara” (SAEM), “Namorinho de portão” (Gal Costa), “Preciso
me encontrar” (Cartola), “Nada será como antes” (Clube da Esquina),
“Liberdade Espacial” (Casa das Máquinas), “Isopor” (Pato Fu)
Paulo Vitor Grossi é escritor, músico e roteirista espiritualista, publicou
entre outros títulos o argumento de “Amor, Ódio, Redenção e Morte”, o
roteiro de “Casa de praia” e as adaptações teatrais de “Médicos de corpo e
alma” e “Quando passam os índios” Pela Poesia, lançou “Cura”, “Servidão”,
“A Conferência”. “Cabezada”, “Esencias”, “Maneja” e “El Viajero Loco Ø
§ La May Madre” são suas obras em espanhol. Participou também como
guitarrista e vocalista das bandas Alice, íO, Instrumental Vox, Ummantra e
SAEM.

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Marília Veloso é fotógrafa e editora da página “Pela Harmonia”. Assina


também o blog “À Zíngara” Sem ela não haveria capa alguma!

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