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Dossiê

A problemática do abuso
sexual infantil questiona a
teoria e a prática psicanalíti-
A PROBLEMÁTICA
ca a partir de sua alta
incidência na população
feminina. Propomos uma
DO ABUSO SEXUAL
revisão das contribuições de
Freud e Laplanche com
relação ao tema. O conceito
INFANTIL EM
de realidade é posto à prova
em seus entrecruzamentos
com a ética do analista. PSICANÁLISE:
Abuso sexual infantil;
trauma; constituição
subjetiva O SILÊNCIO DAS
THE PROBLEM OF
MULHERES
ÍNFANTLE SEXUAL ABUSE
IN PSYCHOANALYSIS:
WOMEN'S SILENCE
The problem of infantile B e t t i n a C a l vi
sexual abuse, through its
high incidence on the femi-
nine population, interro-
gate the psychoanalytic
J VJ\ ste artigo é inaugurado com uma pergunta:
theory as well as its prac-
tice. A revision of Freud sedução precoce infantil ou abuso sexual infantil em psi-
and J. Laplanche's contri- canálise? Pergunta que se situa em um aspecto impor-
butions to this topic is set tante da problemática escolhida. Há algum tempo, ao
forth. The concept of reality escutar pacientes adultas reconstruir cenas nas quais
is tested in its interlinking
relation with the analysts foram vítimas de abuso infantil, surpreende-me a fre-
ethics. qüência com que tais situações aparecem na história das
Infantile sexual abuse; mulheres.
trauma; subjective Freud em 1896 já se perguntava sobre isso. Esta ques-
constitution
tão sofreu várias vicissitudes que remetem ao avanço da
teoria; e atravessa a psicanálise desde então. É preocupan-
te que esta pergunta não se mantenha como tal para os
analistas. Parece que muitos deles e delas tomaram como
premissa o "não acreditar em suas neuróticas". Apesar dis-
so, torna-se imprescindível perguntar-nos como se inscre-
vem estes fatos na constituição da subjetividade feminina.
A hipótese proposta neste trabalho seria que a ex-
periência de uma sedução real da criança por parte de

• Psicanalista, professora da Universidad Nacional de


Rosário, Argentina, membro da Fundacion Estúdios
Clinicos en Psicoanálisis - Arg.
• • Tradução: Daniela Teperman
um adulto lesa traumaticamente o psiquismo em constituição, pro-
vocando efeitos que, a partir do trabalho analítico, podem ser dire-
cionados a fim de diminuir o sofrimento concomitante. Os efeitos
acima mencionados tomarão diferentes formas, entrelaçando-se na
história de quem os padece e em todos aqueles aspectos que
dizem respeito a sua constituição subjetiva. De nenhuma maneira
pode ser abolida a singularidade que constitui a pedra fundamen-
tal da clínica psicanalítica.
O conceito de trauma refere-se a um acontecimento da vida
do sujeito caracterizado por sua intensidade, pela incapacidade do
sujeito de responder a ele adequadamente e o transtorno e os efei-
tos patogênicos duradouros que provoca na organização psíquica.
Em termos econômicos, o trauma caracteriza-se por um afluxo
excessivo de excitações, em relação à tolerância do sujeito e a sua
capacidade de controlar e elaborar psiquicamente tais excitações.
É provável que este texto conspire contra si mesmo ao invadir
uma problemática que diz respeito ao próprio corpo da psicanálise.
Grandes teóricos levantaram diferentes bandeiras ao redor desta
problemática. Como permitir-me sulcar suas bordas? Talvez porque
o desejo do analista não seja cauteloso ao pensar e construir algu-
ma borda quando se trata do sofrimento de seus pacientes.
Quatro mulheres, que até então não pareciam se unir, ligam-
se rapidamente. Todas elas reconstruíram, reculperaram (o lapso
fala da culpa imensa que todas elas suportaram e com a qual re-
construíram as experiências em diferentes momentos de sua aná-
lise) episódios infantis nos quais a sedução da menina por um
adulto deixou suas marcas.
Ao escrever, descobrimos que a maravilha do texto é, justa-
mente, a disseminação daquela que é vítima em seu próprio corpo;
assim faz-se presente. Derrida (1980) propõe que a disseminação é
algo que deixou de pertencer ao regime de significado, excedendo
não apenas a multiplicidade de significados, mas também o próprio
significado. Ele procura ler o significado da disseminação no texto,
na escrita; uma vez que ela não pode ser dominada pelo campo
semântico nem tampouco pelo temático.
Talvez por esse motivo, neste texto embaralham-se a teoria, a
clínica e a escrita, numa confusão que não deixa de preocupar a
autora.
Para situar historicamente a problemática dentro da psicanálise:
em 1896, em "La herencia y la etiología de las neurosis", Freud
propõe como causa específica da histeria "uma experiência sexual
passiva antes da puberdade" (p.142). Em setembro de 1897, escreve
na Carta 69: "Já não acredito mais na minha neurótica" (p.301).
Em outubro do mesmo ano, fala de eventos universais da
infância referindo-se a Édipo e a Hamlet, e situa a base da neurose
na fantasia inconsciente. Em 1916, na Conferência 23, Freud cita
como um dos acontecimentos presentes na vida dos neuróticos "a
sedução por uma pessoa adulta dizendo que seria um erro supor
que nunca lhe corresponde uma reali- Não há dúvidas de que essas osci-
dade material; mais ainda, que muitas lações de Freud têm a ver com movi-
vezes esta está comprovada" (p.332). mentos internos da teoria que estava
Afirma que, com a fantasia de sedução construindo. Mas como lemos hoje - os
quando esta não ocorreu de fato, a cri- analistas e as analistas - esta proble-
ança encobre o período auto-erótico de mática? Pode-se intervir do mesmo mo-
seu trabalho sexual. Os casos que não do no caso em que a sedução ocorreu
pertenciam à fantasia teriam ocorrido efetivamente sobre a criança e naquele
em épocas mais tardias, mas eram atri- em que se trata de uma fantasia?
buídos a uma época anterior. Afirma Freud abandona a teoria da
que o resultado é o mesmo em ambos sedução quando descobre que as cenas
os casos, e geralmente são estabeleci- de sedução são algumas vezes o produ-
das relações de complementaridade en- to de reconstruções fantasmáticas, des-
tre realidade e fantasia. coberta que ocorre paralelamente ao
Em 1923, em "Dos artículos de desvelamento progressivo da sexuali-
enciclopédia: psicoanálisis y teoria de la dade infantil. De qualquer forma, Freud
libido", Freud avalia que "foi um erro não deixou de acreditar na existência,
superestimar a sedução como fonte das freqüência e valor patogênico das cenas
manifestações sexuais infantis e gérmen de sedução efetivamente vivenciadas
da formação de sintomas neuróticos; pelas crianças. Mas também afirma que
erro que é superado ao conhecer a im- a sedução ocorre freqüentemente em
portância da atividade fantasística na vi- um período tardio, sendo uma outra
da anímica; a qual considera, para a criança o sedutor. Mais adiante, a se-
neurose, mais decisiva que a realidade dução é atribuída a um fantasma retroa-
exterior" (p.128). tivo, a um período precoce e imputada
Em 1925, em seu texto "Presenta- a um personagem parental.
ción autobiográfica", Freud volta a men- Laplanche, em seu artigo "De la
cionar como erro sua crença na repro- teoria de la seducción restringida a la
dução, por parte de seus pacientes, de teoria de la seducción generalizada",
cenas de sedução sexual por um adul- trata de como se conjugam dois ele-
to. Em 1931, em seu artigo sobre a se- mentos: a realidade efetiva de uma se-
xualidade feminina, afirma que "o influ- dução e a teoria da sedução.
xo que o cuidado do corpo exerce so- Designa como sedução infantil os
bre o despertar sexual é testemunhado fatos de sedução abordados por Freud;
pela freqüente fantasia na qual a mãe são cenas que podem ser reconstruídas
ou a ama é a sedutora". Também afirma na análise. Retomando o conceito de
que "a sedução real é muito freqüente trauma, trata de designar um caráter es-
por parte de outras crianças ou de pes- sencial que possibilitaria a passagem da
soas encarregadas de cuidar da cri- teoria da sedução, tal como foi propos-
ança". Dirá que "toda vez que ocorre ta até 1897, com as reinscrições pos-
uma sedução, freqüentemente deixa co- síveis a partir das reformulações pro-
mo seqüela vastas e duradouras conse- duzidas depois de 1920. Se o adulto é o
qüências" (p.38). partenaire responsável pela sedução, o
Notemos que, no último fragmento caráter essencial próprio da cena será
citado, Freud diferencia o influxo que os dado pela essência da própria sedução:
primeiros cuidados do corpo exercem a passividade da criança diante do adul-
sobre o despertar sexual, da sedução real, to. A passividade essencial da criança,
da qual pode encarregar-se um adulto. confrontada à sexualidade adulta, deve
ser reinscrita em função do encadea- tações que a menina apresenta sobre as
mento e da sucessão de cenas sexuais. mulheres e seu destino, as represen-
A psicanálise guarda como aquisição o tações da analista diante do abuso in-
aspecto temporal desta teoria: aprés- fantil, a ética da analista, o discurso da
coup o traumatismo em dois tempos. instituição psicanalítica representada
Postula que nada se inscreve no incons- pela supervisão e as teorias sexuais in-
ciente humano senão na relação de ao fantis questionadas pela intrusão de um
menos dois acontecimentos, separados adulto perverso e seus efeitos sobre o
no tempo por um momento de mutação psiquismo infantil.
que permite ao sujeito reagir de outro Devido à gravidade da questão
modo à primeira experiência. Constitui para o psiquismo em constituição, a
assim um autotraumatismo capaz de intervenção que o analista ou a analista
inaugurar a possibilidade de sair da realize será de importância crucial.
oposição entre fatores exógenos e en- Agora, o analista ou a analista estará
dógenos; a partir disso, tudo é exógeno por sua vez atravessada por sua própria
e tudo é endógeno. subjetividade enlaçada com a teoria psi-
Afirmação forte, em relação à qual canalítica, que apresenta a esse respeito
cabe a pergunta: trata-se da mesma os movimentos - que mostrei no per-
coisa? curso histórico - pelas representações
Às quatro pacientes que inspira- que a partir do social o impregnam ou
ram este artigo, acrescenta-se, de repen- a impregnam e pelas representações
te, uma criança. Trata-se de uma pe- que a instituição analítica sustenta a
quena paciente de 4 anos, atendida já respeito. Conforme observamos no
há bastante tempo, na ocasião em que fragmento, parece que, para a institui-
se comprovou que foi vítima de abuso ção psicanalítica, representada pela
por parte de seu padrasto. A teoria que supervisão, o abuso passa a segundo
ela construiu em torno do que ocorreu plano, e essa menina poderia ser escu-
era a seguinte: "Podem fazer qualquer tada como outra que não tivesse passa-
coisa com as mulheres, porque não po- do por esta experiência.
dem se defender, porque não têm pipi". Experiência que a partir deste arti-
A analista intervém marcando que as go é designada como traumática; e que
mulheres também podem se defender, fica inscrita na forma de um pictograma.
ainda que não tenham pipi; e além Para a analista, o impacto que a
disso, se for necessário, podem pedir violência sobre a menina - cujo corpo é
ajuda. Quando este material foi levado usado para a satisfação sexual de um
para supervisão, surgiu a idéia de que adulto - provoca sobre sua subjetivi-
essa intervenção obturou a produção da dade de mulher, mobilizará suas repre-
paciente, que poderia ter expressado sentações sobre as mulheres, sobre a
do que sentia que as mulheres tinham sexualidade infantil, e isso marcará suas
de se defender, e continuar assim com intervenções, que deverão ser discrimi-
a cadeia associativa. A primeira pergun- nadas daquelas que, a partir de outros
ta seria: a analista pode perguntar, a discursos, se dirigirão para a menina,
uma menina abusada sexualmente du- numa avalanche de "boas intenções"
rante um ano, do que as mulheres têm que podem ser traduzidas em tentativas
de se defender, quando até mesmo sua de apagar o ocorrido para não provocar
própria mãe silenciou o fato? Neste bre- maior angústia.
ve fragmento clínico há um entrecruza- Agora, estas quatro mulheres e a
mento de várias questões: as represen- menina encontram-se? Onde? Em que
ponto do texto? Ou devo perguntar em Cinco anos depois, a paciente
que lugar do texto encontram-se estas menina, já púbere, volta a procurar-me
seis mulheres? Pois trata-se de quatro apresentando uma sintomatologia varia-
pacientes adultas, uma paciente criança da, em que se destacam uma empobre-
e a analista. Se encontram-se na sexuali- cida imagem de si mesma, um corpo
dade feminina, todas elas ficam envolvi- que sente como desagradável e que
das. Corpo das mulheres. Corpo que se deve ser escondido, uma inibição cog-
inscreve no discurso psicanalítico. nitiva, o sentimento generalizado de
Bleichmar (1994.) propõe (desde que sua palavra não tem valor, e um
um lugar polêmico para a teoria, já que fundo depressivo importante. Desta vez
questiona pontos nodais do corpus a analista, menos temerosa, está dispos-
teórico psicanalítico a partir das teorias ta a reconstruir, a suportar o peso da
do gênero) que "o campo do olhar - recordação do abuso infantil que ocor-
olhar ser olhada - é o terreno mais fre- reu de fato, e seus efeitos, autorizando-
qüente de experiência da sedução se a trabalhá-lo sem sentir que está
infantil pai(adulto)-menina. Será no traindo os preceitos da teoria. Assim é
corpo da menina-futura mulher que que a menina pode recuperar, traba-
pousará o olhar sedutor do adulto ho- lhosamente, sua história, que tinha
mem. Olhar sexual que inaugura um sucumbido junto com a recordação dos
espaço intersubjetivo silencioso e secre- episódios vivenciados. As dificuldades
to, na medida em que é apenas isso: escolares começam a diminuir, e
olhar. Isso implanta na subjetividade da começam a ocorrer, ainda que lenta-
menina uma codificação de seu corpo mente, vínculos com seus pares, que
que a acompanhará daqui em diante: eram quase inexistentes.
seu caráter provocador. A menina, co- Este texto, sulcado por perguntas,
mo toda mulher, como o mito de Eva o associações, construções, apresenta-se
expressa e o multiplica, "é provocadora como um enigma, que também provo-
e culpada por possuir um corpo que ca. Assim como enigmáticos e provoca-
atrai o olhar. É este caráter provocador tivos são os significantes postos em
em que a provocação consiste não na jogo: sexualidade, corpo, mulheres, me-
intencionalidade do ato, mas na posse ninas, ética, psicanálise. Mas trata-se de
de um atributo, o que caracteriza a es- provocar a palavra, com a qual pode-se
pecificidade da condição traumática da concordar ou não, aceitar, recusar,
construção do significado sexual na divergir, questão absolutamente diferen-
menina; pois, ainda que se trate de uma te da imposição de um ato violento
experiência inicialmente passiva, a diante do qual a subjetividade fica abo-
mente infantil confronta-se com ela co- lida, e não há possibilidade de recusa;
mo um ato (de caráter ativo). Desta ma- ainda mais quando quem o exerce é um
neira o adulto homem contribui para a adulto - representante do poder e por-
implantação intrusiva na subjetividade tador de normas que dizem respeito à
feminina de um corpo estranho interno, cultura - e a vítima é uma menina.
de um significado sexual do corpo fe- Como fica inscrita a sedução se-
minino que tem como efeito subjetivo xual infantil por um adulto na cons-
um amálgama responsável por manifes- trução de um passado? Piera Aulagnier
tações habituais nas meninas, tais como (1991) afirma que na adolescência
Freud o descreve no caso Emma: A má deve-se realizar um trabalho nodal: o
consciência oprimente'. Trata-se então acesso a uma ordem temporal, que pre-
da posse de um corpo provocador". serva o sujeito desta confusão de tempo
própria da psicose. Isto só é possível se versação da função do adulto que,
o eu, no curso mesmo de sua infância, longe de sustentar e cuidar, torna-se
constituiu esse fundo de memória no persecutório e perigoso?
qual são preservados certos elementos, Devemos levar em conta o concei-
momentos, marcos de sua própria to de desmentido ou denegação, como
história libidinal. Mas este fundo de mecanismo de defesa consistente no
memória deverá depender desse capital qual o sujeito recusa-se a reconhecer a
fantasmático do qual o eu deve dispor realidade de uma percepção traumati-
livremente a fim de que seu acervo de zante. Mas, se este mecanismo é muito
recordações fique dotado desse poder utilizado, o psiquismo é danificado. No
emocional sem o qual todo novo caso do abuso sexual, a vítima, aqueles
encontro será desprovido de todo po- que presenciam o abuso e aqueles que
der de gozo e sofrimento. Logo, como escutam e não acreditam naquele que o
funcionará isso quando o desmentido denuncia recorrem ao desmentido. Di-
tiver perfurado com lentidão e per- ferentemente do que ocorre na repres-
sistência o eu em constituição? (Au- são, no desmentido, a percepção dada
lagnier, 1991). por inexistente provém da realidade
Nos quatro casos de pacientes externa: algo que existe não existe.
adultas, ao conseguirmos reconstruir e Logo, o próprio eu fica danificado, uma
trabalhar esses episódios silenciados vez que é atacada sua capacidade de
por tanto tempo, produziram-se impor- reconhecer uma percepção, de aceitar
tantes movimentos em seu posiciona- algo como existente, de discriminar co-
mento subjetivo; movimentos concer- mo própria uma sensação corporal.
nentes ao sentimento de si e às relações Todo acontecimento real implica
objetais. Piera Aulagnier (1991) propõe uma tradução e inscrição psíquica. O
um conceito ao qual dá importância desejo dos pais articula-se inconsciente-
fundamental na compreensão da meta- mente com os valores dominantes, mo-
psicologia psicanalítica, o conceito de delados no supereu; a família é medi-
modificação. A reação do aparelho adora dos valores dominantes e os
psíquico ao que surge, muda, desapa- reproduz através do inconsciente de
rece da cena da realidade, e sobre sua seus integrantes.
própria cena somática, é o organizador Muitos formularão a pergunta fun-
dos mecanismos aos quais este mesmo damental: isso ocorreu de fato? A reali-
aparelho recorre para, dependendo do dade psíquica dará conta de como se
caso, aceitar, negociar, desmentir este inscreveram os fatos na singularidade
movimento que contribui com uma da fantasmática subjetiva. Isso não é a
parte de imprevisto e desconhecido. mesma coisa que pôr em dúvida que
O valor desse conceito é confir- estes fatos tenham efetivamente ocorri-
mado pela análise da relação de inter- do. Aqui está o dilema; pedra funda-
dependência presente entre o modi- mental da psicanálise, etiologia das
ficável e o não modificável no registro neuroses, ética do analista e outras
relacionai e no registro identificatório. questões medulares da psicanálise en-
Essas idéias permitem-nos pensar tram em jogo.
nas modificações que são produzidas Nos cinco casos mencionados, a
na subjetividade em seguida da análise reconstrução dolorosa, infestada de me-
destas vivências. Como se inscrevem do, recomposta através da recordação
nessas meninas o silêncio no qual tive- de sensações, mostra o substrato real de
ram que guardar esses fatos e a tergi- uma versão que não foi construída
conscientemente. Substrato que elas se coisa. Uma dessas mulheres relata que
empenharam em esquecer durante sua filha púbere pôde lhe contar como
muito tempo. Silêncio das mulheres; se defendeu de um homem, que,
não necessariamente silêncio das his- enquanto lhe vendia guloseimas, quis
téricas. apalpá-la. Uma menina que pode se
Percorrendo alguns conceitos para defender, que não fica situada como
tratar de pensar nelas: Horstein (1998), vítima da violência de um adulto per-
em seu artigo "Hacia una clínica dei verso. Uma menina que pode denunciar
narcisismo", propõe que, ao considerar esta situação a sua mãe. Uma mãe que
o narcisismo como uma etapa na his- pode escutar, e acreditar em sua filha.
tória libidinal da constituição do eu e as Um fato que não é silenciado, uma
relações com os objetos, suas pertur- transgressão que não é ratificada a par-
bações assumem duas modalidades: no tir do mundo dos adultos. Uma história
narcisismo expansivo, uma série con- que não se repete.
tínua de relações de objeto cumprem a Outra dessas mulheres diz que já
função narcísica de compensar a fragili- não estabelece relações com parceiros
dade do sentimento de si; no outro que a machucam de alguma maneira;
caso, a defesa é contra o perigo de pergunta-se como pôde chegar a pôr
fusão-confusão. Neste narcisismo retraí- em perigo até mesmo sua vida nessas
do predomina a distância com o objeto relações; ocupando um lugar de sub-
e a negação de toda dependência. missão diante de um outro que anulava
Afirma que a oposição entre estrutura e sua subjetividade. Ao terminar sua
acontecimento não pode ser absoluta, análise, deixa um bilhete para a analis-
uma vez que uma flutuação menor ta: "Obrigada, por ajudar-me a reorde-
desempenha um papel essencial na nar, com as mesmas partes, outra figu-
constituição da estrutura e em sua trans- ra". Uma mulher que, ao reconstruir seu
formação. A repressão originária, a pas- passado em seus momentos mais dolo-
sagem do eu do prazer ao eu da reali- rosos, recupera sua capacidade de pro-
dade, o sepultamento do Complexo de duzir, até mesmo de escrever, apesar de
Édipo, a metamorfose da puberdade e ter sido diagnosticada como disléxica
todo luto que produz uma recomposi- desde a infância. Seu enunciado recor-
ção, não serão processos de auto-orga- da a proposta de Ricardo Rodulfo: pen-
nização? sar a reconstrução do mito familiar na
Em seguida, entendemos que se forma de um collage no qual não existe
pergunte se poderíamos considerar a uma forma única de montagem, mas
experiência atual um processo de auto- uma multiplicidade de composições sin-
organização. Agora, proponho que o gulares (Rodulfo & Rodulfo, 1986).
fato de encontrar um outro, neste caso, Poderíamos pensar que a recons-
a analista, que cria na palavra do sujeito trução, a recordação e a elaboração
sem desconsiderá-la, inscrevendo deste desses fatos na análise provocaram re-
modo que não ratifica um ato proibido composições que permitiram a essas
pelas leis da cultura, tem a força de um mulheres modificarem seu posiciona-
ato analítico. Ao ocorrer a reconstrução mento subjetivo ao deter a compulsão à
no espaço transicional da análise, per- repetição à qual estavam submetidas.
mite-se uma nova volta à subjetividade; Os efeitos sobre o psiquismo em cons-
novo posicionamento, reordenamento, tituição dependeram em cada caso do
que se embaralha com as produções da trabalho subjetivo em que cada uma se
fantasia inconsciente, sem ser a mesma encontrava, ao ocorrer o fato. Cabe
destacar que se tratava de meninas, e, REFERÊNCIAS
portanto, falamos de um psiquismo em BIBLIOGRÁFICAS
constituição; constituição que atravessa
momentos diferentes com trabalhos que Aulagnier, P. (199D- Construirse un pasado.
são próprios a cada um deles. Acredito Revista de Psicoanãlisis APDEBA. Vol. XIII,
que em todos os casos o abuso infantil n° 3.
revestiu-se de caráter traumático, que Bleichmar, D. E. (1994). La nina y la constitu-
desencadeou seus efeitos pela compul- ción de la sexualidad femenina. Revista
Zona Erógena, n° 20.
são à repetição; entendendo esta como
Derrida, J . (1980). La diseminación. Barcelo-
o processo de origem inconsciente em
na: Espiral.
virtude do qual o sujeito situa-se ativa- Freud, S. (1896). La herencia y la etiología de
mente em situações penosas, repetindo la neurosis (vol 3, p.139-156). Obras com-
assim experiências antigas, sem recor- pletas. Buenos Aires: Amorrortu, 1976 a.
dar a experiência original, mas, pelo (1897). Carta 69. In Fragmentos de la
contrário, com a impressão muito viva correspondência con Fliess. Obras comple-
de que se trata de algo plenamente tas (vol 1, p. 301-302). Buenos Aires: Amor-
motivado pelo momento atual. rortu, 1976 b.
(1916). Conferência 23. In Conferên-
Mais que concordar ou não com o
cias de introducción al psicoanálisis (vol 15,
que as hipóteses aqui propostas provo- p. 326-343). Obras completas. Buenos Aires:
cam, é importante destacar que, como Amorrortu, 1976 c.
analista, o trabalho sobre esta proble- (1925). Dos artículos de enciclopé-
mática reinscreveu para mim uma velha dia: psicoanálisis y teoria de la libido. Obras
aposta: a de aliviar o sofrimento do completas (vol 18, p.227-230). Buenos Aires:
paciente por meio da psicanálise, que Amorrortu, 1976 d.
acredito ser a teoria mais completa para (1925). Presentación autobiográfica.
dar conta do psiquismo humano. • Obras completas (vol 20, p. 1-70). Buenos
Aires: Amorrortu, 1976e.
(1931). Sobre la sexualidad femeni-
P. S.: Meu mais profundo agradeci-
na. Obras completas (vol 21. p. 223-244).
mento a meus pacientes que confiaram Buenos Aires: Amorrortu, 1976f.
em mim para internar-se na mágica e Horstein, L. (1998). Hacia una clínica dei nar-
difícil aventura de escutar e recuperar cisismo. Artigo inédito.
suas palavras e sua história. Laplanche, J. (1988). De la teoria de la seduc-
ción restringida a la seducción generaliza-
da. Revista Trabajo dei Psicoanálisis. Vol.
3, n° 9.
Rodulfo, R. & Rodulfo, M. (1986) Clínica psi-
coanalítica con ninos y adolescentes.
Buenos Aires: Ediciones Lugar.

Recebido em 0 3 / 9 9

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