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Plano de Ensino
Caderno de Referência de Conteúdo
Caderno de Atividades e Interatividades
© Ação Educacional Clareana, 2010 – Batatais (SP)
Trabalho realizado pelo Centro Universitário Clareano de Batatais (SP)
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução, a transmissão total ou parcial por qualquer
forma e/ou qualquer meio (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação e distribuição na
web), ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do
autor e da Ação Educacional Claretiana.
PLANO DE ENSINO
1 APRESENTAÇÃO.................................................................................................. 7
2 DADOS GERAIS DA DISCIPLINA........................................................................... 9
3 CONSIDERAÇÕES GERAIS ................................................................................... 11
4 BIBLIOGRAFIA BÁSICA ........................................................................................ 13
5 BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ........................................................................ 13
1
PE
1. APRESENTAÇÃO
Seja bem-vindo(a)! Você está iniciando o estudo da disci-
plina que enfoca a Carta aos Hebreus e as chamadas Cartas Ca-
tólicas. Elas compõem, junto a outros escritos, o cânon do Novo
Testamento. Esta matéria faz parte do curso de Bacharelado em
Teologia oferecido na modalidade EAD do Claretiano.
O cristianismo desenvolveu-se, gradativamente, após o
Evento Jesus Cristo. Por Evento Jesus Cristo, entende-se a presen-
ça histórica de Jesus Cristo na Palestina, desde o início de sua pre-
gação, na Galiléia, até os últimos acontecimentos em Jerusalém,
conforme relatados nos Evangelhos Canônicos. As marcas de sua
presença ficaram muito vivas em seus discípulos.
Esses discípulos foram, aos poucos, difundido a mensagem
de sua vida e de seus ensinamentos. Esse conjunto de mensagens
e de ensinamentos, aliado às memórias diversas de sua presen-
ça, palavra e ação, eles chamaram Evangelho. Nos primeiros anos
8 © Cartas aos Hebreus e Católicas
Objetivo geral
Os alunos da disciplina Carta aos Hebreus e Católicas na
modalidade EAD do Claretiano, dado o Sistema Gerenciador de
Aprendizagem e suas respectivas ferramentas, terão condições de
compreender o momento histórico em que esses escritos surgem,
a situação eclesial que os gera e sua importância no cânon do Novo
Testamento.
Os alunos serão informados dos problemas relevantes para
a compreensão de cada escrito em particular e direcionados, se-
gundo seus interesses, para estudos mais específicos sobre pon-
tos controversos. Serão estimulados a ler todos os textos e acom-
panhados, nessa leitura, com oportunas e breves introduções às
diversas partes menores dos textos. Poderão sentir o desenvol-
vimento dos argumentos e a sua importância no quadro do cris-
tianismo nascente, bem como suas dificuldades de aceitação, de
estabelecimento e adaptação.
Com esse intuito, os alunos contarão com recursos técnico-
pedagógicos facilitadores de aprendizagem − como material didá-
tico, bibliotecas físicas e virtuais e ambiente virtual −, e acompa-
nhamento do tutor, complementado por debates no Fórum e por
troca de mensagens na Lista.
Ao final desta disciplina, de acordo com a proposta orienta-
da pelo tutor, os alunos terão condições de interagir com opiniões
diversas e diversificadas a respeito do tempo cronológico aborda-
do, do momento cultural e político de então e dos textos em ques-
tão.
Modalidade
( ) Presencial ( X ) A distância
3. CONSIDERAÇÕES GERAIS
A Carta aos Hebreus e as Cartas Católicas não são textos
muito consultados na vida cristã e até nos estudos teológicos. A
riqueza do epistolário paulino e as cores e imagens dos evangelhos
canônicos obscurecem o brilho das obras literárias aqui analisa-
das.
12 © Cartas aos Hebreus e Católicas
4. BIBLIOGRAFIA BÁSICA
5. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
DUSSAUT, L. A epístola aos hebreus. In: COTHENET, E. et al. Os escritos de São João e a
epístola aos Hebreus. Tradução de M. Cecília de M. Duprat. São Paulo: Paulinas, 1988.
(Coleção: Biblioteca de Ciências Bíblicas).
LE FORT, P. As epístolas. In: ______. Os escritos de São João e a epístola aos Hebreus.
Tradução de M. Cecília de M. Duprat. São Paulo: Paulinas, 1988. (Coleção: Biblioteca de
Ciências Bíblicas)
SCHLOSSER, J. A primeira epístola de Pedro. In: MARGUERAT, D. (Org). Novo Testamento:
história, escritura e teologia. Tradução de Margarida Oliva. São Paulo: Loyola, 2009.
______. A segunda epístola de Pedro. In: ______. Novo Testamento: história, escritura e
teologia. Tradução de Margarida Oliva. São Paulo: Loyola, 2009.
______. A epístola de Judas. In: ______. Novo Testamento: história, escritura e teologia.
Tradução de Margarida Oliva. São Paulo: Loyola, 2009.
TRIMAILLE, M. As epístolas católicas. In: CARREZ, M. et al. As cartas de Paulo, Tiago, Pedro
e Judas. Tradução de Benôni Lemos. São Paulo: Paulinas, 1987. (Coleção: Biblioteca de
14 © Cartas aos Hebreus e Católicas
Ciências Bíblicas)
TUÑI, J. O. As cartas de João. In: TUÑI, J. O.; ALEGRE, X. Escritos Joaninos e cartas católicas.
Tradução de Alceu Luis Orso. São Paulo: Ave Maria, 1999. (Coleção: Introdução ao Estudo
da Bíblia, 8)
TUÑI, J. O.; ALEGRE, X. Cartas católicas. In: ______. Escritos joaninos e cartas católicas.
Tradução de Alceu Luis Orso. São Paulo: Ave Maria, 1999. (Coleção: Introdução ao Estudo
da Bíblia, 8)
VOUGA, F. A epístola aos Hebreus. In: MARGUERAT, D. (Org.). Novo Testamento: História,
Escritura e Teologia. Tradução de Margarida Oliva. São Paulo: Loyola, 2009.
______. A epístola de Tiago. In: ______. Novo Testamento: história, escritura e teologia.
Tradução de Margarida Oliva. São Paulo: Loyola, 2009.
______. A carta de Tiago. Tradução de Marcos Bagno. São Paulo: Loyola, 1996. (Coleção
Bíblica Loyola, 7a)
ZUMSTEIN, J. As epístolas de João. In: MARGUERAT, D. (Org). Novo Testamento: história,
escritura e teologia. Tradução Margarida Oliva. São Paulo: Loyola, 2009.
CRC
1. INTRODUÇÃO
O Novo Testamento é parte constitutiva dos escritos identi-
ficados como “sagrados”, isto é, aqueles que remetem a um am-
biente relacionado com o divino ou que dão a conhecer o que está
relacionado ao divino, ou seja, ao “sacro”. Ele é parte do conjunto
chamado “Sagrada Escritura” ou “Bíblia” − o conjunto de livros que
são reunidos e classificados em do Antigo e do Novo Testamento.
O Antigo Testamento é o conjunto de textos, de épocas di-
ferentes e circunstâncias específicas que retratam, em linguagem
teológica e em formas literárias diversas, a experiência religiosa do
Povo de Israel, desde os seus primórdios até À proximidade da era
cristã. Já o Novo Testamento é a experiência dos discípulos de Je-
sus Cristo expressa, sempre, em conceitos teológicos com formas
literárias também diversas.
A Igreja Católica afirma, na Constituição Dogmática Dei Ver-
bum (“Palavra de Deus”, em latim) a respeito da importância de
Jesus Cristo como centro da Revelação bíblica:
16 © Cartas aos Hebreus e Católicas
palavra hebraica que foi traduzida para o grego como Cristo e que
significa “ungido”, “escolhido”. O grupo dos discípulos, aliás, era
ainda minoria absoluta no judaísmo, mas, aos poucos, ia se impon-
do e fazendo notar sua opção.
O livro Atos dos Apóstolos tenta ser uma testemunha desse
tempo e desses personagens. Ele foi escrito muito tempo depois
dos fatos que apresenta. Dessa forma, já é uma interpretação dos
mesmos fatos e das suas consequências. Apresenta-se como uma
sequência de testemunhos feitos pelos apóstolos e discípulos de
Jesus em contato com o mundo judaico e com os pagãos.
Os apóstolos passaram a ter seguidores, imitadores, e os
grupos por eles formados vão caminhando, à luz de Jesus Cristo,
com base na experiência de alguém que o conheceu e com Ele
conviveu de alguma forma. Um apóstolo ou um discípulo ou, até
mesmo, um conjunto de discípulos mantém a unidade dos segui-
dores de Jesus. Os instrui, anima, explica e tenta manter e formar
um estilo de crer, de ser.
Nesse processo, há sempre a referência às Escrituras judai-
cas. O grupo de discípulos que, aos poucos, se amplia é ainda um
grupo fundamentalmente judaico. Eles veem em Jesus o cumpri-
mento das profecias e o sentido da esperança de uma nova Israel.
Nesse sentido, é significativa a questão levantada por eles
em Atos (1,6): “Estando, pois, reunidos, eles assim o interrogaram:
‘Senhor, é agora o tempo em que irás restaurar a realeza em Isra-
el?’”.
A ideia do grupo, que Atos testemunha por escrito, é de uma
Israel renovada, com uma realeza que, estabelecida sobre as tribos
e em meio às nações, vivencia a plenitude das promessas feitas
aos pais.
O texto Atos dos Apóstolos, escrito após os Sinóticos e muito
tempo depois das cartas paulinas, é um testemunho teológico do
tempo apostólico. Houve, necessariamente, uma elaboração his-
20 © Cartas aos Hebreus e Católicas
lugares, o judaísmo não via com bons olhos essa nova corrente de
pensamento, essa “seita” chamada de cristianismo.
Em contrapartida, muitos grupos judaicos simpatizavam com
o Evangelho e desejavam fazer uma síntese. Aliás, não devemos
pensar que isto fosse um problema claro para os que o viviam. A
questão não era, como dissemos, puramente conceitual. Era uma
questão de prática: como ser judeu e seguir novas determinações,
frutos do seguimento de um judeu inspirado − Jesus − que foi sen-
tenciado em Jerusalém pelo poder romano e que era seguido por
muitos, de diversas orientações e tendências? Haveria conflito?
Seria possível ser cristão e seguir a Torá, a lei dos judeus?
Vemos as respostas a estas e a outras questões aparecendo
nas Cartas Católicas e na Carta aos Hebreus. Não são respostas
acadêmicas, teóricas, mas, sim, práticas. Talvez, na Carta aos He-
breus, as soluções, feitas em forma de propostas, são as mais cla-
ras e com maior nível de elaboração teológica. Mas, no geral, são
respostas e propostas nascidas da experiência concreta.
A leitura dessas cartas vai formar novos quadros conceituais,
novas impressões e, até mesmo, surpresas. É mais comum servir-
se do Corpus Paulinum para o conhecimento da proposta cristã. A
Carta aos Hebreus e as Cartas Católicas apresentam argumentos
interessantes e nos farão compreender ou, pelo menos, intuir a
complexidade do cristianismo original, do qual somos hoje herdei-
ros. A leitura desses textos é muito interessante, embora alguns
trechos e até obras inteiras possam nos surpreender, pois é muito
diferente do que se lê no Novo Testamento.
Pensemos aqui na visão de adesão ao Mistério de Jesus e no
resultado disto na visão da Carta de Tiago. Parece muito diferen-
te do que lemos no Corpus Paulinum, especialmente na Carta aos
Romanos. Pensemos, também, na Segunda Carta de Pedro, que é
completamente diferente da Primeira Carta de Pedro e dos outro
escritos. A Carta de Judas é tão diferente de outros escritos e tão
reduzida em argumentos que parece nem ser citada normalmen-
te.
Glossário de Conceitos
Este glossário permite a você uma consulta rápida e preci-
sa das definições conceituais, possibilitando-lhe um bom domínio
dos termos técnico-científicos utilizados na área de conhecimento
dos temas tratados na disciplina Carta aos Hebreus e Católicas.
Veja, a seguir, a definição dos principais conceitos desta dis-
ciplina:
1) Comunidades/Igrejas primitivas: foram os primeiros
grupos, relativamente organizados, de discípulos de Je-
sus e de discípulos dos discípulos de Jesus. Não havia, no
início, a consciência de que eles estavam formando ou-
tro grupo, mas isto foi se formando aos poucos. Na Carta
aos Hebreus e nas Cartas Católicas, vemos uma espécie
de transição: de grupos ligados ao judaísmo, passa-se a
grupos centrados em Jesus Cristo, em sua Pessoa e em
sua Missão. Alguns textos apresentam uma consciência
grande de um novo caminho, distinto do judaísmo. Ou-
tros textos estão muito dependentes do judaísmo e de
suas estruturas. Isto indica que as obras analisadas nesse
30 © Cartas aos Hebreus e Católicas
Textos Narrativos
Evangelhos Sinóticos
Evangelhos segundo João
Atos dos Apóstolos
Epístolas Paulinas
Textos Epistolares Corpus Paulinum
(Cartas)
Carta aos Hebreus
Cartas Católicas
Apocalipse
Hebreus
Literatura
Estrutura Tiago
Teologia 1 e 2 Pedro
Perspectivas
1, 2 e 3 João
éticas
Judas
Figura 1 Esquema dos Conceitos-chave da disciplina Carta aos Hebreus e Católicas.
Questões Autoavaliativas
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem
ser de múltipla escolha ou abertas com respostas objetivas ou dis-
sertativas. Vale ressaltar que se entendem as respostas objetivas
como as que se referem aos conteúdos matemáticos ou àqueles
que exigem uma resposta determinada, inalterada.
Responder, discutir e comentar essas questões, bem como
relacioná-la pode ser uma forma de você avaliar o seu conheci-
mento. Assim, mediante a resolução de questões pertinentes ao
assunto tratado, você estará se preparando para a avaliação final,
que será dissertativa. Além disso, essa é uma maneira privilegiada
36 © Cartas aos Hebreus e Católicas
Bibliografia Básica
É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus es-
tudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as bibliogra-
fias apresentadas no Plano de Ensino e no item Orientações para o
estudo da unidade.
Dicas (motivacionais)
O estudo desta disciplina convida você a olhar, de forma
mais apurada, a Educação como processo de emancipação do ser
humano. É importante que você se atente às explicações teóricas,
práticas e científicas que estão presentes nos meios de comunica-
ção, bem como partilhe suas descobertas com seus colegas, pois,
ao compartilhar com outras pessoas aquilo que você observa, per-
mite-se descobrir algo que ainda não se conhece, aprendendo a
1. OBJETIVOS
• Compreender a situação do cânon do Novo Testamento e
a sua importância no conjunto da Escritura cristã.
• Considerar os critérios de inspiração e de canonicidade
para o entendimento da formação do cânon neotesta-
mentário.
• Compreender e estudar os momentos histórico, religio-
so e social da redação da Carta aos Hebreus e das Cartas
Católicas.
• Conhecer e introduzir o estudo da Carta aos Hebreus e
das Cartas Católicas, pontuando sua oportunidade e sua
necessidade.
40 © Cartas aos Hebreus e Católicas
2. CONTEÚDOS
• Conceitos fundamentais de inspiração e canonicidade.
• Situação da Igreja na gênese das Cartas Católicas.
• Correntes teológicas.
• Heranças diversas na origem da Carta aos Hebreus e das
Cartas Católicas.
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
A disciplina que se inicia tem como objeto de análise uma
parte significativa dos livros do Novo Testamento. Referimo-nos à
Carta aos Hebreus e às Cartas Católicas.
O título “Carta aos Hebreus” é tradicional e consta dos ma-
nuscritos antigos. Tal escrito é assim conhecido e, durante muito
tempo, fora atribuído ao apóstolo Paulo. Hoje não há mais essa
atribuição. Sua posição no cânon do Novo Testamento é particular,
pois, não sendo paulina, também não pertence à categoria das Car-
tas Católicas, embora seja frequentemente analisada com elas.
A bastante comum expressão “Cartas Católicas" evidencia o
destinatário dos textos que estão sob essa denominação. O termo
“católico" significa "universal", “amplo”, “para o mundo” ou “do
mundo”, sendo esse mundo o espaço geográfico ou humano (sem
a conotação negativa de contraposição a "espírito"). Alguns dizem
"Cartas Universais" para não usar a palavra “católicas”, pois isto dá
a entender que os escritos são de posse ou uso de uma confissão
cristã − no caso, a Igreja Católica de Rito Latino. Esta não parece
ser a melhor solução; por isso, aqui usaremos a expressão consa-
grada “Cartas Católicas”.
É comum, como já notamos anteriormente, que a Carta aos
Hebreus seja analisada com o grupo das Cartas Católicas. É o que
faremos no presente estudo.
42 © Cartas aos Hebreus e Católicas
Cartas ou Epístolas
Corpus Paulinum (13 cartas)
Carta aos Romanos
Carta 1 aos Coríntios
Carta 2 aos Coríntios
Carta aos Gálatas
Carta aos Efésios
Carta aos Filipenses
Carta aos Colossenses
Carta 1 aos Tessalonicenses
Carta 2 aos Tessalonicenses
Carta a Filêmon
Carta 1 a Timóteo
Carta 2 a Timóteo
Carta a Tito
Carta aos Hebreus (uma carta)
Cartas Católicas (sete cartas)
Carta de Tiago
Carta 1 de Pedro
Carta 2 de Pedro
Carta 1 de João
Carta 2 de João
Carta 3 de João
Carta de Judas
Livro apocalíptico
Apocalipse
Dos livros que compõem o Novo Testamento, 21 são cartas
ou epístolas. Destas, 13 são de autoria paulina ou atribuída a Pau-
lo. Os outros oito livros são parte importante do cânon neotesta-
mentário.
Não é o caso de comparar, muito menos de medir, a impor-
tância do Corpus Paulinum, o conjunto das cartas paulinas, e das
Cartas aos Hebreus e Católicas. Cada grupo de escritos tem sua
importância e aponta para situações específicas. Cabe aos leito-
res, de todos os tempos e de todos ambientes, compreender sua
mensagem e saber extrair dos escritos o que de melhor eles ofe-
recem.
A respeito dessas afirmações, é notável que as Cartas Ca-
tólicas não sejam muito evidentes no dia a dia de uso da Bíblia.
Os motivos são vários, tais como: o desconhecimento das mesmas
cartas, a proeminência da mensagem de Paulo sobre os outros es-
critos epistolares, a atualidade ou a praticidade das cartas paulinas
etc.
ATENÇÃO!
O modo e a sequência dos livros do Novo Testamento não são os
mesmos em todas as edições da Bíblia, especialmente se consi-
derarmos as edições mais antigas. Sugerimos, portanto, que você
pesquise em bibliotecas algumas edições antigas e veja como o
cânon é organizado.
Textos narrativos
Por textos narrativos, entendem-se aqueles que têm uma
sequência de histórias e fatos para descrever e de pessoas para
apresentar. Há um enredo, uma trama, um desenvolvimento.
Contudo, um texto narrativo não é, fundamentalmente, um
texto biográfico. Os evangelhos não são − nem nunca foram − bio-
Textos epistolares
As cartas não nascem da necessidade de expor a história.
Quem a vivenciou está próximo, acompanha a comunidade e pode
contar como foram os fatos e como eram as pessoas. Elas devem
orientar as comunidades e as pessoas singulares em função de
suas escolhas, de suas ações e do modo de se organizarem. Tais
cartas não são, em sua grande maioria, uma literatura pensada,
bem elaborada. São esporádicas, sem muitos esquemas preesta-
belecidos, exceto aqueles próprios do gênero epistolar.
48 © Cartas aos Hebreus e Católicas
Cartas ou epístolas?
Há alguma dificuldade no uso dos termos "cartas" ou "epís-
tolas". Na liturgia latina pré-conciliar, havia o uso muito difundido
da palavra "epístola". O uso hodierno agora está em “carta”. O que
se pode perguntar é: essas obras são, efetivamente, "cartas" ou
"epístolas"?
Façamos a distinção que parece ser a mais adequada. Em-
bora as palavras “carta” e “epístola” possam ser equivalentes, elas
denotam realidades diferentes. A carta é um escrito de índole in-
formativa; é indicativa de fatos e transmissora de impressões. Ela
não consta de um plano literário elaborado, mas corresponde às
necessidades do momento de quem escreve.
Uma epístola, por sua vez, é uma obra escrita sob um plano
literário, que possui uma argumentação central e que visa a uma
8. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Sugerimos, neste tópico, que você procure responder às
questões a seguir, que tratam da temática desenvolvida nesta uni-
dade, bem como que as discuta e as comente.
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
testar seu desempenho. Se encontrar dificuldades em responder
a essas questões, procure revisar os conteúdos estudados para
sanar suas dúvidas. Este é o momento ideal para você fazer uma
revisão do estudo desta unidade. Lembre-se de que, na Educação
a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma coo-
perativa e colaborativa. Portanto, compartilhe com seus colegas
de curso suas descobertas.
Confira, na sequência, as questões propostas para verificar
seu desempenho no estudo desta unidade:
1) Quais são as diferenças e semelhanças entre o Corpus
Paulinum e o grupo formado pela Carta aos Hebreus e
as Cartas Católicas?
2) Os textos narrativos evidenciam a história de índole te-
ológica. E os textos epistolares, apresentam o quê? Co-
mente sobre os dois gêneros de escrita presentes no
Novo Testamento.
3) Quais são as diferenças fundamentais entre as cartas e
as epístolas? Como podem ser chamados os textos atri-
buídos a Paulo e os textos analisados nesta disciplina?
9. CONSIDERAÇÕES
O conjunto formado pela Carta aos Hebreus e pelas Cartas
Católicas é de notável importância para compor um quadro míni-
mo de compreensão do Novo Testamento e das origens do cris-
tianismo. O Corpus Paulinum é o local onde se encontram os mais
antigos testemunhos (martiria) a respeito de Jesus Cristo e de sua
obra salvadora. Mas essas cartas aqui analisadas deixam à mostra
as outras tendências existentes no cristianismo original.
58 © Cartas aos Hebreus e Católicas
2
1. OBJETIVOS
• Conhecer e identificar os elementos fundamentais da
Carta de Tiago.
• Compreender e analisar as principais questões relativas
ao texto e, sobretudo, os problemas que lá aparecem,
como a datação e a contradição entre a Carta de Tiago e o
pensamento paulino.
• Apresentar e avaliar as diversas partes da Carta de Tiago
com comentários teológicos que podem ser ampliados
pelo estudo da bibliografia.
2. CONTEÚDOS
• Carta de Tiago.
• Data e lugar da composição e seus destinatários.
• Estrutura da Carta de Tiago.
• O texto da Carta de Tiago.
60 © Cartas aos Hebreus e Católicas
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
No estudo da unidade anterior, você foi subsidiado por con-
teúdos relacionados às Cartas Católicas e ao Novo Testamento.
Já nesta segunda unidade, você conhecerá a Carta de Tiago,
que é a primeira obra das chamadas “Cartas Católicas”. Ela tende
a ser muito mais comentada do que as outras, em função da apa-
rente contradição com a teologia de Paulo. Aqui, você encontrará
uma análise histórica, literária e teológica dessa carta, o que não
dispensa a consulta a alguma obra de referência. Para isso, sugeri-
mos que faça a leitura e o estudo de algum título apresentado na
bibliografia.
5. CARTA DE TIAGO
O primeiro livro das Cartas Católicas é a Carta de Tiago. Ela
é um escrito deuterocanônico do Novo Testamento e é atribuída
a Tiago, o irmão do Senhor, constando de cinco capítulos e 108
versículos. Esse texto, datado de antes do ano 70 d.C., encontrou
algumas dificuldades em sua aceitação por parte das Igrejas. Essas
dificuldades são, fundamentalmente, de duas ordens:
• O desconhecimento do texto por parte de algumas Igre-
jas, o que pode ser intuído pela ausência de indicação em
alguns cânones antigos.
62 © Cartas aos Hebreus e Católicas
Questões de autoria
O autor identifica-se, no capítulo um, versículo um, como
“Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo”, o que nos leva
à questão: quem é esse Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus
Cristo? Seria o apóstolo? Vejamos o que é possível saber sobre o
referido Tiago.
Tiago Maior
É chamado de “Maior” apenas para ser distinguido do “Me-
nor”. Esse “Maior" não consta no texto bíblico. É um dos "filhos de
Zebedeu". Em Mateus (4,21), encontra-se a menção ao chamado
desse Tiago e de seu irmão, João: “passando adiante, [Jesus] viu
outros dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João, que
estavam com seu pai Zebedeu consertando as redes”. Em Marcos
(3,17, grifos nossos), lê-se que receberam o nome de "Filhos do
Trovão": “Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, aos quais pôs
o nome de Boanerges, que quer dizer Filhos do Trovão”. Esse apeli-
do deve ser pelo fato recordado em Lucas (9,51-56), especialmen-
te no versículo 54.
Segundo os sinóticos, esse Tiago, seu irmão João e, ainda,
Simão Pedro, foram as testemunhas privilegiadas de momentos
muito significativos da vida de Jesus: a transfiguração (Mt 171;
64 © Cartas aos Hebreus e Católicas
A tentação: 1,2-4
Tiago inicia o argumento da tentação indicando que os ir-
mãos, os cristãos judeus que ouvem sua palavra, são objeto de
múltiplas tentações. Não está claro quais seriam essas tentações,
mas, sim, as consequências delas surgidas: a provação da fé. Essa
perseverança produz, segundo o versículo quatro, uma obra per-
feita. Trata-se, então, de uma fé provada, comprovada pelas con-
tradições. Aqui, já está o sentido do debate quanto às obras e à fé
que será apresentado mais adiante.
No pensamento de Tiago, os homens perfeitos e íntegros
nascem da provação da fé e da perseverança em seu caminho.
Como será notado, a fé tem implicações práticas de compromisso
que, hoje, podem ser chamados “sociais”.
O rico: 1,9-11
Em uma perícope não muito clara, a Carta de Tiago inicia sua
crítica aos ricos, que são comparados à flor da erva perante o sol:
este as faz secar e cair da planta. Essa perícope é uma introdução
ao tema da riqueza e de sua ilusão. Talvez esses versículos expres-
sem a continuação do argumento do versículo oitavo do capítulo
quinto, quando Tiago cita a pessoa que busca a sabedoria sem fé.
Ela é comparada às ondas do mar (vers. 6), e, provavelmente, por
essa inconstância, o rico é igual.
A "sorte" do rico será retomada mais adiante, no início do
segundo capítulo da carta.
Os pobres: 2,1-9
Tiago retoma a argumentação que ocupará grande parte da
carta: a situação dos pobres. O princípio que é exposto parte da fé
em Jesus Cristo − ela não admite a acepção de pessoas, a distinção
entre uns e outros, especialmente se o critério for o das posses
ou das aparências. O exemplo citado nos versículos 2-4 é muito
eloquente: a exaltação do rico, daquele que tem aparência ou que
ostenta posses, e a humilhação de quem é humilde. A clareza do
argumento é o caminho de uma séria reflexão ética para todos os
leitores da carta.
Fé e obras: 2,14-26
Este é o ponto da suposta polêmica entre Tiago e a teolo-
gia de Paulo a respeito da fé. Trata-se do tema da justificação: a
identidade da relação do fiel com Jesus Cristo e sua graça. Mas é
necessário informar, antes de tudo, que a polêmica é suposta ou
aparente. Deve-se observar, claramente, o campo ou o contexto
em que as palavras de Tiago são apresentadas.
Em Tiago (2,14), este inicia seu argumento contrapondo
obras e fé. Não se trata, porém, de uma contraposição teológica,
mas, sim, parenética, isto é, prática, ética. Talvez seja difícil com-
preender isto logo à primeira vista em função da pergunta retórica
no final do versículo: “acaso esta fé poderá salvá-lo?”. Essa per-
gunta não faz ligação clara com o versículo seguinte, que é, por
sua vez, eloquente na questão: um necessitado que está à vista
sem ser atendido ou apenas ouvido, sem uma resposta coerente
e concreta. Essa situação, sem uma resposta oriunda da fé, teste-
munha contra ela própria. É nesse sentido que Tiago insiste nas
"obras da fé", afirmando: “a fé, se não tiver obras, é morta em si
mesma” (vers. 17). Em outras palavras, isto é facilmente compre-
ensível: não se trata das "obras da lei”, que, aliás, Tiago não as cita.
80 © Cartas aos Hebreus e Católicas
A sabedoria: 3,13-18
O tema da sabedoria vem como um coroamento do que co-
meçou com a fé e com as obras. Após a necessidade de demons-
trar a fé pelas obras e de ter temperança na linguagem humana,
que é tocada pela ação de Jesus Cristo, tudo isto é apresentado
− ou, pelo menos, sugerido − como sendo fruto da sabedoria, que
é a adesão a Deus.
Tiago inicia com uma pergunta retórica sobre a sabedoria e
o entendimento (vers. 13). Continua evidenciando que a inveja, o
egoísmo e a mentira são impedimentos para a sabedoria. O texto
faz a contraposição entre as virtudes que levam à sabedoria e a
inveja, a preocupação egoísta: isto causa desordens e más ações
(vers. 16). Em contrapartida, o que é puro, pacífico, indulgente e
conciliador é sinal de justiça (vers. 17-18).
Aqui está claro o que deseja a Carta de Tiago: conduzir à ob-
servância das virtudes da lei como sinal de eleição de Deus e de
aliança com Ele. Essa aliança é a continuação da Aliança do Antigo
Testamento e empenha o interior da pessoa; não apenas as suas
aparências.
82 © Cartas aos Hebreus e Católicas
Maledicência: 4,11-12
São em poucos versículos que Tiago condensa o problema
da discórdia verbal, da calúnia e dos desentendimentos. Segundo
ele, falar mal do outro indica falar mal da lei, o que é inadmissível
(vers. 11). A lei é para ser praticada, não julgada.
Percebe-se que o pano de fundo, nesses versículos todos, é
a convivência comunitária ou o empenho em estar unido na obser-
vância da lei. Resta saber o lugar que Jesus Cristo ocupa nessa si-
tuação, pois Ele não aparece em qualquer lugar, a não ser no início
do capítulo dois. Tiago fala para os judeus que estão empenhados
na observância da lei como um sinal de unidade.
9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
1) Por que a Carta de Tiago é um texto deuterocanônico do
Novo Testamento?
2) Qual é ou quais são os motivos que levaram os refor-
madores, especialmente Lutero, a desprezar a Carta de
Tiago?
3) Qual é o personagem do Novo Testamento que pode ser
identificado como o autor da Carta de Tiago?
4) Tente descrever como se chega à conclusão de que esse
personagem é o autor de tal carta.
5) Qual é o sentido da expressão "doze tribos da dispersão"
presente no início da Carta de Tiago?
6) Quais são os problemas encontrados na datação da Car-
ta de Tiago?
7) Tente descrever, como em uma apresentação para quem
não conhece a carta, o texto de Tiago em sua estrutura e
em seus argumentos fundamentais.
8) Qual é o grande problema da Carta de Tiago em relação
ao Corpus Paulinum?
9) Qual é a ideia teológica ou ética que a Carta de Tiago
expressa sobre a vivência da Palavra?
10. CONSIDERAÇÕES
A Carta de Tiago é um texto de grande importância. O uso e a
vivacidade do Corpus Paulinum fizeram dela um corpo distante do
Novo Testamento, quando não contraditório. É necessário resgatar
essa situação e colocar Tiago em seu justo contexto: a expressão
de um cristão judeu ou de um judeu que abraçou o cristianismo
nascente com intensidade e que expôs seus motivos com vivacida-
de, mas no estilo sapiencial, como era conhecido e usado.
Nesta unidade, pudemos ver que a Carta de Tiago é a primei-
ra das ditas “católicas", bem como perceber que é a mais aberta
para muitas e diversificadas situações. Ela satisfaz a curiosidade do
pesquisador, a necessidade do leitor e a devoção do fiel.
Com tais conhecimentos, estamos aptos a estudar, na próxi-
ma unidade, a Carta aos Hebreus. Então, até lá!
3
1. OBJETIVOS
• Introduzir o estudo da Carta aos Hebreus, apresentando a
situação atual da pesquisa ao seu respeito.
• Considerar a história do texto e sua situação atual.
• Comparar a teologia da Carta aos Hebreus com a teologia
paulina.
• Introduzir os temas mais importantes da carta em uma
leitura sequencial do texto.
• Ler o texto da Carta aos Hebreus, considerando suas par-
tes e suas particularidades.
2. CONTEÚDOS
• Questões introdutórias da Carta aos Hebreus.
• Apresentação do texto da Carta aos Hebreus.
90 © Cartas aos Hebreus e Católicas
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
A Carta aos Hebreus é um dos escritos mais interessantes do
Novo Testamento. Ela apresenta uma espécie de resumo do An-
tigo Testamento, mostrando suas figuras, seus eventos, seus mo-
mentos fundamentais e seu desenvolvimento, completando com o
personagem mais importante − Jesus Cristo −, que é apresentado
como Sacerdote, como Pontífice da Fé.
A Carta aos Hebreus, embora seja muito importante no câ-
non do Novo Testamento e na Teologia, não é muito valorizada no
dia a dia pastoral. Infelizmente, ela não é devidamente utilizada
nas catequeses e não tem as devidas considerações quando é pro-
clamada em assembleia litúrgica, especialmente na dominical. Isto
talvez se deva à linguagem e às imagens que o texto apresenta,
que nem sempre são acessíveis de imediato para quem não está
familiarizado com o pensamento de índole hebraica.
Além disso, a Carta aos Hebreus não apresenta um conjun-
to de perícopes tão direcionadas à ética e ao comportamento de
pessoas e de comunidades, e isto é algo que o Corpus Paulinum
apresenta em muitos momentos. A Carta aos Hebreus é mais mar-
cante no aspecto doutrinário, teológico − e isto nem sempre atrai
a atenção dos leitores comuns.
Contudo, a leitura da Carta aos Hebreus abre um horizonte
muito interessante para a teologia bíblica e à própria teologia, pois
se trata de uma visão diferente da paulina, apesar de desta muito
depender. Tal fato dá a entender que, embora haja uma diferença,
também há uma orientação comum em ambos os textos: a Pessoa
e a Identidade de Jesus.
Desejamos que o estudo desse texto bíblico seja marcante e
que o desta unidade seja útil e oportuno a você!
Questões introdutórias
Canonicidade
Houve alguma dificuldade na aceitação canônica da Carta
aos Hebreus. Alguns padres da Igreja questionaram sua autenti-
cidade como escrito cristão e como escrito ortodoxo. O chamado
“Fragmento Muratoriano” cita 13 cartas de Paulo, excluindo He-
breus do conjunto. Ela foi atribuída por alguns, como Tertuliano,
a Barnabé. Outros escritores, como Pelágio e Ambrosiastro, não
citam o texto. São Jerônimo aponta dificuldades na aceitação de
Hebreus por parte dos latinos, mas ele mesmo não dá muita aten-
ção a isto e considera Hebreus um texto canônico. Curiosamente,
Agostinho não reconhece Hebreus como um escrito paulino.
O Oriente cristão − as Igrejas ligadas às antigas Igrejas de lín-
gua grega − está quase sempre a favor da canonicidade de Hebreus
e, além disso, de sua suposta autoria paulina. Assim, encontra-se
essa ideia em Clemente de Alexandria, em Panteno, em Eusébio de
Cesaréia e em Orígenes, que reconhecem em Hebreus um redator
distinto de Paulo que teria ditado o texto.
Autoria, época da composição e destinatários
Autoria: algumas evidências: a própria Carta aos Hebreus
não menciona qualquer autor. Há somente duas informações que
podem fornecer alguma pista para uma dedução.
94 © Cartas aos Hebreus e Católicas
Divisão
São muitas as possibilidades de divisão de Hebreus.
1) Por exemplo, pode-se considerar duas partes fundamen-
tais:
• Primeira parte: 1,1-10,18 − parte dogmática.
• Segunda parte: 10,19-13,25 − parte moral.
2) Outro plano estrutural de Hebreus pode ser uma divisão
em três partes:
• Primeira parte: 1,1-4,13 − o Filho revela-se.
• Segunda parte: 4,14-10,18 − o Sacerdócio de Cristo.
• Terceira parte: 10,19-13,25 − a fidelidade na fé.
3) Outra possibilidade de divisão é obtida pelo plano literá-
rio, bem no estilo das exortações gregas:
• Primeira parte: 1,4-4,13 − introdução e apresentação
dos temas.
• Segunda parte: 4,14-6,20 − exposição demonstrati-
va.
• Terceira parte: 7,1-10,18 − argumentos e exortações.
• Quarta parte: 10,19-13,25 − conclusões.
Apresentamos na caixa de texto ao lado um esquema funda-
mental do texto de Hebreus, que parece ser conforme à sua índole
e adequado à exposição que se seguirá.
10,19—12,29 A Fé e a perseverança
10,19–25 Exortação à fidelidade
10,26–31 O perigo da apostasia
10,32–39 Exortação à perseverança
11,1–40 A fé dos antigos
12,1–4 A fidelidade de Cristo
12,5–13 A educação em Cristo
12,14–17 O perigo da infidelidade
12,18–29 As duas Alianças
13,1–25 Conclusões
13,1–16 Recomendações
13,17–19 Obediência aos guias
13,20–25 Despedida
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
1,1-4: prólogo
O texto de Hebreus começa de modo diferente das outras
obras epistolares do Novo Testamento. Não há um destinatário,
100 © Cartas aos Hebreus e Católicas
Anjos–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A palavra “anjo” é uma possível tradução do hebraico mal’āk e do grego ágge-
los, que significam “mensageiro”. O aportuguesamento da palavra grega fixou
o substantivo “anjo”. Os conceitos são os mais variados possíveis, pois é uma
palavra de amplo e diversificado uso. No Antigo Testamento, um anjo pode ser
um mensageiro de Deus ou o próprio Deus, como em Josué (5,14s). No livro
deuterocanônico Tobias, aparece um anjo que acompanha o jovem que dá nome
a esse livro (Tb 5,5). No texto de Josué, o mensageiro de Deus confunde- se com
o próprio Deus; no texto de Tobias, eles são figuras distintas. No Novo Testa-
mento, os anjos distinguem-se de Deus como nos textos de anunciação: a José,
em Mateus (1,18-25), e a Maria, em Lucas (1,26-46). O certo é que o anjo é um
anunciador de algo importante e decisivo; é como um arauto: porta uma notícia
que dá um rumo novo ou confirma a história, o fato, a pessoa, a missão etc.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Apóstolo –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A palavra “apóstolo” é de origem grega e significa, fundamentalmente, “enviado”.
O termo é geralmente aplicado para os Doze discípulos escolhidos por Jesus,
como visto em Mateus (10,2). Paulo utiliza tal verbete de modo mais dinâmico:
“apóstolo” é todo aquele que é chamado, como em Romanos (1,1), por exem-
plo, em que ele se declara “chamado para ser apóstolo”. Pode ser, também,
um membro da Igreja, conforme se lê em Atos dos Apóstolos (16,4): “comunica-
va aos irmãos os decretos dados pelos apóstolos e presbíteros de Jerusalém,
recomendando-lhes que fossem observados”. Finalmente, a palavra “apóstolo”
pode ser aplicada ao próprio Jesus, assim como é o caso deste passo de He-
breus (3,1): “Jesus é o apóstolo, o enviado. Se é o enviado, Ele o é por alguém”.
Seguramente, o autor de Hebreus atribui esse envio a Deus.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
As figuras de Moisés e de Jesus são comparadas. Um e outro
são fiéis na missão que receberam. Contudo, Jesus tem maior hon-
ra, pois, na comparação, ele é o arquiteto, e Moisés, a casa. Um
passo depois no texto e o arquiteto passa a ser Deus, e Moisés é o
habitante da casa, sendo Jesus, o Filho. São comparações rápidas,
metáforas dependentes umas das outras, que fazem que as ima-
gens se sucedam rapidamente.
3,7-19: estar perante Deus
Essa perícope se inicia com a menção ao Salmo 95(94), des-
tacando, poeticamente, o final da citação em que se encontra a
ideia de "repouso". A dureza de coração, que é lembrada na con-
tinuação da citação do Salmo, parece ser a incredulidade. Esta foi
a situação dos que saíram do Egito liderados por Moisés. Devido
a essa incredulidade, todos os que de lá saíram e passaram pelo
deserto durante os 40 anos não puderam entrar no "repouso", que
parece ser a comunhão com Deus.
O texto faz menção ao período do deserto citando um passo
de Números (14,29), no qual Deus afirma que os saídos do Egito
e adentrados no deserto não chegarão até à terra prometida, mas
perecerão no deserto. Parece que a comparação é clara: não basta
sair do Egito para estar com a salvação garantida; é necessário pas-
sar pela provação do deserto e aderir ao Deus salvador.
106 © Cartas aos Hebreus e Católicas
6,1-8: motivos
O autor anuncia que não vai apresentar argumentos elemen-
tares a respeito de Cristo (vers. 1) e convida seus ouvintes a elevar
seu espírito. Os que são iluminados recebem o dom do Espírito
Santo e passam a conhecer a beleza da Palavra de Deus. Não por
isso, esses mesmos deixaram de cair e perder tudo o que é de me-
lhor, elencado anteriormente. O sinal da aceitação ou da rejeição
são os frutos, e não os abrolhos (vers. 7-8).
6,9-20: estímulos e encorajamento
O autor sabe que seus ouvintes, embora tenham falhas, es-
tão do lado certo e têm reta intenção (vers. 9). Deus está disposto
a continuar a agir na história e na vida dos fiéis como agiu na vida
de Abraão (vers. 13). A figura de Abraão surge como sinal da fide-
lidade necessária. Ele foi fiel, pois tinha esperança (vers. 19). No
final dessa perícope, tem-se a menção de Melquisedec.
110 © Cartas aos Hebreus e Católicas
Melquisedec –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Esse Melquisedec, um nome certamente cananeu, é um personagem apto para
ser um tipo teológico. Sua presença na Escritura é reduzida, mas a leitura tipoló-
gica feita por Hebreus torna sua imagem de notável importância. Ele se encontra,
em termos narrativos, em Gênesis (14), quando Abraão, ainda Abrão, retorna de
uma batalha contra um tal Codorlaomor (14,12-16). No retorno dessa batalha,
Abraão encontra-se com Melquisedec, o rei de Salém (14,18). O Salmo 76,3, a
tradição judaica e as tradições dos Santos Padres sempre identificaram essa Sa-
lém como sendo Jerusalém. Abraão agradece a vitória oferecendo um sacrifício.
Melquisedec é o sacerdote que faz esse sacrifício. Gênesis (14,18) identifica-o
como “sacerdote do Deus altíssimo”. Se Abraão reconhece em Melquisedec a
dignidade sacerdotal, é porque reconhecia o Deus que ele cultuava, chamado
“Deus altíssimo”. Deverá ser o mesmo Deus de Abraão! Isto é complicado de
compreender, pois, sendo Abraão o primeiro a seguir esse Deus, Melquisedec
entraria na história sem as devidas considerações literárias e teológicas com
alguma dificuldade. Enfim, o texto de Gênesis, embora importante em seu con-
junto, não tem desenvolvimento.
O capítulo 14 é isolado do conjunto dos outros capítulos no ciclo de Abraão. A
figura de Melquisedec estaria, dessa forma, isolada do resto da Escritura, exceto
por uma menção indireta no Salmo 76(75),3, na qual se fala na realidade de
“Salém” como lugar da tenda de Deus; e no Salmo 110(109),4, um Salmo real,
em que o rei é indicado pelo salmista como “sacerdote para sempre, segundo a
ordem de Melquisedec”. Será a Carta aos Hebreus, nos capítulos aqui analisa-
dos, que destacará sua figura e lhe dará relevo.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
10,19-12,29: a Fé e a perseverança
O texto de Hebreus poderia ser dividido em duas partes: de
10,19 a 10,39, com algumas exposições de motivos para o ânimo
diante do inesperado da vida. De 11,1 a 12,29, vários exemplos e
argumentos relativos à perseverança na fé.
13,1-25: conclusões
Depois de enlencar modelos de fé e exemplos de abandono
da fé e depois de apresentar as motivações para o seguimento de
Jesus Cristo, o Sacerdote e Senhor, a Carta aos Hebreus inicia o tom
de conclusão. São apontadas algumas considerações a respeito da
conduta dos fiéis, o que é interessante, visto que a parte ética da
carta não é muito desenvolvida. Em seguida, são apontados, mais
uma vez, alguns elementos indispensáveis para a vida do discípulo
e fiel em Cristo. Finalmente, são feitas algumas recomendações
quanto ao respeito dos líderes. A carta vai ser concluída com dois
epílogos.
13,1-16: recomendações
A hospitalidade e os anjos: nos primeiros versículos (1-3), a
Carta aos Hebreus considera a necessidade do amor fraterno, cer-
tamente como sinal da adesão a Jesus Cristo. Esse amor parece ser
testemunhado com a hospitalidade. Nesse ponto, a carta cita pas-
sagens do Livro do Gênesis, de Juízes e de Tobias, livro deuteroca-
nônico do Antigo Testamento. O assunto é o ato de ser hospitaleiro
e suas vantagens, pois alguns personagens do Antigo Testamento
receberam anjos, mensageiros de Deus. São essas as passagens
que Hebreus recorda:
13,20-25: despedida
Hebreus apresenta duas conclusões, o que é curioso e faz
levantar algumas hipóteses. A mais evidente é, como em muitos
passos da Escritura, uma intervenção redacional. Esse tipo de re-
curso literário é usado para completar um texto ou parte de um
texto que, no modo de ver de um escriba ou um copista, pode ter
ficado vago. O escriba ou copista,então, muda o texto, “melhora”
o texto, em sua maneira de pensar. Nem sempre é realmente uma
melhora. O que pode acontecer é aparecerem mais dificuldades
ou desviar o sentido da mensagem.
Aqui o que parece é uma intervenção redacional no sentido
de relacionar o texto da Carta aos Hebreus com São Paulo, nos
tempos de seu cárcere, provavelmente o segundo cárcere roma-
no. Este não é o tempo anotado pelo livro de Atos dos Apóstolos
(28). A tradição da Igreja antiga afirma que Paulo, depois de liberto
do primeiro cativeiro romano, teria, ainda, viajado até a região do
que hoje é a Espanha e, somente então, voltado para Roma, onde
teria sido, mais uma vez, preso, e, nessa segunda vez, condenado
128 © Cartas aos Hebreus e Católicas
7. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Nosso estudo não estaria completo sem uma averiguação
dos conhecimentos adquiridos nesta unidade. A leitura do texto
da Carta aos Hebreus e o estudo do que aqui foi apresentado deve
ser acrescentado de mais pesquisas e, oportunamente, debates
com outros estudantes.
O que apresentamos aqui são as questões autoavaliativas,
uma proposta para ser realizada individualmente, na modalidade
Ensino a Distancia, ou na mesma modalidade, mas em grupos de
estudo, sendo usado como roteiro de debate e aprofundamento.
Para um adequado conhecimento do texto da Carta e das
considerações teológicas e literárias ao seu respeito, é muito opor-
tuno esse item, as questões autoavaliativas. No decorrer do es-
8. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, conhecemos a Carta aos Hebreus e a sua es-
trutura, seus textos e a data de sua elaboração.
Já na Unidade 4, analisaremos as Cartas de Pedro.
Vamos lá?
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DEN BORN, A. van (Org.). Dicionário enciclopédico da Bíblia. Petrópolis: Vozes, 1985.
DUSSAUT, L. A Epístola aos Hebreus. In: COTHENET, E. DUSSAUT, L. FORT, P. le. PRIGENT, P.
Os escritos de São João e a Epístola aos Hebreus. (Tradução de M. Cecília de M. Duprat).
São Paulo: Paulinas, 1988.
JEREMIAS, J. Jerusalém no tempo de Jesus: pesquisas de história econômico-social no
período neotestamentário. (Tradução de M. Cecília de M. Duprat). São Paulo: Paulinas,
1983.
HAWTHORNE, G. F.; MARTIN, R. P. (Org.). Dicionário de Paulo e suas cartas. São Paulo:
Vida Nova; Paulus e Loyola, 2008.
LÉON–DUFOUR, X. Vocabulário de Teologia Bíblica. Petrópolis: Vozes, 1972.
MONLOUBOU, L., DU BUIT, F.M. Dicionário bíblico universal. Petrópolis: Vozes, 1997.
VANHOYE, A. Sacerdotes antigos e sacerdote novo: segundo o Novo Testamento.
(Tradução de Ronaldo Brito). São Paulo: Academia Cristã; Loyola, 2007.
VAUX, R. de. Instituições de Israel no Antigo Testamento. (Tradução de Daniel de Oliveira).
São Paulo: Teológica; Paulus, 2003.
VOUGA, F. A epístola aos Hebreus. In: MARGUERAT, Daniel. Novo Testamento: história,
escritura e teologia. São Paulo: Loyola, 2009.
4
1. OBJETIVOS
• Apresentar os dois textos classificados como “Cartas de
Pedro” em suas identidades histórica, literária e teológi-
ca.
• Analisar os textos das duas Cartas de Pedro em sua forma
literária e em seu conteúdo teológico.
• Comparar as Cartas de Pedro aos outros escritos do Novo
Testamento.
• Despertar o desejo pelo conhecimento dos textos episto-
lares do Novo Testamento e de seu conteúdo teológico.
2. CONTEÚDOS
• Primeira Carta de Pedro.
• Segunda Carta de Pedro.
132 © Cartas aos Hebreus e Católicas
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
As Cartas de Pedro são parte do cânon do Novo Testamento.
Atribuídas ao apóstolo Pedro, essas cartas contêm um interessante
material a respeito do pensamento das primeiras comunidades.
Na compreensão do conjunto do Novo Testamento, as Cartas
de Pedro não são a palavra mais importante. De fato, comparando-
as com o Corpus Paulinum ou, por exemplo, com a Carta aos He-
breus, as Cartas de Pedro passam em segundo plano, pois aquelas
são mais marcantes do ponto de vista teológico e literário. Mas a
tradição da Igreja sempre considerou esses dois textos − a Primeira
Carta de Pedro e a Segunda Carta de Pedro − textos dignos de ade-
são e de compreensão. Por isso, somos convidados a estudá-las, o
que aqui fazemos.
5. CARTA DE PEDRO
Após a Carta de Tiago, o cânon do Novo Testamento apre-
senta a 1 Carta de Pedro. Assim como aquela, esta é uma espécie
de encíclica; uma carta dirigida a muitas Igrejas, podendo-se dizer
uma “carta circular”. Foi visto que a Carta de Tiago não apresen-
ta uma estrutura − ou esta não é clara. Fica difícil encontrar um
sentido lógico nessa Carta de Tiago. Na 1 Carta de Pedro, também
não há esse esquema visível, que leva ao leitor o conhecimento do
conteúdo sob um olhar na estrutura. A 1 Carta de Pedro é uma co-
leção de exortações, ditos e reflexões dedicados a quem conhece
o argumento central, que é Jesus Cristo, e o seu contexto, que é a
Escritura judaica.
Há, em 1 Pedro, certa divisão "natural", que, por sua vez,
pode ser questionada. Trata-se dos trechos 1,3;4,11, que se sepa-
ram de 4,12;5,11. Segundo muitos comentaristas, a primeira seção
seria uma espécie de "homilia batismal”, e a segunda parte seria
uma coleção de exortações parenéticas. Mas há dificuldades para
encontrar unidade na primeira parte, especialmente porque há
muitas exortações aos comportamentos adequados em situações
específicas, como com as autoridades, no matrimônio etc.
Por isso, é conveniente uma divisão mais detalhada, como a
que se segue:
Possível divisão de 1 Pedro
Endereço e Eulogia 1,1-2
Estar em Cristo [1] 1,3-12
Santidade em Cristo 1,13-23
O fiel e a Palavra 1,22-2,10
Condutas específicas 2,11-3,17
Estar em Cristo [2] 3,18-4,19
Exortações 5,1-11
Saudações finais 5,12-14
Embora não exista um plano lógico e coeso em na 1ª de Pe-
dro, os textos vão se sobrepondo e criando ideias concretas de
adesão a Jesus Cristo e de conduta. Lendo-a, parece que se ouve a
134 © Cartas aos Hebreus e Católicas
Autoria
Se a carta não é da autoria direta de Pedro, deve depender
de algum autor cristão de notável inspiração e sensibilidade. A Pri-
meira Carta de Pedro tem grande aceitação como original. Segun-
do as informações dos trechos 1,1;5,1.12, o autor é Pedro, auxilia-
do por um tal Silvano.
1,1: Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos eleitos que são estran-
geiros
5,1: Eis a exortação que dirijo aos anciãos que estão entre vós;
porque sou ancião como eles, fui testemunha dos sofrimentos de
Cristo
e serei participante com eles daquela glória que se há de manifes-
tar.
5,12: Por meio de Silvano, que estimo como a um irmão fiel,
vos escrevi essas poucas palavras.
Minha intenção é de admoestar-vos e assegurar-vos
que esta é a verdadeira graça de Deus, na qual estais firmes.
Introdução da 1 Pedro–––––––––––––––––––––––––––––––––
Texto da 1 Pedro 1,1-9
1 Pedro, apóstolo de Jesus Cristo,
aos eleitos que são estrangeiros
e estão espalhados no Ponto, Galácia, Capadócia,
136 © Cartas aos Hebreus e Católicas
Ásia e Bitínia
2 eleitos segundo a presciência de Deus Pai,
e santificados pelo Espírito, para obedecer a Jesus Cristo
e receber a sua parte da aspersão do seu sangue.
A graça e a paz vos sejam dadas em abundância.
3 Bendito seja Deus, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo!
Na sua grande misericórdia
ele nos fez renascer pela ressurreição
de Jesus Cristo dentre os mortos,
para uma viva esperança,
4 para uma herança incorruptível, incontaminável
e imarcescível, reservada para vós nos céus;
5 para vós que sois guardados pelo poder de Deus,
por causa da vossa fé, para a salvação que está pronta
para se manifestar nos últimos tempos.
6 É isto o que constitui a vossa alegria,
apesar das aflições passageiras
a vos serem causadas ainda por diversas provações,
7 para que a prova a que é submetida a vossa fé
(mais preciosa que o ouro perecível,
o qual, entretanto, não deixamos de provar ao fogo)
redunde para vosso louvor, para vossa honra
e para vossa glória, quando Jesus Cristo se manifestar.
8 Este Jesus vós o amais, sem o terdes visto; credes nele,
sem o verdes ainda, e isto é para vós
a fonte de uma alegria inefável e gloriosa,
9 porque vós estais certos de obter,
como preço de vossa fé, a salvação de vossas almas.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
O texto da 1 Pedro
Já foi apresentada uma possível divisão da 1 Pedro. Segue,
na caixa de texto, outra divisão, estabelecida com base na leitura
do texto e de seus relacionamentos internos.
O Espírito: 1,10-12
A 1 Pedro afirma que a revelação vivida pelos fiéis em Cristo
foi antes buscada, anunciada e esperada pelos profetas. O Espírito
Santo, enviado do céu (vers. 12), é o revelador, sendo que a revela-
ção, isto é, o conhecimento de Deus, é dada por ele.
Contudo, ainda não é possível falar da ideia da Terceira Pes-
soa da Santíssima Trindade. Quando o texto fala de Espírito Santo,
está falando do próprio Deus, sem considerar a doutrina trinitária
que será elaborada muito tempo depois.
A Palavra: 1,22-2,3
A obediência à verdade, que certamente é a adesão a Jesus
Cristo e à sua Palavra, leva o fiel ao amor sem falsidade. Todos os
que foram chamados ao seguimento do Senhor devem olhar para
Ele e encontrar o sentido e a fonte da vida, como a erva ou a flor
encontra sua fonte na terra.
A Palavra anunciada transforma o fiel que a ouve. Ele deve
rejeitar o mal, a mentira e a hipocrisia, bem como tudo o que des-
trói a graça. Deve somente desejar a graça para manter a salva-
ção.
O sacerdócio: 2,4-10
Este é um momento importante da 1 Pedro. O autor da carta
exorta os seus leitores ou ouvintes a aproximarem-se de Jesus Cris-
to (vers. 4), o sujeito lógico do argumento, embora seja nomeado
somente no final do quinto versículo. Ele é identificado como a
“pedra viva”, subtendida “pedra angular”, rejeitada pelos constru-
tores (vers. 4). O texto sugere Lucas (20,17), que, por sua vez, é
uma citação do Salmo 118 (117,22). A pedra angular é o funda-
mento da construção; aqui, na 1 Pedro, ela é "pedra viva". Tocado
142 © Cartas aos Hebreus e Católicas
munitária, expressa pelo “não pagueis o mal por mal” (3,9) e ou-
tras atitudes de abertura são uma novidade em uma sociedade
marcada pela vingança.
A perícope incorpora o Salmo 34(35),13-17 como texto exor-
tativo à moral pessoal em função da vida feliz. Isto dá abertura
para o texto seguinte, que olha os perseguidos.
A perseguição: 3,13-17
A perseguição é uma constante no cristianismo nascente; se
não de modo ostensivo, então de modo não ostensivo − mas cons-
tante.
No pensamento da 1 Pedro, a perseguição não deve causar
medo aos fiéis, pois a adesão a Cristo, o Senhor (vers. 15) dá força e
dá coragem. Aqui se encontra uma frase que se tornou axioma do
cristianismo diante das contradições: “[...] estando sempre pron-
tos a dar razão da vossa esperança a todo aquele que vos pede”
(vers. 15). Razão da esperança é um sentimento, mas, seguramen-
te, uma certeza interior de futuro. Há aqui uma nota de escatolo-
gia não explícita, mas presente: o futuro do fiel está relacionado à
sua posição, sua "esperança" neste mundo.
O texto continua com exortações à mansidão, ao respeito, à
boa consciência e ao comportamento, tudo em função de Cristo.
Para concluir, a perícope apresenta um motivo que parece lógico:
é preferível sofrer por praticar o bem a sofrer por praticar o mal.
A ressurreição: 3,18-22
Novamente, o foco da atenção muda: passa de exortações
éticas para uma exposição doutrinal. O assunto é a ressurreição de
Cristo. A 1 Pedro recorda que ele “morreu uma vez pelos pecados,
o justo pelos injustos, a fim de vos conduzir a Deus” (vers. 18).
Isto tem a ver com a perseguição, que fora abordada na perícope
anterior.
146 © Cartas aos Hebreus e Católicas
A parusia: 4,7-11
Finalmente, o tema da parusia de modo claro e significativo.
Nos tempos da 1 Pedro, o final da história é algo quase iminente: o
fim de todas as coisas está próximo (vers. 7). O interessante é que
a proximidade da parusia impõe compromissos éticos, e não sen-
timentos ou atitudes desligados do mundo circundante. Os fiéis
6. CARTA DE PEDRO
Índole da carta
A Segunda Carta de Pedro começa com uma saudação so-
lene indicando sua autoria e insistindo na índole da experiência
direta com Jesus Cristo: Simão Pedro, servo e apóstolo de Jesus.
Àqueles que, pela justiça do nosso Deus e do Salvador Jesus Cristo,
alcançaram por partilha uma fé tão preciosa como a nossa, graça
e paz vos sejam dadas em abundância por um profundo conheci-
mento de Deus e de Jesus, nosso Senhor! (1,1-2).
Características
Há uma relação intensa entre a 2 Pedro e a Carta de Judas.
Isto foi notado muitas vezes e demonstra uma dependência direta:
a Carta de Judas parece ter sido composta com base na 2 Pedro.
Pode-se ver tal dependência em um quadro sinótico:
O texto da 2 Pedro
Não há um plano claro na composição da 2 Pedro. Os temas
vão se sucedendo sem muita lógica ou sequência às vezes. Propõe-
se o seguinte esquema fundamental:
A profecia: 1,18-21
O texto lembra a palavra profética resgatando a imagem dos
profetas do Antigo Testamento. Ela é como luz na escuridão (vers.
19). Na sequência, o texto faz uma consideração, que será um
axioma cristão relativo à revelação e à inspiração:
Antes de tudo, sabei que nenhuma profecia da Escritura é de in-
terpretação pessoal. Porque jamais uma profecia foi proferida por
efeito de uma vontade humana. Homens inspirados pelo Espírito
Santo falaram da parte de Deus (vers. 20-21).
O passado: 2,4-10
A carta cita, de modo não claro, um episódio do Livro dos
Jubileus , no qual se encontra a queda dos anjos. Cita, aliás, alguns
personagens do Antigo Testamento como modelos de adesão à
vontade de Deus: Noé (vers. 5) e Ló (vers. 7). Eles são apresenta-
dos como cumpridores da vontade soberana de Deus, ao passo
que os seus contemporâneos não foram fiéis a Ele.
A perícope evidencia que, entre os ímpios, existe um justo,
um homem de Deus. Os fiéis são chamados a ser justos em meio a
uma geração corrompida.
O castigo: 2,11-22
Tem-se aqui uma longa perícope com um tema de fundo co-
mum: o castigo. Este vem em função dos vícios e dos erros cometi-
dos por quem se arvora no direito de julgar até os anjos, criaturas
que estão em Deus. A 2 Pedro cita o episódio de Balaão em Núme-
ros 22, que deveria amaldiçoar o Povo de Israel, mas foi contido
pelo animal que montava.
Nos versículos de 17 a 22, a descrição dos infiéis continua
com cores bem fortes. São comparados às fontes secas de água;
vivem nas coisas fúteis, dissolutos, imersos nas paixões da carne.
Buscam a liberdade, mas se mantêm na escravidão.
A 2 Pedro descreve a situação dos fiéis que, depois de conhe-
cer e aceitar Jesus Cristo, deixam o caminho da vida pelas paixões
que os controlam. No versículo 21, há a afirmação: “melhor fora
não terem conhecido o caminho da justiça do que, depois de tê-lo
conhecido, tornarem atrás, abandonando a lei santa que lhes foi
ensinada”. Seguem-se imagens grotescas, metáforas de queda, de
desvio do caminho da salvação e de ida para caminhos de perdi-
7. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
1) Quais são os temas principais da Primeira Carta de Pe-
dro?
2) Quais são os temas principais da Segunda Carta de Pe-
dro?
3) Essas duas cartas podem tranquilamente ser atribuídas
ao apóstolo Pedro?
4) Qual é a importância do tema "memória" na argumenta-
ção da Segunda Carta de Pedro?
5) Comente o tema dos falsos profetas e as consequências
de sua mensagem conforme a Segunda Carta de Pedro.
6) Em quais pontos a Segunda Carta de Pedro corresponde
à Carta de Judas?
7) Como entender a imagem dos "presbíteros", presente
na Primeira Carta de Pedro?
8) A Primeira Carta de Pedro apresenta o argumento do so-
frimento conforme Jesus Cristo em certa altura do texto.
Qual é a argumentação a respeito?
9) Comente os temas "obediência à verdade", "sacerdócio"
e "vida nova", presentes na Primeira Carta de Pedro.
10) Qual é a compreensão da autoria da Primeira Carta de
Pedro?
8. CONSIDERAÇÕES
Embora atribuídas a Pedro, as duas cartas que recebem seu
nome devem ser de escritores diferentes. Seguramente, não são
do apóstolo Pedro. Talvez a 1 Pedro pudesse ter influências ou,
até mesmo, uma autoria indireta do apóstolo. Mas é impossível
afirmar ou negar. O que sobressai da leitura das duas cartas são as
diferenças que possuem e as situações concretas que refletem.
A 1 Pedro apresenta-se como um conjunto de exortações pa-
renéticas baseadas no querigma cristológico. A 2 Pedro é um es-
crito doutrinal com enfoque na fidelidade à doutrina e à coerência
na vida cristã.
160 © Cartas aos Hebreus e Católicas
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BORNKAMM, G. Bíblia, Novo Testamento. Introdução aos seus escritos no quadro da
história do cristianismo primitivo. Tradução de João Rezende Costa. 3. ed. São Paulo:
Teológica, Paulus, 2003.
SCHLOSSER, J. A primeira epístola de Pedro. In: MARGUERAT, D. (Org.). Novo Testamento:
história, escritura e teologia. Tradução de Margarida Oliva. São Paulo: Loyola, 2009.
SCHLOSSER, J. A segunda epístola de Pedro. In: MARGUERAT, D. (Org.). Novo Testamento:
história, escritura e teologia. Tradução de Margarida Oliva. São Paulo: Loyola, 2009.
TRIMAILLE, M. As epístolas católicas. In: CARREZ, M. et al. As cartas de Paulo, Tiago,
Pedro e Judas. Tradução de Benôni Lemos. São Paulo: Paulinas, 1987. (Coleção: Biblioteca
de Ciências Bíblicas)
TUNÎ, J. O.; ALEGRE, X. Escritos joaninos e cartas católicas. 2. ed. São Paulo: Ave Maria,
2007.
5
1. OBJETIVOS
• Apresentar as últimas cartas do conjunto das Cartas Ca-
tólicas.
• Introduzir as três Cartas de João e a Carta de Judas em sua
história, literatura e teologia.
• Conduzir à leitura das três Cartas de João e da Carta de
Judas.
2. CONTEÚDOS
• A Primeira Carta de João.
• Data, lugar da composição e autoria da carta.
• Teologia da Primeira Carta de João.
• A Segunda e a Terceira Carta de João.
• Data, lugar da composição e autoria das cartas.
162 © Cartas aos Hebreus e Católicas
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Os textos em questão são os últimos do grupo chamado de
Cartas Católicas. Embora colocados juntos nesta apresentação e
em outros lugares onde são analisados, eles não apresentam mui-
tas semelhanças entre si. São também os últimos escritos do Novo
Testamento em ordem canônica, se excetuarmos o Livro do Apo-
calipse.
A Primeira Carta de João é um escrito muito interessante. Re-
toma, aparentemente, alguns pontos do Evangelho segundo João,
apesar de os especialistas não aceitarem que ela seja do mesmo
autor. Essa Primeira Carta de João é quase sempre analisada em
separado das outras.
Semelhanças e diferenças
Uma questão importante da 1 João é sua semelhança ou não
com o Evangelho de João. Muitos já afirmaram que existe um pa-
rentesco imediato entre os dois escritos. Alguns até afirmam que a
1 João é uma espécie de apresentação ou conclusão do Evangelho
segundo João.
Essas semelhanças não são claras quando se analisa uma tra-
dução do texto. O que aqui se anota pode ser observado com o
texto grego. Pode-se encontrar:
1) Semelhanças gramaticais: disposição das partes da ora-
ção; uso raro de pronome relativo; alguns detalhes gra-
maticais como uso de determinadas partículas (preposi-
ções, conjunções etc.).
2) Estilo da escrita: algumas construções fraseológicas são
semelhantes às do quarto Evangelho, como paralelis-
mos, inclusões, palavras chaves, ritmo da escrita etc.
3) Índole semítica do texto: embora os termos semitas e o
pensamento dessa ordem não esteja tão claro, à primei-
ra vista, sob uma análise mais detalhada, encontram-se
elementos que levam a supor uma origem ou ao menos
um modo de pensar semita.
4) Analogia de conteúdo: os temas presentes no Evangelho
de João e na 1 João são semelhantes.
Destinatários
Diversamente das outras duas cartas ditas de João, essa
primeira carta não foi escrita a uma pessoa em particular. O que
parece é que foi escrita para um conjunto grande de Igrejas que,
provavelmente, viviam em uma mesma região geográfica ou sob
problemas e desafios comuns.
166 © Cartas aos Hebreus e Católicas
O texto da 1 João
O texto da 1 João e o das outras duas cartas ditas dele estão
presentes nos melhores códices: o Codex Vaticanus, representado
por B; o Codex Sinaiticus, representado por S; o Codex Ephremi,
representado por C; o Codex Alexandrinus, representado por A. Há
representantes do texto antigo em forma de textos unciais ou com
letras maiúsculas e existem, também, representantes de texto mi-
núsculo, com letras minúsculas.
Os testemunhos antigos do texto são muitos e, em geral, em
harmonia. As variantes de um texto antigo para outro são poucas.
Uma exceção digna de nota é o chamado "comma iohanneum”.
Trata-se de uma inserção no texto que, vista sob o ponto de
vista de estilo e de doutrina, aparece, claramente, como um acrés-
cimo posterior. Esse acréscimo acontece entre os versículos séti-
mo e oitavo do quinto capítulo. Aqui está o texto com o acréscimo,
no destaque, entre aspas:
7
São, assim, três os que dão testemunho: "no céu: o Pai, o Verbo e
o Espírito Santo, e esses três são um só; e há três que testemunham
na terra:” 8 o Espírito, a água e o sangue; estes três dão o mesmo
testemunho. 9 Aceitamos o testemunho dos homens. Ora, maior é
o testemunho de Deus, porque se trata do próprio testemunho de
Deus, aquele que ele deu do seu próprio Filho.
Prólogo: 1,1-4
Os primeiros versículos da 1 João lembram muito o Prólogo
do Evangelho segundo João. Em uma estrutura que concentra os
elementos, esses versículos, também aqui chamados de "prólogo",
destacam a afirmação do ver e do testemunho.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
1
O que era desde o princípio, o que temos ouvido,
o que temos visto com os nossos olhos, o que temos contemplado
Experiência direta A
e as nossas mãos têm apalpado
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
no tocante ao Verbo da vida —
Deus que se revela B
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
2
porque a vida se manifestou, e nós a temos visto;
Testemunho C
damos testemunho e vos anunciamos a vida eterna,
Fundamental
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
que estava no Pai e que se nos manifestou —,
Deus que se revela B’
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
3
o que vimos e ouvimos nós vos anunciamos,
Experiência direta A'
para que também vós tenhais comunhão conosco.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo.
Primeira conclusão D
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
4
Escrevemo-vos estas coisas para que a vossa alegria seja completa. Segun-
da conclusão E
Esta estrutura, como foi dito atrás, demonstra-se concêntrica:
A
B
C
B’
A’
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Inicialmente, anuncia-se uma experiência direta (A). Essa ex-
periência direta se equipara com a sua reafirmação (A’). O Verbo
da vida (B) é recordado, não com essa expressão, mas com a ideia
de sua manifestação (B’). Isso tudo se concentra no principal: “por-
que a vida se manifestou, e nós a temos visto, damos testemunho
e vos anunciamos a vida eterna” Tem-se, então: (a) vida que se
manifesta; (b) visão que dela se tem; (c) testemunho de quem viu;
(d) anúncio da vida eterna.
O prólogo da 1 João evidencia a experiência direta de quem
fala, talvez atribuída também a quem ouve, experiência direta com
Jesus, apresentado como o Verbo da vida. O resultado é a alegria
do fiel que deve ser, por isso mesmo, completa.
Filiação divina:–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
É interessante que o texto fale, frequentemente, da filiação divina. Parece que o
autor da 1João insiste em declarar que os fiéis, os que aceitam amar, motivados
pela adesão a Jesus Cristo, assumem a condição de filhos. Talvez isto não tenha
muita repercussão na atualidade, quando tal anúncio não causa tanto impacto.
Mas em uma sociedade violenta, marcada pelo ateísmo e pelo domínio político
militar, como era a sociedade no mundo romano na bacia do Mediterrâneo, essas
afirmações têm grande efeito. Mais ainda pelo fato de valorizar, intensamente,
o amor fraterno, coisa não muito destacada naqueles tempos; aliás, até negada
pela sociedade do poder e da opressão. Nesse sentido, o conteúdo da 1 João é
forte e provocativo.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
5,5-13: A fonte da Fé
A perícope anterior fechava o assunto do amor e, ao mesmo
tempo, abre agora o tema da fé e de suas consequências. Na par-
te da questão do chamado "comma iohanneum”, que já foi vista
anteriormente, é fundamental destacar a insistência na realidade
do Espírito, citado, muitas vezes, nessa perícope. É uma perícope
cristológica, mas que tem o Espírito como motivação.
Partindo de uma pergunta retórica (vers. 5), o autor decla-
ra que o vencedor do mundo é Jesus Cristo. Ele veio pela água e
pelo sangue (vers. 6), o que parece citar o episódio da Paixão no
Evangelho segundo João, quando do lado aberto de Cristo jorrou
sangue e água (1Jo 19,34).
Então, nos versículos 7 e 8, o autor raciocina com a imagem
do Espírito, da água e do sangue, como fontes do testemunho. Cla-
ramente, o que se vê é a menção da tradição literária da paixão de
Jesus e do símbolo usado para apresentá-la.
180 © Cartas aos Hebreus e Católicas
5,18-21: Epílogo
Finalmente, a Primeira Carta de João chega ao seu fim. Mas
não tem roupagem de fim, parecendo mais uma interrupção do
discurso. Algumas traduções bíblicas identificam essa perícope
como um resumo da carta.
Quem nasce de Deus não pode pecar, pois o Gerado por
Deus, que é Jesus Cristo, guarda o fiel, ao qual o maligno não pode
atingir (vers. 18). O autor da carta e seus ouvintes e leitores sabem
que são nascidos de Deus e que estão em um mundo corrompido
(vers. 19). Isto impõe sobre eles a adesão ao Filho de Deus como
caminho da Verdade (v. 20).
O último versículo da carta parece ser uma interrupção do
discurso. Volta a expressão "filhinhos”, seguida da exortação a se
guardar dos ídolos, que não foram citados no corpo da carta. Talvez
esse versículo iniciasse outro argumento e a carta fosse mais longa
em sua origem, ou esses ídolos estão no posto do maligno, fazen-
do uma ponte com o paganismo. Difícil saber o que pode ser.
A Primeira Carta de João é um longo discurso de confiança e
apresentação dos motivos de adesão à mensagem cristã. Mais do
que uma carta, ela é um estímulo no estilo dos primeiros discípu-
los frente aos valores do mundo de sua época.
Canonicidade
Não há unanimidade nos testemunhos da tradição a respei-
to dessas duas cartas. Santo Ireneu de Lião cita a 1 João e a 2 João,
não a 3 João. Clemente de Alexandria (†211) cita a 1 João como
"carta de João mais longa", o que sugere uma carta curta. O Cânon
de Muratori fala de "epístolas" de João, portanto, mais de uma,
sem esclarecer que sejam duas ou três. Orígenes (†245) e Eusébio
de Cesaréia (†339/340) expressam incertezas quanto à inspiração
da segunda e da terceira cartas. São Jerônimo († 420) indica, tam-
bém, que havia incertezas a respeito dessas cartas.
Contudo, partindo de Eusébio de Cesaréia, no Oriente, e de
Jerônimo, no Ocidente, as duas cartas atribuídas a João passam
a ser reconhecidas como parte do cânon do Novo Testamento. O
que é certo é que a segunda carta foi unanimemente aceita desde
fins do século 3º, e a terceira carta, desde fins do século 4º.
Autoria e destinatários
Nas duas cartas, o autor identifica-se como "presbítero", pa-
lavra que significa "ancião". Não se trata, necessariamente, de um
ancião em termos de idade, de anos vividos. Pode ser ancião no
sentido de experiência acumulada, portanto, de vivência. Assim,
o ancião pode não ser, forçosamente, um idoso, mas, sim, uma
pessoa experiente, provada pelas circunstâncias.
Eusébio de Cesaréia, citando Pápias, bispo de Hierápolis,
apresenta uma informação que fez muita influência na interpreta-
ção da autoria dessas cartas. Segundo ele, citando o antigo Bispo,
o autor dessas cartas seria um tal "João presbítero", distinto do
João, apóstolo do Senhor.
A tradição católica, seguida pela tradição bíblica das Igrejas
da Reforma, identifica o autor dessas duas cartas com o discípulo
João, apóstolo, filho de Zebedeu. A afirmação de sua ancianidade
expressa bem uma provável situação do apóstolo João, que, se-
gundo a tradição da Igreja antiga, morreu centenário.
O autor dessas duas cartas é uma personalidade segura
de seu testemunho (3Jo 12), consciente de sua autoridade (2Jo
8.9.10.12), autoconsiderado pai dos membros das comunidades,
aos quais chama “filhos” (3Jo 4), e preocupa-se com a ortodoxia e
a fé (3Jo 2s.12; 2Jo 1-4).
Isso tudo posto, é ainda necessário considerar que não há
segurança a respeito da autoria dessas duas cartas. Elas compõem
com a 1 João e o Apocalipse, o que se convencionou chamar “escri-
tos joaninos” mesmo que possam ser de autoria diversa.
O destinatário da 2 João é uma certa "senhora eleita", ex-
pressão que deve identificar uma comunidade cristã conhecida do
autor. Tal destinação dá a essa carta uma conotação eclesiológica
notável.
Já o destinatário da 3 João é um certo Gaio, membro de uma
comunidade. A ele, o autor da 3 João pede a assistência aos prega-
184 © Cartas aos Hebreus e Católicas
O texto da 2 João
A 2 João pode ser dividida em quatro partes bem distintas e
bem articuladas. A seguir, apresenta-se uma proposta de divisão.
Divisão da 2 João
1-3: Saudação e introdução
4-6: A necessidade do amor
7-11: Os an!cristos
12-13: Epílogo ou conclusão
7-11: Os anticristos
O tema do anticristo é apresentado. Ele é identificado como
os que não confessam Jesus Cristo e são chamados também de
"Sedutor". Não estar na doutrina de Jesus Cristo é não possuir a
Deus. Os fiéis devem evitar o convívio com estes que negam a Je-
sus, pois participar de suas obras é assemelhar-se com eles.
O texto da 3 João
A Terceira Carta de João tem, como a Segunda Carta de João,
uma estrutura simples. Pode-se chamá-la “bilhete”, mais do que
carta, embora tenha uma estrutura bem clara de carta.
Divisão da 3 João
1-2 Saudação
3-8 Gaio e o testemunho
9-11 Diótrefes e o mal exemplo
12 Demétrio é elogiado
13-15 Epílogo
1-2: Saudação
Assim como na 2 João, quem escreve é o Ancião ou Presbíte-
ro. Ele se dirige a um tal de Gaio − certamente um discípulo seu.
13-15: Epílogo
Após isso tudo, o autor declara que tem, ainda, muitos as-
suntos a tratar, mas o fará pessoalmente. Deseja a Gaio a paz e
transmite a mensagem dos amigos. No final, pede que Gaio saúde
a cada irmão pelo próprio nome, o que pode indicar uma intimida-
de notável entre o autor e os membros desta Igreja.
7. CARTA DE JUDAS
A Carta de Judas é deuterocanônica, isto é, aceita pelas Igre-
jas como parte do cânon apenas em um segundo momento.
Clemente de Roma provavelmente cita Judas (25) em sua
Primeira Carta aos Coríntios e no escrito chamado “Martírio de
Policarpo”. O Cânon de Muratori insere a carta entre os escritos
canônicos. Já Tertuliano cita Judas, contudo, para defender uma
suposta inspiração do Livro de Henoc. São Jerônimo apresenta a
questão de modo claro: algumas Igrejas e alguns personagens im-
portantes rejeitam a carta justamente pelo apoio que ela dá ao
texto apócrifo Livro de Henoc; outros a aceitam por uma suposta
antiguidade. Orígenes e Clemente de Alexandria citam a Carta de
Judas várias vezes.
Trata-se de um escrito pouco visitado pelos leitores do Novo
Testamento. Não apresenta o prestígio de um escrito paulino ou
de algum outro escrito com elementos doutrinais significativos.
188 © Cartas aos Hebreus e Católicas
3-4: O combate da fé
O autor faz referência a um momento de sua atividade epis-
tolar: quando escrevia, esta ou outra carta, não é possível saber.
Nessa ocasião, ele foi levado a exortar seus leitores contra os des-
vios da fé. Alguns homens ímpios teriam entrando na comunidade,
confundindo seus membros. Eles negam Jesus Cristo e propõem
atos licenciosos (vers. 4). A situação deveria ser de confusão entre
os membros da Igreja.
8. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
As questões autoavaliativas são propostas para que você
tenha a possibilidade de pensar sobre os conceitos expostos nas
unidades. Elas o conduzem, mais uma vez, ao texto da unidade ou
do livro bíblico em questão. Com o ato de respondê-las, seu apren-
dizado fica mais fixado.
O necessário é compreender os princípios e relacioná-los
entre si. Dessa forma, formam-se quadros de compreensão que
podem se desenvolver com leituras posteriores.
Assim, convidamos você a responder a essas questões auto-
avaliativas. Se for possível, partilhe com os colegas do EAD as res-
postas e as possibilidades que as questões levantadas propõem.
Bom estudo e reflexão.
192 © Cartas aos Hebreus e Católicas
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
KÜMMEL, W. G. Introdução ao Novo Testamento. Tradução de Isabel Fontes Leal Ferreira
e João Paixão Neto. São Paulo: Paulinas, 1982. (Nova Coleção Bíblica)
SCHLOSSER, J. A epístola de Judas. In: MARGUERAT, D. (Org.). Novo Testamento: história,
escritura e teologia. Tradução de Margarida Oliva. São Paulo: Loyola, 2009, p. 559-567.
TUÑI, J. O. As cartas de João. In: TUÑI, J. O.; ALEGRE, X. Escritos Joaninos e cartas
católicas. Tradução de Alceu Luis Orso. São Paulo: Ave Maria, 1999, p. 153-189. (Coleção:
Introdução ao Estudo da Bíblia, 8)
ZUMSTEIN, J. As epístolas de João. In: MARGUERAT, D. (Org.). Novo Testamento: história,
escritura e teologia. Tradução de Margarida Oliva. São Paulo: Loyola, 2009, p.471-492.