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EXISTE UMA MODERNIDADE

BRASILEIRA?
Reflexões em torno de um dilema
sociológico brasileiro*
Sergio B. F. Tavolaro

O presente artigo parte de uma constatação dos principais dilemas da sociologia brasileira
nada original, a saber, o fato de que toda a histó- desde seus primórdios foi e continua sendo “qual
ria do pensamento social brasileiro foi e continua o status da modernidade no Brasil? Existiria uma
sendo fortemente marcada pela tarefa de explicar, modernidade brasileira?”. Evidência da atualidade
compreender e interpretar a modernidade no Brasil. e apelo de tais questionamentos em nosso con-
Nossos mais renomados sociólogos, assim como texto intelectual é a retomada da produção acadê-
mica em torno desse tema desde a primeira me-
as contribuições nacionais que alcançaram lugar
tade dos anos de 1990 por uma geração mais
de maior destaque dentro e fora do Brasil, foram
jovem de cientistas sociais brasileiros inspirada
exatamente aqueles que se debruçaram sobre tal
pela produção sociológica internacional.1
tema. Parece-me legítimo, pois, afirmar que um Seguindo os passos da recente produção na-
cional, e igualmente sob a inspiração da teoria so-
* O presente artigo é uma versão modificada do texto ciológica contemporânea, pretendo refletir em tor-
apresentado no XXVIII Encontro Anual da Anpocs. no do tema da “modernidade no Brasil” a partir de
Agradeço aos organizadores e participantes do Semi- uma consideração crítica de duas das principais
nário Temático “Da Modernidade Global às Moder- abordagens do pensamento social brasileiro, a sa-
nidades Múltiplas” pelos valiosos comentários e su-
gestões, muitos dos quais me esforcei por incorporar
ber, a sociologia da dependência (cujas figuras no-
na presente versão. Evidentemente, isento a todos de dais me parecem inquestionavelmente ser Caio
responsabilidade quanto às limitações do artigo. Prado Jr., Florestan Fernandes, Fernando Henrique
Artigo recebido em novembro/2004 Cardoso e Octávio Ianni) e nossa sociologia da
Aprovado em agosto/2005 herança patriarcal-patrimonial (cujos elementos

RBCS Vol. 20 nº. 59 outubro/2005


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mais influentes são Gilberto Freyre, Sérgio Buar- riações no padrão de sociabilidade que o discurso
que de Holanda, Raymundo Faoro e Roberto da sociológico confere à modernidade. Além disso,
Matta). Em ambos os casos, é patente a resistência defenderei a idéia de que cabe a um discurso da
de ver a sociedade brasileira contemporânea e as modernidade que se pretende sociológico por ex-
ditas “sociedades modernas centrais” em pé de celência em seus esforços explicativos e interpre-
igualdade. Por um lado, afirma-se que nosso pas- tativos lidar com as formas de sociabilidade que se
sado diverge de maneira por demais substantiva consolidaram no Brasil contemporâneo e em ou-
do contexto cultural, normativo e simbólico em tros contextos modernos como o resultado contin-
que emergiu e se consolidou o padrão de sociabi- gente do confronto entre projetos sociais, deman-
lidade hoje predominante naquelas “sociedades das, concepções de mundo e interesses. Por fim,
centrais”; por outro, postula-se que nossa inaltera- aproveitarei a literatura já consolidada no debate
da condição de dependência econômica estrutural sobre globalização para argumentar não ser possí-
jamais deixou de ser um obstáculo à total integra- vel pensar a modernidade no Brasil senão em um
ção do Brasil no seleto clube dos países modernos contexto tendencialmente global. A partir desses
centrais. A meu ver, essas duas abordagens são elementos, que na verdade abrem uma ampla
entrecortadas por uma tonalidade essencialista: as- agenda de pesquisa, procurarei indicar uma alter-
pectos num primeiro momento vistos como histo- nativa para esse dilema central de nosso pensa-
ricamente constituídos são sutilmente deslocados mento social.
dos contextos dinâmicos e multidimensionais em
que se originaram e transformados em “variáveis
independentes”, pretensamente capazes de expli- À sombra da inautenticidade
car, em qualquer momento da história brasileira, o
tipo de sociabilidade que aqui se consolidou. Sob o rótulo de “sociologia brasileira da inau-
Entendo que avanços em relação à tarefa de tenticidade”, Souza (2000) procurou avaliar como o
compreender a modernidade no Brasil deman- conjunto da produção intelectual de Freyre, Holan-
dam, primeiramente, uma consideração crítica da da, Faoro e Matta mostra-se incapaz de pensar o
episteme, no interior da qual operam as propostas Brasil contemporâneo como uma exemplo acaba-
dos clássicos de nossa sociologia.2 Tal episteme, do de modernidade. Ao superenfatizar nossa pre-
responsável por demarcar o terreno cognitivo de tensa herança luso-ibérica, esses autores teriam
um certo discurso da modernidade que veio a se atribuído demasiada importância a traços de socia-
tornar hegemônico na produção sociológica inter- bilidade pré-modernos – mais especificamente,
nacional, vislumbra o padrão de sociabilidade mo- personalismo e patrimonialismo –, como se fossem
derno como sendo estruturado em torno de três eles ainda determinantes da suposta peculiaridade
pilares fundamentais: 1) Diferenciação/complexifi- brasileira. Daí a sombra de inautenticidade projeta-
cação social; 2) Secularização; 3) Separação entre da sobre a imagem que eles constroem do Brasil
público e privado.3 A fim de apontar caminhos contemporâneo: uma vez em débito com a cultura
para a superação de certas limitações embutidas e o padrão portugueses de sociabilidade, não sería-
em nossa sociologia da dependência e em nossa mos plena e autenticamente modernos. Para Sou-
sociologia da herança patriarcal-patrimonial, cha- za, tal linha interpretativa mostrou-se presa fácil de
marei atenção para algumas das armadilhas dessa preconceitos do senso comum.
episteme, que induzem empreendimentos interpre- Apesar de, conforme indicarei adiante, não
tativos a, por um lado, negligenciar variações de entender que a noção de “modernização seletiva”
sociabilidade experimentadas pelas próprias “so- introduzida por Souza seja capaz de superar um
ciedades modernas centrais” e, por outro, a atri- aspecto nuclear das limitações interpretativas por
buir a imagem de incompletude, imperfeição ou ele mesmo sugeridas, a expressão “sociologia da
ainda distorção à experiência brasileira moderna. inautenticidade” parece apreender a reticência e,
À luz do potencial crítico implícito na noção de por que não dizer, extrema resistência dos princi-
modernidades múltiplas, farei um exercício de de- pais nomes da produção sociológica nacional no
rivação da supracitada episteme, ressaltando as va- sentido de atribuir o status de “modernidade ple-
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na” à sociedade brasileira contemporânea. Pare- mento da ética do trabalho, revelaria a incompati-
ce-me legítimo estender o predicado de “inauten- bilidade de nosso passado ibérico com a racionali-
ticidade” aos diagnósticos elaborados por uma se- zação característica de “terras protestantes”. Com
gunda abordagem ainda mais influente em certas isso, estabilidade e segurança – atributos de uma
instituições de pesquisa e ensino no Brasil nos úl- ordem racionalizada – teriam sido postos em se-
timos quarenta anos, cujos principais nomes são gundo plano em favor do desejo pela recompensa
exatamente Prado Jr., Fernandes, Cardoso e Ianni, imediata. Naquele contexto, ao se estabelecer
que chamo aqui de “sociologia brasileira da de- como autoridade máxima e inquestionável da or-
pendência”. Por razões que em breve procurarei dem social, pater familias e família patriarcal te-
indicar, há também entre eles uma notável resis- riam se tornado os disseminadores hegemônicos
tência em equiparar a sociedade brasileira con- dos principais códigos e princípios de sociabilida-
temporânea e as chamadas “sociedades modernas de, emanando para a totalidade do corpo social
centrais”. Reproduzem, ainda que a partir de um idéias de poder, de respeitabilidade, obediência e
ponto de vista bastante diferente, aquela mesma de coesão social, moldando, assim, instituições as
imagem de “desvio” projetada pelos sociológos mais variadas.4 Tal condição explicaria, ainda, a
da herança patrimonial-patriarcal. proeminência do privado sobre o público e, con-
Freyre, Holanda, Faoro e Matta têm em co- seqüentemente, a invasão do Estado por códigos
mum o fato de atribuírem aos efeitos da herança sociais característicos do ambiente familiar.
patrimonial-patriarcal sobre o Brasil contemporâ- Faoro (2001) toma caminho particular no in-
neo a razão das distorções de nossa sociabilidade terior dessa perspectiva interpretativa: em vez do
moderna. Freyre (1990, 1996, 2000) e Holanda “patriarcalismo”, nossa peculiaridade moderna te-
(1994) claramente convergem em direção à idéia ria suas raízes no Estado patrimonial que se cons-
de que certos códigos de sociabilidade típicos da tituiu em Portugal desde os idos de sua formação.
família patriarcal e do pater familias teriam perma- Num cenário como aquele, onde as fronteiras en-
necido ativos na dinâmica social do Brasil contem- tre os domínios públicos e a casa real permanece-
porâneo para além do período colonial. Para Frey- ram marcadamente porosas, códigos impessoais
re, a extensão e a profundidade da disseminação teriam encontrado pouquíssimo espaço para per-
do tipo patriarcal de sociabilidade seriam uma con- mear o funcionamento do aparato estatal e para
seqüência, em última instância, do fato de que o regular as relações entre o Estado e os súditos da
latifúndio patriarcal, baseado no trabalho escravo Coroa. Ora, durante séculos, o Estado patrimonial
e orientado à produção e à exportação de maté- português e sua burocracia estamental mantiveram
rias-primas, veio a se tornar algo mais que uma o controle supremo de toda a dinâmica colonial,
simples unidade econômica: consolidou-se por mui- não só do ponto de vista politico-administrativo e
to tempo como locus político-administrativo, mili- militar, mas também do ponto de vista cultural,
tar e jurídico, além de centro organizador da vida econômico e até mesmo religioso.5 Conforme Fao-
sexual, cultural e até mesmo religiosa. Naquelas ro, nem mesmo os chefes locais conseguiram im-
circunstâncias, diferenciação social e impessoali- pedir que, após a Independência, se estabeleces-
dade teriam encontrado tremenda dificuldade para se no Brasil uma ordem bastante similar à do
florescer. Tais características jamais teriam deixado além-mar: com a Constituição de 1824, o impera-
de se fazer presentes, mesmo ao cabo da urbani- dor e sua burocracia institucionalizaram-se como
zação, da independência, da abolição da escravi- fonte primordial de poder, sufocando por décadas
dão e da queda da monarquia. a emergência de fontes paralelas de poder. Mesmo
Sérgio B. de Holanda, por sua vez, atribui à o controle das oligarquias estaduais no período de
nossa herança lusitana, marcada por “aversão con- 1889 a 1930 não teria representado mudanças tão
gênita a qualquer ordenação impessoal da existên- substanciais, já que, com a queda da monarquia,
cia” (1994, p. 75), a importância remanescente do teria prevalecido um tipo de relação autoritária en-
patriarcalismo no tecido social do Brasil contempo- tre as elites políticas (estaduais e locais) e suas ba-
râneo. O perfil da empresa colonizadora de portu- ses, marcado por obediência pessoal e por extre-
gueses, ancorada na ética da aventura em detri- ma porosidade entre os domínios públicos e os
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âmbitos privados dos líderes mais proeminentes. natural não tão diverso da Europa e impulsionado
Com a Revolução de 1930, teria voltado a se ins- por ondas migratórias catapultadas por conflitos
talar no Brasil um Estado de tipo patrimonial geri- religiosos e políticos, teria sido orientado para a
do por uma burocracia estamental controladora de construção de um novo mundo. Resultou, pois,
toda a dinâmica social e avessa à plena impessoa- em algo consideravelmente similar à própria expe-
lização e racionalização político-administrativas. riência societal da Europa ocidental. Algo bastan-
Em continuidade a essa abordagem, Matta te particular teria ocorrido nas zonas tropical e
(1980, 1995, 2000) defende a existência de um sis- subtropical. Lá, o motivo essencialmente econômi-
tema dual pretensamente estruturando e orientan- co do empreendimento – voltado fundamental-
do o Brasil contemporâneo: um código pessoal em mente à exploração dos recursos naturais do terri-
coexistência com um sistema legal individualizante tório virgem – teria desencadeado resultados bem
enraizado na ideologia burguesa liberal. Tal siste- originais: a organização social e política do Brasil
ma dual expressar-se-ia na posição que “casa” e em moldes patriarcal e escravista, em ambos os
“rua” ocupariam na gramática social brasileira: a casos sob o controle atento e centralizado de Por-
“casa”, domínio privado por excelência, seria o ter- tugal. Como bem demonstraram os termos de nos-
ritório da intimidade, do familiar, das relações pes- sa independência política – que se deu sob a de-
soais, do parentesco, da afeição e do descanso; a cisiva proteção da Inglaterra –, confirmou-se a
“rua” (mercado, Estado, tráfego, entre outros), do- condição de dependência externa do Brasil e, por
mínio público por excelência, seria um ambiente conseguinte, sua incapacidade de se dinamizar a
vivido e percebido como “a dura realidade”, esfera partir de dentro, por suas próprias forças e confor-
do trabalho, da luta, da disputa pela sobrevivência e, me objetivos próprios (Prado Jr., 1994). Daí a for-
com bastante frequência, da punição (Matta, 2000). te presença do aparato estatal diante da insupera-
Enquanto “em casa” os brasileiros seriam “pessoas” da debilidade de nossa iniciativa privada.
submetidas a regras de conduta estabelecidas pe- Ao buscar explicações para nossa “tão pecu-
los códigos do amor e do parentesco, na “rua” se- liar modernidade”, Florestan Fernandes (1975,
riam meros “indivíduos”, sujeitos a regras impes- 1976) sugere que a combinação inicial de grande
soais comumente vivenciadas como injustas e lavoura, escravidão e expropriação colonial teria
imprevisíveis. O que faria o Brasil contemporâneo revitalizado algo que havia muito se esgotara no
uma sociedade de tipo “semitradicional” seria pre- continente europeu, a saber, uma configuração so-
cisamente o fato de que “casa” e “rua”, nos termos cial de tipo estamental. Já que toda a riqueza aqui
acima considerados, conviveriam lado a lado. produzida era sistematicamente absorvida por Por-
Ainda que a partir de um viés um tanto dife- tugal e outras nações que ocupavam posições cen-
rente, os principais representantes de nossa socio- trais na ordem capitalista mundial, produtores lo-
logia da dependência revelam forte suspeição cais eram totalmente tolhidos a dar início a um
quanto à eqüidade entre Brasil e as chamadas “so- processo autônomo de inversão capitalista. Ao fi-
ciedades modernas centrais”. Apesar de também nal da consolidação do capitalismo monopolista no
voltar seu olhar para o período que antecedeu a Brasil, já na década de 1950, a sociedade brasileira
independência política, Prado Jr. (1970, 1971, teria internalizado os mesmos padrões sociais, po-
1994) atém-se à natureza econômica da empresa líticos e econômicos vivenciados pelas sociedades
colonizadora que deu início à nossa formação. capitalistas hegemônicas apenas em suas linhas
Para se compreender o Brasil, argumenta, é neces- mais gerais. Isso porque jamais teríamos consegui-
sário que se tenha em mente as particularidades do nos livrar daquela condição de dependência es-
daquela empresa em duas diferentes áreas da trutural e, conseqüentemente, de deixar para trás a
América: de um lado, os empreendimentos locali- zona periférica do sistema capitalista mundial: se-
zados na zona temperada do continente america- tores econômicos modernos e supermodernos, de
no (que incluem boa parte do atual território dos um lado, e setores arcaicos, de outro, teriam se ar-
Estados Unidos) e, de outro, aqueles que se de- ticulado de maneira consistente, razão pela qual
senrolaram nas zonas tropical e subtropical. O pri- uma porção significativa da população brasileira
meiro, a um só tempo concretizado em ambiente permanenceu alheia à universalização legal do tra-
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balho-livre. Em tais condições, conforme Florestan, guiriam fincar pé. Daí não terem prevalecido no
certas instituições políticas vivenciadas pelas socie- Brasil, de acordo com o autor, as mesmas condi-
dades capitalistas centrais não conseguiram vingar. ções que permitiram aos países capitalistas cen-
Nossa modernização teria, então, permanecido trais consolidarem instituições e valores burgueses
“dissociada do modelo de civilização operante nas e extendê-los para a maior parte da população.
nações hegemônicas”: Fernando Henrique Cardoso (1972, 1980;
Cardoso e Faletto, 1979) também refuta a tese se-
Ela negligencia ou põe em segundo plano os re- gundo a qual tendências culturais profundas te-
quisitos igualitários, democráticos e cívico-huma- riam aprisionado a sociedade brasileira em formas
nitários da ordem social competitiva, que opera- de sociabilidade de tipo patrimonial. Para ele, as
riam, na prática, como obstáculos à transição para
principais estruturas da sociedade brasileira con-
o capitalismo monopolista. Na periferia, essa tran-
temporânea deveriam ser compreendidas como
sição torna-se muito mais selvagem que nas na-
ções hegemônicas e centrais, impedindo qual-
decorrentes do reaparecimento do sistema exter-
quer conciliação concreta, aparentemente a curto no de dominação capitalista em práticas nacionais
e longo prazo, entre democracia, capitalismo e de grupos e classes sociais. Em nenhum momen-
autodeterminação (Fernandes, 1976, p. 256). to teria sido possível dar um salto em direção à al-
mejada autonomização, pois as etapas finais de
Octávio Ianni (1971, 1978), por sua vez, ar- realização da produção capitalista permaneceram
gumenta que os dilemas do Brasil contemporâneo visceralmente dependentes da dinâmica do mer-
resultam dos conflitos sociais, políticos, econômi- cado internacional (marcada pela depreciação
cos e culturais que teriam emergido ao longo do constante dos termos de troca comercial). Nessas
planejamento, da sucessão e da coexistência de condições, a industrialização só foi possível sob a
quatro modelos de desenvolvimento no Brasil: 1) tutela de um aparato estatal nacional-populista, o
o modelo exportador; 2) o de substituição de im- único verdadeiramente capaz de catapultar as di-
portações; 3) o de desenvolvimento associado; e, versas dimensões de nossa modernização. Ao fi-
ainda que de maneira limitada, 4) o socialista. As nal da Segunda Guerra Mundial, a necessidade de
lutas e os conflitos em torno de cada um desses investimentos para a continuidade da industriali-
modelos jamais teriam deixado de depender, de zação teria feito com que se consolidasse um
maneira bastante acentuada, do resultado de con- novo tipo de relação de dependência, a saber, a
tradições e crises que se desenrolaram no cenário de tipo “associado”, configurado no tripé multi-
internacional. Mesmo quando fatores internos ti- nacionais estrangeiras/setores modernos da econo-
veram algum peso em tais conflitos, isso só teria mia nacional/aparato-estatal. Ora, em decorrên-
se dado depois que transformações exteriores fi- cia do desequilíbrio estrutural entre necessidade
zessem valer seu impacto. Central para a com- de investimento e disponibilidade de recursos para
preensão do Brasil moderno seria, pois, a noção tal, a sociedade brasileira viu-se continuamente
de dependência estrutural, que para Ianni ocorre- impossibilitada de satisfazer as demandas de par-
ria “sempre que relações e estruturas econômicas te significativa de sua população, mesmo após ter
e políticas de um país estão determinadas pelas re- atingido consideráveis níveis de urbanização e ati-
lações e estruturas de tipo imperialista” (1971, p. vidade industrial. Diante de tantos constrangi-
33). Em meados dos anos de 1950, com o esgota- mentos e do alto potencial de instabilidade políti-
mento do modelo de substituição, frustraram-se as ca decorrente de insatisfações generalizadas, o
ambições autonomizantes que ainda nos restavam. tipo associado de desenvolvimento exigiu um
O golpe de 1964 teria sido a gota d’água para o aparato estatal autoritário e centralizador, o único
engajamento definitivo do Brasil no modelo capi- capaz de proporcionar condições ótimas para as
talista associado, agora sob hegemonia norte-ame- decisões de investimentos tomadas nas matrizes
ricana. O aparato estatal teria, então, sido levado das corporações estrangeiras (Cardoso, 1980). As-
a assumir atribuições e um tipo de postura em re- sim é que democracia representativa, grupos civis
lação à economia e às organizações civis em fun- e demais formas de sociabilidade vivenciadas ple-
ção das quais instituições democráticas não conse- namente pelas sociedades capitalistas centrais en-
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contraram condições difíceis para se consolidar Assim, de acordo com a imagem da sociedade
no Brasil.6 brasileira contemporânea projetada por essa pri-
meira abordagem, a despeito de ter passado por
processos de complexificação e modernização,
Semi-, periférica, ou singular? Para nossa sociedade jamais atingiu o grau e a exten-
além do dilema sociológico brasileiro são da diferenciação social, da secularização e
da separação entre o público e o privado observa-
Conforme pudemos verificar, para Freyre, dos nas “sociedades modernas centrais”. Tais ca-
Holanda, Faoro e Matta, elementos do tipo de so- racterísticas explicariam o status semimoderno da
ciabilidade que caracterizou a sociedade brasilei- sociedade brasileira contemporânea.
ra em seu período colonial ainda fazem-se presen- Já para a abordagem em que Prado Jr., Fer-
tes, impedindo a consolidação plena de instituições nandes, Ianni e Cardoso ocupam posições nodais,
e valores da modernidade. Nessa vertente do pen- não se trata mais de acentuar resquícios ibéricos –
samento social brasileiro, uma pretensa herança sejam eles patriarcais ou patrimoniais – na dinâmi-
patrimonial-patriarcal acaba sutilmente assumindo ca da sociedade brasileira contemporânea em seus
o caráter de “variável independente”, suposta- mais variados âmbitos e dimensões. Para a socio-
mente capaz de explicar, ao longo de toda a his- logia da dependência, os processos de moderniza-
tória brasileira, as formas e as configurações polí- ção experienciados nos últimos dois séculos tive-
ticas e sociais que aqui se consolidaram. Conforme ram intensidade e profundidade suficientes para
essa abordagem, ao aprisionar-nos entre o tradi- varrerem de nossa gramática social elementos de
cional e o moderno, aquela herança seria respon- ordem tradicional. Isso não significa, porém, que
sável por nossa permanência numa espécie de o Brasil tenha incorporado exatamente o mesmo
limbo semimoderno. Mais ou menos explícita nas padrão de sociabilidade das ditas “sociedades mo-
interpretações propostas por cada um daqueles dernas centrais”. É a insuperada condição de “de-
autores encontra-se a idéia de que no Brasil con- pendência estrutural”, marcando a economia brasi-
temporâneo, Estado, economia e sociedade civil leira desde os momentos primeiros de sua formação,
jamais teriam sido capazes de se diferenciar ple- que acaba por assumir o papel de “variável inde-
namente e, dessa forma, de se dinamizar a partir pendente”, supostamente capaz de explicar a pre-
de lógicas e códigos próprios. Em uma das va- tensa particularidade do padrão de sociabilidade
riantes (Freyre, Holanda, Matta), os domínios pú- que se consolidou entre nós. É, pois, a relação su-
blicos são vistos como tendo sido raptados e sub- bordinada e periférica ocupada pelo Brasil no sis-
jugados à lógica e aos propósitos das esferas de tema capitalista internacional que explicaria o por-
convívio familiar. Em outra (Faoro), é a burocra- quê de as principais instituições, os valores e as
cia estamental e sua dinâmica semi-racionalizada formas de sociabilidade exclusivamente típicas
que são vistas como as grandes vilãs de nossa su- dos “países centrais” jamais terem se enraizado en-
posta peculiaridade social, política e cultural. Em tre nós na mesma extensão e solidez. Daí que,
ambas as variantes, afirma-se primeiramente que conforme este segundo viés interpretativo, o cami-
o aparato estatal no Brasil veio a se constituir de nho tomado em direção à modernidade no Brasil
tal maneira a centralizar (em alguns momentos a não foi o mesmo da França, dos Estados Unidos e
monopolizar completamente) tarefas – dentre as da Inglaterra: o aparato estatal brasileiro teria sido
quais a produção social da vida material, a repro- levado a adotar uma postura consideravelmente
dução cultural e a resolução de conflitos cotidia- mais ativa em esferas sociais as mais variadas, a
nos – que em sociedades plenamente modernas fim de superar insuficiências e catapultar o desen-
teriam lugar em outras instituições e esferas so- volvimento nacional. Mais do que nos países cen-
ciais. Em segundo lugar, afirma-se que as esferas trais, pois, o Estado seria necessariamente chama-
públicas permaneceram subsumidas aos, e deli- do a intervir tanto na economia como na política
neadas por, códigos pessoais e privados, razão a fim de fazer frente a deficiências estruturais e à
pela qual regras impessoais e racionalizadas se- incapacidade de setores da sociedade brasileira de
riam freqüentemente relegadas a segundo plano. executarem tarefas que deles se esperariam em
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condições de plena autonomia. Ao se tornar fonte jo moderno “singular”, limitado a uma determinada
autocrática de poder, o aparato estatal teria sufo- configuração, acaba nos conduzindo à repetição,
cado o florescimento de organizações civis inde- ainda que sob outra roupagem, da imagem de “des-
pendentes. Em tais circunstâncias, a normativida- vio inequívoco” embutida nos diagnósticos das
de corrente nos países centrais jamais teria duas abordagens do pensamento social brasileiro
vingado no Brasil na mesma extensão e intensida- acima discutidas. Uma saída para esse problema,
de: por um lado, parte considerável da população acredito, é apontada nos trabalhos de José M. Do-
permaneceria alienada do mercado de trabalho-li- mingues (1999) e Renato Ortiz (1999). Domingues
vre; por outro, garantias civis e políticas de cunho defende a necessidade de se avançar em direção a
liberal não teriam encontrado ambiente propício uma concepção multifacetada de modernidade.
para se enraizarem. Daí os altíssimos índices de Trata-se, para ele, de vislumbrar as instituições mo-
desigualdade política, econômica e social, em ra- dernas em sua dimensão processual, ou seja, como
zão dos quais alguns poucos seriam capazes de fa- o resultado contingente e historicamente variável
zer valer interesses e demandas particulares em dos confrontos entre projetos particulares levados
detrimento de outros. Nesse caso, em vez de semi- adiante por subjetividades individuais e coletivas. É
moderno, o Brasil contemporâneo seria a cristali- a partir dessa perspectiva que Domingues conside-
ra as formas de sociabilidade que se consolidaram
zação de uma modernidade periférica.
no Brasil contemporâneo: como o resultado de dis-
Ora, quando consideradas do ponto de vista
putas em que certas coletividades foram capazes de
da episteme do discurso sociológico hegemônico da
fazerem prevalecer seus projetos em detrimento de
modernidade, as duas abordagens comumente
outros. Ortiz, por sua vez, agumenta que o Brasil
tidas como diametralmente opostas chegam a um
contemporâneo deve ser interpretado tendo-se
diagnóstico bastante similar, ainda que partam de
como pano de fundo a noção de “modernidade-
perspectivas bastante diferentes: diferenciação so-
mundo”. Para ele, atravessamos um momento em
cial, racionalização da normatividade e separa-
que a modernidade deixou de estar confinada a
ção entre o público e privado – os três pilares da fronteiras nacionais; ao deslocar-se do Ocidente, tal
sociabilidade moderna, de acordo com esse dis- processo pôs em xeque a existência de uma “única
curso – não teriam se consolidado no Brasil tal e matriz moderna”. Parece-me, pois, que a moderni-
qual o fizeram nos chamados “países modernos dade vista como um tipo de sociabilidade histórico
centrais”. No interior desse terreno cognitivo, pois, e contingente (já que fruto de disputas constantes
nossa condição moderna não seria outra senão entre projetos díspares), multifacetado e tenden-
uma espécie de desvio em relação às ditas “socie- cialmente global abre-nos o caminho para uma al-
dades centrais da modernidade”. Mantendo-se in- ternativa àquele dilema sociológico.
tocada a episteme daquele discurso sociológico he- A idéia de uma modernidade multifacetada
gemônico, não parece restar oultra alternativa tem encontrado espaço cada vez maior em discus-
interpretativa para além de “semi-” e “periférica”. sões recentes em torno da noção de modernidades
Parece-me, porém, já ser tempo para questio- múltiplas.7 Conforme sugere Nilüfer Göle, ao des-
narmos a acuidade dessas referências cognitivas. É tacar inúmeros aspectos da modernidade ocidental
exatamente aqui, no meu entendimento, que é pos- que por muito tempo permaneceram reprimidos,
sível ao menos indicar uma possível solução para marginalizados ou mesmo esquecidos, a noção de
esse antigo dilema sociológico. Conforme havia apon- modernidades múltiplas acaba por converter-se
tado anteriormente, uma nova geração de sociólo- em “um desafio a um só tempo histórico e intelec-
gos brasileiros vem lidando com esses problemas à tual a normas analíticas estabelecidas” (2000, p.
luz de novos dados empíricos e propostas teóricas 91). Isso porque, como salienta Eisenstadt, tal no-
recentes. Sugeri, ainda, que Jessé de Souza não te- ção propõe-se a questionar o pressuposto – com-
ria conseguido superar muitas das limitações daqui- partilhado, de um lado, pelas teorias sociológicas
lo que denomina “sociologia da inautenticidade”. A clássicas de Marx, Durkheim e Weber e, de outro,
meu ver, o fato de a noção de “modernização sele- pelas teorias de modernização dos anos de 1950 –
tiva” trabalhada por Souza (2000) ter implícita a pelo o qual “o programa cultural da modernidade
idéia de que a modernidade no Brasil é um arran- desenvolvido na Europa moderna e as constela-
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ções institucionais básicas que lá emergiram iriam gico hegemônico da modernidade. O grande de-
inexoravelmente dominar todas as sociedades mo- safio, então, parece-me ser o de equipar aquela
dernas ou em processo de modernização” (2000, p. episteme, a fim de que ela tenha maior amplitude
1). Eisenstadt salienta que, após os momentos mais interpretativa e vigor comparativo. Vale lembrar
incipientes da modernidade, especialmente depois uma vez mais que no discurso sociológico hege-
da Segunda Guerra Mundial, foi possível observar mônico da modernidade – no interior do qual
uma considerável multiplicidade de variações insti- Marx, Weber, Durkheim, Simmel e, mais recente-
tucionais e de padrões ideológicos em sociedades mente, Parsons, Luhmann e Habermas ocupam
(ocidentais ou não) em processo de modernização. posições nodais – as chamadas “sociedades mo-
Ainda que os resultados fossem distintamente mo- dernas centrais” são tidas como aquelas em que:
dernos, teriam contribuído sobremaneira para tais a) Estado, mercado e sociedade civil ocupam ne-
variações as tradições, as premissas culturais e as cessariamente esferas plenamente diferenciadas
experiências históricas (muitas vezes até mesmo entre si, reguladas exclusivamente por códigos
antiocidentais e antimodernas) das diferentes so- próprios e dinamizadas por lógicas particulares;
ciedades, para as quais, segundo Eisenstadt, o pro- b) a normatividade que regula as relações entre
jeto ocidental original permaneceu sendo o ponto indivíduos e deles com o Estado e o mercado são
de referência crucial. plenamente desencantadas além de protegidas de
Se levarmos as críticas de Eisenstadt (2000) influências de concepções de mundo e sistemas
e Göle (2000) às últimas consequências, devere- normativos não-racionalizados; e c) os âmbitos
mos admitir que mesmo entre as chamadas “so- público e privado, por sua vez, são também ple-
ciedades modernas centrais” – comumente vistas namente separados, cada um dos quais ordenado
como “o berço da modernidade” – houve varia- por códigos e lógicas particulares, comunicando-
ções consideráveis nos padrões de sociabilidade se apenas e tão-somente através de canais apro-
que lá se institucionalizaram. A incapacidade priados que mantêm inalterados os termos e as
daquela episteme de apreender tais variações foi regras de cada um dos domínios.
tal que o discurso sociológico hegemônico silen- Não creio que seja necessário descartar por
ciou-se diante delas. Ora, ao se referir à porção completo essa estrutura conceitual. Contudo, à luz
norte do continente americano e à Europa Oci- de evidências empíricas que se acumularam nos
dental, Wittrock nos lembra que últimos anos e do debate em torno da idéia de mo-
dernidades múltiplas, penso ser necessária uma
[...] não é verdade que todos esses países tiveram
apropriação crítica: ao pressupor que esses três pi-
tipos similares de instituições políticas e econômi-
cas [...]. Ao longo dos últimos dois séculos, ocorre-
lares da sociabilidade moderna são invariavelmen-
ram diferenças profundas entre os países ociden- te experienciados pelas chamadas “sociedades mo-
tais na maneira pela qual a sociedade, a economia dernas centrais”, tal episteme revela-se incapaz de
de mercado e as formas políticas modernas melhor codificar variações em cada um dos pilares. Trata-
se organizaram (2000, p. 33). se de um problema central na medida em que es-
sas variações são vivenciadas não só pelas chama-
É exatamente este ponto que gostaria de en- das “sociedades modernas tardias”, como também
fatizar, isto é, em vez de desconsideradas, essas pelas próprias “sociedades centrais”. Ao operar no
diferenças devem ser salientadas por aqueles que interior desse território epistemológico, as versões
têm como desafio compreender a modernidade nacionais do discurso sociológico hegemônico da
no momento em que ela se torna elemento cen- modernidade são conduzidas a interpretar e classi-
tral da globalização. ficar a sociedade brasileira como invariavelmente
A discussão em torno da noção de moderni- “peculiar” em relação às supostas “sociedades cen-
dades múltiplas revela-se, pois, promissora caso trais” – seja sob o rótulo de “semimoderna”, “peri-
queiramos evitar estereótipos e retratos congela- férica”, ou mesmo “singular” –, uma vez que: a) Es-
dos das diversas experiências modernas e, ao tado, mercado e sociedade civil são tidos como
mesmo tempo, tirar proveito do potencial analíti- estruturalmente entrelaçados; b) a normatividade
co da episteme em que opera o discurso socioló- que as permeia é vista como passível de influên-
EXISTE UMA MODERNIDADE BRASILEIRA? 13

cias de concepções de mundo e sistemas de nor- diferenciação social, eles nos permitem vislumbrar o
mas apenas parcialmente racionalizados; e final- amplo escopo de configurações Estado/mercado/so-
mente, c) seus âmbitos de ação público e privado ciedade civil que, ao menos em princípio, todas as
são, por sua vez, percebidos como interconecta- sociedades modernas são passíveis de experimentar.
dos. Todos esses traços seriam a prova cabal de É notória a existência de uma espécie de gradiente
nosso “desvio”. A sociologia clássica e a nossa so- de diferenciação entre eles: configurações liberal-capi-
ciologia da inautenticidade operam, então, como talistas são aquelas em que Estado, mercado e socie-
professias que se auto-realizam: ao tentar explicar dade civil se encontram mais marcadamente desvincu-
o “centro”, confirma-se a “margem” como um des- lados entre si, ao passo que configurações totalitárias
vio do primeiro e vice-versa, sem qualquer espaço são aquelas em que se observa maior entrelaçamento
para questionamentos. entre cada uma dessas esferas sociais. Duas observa-
Como disse, penso que soluções para tais di- ções importantes devem ser feitas aqui: primeira-
ficuldades cognitivas demandam um esforço de mente, não se pode qualificar nenhum desses cená-
derivação daquelas referências conceituais. A ver- rios como mais ou menos representativo da
são ampliada que defendo acentua a existência de: modernidade; em segundo lugar, nenhuma socieda-
a) padrões variados de diferenciação/complexifica- de moderna está fadada a se estruturar, ao longo de
ção social; b) padrões variados de secularização; e sua história, conforme apenas um desses padrões
c) padrões variados de separação entre domínios de diferenciação social.
públicos e privados. É aqui que se soma à presen- Quanto às variações nos padrões de seculari-
te consideração crítica a dimensão contingente da zação da normatividade, beneficio-me dos estudos
sociabilidade moderna: esses padrões variados de- de José Casanova (1994, 2001) a respeito dos papéis
vem ser considerados configurações passíveis de públicos e privados de organizações e concepções
serem assumidas por diversas sociedades, em mo- de mundo religiosas em diversas formações sociais
mentos históricos diferentes, não como resultado contemporâneas. Ao refutar a noção comumente
de tendências (sejam elas culturais, sejam econô- aceita de que a modernidade fez-se necessariamen-
micas) invariáveis, mas sim do confronto entre pro- te acompanhar do desaparecimento total e comple-
jetos sociais, demandas, interesses e visões de mun- to de visões de mundo religiosas, ou ao menos de
do díspares que disputam entre si a liderança na seu recolhimento em domínios privados, Casanova
organização da sociedade. Dessa maneira, configu- chama a atenção para três caminhos históricos ob-
rações sociais históricas e contingentes, por exce- serváveis no mundo moderno: 1) configurações em
lência, deixarão de correr o risco de serem ossifi- que associações religiosas têm papel ativo na vida
cadas e projetadas tanto no passado como no pública; 2) arranjos em que concepções religiosas se
futuro e no presente da sociedade brasileira e de mantêm vivas e atuantes fundamentalmente em âm-
outros contextos modernos. bitos sociais privados; e, finalmente, 3) casos nos
No tocante aos padrões variados de diferencia- quais associações e concepções religiosas não têm
ção/complexificação social, inspiro-me no estudo de peso marcante tanto em esferas sociais públicas
Michael Mann (1996) a respeito das cinco diferentes como em âmbitos privados. Também aqui não há
estratégias de construção da cidadania: a liberal, a re- por que afirmar categoricamente que qualquer um
formista, a monárquica, a autoritária socialista e a fas- dos cenários indicados seja mais ou menos moder-
cista. Em decorrência do foco particular de meu in- no que seus pares.
teresse, proponho a transmutação dessas rotas para Por fim, no tocante aos variados padrões de
cinco cenários-ideais de complexificação social: 1) separação entre o público e o privado, baseio-me
padrão de diferenciação liberal-capitalista; 2) padrão no estudo de Bryan Turner (1990) em relação às
de diferenciação social-democrático; 3) padrão de diferentes definições e papéis dos dois domínios
diferenciação capitalista-corporativo; 4) padrão de na dinâmica social moderna: a) o privado como
diferenciação autoritário (socialista ou capitalista); e âmbito de ação de indivíduos movidos pela busca
5) padrão de diferenciação totalitário (socialista ou de interesses subjetivamente definidos; b) o priva-
fascista). Apesar de esses cinco cenários não esgota- do como domínio de códigos familiais de sociabi-
rem todas as possibilidades teóricas e empíricas de lidade; c) o público entendido como resultante da
14 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 20 Nº. 59

Figura 1

Para além do dilema sociológico brasileiro


Padrões de Ordem
Capitalismo Social- Ordem Autoritária Ordem
diferenciação Corporativa-
Liberal democracia (socialista/capitalista) Totalitária
social Capitalista
Padrões de Secularização acentuada
diferenciação Religião restrita aos âmbitos privados
social Religião publicamente ativa –
Privado como auto-interesse –
Padrões de Privado como domínio da família –
separação
Público como vontade geral –
público-privado
– Público como controlado pelo Estado

Figura 2
Padrões de Diferenciação Versus Complexificação Social

Ordem Ordem Ordem


Capitalismo Liberal Social-democracia
Corporativista Autoritária Totalitária

*EUA (Era Reagan)


Religião publicamen- *Polônia pós-1989
*Brasil: Era Vargas *Brasil: 1964-1985
te ativa *Brasil: República
Velha

*Leste Europeu pós-II


Religião privada- *Alemanha (Bis-
Guerra (Polônia, *Alemanha Nazista
mente circunscrita marck)
Checoslováquia)

*Inglaterra, França, *Hungria pós-II


Secularização *Inglaterra
Alemanha pós-II Guerra *URSS (Era Stalin)
acentuada (Era Tatcher)
Guerra * URSS pós-Stalin

vontade geral; e d) o público como esfera de so- “determiná-lo em última instância” e de conduzi-
ciabilidade controlada e definida pelo Estado. De lo a esta ou àquela configuração em favor da
maneira semelhante, nenhum dos tipos assinala- idéia da constituição do social como um processo
dos por Turner é tido como representativo da mo- contingente (e não aleatório) (Laclau e Mouffe,
dernidade em maior ou menor grau. 1985; Laclau, 1996), não há por que não abrir o
Ao menos em princípio, essas variações em discurso sociológico da modernidade para a pos-
cada um dos pilares da sociabilidade moderna sibilidade de várias combinações dos elementos
são passíveis de se combinarem e de adquirirem acima sugeridos. Vale a pena indicar, ainda que
as configurações mostradas na Figura 1. superficialmente, algumas dessas combinações vi-
A idéia central implícita no quadro acima de- venciadas em diferentes contextos por algumas
lineado é a seguinte: não há por que descartar a formações modernas8 (Figuras 2, 3 e 4).
possibilidade de todas as combinações às quais Mas há ainda algo que gostaria de enfatizar
me referi serem, ao menos em princípio, expe- uma vez mais, a saber, a necessidade de se evitar
rienciáveis por toda e qualquer formação social quaisquer traços “essencializantes” em esforços in-
moderna. Ao descartarmos a existência de uma tepretativos e explicativos de contextos modernos.
lógica imanente ao social pretensamente capaz de Não me parece haver nada de mais anti-sociológi-
EXISTE UMA MODERNIDADE BRASILEIRA? 15

Figura 3
Padrões de Diferenciação Versus Complexificação Social

Ordem Ordem Ordem


Capitalismo Liberal Social-democracia
Corporativista Autoritária Totalitária

*Inglaterra
Privado como auto-
(Era Tatcher)
interesse
*EUA (Era Reagan)

*Brasil:
Privado como fami-
República
liar
Velha

*Inglaterra, França,
Público como
Alemanha pós-II
vontade geral
Guerra

*Leste Europeu
Público como con- *Brasil: Era Vargas
pós-II Guerra *Alemanha Nazista
trolado pelo Estado *Alemanha (Bis-
*URSS (pós Stalin) *URSS (Era Stalin)
marck)
*Brasil: 1964-1985

Figura 4
Padrões de Secularização Versus Padrões de Separação Público/Privado

Privado como Público como Público como controla-


Privado como familiar
auto-interesse vontade geral do pelo Estado

Religião publica- *Brasil: Era Vargas


*EUA (Era Reagan)
mente ativa *Brasil: 1964-1985

*Alemanha (Bismarck)
Religião privada-
*Alemanha Nazista *Leste
mente circunscrita
Europeu pós-II Guerra

Secularização *Inglaterra *França, Inglaterra e *Hungria pós-II Guerra


acentuada (Era Tatcher) Alemanha pós-II Guerra *URSS

co do que apostar na existência de uma lógica que ça cultural peculiar ou de sua imutável condição
condiciona o social “em última instância”. Ao en- de dependência econômica (em ambos os casos,
tender a constituição do social como um processo espécies de “determinantes em última instância”).
contingente decorrente de disputas entre forças so- Suspende-se, por conseguinte, a imagem pela qual
ciais, penso ser necessário conceber contextos mo- um único tipo de configuração teria marcado a so-
dernos como o resultado de conflitos entre proje- ciedade brasileira desde sua entrada na modernida-
tos, demandas, interesses e concepções de mundo de. De fato, um breve olhar sobre alguns dos dife-
que lutam entre si pelo controle de seu ordena- rentes períodos de nossa recente história (1889-1930,
mento. Dessa forma, descarta-se a idéia de que a 1930-1945, 1946-1964, 1964-1985, 1985-2005) é facil-
sociedade brasileira moderna seja, em suas várias mente capaz de nos revelar diferentes arranjos po-
dimensões, a manifestação de uma pretensa heran- líticos, institucionais, normativos e econômicos. Tor-
16 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 20 Nº. 59

na-se concebível, pois, a um só tempo falar de mo- tus da modernidade no Brasil. Trata-se do argu-
dernidade no Brasil e deixar para trás a noção da mento segundo o qual a modernidade veio a se
suposta presença invariável de traços ou elementos tornar um tipo de sociabilidade tendencialmente
que teriam orientado coerente e continuadamente global. Um número crescente de pesquisas10 tem
o devir histórico da sociedade brasileira a despeito salientado que mesmo em seus momentos inci-
da existência ocasional e marginal de contra-ten- pientes o tipo moderno de sociabilidade jamais se
dências. Em vez de coerência e inexorável conti- consituiu única e exclusivamente no interior de
nuidade – vale lembrar, sutilmente embutidas em fronteiras nacionais fixas e por meio de uma rota
expressões como “a singular modernidade brasilei- coerente e linear. Historicamente, experiências mo-
ra” –, é preciso que reconheçamos que a definição dernas as mais variadas (inclusive as das chama-
daquelas várias configurações foi e permanence das “sociedades centrais”) surgiram e se firmaram
sendo fruto de disputas e confrontos entre proje- ao longo de trocas (por vezes pacíficas, outras
tos, interesses, demandas e visões de mundo dís- consideravelmente conturbadas) com outras for-
pares às vezes passíveis de serem combinadas, ou- mas de sociabilidade (não tão diferenciadas, não
tras vezes completamente incompatíveis.9 Ora, tão secularizadas, e nas quais público e privado
como sugere Eisenstadt, a multiplicidade institucio- não se encontravam separados de forma tão acen-
nal e os diferentes padrões ideológicos que carac- tuada) e mediante conflitos envolvendo projetos
terizam o mundo moderno políticos, econômicos, normativos e culturais di-
vergentes, cujas origens múltiplas freqüentemente
[...] são levados adiante por atores sociais especí- trascendiam fronteiras nacionais e mesmo continen-
ficos fortemente conectados com ativistas sociais, tais. Nesse exato sentido, a hipótese da existência
políticos, intelectuais e movimentos sociais em de “rotas nacionais em direção à modernidade”11
busca de diferentes programas de modernidade, tem se mostrado cada vez mais problemática mes-
portadores de visões diferentes a respeito daquilo mo quando referida única e exclusivamente aos
que faz modernas as suas sociedades (2000, p. 2). momentos iniciais da experência moderna. Torna-
se ainda mais questionável quando se leva em
É, pois, a idéia de contingência que deve consideração o fato de que as instituições, os va-
orientar esforços interpretativos, não da suposta lores, as noções normativas e os produtos culturais
“semi-”, “periférica” ou “singular modernidade portadores de componentes-chave da sociabilida-
brasileira”, mas sim da “modernidade no Brasil”. de moderna se expandiram em escala global. Não
Assim sendo, a alternativa que proponho para o se trata de afirmar que modernidade e globaliza-
dilema sociológico brasileiro demanda, antes de ção se tornaram um único e mesmo fenômeno.
tudo, um esforço analítico por meio do qual as di- Globalização, entendida como a condição na qual
versas combinações e transformações por que pas- “o mundo se tornou parte de uma mesma huma-
sou (ou por ventura poderá vir a passar) a socie- nidade e em que todas as sociedades se tornaram
dade brasileira (tanto quanto as chamadas parte de um mesmo sistema mundial”,12 é, por cer-
“sociedades modernas centrais”) sejam devida- to, conceitualmente mais ampla do que a noção
mente apreendidas e consideradas. Demanda, em de modernidade: a globalização refere-se a um ce-
segundo lugar, a consideração de tais transforma- nário em que coexistem, ainda que de maneira as-
ções não como derivações de uma suposta heran- simétrica, formas diversas de sociabilidade além
ça cultural ou posição econômica no cenário eco- da moderna.13 Mas também é verdade que as for-
nômico internacional, mas, sim, como decorrentes mas societárias modernas têm se expandido e fei-
de disputas entre projetos e demandas que com- to valer o seu ímpeto globalizante,14 tornando-se
petem entre si pela direção da organização social, cada vez mais capazes de penetrar os mais diver-
política, econômica e normativa e que trazem em sos territórios e experiências sociais para além de
seu seio concepções variadas do padrão de socia- fronteiras locais e nacionais.15
bilidade a ser institucionalizado. Esse conjunto de idéias tem implicações im-
Para finalizar, gostaria de salientar um último portantes para os diagnósticos de nossa “sociologia
ponto que indiquei na introdução e que me pare- da inautenticidade”. Uma vez entendida como um
ce fundamental para a discussão em torno do sta- tipo de sociabilidade cuja dinâmica é marcadamen-
EXISTE UMA MODERNIDADE BRASILEIRA? 17

te contingente ao mesmo tempo em que tenden- tender problematicamente) chamadas “sociedades


cialmente global, tal noção de modernidade ajuda centrais da modernidade”. Parece-me, ainda, refor-
a pôr em xeque a hierarquia centro/periferia, im- çar noções lineares e “essencializantes” da consti-
plícita no discurso hegemônico da sociologia da tuição do social.
modernidade. Isso porque, em condições globais, É precisamente nessa direção que as disputas
mesmo que as chamadas “sociedades modernas em torno do padrão de sociabilidade no Brasil con-
centrais” possam ainda ser rotuladas como “inicia- temporâneo devem ser pensadas. Não há por que
doras históricas” da modernidade, não podem mais lidar com os projetos e as demandas em confronto
serem tidas como propagadoras e disseminadoras como momentos de nossa “semimodernidade” ou
exclusivas da sociabilidade moderna. Conseqüen- ainda de nossa “modernidade periférica”. Caso
temente, torna-se inapropriado atribuir às “socieda- aceitemos o argumento de que a vinda da família
des modernas tardias” o título de receptoras passi- Real portuguesa ao Brasil-colônia é o marco simbó-
vas e imperfeitas de formas de vida e concepções lico de nossa modernidade – momento de emer-
de mundo modernas. Não se trata de negligenciar gência de uma economia de mercado entre nós
os contextos específicos em que a experiência mo- além da implementação de regras político-adminis-
derna deu seus primeiros passos. Mas me parece trativas impessoais e da adoção do individualismo
bastante “essencializar” tais contextos, congelando- moral como código de valores dominante (Souza,
os no tempo e espaço e vinculando-os única e ex- 2000) –, pode-se então afirmar que os principais
clusivamente a certos aspectos culturais e/ou eco- projetos de sociedade, as várias demandas, as con-
nômicos pretensamente determinantes em última cepções de mundo e os interesses que, desde aque-
instância e irreprodutíveis. Torna-se fundamental, le momento, brigaram pela liderança no processo
então, a noção pela qual o processo de difusão de organização da sociedade brasileira, operaram,
desse tipo peculiar de sociabilidade se fez acompa- desde então, dentro de um universo cognitivo e
nhar de imediato de um processo de decentraliza- prático-moral moderno por excelência.16 Por conse-
ção de sua produção e disseminação. Tornam-se, guinte, seria também equivocado pensar tais proje-
assim, substancialmente contestáveis correspondên- tos, demandas, interesses e concepções de mundo
cias do tipo iniciadores da modernidade (centro) em confronto como componentes em potencial de
= disseminadores “autênticos” e “sociedades mo- um “tipo de sociabilidade moderna singularmente
dernas tardias” (periferia) = receptores “inautênti- brasileira”. Ora, sendo a modernidade uma forma
cos”, implícitas no discurso hegemônico e em de sociabilidade com ímpeto globalizante, disputas
nosso pensamento sociológico clássico. Essas cor- “locais/nacionais” são, elas mesmas, perpassadas
respondências entram em colapso quando se acei- por processos e ideários globais.17 Daí que, em con-
ta, primeiramente, a idéia elementar segundo a dições modernas, apenas em sentido muito restrito
qual nenhuma recepção de valores, de referências é legítimo atribuir às disputas “locais” em torno de
normativas ou de padrões político-institucionais, padrões de sociabilidade origens e dinâmicas pecu-
entre outros, foi ou ainda é um processo passivo; liarmente nacionais. Não se trata de afirmar que, na
em segundo lugar, caem por terra quando se reco- modernidade, essas disputas se tornam meros refle-
nhece que, a despeito da existência de relações de xos de processos tendencialmente globais. Não se
poder assimétricas no cenário internacional, aque- trata, ainda, de negar que cada nível de experiên-
les aos quais freqüentemente se atribui o rótulo de cia, seja ele “local”, “regional”, seja ainda “nacio-
receptores inautênticos foram e continuam sendo nal”, apresenta certo grau de autonomia. Contudo,
centros dinâmicos geradores e transformadores da uma vez estruturados e organizados por meio de
modernidade, capazes de impactar o padrão de so- configurações político-institucionais e normativas
ciabilidade experienciado pelos supostos iniciado- modernas, todos aqueles níveis permanecem deter-
res da modernidade. Uma vez mais: não se trata de minantemente interconectados a processos e imagi-
negar o caráter assimétrico da globalização, mas nários que transcendem suas restritas fronteiras.
daí para se atribuir um status moderno privilegia- Afinal de contas, as próprias maneiras como tais
do a um número restrito de sociedades parece-me, problemas e questões são definidos, conceituados
antes de tudo, negligenciar variações consideráveis e tratados se dão por meio de sistemas explicativos
de configurações, mesmo entre as (no meu en- e normativos cujas origens e dinâmicas transcen-
18 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 20 Nº. 59

dem as escalas em que se manifestam e se desen- Em segundo lugar, caberia levar adiante um esfor-
rolam. Não podem, pois, eles mesmos serem vis- ço comparativo envolvendo as várias configura-
lumbrados como meras manifestações locais e, con- ções brasileiras e as de outras sociedades, pensan-
seqüentemente, elementos singulares de um tipo do-as num contexto cada vez mais global.
de sociabilidade nacional.
Notas

Comentários finais 1 A esse respeito, ver Avritzer (1993); Avritzer e Do-


mingues (2000); Costa (1994); Domingues (1999,
A idéia de modernidade entendida como um 2002a e b); Neves (1996); Silva et al. (2002); Souza
tipo de sociabilidade multifacetada, constituída ao (2000, 2004). Sintomático, ainda, da efervescência
longo de disputas contingentes entre projetos, in- dessa problemática em nossa recente produção so-
teresses e visões de mundo num contexto crescen- ciológica é a existência de dois seminários temáticos
temente globalizado, ajuda-nos a encontrar uma em que tais questões foram tratadas de maneira
possível alternativa para o dilema que há muito in- mais explícita no XXVIII Encontro Anual da An-
triga duas das principais abordagens no interior do pocs, quais sejam, o supracitado “Da Modernidade
pensamento social brasileiro. Em vez de reduzir as Global às Modernidades Múltiplas” e o “Dilemas da
diversas configurações políticas, econômicas, insti- Modernidade Periférica”. Por fim, vale lembrar que
tucionais e sociais experienciadas ao longo da re- elementos dessa mesma problemática se encontram
cente história brasileira a um supostamente único difusos em outras áreas de pesquisa nas ciências
tipo de configuração moderna (pré-determinado sociais brasileiras, ainda que com diferentes desig-
por tendências culturais e/ou econômicas), abre-se nações, tais como, “formação do Estado”, “religiosi-
caminho alternativo para que se considere como dade”, “sociedade civil e movimentos sociais”, “se-
as disputas que se desenrolaram entre nós vieram xualidade e intimidade”, entre outros.
a se traduzir em padrões variados de diferencia- 2 Por episteme entendo uma grade geral de concei-
ção/complexificação social, de secularização e de tos e noções que delimita o terreno cognitivo no
separação público/privado no decorrer de nossa interior do qual operam determinadas teorias ex-
história. Acima de tudo, procurei mostrar que lidar plicativas e interpretativas da “realidade”.
com o Brasil contemporâneo como um exemplo
3 Guardadas as particularidades tão bem conhecidas,
de “semimodernidade”, de “modernidade periféri- pode-se dizer que esse território cognitivo compõe
ca”, ou ainda como um “caso singular de moder- o denominador comum de Karl Marx, Max Weber,
nidade” (termos que trazem em si a imagem de Émile Durkheim, Georg Simmel e alguns dos mais
“desvio”) implica reforçar imagens congeladas e influentes sociólogos contemporâneos, tais como
“essencializantes” não só da própria experiência Talcott Parsons, Niklas Luhmann e Jürgen Haber-
brasileira, como também da dinâmica de socieda- mas. É a predominância dessa referência epistêmica
des tidas como inequivocamente localizadas no nas produções sociológicas em escala global que
“centro da modernidade”. me conduz a denominá-las elementos centrais de
Por fim, o presente artigo sugere uma ampla um “discurso sociológico hegemônico da moderni-
agenda de pesquisa. Primeiramente, aponta para a dade”. Procurei sugerir como elementos centrais das
necessidade de se comparar os vários momentos teorias de cada um deles internalizam as noções de
de nossa história recente à luz da versão ampliada da diferenciação social, secularização e separação pú-
episteme do discurso sociológico hegemônico blico/privado (Tavolaro, “Introdução”, 2004).
da modernidade que procurei aqui desenvolver. 4 Isso explicaria a manutenção de traços pré-moder-
Caberia, pois, reconstruir quais projetos, interesses nos nas instituições políticas brasileiras, em que “as
e visões de mundo na República Velha, na Era Var- facções são contituídas à semelhança das famílias,
gas, na República Populista, na Ditadura Miliar e precisamente das famílias de estilo patriarcal, onde
no pós-1985 se confrontaram na definição da con- os vínculos biológicos e afetivos que unem ao chefe
figuração de cada um dos pilares da sociabilidade os descendentes, colaterais e afins [...] hão de pon-
moderna e como tais disputas se desenrolaram. derar sobre as demais considerações. Formam assim,
EXISTE UMA MODERNIDADE BRASILEIRA? 19

como todo indivisível cujos membros se acham as- transações – passível de ser avaliada em termos de
sociados, uns aos outros, por sentimentos e deveres, sua extenção, intensidade, velocidade e impacto –,
nunca por interesses e idéias” (Holanda, 1994, p. 47). geradora de fluxos transcontinentais e interregio-
5 Para Faoro, é exatamente isso que nos diferenciaria nais e de redes de atividade, interação e exercício
dos países que emergiram da experiência colonial de poder” (1999, p. 16).
anglo-saxônica: “Os ingleses transmigrados forma- 13 Ver Pieterse, segundo o qual a globalização, enten-
ram sua própria organização política e administrati-
dida como a intensificação de relações sociais por
va [...]. Não os contaminou a presença vigilante, des-
todo o mundo, deve ser vista “para além do raio da
confiada e escrutadora, do funcionário reinol: por
modernidade/ocidentalização” (1995, p. 48).
sua conta, guardadas as tradições de self-govern-
ment e de respeito às liberdades públicas, construí- 14 A esse respeito, concordo mais uma vez com José
ram as próprias instituições. [...] O inglês fundou na Casanova, para quem “a globalização é contígua à
América uma pátria, o português um prolongamen- modernidade, ao sistema capitalista mundial e ao
to do Estado” (Faoro, 2001, pp. 145-146). sistema mundial de estados-nações” (Kumar e Ma-
6 Prova disso seria a ausência de partidos políticos karova, 2002, p. 92).
representativos das classes sociais, da divisão har-
15 Wittrock (2000) caracteriza o cenário atual da mo-
moniosa entre os poderes republicanos e de garan-
dernidade como sendo o de “uma condição glo-
tia efetiva de direitos individuais (Cardoso, 1972).
bal”, em que, por mais variadas que sejam, formas
7 Ver, por exemplo, Alexander (1995); Al-Azmeh institucionais e construções conceituais típicas da
(1996); Appadurai (1995); Berger e Huntington modernidade não só se tornaram globalmente re-
(2002); Eisenstadt (2000); Featherstone, Lash e Ro- levantes, como também se tornaram princípios es-
bertson (1995); Göle (2000); Knobl (2003); Wit-
truturantes por detrás de projetos institucionais em
trock (2000).
escala global.
8 Para traçar esse quadro esquemático, baseei-me na
16 Por universo cognitivo entendo um conjunto de
seguinte literatura: Agh (1994); Brubaker (1992);
conceitos e instrumentos interpretativos que aju-
Finn (1991); Fraser e Gordon (1994); Gohn (1997);
dam a compreender e codificar a “realidade”. De
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ocupam os lugares mais privilegiados em esforços
9 Como bem nos lembra Eisenstadt (2000), antino-
interpretativos e demais tentativas de se definir o
mias internas e contradições estiveram presentes na
que é a “realidade”. Quanto à noção de universo
modernidade desde seu início no Ocidente, daí con-
prático-moral, refiro-me ao conjunto de preceitos e
tinuamente emergindo discursos críticos e contesta-
códigos normativos que ajudam a conceber como
ções políticas que se enfrentraram para definir as
a “realidade social” deve ser. Genericamente, na
instituições a serem cristalizadas.
modernidade, tais preceitos são vistos não como
10 Ver nota 8. emanações de Deus ou qualquer ordem superna-
11 Vale lembrar, dois dos estudos clássicos que se tural, mas, sim, como construções humanas racio-
apoiaram em tal hipótese foram Bendix (1996) e nalmente justificáveis e passíveis de serem modifi-
Moore (1966). cadas pela sociedade aos quais se referem.

12 Ver, a esse respeito, entrevista de José Casanova 17 Vale lembrar aqui que a literatura em torno do fe-
em Kumar e Makarova (2002, pp. 91-108). Para nômeno da globalização freqüentemente acentua
uma definição formal de globalização na direção os impactos “locais” de processos globais. A esse
apontada por Casanova, ver Held et al., segundo respeito, ver, por exemplo, Beck (2000). Ao mes-
os quais a globalização é “um processo (ou con- mo tempo em que chama a atenção para o caráter
junto de processos) que corporifica uma transfor- multidimensional e multifacetado da globalização e
mação na organização de relações sociais e de de seus impactos (econômicos, políticos, institucio-
20 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 20 Nº. 59

nais, normativos, culturais, ambientais, entre ou- BRUBAKER, Roger W. (1992), Citizenship and na-
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RESUMOS / ABSTRACTS / RÉSUMÉS 163

EXISTE UMA MODERNIDADE IS THERE A BRAZILIAN EXISTE-T-IL UNE MODERNITÉ


BRASILEIRA? REFLEXÕES EM MODERNITY? REFLECTIONS BRÉSILIENNE? RÉFLEXIONS À
TORNO DE UM DILEMA ON A BRAZILIAN PROPOS D’UN PROBLÈME
SOCIOLÓGICO BRASILEIRO SOCIOLOGICAL DILEMMA SOCIOLOGIQUE BRÉSILIEN

Sergio B. F. Tavolaro Sergio B. F. Tavolaro Sergio B. F. Tavolaro

Palavras-chave Keywords Mots-clés


Modernidade no Brasil; Teoria so- Modernity in Brazil; Social theo- Modernité au Brésil; Théorie so-
cial; Pensamento social brasileiro. ry; Brazilian social thought. ciale; Pensée sociale brésilienne.

O presente artigo trata do pro- This article aims at providing a con- Cet article aborde le problème
blema da modernidade no Brasil sideration of the issue of modernity de la modernité au Brésil. L’au-
a partir de uma análise crítica de in Brazil by means of a critical teur propose une analyse critique
duas das principais abordagens analysis of two of the main strands des deux principaux courants
do pensamento social brasileiro, in the Brazilian social thought, name- existants au sein de la pensée so-
a saber, a sociologia da depen- ly the so-called dependency socio- ciale brésilienne : la sociologie
dência e a sociologia da heran- logical approach and the patrimo- de la dépendance et la sociologie
ça patriarcal-patrimonial. O au- nial-patriarchal heritage strand. It de l’héritage patriarcale-patrimo-
tor parte em defesa de um argues in favor of a broadened niale. Il défend un référentiel con-
referencial conceitual ampliado, conceptual framework capable of ceptuel amplifié, capable d’appré-
capaz de apreender variações grasping variations in the three hender les variations existantes
nos três pilares da sociabilidade pillars of modern sociability, that dans les trois piliers de la socia-
moderna, quais sejam, a diferen- is, social differentiation, secular- bilité moderne, à savoir : la diffé-
ciação social, a secularização, e ization, and the public-private rentiation sociale, la sécularisa-
a separação público/privado. divide. The ultimate goal is setting tion et la séparation entre le
Trata-se, em última instância, de the terrain for dealing with the public et le privé. Son but est de
preparar o terreno para lidar constitution of modern sociability préparer le terrain à l’abordage de
com a constituição da sociabili- as a contingent process resulting la constitution de la sociabilité
dade moderna como um proces- from contentions among disput- moderne, considérée comme un
so contingente, que resulta do ing projects, interests, and world processus contingent issu de l’af-
enfrentamento entre projetos, in- views, which fight for the control frontement de projets, d’intérêts
teresses e concepções de mundo of the social order. et de conceptions du monde to-
díspares, em luta pelo controle talement différents, qui rivalisent
do ordenamento do social. pour le contrôle de l’ordre social.

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