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ANA PAULA DOURADO

ADENDA À SEGUNDA EDIÇÃO DO DIREITO FISCAL


Dezembro de 2018

LEIS INTERPRETATIVAS E RETROATIVIDADE

Lembrámos atrás a regra segundo a qual a lei só dispõe para o futuro. Todavia, a lei
interpretativa é, por definição, retroativa. Nos termos do art. 13.º do Código Civil, a lei
interpretativa integra-se na lei interpretada. As leis verdadeiramente interpretativas – as
únicas que podem ser retroativas – são aprovadas para esclarecer o sentido ambíguo de
uma lei anterior, quando esta lei interpretada é suscetível de mais do que uma
interpretação (quando o conjunto de argumentos legais nunca garante ou justifica
apenas um e só um resultado num caso particular).

No contexto das leis interpretativas, não é aceitável a distinção introduzida no acórdão


n.º 395/20171, entre a interpretação legislativa, como tendo natureza constitutiva, e a
interpretação jurisdicional, como tendo mera natureza declarativa.

É muito questionável que a interpretação dos tribunais seja meramente “declarativa”,


nomeadamente, quando os tribunais devem ponderar princípios e aplicá-los ao caso
concreto.

Segundo o acórdão n.º 395/2017, a interpretação legislativa estaria relacionada com


uma atividade e autoridade políticas, decidindo o que é melhor para a comunidade.
Esta conceção não é aceitável, porque a verdadeira lei interpretativa não pode fixar o
sentido que a lei interpretada deve ter, seguindo razões de justiça, utilidade ou
oportunidade, e afastando-se de um dos sentidos possíveis da lei ambígua. A verdadeira
lei interpretativa escolhe um dos sentidos válidos da lei interpretada.

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De 12 de julho de 2017, proc. n.º 751/2016, 3.ª secção, relator: Conselheiro Gonçalo de
Almeida Ribeiro.

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Ela pode ter em conta argumentos de justiça, utilidade ou oportunidade, desde que estes
respeitem os critérios de interpretação. Como o sentido fixado pela lei interpretativa
corresponde a um dos sentidos possíveis da lei interpretada, a lei interpretativa não lesa
a confiança legítima do contribuinte.

Na verdade, ao abrigo da lei interpretada não existia qualquer estabilidade ou


expectativa legítima, e os sujeitos passivos não podiam agir com base em nenhuma
convicção sobre o regime dela decorrente, pois não existia igualdade na aplicação da lei
a casos idênticos.
Ao escolher um dos sentidos possíveis, a lei interpretativa cria segurança jurídica para
o futuro, e, ao ser retroativa, assegura uma aplicação igual da lei.

Nas leis interpretativas, como referimos, não há expectativas legítimas quanto a uma
interpretação correta.
Por conseguinte, perante decisões contraditórias por parte dos órgãos decisores, sejam
eles a autoridade tributária ou os tribunais, é recomendável que o legislador esclareça o
sentido da lei o mais rapidamente possível. Não concordamos também seja necessário
esperar por uma controvérsia jurisprudencial, e que essa controvérsia ou divisão
jurisprudencial seja estatisticamente significativa (veja-se esta argumentação no no
acórdão 395/2017).

A Comparabilidade nos Impostos Estáticos sobre o Património: a Verba 28.1 do


Imposto do Selo e o Adicional ao IMI

Relativamente aos impostos estáticos sobre o imobiliário, de que são o exemplo o


imposto municipal sobre imóveis (IMI), a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de

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Selo2, e o adicional ao IMI3 que substituiu a referida verba 28.1, o objeto de tributação é
parcelar. No caso do IMI o objeto de tributação é a propriedade, usufruto ou direito de
superfície sobre imóveis; no caso da verba 28.1 e do adicional ao IMI, a tributação incide
sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de imóveis avaliados acima de um
determinado valor patrimonial tributário.

Segundo o n.º 3 do art.º 103 da CRP, a tributação do património deve contribuir


para a igualdade entre os cidadãos, isto é, deve ir além da justiça equitativa e ter
finalidades redistributivas.

Este preceito exigiria um imposto geral sobre o património, dado que os impostos
parcelares discriminam alguns ativos (no caso português só se tributa o património
imobiliário) a favor de outros (no caso português, os ativos mobiliários não são
abrangidos pelos impostos sobre o património). Por conseguinte, os impostos parcelares
sobre o património não assentam num critério de igualdade que permita a
redistribuição.

Considerando que os impostos parcelares sobre o património em Portugal incidem


sobre o património imobiliário porque o património mobiliário se deslocaliza com
facilidade para fora do território, podemos entender que o legislador encontrou um objeto
de tributação que assegura a igualdade possível (segundo ótimo).

Assim sendo, é razoável defender que os impostos parcelares sobre o património não
são inconstitucionais, mas é preciso ter presente que a tributação de uma parte do
património não constitui um critério de igualdade adequado a prosseguir fins
redistributivos típicos dos impostos pessoais. A pessoalidade implica a tributação da
riqueza global.

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Aprovada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, e alterada pelo Lei n.º 83-
C/2013, de 31 de dezembro.
3 Aditado ao Código do IMI pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro)

3
Além disso, quando o legislador escolhe um objeto de tributação parcelar está
obrigado, ainda assim, a encontrar um parâmetro correto de igualdade, por
referência a esse objeto.

Tomemos o exemplo da referida verba 28.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo,


aprovada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, para averiguar da sua conformidade
com o princípio da capacidade contributiva:

“28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor


patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal
sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial
tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1 %”

Este imposto introduzia progressividade à tributação em IMI, cuja taxas são


fixadas anualmente pelos municípios da área de localização dos prédios, e que
atualmente se situam entre 0,3% e 0,45% para os prédios urbanos (art. 112.º do CIMI).

É preciso notar que o objeto de tributação da verba 28.1. da Tabela Geral do Imposto
de Selo, diferentemente do objeto de tributação do IMI, não era apenas a propriedade,
usufruto ou direito de superfície de unidades de prédios urbanos. Se assim fosse, o
art. 112.º do CIMI teria sido revogado, e todas as unidades com autonomia jurídico-
económica seriam tributadas em Imposto de Selo, à taxa proporcional de 1%: a igualdade
estaria assegurada.

A verba 28.1. da Tabela Geral do Imposto de Selo introduzia progressividade ao


IMI através da restrição do universo (objeto) de tributação deste último imposto (o
IMI): o objeto de tributação em imposto de selo era a propriedade, usufruto ou direito
de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da
matriz, estivesse acima de certo valor.

O mesmo é dizer que a finalidade da verba 28.1 era redistributiva (como acontece
com os impostos progressivos). O valor de 1 000 000 € escolhido pelo legislador passou

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a ser o ponto de referência, o critério de comparabilidade.

O problema é que a verba 28.1. incidia sobre cada unidade de um prédio urbano,
desde que atingisse um mínimo valor patrimonial tributário (VPT) (1 000 000 €), e
não sobre o conjunto de unidades de prédios urbanos, propriedade, usufruto ou direito
de superfície, de um dado sujeito passivo, que atingisse o referido VPT.
Como o imposto introduzia progressividade ao IMI e a sua finalidade era
redistributiva, não deveria o VPT referir-se apenas a uma parte dos prédios urbanos
do sujeito passivo (a cada unidade jurídico-económica), deixando outros de fora, sem
uma razão que justificasse tal exclusão. Não existia razão para tal exclusão. A razão do
imposto progressivo não era (não podia ser) tributar cada “unidade de luxo” com
autonomia económico-jurídica, excluindo outras que ficassem abaixo ou ligeiramente
abaixo do VPT de 1 000 000 €.

A verdadeira finalidade da lei, ao introduzir progressividade, era tributar os sujeitos


passivos com maior capacidade contributiva. Esta seria revelada pela totalidade de
prédios urbanos de um sujeito – e seriam tributados os sujeitos passivos cuja riqueza
em prédios urbanos fosse igual ou superior a 1 000 000 € (valor patrimonial
tributário).

A finalidade da lei só seria pois corretamente atingida através do VPT do conjunto


patrimonial: se este conferise a cada sujeito passivo uma capacidade contributiva avaliada
em pelo menos 1 000 0000€ (VPT), fosse esse conjunto patrimonial constituído por várias
unidades cuja soma chegasse ao VPT de 1 000 000 € ou constituído apenas por uma
“unidade de luxo” no valor de 1 000 000 €.

O legislador não soube exprimir esta finalidade de um modo compatível com o


princípio da capacidade contributiva.

O apuramento separado do VPT dos prédios, com base na autonomia económico-


jurídica de cada fração, significou que um proprietário A com diversos prédios de valor
patrimonial tributário de 999 000 € não era tributado ao abrigo da verba 28.1 do imposto
do selo e um proprietário B com um único prédtio de valor patrimonial tributário de 1000
000 € era tributado ao abrigo dessa verba.

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Não é pois suficiente defender que o fim da norma contida na verba 28.1 era o de
tributar os patrimónios imobiliários de maior valor para satisfazer “o princípio da
equidade social na austeridade” (V. a referência nos acórdãos n.º 590/2015 e n.º
378/2018). Não é o valor de cada património imobiliário isoladamente considerado
que permite satisfazer esse princípio de equidade – vertical – seja em austeridade ou
fora dela, mas o conjunto desse património.

A autonomia económico-jurídica de cada fração a que se referiu o Tribunal


Constitucional nos acórdãos n.º 590/2015 e n.º 378/2018 não são relevantes, quando se
pretende tributar riqueza acima de certo valor.
A avaliação patrimonial autónoma de cada unidade jurídico-económica
constituiu um critério arbitrário, discriminando favoravelmente (isto é, excluindo) e
sem justificação válida os sujeitos passivos que detivessem um património imobiliário
cujo VPT fosse, no seu conjunto, de pelo menos 1 000 000 €.

Pelas razões invocadas, a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo é um


exemplo típico de arbitrariedade, de imposto regressivo, e de violação da igualdade
horizontal e vertical (discriminação de contribuintes cujo património predial atingia o
mesmo VPT ou um VPT superior estavam sujeitos a uma diferente carga fiscal). Como
tal, deveria ter sido declarado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional (não foi isso
que Tribunal Constitucional entendeu, no acórdão n.º 590/2015).

Além do mais, a verba 28.1., na versão da citada lei de 2012, discriminava os prédios
urbanos em relação aos terrenos para construção.

O alargamento da incidência da verba 28.1 do Imposto de Selo à propriedade de


terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista seja para habitação, nos
termos do CIMI, cujo valor patrimonial seja igual ou superior a 1 000 000 (Lei n.º 83-
C/2013), veio minorar a violação da igualdade, pois eliminou a discriminação entre
proprietários de prédios urbanos e os proprietários dos terrenos para construção, embora
possa ser penalizadora para a atividade de promoção do investimento imobiliário.

O adicional ao IMI, introduzido em 2016, independentemente das críticas que lhe

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possamos dirigir, veio acabar com a desigualdade criada pela verba 28.1 da Tabela Geral
do Imposto do Selo.

A Concessão de Empréstimos às Sociedades Participadas pelas SGPS

A concessão de empréstimos às sociedades participadas integra-se na atividade das


SGPS, sendo permitida pelo regime legal (art. 5.º, n.º 1, al. c) e n.º 2 do DL 495/88, com
as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de setembro).
Por esta razão, tem sido jurisprudência constante que os juros devidos a instituições
financeiras, por parte de SGPS, resultantes de empréstimos onerosos destinados a
financiar gratuitamente as suas participadas, se inserem na atividade destas: segundo o
STA, os encargos financeiros suportados por estes empréstimos estão conexionados
com a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da
fonte produtora da empresa participante (SGPS) que contraiu os empréstimos, e pagou
os encargos financeiros correspondentes.
São portanto, juros dedutíveis fiscalmente4.

Esta interpretação da dedutibilidade fiscal dos juros das SGPS é simplista e


insuficiente.

É necessário também indagar sobre as razões económicas do endividamento, sobre a


substância da operação.
Por exemplo, cabe averiguar se essas operações respeitam as regras dos preços de
transferência a aplicar entre empresas associadas do art. 63.º do CIRC (V., adiante,
capítulo XI, ponto 9.4.), nomeadamente, se o endividamento corresponde às funções,
ativos e risco assumidos pela entidade financiadora e entidade financiada; e também, se
tais operações têm finalidades meramente fiscais ou outras que ultrapassam as finalidades
fiscais.

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V., por exemplo, acórdão do STA, proc. N.º 0473/13, de 21 de fevereiro de 2018, 2.ª
secção, relatora, Conselheira Ana Paula Lobo;
e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 2 de jan. de 2017, proc. 06047/12,
relatora, Ana Maria Pinhol.

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Na verdade, a aplicação das regras dos preços de transferência a estes casos não seria
inédita: elas têm sido aplicadas pela autoridade tributária às SGPS em caso de relações
especiais e de alienação de ações: veja-se o caso tratado no acórdão do pleno do STA,
processo n.º 1402/17, de 27 de junho de 2018.

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