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ELAINE SHOWALTER ANARQUIA SEXUAL Sexo e cultura no fin de siécle Traducao de WALDEA BARCELLOS — 1993 ty Mulheres sem par ‘A anarquia sexual comegou com a mulher sem par.* A mu- Iher sem par — a que ndo conseguia se casar — corrocu 0 con- fortavel sistema binario da distineao sexual e da sexualidade vitoriana, A partir do censo inglés de 1861, 0 crescimento cons- tante do numero de mulheres solteiras em comparacdo com de homens gerou uma atitude de alarme nacional. Em arti- ‘g0 amplamente lido no Westminster Review, intitulado “Por que ha um excesso de mulheres?” 0 jornalista William R. Greg chamava a atencdo para o “‘niimero enorme e crescente de mu- Iheres solteiras no pais, um mimero desproporeional e total mente anormal, que tanto em termos absolutos quanto relati- vos indicava um estado social pouco saudavel”.” A mulher sem par era a que sobrava, a de ntimero impar, a solteirona ‘que no conseguiia encontrar alguém que quisesse se casar com cla, O.termo que o fin de siécle cunhou para ela da uma idéia ‘tanto da sua discrepancia quanto da sua coisificacdo. Ao es- crever a um amigo a respeito de seu romance The Odd Wo- men (1891), George Gissing explicou que o titulo significava “‘Les Femmes Superflues”” — “as mulheres que sio sem par no sentido da sua incapacidade de formar um casal. Como se estivéssemos falando de ‘uma luya sem par’”.? ‘As mulheres sem par eram_urn problema social. Greg res- saliou que milhares delas precisavam ganhar 0 pio de cada dia, entrando em concorréncia com os homens pelos empre- gos, em vez de “‘gastar ¢ administrar os ganhos do marido”. © Acanresio em inglés “odd women’*além de designar mulheres 6s, aveno for- rmaram pa, também tem a conotagdo de mulheres estranhas, diferentes. (N. dT.) MULHERES SEM PAR a Privadas dos “‘deveres ¢ obrigagdes naturais das esposas ¢ miles”, clas procisavam garimpar “‘ocupagées artificiais e di- fiveis de encontrar para si mesmas”; e acima de tudo, em vez de cumprir o destino feminino de “‘completar, abrandareem- belezar a existéncia dos outros”, elas eram forcadas a “‘viver uma existéncia incompleta e independente sozinhas”’. A solu- gio proposta por Greg consistia na emigracao das solteiras, Sob 0 patrocinio do governo, para as coldnias, onde mulheres inglesas estavam em falta c onde talvez conseguissem um ma- lo. Ele se opunha, porém, a ampliacao das oportunidades de emprego para as mulheres porque isso poderia “‘cercar a 1m um caminho tao agradavel, conforta- * que o casamento passaria a ser visto co- mo apenas mais uma opedo entre muitas, estimulando um ce- libato antinatural. As feministas do final do século interpretavam as estatis- ticas de excesso de mulheres sob um prisma diferente. Elas usa- vam o excedente de mulheres solteiras para provar que os tra- dicionais papéis domésticos femininos cram antiquados que as politicas sociais que hes negavam a instrucdo superior, pa- péis alternativos, oportunidades profissionais ¢ 0 voto eram cruéis ¢ autodestrutivas. Se as mulheres ndo mais podiam-cs- perar ser sustentadas por maridos, elas teriam de ser forma das e treinadas para prover seu préprio sustento, Num ensaio intitulado ‘‘Como prover a subsisténcia do excedente de mu- heres” (1869), Jessie Boucherett arzumentou que o melhor seria permitir que as mulheres solteiras se dedicassem “livre- mente a todas as ocupagdes adequadas A sua forea... conyertendo-as, assim, em membros titeis da sociedade’”.? Organizacées pela reforma feminista, como, por exemplo, a Sociedade para a Promogao do Emprego de Mulheres, fun- dada em 1859, tentavam descobrit novos campos de ocupa- so para mulheres de classe média sem formacdio — o. is afetado pela alteracdo demogréfica, j4 que seus t empregos tradicionais — o de governanta e 0 de professora. — estavam agora profissionalizados ¢ com excesso de oferta. ‘A Sociedade pelo Emprego de Mulheres procurou tornar res- peitaveis para as mulheres de classe média os servigos de es- critério ¢ alguns trabalhos manuais, como 0 telégrafo, a tipo- grafia e a profissao de cabeleireiro. Emily Davies e outras 38 ANARQUIA SEXUAL, lideraram a campanha para abrir 0s exames universitrios mulheres, enquanto Elizabeth Garrett, Sophia Jex-Blake El zabeth Blackwell organizaram a luta pela admissdo de mulhe- res as faculdades de medicina. Muito embora as feministas reformistas se preocupassem principalmente com as mulheres de classe média, elas também tinham consciéncia dos diferentes problemas com que se de- paravam as mulheres da classe operdria. Um investigador da Comissdio Especial para o Decreto de Regulamentacao das Ho- ras de Trabalho no Comércio relatou, por exemplo, em 1886 que “‘a maioria das atendentes de lojas considera 0 casamen- ica esperanca de libertacdo e, nas palavras de uma do to sua delas, estaria disposta a ‘casar com qualquer um para 5 amo dos tecidos””.* A preocupacao das reformistas feminis- ‘tas com a mulher trabalhiadora teve sua manifestagdo mais ra- dical na solidariedade pela prostituta que talvez tivesse sido levada as ruas por ndo ter nenhuma alternativa de trabalh Por que essa repentina ateneao voltada para a mulher sol- teira? Parecia Gbvio que o fato de uma mulher no se casar indo era um fendmeno recente, e em muitas ocasides anterio- res haviam surgido na Inglaterra manifestacdes de ansiedade ‘quanto ao excesso de mulheres solteiras, em especial apés guer- ras e em outros periodos de crise entre os sexos. No final do século XVII, por exemplo, mulheres preocupadas com a ‘‘es- assez de homens” apresentaram uma peticao ao Parlamento no sentido de que fosse cobrado um imposto de qualquer ho- mem que continuasse solteiro depois dos vinte e um anos de idade. O que, entéo, conferia as solteiras do fin de siécle tan- ta relevaincia e tanto peso? O que as tornava tao perturbadoras? A resposta est no fato de aquele periodo-viswalizar-as mulheres solteiras como um novo grupo sexual e politico, néio apenas um vazio ou um zero no corpo social, mas um eleito- rado com oportunidades, poderes e direitos em potencial. Para ‘comegar, as mulheres nfio-casadas, ou femmes soles, eram.con- sideradas as primeiras beneficidrias do movimento pelo oto feminino. Enquanto as casadas pareciam estar excluidas do direito ao voto pela doutrina consuctudinria que as conside- raya parte do casal, era possivel a alegacdo de que as solteiras adultas precisavam votar ja que, do ponto de vista legal, nao ‘tinham quem as representasse. E mais, 0 voto ‘‘tornou-se tanto MULHERES SEM PAR » bolo da mulher livre, sexualmente auténoma, quanto o pelo qual as metas de uma cultura sexual feminista po- deriam ser alcangadas””* Para Josephine Butler e outras res do movimento das mulheres, o voto era a melhor forma de acabar com a prostituicdo, de facilitar o divércio e de ele- var a moral publica. ‘Um segundo fator, que contribuiu para que a.ateneio se voltasse para as mulheres s6s, teve como origem:novas defi nigdes da sexualidade. Afastando-se da idéia de meados da era vitoriana de uma anestesia sexual ou de uma “falta de pai- xAo’” na mulher, pensadores avancados do final do século XIX admitiam.a capacidade da mulher para o prazer sexual e exa- minavam 0 potencial negativo do celibato em termos psicolé- aiicos e biolégicos. Um dos fatores significativos nessa mudanca foi o reconhecimento do desejo sexual feminino, tanto coma funcao fisica quanto como requisito para a satide. Alguns mé- dicos defendiam a idéia de que as mulheres precisavam da re- Jacdo sexual tanto quanto os homens, e de que as ‘“funestas conseqiiéncias da abstinéncia eram especialmente notdveis nas mulheres”. Em 1882, por exemplo, o dr. Charles Taylor, um obstetra norte-americano, advertia para a necessidade de a mulher solteira proteger sua satide encontrando outras val- vyullas de escape para suas “‘funcdes ociosas””, ou sofrer os efei- tos da “‘perturbagao” e da ‘fraqueza””” Embora as recomendagdes de Taylor para as mulheres se~ xualmente ociosas envolvessem 0 exercicio e a leitura em lu- gar de, digamos, a masturbacdo, o lesbianismo ou 0 sexo fo- ra do casamento, essa visao dos perigos do celibato era de di- ficil aceitagdo por parte de muitas mulheres vitorianas. Edu- cadas de modo a acreditar que a principal superioris lidade e na sua falta de paixdo, mesmo pensadores femi de vanguarda do fin de sidcle encontravam-difieuldade para reconciliar sua viso de uma nova ordem social com uma acei- taedo ou um endosso da sexualidade feminina. As campanhas pela pureza sexual da década de 1880, como, por exemplo, © esforco de vinte anos de duragao para revogar os Decretos das Doencas Contagiosas, que afinal teve éxito em 1886, a cam- panha pela legislacao sobre o incesto que comerou em 1885 © a revelacdo da prostituicao infantil em “O tributo virginal

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