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PERSONAGEM
O Orador, que apresenta o estilo de vida essênio
ÉPOCA
Primeira parte do século XXI
LUGAR
Um calmo palco e seu fundo preto.
Projeções permeiam o discurso
[O pano é aberto. O Orador sobe ao palco enquanto é anunciado pelo locutor do teatro.]
LOCUTOR
(animado)
E agora fiquem com um dos essênios, um dos poucos, dos novos... um
dos médicos da alma.
[Com passos vagarosos chega o Orador essênio ao centro do palco e se ajeita colocando
de lado as sandálias de couro surrado em um canto. Sorri, apenas veste uma túnica de linho
gasto. Seus longos cabelos e barba espessa completam uma feição muito percorrida. E ele
fala sem pensar em cerimônias.]
ORADOR
(calmo)
Todas as referências encontradas nos textos dirigem-se a eles como “os
novos”, “os muitos”, “os piedosos”; falam também de uma “comunidade
santa”. O nome “Essênios” era dado pelas demais pessoas e significava
“santos, aqueles que podiam curar”. Atualmente, o que vocês sabem vem
através das crônicas do passado, as mesmas que até os dias de hoje nos
restringem a um grupo secreto, e que não se chamava entre si por um
nome específico. Talvez não precisasse!
ORADOR
Nossos adeptos estão agora espalhados pelo mundo, contam com homens
e mulheres que preferem os povoados nos quais os costumes sejam
simples, fugindo das cidades por causa da corrupção dos seus habitantes;
ficamos sim suficientemente afastados para evitar efeitos nocivos; via de
regra, se afastar de todas essas tecnologias! Somos sim uma gente solitária
mas não quer dizer que nos afastamos de vez do resto da Humanidade,
ainda que seja necessário ao menos por um período. É preciso pensar
com a cabeça livre. Viver sem paixões e renunciar ao comércio, carecer de
“Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tenho amor,
minhas palavras serão como o som do metal ou como o tinido de um
prato. Ainda que diga o que há de vir e conheça todos os segredos e toda a
sabedoria; e ainda tenha uma fé tão forte como a tormenta que move as
montanhas de lugar, se não tenho amor não sou nada. E ainda que dê
todos meus bens para alimentar ao pobre e lhe ofereça todo o fogo que
recebi de meu Pai, se não tenho amor não encontrarei nisto proveito
algum. O amor é paciente e o amor é amável. O amor não é invejoso, não
faz mal, não conhece o orgulho; não é rude nem egoísta. É equânime, não
crê na malícia; não se regozija na injustiça, senão que se deleita em toda
justiça. O amor defende tudo, o amor crê tudo, o amor espera tudo, o
amor suporta tudo; nunca se esgota; mas quanto às línguas, cessarão, e
quanto ao conhecimento, ele se desvanecerá. Pois possuímos em parte a
verdade e em parte o erro, mas quando venha a plenitude da perfeição, o
parcial será aniquilado. Quando o homem era criança, falava como
criança, entendia como criança, pensava como criança; porém quando se
fez homem abandonou as coisas de criança. Porque nós vemos agora
através de um cristal e através de sentenças escuras. Agora conhecemos
parcialmente, mas quando tivermos acudido ante o rosto de Deus, já não
conheceremos em parte, pois nós mesmos seremos ensinados por Ele. E
agora nos restam três coisas: a fé, a esperança e o amor, porém a maior
delas é o amor.”
[Agora as projeções focam em diversas pessoas sendo ajudadas pela benevolência alheia.
A sugestão é que se utilizem imagens icônicas da cultura popular, de hospitais até a ajuda
humanitária e solidária realizada pelo mundo.]
[Pausa, e o Orador caminha pelo palco espaçoso olhando de um lado a outro. Depois olha
para cima e uma luz cai sobre ele, que sorri. Depois se volta para a plateia.]
ORADOR
(sempre calmo)
Era nosso costume não falar antes do nascer do Sol, e nos limitávamos a
recitar preces tradicionais, nas quais suplicávamos ao Astro que se
mostrasse. Guardem em seus corações. A oração era a seguinte:
“Dou graças, Senhor, porque tudo inunda com a Tua Luz, porque vence
as trevas, porque ilumina o meu rosto, e porque nos prepara a Semente
Eterna.”
[Um pequeno intervalo no qual o Oração parece refletir sobre suas próprias palavras. Ele
então volta a si.]
ORADOR
(concentrado)
Como outros, também sustentávamos que a Alma era imortal. O Espírito
emana do mais puro éter, e uma magia natural arrasta-o para baixo,
ficando enredado na prisão do corpo. Mas, uma vez posto em liberdade
pela morte, alegra-se e é levado para o alto. Também acreditávamos,
como os gregos, que as almas cobertas de virtudes tinham reservado um
lugar de repouso definitivo mais para além do mar, lugar refrescado por
uma brisa suave, onde não havia neve, chuva nem calor.
Assim qualquer um de nós praticaria a piedade em relação à deidade e
observaria a justiça com respeito aos homens; não causaria dano a
ninguém, nem por própria determinação nem sob ordem alheia; manteria
[Pausa. Daqui por diante um sem número de projeções é apresentada por cima da figura
do Orador. São campos e plantações, montanhas e animais serenos. As cores animam
ainda mais o ambiente.]
ORADOR
(enfático)
Para construir um mundo novo e melhor, o homem precisa encontrar
propostas alternativas que o satisfaçam pessoalmente e que se possam
considerar boas para os outros. O homem do nosso tempo necessita de
uma Nova Aliança. A oração ajuda. Vamos orar, é tão simples:
“De que adianta, meus Irmãos, alguém dizer que tem fé, se não tiver ações
que a comprovem? Esse tipo de ‘fé’ é capaz de salvar? (...) Hunnf. Da
mesma forma, a fé por si mesma, se não for acompanhada de ações, está
morta.
Mas alguém dirá que você tem fé e eu tenho ações concretas. Me mostre
essa sua fé sem atos, eu lhe mostrarei a minha fé por intermédio das
minhas ações!”
[O Orador se detém um pouco, abaixa o corpo e toca o solo do teatro, pegando assim um
punhado de areia. Ele ergue a mão e deixa a areia imaginária cair das mãos. É um gesto
prosaico que termina em um leve sorriso.]
ORADOR
Não lembram que o Mestre também seguiu o estilo de vida essênio ao
desprezar as riquezas materiais e dedicar-se exclusivamente ao Reino do
Céu? Ensinou o Messias que a riqueza do mundo não é importante, e sim
ser rico para com Deus. Leio desde os livros imemoriais e repito já que é
o momento:
[Pausa para uma outra longa respiração. O Orador fica olhando a plateia curiosa.]
ORADOR
(caminhando)
Eu lembro de outros povos descrevendo as atividades essênias. “Eles
vivem em conjunto no mesmo lugar, comentavam, e organizam-se em
companhias, sociedades, agrupamentos e associações, e trabalham juntos
durante toda a vida para o bem comum da irmandade. Os diferentes
membros da Ordem estão empenhados em ocupações diversas; trabalham
alegre e diligentemente, e nunca abandonam suas tarefas por causa do frio,
do calor e de qualquer mudança climática. Dirigem-se para o trabalho
diário antes que o Sol se levante, e não o deixam senão depois que o Sol
se ponha, quando, então, voltam para casa não menos alegres do que
aqueles que estiveram se exercitando em qualquer outro concurso.
Acreditam que sua ocupação é uma espécie de ginástica de maior
benefício para a vida, de maior prazer, tanto para a alma como para o
corpo e de uma vantagem mais duradoura do que quaisquer competições
atléticas, porque eles podem continuar alegremente em seu trabalho como
uma recreação mesmo quando a juventude e o vigor do corpo já se foram.
Os que conhecem o cultivo da terra empenham-se na agricultura; outros,
que sabem como lidar com animais, cuidam dos rebanhos; alguns são
hábeis para lidar com as abelhas; e outros, ainda, são artesãos e
manufatureiros, precavendo-se dessa forma contra a falta do que quer que
seja. Eles não excluem nada que seja indispensável para suprir as
necessidades absolutas da vida. Eles se dedicavam a um trabalho
comunitário com intenso prazer, atuando em diversas áreas com o
[As projeções se voltam para os desertos e suas caravanas e tribos inteiras se deslocando.
O Orador chega bem perto da borda do palco, cada vez mais próximo do público.]
ORADOR
(esperançoso)
E por que eu venho aqui dizer tudo isso? Para alertá-los, para ativar em
suas mentes a luz da compreensão, pois um dia haverá uma decisão e
estaremos todos frente a frente, todos prontos a sermos limpos dentro da
maior paz de espírito. Éramos os amantes da paz, de vida em vida
espalhando tais notícias com as mãos abertas. Nenhum fabricante,
nenhum fabricante de armas ou de engenhos de guerra, nem qualquer
homem que faça coisas relacionadas com a guerra, ou até coisas que
poderiam levar à maldade em tempos de paz é encontrado aqui. No
mundo existe apenas uma arma que merece ser respeitada, a única que
Deus poliu para todos: o amor. É equivalente ao ensino do Mestre Jesus:
O rabino Paulo assim abordou o tema, e ele adicionou que “Se possível,
quanto depender de vocês, tenham paz com todos os homens.” Sim!
Tínhamos então uma vida perfeita e feliz? Sempre, sem dúvida, e todos
nos reconhecíamos como independentes e livres por natureza, muitos
elogiavam nossas refeições em comum e comunhão de bens, o que
ultrapassava qualquer descrição e constituía prova evidente de uma vida
perfeita e muito feliz. Estava em nossos rostos!
Nós os essênios, a terceira seita, atribuíamos e entregávamos todas as
coisas, sem exceção, à providência de Deus. Crendo que as almas são
imortais, achando que se deve fazer todo o possível para praticar a Justiça
e sem se contentar com ofertas vagas, sempre fomos felizes; não é um
sacrifício, é uma cerimônias ainda maior. Esses são costumes
irreprocháveis. A virtude é tão admirável que supera em muito a de outras
nações, porque fazíamos com todo empenho e preocupação e a ela nos
aplicávamos continuamente.
Vejam a diferença para com a sua sociedade, o que veem por todo lado;
em nossa comunidade todos possuíamos os bens em comum, sem que os
ricos tivessem maior parte que os pobres. Não tolerávamos nem criados,
porque considerávamos uma ofensa à natureza, que fez todos os homens
iguais; também não havia esse querer sujeitar os outros. Assim, nos
servíamos igualmente e apenas pela ocasião da ordem escolhíamos
homens de bem como sacerdotes, que recebiam tudo e tinham o cuidado
de fornecer alimento a todos; nós confiamos uns nos outros como seres de
coração. Você ainda confia? Esse era um viver em estreita união, uma
contínua troca de bons procedimentos e todos se sentiam bem!
[O Orador faz mais essa pausa para se aliviar um pouco. Coloca as mãos cruzadas na frente
do corpo e por alguns segundos fica em silêncio. Uma nova projeção contendo o globo
terrestre é exibida.]
ORADOR
(refeito)
Não acham que deve a gente atual também se voltar para a religião e para
Deus? É a vez de sermos novamente piedosos para com Ele, falem então
de coisas santas; antes que o Sol desponte façam suas orações, recebam a
tradição dos povos místicos; isso para pedir a Deus que faça brilhar sobre
a Terra a surpresa do verdadeiro Sol. Depois vá trabalhar, cada qual em
seu ofício, segundo o que lhe é determinado.
‘Todo homem deveria conhecer a terra. A terra não é apenas este
ajuntamento de poeiras negras ou vermelhas sobre as quais o homem se
desloca, a terra é um fermento, um mundo, uma multidão de pequenos
seres que refletem a vida do Pai em si próprios. Uma vida que existe, e
que pensa, para ser querida, por nós, a cada instante através dos éons, as
formas de expressão do Ser Divino. Em contato com o solo, pés na argila,
devemos aprender a falar de grão em grão de vida e, assim por diante, ao
infinito. Este grão de vida é o Uno, e nós somos os filhos do Uno. Eis por
que devemos procurar a identificação com a poeira ínfima que o vento
joga em nossos olhos. A identificação é a chave da compaixão e a
compaixão é a chave do Pai, a chave do Homem.’
[O Orador sorri para a plateia em imensa concórdia. Mexe em sua barba e dá mais alguns
passos mexendo um pouco mais na barba..]
ORADOR
(caminhando)
Temos imenso cuidado de reprimir também a cólera; amamos a paz e
cumprimos tão inviolavelmente o que prometemos que se pode prestar fé
às nossas simples palavras, como a juramentos. Que resta das palavras se
não passam de promessas de fatos? Que resta das palavras se os fatos as
traem? Basta tua palavra. Adote este princípio por toda a vida, lembra e
age de modo que um ‘sim’ seja um ‘sim’ e um ‘não’, um ‘não’. Então, que
o discurso seja o ato ao mesmo tempo. Compreendam bem isto: uma
palavra pode ser um carregamento de amor que corre ao encontro da
Humanidade; quero falar de um mundo tangível que penetra em outro
mundo. Quando a palavra se faz ato, o objetivo é atingido, porque ela
transmuta. Nesse sentido, jamais poderíamos tolerar quaisquer perjúrios,
porque não podemos crer que um homem seja um mentiroso quando tem
necessidade, e ainda tome a Deus por testemunha; a isso tudo acertamos
solenemente honrar e servir a Deus de todo o coração, observar a justiça
para com os homens, nunca fazer voluntariamente mal a ninguém, mesmo
quando isso fosse ordenado; igualmente temos aversão pelos maus; ajudar
sempre aos homens de bem é nosso lema, de todos os modos possíveis, e
manter fidelidade a todos, porque recebemos esse poder de Deus. A isso
acrescentamos que, se formos constituídos num cargo, não abusaremos
do poder para maltratar os inferiores; que nada tenhamos mais que os
[O Orador sorri novamente. Ganha cada vez mais energia. Um céu em harmonia é
projetado no palco, suas nuvens desfilam compassadamente.]
ORADOR
(amistoso)
O Eterno delega seus poderes a todos que têm a capacidade de fazer
surgir luz à sua volta. Assim, nós somos os anjos de Deus e nossa Terra
está neste diamante pulsante que clareia as noites da fraternidade. Desde o
início dos tempos, nós semeamos este mundo e seu coração a fim de
expulsar as trevas. ‘O coração é simplesmente todo-poderoso e para
sempre. O homem ou o sufoca ou lhe escuta. Com muita frequência,
infelizmente, o homem pensa ouvi-lo quando mal o deixa respirar sob as
razões e as desculpas de sua mente. Vocês sabem que não estou falando
do coração que pulsa em nós ao ritmo das estações. Falo do sol interior
que nos liga à cadeia dos mundos transcendentes. Estamos no universo do
ser, Irmãos, então fiquem agora no universo do futuro. É a hora de
abolirmos as barreiras, pois elas nos sujeitam às técnicas e ao tempo.
Saibam simplesmente pedir sem se preocupar com a resposta, pois a
resposta é sempre a mesma: sim. A força do Pai é concedida
incondicionalmente, assim como a todo homem.’
Falamos assim aos homens da Terra em múltiplas línguas, sob múltiplas
aparências. Fincamos nossos pés como raízes móveis de nossa árvore
corporal e recebemos constantemente uma seiva secreta, maternal em sua
polaridade, reflexo transmutado da seiva solar. Não se escandalizem com
estas palavras, Amigos, porque uma luz demasiado forte cega quem
sempre viveu na noite. As cortinas que velam o esplendor da Terra do Pai
só podem ser afastadas uma a uma, com infinitas precauções. Sabemos o
que dizemos. Houve um tempo em que os homens deste mundo viviam
numa outra Terra, diferente desta, em alguma parte da espiral... a luz forte
demais aniquilou o sopro de seus corações; a força mental matou seu
amor, e seu mundo foi projetado nos confins dos universos. Nós
[O Orador reverencia o público e se movimenta pensativo, depois sua expressão vira algo
serena. Uma enorme lua é projetada no palco.]
ORADOR
(com pesar)
Ainda não acabei, ouçam, meus caros. O bom Irmão avisa, não será
sempre de vitórias que viverão; na vida em certos momentos decisivos nos
deparamos com o mal. Mas os caminhos do espírito da.. falsidade são
estes: ganância e negligência na busca da retidão, maldade e mentiras,
arrogância e orgulho, hipocrisia e engano, crueldade e mal abundantes,
mau humor, muita insensatez e descarada insolência, atos abomináveis
cometidos com espírito de luxúria e conduta lasciva a serviço da impureza;
e também uma língua blasfema, cegueira do olho e surdez o ouvido, cerviz
dura, dureza de coração, infelizmente... assim caminham, assim caminham
estes homens equivocados para as sendas das trevas e do logro inútil. Por
tudo isso passamos, por tudo isso tropeçou a Humanidade e aqui estamos,
mais sábios. Pois fujam em nome da paz, e ajudem quem ainda não
consegue por seus próprios meios; Deus nos ajuda!
[Mais uma pausa, a última, e o Orador se dirige para o canto do palco e apanha um jarro
de barro. Ele bebe o liquido, é a mais pura água. Ele se refresca e com as mãos lava o rosto
e joga o cabelo para trás.]
ORADOR
(mais positivo)
De agora em diante, o homem se purificará pela água, é a água que
queimará suas escórias. A água, como a terra, é uma matriz. Eis, Irmãos, a
força de uma outra iniciação! Ela é o segundo nascimento dos que veem,
mas também sua primeira morte.
LOCUTOR
(animado)
Sim, muito obrigado por sua presença aqui! O amor absoluto grita sua
existência até no menor átomo de vida, então que ódio absoluto se anule a
si mesmo e não conseguirá ter consistência. Que um terço dos homens se
ponha ao mesmo tempo, e voluntariamente, a emitir ideias semelhantes
de paz e de amor incondicional, e a estrutura de toda matéria será
modificada para sempre. Irmãos, recebam nossa paz, a paz das almas
deste mundo e a paz do Uno!
FIM