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Hisnaider, Stella Maris, Caren Cruv, Sarah Cortez, Guinha Souza e Val Nascimento
Elena, a antiga herdeira da casa MacGowan, é uma mulher forte apesar das
queimaduras sofridas durante a infância que a mantêm afastada da sociedade
vitoriana. Quando seu tio lhe comunica que abandone seu lar compreenderá que
sua vida se encaminha ao desastre. Mas sem dote nem um título jamais conseguirá
um marido. Desesperada, reclamará seus direitos de nascimento, embora o
resultado seja tão desalentador que ao cruzar uma rua não verá uma carruagem
que se aproxima a toda velocidade.
O chofer é um homem grosseiro e detestável. Um antigo conde francês,
chamado Laramie Devereux, cuja tragédia pessoal marcou sua existência e da qual
se diz que, graças ao contrabando de ópio, obteve uma enorme fortuna. Em um
ataque de fúria o conde a julgará como mulher, e a achará imperfeita por causa das
queimaduras.
Entretanto, o destino e uma partida de cartas os unirá de novo. Graças à
insensatez de sua prima, Elena aproveitará o acusado desconhecimento das
normas sociais de Laramie e idealizará um plano para lhe enganar.
Capítulo 7
No dia de suas bodas os nervos lhe impediram de tomar no café da manhã os
pasteis que Bety, a cozinheira, tinha preparado em honra da noiva. Uma temerosa
Virginia a ajudou a vestir-se, pretendiam evitar que algum servente descobrisse o
engano e chegasse aos ouvidos de Devereux. O traje que tinha confeccionado
Cossete era um sonho para qualquer noiva. A costureira francesa participava do
engano e Elena confiava em seu silêncio e discrição.
iridescentes. Ao final da saia Cossete tinha bordado em cor nata vários cachos
de flores. Sua cintura se acentuava com um laço de cetim da mesma cor que os
bordados. Um broche de brilhantes da casa MacGowan prendia do peito. O traje
abotoado ao pescoço e debruado com encaixes dissimularia as queimaduras. Os
sapatos de salto franceses a ajudariam a que ninguém notasse a diferença de
― Sim ― a voz profunda e rouca do conde abriu passo através dos murmúrios
cada vez mais crescentes.
As palavras lhe doeram muito mais que qualquer golpe que lhe tivesse dado.
Agarrou a mão de sua esposa e a conduziu até a porta da abadia. Ali Devereux
recebeu as felicitações carregadas de falsidade. Todo mundo foi consciente do
engano menos ele. Sua falta de experiência nas normas da alta sociedade inglesa
lhe tinha levado a essa posição ridícula e a converter-se no bobo de Londres.
Durante o trajeto nenhum dos dois disse nada e Elena preferiu guardar
silêncio. Já na porta da casa da marquesa a ajudou a baixar e seus olhos se
encontraram. O que viu neles foi tão terrível que quase caiu da carruagem. Com
brutalidade ele puxou-a e a conduziu ao interior. Em seu caminho para a sala de
baile, onde sua amiga tinha preparado um jantar em honra dos noivos, Laramie
agarrou uma taça de champanhe que um dos serventes oferecia aos convidados
antes do jantar. Agarrou o moço pela lapela e lhe disse:
― Possivelmente não seja tão má esposa, Elena é muito mais inteligente e...
― Amanhã, juro-te que amanhã essa raposa desejará não ter nascido.
Nenhum dos dois homens percebeu que alguém mais escutava essa
conversação. Rosalyn e Roger sorriram; essa noite toda Londres saberia que
Devereux rechaçaria a sua esposa e contrataria os serviços de uma prostituta.
Sem dizer nada tomou sua esposa pela mão e a colocou no centro da sala,
depois, deu duas palmadas para chamar a atenção dos convidados.
― Acreditei que me casava com uma lady formosa, a mais bela da Inglaterra,
uma mulher com um grande título, uma perfeita flor britânica. Em troca, contraí
matrimônio com outra mulher, possivelmente não possua sua suave pele, nem
tampouco sua inocência, mas é esperta ― sorriu malicioso e acrescentou ― com
inteligência me caçou.
Laramie elevou uma taça em honra de sua esposa. Charles tentou aproximar-
se para evitar que continuasse, o constrangimento da noiva era evidente, cedo ou
tarde ele também se daria conta de que fazia o ridículo.
Nesta ocasião não sentiu a ponta de seus dedos lhe acariciar as costas.
Apertava-lhe a mão como se quisesse partir-lhe; a dor quase lhe fez desmaiar.
Laramie nem sequer ouviu o que lhe dizia. De um canto, Charles não deixava
de observá-los e advertiu que algo não ia bem. A noiva mostrava uma grande
palidez e se aproximou do casal.
A dança terminou e Charles a conduziu a uma das cadeiras onde muitas das
damas descansavam depois de uma dança. O jovem permaneceu a seu lado, o que
era exigido pela etiqueta ou daria que falar. Nessas bodas já havia suficiente intriga
circulando com pólvora. Lorde MacGowan se aproximou de sua sobrinha.
― Concede-me esta dança? Ficar sentada não era o melhor e aceitar a dança
com esse homem tampouco. Entretanto, todo mundo a observava e a reação de seu
marido. Elevou o queixo com orgulho, ficou de pé e aceitou.
― Não ― Roger a aproximou para ele mais do que exigia o decoro e olhou
Laramie, ― mas ele sim. ― Elena observou como os olhos do conde a vigiavam como
se fosse uma presa de caça. ― Foi muito hábil e ingênua ao pensar que a perdoaria.
Conheço esse moço, é orgulhoso, sempre alardeando que tem o melhor tanto em
mulheres como em navios.
Elena guardou silêncio. O que podia dizer; não era bela, não era rica e não era
a perfeita flor que esperava conseguir. Tampouco ela imaginou perder seu título,
nem a seus pais, nem sua riqueza, tinha aceitado que a vida às vezes não nos
entregava o que tínhamos desejado, ele devia fazer o mesmo. Se ela aceitava seu
destino, ele tinha que aguentar-se com uma esposa imperfeita. Os olhos da moça
olharam desafiadores para Laramie.
― Seu marido deu de presente a Virginia, ou melhor, dizendo a você, uma frota
nova de navios ― Elena emudeceu ante a generosidade ou a estupidez do conde,
depois de tudo era uma mulher rica. Seu rosto deve ter evidenciado sua surpresa já
que o comerciante continuou. ― Vejo que o ignorava.
O caminho para a casa do conde pareceu eterno para Elena. Queria desculpar-
se, perguntou-se o que se dizia a alguém nessa circunstância e nenhuma desculpa
lhe pareceu adequada. A jovem retorcia as mãos de maneira nervosa, algo que
agradou a Laramie. Imaginou várias formas de fazê-la pagar, todas e cada uma
delas tinha aprendido em seus tempos de pirataria. Nenhuma bastaria para
castigá-la o suficiente. Vendo-a temerosa e a sua mercê não pôde evitar certa
excitação.
Laramie não tinha imaginado que a pele de Elena fosse tão leitosa. De forma
involuntária tocou com a ponta dos dedos um de seus seios e sentiu que era tão
suave como a espuma de mar. Ela tentou esconder-se, mas ele a impediu
segurando-a com ambas as mãos. Seus olhos se converteram em duas fendas
inexpugnáveis ao contemplar a respiração agitada de sua esposa e como se
balançavam acima e abaixo os peitos redondos e plenos. Jamais teria considerado
que debaixo desses horríveis vestidos cinza se escondesse um corpo tão esplêndido.
As queimaduras lhe outorgavam certo exotismo. Ao longo de suas viagens tinha
tido a ocasião de estar com muitas e diferentes mulheres. Algumas marcavam a
pele com estranhas tatuagens. Suas queimaduras ressaltavam rosadas sobre a pele
branca da jovem.
Ela o olhava sem saber o que fazer, e seu desconcerto foi maior quando de
repente se encontrou atada a um dos postes da cama com as cortinas do dossel.
Laramie contemplou a imagem de sua esposa e reconheceu como também fez sua
― Poderia te matar ― disse Laramie, e com uma mão rodeou seu pescoço e
com a outra a deslizou por seu plano ventre até o encaracolado pelo, ― e ninguém
virá te ajudar.
― Oh, não… isso seria muito rápido para o castigo que espero que padeça.
Laramie avançou conquistando tudo o que encontrava a seu passo. Ela sentiu
como se mil agulhas se cravassem em sua pele. As mãos de seu marido cada vez
eram mais audazes, embora a mente de Elena pedisse muito mais. Por instinto
abriu as pernas, sentia pura luxúria, como se sua submissão não lhe importasse.
Laramie sorriu, esse anjo queimado se rendia com muita facilidade a seus ataques.
Elena estava aprisionada a seu desejo, sentir o corpo do conde e suas carícias a
transportavam a um mundo de felicidade que desconhecia e que nunca concebeu
alcançar. Sua entrega lhe fez abrir-se muito mais e Laramie explorou seu interior
igual Richard Francis Burton fez com o coração da África.
― Por favor... Faz comigo quão mesmo faria com essa mulher do Whitechapel
― murmurou com uma voz tão atraente e enganosa que Laramie se sentiu como
Ulisses ante Cerque. Quando ouviu aquele canto de deusa marinha, obsceno e
enlouquecedor, necessitou de toda sua força de vontade para manter-se firme na
decisão de castigá-la. Ver como estava preparada para lhe receber; como seu corpo
pedia aos gritos que a penetrasse sem vacilar; como se misturava sua virtude junto
com uma falta de vergonha imprópria de uma dama; além daqueles gemidos de
prazer tão escandalosos que até os criados do andar de cima a teriam escutado,
Laramie se afastou dela.
Elena ofegava de puro desejo. Seu corpo tremia insatisfeito e frustração porque
se não a tocasse lhe causava vontade de chorar. Sem compreender o que tinha
ocorrido aberta a sua paixão e desejosa de receber a seu marido escutou as
palavras do conde.
Elena tentou virar-se para lhe suplicar com o olhar que não o fizesse.
Nenhuma donzela reprimiria as vontades de contar como a tinha encontrado ao dia
seguinte. Desejava que continuasse e lhe mostrasse o final do tortuoso caminho
que a tinha levado.
Escutou a porta fechar-se a suas costas. Não gritou. Ninguém acudiria. Se lhe
pareceu um homem cruel ao lhe conhecer, agora, considerava-o um bruto sem
coração.
Casou-se com uma moça que tinha espinhos muito perigosos e tentadores.
Olhou para sua virilha, desejoso de liberar a ansiedade que essa mulher lhe tinha
provocado, «é um traidor» lhe repreendeu.
A ama de chaves não disse uma palavra, seu rosto mostrou o horror que lhe
tinha causado encontrá-la nua e atada a uma cama. Em seus anos de serviço havia
visto muitas coisas, entretanto, jamais imaginou o que um homem como o conde
faria a sua esposa em sua noite de bodas. Todo mundo falava do engano que tinha
sofrido, embora isso não justificasse aquele comportamento por parte do conde.
Imediatamente se compadeceu da jovem quando percebeu as queimaduras e os
olhos avermelhados pelo pranto.
Nunca tinha deixado que ninguém tocasse suas queimaduras, mas estava tão
cansada e envergonhada que não tinha forças para deter a senhora Williams. A
mulher ante o silêncio da condessa o interpretou como um consentimento de suas
palavras e a ajudou a virar-se. As mãos gordinhas da mulher foram uma bênção.
― Tudo o que suas jovens mãos lhe permitiram fazer como inscrever-se em um
navio de contrabando. Anna teve mais sorte, durante o tempo que não soubemos
nada dele, um amigo da condessa pagou os gastos de um internato em Viena para
que minha menina se convertesse em uma dama.
― Oh, minha jovem senhora, Laramie foi vendido à tripulação de John Walker,
um pirata inglês que tratava a seus homens como escória. Estivemos sem nenhuma
notícia dele durante quatro anos.
― Quatro anos? ― Elena imaginou a pior das vidas para um moço que tinha
perdido seus pais e qualquer esperança.
― Sim, senhora, quatro anos nos que o jovem conde viveu um inferno e nós, a
senhorita Devereux e eu, entendemos que depois de tanto tempo tinha morrido. ― A
ama de chaves se benzeu. ― Sou católica, senhora, e rezamos até que um dia a
Virgem escutou nossas preces e os mares nos devolveram isso, mas já não era o
mesmo. Sua irmã não foi consciente disso, era muito menina; entretanto, eu pude
ver que algo nele se destruiu.
Na sala de jantar, Devereux estava com um humor dos cães. Não acreditava
que fosse sua imaginação o aspecto incomestível dos ovos. Afastou o prato com
brutalidade e o servente o retirou da mesa. Tomou um chá, seu próprio navio o
tinha transportado e era de uma variedade excelente. Tinha um sabor forte e
concentrado. O gosto amargo lhe animou e, depois de suas bodas, era o que
necessitava. Esperava que sua esposa não se comportasse como uma menina
chorosa nem uma autêntica harpia, fora como fora, certamente que converteria sua
existência em um inferno. De fato, e sem propor-lhe estava-o fazendo. A lembrança
do tato aveludado de sua pele, o aroma de cítricos que recebeu ao acariciar seu pelo
encaracolado tinha-lhe acompanhado durante a noite como um fiel cão de caça.
Andrew lhe tinha entregado a correspondência muito cedo, ainda não a tinha
lido. Rompia o lacre de um dos envelopes quando a porta se abriu e Elena entrou.
Era a imagem de uma ninfa marinha, agradou-lhe que não vestisse essas roupas
cinza que a faziam ver-se como uma aparição. Tinha posto um vestido esverdeado
que acentuava o brilho de seus olhos. As camadas de musselina desciam a seus
pés como a água de mar de alguma praia de Bornéo. O cabelo dourado descansava
em seu peito com a forma de uma espessa trança que cobria suas queimaduras.
― Muito bem ― respondeu ela, o lacaio serviu uns esplêndidos ovos a sua
esposa.
Elena se dedicou totalmente a comer, algo que agradou a Laramie, pelo visto
essa mulher tinha apetite em todos os sentidos. Imaginá-la devorar algo mais que
esse café da manhã o excitou como se fosse um jovenzinho sem barba e não um
contrabandista como o tinha chamado. O objeto de sua insipidez continuou
O silêncio tenso que lhe estava submetendo essa mulher lhe alterava os
nervos. Quando o que na verdade queria era levá-la ao quarto e terminar com o que
tinha começado. Os olhos da Elena cruzaram com os seus, compreendeu que antes
se deixaria torturar com carvões acesos que lhe permitir que lhe fizesse amor.
Assim como estávamos, se queria guerra é o que teria. Ele era o enganado, o
ofendido, não aguentaria esses ares de grandeza e de dama ultrajada quando ele
era a única vítima naquele engano.
― Então, que passe um bom dia, não retornarei para o jantar. ― Ficou em pé e
lançou o guardanapo sobre a mesa. ― O farei em melhor companhia, com uma que
me satisfaça mais.
― Espero que saiba fazê-lo sem manchar meu sobrenome. ― Laramie plantou
as duas mãos na mesa e se aproximou tanto que quase roçou o nariz de sua
Uma Imperfeita Flor Inglesa – Concha Álvarez
esposa. ― Minha irmã deverá viver conosco e deve casar-se ao menos com um
conde. Nem te ocorra danificar sua oportunidade ― a ameaçou.
Elena tentou tranquilizar-se tomando uma taça de chá. Seu marido era
imprevisível e teria que aceitar seu forte caráter e suas más maneiras. Ela era uma
dama e sabia muito bem o que significava sê-lo. Não tinha o título, nem tampouco o
dinheiro, mas tinha herdado a classe e as maneiras para mover-se entre a alta
sociedade. Reconhecia que não se comportou com honradez. Engana-lo para casar-
se foi uma jogada muito suja, entretanto, não lhe tinha ficado outra opção. Em
troca, o conde tinha título e dinheiro e nenhuma educação para enfrentar-se a
sociedade londrina. Esperava que sua irmã tivesse melhor caráter. Precisava tocar
piano, isso a relaxaria. Ainda não tinha visto a casa assim que esse também seria
um bom plano.
― É obvio senhora.
A ama de chaves sorriu à jovem para lhe dar confiança e olhou de novo o prato
de Laramie sobre o aparador. Esse moço necessitava uns bons açoites como
quando era menino. Ao olhar a jovem condessa sentiu pena por ela. O senhor
Williams e, defunto marido da Marta, sempre lhe dizia que tinha um dom especial
para conhecer as pessoas e estranha vez se equivocava em suas opiniões.
Compreendeu que Laramie tinha escolhido uma dama como esposa. Esperava que
ela entendesse que seu marido não era nenhum cavalheiro, a não ser um ser
complexo, uma mescla de cavalheiro e rufião com um grande coração incapaz de
reconhecê-lo.
― Não, seguro que se tudo estiver tão saboroso como estes ovos não será
necessário. Embora eu gostaria de conhecer a casa, o conde... ― corrigiu-se ―, meu
marido não teve tempo para isso.
― Será um prazer.
― Foi mágico! ― disse a ama de chaves com lágrimas nos olhos. ― É você um
anjo.
― Deveria descansar ― Elena não compreendeu por que lhe dizia algo assim,
não fazia muito que se levantou e não estava esgotada por fazer amor com seu
marido. ― Não o há dito!
― Me dizer o que...
House.
― Conheço Laramie desde que levava fraldas e lhe asseguro que não é tão cego
como para não dar-se conta de quem é sua esposa. Agora pode que esteja um
pouco zangado pela maneira em que… enfim, ocorreu seu matrimônio, mas seguro
que algum dia a perdoará.
Essa noite, tal e como lhe tinha anunciado, o conde não apareceu para jantar.
Elena o fez sozinha na grande sala de jantar. A sala lhe pareceu intimidante, se
todas as noites fossem ser assim preferia jantar em seu quarto. Marta entrou e se
despediu dos dois lacaios.
― Senhora Williams, pode retirar o serviço, meu marido não deverá jantar.
Elena assentiu, tinha chegado a hora de lhe demonstrar que não era uma
mulher qualquer. As circunstâncias lhe tinham impedido de ser a herdeira de um
título, mas ela o sentia como seu e como condessa Devereux lhe demonstraria que
não haveria outra mais capaz.
Essa noite escolheu um elegante vestido violeta. Seu tio insistiu em que seu
enxoval fosse o mesmo que para a Virginia se esta se casou. Assim tinha comprado
de Cossete dois vestidos de noite, dois de manhã e outro de viagem. A cor violeta
era o que mais gostava. Caía em uma saia de tule gaze até os pés e o rematava um
enorme babado em cuja união a costureira tinha costurado diminutos cristais de
uma cor esmeralda. O conjunto lhe dava a aparência de uma mulher sofisticada.
Marta a ajudou a arrumar-se. O vestido levava um complemento de gaze para
tampar as queimaduras. Quando lhe pediu que o pusesse a mulher mostrou um
gesto de desgosto.
― Danificará o efeito.
― Japão...?
Elena aceitou. Não desiludiria a mulher; depois de tudo, não tinha nada a
perder. Depois de vários minutos que empregou em lhe pôr o creme o resultado
provocou nela um sorriso, as queimaduras não estavam tão avermelhadas.
Estendeu outra capa no pescoço e os ombros para igualar a cor da pele. Elena
olhou Marta com lágrimas nos olhos. ― Agora, se me permitir, volto em uns
minutos. ― A ama de chaves saiu da habitação e retornou com um cofre no que
havia uma joia.
Marta escolheu uma gargantilha que se ajustava a seu pescoço com a que
dissimularia as queimaduras. Elena pela primeira vez desde muito tempo se
via formosa.
Assim que colocou a camisa e as botas, saiu do clube mais ofuscado que
quando entrou e com uma única ideia. Se ao deixar Elena em uma situação tão
comprometida sua vingança não tinha sido possível porque a encontrou a
senhora Williams, estava seguro de que sim daria que falar que o conde
Devereux não comparecesse com sua esposa à festa um dia depois de suas
bodas. Isso, entretanto, não comprometeria o sobrenome de sua família,
muitos eram os matrimônios por interesse que tinham vidas separadas.
Laramie chegou em casa e não viu Elena. Não lhe importou e reconheceu
para seu pesar que não podia mentir a si mesmo. Os golpes que recebeu no
quadrilátero foram por recordar alguma parte do corpo do anjo queimado.
Vestiu-se com sua ajuda de seu valete, embora não fosse homem desses
hábitos não queria cometer um engano com a vestimenta, Adams, era um
excelente conhecedor de seu trabalho. Quando estava no hall topou com a
senhora Williams, todavia ainda não lhe tinha perdoado a pequena vingança
dessa manhã.
― Diga que parto à festa de Devonshire, que espere levantada até que
retorne ― sua petição era infantil e se sentiu um imbecil por havê-la feito.
O olhar malicioso de Marta lhe alarmou. Não era uma mulher complicada,
dizia as coisas de uma maneira franca e direta, mas aquela forma de lhe
comunicar que Elena não dormiria essa noite despertou certa suspeita.
― Não sou sua esposa ― acusou, e o conde entendeu muito bem a que se
referia.
Olhou a seu marido para que o deixasse com uma clara provocação nos
olhos. Se Laramie não a deixasse dançar com seu melhor amigo acrescentaria
outro comentário inapropriado aos rumores sobre eles. O conde agarrou o
pendente e o guardou em um dos bolsos da jaqueta.
― Que tal com o lobo de mar? ― perguntou o médico com uma careta que
a fez rir quando começou a dança.
Nada que chamasse sua atenção, que se lady tal se casava com o duque
qual; se a família tal se inimizava com a família qual, até que leu em letras
impressas o nome da condessa Devereux. O jornal falava da festa de
Devonshire. Em particular, ele comentava a beleza surpreendente e escondida
da condessa, um verdadeiro descobrimento, segundo o jornal. Laramie relaxou,
até que ao final de uma coluna uma linha mesquinha e traidora lhe obrigou a
engolir a bílis: «A condessa dançou com Roger Matherson, conhecido do conde
Devereux, quem acompanhou à condessa até em casa. Possivelmente o
comerciante ia iniciar novas negociações e empreender outro tipo de
empresa....»
Elena pisou no jornal com um escarpam de cetim azul. Odiava essa gente
que via maldade em todas as coisas. Amaldiçoou-se por ser tão estúpida, o que
esperava que dissessem dela ao retornar para casa na carruagem de Roger
Matherson? Descobrir que seu marido carecia de coração a tinha entristecido
tanto, que aceitou a companhia de Matherson, sem avaliar as consequências.
«Laramie, desde quando tinha começado a chamá-lo por seu nome primeiro
nome e não como conde?”» pensou surpreendida. Não fazia diferença como o
chamasse, depois de ler o jornal acreditava que acrescentaria outra coisa a
enorme lista e que jamais lhe perdoaria. Terminou de tomar o café da manhã,
pensava melhor com o estômago cheio e precisava esclarecer esse mal-
entendido. Thomas entrou na sala levando uma enorme caixa, em seu interior
havia rosas vermelhas. Elena agarrou o cartão e leu: «Obrigado por uma noite
encantadora, Roger». E nesse instante Laramie entrou na sala, ao vê-la com as
flores elevou as sobrancelhas de forma inquisitiva.
― Thomas, pode levar isto, diga à senhora Williams que veja o que faz com
elas ― tentou ocultar o cartão, mas o conde percebeu.
Marta sorriu.
― No Egito...
Elena esperou a noite para levar a cabo seu plano. Marta a banhou com
esmero, deu-lhe uma massagem e a lubrificou com azeite perfumado como se
preparasse um pescado para o forno. Depois, voltou a banhá-la e por último a
polvilhou com pó de rosas o que a fez sentir-se como um bolo de açúcar. A
senhora Williams não deixou nada ao acaso, como se avaliasse a suas tropas
de serventes revisou uma a uma as camisolas da condessa e optou pela que
Rosalyn escolheu para a noite de bodas.
― Está arrebatadora! Nem o mais casto dos homens resistiria não amá-la
esta noite.
― Quero um livro, não posso dormir ― explicou de uma forma tão inocente
que teria convencido a qualquer um menos experiente em assuntos de
sedução.
Elena olhou para chão, esperava alguma reação de seu marido, mas não
se movia do assento. Sua desculpa era boa até que agarrasse o livro, logo não
podia ficar diante dele como uma estátua.
― Por favor... Não seja cruel ― lhe rogou com uma voz que soou a
ambrósia.
― Sim ― a voz de sua esposa o liberou das cadeias que lhe retinham.
Laramie não necessitou nada mais que essa palavra de aceitação. Elevou-
a em braços e a apoiou contra a estante de livros. Não podia chegar a nenhum
outro lugar, nem ela o permitiria. Recebeu-o em seu interior como não o tinha
feito antes nenhuma mulher. Adaptou-se a seus movimentos como se fosse
uma perfeita engrenagem mecânica, sem que nenhum dos dois resistisse mais
o prazer que os invadia.
― Termina de uma vez com esta tortura ― disse quase com um fio de voz,
cravou as unhas nas costas de seu marido e com renovado ânimo exigiu ―
Faze-o como se te cobrasse por isso ― a vergonha cobriu as bochechas de sua
esposa ante as palavras que escaparam de maneira indecorosa de sua boca.
Cinco horas mais tarde, Elena despertou na cama de seu marido com um
sorriso desenhado no rosto. Essa manhã, Laramie tinha ido à estação King›s
Cross. Ainda não a tinha visto. Todo mundo falava dos tijolos de terracota e os
numerosos arcos que a adornavam. As pessoas a comparavam com uma
catedral gótica. Quis lhe acompanhar, entretanto, pediu-lhe que descansasse.
Depois do encontro apaixonado na biblioteca conduziu-a para a cama onde lhe
ensinou, com toda a delicadeza e paciência inimaginável, o que era o amour
français e lhe tinha mostrado um mundo desconhecido e excitante. Estirou as
extremidades com um prazer luxurioso. O aroma de seu marido ainda
permanecia nos lençóis e um sorriso bobo e satisfeito surgiu em seu rosto ao
recordar o que haviam compartilhado no leito.
Apesar de que continuaria muito mais ali, não queria que sua cunhada
tivesse uma má impressão dela, assim que se levantou e depois de um bom
banho e um melhor café da manhã se sentiu com uma confiança renovada.
Marta a atendeu sem fazer nenhum comentário. Os sorrisos de ambas e o
A garota um pouco mais baixa que seu marido enfrentava o conde com
uma valentia que invejou. Anna era a versão feminina de Laramie. Suas
características eram muito mais finas e elegantes, mas a beleza selvagem e o
caráter autoritário pertenciam à família Devereux.
― Asseguro-te que tem sido desde o primeiro dia. ― Anna viu a mulher de
cabelo dourado que devia ser sua cunhada e lamentou que os tivesse escutado.
Teria que ser cego para não dar-se conta de que essas palavras lhe tinham
doído. ― Como sempre há dito: não tenho coração.
Desta vez Laramie não olhou sua esposa, não queria ver-se refletido em
seus maravilhosos olhos verdes como um monstro.
Além disso, era uma autêntica dama por nascimento, caráter e maneiras.
Uma esposa que teria agradado a sua mãe e uma digna portadora do título
Devereux. Não podia esquecer seus olhos doídos quando cuspiu aquelas
palavras. Sua irmã lhe tinha enfurecido desde que desceu do trem. Anna se
manteve durante quase todo o caminho calada, até aborrecida, Laramie lhe
perguntou no carro o que lhe passava. A jovem estalou como a pólvora. Seus
protestos o irritaram tanto que antes de chegar em casa já estavam envolvidos
em uma briga. Sentia-se perdido e já havia sido difícil reconhecer que preferia
a Elena em vez de Virginia. Compará-la com seu anjo queimado era
imperdoável. Arrependeu-se de suas palavras, mas nada podia fazer para evitar
que sua esposa pensasse que era um homem cruel. Tirou da gaveta do
escritório a carta onde lhe comunicavam a morte de Auguste. Tinha adiado
muito contar a Charles, essa noite falaria com ele.
Capítulo 10
Durante as duas semanas seguintes Laramie a tratou com cortesia,
embora em nenhum momento lhe pedisse que compartilhassem o leito.
Necessitava de tempo para aceitar que nunca teria um matrimônio como o de
seus pais. Em cada encontro entregaria seu coração, enquanto que ele só a
visitaria até que engendrasse um herdeiro.
de voz.
― Está bem, além disso, asseguro-te que serão algo mais que umas
quantas libras ― desafiou belicosa a jovem. Elena sorriu com acanhamento,
não esperava uma reação como aquela e temeu como seu marido tomaria
aquele gasto extra. Ao ver o gesto de dúvida no rosto de sua cunhada,
acrescentou ― Laramie nunca foi miserável nem avarento comigo.
Esperava que Anna tivesse razão, não tinha vontade de enfrentar seu
marido. A situação já era bastante complicada.
― Pobre homem, imagina o que deve ser cumprir com suas obrigações
matrimoniais casado com uma mulher queimada.
Essa tarde Anna entrou furiosa na sala de música onde Elena se refugiou
para lamber suas feridas.
― Quer me casar com lorde Chapman! ― A jovem olhou sua cunhada com
os olhos avermelhados pelo pranto.
disse com uma violência tão evidente que Elena se encolheu no assento.
Nunca tinha sido uma pessoa violenta, embora seu marido despertasse
nela não só sensações maravilhosas, também outras das que não se sentia
nada orgulhosa.
Ao ver a dor no rosto de sua esposa, Laramie quis lhe explicar o motivo de
suas visitas à marquesa. Tudo estava relacionado com o ópio e a morte de
Auguste. A casa da marquesa era a mais segura e quão único arriscava era a
reputação de marido fiel, algo que não lhe importava, não imaginou que
chegaria aos ouvidos de Elena. Vê-la dessa maneira de certa forma lhe alegrou,
ao lhe demonstrar que não só se casou por seu dinheiro como pensou em um
― Não lhe posso explicar isso, confia em mim ― lhe rogou. Era o único que
podia fazer.
― Deixa de visitar a marquesa, por favor, ― lhe pediu, enquanto ele ainda
estava em seu interior.
Elena não se sentiria tão suja se a tivesse pagado. Desceu da mesa e com
toda a dignidade que pôde reunir, partiu sem dizer uma palavra. O conde a
deixou ir, esperava que depois de castigar o assassino de Auguste, o perdoasse.
mentiu.
― O que é?
Era um homem arrumado apesar dos muitos anos passados em alto mar.
Tinha maneiras de outra época, parecia espanhol. Alisou o bigode com um
gesto de paquera.
― Capitão, não me contou que a condessa era uma sereia dos mares, mas
muito mais bela ― Elena se ruborizou.
― Saul, jamais contaria a um velho pirata como você que possuo uma
pérola tão bonita ― brincou o conde. Seus olhos se encontraram com os da
Elena e ela apartou o olhar.
Saul conhecia muito bem o jovem capitão. Tinha percorrido muitos mares
em sua companhia. Era justo na maioria das vezes e implacável com os
homens que atentavam contra as leis que impunha em seu navio. Essa mulher
lhe alterava mais que qualquer outra. Observou a jovem que tinha enganado ao
conde. Apesar de não mover-se nas mesmas esferas, ainda tinha ouvidos e
tinha escutado a forma em que se casou com a garota equivocada. Embora
vendo esses olhos tão formosos acreditasse que logo trocaria de atitude. Não
tinha sido imune a sua voz de sereia nem tampouco a que era uma verdadeira
dama.
― Ocupa-te dele como sempre. ― Laramie se virou para olhar para Saul
com a cara zangada. Elena contemplou uma frieza terrível em seus olhos. ―
Não quero enganos.
― Não haverá ― respondeu, e moveu a adaga enquanto fazia um gesto de
cortar um imaginário pescoço. Elena retrocedeu um passo, assustada. O
contramestre guardou de novo a adaga na capa e tomou a mão da condessa
― Não irei a nenhuma festa, não sou um cão adestrado que possa levar na
correia quando quiser e onde queira.
Elena teve o suficiente, sem pensar, agarrou um dos livros de uma estante
mais próxima e o lançou na cabeça. Nunca tinha tido boa pontaria e caiu na
bacia. A água molhou as calças de Laramie, que pronunciou umas quantas
palavras que ela jamais tinha ouvido e que certamente não eram muito
Essa noite Laramie recebeu a sua irmã no hall, ao vê-la se sentiu cheio de
orgulho. A jovem parecia uma fada dos bosques envolta em capas e capas de
musselina de suaves cores. Seu belo rosto estava menos triste. Alegrou-se de
que afinal compreendesse a decisão que tinha tomado. Então Elena desceu
pelas escadas, estava arrebatadora. O vestido lhe outorgava um aspecto muito
sedutor. Uma pontada de ciúmes, porque outros homens na festa veriam o que
ele tinha visto, obrigou-lhe a apertar os dentes. O pescoço branco e o
nascimento dos seios de Elena eram uma tentação para os sentidos. Teria
beijado essa parte de sua pele quando passou a seu lado, mas se conteve e
ofereceu o braço às duas mulheres.
― Esta noite está preciosa ― sussurrou Laramie ao seu ouvido com uma
clara admiração nos olhos.
Laramie emudeceu ante o ataque que lhe lançou sua esposa. Não só seu
aspecto tinha mudado. Imaginou-se aplacando essa nova faceta de indomável
fera na cama e sentiu a boca seca pelo desejo que tinha começado a surgir
nele. Alcançou uma das taças que os garçons ofereciam aos convidados e a
tomou de um gole. Elena se afastou para saudar seus conhecidos. Vários
cavalheiros se voltaram para ver a transformação da condessa Devereux.
Tratou de acalmar-se, embora vendo como sua esposa movia os quadris,
necessitaria algo mais que a taça de champanhe para evitar abordá-la.
Enquanto isso, Charles se sentia no mesmo céu por ter Anna entre seus
braços. Tinha-a amado desde que a conheceu. Não imaginava uma vida sem
sua presença. Logo seria de lorde Chapman, esse patético e miserável homem.
Esse cavalheiro não tinha feito nada para merecer tais títulos, salvo querer
casar-se com sua adorada Anna. O pesar o subjugou. A moça, por sua parte,
cometeria qualquer loucura para estar com Charles, mas o médico se negava a
ser o responsável por sua desonra. Ambos escaparam da dança ao perceberem
que Laramie não deixava de vigiar Elena com um gesto de posse que incitou
mais de um comentário sobre o matrimônio.
Essa noite a condessa se sentia poderosa, embora não fosse a única que
viu a jogada dos jovens, a vigilância de Laramie nem seu atrativo. Roger
Matherson ia jogar suas cartas. Precisava aproximar-se de Elena e a melhor
forma seria através de sua cunhada. Seguiu os jovens e se fez conhecido.
― Meu irmão não tem por que se inteirar ― respondeu esfregando as mãos
com nervosismo, e olhou com certo desprezo os olhos do comerciante.
― Por favor ― pediu Anna para que as vozes de Charles não atraíssem a
atenção de outros convidados, ― o que quer?
― Faria bem em meter-se em seus assuntos se não quiser que lhe parta a
boca ― respondeu sem lhe olhar. Em troca, fixou o olhar no de Elena.
― Não, não o sou ― respondeu com um sorriso que fez que lorde Norfolk
retrocedesse um passo. ― Sugiro-lhe que se retire.
Capítulo 11
No dia seguinte, Roger Matherson, tão pontual como a rainha Vitória,
apresentou-se na casa do conde Devereux às cinco da tarde. Depois da
confissão de Anna não teve mais remédio que tocar o piano. Não se encontrava
muito bem, sentia-se cansada e acreditava ter um pouco de febre. De todos os
modos, agradecia que Laramie não estivesse em casa essa tarde. Se a
encontrasse na sala de música com Roger, depois do que tinha sugerido o
jornal, possivelmente seu marido perdesse por completo as maneiras e ela não
se encontrava com forças para confrontar outra discussão.
Elena e Roger sabiam muito bem de quem se tratava, assim que a jovem,
esquecendo-se da obrigação de permanecer junto a sua cunhada, saiu da sala
de música. Marta estava indecisa, não deixaria a senhorita e ao jovem doutor
só por medo aos rumores que desencadeariam as más línguas. Embora deixar
a senhora em companhia desse homem tampouco lhe inspirava confiança. Um
gesto de Elena com a cabeça a obrigou a fechar a porta e acompanhar a
senhorita Devereux.
― Senhor Matherson, a que veio? Não acredito que a música seja a única
coisa que queira escutar. ― Elena tocou a fronte com uma das mãos. Estava
acalorada e acreditava que a febre tinha subido.
― Não vim somente por isso. ― Elena se deteve ao ver o rosto colérico do
homem. ― Seu marido é um monstro que assassinou a minha esposa e a meu
filho.
Marta não tinha especificado o que lhe passava, falava que fosse para casa
e que o fizesse o quanto antes possível. Sua preocupação por Elena lhe
agonizou. Jamais havia sentido algo parecido por nenhuma outra mulher.
Ocupou o lugar de seu chofer e açoitou o cavalo com tanta força que o animal
voou em lugar de cavalgar através das ruas de Londres.
― Fique calma. ― Acariciou suas costas para que deixasse de chorar e lhe
explicasse o que tinha acontecido. ― Vamos à biblioteca.
Charles olhou para Anna e intuiu que quando lhe contasse o ocorrido
estalaria como uma tormenta em alto mar. Deixou Elena a cargo da senhora
Williams e desceu com eles.
Laramie a teria sacudido até lhe tirar alguma palavra que fizesse sentido e
lhe esclarecesse o que tinha levado Elena a esse estado. Imaginar que pudesse
perdê-la atormentava lhe. Decidiu ante a confusão de Anna lhe fazer perguntas
em vez de esperar a que lhe relatasse o acontecido essa tarde.
auxílio.
― Sinto-o ― se desculpou.
― Não sei ― confessou Anna com a vista fixa nos pés e envergonhada por
sua atitude.
― Como que não sabe! ― Golpeou a mesa e soou como um canhão em alto
mar, profundo, intimidante e destrutivo.
― Não estava ali ― terminou por confessar com os olhos fixos em suas
sapatilhas de seda rosa.
― Fora! ― estalou tão zangado com eles que melhor seria que
desaparecessem de sua vista quanto antes.
― Não tem nada físico, entretanto, sua mente se encontra em tal estado
de choque que a febre tomou conta dela. Se superar esta noite é provável que
tudo vá bem. ― As palavras do jovem médico renovaram sua esperança.
Charles serviu uma taça e a entregou, logo agarrou o braço de Anna e com
ela se dirigiu à porta. Laramie bebeu sua bebida e se serviu de mais duas taças
de brandy.
Quando Laramie visitava Elena ela permanecia calada, ficava tensa se ele
se aproximava muito e evitou de todas as maneiras possíveis confessar o que
tinha passado na tarde em que Matherson a visitou. Apesar de Laramie ter se
armado de paciência, às vezes pensou que sua esposa tinha levantado um
muro de granito entre eles.
― Agora falta acabar com ele, até a morte. Não imaginam quanta vontade
tenho de que isso aconteça.
Elena sentiu que o coração lhe gelava, se alguma vez tinha tido alguma
dúvida a respeito da capacidade de seu marido para cometer um assassinato,
aquelas palavras eram a demonstração de que se equivocava.
Alheio ao que tinha desencadeado no seio de seu lar, Devereux serviu uma
taça de vinho a cada um dos convidados à reunião.
― Assim é, mas terá que fazê-lo com discrição e sem que se levantem
suspeitas ou o pássaro voará ― disse o embaixador.
Três horas mais tarde, Laramie se despediu dos três homens e escutou as
notas do piano. Alegrou-se de que tocasse de novo. Nos últimos dias nem
sequer tinha se aproximado da sala de música. O conde sorriu agradado, logo
Roger apodreceria em uma prisão inglesa. Abriu a porta da sala de música e
― O que aconteceu?
O conde não dava crédito ao que escutava. O divórcio para uma mulher
como ela significava ser excluída de todo círculo social, preferia isso a viver a
seu lado. O rancor se instalou no coração de Laramie.
―… não tem outra opção ― disse colérico. ― Recordo-te que foi você que
me obrigou a casar contigo.
Laramie a olhou nos olhos, sem entender a que se referia, mas intuía que
estava a ponto de escutar algo terrível. Olhava-o como se fora o mesmo
Herodes. Então sua esposa saiu correndo da sala de música, deixou-a partir.
Seria inútil retê-la.
Elena subiu a o seu quarto com a única esperança de que ainda não fosse
tarde para que Roger Matherson aceitasse comprar os navios que tanto
desejava. Seu marido tinha sido tão generoso que, no presente que deu a
Virginia, tinha incluído uma cláusula pela qual sua prometida, a senhorita
MacGowan, tinha a autoridade suficiente para exercer a venda, compra ou
qualquer outra gestão sobre esses navios sem o consentimento de seu futuro
marido. Elena supôs que para Devereux era o mais romântico que um homem
podia fazer por uma mulher. Olhou a escritura de propriedade, não entendia de
vendas, assim teria que confiar na honradez de Matherson, embora duvidasse
que tivesse muita.
Elena abriu a porta de seu quarto e comprovou que não havia ninguém no
corredor, quase nas pontas dos pés se dirigiu ao quarto de sua cunhada.
― Tenho que falar contigo e deve ser agora. ― Fechou a porta e se apoiou
nela. Anna a olhou com um brilho de esperança nos olhos. ― O que faria para
ter o amor do Charles?
― Meu irmão não é malvado, mas sim um estúpido por não ver a mulher
maravilhosa que é. ― Elena assentiu, e evitou que sua cunhada visse sua
tristeza.
― Esta noite fugirá com Charles, dar-lhes-ei dinheiro para que iniciem
uma nova vida longe daqui.
― Deve fingir ― se apressou a lhe dizer sem deixar de olhar a porta ― Seu
irmão tem que ser o último em inteirar-se. Assim, esconda esse tolo sorriso de
felicidade do rosto e pensa na cabeça calva e na barriga de seu prometido.
― Trouxe o dinheiro, tal como lhe pedi? ― olhou para a porta com
preocupação, se alguém a descobrisse seu plano de fugir e de ajudar a Anna se
esfumaria.
― Sim, não quer ler os documentos? ― perguntou mais por cortesia que
por interesse verdadeiro.
― Muito bem, assine aqui e o dinheiro será seu. ― Tomou a pluma que lhe
brindava e se sentiu como uma traidora. Durante um instante, sua mão
tremeu e Roger foi consciente de suas dúvidas ― Recorde, não trai a seu
marido, a não ser a um assassino.
tomado uma decisão e duas pessoas dependiam dela para ser felizes.
Outra necessitava de um futuro melhor do que lhe esperaria se ficasse ao lado
de seu marido, e acariciou o ventre. Se Laramie descobrisse sua gravidez a
trancaria em uma masmorra antes de consentir que partisse. Dividiu o
dinheiro e o guardou na bolsa.
― Elena! ― conseguiu pronunciar ao ver quem era, ― esta noite não sou
boa companhia ― se desculpou.
― Vamos dançar ― ordenou ela. Charles para não ser grosseiro se deixou
arrastar com o rosto de um condenado à forca.
― Elena ― disse irritado, ― hei-te dito que não sou a melhor companhia
esta noite.
Dois homens que não podiam dissimular que eram da polícia não lhe
perdiam de vista. Entrou na sala de bilhar e surpreendeu a um casal que se
beijava, fez um gesto para que permanecessem calados. O homem que o seguia
entrou pouco depois no aposento. Matherson o atingiu com uma das varas de
bilhar que lhe quebrou o pescoço. O segundo policial chegou imediatamente e
lutou com o comerciante. Roger desembainhou um florete de sua bengala e o
matou com uma estocada certeira no peito. A dama emitiu um grito que foi
silenciado pela mão de seu acompanhante temeroso de que Roger também
acabasse com eles. Matherson agradeceu o gesto com um sorriso malicioso.
Logo, abriu uma das janelas e saltou por ela.
Descer pela parede não era difícil para um homem que subia uma altura
maior em muitos de seus navios não fazia tanto tempo. Sua perna direita desde
que um cavalo havia lhe atirado dos arreios não era a mesma, mas esperava
que isso não lhe causasse uma má jogada. Quando aterrissou em cima de um
canteiro de petúnias, avistou como a condessa Devereux subia em um carro de
aluguel. Decidiu que precisaria de um ás que guardar na manga e essa mulher
era a carta que necessitava para ganhar a partida.
Elena não dava crédito ao que lhe acontecia, esse homem lhe tinha
pagado e pedido que fugisse e agora a retinha contra sua vontade, porque isso
era o que estava fazendo.
Roger a agarrou por braço e a atraiu para ele, pela primeira vez advertiu a
malevolência desse homem. A máscara de cavalheirismo tinha desaparecido
por completo. Em seu lugar, mostrava uma violenta determinação que lhe fez
temer por sua vida.
Elena olhou pelo guichê, logo a paisagem de Londres ficaria para trás.
A traição de sua irmã não era nada comparável com a de sua esposa.
Também tinha abandonado a festa, deixando muito claro que não queria estar
no mesmo lugar que ele se encontrasse. O conde estava esgotado de lutar em
um matrimônio que jamais quis e ao que o tinham exposto graças a um
É o que faria Laramie no dia seguinte, deixaria que Elena partisse e não
procuraria Anna. A reputação de sua irmã tinha ficado manchada para
sempre, nenhum cavalheiro a aceitaria como esposa. Esperava que Charles
fizesse o correto e se casasse com ela.
― Pagará pelo que fez? ― perguntou Laramie quando soltou de sua mão.
Laramie empalideceu, assumiu que Elena tinha voltado para casa, quase
não a tinha visto durante toda a festa.
― Fecha a porta ― obedeceu à espera que o conde lhe dissesse para que
lhe tivesse requerido ― tenho um trabalho para ti. Thomas tirou as luvas e a
jaqueta, sentou-se na cadeira frente ao conde e sua atitude serviçal se apagou
para dar passo a de um autêntico sabugo.
― Fiz trabalhos para você e nunca perguntei as razões, desta vez, não
terei meu pescoço ameaçado por um homem como Matherson sem saber o que
pretende.
Laramie sorriu com tristeza, duvidava que Elena retornasse a seu lado
embora mesmo o Papa de Roma assegurasse sua inocência, entretanto, não lhe
acusariam de matar a uma mulher e a um menino se não era certo. Enquanto
isso, a cada minuto que passava Elena se afastava mais dele. Tirou de uma
gaveta uma garrafa de uísque e começou a beber. Ia ser uma noite muito longa.
― É obvio senhor.
― Por quanto?
Laramie se sentou de novo, não deixava de pensar por que motivo Elena
tinha vendido aqueles navios a um homem como Matherson. Possivelmente
havia algo mais que desconhecia e as insinuações do jornal eram certas. As
dúvidas se refletiam em seu rosto com total claridade. Reickang, apesar de ser
um homem de escritório, tinha ouvidos em todas as partes e se atreveu a lhe
fazer um comentário sobre o que lhe tinham contado.
― Lamento lhe dizer que não há uma solução, sua esposa vendeu os
navios a Matherson. Os papéis são legais, não há enganos e o preço, embora
injusto, foi aceito pela condessa.
Laramie ficou pensativo quando Reickang fechou a porta, sua esposa não
era a mulher que se supunha. Releu sua carta e nada no que tinha escrito o
fazia suspeitar que estivesse com nenhum outro homem. Imaginou que
Matherson possivelmente aproveitou sua debilidade, seu momento de dúvidas
para aproximar-se dela e seduzi-la. Se esse homem a tocasse lhe mataria com
suas próprias mãos. Mas se Elena se entregou a ele por sua vontade o aceitaria
e a deixaria partir, em que pese que seu coração estivesse por completamente
destruído. A autocompaixão do conde se viu interrompida pela chegada de
Thomas, o moço entrou e fechou a porta do escritório.
― Vingança e destruir tudo o que possuo. Todo este tempo quis vingar-se
de mim, acredita que eu matei a sua família, que os encerrei em vez de tentar
salvá-los.
― Muito ardiloso. Se não pisar chão inglês não pode ser detido. Meus
navios têm bandeira da China e se regem por esta autoridade.
― Isso não é tudo ― Laramie levantou uma das sobrancelhas ― dizem que
a condessa se converteu em sua amante. Laramie se agarrou à poltrona e
quase partiu o braço de madeira. Thomas ficou em pé disposto a partir, mas
Laramie
o deteve.
― Não acredito que seja uma boa ideia, ele não virá e se você aceitar subir
nesse navio o matará.
― Então, com mais razão devo vê-la, prepara o encontro. Thomas assentiu
e saiu do escritório. Quando a porta se
― Não me importa suas visitas. ― Elena lhe deu as costas, como faria uma
menina malcriada, algo que excitou Matherson.
― Deveria lhe importar, seu marido virá esta tarde. ― Elena virou o rosto
atemorizado, depois desses dias em companhia desse homem já não estava
― Então, cairá sobre sua consciência sua morte ― a ameaçou de uma vez
como se limpasse o sangue com um lenço de renda branco.
― Acredita que não me dei conta? ― Roger agarrou por ambos os braços a
jovem ― Sei que espera um filho. Vi como tenta ocultar suas náuseas pela
manhã e como protege o ventre de forma inconsciente com as mãos.
― Não farei isso a Laramie ― assegurou, e se separou do homem.
― Querida, seu marido já sabe que está prenhe e o melhor é que acredita
que o filho é meu.
― As coisas serão diferentes para ti, esse filho será meu e quero que fique
claro para Devereux. Se sua atuação não for convincente nenhum dos dois
sobreviverá.
― Onde está minha esposa? Quero vê-la. ― Laramie não jogaria esse jogo.
Precisava ver a Elena e confirmar que os rumores sobre sua relação com Roger
eram uma invenção.
― Isso pode esperar, antes temos uma entrevista com uma dama. Antro
agarrou Laramie de um braço e outro dos capangas de Matherson o fez do
outro lhe arrastando até a sala de jantar. Roger presidiu a mesa, um servente
dispôs os pratos com uma formalidade imprópria de um navio. A porta se abriu
e Elena apareceu por ela. Estava pálida, os ruges nas bochechas eram um
pouco exagerados, embora sua beleza essa noite deixasse Laramie mais
selvagem. O vestido era muito mais chamativo dos que estava acostumada a
usar. O decote mostrava um generoso busto e seu cabelo lhe caía nas costas
em uma espessa cascata de cachos dourados. Aproximou-se de Roger e o
beijou na boca. Laramie apertou os braços da cadeira ao comprovar que os
rumores eram certos. Essa mulher lhe tinha humilhado e destroçado o que
com tanto esforço tinha obtido esses anos: que o mundo tivesse, de novo,
respeito pelo sobrenome Devereux. Ao vê-la com essa roupa e esse homem
compreendeu que tinha sido um imbecil ao entregar o coração a uma mulher
que tinha acreditado diferente ao resto, quando, em realidade, tinha-o utilizado
e enganado em seu benefício.
― Querido ― disse, e olhou nos olhos de seu marido. Elena sentia que o
traía e com cada gesto e cada palavra esfaqueava seu amor por ele ― me casar
contigo foi um engano. Descobri na primeira noite em que conheci Roger. Foi
é teu.
As lágrimas de Elena quase não lhe permitiam ver. Soltou-se com asco de
Matherson e se dirigiu a seu camarote. Nesse dia Roger Matherson era um
homem feliz, tinha completado sua vingança. Laramie Devereux morreria nesse
barco e, graças a sua esposa, os dias de vida que ficassem passaria sofrendo.
Esse homem assassinou a sua família, agora, lhe roubaria a sua. Nesse
instante Rosalyn apareceu pela porta, a mulher levava uma mescla de cores
extravagantes e de mau gosto que desagradou Matherson.
Logo se desfaria dela. Tinha servido a seus propósitos, embora agora que
tinha uma mulher como Elena, Rosalyn era uma áspera imitação de esposa
que carecia da classe e da beleza da condessa.
― Isso foi antes de saber que esperava um filho, quero esse menino ―
confessou, e apreciou a dor que refletiu no rosto do Rosalyn.
― Pode ter qualquer menino ― sugeriu sem muita convicção. Roger era
um homem com uma vontade de aço. Tinha decidido que teria esse filho,
ninguém neste mundo o evitaria. Rosalyn torceu a boca em uma careta
caprichosa.
Charles. Não havia outro lugar no mundo onde desejasse estar mais do
que nessa cama e entre aqueles braços, mas pelo bem de seu matrimônio,
precisavam esclarecer as coisas com Devereux.
Duas lágrimas surgiram nos olhos da jovem e murmurou uma palavra que
encheu de amor o peito do médico: «Obrigada».
― E se for por Elena? Ela nos ajudou. ― Anna esfregou as mãos de forma
nervosa.
― Laramie é implacável com seus inimigos, embora leal com seus amigos.
É um homem de princípios e jamais machucaria alguém como Elena.
― Senhora, tenho que lhes dizer algo ― anunciou o jovem com gesto sério
e decidido.
― Oh, não morreu! ― Anna se soltou dos braços de seu marido e olhou
Thomas com o rosto invadido pelas lágrimas, o jovem continuou ― Segui o
conde apesar de que não me ordenasse isso.
Thomas manifestou nos olhos sua preocupação por Anna, mas a jovem, ao
advertir sua indecisão, tirou as lágrimas do rosto com a manga do vestido e lhe
disse:
― Não pode ser certo. ― Anna olhava com lágrimas nos olhos ―
Destroçará Laramie, sei bem, não aguentará que o sobrenome Devereux fique
enlameado desta forma.
Virginia tinha dançado feliz durante toda a noite, seu pretendente gostava.
Não era muito velho nem muito rico. Tratava-a como a uma mulher e parecia
tão seguro de si mesmo, tão inalcançável e misterioso que se apaixonou por ele
desde a primeira vez que cruzaram seus olhares na sala de baile. Estava farta
de que todo mundo dissesse que era uma menina, entretanto, esse homem a
tinha beijado e seu corpo tinha reagido como se não houvesse um novo dia.
Só a menção de sua tia lhe mudava o humor, mas não queria decepcionar
Ian, assim se chamava lorde Rochester. Opor-se a Rosalyn não era fácil. Olhou
seu vestido, o que usaria essa noite, e tomou uma decisão: necessitava das
Duas horas mais tarde, Virginia já preparada para assistir o jantar onde
estaria lorde Rochester, entrou no quarto de sua mãe para despedir-se.
Rosalyn deixou de pentear-se e observou a sua filha, essa noite seu pai a
acompanharia ao jantar. Havia um lorde interessado em Virginia e esta vez não
queria danificar a ocasião de que contraísse um matrimônio adequado. Tudo
nela era encanto e beleza. Ao ver o colar e os pendentes não pôde evitar que
um olhar de terror se refletisse em seus olhos.
― Mãe ― disse conciliadora, não queria começar uma discussão, não essa
noite, quando tinha tanta vontade de ver de novo lorde Rochester ― Pai me deu
permissão para pôr isso.
― Nada, mãe.
― Não minta. ― Rosalyn se levantou e esbofeteou a sua filha com fúria.
Virginia tocou a bochecha sem compreender o que tinha feito para zangar-
se dessa forma.
― Adeus, mãe.
Virginia se retirou do quarto. A curiosidade falou mais alto que suas boas
maneiras e pegou o ouvido à porta. Uma senhorita educada e candidata a
converter-se na esposa de lorde Rochester não deveria fazê-lo, mas algo lhe
impulsionou a satisfazer sua curiosidade.
― Sei, sei que o tempo é meu pior inimigo. Não duvide que queira matar a
Elena. Embora me preocupe que Virginia se inteire, hoje descobriu o veneno.
Matherson não pode ter filhos, jamais poderá os ter e deseja um mais que
nada neste mundo ― confessou, enquanto passeava pela habitação vestida com
uma camisola de rendas e laços ― Ele acredita que não sei.
― É um castrado!
― Não o farei. Acabarei com Elena e ninguém averiguará que fui eu a que
assassinou a filha de Vitória ― Rosalyn cuspiu as palavras com um ódio
visceral ― Logo Troy seguirá seus passos. Não renunciarei a meu título de lady,
quando posso me converter na viúva lady MacGowan. Virginia tampou a boca
para não emitir um grito, retrocedeu alguns passos, pálida como se tivesse
visto uma aparição fantasmal e desceu as escadas de duas em duas em busca
de seu pai. Descobrir os planos de sua mãe lhe aterrou. Encontrou-o no
escritório.
― Já está preparada? ― sua filha não levava postos nem as luvas nem sua
capa ― o que te ocorre? ― Ao vê-la nesse estado Troy a abraçou.
Virginia não deixava de chorar. Sentia-se tão desolada ante ao que tinha
escutado que seu pai teve que lhe dar um gole do uísque que ele tomava.
― O que ouviste? ― Troy lhe falava com voz suave e a conduziu até uma
poltrona.
― Quer matar Elena e logo a ti. ― Virginia abraçou seu pai com desespero.
― Asseguro-lhe que tudo o que me contou minha filha é certo. Não duvido
de suas palavras, nem tampouco de que minha esposa ― o homem continuou
com um descarado desprezo ― seja artífice desse macabro e terrível plano. Dei
ordem de que a capturem, mas acreditei importante lhe dizer que minha
sobrinha é inocente do que lhe acusa. Não é uma adultera a não ser uma
mulher retida contra sua vontade e, é obvio que o filho que espera é do conde,
dado que Matherson
― Meu irmão deve sabê-lo ― disse Anna com uma esperança renovada ―
Deve conhecer que o filho que espera Elena não é de Matherson, que tudo foi
um ardil para lhe prejudicar.
Laramie olhou de cima abaixo o moço como se tivesse cometido o pior dos
pecados e lhe arrancou a nota das mãos. Richard fugiu da ponte igual um
bando de peixes de um predador. Devereux reconheceu a letra de Thomas, esse
jovem era um autêntico demônio. Suas notícias eram tão alentadoras que
queria acreditar que era certo, que tudo tinha sido uma farsa, até lendo-o não
podia esquecer como Elena tinha beijado Matherson e se entregou a suas
carícias. Entretanto, se esse filho fosse dele, como assegurava a nota, não
deixaria que ninguém o separasse de seu lado, nem sequer sua mãe.
― O Antoinette.
― Marinheiros! ― gritou Saul, com uma alegria que não pôde disfarçar ―
Ratos marinhos! Movam o curso! Roger, prepara as armas!
Elena olhou o vestido verde que esse homem lhe tinha ordenado colocar
para o jantar e começou a rasgá-lo. Em poucos minutos o deixou em farrapos.
O tecido caía a seus pés convertendo o camarote em uma ilha de suaves
rendas e sedas. Colocou seu vestido turquesa e negro, logo não caberia, e
acariciou o ventre com ternura.
perdido no mar, sem mantimentos nem água não resistiria muito tempo.
― Vais falar toda a noite ou brigar? ― Isso terminou por lhe irritar e Antro
se lançou em uma investida mortal. Laramie era um nobre cavalheiro, devia
jogar limpo. Embora, dado onde se criou e como o tinha feito, lançou um chute
direto nos testículos de seu adversário, uma ação imprópria de qualquer
cavalheiro e derrubou ao Touro de Minos. Antro agarrou sua virilha com as
duas mãos uma vez que um gesto de dor se apoderou de seu rosto. Laramie
escutou as gargalhadas dos homens até que aplausos as sossegaram.
― Não o fiz. ― Seu primeiro impulso foi sair correndo em busca de sua
esposa, mas Matherson necessitava de uma explicação do acontecido ―
Abordamos Poseidon, lançamos na água seus ocupantes e deixamos alguns
barcos para que subissem neles. Tinham que nadar uns poucos metros e
estariam a salvo. Um de meus homens brigou com um dos teus e na briga
puseram fogo a um fardo de ópio. O fogo se estendeu com rapidez, os dois
conseguiram fugir, entretanto, os gritos de uma mulher me alertaram de que
alguém mais estava ali abaixo. Quando pude abrir a tampa da escotilha, o fogo
tinha arrasado tudo, se não fosse por um de meus homens eu mesmo teria
morrido esse dia.
Logo depois de vê-la Laramie soube que seu coração lhe pertencia. Essa
mulher era o que necessitava sua existência, sua outra parte. Sua presença lhe
deu a vida que acreditava perdida. Estava arrebatadora com o cabelo solto, a
respiração agitada e segurando uma cadeira para defender-se.
― Tenho a solução!
― Sei como sossegar as dúvidas do filho que espera Elena. ― Anna olhou
seu irmão e ver a dor em seus olhos lhe entristeceu.
cintura frente a seu marido, necessitava de sua ajuda para que o plano
funcionasse.
Charles.
Ela olhava pela janela, vestida com uma delicada camisola branca, sua
mulher parecia muito mais feminina e delicada. Suas curvas eram uma
tentação tão impossível de resistir que apertou os punhos para controlar a
excitação que, depois de tanto tempo, acabaria convertendo-se na erupção de
um vulcão. Não era um moço, mas essa mulher lhe avivava o sangue sem nem
sequer propor-lhe. Sua juba dourada lançava brilhos e quis afundar as mãos
nessas mechas etéreas. Ela se voltou para notar sua presença. Ver-lhe ali lhe
rompia a alma.
Queria lhe compensar pelo dano que lhe tinha causado. Ele tinha querido
uma perfeita rosa inglesa para restaurar seu sobrenome; em troca, tinha
conseguido enlamear seu nome, sua família e sua dignidade. Compreenderia se
não a perdoasse e a repudiasse para sempre. Laramie a olhava com aqueles
olhos negros que a abrasavam e fez com que suas bochechas se ruborizassem.
Aproximou-se e elevou o rosto para receber suas palavras, preparou-se para
tudo, menos para o que escutou.
― Sei ― confirmou Laramie. Sua mão desceu até uma das coxas de sua
mulher. Elena contraiu o corpo de gozo ao notar como seu marido acariciava
com fruição sua intimidade fazendo que se enchesse de novo de
voluptuosidade. Seus olhos brilhavam invadidos pela luxúria.
― Carinho, eles vão, juro-te que o farão. ― Elena cravou as unhas nas
costas de seu marido e se abandonou à lascívia até encolher os dedos dos pés.
Devereux sorriu ao ver que sua esposa tinha recuperado o costume de ser
desbocada na cama.
― Não me importará, nada neste mundo vale a pena se você não estiver ao
meu lado ― disse em um alarde de amor que envergonhou inclusive ao conde.
― Assim é.
Charles tinha previsto todas as opções e desta vez se dispôs a dar sua
tacada final.
― Tem razão ― disse, e Laramie quase fica de pé se sua esposa não lhe
tivesse retido com o tremor que embargava seu corpo, ― mas tenho que
esclarecer dois pontos. ― Charles se dirigiu ao resto de médicos ― Nosso
companheiro, o doutor Clarens, está certo, o senhor Joseph Allard gerou três
― Clarens! ― interveio sir Lohan ― fecha de uma vez a boca! Se não for
capaz de apresentar uma prova contra o que nosso colega Chapdelaine e eu
mesmo apresentamos será melhor que deixe a sala. ― O aludido fincou seu
chapéu, agarrou suas luvas e antes de partir dirigiu um olhar de desprezo aos
condes Devereux. ― Asseguro que é certo tudo o que o doutor Chapdelaine
disse, Roger Matherson não pode nem poderá jamais engendrar filhos.
― Quero que entenda que faria qualquer coisa para não perder a minha.
Golpeou o teto da carruagem para que os levasse para casa. Agora, deviam
aguardar a que o animal selvagem que era a sociedade londrina aceitasse as
novas notícias.
― Maldito seja! Acredita que pode me fazer ficar esperando todo o dia?
― Esse dia ainda não chegou ― respondeu ela com voz melosa.
Laramie a tombou na cama e Elena se sentiu, por fim, tão formosa como
uma perfeita rosa inglesa.
Fim