Capa:
EUGENIO HIRSCH
Diagramagao:
LEA CAULLIRAUX
Revisio tipogrifica:
LUCIA MOUSINHO
Revisao de originais:
REGINA MELLO BRANDAO
Foto de capa:
WALTER GHELMAN (Rio de Janeiro)
As ilustragdes que se encentrara neste volume sfo de autoria do jovem
artista inglés Edward Pagram, a quem ENCONTROS COM A CIVILIZACAO
BRASILEIRA presta, desse modo, uma homenagem.
CIP-Brasil. Catalogagfo-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
Encontros com a Civilizagdo Brasileira /
Enio Silveira . . . / et al. | — Rio de
Janeiro: Civilizagao Brasileira, 1979
(Encontros com a Civilizagio
Brasileira; v. 9)
Resumos biogrdficos
1. Ensaios — Coletanea I. Silveira, Bnio II.
Série
CDD — 808.84
CDU — 82-4 (082)A Democracia
Como Valor Universal
Carlos Nelson Coutinho
Ensafsta ¢ wadutor. Autor de Literatura e Humanismo
(1967), O Estruturalismo e a Miséria da Razo (1972) e,
em colaboracio, Realismo e Antirealismo na Literatura
Brasileira (1974).
A questao do vinculo entre socialismo e democracia marcou sempre,
desde 0 inicio, o processo de formagao do pensamento marxista; e, direta ou
indiretamente, esteve na raiz das inimeras controvérsias que assinalaram e
assinalam a hist6ria da evolugo desse pensamento. Nao se deve esquecer
que Marx, antes de empreender a sua monumental critica da economia
politica, 4 havia esbogado em suas obras juvenis os pressupostos de uma
erftica da politica, de uma critica da democracia representativa burguesa; €
que Engels chegou ao fim da vida preocupado com as novas condigdes que a
conquista do sufragio universal (da ampliagio da democracia) colocava a0
movimento operdrio socialista. Por outro lado, a questdo do valor universal
da democracia est na base ndo apenas das polémicas entre “revisionistas” €
“ortodoxos”, na virada do século, mas reaparece igualmente entre os princi-
pais representantes da esquerda marxista na época imediatamente subse-
qiente 4 Revolugdo de Outubro: basta aqui recordar a polémica entre Rosa
Luxemburgo, por um lado, e Lénin e Trétski, por outro, acerca da conserva-
go de certos institutos democrdticos sob 0 govemo proletario que surgira
daquela Revolugao.
33E, s@ hoje se generaliza entre os marxistas ocidentais a rejeigdo do
“modelo soviético” como modelo universal de socialismo, isso resulta em
grande parte de uma diversa‘concepgao do vinculo socialismo-democracia
por parte desses marxistas. Concepgdo que Enrico Berlinguer sintetizou ex-
pressivamente no discurso que pronunciou em Moscou, em 1977, por oca-
sido do 60.9 aniversario da Revolugao de Outubro: “A democracia é hoje
no apenas 0 terreno no qual o adversério de classe ¢ obrigado a retroceder,
mas é também o valor historicamente universal sobre o qual fundar uma
original sociedade socialista”. Essa universalidade nao deve ser concebida
apenas num sentido te6rico; o valor da democracia nfo se limita a dreas
geograficas. Pois se h4 por sua vez algo de universal nas reflexdes tedricas
na pratica polftica do que ¢ hoje chamado de eurocomunismo, esse algo é
precisamente 0 modo novo — um modo dialeticamente novo, nfo uma
novidade metafisicamente concebida como ruptura absoluta — de conceber
essa telagdo entre socialismo e democracia.
Uma prova dessa universalidade so as acesas polémicas que tém hoje
lugar entre as forgas progressistas brasileiras, envolyendo o significado e 0
papel da luta pela democracia em nosso Pafs, Pode-se facilmente constatar,
nesse sentido, a presenga de diferentes e até mesmo contraditérias concep-
Bes de democracia entre as correntes que se propdem representar os interes-
ses populares e, em particular, os das massas trabalhadoras. Trata-se de um
fato normal e saudavel, contanto que nao se perca de vista a necessidade
imperiosa de acentuar — na presente conjuntura + aquilo que une a todos os
oposicionistas, ou seja, a luta pela conquista de um regime de liberdades
politico-formais que ponha definitivamente termo ao regime de excecdo
que, malgrado a fase de transigg0 que se esboga, ainda domina em nosso
Pafs.
Nao creio que nenhuma formacdo popular responsével ponha hoje em
divida a importancia dessa unidade em torno da luta pelas liberdades demo-
ctaticas tais como essas so definidas, entre outros, no atual programa do
MDB. Todavia, h4 correntes e personalidades que revelam ter da democracia
uma visio estreita, instrumental, puramente tética; segundo tal visio, a de-
mociacia politica — embora util 4 luta das massas populares por sua organi-
zagdo e em defesa dos seus interesses econdmico-corporativos — nfo seria
mais, em tltima instancia e por sua propria natureza, do que uma nova
forma de dominacao da burguesia, ou, mais concretamente, no caso brasilei-
10, dos monop6lios nacionais e internacionais.
Essa visdo estreita se baseia, antes de mais nada, numa errada concepgao
da teoria marxista do Estado, numa falsa e mec4nica identificag&o entre
democracia polftica e dominagdo burguesa. Mas implica, em segundo lugar,
ainda que por vezes implicitamente, uma concepgo equivocada das tarefas
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