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ESP!RITO E MATÊRIA
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RAUL BEZERRA PEDREIRA FaRo

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SuZANA ]OFPILY CRuz

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1"
ZAHAR EDITORES
RIO DE 1ANEIRO
Titulo original:

Le Yoga

,', .
Traduzido da primeira edição francesa, publicada em..1~75 por
ÉDmO/'lS SEOHERS, Paris, França, na coleção CLEFS, dirigida por
Luc DECAUNES

íNDICE

Copyriglrl © 197S by Édltions Seglrers PREFÁCIO DE JACQUES MASUI , .. , , . 7

Nota sobre a pronúncia do sânscrito 11


Modificação da transcrição das palanas sânscritas para adaptá·las
às letras de impressão habit.uais 13 .,"
Lista de abreviações ..........••................................ 15

capa de INTRODUÇÃO 17
É RICO 19
DEFINIÇÃO
I. As ORIGENS 00 'lOGA ..•......................... : . 21 ....
.'
II. As BASES DOUTRINAIS 00 'lOGA: O Sãmkhya .•............... 27

Ponto de partida: insatisfação da condição humana ordinária, 28.


Edição para o Brasil Desapego negativo e desapego positivo, 31. Teoria da causação, 33. A
Não pode circular em outros países Causa Primeira, 33. Os guna da Prakrtl, 35. O Purusha, 37. Provas da
realidade do Purusha, 39. A "Influencia" do Purusha, 40. O dualismo do .'
Sâmkhya, 40. O desenvolvimento da manifestação, 41. Os lattva, 42. A
conjunção do iPurusha e da Prakrti, 46. Um ou vários Purusha, 47. A igno-
rância, 48. Corpo sutil e transmigração, 50. O kannan, 52. O samsã-
ra, 53. A Liberação, 55. A discriminação, 56. A dupla função de
Buddhl, 56. Ateísmo do Sâmkhya?, 59. Função soterlol6gica do Conhe- ..0.,
','

cimento, 61. O método, 61.

III. O 'lOGA CLÁSSICO, DENOMINAOO 'lOGA DE PATANJALI (pÃ-


1976 TANJALA-YOGA) OU 'lOOA REAL (RÂJÁ-'lOOA) ..••......•••• 63
Os fatores de servidão, 65. Definição prática do 'loga, 67. O mé-
todo, 68. As oito etapas do 'loga, 70. - I. Yama: os refreamentos, 71,
Direitos para li edição "r:,,~i1ejra adquiridos por 1) Não-violência, 71. 2) Veracidade, 74. 3) Não-apropriação inde'(ida, 76.
ZAHAR EDITORES 4) Continência, 76. 5) Não-possessividade, 77. - II. Niyama: as obser·
vâncias, 78. 1) A purificação, 78. 2) O contentamento, 79. 3) O es- ~-j
Caixa Post:\! 207, ZC·OO, Rio forço sobre si, 80. 4) O estudo, 80. 5) A consagração a Deus, 81.'
que se reservam li propriedade desta versão - III. Asâna: a postura, 85. - IV. Prdndyâma: a disciplina do alento, 86.
- V. Pratyâhâra: o retraimento dos sentidos, 90. - VI. Dhârand: a con-
'Impresso no Brasil centração, 92. - VII. Dhyâna: a meditação, 93. - VIII. Samddhi, 94.
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c 6 lNDlCE

f Os fatores de .sucesso, 95. Os obstáculos, 96. Os graus do samfJdhi.


97. 1) SamadÍli com cognição (samprajflfJto-sam6dhf) , 99. Os poderes
Ilupranormais, 102. PerfeiçAo do samprajiftJta-samadrl, 103. 2) Samadhi
,".
\
supracognitivo (asamprajiffJta) , 104. O "Liberado nesta vida", 105.
.
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IV. O YOOA DA AÇÃo (KABMA-YOOA) •••••••••••••••••••••••••• 106

A Bhagavad-GltfJ. 106. Incvitabilidade da ação, 107. - 1. Confor-


midade com lua própria natureza, obediência à sua própria lei de ação,
107. 1) A ordem social, 107. 2) As três dívidas, 110. 3) A fase de
vida, 112. 4) A obrigação sacrificial, 112. - n. A ação desinteressa-
da, 113. - m. A açlo consciente, 115. - IV. O heroísmo, 115. - V. A PREFÁCIO
açAo como sacrifício, 116.
V. O YOOA DO AMOR (BHAK11-YOOA) 120
O Yoga como união, 120. Concentração pelo amor, 122. Intuição Os livros sobre Yoga se multiplicam, mas infelizmente
da Roa1ldado como Beatitude, 123. - I. O objeto de adoraçlio, 124. poucos merecem ser lidos. A maioria é de segunda mão e alguns.
1) A Pessoa Divina, 125. 2) Uma encarnação divina, 12~. 3) Um sím- até. mais que duvidosos ... Como observava há pouco um emi-
bolo ou uma imagem, 128. 4) Seu próprio guru, 128. 5) O mestre in- nente especialista, o Yoga é mais célebre do que conhecido. Sem
terior, 129. 6) A humanidade inteira, 129. - II. O adorador, 129. - III.
A adoração, 131. - IV. As etapas da bhakti, 134. - V. Preman, 138. falar dos estudos dispersos em diversas revistas, o primeiro tra-
- VI. Unificação, 139. balho sério na língua francesa sobre o assunto apareceu em
1936 em Bucareste. ConstUma a tese de Mircea Eliade. que
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VI. O YOOA DO CoNHEClME.NTO (Jf:l'ÂNA-YOOA) •••••••••••••••••• 141
depois a revisou e completou. 1 Junto com os trabalhos de
I. As qualificaç6e3 requeridas, 141. - II. O papel do Conhecimento, J. Filliozat, é o melhor estudo sobre o Yoga que encontramos
143. 1) Falsas conccpç6e3 do Eu, 144. 2) Discriminação entre o Es· nessa língua. 2 Não podemos entretanto esquecer outros traba-
pectador o o Bspetáculo 145. - III. Desidentificaçlio, 146. '-1 IV. Re- lhos como os de P. Masson-Oursel ou de Alain Daniélou, nem
velação de sua própria c' verdadeira identidade, 148. 1) "Tu és Isso", 149.
2) "Eu sou Brahman", 151. - V. A prática do Jifdna-Yoga, 151. - VI. as traduções do sdnscrito para o franc~s relaJivas ao Yoga.
O Llberado-vivo, 154. Também não podemos esquecer o trabalho de Thérese Brosse.
cardiologista, que foi a primeira a abordar o Yoga por métodos
VII. O YOOA DO DESPERTAR DA ENERGIA ENROLADA (Kunda/inl-Yoga)
clínicos que permitem apreciar seus efeitos sobre a fisiologia hu-
E O YOOA DO EsFORço VIOLENTO (Hatha-Yoga) •••.•..••..• 156
,_o : mana. No entanto. faltava em franc~s uma obra sucinta e pre-
I. Kunda/inl-Yoga, 156. Çiva e Çakti, 156. A Çakti, poder de oculta· cisa, escrita por alguém que tivesse ~esso não apenas a todas
ção, 156. A Çakti, poder de projeção, 157. Kundalini, 158. Os cakra, 160.
As nddl. 164. O despertar de Kundalini, 165. Os métodos, 166. - II. as fontes sânscritas, mas que pudesse também - o que é mais
Hattha-Yoga, 166. 1) A postura, 167. 2) O domínio do alento, 168. importante - falar por experlência própria. Eis aqui a obra. Ela
a) Purüicação das nddl, 168; b) As seis ações. 168; dhauti. 17~; basti, tem muitos méritos e. particularmente. o de ser clara e comple-
170; neti, 170; tr{jtaka, 171; nau/i, 171; kapfJlabhdti, 171: c). Os diferentes ta. Entretanto, a distribuição da matéria neste volume tão pe-
pr{jn{jyama. 171; suryabhedana, 171; ujjfJyin. 172: Sltkdrm, 172; çlla-
II, 172; bhastrikd, 172; bhrâmarin, 172; murcchfJ, 172; plavinl. 173. d) queno não foi nada fácil, ainda mais porque M.m~ Tara Michael
Os três fechos, 173; jâlandhara.bandha. 173; uddlyâna-bandha, 173; ma-
la-bandha, 173. e) A retenção do alento, 174. 3) Os selos, 175; mah~­ 1 Yoga, immortaJité et Iiberté. Payot, Paris, 1954.
.' mudr4. 176: mahllbandha, 176; mahâvedha, 176; khecarl·mudrfJ, 176; VI: 12 Procuramos reunir numa coleçlio para os Cahiers du Sud um impor-
parflQo<kQTanl, 178; vajroli-mudrtJ, 178; çakti-ca/f1tIa, 179. 4) O samddhl, tante conjunto de estudos publicados sob o tftulo: Yoga. science de
180; a mudrtJ de Çãmbhavi. 181; O olhar entre as so~rance~ha9,. 181; o I'homme intégra/. Essa compilação tcvQ o mérito de oferecer alguns
olhar da ponta do nariz, 181; concentração sobre a sonorIdade mterlOr, 182. paralelos, principalmente com L'Hésychasme ou priere du creur (pelo
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185 P.· Anthony Bloom). com L'Alchimie (escondendo-se sob um pseudó-
BmuOGRAFlA SUMÁRIA ••••••••••••••••••• t •• t •••• t ••••••••• t •• •
nimo, o autor é hoje uma personalidade de primeiro plano dentro da
l~D1CE DE PALAVRAS SÂNSCRITAS •••••••••••••••••••••.•..•.•.•••• 189 ortodoxia) etc.
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8 o YOOA
PREFÁCIO

São várias as conjecturas sobre a origem do Y oga. Sabemos


preferiu expor todas as formas de Yoga. Se, fundamentalmente, o
Yoga é único e constitui uma categoria peculiar à lndia, sua ela- somente que ele já desfrutava grande prestigio no último mil2-
boração e seu aperfeiçoamento no decurso de milénios provoca- nio antes da era cristã. já que Jina (fundador do jainismo) e
ram a aparição de numerosas vias (marga) I possuindo cada uma Buddha o praticaram. Mircea Eliade, depois de Pelliot, fonnu-
delas práticas especiais. Tornava-se indispensável distingui-las lou a tese de que ele descenderia do xamanismo t da Sibéria
bem, isolando numa exposição preliminar aquilo que as une, pois oriental. Nada menos certo. De qualquer forma, é muito antigo.
o objetivo é o mesmo para todos. se bem que não seja encontrado no Irã, que no entanto conhe-
Os ocidentais alimentam muitas ilusões a respeito do Yoga. ceu uma tradição irmã dos Vedas. Mais tarde, porém, ele seria
A maioria imagina que a via curta e "violenta" do hatha-yoga 8, codijicado num texto rude semelhante aos teoremas de Euclides:
onde predominam os exercicios corparais, os levará, através de os Yoga-Sutra. E se tornaria mesmo um sistema metafisico que
simples ginástica, ao objetivo que todos buscam secretamente: o se baseia no S!mkhya.
autodomlnio, o controle do fluxo mental e, finalmente, a reinte- Na exposição que vamos ler, M.ml Tara Michael aborda
gração (para retomar o termo utiU'Zado por Alain Daniélou). todos os aspectos do Yoga. Nada foi deixado à sombra e a autora : ':-
Antes de mais nada deveriam saber que o Yoga está reservado não cai no vicio, muito freqüente naqueles que o abordam, de
a um número muito pequeno, quando se trata de levá-lo a seu querer compará-/o às práticaJ ascéticas dos místicos ocidentais.
termo, e não é de forma alguma certo que este último convenha, A India é um mundo à parte que, muito felizmente, nunca opôs
salvo exceção, a ocidentais. Não está, absolutamente, {sentô' de claramente matéria e espírito, como temos feito desde os gregos.
grandes riscos e muitos pagaram com a saude, ffsica ou psíquica. Também nos enganamos completamente quando utilizamos o
sUa ousadia por falta de uma preparação orientada, termo "espiritualidade" a respeito do Yoga, bem como das doutri-
É particularmente notdvel que uma sociedade tão fechada. nas indianas em geral. Aplicado à Ásia. nada significa e deve-se
tão hierárquica e hierarquÍ'(.ada como a lndia (em razão do sis- ser igualmente circunspecto no emprego da palavra 'Imtstico'~
tema de castas, que é seu alicerce) tenha finalmente aceito e com relação ao Yoga, a menos que se trate da liberação (Moksha)~ :;,

mesmo encorajado o excepcional, concedendo uma espécie de que é a arte de'se reunir a seu Princípio.
status privilegiado aos yogues, que escapam às obrigações intan- Terminarei com esta conclusão de Masson-oursel: "Esses .,
gfveis da casta em que nasceram. Deve-se observar que os vitoriosos (esses yogues) não foram enganados por seus sentidos ;.

}'ogues provêm, em sua maioria, da aristocracia e não da casta nem por seus pensamentos. Autoridades no empirismo pragma-
dos sacerdotes - brâmanes - guardiães do ritual que sustenta tista: deles muito se orgulha a lndia, sem invejar o que a Europa
deve aos mestres do racionalismo." II ': ..
toda (l sociedade hindu desde os tempos védicos.
Intensificando a energia vital ao seu ponto máximo, os JACQUES MASUJ
yogues devem ser considerados como aventureiros ou pesquisado-
res, a um só tempo observadores atentos e crfticos, da vida fisio-
lógica e psíquica. A soma de suas observações e os exercEcios'
daE decorrentes levariam a confundir os psicólogos europeus que
se servem. segundo as palavras de Sr; Aurobindo a respeito de
Freud, de uma lanterna de bolso para estudar nossos compor-
tamentos. 4 Como Maspero já ressaltara de maneira explícita, encontram-se, no
que se chama tauIsmo, práticas muito semelhantes às utilizadas no Yoga.
Deve-se. ver nisso lima influência dn lndia nn China? Por outro lado.
~ A J'lropó!'ito, n!'~innlnmo~ que M.mr Tnrn Michn<!1 ncnbn de trnclu7.ir o próprio Mnllpero cOmo outros hoje em dia, e notadamente Toshiltiko ·'·'",t
para o francês, ('leIa primeira vez, o traIndo bósléo dessa forma de YOgR. Izutsu, vê~~ no xamanismo a origem distante do tauismo. De qualquer
Trala-~c do Hatha-Yoga-Pradipiká, publicado na coleção "Documen"ts spíri- modo, eXlstln em tempos remotos, na China, uma forma de Yoga. o
luels", n.· II, FlIyard, Paris, 1974. :ê precedido de um noMvel 'estudo uo-lI'ang.
sobre os aspectos fundamentais da tradição hindu, principnlmentc sobre r. Le Yoga na coleção Que sais-je? (n. o 643). Excelente trabalho.
as tradições do Yoga e do tllntrismo etc. arguto e penetrante. ,.n
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NOTA SOBRE A PRONúNCIA DO SANSCRITO

VOGAIS. Além das vogais breves a, i, U e das vogais longas


d, i, a (pronunciar esta última como um u longo, saúde; ex.:
satra) , o sânscrito possui um I c um r vocálicos. O primeiro é
muito raro, já o segundo se pronuncia como um r enrolado se-
=
guido de um ligeiro apoio vocálico i: Rshi Rishi, vrtti vritti. =
DITONGOS. O e (formado de a + O é longo e fcx:hado, como
DO português - dedo: Veda = Vêda. O o (formado d~ a + u)
é igualmente fechado e longo, como no português bobo.
CONSOANTES. ' O g é sempre duro, mesmo quando seguido
de i ou de e: Gttd = Guítâ. O c se pronuncia tch: cakra =
......... == tchakra. O j se pronuncia dj: japa = djapa. O t e o d pro-
nunciam-se com a ponta da língua voltada para cima como nas
dentais inglesas (por exemplo no inglês doetor). Kh. gh. eh. jh.
th, dh, th, dh. ph. bh pronunciam-se da mesma forma que k. g.
c. i. t, d, t, d, p e b, mas seguidos de uma aspiração. O n depois
..... de vogal se pronuncia e não nasaliza a vogal precedente: yogin
= yoguinn, Brahman = Brahmann. O fi é nasal palatal, pro-
nunciado como o grupo nh em português: jnâna = djnhâna. O n
cerebral em nada se diferencia do n dental. O m (distinto do
m que é nasal bilabial como no português má) é uma nasaliza-
ção da vogal chamada anusvâra (ressonância ulterior): samsâra
se pronuncia sansâra, Sâmkhya, Sânkhya. Há apenas uma ligeira
nuança entre a sibilante palatal ç. que se pronuncia como o ch
do alemão Ich: Çiva = Chiva, çudra = chudra, e a sibilante
cerebral sh. que se pronuncia como o ch do português: Purusha
= Purucha. O s sempre se pronuncia como o grupo 'ss do por-
tuguês: âsana = assana (e nunca âzana). O h, aspirado forte,
12 o YOGA

como no inglês, se distingue da aspiração das oclusivas (ver aci- -<


ma) quando aparece como inicial, ou depois de vogal ou liquida:
.~
por exemplo, aJwm, Hari. O h é levemente aspirado, chamado
visarga, "escape" (do sopro) I em fínal de palavra ou no meio
de uma palavra composta: por exemplo, dyauh, antah.karana.

...J..,

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MODIFICAÇÃO DA TRANSCRIÇÃO DAS • -J'

PALAVRAS SÂNSCRlTAS PARA ADAPTA-LAS 'J


AS LETRAS DE IMPRESSÃO HABITUAIS

o traço acima das vogais é substituído por um circunflexo:


ã = â, T = i, TI:::; ü.
O Í1 é substituído por um n (o pingo sobre o n desaparece).
O t (e th), d (e dh). m. n, r, e h são substituídos: quando
numa palavra em itálico, por' uma le'tra em redondo; e numa
palavra em caracteres redondos, por uma letra em itálico. Exem-
plo: ku/a = kuta. ,Bhalta= Bhatta, ha/na :::; natha, shad-anga "
= shad-anga, U~4i.rán~' = Uddi)'âna, ma,:; = maoi, V fi'}; :::; '.,
V âni.. ah;rrsa= ahimsa, Sârrkhya = Sâmkhya, dhil! = dlu'h,
vrtli = vrtl;, Krshr;a = Krshna.
As palavras sânscritas que permanecem em caracteres redon-
dos, em vez de serem transcritas em itálico, são os nomes pró.
prios, como Çiva, Çakti, etc, "

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USTA· DE ABREVIAçoES

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8h. G. =
Bhagavad-Gítd.
~r. =
Brahmâna.

·
iJr.A.Up. =
Brhad-Aranyaka-Upanishad.
Ôhând.Up. = Chdndogya-Upanishad.
i.(. Y.P. = Hatha-Yoga-Pradipik4.
.Bh. =
Mahdbhdrata.

t
.... : .. .. ,B.S. = N4rada-Bhakti-St2tra.
ur. = Pur4na.
'K. = Samkhya-Karikd.
. p. = Upanishad.
JI.B. = Yoga-Bhdshya.
=
ir.s, Yoga-St2tra.

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INTRODUÇÃO
'-,

Para o pensamento tradicional indiano, a época atuaI não


representa um período de progresso da humanidade, e sim uma
fase de degenerescência, aquela em que "o. touro da justiça",
..
'-
tendo sido privado sucessivamonte, em cada uma das idades pre- .~

cedentes, de cada uma de suas patas, primeiro a do "Esforço


sobre si mesmo" (tapas), depois a da Pureza (çauca) e em se-
guida a da Compaixão (ddyd), apóia-se agora em equilíbrio ins-
tável sobre a única perna que lho resta, a da Verdade (satya),
sobre a qual tenta penosamente manter-se, exposto aos ataques
do demÓnio Kali, que, encorajado pela mentira, tenta derrubá-lo
até deste último suporto e. Textos sânscritos que remontam às
proximidades da era cristã T prevêem que, nesta última idade,
a "confusão das castas" será tal que aqueles que detêm o conhe-
cimento (o~ brâmanes) abandonarão os ensinamentos para se
entregarem a trabalhos lucrativos que não se relacionam com a
sua vocação, ou melhor, "venderão os Veda", quer dizer, pros-
tituirão o seu saber, enquanto as pessoas não-autorizadas, incom-
petentes (os çudra), os ignorantes e os charlatães se apropriarão
dos textos sagrados e pretenderão interpretá-los.
Ninguém é forçado a adotar o ponto de vista indiano; to-
davia, deve-se reconhecer que, no que diz respeito ao Voga, essa
predição não é sem fundamento: enquanto a 1ndia se entrega à
perseguição dos interesses materiais, cuja conquista deua o aci-
dento mais ou menos desiludido e insatisfeito, a popula.ridade que ._'
o Voga começa a desfrutar nos países ocidentais não será talvez
O pior perigo que o espreita? Pois deve-se admitir que essa p0-
pularidade, mesmo que seja o símbolo de uma aspiração real a .... ,...

~
'1
Bhagavata-Purdna, I, 17, 24-25.
Livros de leis, epopéias etc., entre 500 a.C. e 500 d.e.
.'-

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.......... - --_.~_ , ---
...

18 o YOGA

uma autotranscendência pelos métodos que o Voga é capaz de


oferecer não deixa de apresentar uma incessante e crescente
deforma~o. Qualquer um, desde que seja dotado do flexibilidade
física, de energiá e de um conhecimento superficial, pode se
improvisar em seis meses "professor de Yoga", e o Voga de con-
sumo corrente que encontramos nada mais é do que uma
ginástica para manter a saúde. Não se trata de cont~star os efei-
tos benéficos sobre o psiquismo de indivíduos que le'vam uma
vida sedentária, submetidos a tantas tensões nervosas e à ação
debilitante do conforto mOQerno, porém de lastimar que ela seja DEFINIÇÃO
afastada daquilo qt,le é originariamente em sua totalidade o Voga. 8
As páginas deste livro procuram recolocar o leitor dentro da
perspectiva indiana, e, arrancando-o às ambições limitadas do A palavra Voga vem da raiz sânscrita YUl'\ que significa
"Voga para manter-se em forma", alargar sua visão fazendo-o "alrelar, unir, juntar". Tradicionalmente existem duas interpre-
redescobrir o Voga em sua amplitude, profundidade e múltiplas tações. Conforme a primeira, Voga é "a união do ser individual
aplicações. (jêvâtman) ao Princípio supremo (Paramdtman)" 10. Conforme
a segunda, o Yo~a é a coordenação, a unificação dos diferentes
.... elementos d.o psiquismo humano, comparados a cavalos fogosos
que serão domados e atrelados à mesma carroça.
.-' Esse duplo sentido não é acidental. O segundo é como o re-
.-. flexo do primeiro sobre o plano manifestado, pois o perfeito do-
mínio do psiquismo só surge quando o individuo realizou a "jun-
ção" com o Eu universal. Mas na ordem cronológica, o segundo
deve preceder o primeiro, porque o homem não pode realizar
sua identidade com o Eu supremo enquanto não tiver dominado
seu ser mundano e harmonizado os diferentes níveis de sua per-
sonalidade. A união com o Eu incondicionado pressupõe o do-
mínio do Eu condicionado. O Voga apont aao mesmo tempo o
objetivo (a união) e o método (a unificação). Porém, na medida
em que se dirige não aos "perfeitos" (siddha) , mas aos seres que
ainda não realiZ6\ram a sua razão de ser nesta vida, é portanto
---. como método que mais nos interessa conhecê-lo. Nesse sentido,
o Voga ocupa-se do homem tal como ele se apresenta em seu
,- modo de ser habitual: mutável, diverso, contraditório, incoeren-
te, disperso, cego e lhe propõe um ajustamento progressivo, cul·
minando num perfeito domínio de seu "veículo" psicofísico. Esse
ajustamento, essa integração colocam-no na posse de si mesmo
e lhe permitem conquistar um estado incomparavelmente supe-
• Empregamos essa palavra com maiúscula quando ela estiver situada
dentro do contexto indiano, pois o Yoga, aI figura, ao lado do Nyllya, do
Valçeshika, da MimAmsll, do VedAnta c do S4mkhya, como um dos $ Essa raiz se encontra no latim jugum. jungere. no inglês j'oke. no
seis "pontos de vista" (darçana) válidos, um dos seis modos fundamentais francês joug. joindre, jonction.
do conhecimento dentro da tradição bramAnica. 10 Definição formulada pela primeira vez por Yâjnava1kya.
--{
20 o YOGA

dor à sua condição atuaI, com o qual não ousa sequer sonhar:
o estado absolutamente incondicionado, livre de todas as limita-
ções, que a tradição indiana denomina "Liberação" (moksha) ,
quando o compara às formas limitadas de existência, e "União"
(Yoga), quando se refere ao Princípio supremo.
É para esse objetivo que a tradição indiana unânime orienta
seus esforços e sua reflexão: "Toda ciência que não se ocupa da
Liberação é inútil 11. " "Fora disso nada merece sêr conbeci-
do 12." Tanto é assim que o Yoga é corno a pedra fundamental I. As Origens do Yoga
do hinduísmo 13 • . ,_o
O Yoga pr~cupa·se apenas com a "realização" efetiva e não . ,
-'"
com a especulação: por isso ele é a via, o método por excelên- A mais antiga exposição sistemática do Yoga que chegou até
cia, que inclui a totalidade dos meios que devem ser empregados. nós é constituída pelos Aforismos do Yoga (Yoga-S12tra), compos- .'
E na medida em que fazemos uma distinção entre diferentes mé- tos por Patafijali numa data que varia, segundo os eruditos, entre "0.,.,
todos, mais particularmente adaptado a este ou àquele tipo psico- os séculos II a.C. e IV d.e. Essa obra, de extrema concisão,
lógico, seremos levados a falar, num sentido secundário, de desenvolvida posteriormente por numerosos comentários, forma
diferentes yogas: cada Yoga 6 uma das principais vias correspon- o texto de base do Yoga como darçana, isto é, um doS seis "pon-
dentes às aptidões básicas da natureza humana. Cada indivíduo é tos de vista sobre a Realidade última e os modos de aproximar-
livre para escolher a forma de Yoga que está em afinidade com se dessa Realidade, reconhecidos pelo bramanismo como concor-
o seu caráter, suas aspirações e suas ca-pacidades, ou pode, a dando com a Revelação primordial dos Veda.
seu gosto, recorrer a uma combinação particular dessas diferen· Mas Patafijali não tcinventou" o Yoga, apenas registrou e
tes formas. A Bhagavad-Gtt4, texto central do hinduísmo, nos classificou as práticas i6guicas existentes no seu tempo, aquelas
dá a esse respeito o exemplo de uma fusão hannoniosa das dife- experimentadas e conservadas através dos séculos. Seu primeiro
rentes vias de abordagem, em seus dezoito capítulos, cada um 14 aforismo poderia traduzir·se assim: "Eis agora a transmissão do
dos quais com o nome de um Yoga diferente. ensinamento do Yoga" (atha yoga-anuç4sanam).
A tradição indiana atribui o ensinamento do Yoga a Hiran-
yagarbha, a Personalidade Divina que, adotando por simples
ato do vontade um corpo humano, teria revelado toda a doutrina
nos primórdios desse ciclo de criação 111 •
Fora do mito, todas as informações que temos sobre a tra-
: ,
dição do Yoga anterior a Patafijall são fragmentárias e alusivas.
Três Upanishads, a Maitr1, II. Çvetdçvara e a Katha-Up mencio- " ,

n~m ~ importância d~s métodos ~o Yoga, mas sem explicações


mtnuclOSas: o conhecImento precISO desses métodos era eviden-
temente objeto de um ensinamento direto de mestre a discípulos. .'~
Aliás, a Maitrl-Upanishad o declara expressamente:
6-, "Que ninguém ensine esse conhecimento absolutamente se- '/

I
creto a alguém que não seja um filho, que não seja um' discí-
11 Bhoja, Rã/amdrtanda. IV, 22, pulo, que não tenha pacificado seu espírito. A alguém que seja
12 çvetaçvatara--Up. I. 12.
m Empregamos a palavra hinduísmo em sentido amplo e nlio-restritivo, 111 Ahirbudhnya-SarnhitlJ, XII, 31, YuJct,.dtpiklJ elc.
englobando igualmente o bramanismo antigo.
14 Exceto um, o t1écimo primeiro, intitulado "Visllo da Forma Universal".
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II ., 0'0 1"1'

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(
( 22 O YOGA As ORlGENS DO Y OGA 23
(
exclusivamente devotado [a seu mestro, ou a seu objetivo espi- que é comparada ao fogo, que .purifica e ilumina. O tapas não
;-
\
ritual] e qU,e possua todas as qualidades necessárias, pode-se. en- é absolutamente uma mortificação nascida da depreciação do
(' siná-lo 16." corpo, como o é por vezes a ascese em algumas religiões, mas
As origens propriamente ditas do Yoga se perdem na noite ..visa produzir um "calor psfquico", permitindo atingir um nível
í de existência superior. "Os próprios deuses conquistaram suas
dos tempos. Terá sido o p'atrimônio cultural das civilizações an-
teriores à chegada à 1ndia dos arianos que se incorporou pouco hierarquias divinas através do tapas 18." Por isso eles se sentem
a pouco à civilização védica e bramânica? Ou representa o desa- ameaçados quando um mortal procura igualá-los pelo tapas, e se
brochar natural e necessário da civilização ariana e védica? Mui- apressam em enviar sedutoras ninfas celestes ou outras tentações
:. para distraí-los de sua ascese 19. Pois o tapas é uma fonte de
tas são as perguntas às quais o estado atual de nossos conheci-
mentos não nos permitem responder decisivamente. poder, em si mesma neutra, da qual se pode abusar como de
Podem-se apenas destacar as idéias e as práticas védicas que qualquer outro poder. Aquele que irradia a energia gerada pela
são suscetíveis de terem sido os germes de desenvolvimentos que prática intensa do tapas pode tornar-se um ser temível, um opres-
.~
.'
mais tarde resultariam naquilo que conhecemos como o
Yoga. sor da terra, um demônio, se seus desígnios são egoístas e des·
Observando mais de perto, essas prefigurações abundam não ape- truidores, e nesse caso será necessária uma intervenção heróica
nas em certos hinos 17, mas sobretudo nos 'Aranyaka, a parte ou divina para vencê-lo e libertar a terra. Mas a lei é de alguma
,'; , da literatura védica que se dirige àqueles que se retiram para forma impessoal, pois o homem que se aplica arduamente à prá-
as florestas a fim de se entregarem a uma tripla disciplina: as- tica do tapas obtém superioridade e poder, independentemente
cese (tapas), sacrifício e meditação. Esses textos contêm: toda do uso que deles venha a fazer.
sorte de indicações referentes ao ritual, seu sentido secreto o q tapas, que pode ser definido como uma aplicação intensa
simbolismo, e a substituição do sacrüício exterior por um sa~ri­ e reitera-da de forças sobre um determinado ponto, é ritualistica-
ffcio interiorizado, mental. mente comparado ao ato de acender o fogo, ato central no ritual
Ora, se há uma noção que no contexto védico deva anunciar e na simbologia véc;lica:
o desenvolvimento do Yoga, é exatamente a noção de tapas. Ge- "Nós que p~lo tapas acendemos o fogo do espírito.
ralmente, traduz-se essa palavra por "asceso"; mas deve-se com- Possamos ser caros ao Veda 20."
preendê-Ia no seRtido do grego: exercício, disciplina, esfotço so- O Fogo, Agni, é produzido pela fricção de dois pedaços de
bre si mesmo. A .palavra tapas deriva da raiz TAP, que quer dizer madeira (aram'): um bastão mantido verticalmente, e uma base
;;',-- .
aquecer-se, tornar-se ardente, e tem por conotação a idéia de
emanação de calor associada a esforço. 18 Talttlriya-Brahmdna, III, 12, 3.
As formas que o tapas pode assumir são variadas: ultrapas- 19 Essa Intervençao t perigosa, pois interromper um ascela absorvido
em sua prática do lapas é atrair para si a carga de sua' cólera. O
sar, po~ um esforço de vontade, certas limitações corporais, jeju- MahlJbhdrata nos conta como. a ninfa ~enakA, solicitada por ladra, o
ando, flcando de pé sobre uma só perna ou com os braços levan- rei dos deuses, a lentar o sábIO Vlçvll.mílra para frustrá.lo em sua prá.
tados, imóvel sob o sol tórrido, sentado entre quatro fogos; su- tlca, nllo ousa tomar a si tal risco: "A energia, o tapas, o ,arrebatamento
dessa grande' alma te tomaram receoso. Por que nio estaria cu também
portar o frio como o calor extremos; enfrentar certas provas; receosà? Como 6 posslvel a uma mulher assim como eu tocar tal homem
guardar silêncio, observar diversos votos, controlar a respiração... pleno. de ardo~ ascético, semelhante a !1m fogo flamejante, o que possui
Todas essas práticas têm por finalidade acumular certa energia perfeIto domímo sobre todas as suas paIXões." Finalmente a cumplicidade
do deus do Vento é conquistado, e este como quo por acaso sopra furio-
interior. O "ardor", a intensidade do esforço geram uma força samente e arranca as vestes da ninfa enquanlo ela passava com ar ino-
c~nte d.iante do asc~ta. Revela-se assim sua maravilhosa beleza, à qual
fi Vlçvllmltra, a despeito de toda a sua austeridade, nlo resiste. Mas o
lO Moilrl, VI. 29. caso é excepcional. Assim que KAma, deus do desejo sensual, lança luas
11 Como o hino do Rg·Jlcda (X, 136) que celebra 05 ascetas de cabelos flechas floridas para despertar o deus Çiva de sua meditação 6 Imtan·
loqsos (Keçin). Outros tipos de ascetas, os Yrdtya, os Brahmcu:arln. os taneamente reduzido a cinzas por um tínico olhar do "terceir~ olho" de
Muni, os Yati, indicam os yogues por certos traços, embora a linguagem Çiva, o olho fulminante da sabedoria.
védica. poética e visionária, exprimindo-se por homologações, símbolos 20 A tharva-Yeda, VII, 61, 1.
e enigmas, seja díflcil do decifrar.
24 o YOGA As ORIGENS DO Y OGA 25
horizontal. O girar do bastão superiQr, considerado o pai de Agni, natureza deve ser inflamada e transmutada pelo Fogo, toman-
faz brotar no ponto de fricção a faisca que inflama a baso, con- do-se combustí\'el o oferenda.
siderada a mãe de Agnl. A manifestação do fogo 6 portanto o Outro conj~nto de símbolos, transponfvel ao tapas, é o do
resultado de uma fricção entre duas forças opostas, também com- processo de fabricação da manteiga. Segundo a visão dos poetas
parada ao processo de obtenção, da manteiga, ou ainda ao ato védicos, o leite é um líquido, uma "água", símbolo do elemento
da procriação. feminino, na qual estão em suspensão milhares do minúsculos
Mas o que os Rshis védicos chamam de Fogo está longe de glóbulos de manteiga. Essa manteiga está .presente no leite em .~

limitar-se apenas ao clemento fisico designado por esse nome. estado difuso, e aparece apenas quando ele é batido. A presença
O Fogo representa o principio de vida, de calor, de consciência, da manteiga no leite é devida ao. sêmen do macho, poisa· vaca
oculto cm todos os seres: s6 dá leite depois de ter sido fecundada, e o leite, símbolo da
"Ele permanece oculto ainda que suas chamas sejam bri· maternidado, n~o passa de manteiga emulsionada nas águas puras i '.
lhantes 21." da fêmea. Por um esforço particular - a centrifugação do leite
"O Fogo habita escondido na terra, nas plantas, o as águas - essa manteiga é separada, isolada da água, e extraída.
o arrastam. O Fogo está nas pedras. Há um Fogo encerrado pro- Ora, a manteiga possui uma afinidade com o fogo, já que 6 " .~

fundamente no homem, um Fogo nas vacas, um Fogo nos cava· experiência comum que, ao se derramar água sobre o fogo, este
".
los 22." se apaga, ao passo que, ao se lançar manteiga, o fogo se infla- "'
Agni está escondido, 'permanece lat~nte em cada combusti· ma. Por isso a manteiga 6 considerada uma forma sólida do '"
Fogo2G.
veI. As palavras "madeira" ou "combustivol" simbolizam a subs-
tAncia, COMO 'indica a pergunta tradicional: "De que madeira é A Natureza é a Vaca cósmica. O universo 6 seu leite. Nesse ..
" '

feito o mundo7" O germe do fogo está presente em todas as coi- leite está oculto um néctar que deve ser extraido por certas "ma- , I

sas, animadas e inanimadas. Para que ele se manifeste, é neces': nipulações", por um proc~ especial de estimulação e anima-
sário utilizar uma certa força: ' ção, nesse leite está um Fogo adormecido que, pelo processo
"ó Agni, Atharvan te fez brotar do lótus por fricção ~ . " purificador do tapas, deve ser despertado.
Esso esforço é o ato viril por excelência, a virtus, energia Sem dúvida a tradição do tapas deu lugar, com o passar do .. ~.

viril que se mede pela capacidade de fazer brotar a chama divina tempo, a deformações e excessos, que restringiram seu valor e
encerrada na matéria. ~ um ato sacrificial, onde o altar (vedi) fizeram até com que certos sábios o julgassem inúti1 2e• A neces- .. ~

é a mãe, o sacrificador o pai; e Agni, que é aceso nesse altar, sidade de uma volta aos padrões iniciais foi sentida pelo MaM-
"
é o deva ou principio divino que se torna manifesto e se eleva bhdr.ata, que confero ao célebre herói Bbisma as palavras:
pela oferenda contínua. O sacrifício em suas múltiplas acepções . "O que as pessoas chamam de tapas, como jejuar metade do
é o fundamento da civilização védica, que o considera a causa mês, não passa do fato de um mal infligido ao corpo e não é
o euo do universo, o centro a partir do qual tudo se ordena: ' '". considerado como tapas pelas pessoas de bem."
"O sacrifício é o umbigo do mundo 24 • ., "O desapego e a humildade, isso sim, ensina·se, é o supremo
Todo esse simbolismo se aplica igualmente ao tapas, que é tapas. Aquele que possui essas duas virtudes está como em jejum ,I

a produção do Fogo interior, por um esforço concentrado uma e castidade perpétuos 21. "
"fricção" que implica a resistência da natureza individuai com
seus impulsos, sua dispersão, suas hesitações, suas falhas. Essa : ÇOfhapolha-Br., vm, ~, 1, ~l. Taill.-Br., I, I, 9, 6 etc.
o O Buddha ÇAkyamum seguIu por algum tempo uma ascese muito
21 Rg.Veda, IV, 7, 6. severa. que consístla em privações corporais, mas a abândonou em se--
gulda denunclando-a como uma via extr.ema e nefasta, que aqueles que
~ A t!larva-Veda, XII, 1, 19-20. como ele seguem o ,"caminho do meio" devem rejeitar tanto quanto '0
23 Rg-Veda, IV, 16, 13. O 16tus representa aqui as águas cósmicas, ou desleixo e o abandono. Nada prova, entretanto que ele nlio tenha tirado
então o coração. proveito dessa experiência. '
1~4 Rg-Veda. I, 164, 35.
1~'7 M. Bh., XII, 221, 4-5.

(~" )
C"!"!!·~",.~.~. - . - - - - - - - - - - -
('
( 26 o YOOA
(
( A Bhagavad-Gitâ é ainda mais categórica:
"Os homens que executam'austeridades violentas, não, pres-
r critas pelos textos sagrados, com arrogância c egoísmo, impulsio-
c-
'.
nadas pela força de seus desejos e paixões, homens insensatos ..
que atormentam o conjunto de elementos que formam o corpo,
e que também atormentam a Mim [o PrincIpio divino], que nele
resido, saiba que tais homens são demoníacos em suas inten-
ções 28. t,
Por6m, ele estabelece o que 6 o verdadeiro tapas: ,
"A adoração do divino, do duas-vezes-nascido 29, do guia II. As Bases Doutrinais do Yoga:
espiritual, do sábio, a pureza, a retidão, a continência, a ausência
de assassínio e violência para com outrem, tal é a ascese do . o Sâmkhya
corpo."
"Uma linguagem que não fira, verídica, amigável e benéfica,
o estudo regular das Escrituras, tal 6 a ascese da palavra." Desde suas mais remotas formulações, nos Upanishad, nas
"A serenidade e clareza de espírito, a doçura, o silêncio o ~popéias, no Bhagavad-GUd, nos Yoga-satra c seus comentãrios,
autodomínio, a total purificação do caráter, tal é a ascese m~n. ó Voga se apresenta indissoluvelmente ligado a um outro "ponto
tal BO • " de vista" (darçana) tradicional, ao Sâmkhya, entretanto não como
Observa-se que a Bhagavad-Gltc2 dá uma extensão indefinida esto aparece codificado durante a ~poca clássica nos Sâmkhya-
à noção de ascese. Kdrikd de Içvara Krshna, mas as formas mais antigas da mesma
No YOia clássico, o elemento tapas é conservado como for- escola.
mando uma das cinco disciplinas (niyama) que constituem a se- O Sâmkhya estabelece os princlpios sobre os quais o Yoga
gunda .etapa (anga) d~ Yoga. Sua importância' é grande, posto "aseia sua prática e define com clareza o objetivo que ela terâ
que é Igualmente conSIderado como um dos ,três aspectos do como alvo, de modo que todas as disciplinas propostas pelo Yoga
~'.
Kriyâ-Yoga: Yoga da prática, da ação executada com o intuito
ficam desprovidas de sentido se não compreendermos a cosmo-
de obter a fixidez do espírito. .
Em Pataíijali, contudo, é bem o sentido original do tapas logia, a psicologia e a soteriologia fornecidas .pelo Sâmkhya.
que aparece: Sâmkhya e Yoga, que eram tidos como os dois mais antigos en-
"Através do I~pas, que produz a destruição das impurezas, sinamentos (o Mahdbhârata os denomina "as duas doutrinas
[obtém-se] a perfeIção do corpo e das faculdades." eternas", sanâtane dve) , são freqüentemento considerados como
E o comentário de Vyâsa enfatiza: "Sem tapas, um homem ,os dois aspectos, um teórico e o outro prãtico, de uma mesma
não pode atingir a perfeição em Yoga." Deve-so observar que se ,doutrina. Urna das melhores fontes de informação que possuí-
trata aqui de perfeição (siddhi) do corpo, e dos sentidos, e não mos sobre a SItuação antiga da doutrina Sâmkhya é constituída
.:::.
de sua mutilação ou destruição. ' 'pelo .próprio comentário de Vyâsa aos aforismos de PatafijaU, o
Yoga-Bháshya; esse comentário se conclui ao fim de cada capí-
tulo pelo cololão: "Tal é, no ensinamento do Yoga de Pataõjali,
na exposição do Sâmkhya, o capítulo do comentário de Vyâsa
que trata de ... ", expressão que mostra claramente ter sido o
texto composto com a intenção de elucidar ao mesmo tempo os
princípios do Sâmkhya e do Yoga. Se ainda tivéssemos dúvidas
2S Bh. O., XVII, 5·6. sobro as', ~treitas relações entre essas duas vias, a Bhagavad-Gitd
128 O "segundo nascimento" 6 o da iniclaçAo. nos assegura (III, 5-6):
80 Bh. a., XVII, 14-16.
28 o YOOA
As BASES DOUTRINÁRIAS DO YOGA 29
"Os ignorantes (literalmente: as crianças) falam do Sâm-
khya e do Yoga separadamente (como do duas vias diferentes), são aleatados, incertos, temporários, e s6 fazem mascarar pro-
mas não as pessoas instruidas que, ao se dedicarem' a um, conhe- visoriamente a precariedade da condição humana.
cem igualmente o fruto dos dois." Começando por constatar - a fim de ultrapassá-la - a im-
Se bem que o Sâmkhya se coloque como um sistema com- perfeição de nossa exporiência imediata (imperfeição que se ma-
pleto, que se basta a si mesmo, para permitir ao homem atingir nifesta, individual e coletivamente, sob inumeráveis formas de
_a finalidade última da existência, encontra sua aplicação natural desarmonias e conflitos), o Sâm.khya não se limita a superar "8
nos métodos do Yoga, e todo esforço do yogin (adepto do Yoga) inclinação natural em ater-se àquilo que é agradável e a ignorar
é incompreensível se não foram anteriormente aceitos -os dados e esquecer tudo o que é desagradável - atitude psicológica pela
fundamentais estabelecidos pelo Sâmk.hya. Entretanto, não é raro qual a vontade de viver pode subsistir a despeito das mais desen-
ver-se pesquisadores lançarem-se ao estudo do Yoga sem terem corajadoras experiências 31", o que resulta freqUentemente naqui-
plenamente apreendido os princípios do Sâmk.hya e, justamente lo que, num contexto moderno, se denominaria, retomando a ex-
por causa disso, pararem ou perderem-se no caminho; por esse préssão de uma personagem de Hermann Hesse: "Essa satisfação, 'L"

motivo, a exposição desses princfpios será um pouco -longa. essa saúde pacífica, esse grosseiro otimismo burguês, essa disci-
plina do homem medfocre, nonnal, vulgar." O Sâmk.hya não quer
perder de vista o fato de que, ao mesmo tempo em quo nos re-
Ponto de partida: insatisfação
gozijamos com uma experiência feliz, há um número incalculá-
~ condição humana ordinária
vel de seres vivos que sofrem, ou cuja vida é somente luta. E
O pon to de partida do Sâmkhya - como o do budismo - discerne claramente que mesmo a felicidade que não se revela,
se situa numa tomada de consciência do caráter insatisfatório num exame mais rigoroso, 6 apenas prazer, refúgio habitual dos
da condição humana tal como é ordinariamente vivida. A busca seres contra a insegurança da vida, até mesmo essa felicidade
instaurada procede do desejo de pÔr fim, definitiva e absoluta- autêntica, tão rara, deverá inevitavelmente ter um fim, sendo
mente, à "tripla miséria existencial" (duhkha traya) , que é ana- impermanente e baseada em coisas impermanentes.
lisada da seguinte forma: Não se deveria crer que a miséria existencial (duhkha) de- ' ..
1. Aquela que provém de si mesma (adhydtmika) , abran- penda apenas de condições materiais, econômicas ou sociais difí-
gendo o sofrimento mental em inumeráveis formas, como obter ceis; pois ela subsiste, idêntica, :rla prosperidade e na indigência
numa "existência farta, fácil e confortável8.2" tanto quanto num~
aquilo que não nos agrada, e não obter aquilo que nos agrada
etc. vida laboriosa e carregada de provações. O homem pode perceber
2. A miséria causada pelos outros seres· (adhibhautika), que, mesmo quando todas as suas necessidades e perturbações fí- ..
" ' "

desde os humanos às feras selvagens, répteis, insetos etc. sicas, mentais, morais e financeiras foram eliminadas, permanece
3. A miséria de origem celeste (adhidaivika) atribuída aos
elementos atmosféricos (calor, seca, frio, tempestades, ciclones
.. sempre nele uma espécie de inquietude e de agitação interior,
uma instabilidade, uma insatisfação, uma falta, seja qual for a
"

etc.) e às influências planetárias. extensão de seus sucessos exteriores.


O que se busca não é um conhecimento abstrato, com fim As narrativas indianas estão repletas de hist6rias do prínci-
em si mesmo, mas antes de tudo a ciência que liberta, que erra- pes e nobres que, no auge do poder e em pleno esplendor da
dica a miséria humana. Como dizem os textos, a busca não se
torna inútil pela existência, advinda da necessidade de remediar 31 Nyanaponika Thera, lnitiation ou bouddhisme. p. 37. Essa observação

todos esses males, de meios específicos, tais como o exercício aplica·se tnnto ao Sâmkhya quanto ao budismo. Essas dUIl3 escolas ofe-
recem em numerosos pontos similaridades marcantes, e sem dú'Áda todas
da medicina, a busca das sensações agradáveis (dinamos "o con- duas emergiram de uma tradição comum. O Buááha-Caríta de Açvaghosba
forto") e os diversos métodos para se proteger contra o que é (XII) relata como o Buddha, antes de sua iluminação, procurou junto
indesejável. Pois todos esses remédios, quaisquer que sejam, s um mestre do Sâmkhya, ArAda·Kalams, o perfeito conhedmento pelo . ".
qual se pode vencer todo sofrimento.
32 Julius Evola, Chevaucher le tigre. La Colombe, Paris. 1964, p. 39. l ,
. ,,'
i
(,- - - - - - -
e 31
As BASES DOUI'RINÁRIAS DO YOGA
( 30 o YOGA
( peto da busca não é dirigido ao exterior, visando a uma melho-
juventude, fulminados por ~a compreensão da precariedade da
ria das condições materiais, mas em profundidade, visando a uma
condição humana, abandonaram tudo para se porem em busca
superação de todas as condições, e esse aprofundamento pode
do sentido derradeiro desta vida. O Buddha Câkyamuni é apenas
um exemplo entre outros, embora consagrado por uma celebri- f.!lzer-se a partir de qualquer situação dada: e, em resumo, que
ela seja gloriosa ou humilde, magnífica ou simples, é bem indi-
dade excepcional. Livres de toda a aflição, de toda a miséria, go-
ferente do ponto do vista dã busca. Ê como um mergulho D,as
zando em profusão de todas as alegrias que uma existência refi-
nada podia proporcionar, esses kshatriya 88 não se puderam ocul- rafzes do ser, para o qual todas as energias são canalizadas e
tar à evidencia fundamental: a impermanência de todas as expe- recolhidas. Por isso, como o veremos, uma vez preenchidas cer-
r'-- i
riências. Não podemos fixar-nos nesta vida como alguém que tas condições elementares tais como saúde, suficiência alimentar
constrói .sua moradia sobre uma ponte. Nada está ao abrigo ,do etc., qualquer enriquecimento da condição exterior é visto como
envelhecimento, da morte, e, o que é ainda pior na visão hindu uma distração em relação ao essencial. Daí a vontade de reduzir-
.
do renascimento, para recomeçar o ciclo, indefinidámente.' ao mínimo possível as necessidades vitais, vontade que se traduz
Apoiar-se sobre o que é fugidio e transitório, como se fosse está- pela não-possessividade, pela continência e por outras regras de
vel e permanente, s6 pode acabar em decepção e sofrimento. conduta. Trata-se de aliviar-se ao máximo de tudo o que não for-
Mesmo os meios de salvação fornecidos pela religião oficial absolutamente indispensável, como um explorador que parte' para
rituaHstica e sacrificial, são considerados insuficientes pelo Sâm: uma longa e perigosa expedição e leva consigo apenas o estrita-
~hya. Pois a "imortalidade" assim obtida, que na realidade con-
mente necessário, e evita toda e qualquer carga que s6 faria es-
siste apenas em permanência prolongada em mundos ou estados torvá-lo e retardá-lo.
paradisíacos, é também impermanente. Uma vez esgotado o efei-
to dos atos sacrificiais e das ações louváveis, o homem recai des- Desapego negativo e desa~ego positivo
,-:
ses paraísos e deve novamente entrar numa matriz, para renascer
numa existência sujeita às limitações corporais, à velhice e à Esse caráter dinâmico da insatisfação e do desprendimento
morte, vulnerável, submetida ao devir universal. Mesmo as dei- é perfeita~ente destacado pelo Sâmkhya 86, quando distingue
./~-_.

dades lH, embora numa escala de tempo maior que a escala hu- duas espécies de desprendimento (virãga) , literalmente "desape-
mana, estão s~bmetidas à transmigração. go" para com todos os objetos dos sentidos.
"Numerosos milhares de Indra (prot6tipo do soberano dos . O primeir~ nasce do desg~sto experimentado quando se con-·
de~ses) e outros deuses, de era em era, passaram com o tempo, sld.eraorn as fadIgas que é precIso suportar para adquiri-los, a in-
poIS o tempo é intransponível 8lI. " . qUietude em conservá-los, o sofrimento de perdê-los. os perigos
~as, pode!-se-i~ objetar, se o Sâmkhya se caracteriza por que escondem em sJ, o fato de que, ao possuí-los, outra pessoa
,--...,;
uma msatlsfaçao nao apenas em relação à condição humana encontra-se privada de tê-los etc. Essa atitude deve incitar a uma
0n. do todas as soluções descobertas para atenuar os males mai; bu~c~ positiva. ~e iss? não acontece, resultando apenas em abs-
tençao, em abstu:!êncla, aquele que com isso se satisfaz, acredi-
, , gntantes não fazem senão camuflar as fissuras do edifício mas
em relação ao mundo manifestado em toda a sua extensão ao tando ter alcançado a sabedoria, pára no caminho, e essa atitude
ponto em que mes-mo a posição de soboTano do universo e~teja torna-se para ele armadilha que conduz conduz à indolência e que
aquém de sua aspiração, como se explica o fato de que o con- se denuncia como tal. .
, I
tentame?t~ ~samtos~a) seja mencionado como uma das impor-
A segunda espécie de desapego, mais rara, se produz espon-
tantes diSCiplinas (rnyama) preparatórias do Yoga? É que o ím- taneamente, bruscamente, sem trabalhosas reflexões sobre a im-
permanência do mundo. Nasce de uma ardente sede de libera-
M Membro da casta real ou nobre. ção, pe um~ saudade intensa do estado incondicionado. É COffiOo
lH Os mundos celestes (svarga.loka) são habitados pelos deuses {deva} um pressentImento de uma realidade maior, que faz perder tod{)
que, ~mo os anjos do cristianismo, apesar de estarem no cume da hie-
rarquia dos s~res, pertencem ainda ao cosmos manifestado.
M ComentárIo de Gaudapãda. Sámkhya-K"riklJ, 2. 86 Comentário de Gaudapãda aos Sâmkhya-Kârikâ. XXIII.
32 o YOOA As' BASES DOlmuNÁRIAS DO YOOA 33
.~
, ,
.; I

interesse por tudo o mais, e até se impacientar com tudo que conHecer o manifestado e o, não-manifestado. ~ a tal exame que
não' conduza a ela. Faz aparecer o universo inteiro "como a ilu- nos convida o Sâmkhya.:
são de um sonho". É o que o Vedânta denomina mumukshutvo,
o desejo imperioso de liberação. Teoria da causação .',~,./
Esses dois pontos de partida, que se poderiam classificar
como negativo e positivo, são igualmente desenvolvidos no hin- A primeira constatação que parece impor-se é que o univer- ,.:.'"'
duísmo, em proporção variável segundo as escolas, ao passo que so manifestado em Sua totalidade se caracteriza por uma muta-
o budismo insiste quase exclusivamente sobre o primeiro. Entre- ção incessante. O mundo é com razão denominado em sânscrito
tanto, correspondendo à segunda atitude, poder-se:-ia recordar a o "em-movimento" (jagal). Todas as coisas se submetem conti- :.. /
advertência de Buda a seus discípulos: "Existe, ó Bhikkhus, um nuamente a modificações infinitesimais, e no mais breve, espaço
não-nascido, não-criado, não-gerado, não-formado. Se não exis- de tempo (kshana) não há nada que não tenha mudado mes-
tisse um tal não-nascido, não-criado, não-gerado, não-formado, mo imperceptivelmente. Todos os fenômenos, tanto físicos' como
não haveria meios de escapar ao que é nascido, criado, gerado, psfquicos, estão em estado de fluxo perpétuo.
formado"; daí a importância do Bodhicitra. o "Pensamento do Para conhecer li n~tureza dessas contínuas transformações,
"
despertar" ou' "Desejo de tornar-se um Buda", no budismo o Sâmkhya debruça-se sobre 'a relação do efeito à causa. Qual ~I

Mahâyâna. é na verdade a natureza de ~ma transfonnação? Chega-se à con-


Seja como for, nas tradições indianas, o fastio diante da exis- clusão de que o produto não é o aparecimento de uma substância
tência ordinária não é de ordem sentimontal, mas intelectual. completamente nova, diferente, e sem relação com sua causa
Não parte de decepções, reveses ou desilusões (mas, já que se mas, ao contrário, que deve preexistir sob uma fonna latente e~ ...J
atiça o fogo com qualquer madeira, ele também os integra),. p0- sua causa. No leite, a coalhada está potencialmente presente se' : .,
rém de uma reflexão sistemática sobre a natureza profunda das bem que ainda não diferenciada. Não pode haver nenhum ef~ito
coisas, de uma investigação sobre as condições da experiência que não tenha existido anteriormente, num estado não-manifes-
humana, o que são e o que poderiam ser. É por causa desse tado,em Sna causa, já que mida pode sair do nada, e que os '
caráter sistemático, metódico e impessoal do raciocínio Sâmkhya, mesmos efeitos são produzidos pelas mesmas causas. O que apa-
<[ue se opõe à abordagem emotiva, impulsiva e irracional que ~ece como efeito é apenas a manifestaçlo de certas qualidades
pertence, em geral, às vias religiosas, é pela sua rigorosa dedu- Já' presentes na causa, o desênvolvimento, o desabrochar daqullo
ção das conseqüências a partir dos princípios entrevistos que ~ue era latente. Logo, a causa e o efeito representam respecti-
seu campo de investigação se estende bem'além das modalidades vamente o estado não-desenvolvido e o estado. desenvolvido de .-(

ordinárias da experiência humana, e que chega a uma superação urna só e mesma realidade. Toda produção é um desenvolvimen-
de todas as fonnas contingentes do ser. Ultrapassa resolutamente to (udbhava) , e toda destruição uma involução (anudbhava)
a existência nos estados "divinos", feita apenas de gozos sutis e ou re·absorção ria causa (laya).
prazeres estéticos: nessa perspectiva, uma tal existência, justa- "
mente por estar absorvida em pe~tuas delícias, se caracteriza A Causa Primeira
por um esquecimento maior do essencial, ao passo que a exis-
tência nos estados humanos tem de bom, .pelo menos, que o agui- Tudo, no univ.erso, é o efeito de uma causa produtora. Se
lhão do sofrimento empurra o indivíduo a buscar uma verdadei- todos os efeitos estão latentes em sua causa e quer-se evitar uma
ra safda. Os três estados criados: humano, subumano e divino, ... regressão indefinida. deve-se poder retornar a uma Causa Pri-
são igualmente jnsatisfatórios, e o objetivo é transcender todas meira ou Substância Primordial (Pradhâna) , elá mesma não-
as experiências limitadas, todos os estados condicionados, isto é, causada. A partir do princípio de causalidade, pode-se então che-
o mundo manifestado em toda a sua extensão. gar ? conclusão da existência de uma fonte última do universo
É isso possivel? Para isso, seria preciso antes de tudo saber ?lam~~stado, de urna Substância-Força original que não se pode
o que é este mundo manifestado, e aquilo que, em nós, pode IdentIfIcar com nenhum dos estados da manifestação universal,

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r 34 o YpGA As BASES DOUTRINÁRIAS DO Y OGA 35

já que c.ada estado representa apen~ uma modi~icação pa,rticular os objetos serem limitados e seus componentes distintos implica
do princípio de base. A evidente umdade do uDlverso: ~uJas pro- a existência de uma Medida limitadora (Mâyâ) 87, ou Causa
duções, evoluindo e dissolvendo-s.e nUI?a order:t def1Dl~a, apre- Produtora (Prakrtf).
sentam uma continuidade do mais sutlI ao maIS grosseIro, con- ...
firma a intuição dessa Fonte única. . Os guna da Prakrti
Qualquer coisa é o efeito de uma causa, e nada pode .VI~
.. do nada: não pode haver algo de rn,enos na ca~sa que ~o efelt~, A Prakrti emite o universo manifestado pelo jogo e intera-
do contrário, o que houvesse de mais no efeIto deverIa proVJf ção das três qualidades primordiais, das três "modalidades"
do nada e permaneceria inexplicável. Logo. a causa deve nec:es- (guna) que a constituem. Essa teoria dos três guna é fundamen-
sariamente conter mais, ainda que de realida~e, que o efeIto; tal em todo o pensamento indiano e permite uma classificação
do modo que a Causa última deve conter enunentemen~e t~a tripartida incansavelmente retomada e aplicada a todas as coisas.
a realidade de todos os efeitos existentes. Nela toda eXIstênCIa Segundo essa concepção, a infinita diversidade do universo é de-
determinada está implícita. A isso se segue uma compree-nsão vida expressamente às combinações, em proporções variadas, dos
particular da "criação" do universo, que não é c.riação ~x ni~ilo, três guna, que alternadamente se dominam um ao outro, se sus-
mas manifestação desdobramonto, atuação daqUilo que Já eXIste, tentam, se ativam e se contrabalançam. São os três fatores anta-
latente e indifor~nçado, na Substância..causa original. Dentro gonistas que se podem encontrar atuando em todos os 'fenôme-
desse ponto de vjsta, nada do que existe pode ser d.estrufdo. Não nos, mas cuja observação é mais fácil no plano psicológico. O
há destruição, mas um retorno ao estado não-mamfestado. guna sattva tem por função manifestar, o guna rajas ativar, e
o guna tamas limitar e obscurecer.
A Substância Primordial é denominada Pradhdna, lit~ral­ O guria saava tende à iluminação, à manifestação conscien-
mente "o que é colocado antes de todas as coisas", o Fundamen- te. Psicologicamente, traduz-se como compreensão, alegria e paz,
to. Ela contém em potencial todas as determinações. Chamam- fisicamente como leveza e pureza. O guca rajas gera a atividade
na também Mal~Prakrti, a Natureza Primordial, raiz de todas e' o movimento. Fator de energia, está na base de qualquer es-
as manifestações, depois, por abreviação, Prakrti ~penas. Ela é
forço, de qualquer trabalho, assim como da agitação e da insta-
avyaktà, o não-manifestado. Niio pode ser per~oblda, ma~ ape- bilidade, e é freqüentemente associado ao sofrimento. O sofri-
nas inferida a partir de seus efeitos, que constItuem o UDlverso
mento, a necessidade, a escassez incitam ao esforço, e todo es-
manifestado. A relação entre o manifestado e o não-manifestado,
forço sempro se acompanha de certa aflição ou impressão de
a um só tempo diferentes e idênticos, 6 comparada à que existe dificuldade. O guna tamas é o fator de resistência e obstrução,
entre o tecjdo e os fios de que é feito. O tecido não é uma, coisa tanto à luz da compreensão (satIVa) quanto ao dinamismo do
c os fios outra. "Quem vê o tecido, vê os fi.os. Do mesmo mod~. II
movimento (rajas). Objetivamento, manifesta-se como peso, obs-
aquele que vê o manifestado vê o não.m~n~fest~do torn~do mam- curidade, inércia; subjetivamente, como apatia, indiferença, igno-
festa. Entretanto, os dois devem ser dlstmguldos. POIS tudo o rância ou inconsdêneia.
que é manifestado provém de uma causa e é ~orçosament~ im- Saava tem por função revelar o ser (sat) de uma coisa;
permanente, limitado, submetido à transformaça.o, caracte~zado tamas, opor-se a essa revelação; rajas é a força pela qual os
pela multiplicidade, contingente, composto, de.stmado_ à dl~olu­ obstáculos são vencidos e a forma essencial se manifesta. Qual-
ção. O substrato não-manifestado ao contráno é nao-causad«;>, quer coisa possui assim sua forma ideal: o estado "sáttvico", que
.permanente, onipresente, estável, uno, autônomo, homogên~o, ela Se> esforça por' realizar, e sua condição atuaI, caracterizada
indissolúvel. g a Natura Naturan.s (Prakrtl), a Natureza C~a­ por fraquezas e defeitos que ela busca superar: o estado "tamá-
.;-'
dora em oposição à Natura Naturata (Vikrtí), a Natureza ena-
da. Da mesma forma que, neste mundo, o oleiro fabrica potes 87 ·Pra/crti (a Causa Produtora), Pradhdna (a Substância Primordial),
de certa medida, em qualquer lugar que se encontra. uma me- Brahman. avyakta (o nAo-manifestado). a essência da multiplicidade,
dida reconhece-se a atividade de um agente. O própno fato de M.lly4 (o poder de UmitaçAo). todas essas palavras são sinônimas." (CC)..
mentário de Gaudapâda ao S.K., 22.)
36 o YOGA As BASES DOUTRINÁRIAS DO YOGA 37

sico"; rajas é a capacidade de esforço que supõe uma resistencia vital e na vida emotiva, e a de sattva na inteligência. No pró-
a vencer e permite a realização do estado sáttvico. O Dr. Seal, prio corpo humano, sattva governa a cabeça, rajas o peito e os
em The Positive Scíences o/ lhe Hindus, interpreta os três guno braços, .tamas a metade inferior do corpo, as pernas e os pés que
cumprem o papel de suporte, de veículo, de servidores do rosto
',. .
como "essência inteligível.... energia e massa", fatores constituti-
do corpo.
vos de todo o universo. R. Guénon, em L'Homme et san Deve-
nir selon le Vedânta, entende-os como "condições de .Existência Nenhum dos guna tem o poder de aniquilar os outros dois. .
...:::..
universal" e fornece uma de·finição bem penetrante: "Sattva é Quando um deles se torna preeminente, os outros, na mesma
a conformidade com a essência pura do Ser (sal) .. identificada proporção, tornam-se subordinados. Mesmo na matéria mais
com a Luz da inteligência ou com o Conhecimento, e represen- inerte, o guna sattva está presente, ainda que paralisado..Mesmo
tada como uma tendência ascendente; rajas é o impulso expan- nos estados psíquicos mais sublimes, o guna tom 03' não está au-
sivo, segundo o qual o ser se desenvolve num certo estado e, de sento, porém dominado, utilizado, canalizado. O guna mais fraco
alguma forma, a um nIvel determinado de existência; por último, torna-se associadQ ao mais poderoso e é obrigado a tomar a di-
.
'-
tamas é a obscuridade, comparada à ignorãncia, e representada reção deste último e a ajudá-lo em seu funcionamento. A água
como úma tendência descendente." Todos os seres são classifi- é por natureza oposta ao fogo; mas quando ela está estreitamen-
cados conforme a predominância neles deste ou daquele guna, te associada a ele, torna-se extremamente quente, e a ação con-
e à trindade dos atributos corresponde uma tripla criação: "no jugada dos dois permite a cocçllo de alimentos. Da mesma fonna, "
alto", isto é. no mundo dos seres sobre.humanos ou "deuse5" quando um dos guna atinge seu grau mais elevado de desenvol-
(deva), o guna sattva é preponderante. Os deva percebem a~
vimento, os outros lhe servem de suporte e de auxOio. Isso ex-
nas os elementos sutis, imperceptiveis aos humanos, e não co-
plica por que os três guna, ainda que dotados de propriedades
nhecem nem a dor nem o obscurescimento das faculdades pelo
sono, pela estupidez ou pela loucura, aos quais o homem está contraditórias, podem cooperar tendo em vista um único objeti-
sujeito. "Na raiz", isto 6, dos objetos inanimados aos animais, a vo, como três coisas tão distintas como o pavio, o azeite da lâm-
criação comporta um excesso de tamas; porém mesmo aí, satlva pada e a chama podem, assim que entrem em contato, trabalhar
não está ausente. "No meio", isto é, na condição humana, o em comum para iluminar uma peça da casa.
rajas predomina; é por isso que os humanos se ativam e se agi~
tam sem cessar na perseguição de seus respectivos ideais. Assim-, o Purusha
do reino vegetal ao reino humano, depois divino, assiste-se' li
uma diminuição progressiva de tomas e a um acréscimo pr~ Além do dinamismo do universo, além mesmo da SubstAn-
porcional de sattva. Mas, em cada ser humano, os três guna !le cia-Primordial, isto é, além do manifestado e do não-manifesta-
interpenetram e se contI'llriam, formando caracteres váflados 811. do, está o Princípio que se opõe aos dois primeiros já que nlo
Se tamas predomina fortemente, teremos um tipo humano gros- é causa nem efeito lIlem Produtor nem Produto - diríamos:
seiro, ignorante e preguiçoso. Os homens em que rajas predt>mhia n~em . criador nem criado. ~ o Purusha, o princípio de consciên-
são ativos. passionais e intrépidos. Fornecem excelentes estadis- CIa, Imutável e eterno. Em si mesmo imóvel e não-ativo, ilumina
tas. guerreiros heróicos e eficientes homens de ação. Aqueles com sua luz toda a evolução cósmica e individual.
em quem o Saltva culmina pertencem ao tipo contemplativo, e "Além do não-manifestado está o Purusha, onipresentc e
são calmos, reflexivos e perspicazes. Os mais perfeitos exemplos 'indisting\1ível'. Aquele que o reconhece liberta-se e obtém a imor-
desse tipo se encontram entre os sábios e os santos. talidade 88 : ..
No interior da indIvidualidade humana, pode-se ainda reco- "Além do Purusha, não há nada, ele é o resultado é o objo.
nhecer a preponderância de tamas no corpo, li de rajas na força tivo final ~o . " '

es Pór isso o guna são o princfpio da divisão da sociedade em castas. '89 Katha.Up., VI. 8.
(vamo). 40 Ibfd., III, 11.

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r 38 o YOGA As BASES DOUTRINÁRIAS DO YOGA 39
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é A palavra Purusha, que significa literalmente "o. Home~", no sono profundo quanto nos estados de vigília e sonho, que dá
designa a essência final do homem. É u~ termo multo a~t1go, continuidade e coesão a todos os diferentes estados psíquicos. Se
que já se encontrava num mito cosmogônJco dos Veda, aphcad~ fosse sujeito à transformação, o conhecimento seria impossível.
ao Ser Universal, ao Um original, cujo desmembramento saCf1- "Não depende de nada, mas as produções de Prakrti dependem,
fieial in initio tem pore, deu origem à multiplicidade do cosmos (
I
. ~ara manifestarem-se, da luz do Purusha.
maní.festado. Nos Upanishad, a palavra Purusha é utilizada den-
tro dessa perspectiva cósmica, no sentido da Divind~de suprema, Provas da realidade do Purusha
na qual toda a crill.ção possui seu ser .n. É a EssênCIa Uruversal,
ao mesmo tempo imanente e transcendente: Embora a realidade do Purusha seja uma causa de tradição
"Assim como o Fogo, que é um, tendo penetrado no mundo, revelada e de intuição espiritual direta, obtida pelos métodos do
assume tantas formas quantas possam existir, o Um, que é a Sdmkhya-Yoga, algumas considerações são antecipadas ~ar~ a~u­
Essência íntima de todos os seres, assume tantas formas quantas dar o estudante a adquirir sobre esse assunto uma convlcçao in-
forem existentes, e é também exterior a elas. telectual anterior à experiência direta.
"Assim como.o, .
Sol o olho do mundo, não é maculado_. pe- 1 . Todo composto, todo agregado existe sempre em vista
las impurezas exteriores vistas pelos olhos, a EssênCia Umca no de outra coisa diferente dele pr6prio. Da mesma forma que uma
interior de todos os seres nunca é maculada pela miséria do mun- cama, que é um conjunto de diferentes pedaços de madeira, ~e
do, estando ela mesma à parte .2," lençóis e cobertas, não existe para si mesmo, mas e~ funçao
Infinito, onipresente e não-ativo, penetra todas as coisas e daquele que ali dorme, assim o corpo, composto pelos cl.nca ele-
reside em todos os seres como seu pr6prio Eu, vendo todas as mentos, e o psiquismo, composto pelas faculdades mentaIS e sen-
obras, percebendo todas as impressões. O Purusha é a Consciên- soriais, existem para uso do Eu (Purusha) que ai reside. E mes-
cia-Testemunha (sdkshin), o Observador im6vel, que contempla mo que se responda que o composto existe em função de outro
Cp} silêncio o movimento da Prakrti. Nunca entra em ação e composto, está-se apenas lançando para mais longe a soluçã~,
tampouco existe para ele. a ces~ação. A ação pertence aos guna pois é necessário, mais cedo ou mais tarde, chegar a uma UDl-
da Prakrti, da qual 6 inteiramente distinto e independente. Não dade, em vista da qual o último composto considerado existe.
afetado por qualquer desejo, não engajado, imaculado, vê tudo, 2. Todos os objetos conhecíveis são determinados pelos
a tudo assiste, sem estar implicado, "como um asceta errante três guna, e pressupõem um Eu que os vê, sendo ele próprio o
vê de passagem os trabalhos agrícolas dos camponeses 4.8", É o inverso, isto é, não-determinado pelos gunos.
espectador "que se mantém no centro" (madhyostha), equânime, 3. Por causa da necessidade de um poder que controle e
imparcial, desinteressado, impassível. Desprovido de qualquer presida, pode-se inferir a presença do Purusha. Assim como uma
atributo. isento de qualquer qualidade, já que está além dos iuna, carroça atrelada a cavalos avança quando é ocupada por um
nunca poderá ser objeto de experiência. Sua eternida:de não é so- condutor, a Prakrti entra em ação e emite o universo sob a dire-
mente perman!ncia, mas imutabilidade e perfeição.. Sua natureza ção do Purushà.
6 Consciência pura, que s6 se toma conhecimento no sentido 4. O Espírito (Purusha) existe ainda porque é necessário
empírico através °das limitações do corpo e do intelecto impostas que haja um sujeito ao qual se destinam todas as experiências,
pela associação com Prakrti. :Ê a consciência sem começo nem uma Consciência para a qual toda manifestação é objeto de ex-
...
.-';'- fim, inalterável, cuja luz ilumina toda a esfera dos pensamentos, periência .
dos sentimentos e das sensações, o Eu que está presente tanto 5 Enfim, constata-se que há uma tendência geral a esfor-
çar-se em direção ao isolamento liberador. Todos os seres, cons-
4~ CI. çvetdçvalara·Up. Da mesma forma na Bh.a., o sentido 6 o ciente ou inconscientemente, procuram libertar-se de suas limi-
mesmo nos onze primeiros cantos e é s.omente a partir do n.· XIII
que a palavra Purusha denota a alma individuaI. tações. Os textos sagrados estão aí, prometendo a liberação e
42 Katha-Up.• V, 9 e 11. prescrevendo a atividade apropriada a esse objetivo. Os sábios
.~ .8 S.K., 19.
se empenham nessa atividade que seria estéril se não preexistisse
; .

40 . O YOGA As BASES DOUTRINÁRIAS DO Y OGA 41

uma Realidade, o Purusha, que efetivamento escapa às condições apenas existe em relação à manifestação, representa a primeira
da existência. divsião do Um com vista a produzira multiplicidade do mundo
Mas seja qual for o método pelo qual nos convencemos da manifestado. Essa polarização do Ser principal é descrita poeti-
presença do Purusha, não se deve esquecer que este nunca pode- camente nas Leis de Manu: "Dividindo seu próprio corpo, o se-
rá ser objeto de percepção ou dé conhecimento. É, ao contrário, ., nhor tornou-se metade masculino, metade feminino ~ . "
"aquilo que não se poderia ver, mas pelo qual as visões são vis- Considera-se freqüentemente o Sâmkhya dualista porque em "
..,;..

tas", "aquilo que o pensamento não poderia pensar, mas graças sua exposição cosmológica não vai além da dualidade original
ao qual o pensamento pensa H", "aquilo pelo qual tudo se mani- do Purusha e da Prakrti. É uma conclusão muito prematura:
.-- ~
festa e que por nada é manifestado". mesmo em sua formulação clássica, o Sâmkhya não pretende i:'
absolutamente que a Prakrti seja um princípio independente do
A "influência" do Purusha Purusha ~6, ao contrário, afirma repetidamente que toda a ativi-
dado daquela, seja na emanação, seja na dissolução dos mundos,.
Se bem que o Purusha não seja produção nem produtor, é só tem sentido em relação ao Purusha, e tem por objetivo apenas
sua "influência", sua atividade nã~ativa que, no início do ciclo cumprir "os fins do Purusha'" Nos Upanishad, que contêm um
criativo, põe em movimento a Prakrti e a faz emitir os mundos. ensinamento Sâmkhya c também na Bhagavad-GlLd, a exist&ncia
Anteriormente à manifestação, a Prakrti repousa em sua indi- separada da Prakrti é formalmente negada 41. Enfim, para todas
ferenciação primordial onde os três guna perman·ecem em per- as escolas do Sâmkhya, antigas e clássicas, a dualidado é inicial,.
feito equilíbrio, neutralizando-se mutuamente. Esse estado "Sl,lS- mas não final, já que, como veremos, o homem libertado das.
penso", de união dos opostos, é o estado natural da Prakrtl, no limitações do mundo manifestado alcança um estado onde a
qual o universo desaparece no momento de uma dissolução o d~ Prakrtl "desaparece", é para ele como não-existente. .. ~
qual emerge no momento de uma nova criação. Pois a evolução ".
é concebida como cíclica, os períodos de manifestação alteman- o desenvolvimento da manifestação
do-se com os de reabsorção, e como um desenvolvimento contí-
nuo numa s6 direção. No começo de um período cósmico, a ~im­ O desenvolvimento da manifestação a partir do nã~manücs­
pIes presença do Purusha, agindo como o "motor imóvel" de tado (avyakta) até a manifestação grosseira se faz por etapas.
Aristóteles, rompe o equilíbrio dos guna da Prakrti e provoca sucessivas, sendo cada uma dessas etapas denominada um tattva.,
a manifestação, à qual preside e que é por ele animada ao mes-- A Prakrti, investida de poder criador pela simples presença do
mo tempo em que lhe permanece essencialmente transcendente. Purusha, emito um princípio (tattva) que a partir de si mesmo .
" ..,
Da "proximidade", do "contato" do Purusha e da Prakrti, se diz gera um outro; este último torna-se por sua vez a causa do prin-
brotar a manifestação, assim como da união de um homem e cípio que dele emana, e assim por diante, cada princípio proce-
de uma mulher se gera uma descendência. A influência misteri~ ,.
dendo do princípio superior por modificação. Assim, toda a cria- \.--:=
58 que exerce o Purusha é comparada à do ímã que, mesmo per_o ção é emitida como a manifestação daquilo que está já inerente-
manecendo imóvel, põe em movimento as partículas de ferro. na Causa Primeira. Por isso a evolução e a involução da mani-

o dualismo do Sâmkhya 41l Leis de Monu, I, 32.


46 Ao contrário, ele procura desvendar a independancia do Purusha em.
Toda a manifestação cósmica é então fundada sobre essa relaçl0 à PraJcrti.
41 Para o Çl1elaÇVQlaro.Up., a Prokrll é "a onipotência do Eu divino"
dualidade fundamental do Purusha, o princípio transcendente, (dcl1iJlma-çaJctl), seu ~er mágico ou poder de i1us1o (mlJyd): "Deve-se·
representado como masculino, e da Prakrti, a Substância Pri- saber que a Natureza 6 magia (mdyd), que o Soberano Senhor 6 WIÍCO'
"'""-
mordial, representada como feminina. Entretanto, essa d!.1alidade (md)lin) e que todo esse universo está cheio de criaturas, fragmentos.
dEle mesmo."
Para a Bh.G•• a Prakrll 6 simplesmente o aspecto "nAo-supremo" do- \ ...
+f Keno-Up., I, 5·6. Supremo Purusha.
1 0' ....,,''\....-r....... 1'
;r-;J-i- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

42 o YOGA As BASES DoUTRlN.ÁRIAS DO YOGA 43

festação são freqüentemente comparadas· 8 ao movimento de Mahat é por vezes identificado com Brahmâ, o Demiurgo,
uma tartaruga que põe para fora e retrai os seus membros, ou ou Hiranyagarbba, "o Embrião de Ouro~, e reencontramos ai
~ .
a uma aranha que tece e depois reabsorve sua teia. Mas, ao a idéia upan.ichádica de que o Espirito Supremo, impessoal, rea-
,parece coDio o primeiro nascido da criação, tomando forma a
mesmo tempo, todo o processo é estabelecido no interior da pró-
partir da Substância Primordial DO. É o Intelecto divino numa
pria Causa Primeira e não pode ultrapassar seus limites. Tudo propensão criadora; por isso Mahat é também chamado Buddhi:
,- .o que evolui perma.nece no interior da causa e dela nunca se des- inteligência pura e informal, supra-individual e supra-racional.
prende verdadeiramente, ainda que dela se diferencie na quâlida- Substrato de toda intelecção e de toda compreensão. Buddhi é a
de de efeito. O desenvolvimento da manifestação consiste na àpa. base da inteligência de todos os sores, comparada, por causa da
rição do diferençado no interior do indiferençado, do determi· sua predominância em sattva, a um infinito céu luminoso: Diz-se
nado no interior do indeterminado, do específico no interior do que está "repartida entre todos os seres", porque todos a pos-
lndistinto. suem. Mas ainda que' pertença a todos os seres, está além da
O Purusha, que é Consciência, assiste corno testemunha a individualidade .
.çada uma das etapas da manifestação, que não deriva delo, mas No ser individual, Buddhi se manifesta em particular como
unicamente da Prakrtl, a única a transformar-se o modificar-se. discernimento, como aquilo que reconhece, determirla e decide.
(
\
Isso explica por que a cosmogonia 6 exposta do ponto de vista Enquanto o termo Mahat exprime o aspecto cósmico dessa tattva,
do Purusha, que 6 apenas o seu espectador; isto é, a emerg!ncia o sin6nimo Buddhl se refere ao aspecto microcósmico, rolativo
dos mundos é descrita tal qual aparece à consciência, que é a a cada individuo.
í" ilua testemunha. A segunda produção de Prakrti, que procede diretamente de
O estudo dos tattva é essencial ao nosso assunto porque essas Buddhi, é ahamkc1ra: o fator de individuação, ou noção do "eu",
mesmas etapas da manifestação cósmica devem ser revividas na que tem por efeito individualizar o princípio intelectual. Aham-
mesma ordem, mas em sentido inverso, pelo yogin. Esto, poder- kc1ra é definido como a presunção de ser uma entidade separada,
,r-o._
se-ia dizer, deve ascender à corrente criativa e, partindo dos um "eu agente". Ele introduz na consciência a oposição entre
rtattva inferiores, realizar cada princípio sucessivamente, um por sujeito e objeto, e, decorrente desse contraste, nasce a convicção
um ou grupo por grupo, até a sua completa reabsorção no não- de que "a, mim as coisas externas c internas dizem respeito". O
,princípio de individuação é aquele que impele ao erro fundamen-
manifestado. Nesse sentido os taUva são para ele uma gradação
tal; a confusão entre a Natureza (Prakrtí) e o Espírito ( Puro-
.de níveis na prática do Yoga.
sha), enquanto Buddhi possui a faculdade de discriminá-los.
A partir daí, assistimos a uma espécie de bifurcação do pro-
,Os tattva cesso evolutivo. Este se divide em duas correntes que vão for-
.. mar, uma o universo subjetivo, e a outra o universo objetivo
Na origem da manifestação, por ruptura do equilíbrio dos estando ambas ~estreitamentc correlacionadas. Esso desdobramen:
.guna devida à "proximidade" do Purusha, o guna sattva torna·se to resulta naturalm.ente da divisão criada por ahamkâra entre
predominante em Prakrti, e a manifestação procede por graus u~ "eu agente" e um "isso", Do princípio de individuação do-
·do mais sutil ao mais grosseiro. mmado pelo guna sattva emanam as onze faculdades ( indriya) ,
A primeira produção da Prakrti é Mahat: "o Grande [Prin'· fo!'mando o mundo subjetivo; e do princípio de individuação do-
,cfpio]". É denominado "Grande" porque não há outro princípio mmado pelo guna tamas emanam as cinco qualidades sensíveis
manifestado que o supere; é de ordem universal, co-extensivo à (tanmdtras), das quais procedem em seguida os ci,n~ elementos
manifestação em sua totalidade.
40 Representação mfstica da semente do universo, do ponto central c
" nlio-dimensional (bindu). a partir do qual se desenvolveu' do Genne em
-48 Mahâbhârata. XII, 253 etc. que está contida e determinada toda a criação. '
60 Rg-Veda, X, 12, 1; M.Bh.• XII, 311, 3; Vâyu·Pur.• IV etc.

'~ ....
44 o YOOA As BASES DoUTRJNÁRlAS 00 Y OGA 45
grosseiros, formando o mundo objetivo. Num e noutro caso, o des sensíveis manifestadas nos elementos. As primeiras são os
guna rajas s6 entra em jogo para ativar a emergência. órgãos de captação (graha) e as segundas são os aspectos da
As onze faculdades individuais (indriya) compreendem: realidade. captada (atigraha) 62.
• Cinco "faculdades cognitivas" Un8nendriya) : a audição, Assim como os tattva constituem o domínio subjetivo, as
o tato, a visão, a gustação e o olfato, tendo por sede os 6rgãos diferentes modalidades do mundo objetivo (cada elemento e sua
correspondentes, respectivamente: os ouvidos, a pele, os olhos, a qualidade sensível inerente) são potencialmento reconvertíveis
língua e o nariz. uma na outra no sentido inverso de sua originação. Essa é es-
• Cinco "faculdades do ação" (karmendriya): a_palavra, a sencialmente a empresa do Yoga, que visa fazer retomar cada
preensão, a locomoção, a excreção e a procriação, tendo por sede princípio ao princípio do qual saiu.
os órgãos correspondentes, respectivamente: a voz, as mãos, os
pés, o ânus e o sexo. DIFERENTES ESTÁGIOS DA MANIFESTAÇÃO A PARTIR
• O maruzs, décima primeira faculdade, que é a faculdade DE Prakrti E EM PRESENÇA DB Purusha '.
'-
mental, o pensamento. Coordenando e dirigindo tanto as facul-
Prakrti Purusha
dades sensoriais como as faculdades de ação, tem um papel cen- (ou avyakta)
tralizador. .t.
MalJat
O manas forma, juntamente com a noção do "eu" .(aham- (ou Buddh()
kdra), e o intelecto (buddhí), aquilo que se denomina o "sentido .lo
Ahamk8ra ..:....'
interior" (antahkarana) , em oposição aos dez primeiros indriya. Sdttvlkti Tdmasa
RdJasa
que são "sentidos externos". ~ .lo
Esses treze "sentidos", ou melhor "instrumentos psíquicos", , , f ,
~ taculda- 1 (aculdado ~ raculdadet 5 qualidades 5 elemen-
dos quais três são internos e dez externos, são comparados a três deli mental de açlo sens(vels tos
sentinelas e a dez portas na cidade do homem (as cinco faculda- sensoriais
des sensoriais correspondendo às portas de entrada, as cinco fa-
(Jlfanen- (mantu) (karmen- (tanmdtro) (bhata)
culdades de ação às portas de saída). Mas a ordem pela qual as drl)lp) drl1O)
faculdades funcionam ~ inversa àquela pela qual aparecem; Vã-
caspati escreve: "Todo homem utiliza primeiro seus sentidos ex- audlçAo, palavra sonoro J!tei'
teriores; depois considera (com o manas); faz a aplicação indi- (ouvido) (voz) (çabda) (akdço)
vidual, referindo os objetos a si mesmo (com ahamkdra); e, fi- tlito preens4ó' tangível Ar
nalmente, ele determina (com buddhi) H." . (pele) (mAos) (sparça) (l'd)'U)
Do l~do objet!vo, do aspecto temásico de ahamkdra 'proce- ;, visão locomeiçAo vislvel Fogo ......
dem as ClOCO qualidades sensíveis, que são delimitações da subs- (olhos) (pés)' (rapa) (tejas)
tância sutil (tan-mátra) em cinco qualidades fundamentais: so-
nora, tangível, visível (incluindo forma e cor), sápida e olfativa. gustação excreçAo sápldo Água
(língua) (Anus) (rasa) (ap)
Esses cinco tanmdtra são os princípios respectivos dos quais
procedem os elementos sensíveis ou elementos grosseiros (Mata): olfato gozo olfativa Tnra
o Éter, o Ar, o Fogo, a Agua e a Terra. Esses cinco elementos (nariz) (sexo) (gandha) (prthM)
combinando seus átomos em proporções variadas, presidem à' for: '-.,...

mação do universo material e do corpo humano. Notar-se-á a


Logo, temos no total, a partir da Prakrti, vinte e quatro
complementariedade entre as faculdades sensoriais e as qualida- tattva que se agrupam assim:
,
111 Taftva.Kaumudl. 23. 62 Cc. Brhad.âranyaka-Up.• III, 2, 1.
-

'----------. --'-'---"-~"'-.-- - . J:.


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As BASES DOUTRINÁRIAS DO Y OGA 47


46 o YOGA

nito. Assim, compreende-se a significação do hino védico 64,: pelo
• Prakrti é produtora mas não produzida (causa). Sacrifício original que deu origem ao cosmos, a Cons'ciência in-
• Mahat, ahqmkâra e os cinco tanmâtra são simultanea- finita, onipresente e transcendente, que é o Um que existe por
mente produtos e produtores de outros princípios (efeitos e cau- si mesmo (Svayambhu), foi atada como um animal sacrificial
sas em relação a outros efeitos). OJaçu) pela corda dos três guna à roda do devir» que gira in-
.. Os cinco elementos grosseiros e as onze faculdades são cessantemente e é dividida em tantos pedaços quantas são as
produtos e não produtores (efeitos somente). "consciências" empíricas existentes. O Ser único está sepultado
.. Porém Purusha. o vigésimo quinto tattva, não é produtor nos seres mortais, "encerrado na caverna do coração". Esso des-
produto, causa ou efeito. ' membrame~to é o "pecado original" (kilbisha) dos deuses (ou
forças cósmi.oas), "pecado ao qual todos os homens participam
A conjunção do Purusha e da Prakrti em conseqüência de suas existências distintas ... Pelo próprio ato
Vimos como a Prakrti desenvolve, para o PUrusha e dianto em que nos dota do consciência, ·ele aprisiona a si mesmo como
delo, a manifestação cósmica e individual. Produz-se então um um pássaro numa rede', e sujeita-se ao mal, à morte, ou ao
cstf8,nho fenOmeno. O Purusha, que é a Conscibcia para quem menos assim parece aprisionar-se c sujeitar-se lIlI" •
/'
o não-manifestado se torna manifesto, se identifica de certa for·
ma com o espetácul0 que lhe 6 apresentado. Em razão da trans· Um ou vários Purusha
parencia da Prakrtl em seu aspecto sáttvicó ou Buddhi, o Puru-
3ha' nela se reflete; depois é induzido a adotar a noção de ego Nesse nível, pode-so falar de uma multiplicidade de Purusha,
(ahamk8ra), nova delimitação da Prakrtl. A asserção do Eu o sendo cada Purusha essa "porção" (amça) 68 do Eu universal que
fazidenti.(icar-se com os órgãos psíquicos e o impele a consi- "toma conhecimento de um campo de experiência" (kshetraj-
derar-se como um sujeito, agindo sobre o mundo que o rodeia, ffa) 111, isto 6, o princípio de consciência que ilumina com sua
..~. concebIdo como exterior a ele. Nesso estágio, o PUrl~ha, tal luz um domínio de percopção e de ação individualmente deter-
como um espectador inteiramente "cativado" por um espetáculo, minado. .
toma-se prisioneiro, ou melhor, aparentemente prisioneiro do Em resposta à questão, por vezes controvertida, de saber se
mundo fenomenal. Torna-se o jtvâtman, "a alma viva" ou ser há um só ou vários Purusha, os Purâna .ensinam que em realida.
individual, a consciência que, quando associada às fUnções psí- de o Purusha permanece idêntico, "esteja ele recolhido em si
quicas e corporais, está engajada na experiência, e se caracteriza mesmo ou manifestado nos seres animados 68", assim como o fogo
,-', duplamente como "aquele que age" (kartr) e ~'aquele que sofre e as centelhas que dele se desprendem possuem a mesma natu-
a experiência" 63 (bhoktr). Por causa dessa identificação, elo se reza ígnea. Dentro dessa perspectiva» tais textos atribuem ao
,-.' submete a todos os sofrimentos aos quais a existência incorpo- Puru.sha uma série de epítetos contraditórios tais como: "ao
..
~
rada está sujeita, se bem que desfrute igualmente a gama infini- mesmo tempo manifestado e não-manifestado" (vyaktâvyakta) ,
tamente variada das experiências positivas que ela encerra. "tendo uma forma própria ao mesmo tempo única e múltipla"
Estabelecendo-se na individualidade como numa cidade (don- (ekânekasvarapaJ. Entretanto, na medida em que reside nos se-
de a etimologia tradicional: Purusha = puri-shaya, "que repou- res manifestados, o Purusha parece submetido à ignorância
sa na cidadela"), diz-se que o Purusha reside no coração ou cen-
tro vital do sçr humano. É então denominado "o Purusha do 114 Purusha.Sílkta (Rg.Veda, X, 90).
tamanho do polegar", para sublinhar seu aspecto microcósmico, M Ananda Coomaraswamy, Hindou/sme et Bouddhisme. pp. 23 e 37.
66 Na Bh.O; (XV, 7) a Divindade diz: "Uma porção do meu próprio Eu
em oposição ao Purusha macrocósmico ou "Purusha de mil ca- convertida no ser individual (jiva) no mundo dos vivos, rodeia·se dos cinc~
beças» mil olhos, mil pés", onde o número mil simboliza o infi· sentidos e da mente, que têm sua sede em Prakrti."
67 "O Eu é denominado Conhecedor do Domínio (kshetra;íia) quando
~tá associado aos guna da Prakrti. Mas quando dissociado é deno-
68 "O Eu, quando entra em conjunção com as faculdades sensor/ais,
motoras e mental, é denominado pelos sábios "aquele que recolhe os minado o Eu Supremo." (M.Bh., XII, 6921). '
68 Madeleine Biardeau, Cosmogonies purãniques. I, p. 26.
frutos da experiência (bhoktr)," Katha--Up., III, 4.
As BASES DOtrrRlNÁRIAS DO '"iOGA 49
48 o YOGA
O que caracteriza o homem nesse estado de ignorân~a é
destes, e participa de sua natureza suscetível. O conhecimento a não-discriminação entre aquilo cIue, nele, del)ende do purwha, -:.-,
de sua identidade lhe permanece velado e, esquecendo-se dâquiío e o que depende da Prakrti. Por causa dessa confusão fundamen-
que é em realidade, torna-se por essa individualidade limitada de- tal, produz:'se uma espécie de in~ersão d.os atrib~tos. O Pwusha,
terminada pelos modos da Prakrti. 00 ponto de vista da mani- que é imóvel, aparece como ahvo; e a Pr~r~l, ou meJ?QT, o .1-
festação, há vários Purusha, no sentido em que o princípio dé psiquismo e o corpo fornecidos pela. Prakrtl, a;mda que meons-
consciência absoluta e eterna preside separadamente à experiên- dentes em si aparecem como conSCIentes. ASSIm como um ho-
cia individual dos milhares de seres particulares, e aparece en- mem honestd capturado com um bando de ladrões, é também .... ".
cerrado nesses seres, condicionado e arrastado em suas peregri- tomado por Íadrão, a consciencia, na atividade dos mod~ da
nações. - Pralcrti ainda que não agindo, parece ativa. Quando se diz de
A escola clássica do Sâmkhya 119 é reafista na medida em um ho~em que ele age e anda, é em virtude dessa confusão fun-
que parte da situação empiricamente vivida pelo homem ordiná- damental que faz com que o Espírito, por sua conjunção com
rio e se recusa a aceitar de chofre uma verdade final (cOrno a os três guna, apareça como ativo. O homem em si não anda,
do Purusha único), que só pode ser verdade de experiência no não age; são suas funções psíquicas o corporais que executam .~.'

ponto de confluência da busca. ~ dizer que encara o Purusha toda ação. ."'--
em sua condição atual de escravidão e tem em conta tantos Pu- Inversamente, o "corpo sutiltt (liTigadeha)' ou psiquismo ma-
rusha quantos são os seres humanos encarnados. Ela não pro- nifestado pela Prakrti, compreendendo todos os t(lJtva desde
cura saber como essa conjunção dos Purusha com a Pralcrti cO- Buddhi até os tanmdtra, assume uma aparência consciente ainda
meçou. que toda consciênc,ia derive apenas do Purusha: fenômeno com-
parável ao da garrafa cheia de água quente, que parece quente,
A ignorância ou da lanterna que parece luminosa, quando na verdade toda -.
No estado atuaI das coisas, a única razão que, pará. o Sâm- a sua claridade não provém dela mesma, mas da fonte de luz
khya, possa explicar por que as almas (Purusha) , essencialmente' que ela encerra.
livres, são arrastadas e acorrentadas ao universo de Prakrti é 8 Essa não-discriminação é que mantém o individuo num es-
ignorância (avidyd). Sendo, antes de tudo, um sistema soteno· tado de escravização ao mundo físico e mental. E podem-se ob-
lógico, o Sâmkhya não procura saber o que causou essa igno- servar no universo os diversos graus dessa escravidão. O animal
rância, mas como lhe pôr fim. eo. Um homem que se está afo- é uno com seu meio, o tipo inferior de humanidade está tam-
gando não reflete sobre a natureza do movimento em falso que bém inteiramente identificado com o mundo exterior, com seus
o precipitou n'água, mas pensa somente nos meios pelOs quais próprios pensamentos, sentimentos e instintos. À medida que um
possa se:" salvo 81. homem se refina, torna-se capaz de recuar em relação ao mundo
.:/

exterior e a seu próprio espírito, sendo como uma testemunha ..


4 ...

llllEm oposição ao Sâmkhya dos Upanlshad, da Bhagavad·Gttd e dos imparcial. Ele pode observar em si mesmo um movimento de
Purdna, que mantêm a unidade do Purusha. avidez ou de irritação, um pensamento estúpido, ou qualquer
60 Considera que essa ignorância ~ "sem começo", Isto é, que- nOSSa
visão não se estende bastante longe para compreender quando e como outro acontecimento interior, sem se deixar levar imediatamente
ela começou. por isso. Isto é, seu próprio espfri~o to~a-se.~ara ele um objeto de
61 Análoga 6 a posição de Buda, que se recusa S pronunclsl'-se sobro percepção, com o qual não maIS se Identülca enquanto perma-
esse problema metafísico e explica seu silêncio por esta parábola: ,jUm.. nece no Eu, na Consciência-Testemunha (Purusha). Mas no ho- , .;,../
homem é atingido por uma flecha envenenada. Seus amigos apresslim.se
em chamar um médico. Quando este está a ponto de extrair a flecha
da ferida, a vítima grita: 'Pára! Não quero que me tirem esta flecha antes
de saber quem a disparou, se uma mulher ou um brâmane, um vaiçya Da mesma forma o discípulo que procura respostas para todas as suas
ou um çQdra. a que famflia pertence, se é pequeno ou grande, de que perguntas especulativas se arrisca a morrer antes de conhecer a verdade
matéria é feita a flecha' etc. O que vai acontecer? O homem' vai sobre a cessação do sofrimento." (Samyutta, 437.)
morrer antes que se tenha podido responder a todas essas perguntas.
50 o YOOA As BASES DoUI'RINÁRlAS DO YOOA 51

mem ordinário, essa Consciência-Testemunha é muito fraca. IlComo um ator que dos bastidores entra em cena sob a for-
quase despercebida, e serve apenas de suporte às diversas expe- ma· ora de um deus, ora de um homem, ora de um bufão" 84,
riências nás quais o homem está engajado. Sua consciência, por assim o corpo sutil, introduzindo-se em diferentes matrizes, assu-
,- intermédio das faculdades sensoriais e mentais, toma incessante- me diversas formas.
mente a forma da atividade na qual está empenhado. O objetivo São as disposições de que está investido o corpo sutil que
do adepto do Sâmkhya, assim como o do yogin será, por um
determinam o estatuto de seu nascimento. Essas disposições re-
desenvolvimento da atenção, o de se colocar interiormente cada
vez mais do lado da Consciência-Testemunha, até que surja o sultam das impressões deixadas por todas as ações executadas
alvorecer da discriminação. anteriormente.
Mas enquanto não tenha processado essa transferência Há quatro disposições fundamentais, inerentes ao Intelecto
de seu centro de gravidade do mundo manifestado para esse prin- (Buddhi): são a retidão 611, o conhecimento 66, o desprendimen-
cípio de consci~ncia que está nele mesmo, o homem permanece to 67 e o poder 68. Essas disposições constituem "a forma lumi-
na dependência' do mundo da forma, governado pelo desejo e f nosa do Intelecto", manifestada quando o guna sattva prevalece
pelo medo, pela atração e pelo ódio, pola distração e pelo esque- sobre rajas e tamas; e as disposições contrárias - a saber: o
cimento. I mal, a ignorância, o apego e a impotência - são "a forma obs-
cura do Intelecto", resultanto da inibição de sattva por rajas e
Corpo sutil e transmigração lamas.
O caráter de que é provido um indivíduo no momento em
Aquilo que transmigra, entretanto, não é o Eu (Purusha) , que se introouz num novo corpo depende da forma pela quà1
porque este é onipresente, e não poderia comportar nenhuma seus atos passados tenderam mais ou m<:nos a promover ou en-
mudança de lugar nem qualquer modificação. O que transmigra travar a ação deste ou daquele gima; e o tipo de existência em
é o "corpo sutil" (lingadeha) constituído pelo Intelecto superior torno da qual vai gravitar será determinado pela proporção cm
(Buddh{) , o princípio de individuação (ahamkdra) , o mental que os três guna estão presentes nele. Essa proporção está de
discursivo (manas), as dez faculdades de percepção e de ação, algum modo registrada no corpo sutil, sob a forma de um feixe
e as potencialidades dos elementos sensíveis que são os cinco de tendências, e torna-se a força motriz, o impulso diretor, deri-
tanmdtra. &se envoltório psíquico é chamado /inga, "sinal", por- vado da conduta passada do indivíduo, que condiciona seu esta-
que contém os caracteres específicos pelos quais os diferentes do presente.
Purusluz podem ser distinguidos. O "corpo sutH" 62 só se torna
capaz de viver a experiência quando assume um "corpo grossei-
ro" formado pelos elementos materiais e gerado pelos pais. Após 641 Comentário do GaudapAda ao S.K., 43.
el5 A retidlio (dharma) 6 a conformidade à ordem cósmica, que consiste
a morte do corpo físico, ele o abandona e veste um outro. No para 08 seres em ..conformar-se à lei que rege sua natureza essencial.
corpo sutil estão armazenadas todas as impressões das experiên- Essa norma, força de coesão e harmonia, 6 o que sustém e mantém cada
cias passadas, e ele s6 se dissolve no momento da Liberação. En- ser e regula a relaçlio entre eles. A justIça e a ética são somente aspectos
particulares, aplicados ao domínio social e moral. Essa retidão determina
quanto o corpo sutil estiver presente, haverá existência encarna· o nascimento em mundos superiores, enquanto seu contrário, sendo uma
da o renascimentos perpétuos. força de dissolução, arrasta para estados inferiores do ser.
llG O conhecimento é de duas espécies, extrínseco (compreendendo todo
"Como um homem troca uma roupa usada por outra nova,
o saber tradicional), e intrínseco: o conhecimento da Natureza o do
o ser encarnado rejeita os velhos corpos e entra em novos 03," Es~Crito.
e7 O desapego é exterior (nAo-atraçio pelos objetos dos sentidos) os
~ Dcvo-se observar que aquilo que comumente chamamos de "esplrito" interior (aspiração à Llberaçlo).
do um IndlvCduo está incluCdo no que o SAmkhya denomina "corpo sutil". 88 O poder é a possessAo dos poderes soberanos, ditos poderes "sobre-
ea Bh.G., n, 22. na~urais", mas que na realidado são naturais, essenciais de Buddhi o
..
. ..". somente são recuperados graças ao Yoga.
/'

52 o YOGA As BASES DOUTRINÁRIAS DO VOGA S3


.,- .'
o karman
mas que ela possui em potencial, cada ato tibera formas até então
o at0 69 (karman) , pelas conseqüências que acarreta, é en- encerradas, latentes, em seu seio.
tão o criador çlo caráter do indivíduo." Assim~ segundo essa lei da ação, as pessoas que vão assistir
"Tudo o que somos é o resultado do que pensamos, é ba- _ para darmos um exemplo atuaI - a um filme de terror s0-
seado em nossos pensamentos, é feito de nossos pensamentos. I. frerão por conseqüência somente o depósito, em seus corpos sutis,
das impressões (vdsand) correspondentes às visões e emoções '. '
"Se um homem fala ou age com um mau pensame·nto. o so-
frimento o persegue, como a roda da carroça persegue o casco provocadas; impressões que, se repetidas, formam agregados o
do cavalo que a puxa." organizam-se em verdadeiras tendências (samskâra). Uma vez
"Se um homem fala ou age com um pensamento puro, a constituídas, essas tendências tornam-se inelutavelmente criado-
felicidade o persegue como sua sombra que nunca o abandona." ras, são um reservatório de potencialidades destinadas a se atua-
Esses versos do Dhammapdda respondem a uma doutrina lizarem mais cedo ou mais tarde, nesta vida ou em outras, e su-
universalmente aceita por todo pensamento indiano. A lei cós- jeitam o indivíduo aos tipos de experiências que elas represen-
mica, inerente à ordem das coisas, "retribui" aos seres, não por tam. Essa série de efeitos, caso se trate de experiências onde pre-
castigos ou recompensas ex machina, mas pela estrita aplicação dominam rajas e tamas, é, do ponto do vista indiano, bem mais
do princípio de causalidade. O homem escravo de seus desejos grave que a desaprovação ou a cólera incorrida por um fiel que
e submerso pelo apego não é punido com um inferno após a teria, por um ato desmerecedor. "desagradado" a seu Deus. Um
morte de> seu corpo grosseiro, mas com a própria obtenção de Deus sempre pode ser pacificado e tornado favorável por ritos
seus desejos durante inúmeras vidas, nas quais permanece indis- apropriados; mas nada pode impedir a série de conseq'üêocias de.
',-
soluvelmente ligado a um universo de experiências no qual seu correntes dos atos executados. Logo, é por compreensão dessa
espírito fica agitado e disperso, presa da avidez e do medo. lei impessoal, e em seu próprio interesse, que o hindu se abstém
Os seres são livres para ir em direção aos mundos, que por de atos de conseqüências nocivas, e não em consideração a um
sua maneira QO ser e de agir, escolhem; sejam mundos divinos. "outro", seja o Estado defensor da ordem social ou um Deus
onde se absorvem na contemplação da beleza, da hannonia e def.ensor da ordem espiritual 71.
do ritmo, ou mundos demoníacos, destinados às experiências ater-
radoras do ódio e da angústia. o samsâra
.Não há nada livre de conseqüências. Cada pensamento, cada
sentImento, cada ato é um germe que desenvolverá com o tempo Como escapar ao ciclo ininterrupto dos atos e suas conse-
as latências nele contidas. O cosmos é um vasto campo (kshetra) qüências: tal é o problema crucial, tanto para o Sâmk.hya como
onde cada consciência individual, através de inúmeras vidas, re- para o Voga. :Mal acabamos de sofrer as conseqüências de atos
colhe o que semeou. Tudo na natureza tem um sentido. "Mesmo empreendidos na inconsciência de sua importância verdadeira e '"..J
as des~gualdades objetiv~ o?servadas na criação só se explicam já estamos sem saber engajados em outros atos de conseqüências
pela_ hIpótese de um pnncfplo detenninante. Uma coisa é o que

I
imprevistas. Cada gesto, cada palavra, cada pensamento é o ger-
é, nao por acaso, mas por necessidade 70," Nesse sentido avyakta me de experiências, e cada experiência o germe de ações, de
o. n.ão-manifestado, ~ .0 poder invisível, soma de ,todas 'as poten~
c~ahdades, que c~ndlclona o destino de cada ser consciente, ma- 11 A propagaçAo da blzaJctl e dos místicos do amor não contradiz essa
mfestando os efeItos apropriados aos atos deste. Como a Pralcrti constatação, estando ohindufsmo já estabelecido sobre uma infra-estrutura
tem uma tendência inerente a manifestar uma infinidade de for- ... intelectual e metaflsica. Isso permitirá aJiás Que a relação de amor a
Deus conserve sua pureza e não seja mesclada por sentimentos de medo,
Jiberando totalmente a Divindade de seu papel de justiceiro, função atri-
6D. Essa palavra inclui toda forma de atlvidade, tanto mental quanto buída à pr6pria ordem das coisas, à Natureza Universal. Se Oet1ll 6
fi&.ca, portanto o pensamento e os sentimentos, tanto quanto as palavras o o eixo em tomo do qual se movimenta essa ordem manifestada, Ele
os atos. nunca intervém direlamente, a não ser por amor e numa função salva·
10 Gopinath KaviraJ', Aspecú 01 lndian Th ought' ,p. 102. dora. Mesmo quando se encarna para eliminar um demônio, é apenas
para Ubertllr aqueles que o demÔnio oprime. (a Terra, Pralllâda etc.)
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54 o VOGA As BASES DOUTRINÁRIAS DO VOGA 55
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modo que estamos incessantemente mantidos no movimento das seja um apego, uma dependência, pela necessidade que .desper-
experiências condicionadas, que é o quo se chama o samsdra. O tam em saboreá-los novamente. O gozo desses estados, seja qual
samsdra é a roda da existência, o ciclo das vidas e das mortes, for sua duração, está sempre mesclado ao medo, consciente. ou
o movimento contínuo onde' nos mantém nossa ignorância do "'inconsciente, de perdê-los. Assim, até os deuses são descnt.os
Princípio. Quebrar esse círculo é a Liberação (moksha). Pois, como vivendo na apreensão de perder o poder e a s~prema~l~.
C'quer se seja um deus ou um minúsculo inseto, o fato do existir Pois os estados beat[ficos gerados por sattva nunca sao adqum-
no tempo, de ter uma duração, acarreta a dor" 72. dos e estáticos mas permanecem no movimento, sujeitos a trans-
Não são as ações ditas tamásicas que levam à dor, porque formações. Pe~tencem ao mundo da Prakrti, que é o de um an-
projetam o ser em experiências obscurecedoras, aviltantes e pas- tagonismo perpétuo, de uma luta sem fim 711, onde o triunfo deste
sivamente sofridas. Qualquer ação que parta da ignorância, da ou daquele guna é sempre temporário e relativo.
confusão entre o Eu e o não-Eu 73, tem por efei:o perpetuar essa
ignorância, que desencadeia uma sucessão tanto de estados felizes A Liberação
.- quanto infelizes .
"Dizer: 'cu sofro', 'eu quero', 'eu odeio', 'eu conheço', e Por todas essas razões a salvação para o homem não con-
pensar que esse 'eu' se refere ao espírito, é viver na ilusão e siste absolutamente na obt~nção de um estado paradisíaco pela
prolongá-Ia. Pois todos os nossos atas ou intenções, pelo simples acumulação de sattva, mas em ultrapassar o domínio dos três
f.ato de se relacionarem com a Prakrti. são condicionados e di- guna, inclusive sattva, em transcender a to~a1i?ade do mun~o
rigidos pelo karman H." Por essa ignorância, o Espírito so en- manifestado. É uma liberação (moksha) , atmglda quando nao
contra continuamente identificado ao fluxo da vida psicofísica. há 'mais nenhuma acumulação de potencial kármico, bom ou
~ mesmo quando se trata de identificação a estados felizes, mau. A extinção do mal, a acumulação do mérito, a purificação
ainda permanece uma forma sutil de sofrimento, em virtude da da inteligência e o conseqüente aumento de sattva são favoráveis
impermanência desses estados, pelo fato de não se poder encon- à liberação, mas não suficiente; possuem um valor inst~~ental,
trar neles um pbrto seguro. Mesmo nesse caso, nenhum repouso, e não final. A perfeição é o estado que transcende a oposlçao dos
nenhuma estabilidade pode ser encontrada, pois os estados felizes três guna.
·resultam de atividades sáttvicas, atividades que devem ser cons- Essa liberação só é possível pela discriminação, que é como
tantemente renovadas, o que implica esforço e aflição. De outro um desimpedimento progressivo do princípio espiritual, o Puru-
modo, o efeito do bom karman se esgota. l)ma vez consumidos ~ha. enterrado e submerso pela Prakrti. Para pôr fim ao sofri-
os frutos de uma certa acumulação de sattva, os dois outros guna, mento, o homem deve descobrir o que ele realmente é, discernir
restringidos até então pela dominação temporária de sattva. rea- seu verdadeiro eu de tudo o que o recobre e oculta. Por isso a
parecem imediatamente. Nenhum humano pode saborear um liberação ~ 'denominada pelo Sâmkhya "o Isolamento" (kaivalya),
estado de felicidade perpétua. Sua felicidade, nunca absoluta- r
, no sentido de uma verdadeira operação alquímica. onde se pra-
mente pura mas sempre ligeiramente misturada,' é inevitavelmen- ticam decantação e 'dissociação, até que se tenha "isolado" um
te interrompida pelo surgimento de rajas, sob a forma de incon-
,-.-
veniências e perturbações exteriores, ou por sua própria'. febre
de agir, que torna a apoderar-se do homem ao fim de certo
I corpo puro, irredutível, desembaraçado de todas as suas escórias.
"III A vida, reino das dualidades, harmonia de tensões, terreno de con-
1
I fronto das forças opostas, dos "deuses e dos demónios", é uma guerra
tempo e não lhe permite gozar indefinidamente um estado sere- perpétua onde nenhum resultado é definitivo. A eJtislência cósmica, que
no. Por outro lado, os estados felizes criam seja uma saturação, IIpareee como um processo de vida, 6 em realidade: um proc~o de
morte. A próprIa lei da vIda quer que cada organJJmo sobrevIVa ao
'l'2Mireea Aliade, PatanjaJi el le Yoga. p. 18. preço de uma destrulçAo de outros organismos. Os Upanishad declaram
.expressamente que aquilo que denominamos a vídn é o ímp6rio d~ Yamll,
18 "A ignorAnela consiste em tomar o que 6 impermanente, Impuro, o rei da morte. A Imortalidade procurada não é de (onua nlguma
doloroso e não-eu como sendo permanente, puro, beatitude e Eu." uma continuação 'desta vida, mas seu oposto. Pois toda Vida s6 existe
Yoga-Sütra. II, S.
1. Mircea Eliade, Patanja/i et le Yoga. p. 34.
como alimento' para a morte, "diante de quem sacerdócio e nobreza
.-::--.'1
nAo passam ambos de um prato de arroz" (Katha-Up.• II, 25.) .
56 o YOGA As BASES DOUTRINÁ)UAS DO YOGA 51

A discriminação que gera uma precipitaç-ão contínua,. é o qu~ impede. de discer-


nir a realidade, o que arrasta o espínto e o unpede literalmente
Pela discriminação, o conhecimento é despertado no I~te­ de recobrar-se. Mas, por força de experiências e peregrinações,
lecto (Buddhf): "nada é meu", "este corpo (sutil e grosseIro) a experiência condicionada toma·se-Ihe enfadonha e ele as~ira
não é meu", "não há ego", "eu estou isento de ego". Esse co- à Liberação. Então Buddhi, purificada o calma, amadu~ecI~a
nhecimento puro e absoluto, porque não deixa nada por con~e­ pela reflexão sobre os princípios, se volta n,:vament.e e~ dIr~ao
cer revela a verdadeira natureza do Purusha, eternamente dIS- ao Purusha e por seu poder de compreensao, de rntehgêncla e '-'
tinto de todas as formações da Prakrtl, inclusive o~ intelecto e do alerta. o reconhece pelo que verdadeiramente é. Essa recog·
a noção do eu. Quando o Purusha toma consciência de sua inde- nição do Princípio, por si só, põe fim a toda confusão e a todo
pendência, cessa sua submissão à Natureza, que se lhe toma sofrimento. Mas tanto !lo ignorância como a discriminação per·
inoperante. Todos os elementos psíquicos e fisicos que eram im· tencem a Buddhi o não ao Purusha. O Espírito, que, mesmo con-
putados erradamente ao Purus~a, dele se desprenpem e sã~ re- .tinuando eternamente idêntico e imutável, parecia ter seguido
absorvidos. "Como uma dançarIna que pára de dahçar depoIS de o ser individual em sua escravização, sempre permanece absolu-
ter desempenhado em cena o seu papel, assim a Natureza desa· tamonte inafetado, imaculado, intocado pelo bem e o mal. Se .o
parece, depois de manifestar-se ao Espírito nos diferentes papéis Purusha apareceu como afotado ou perturbado, essa aparênCIa
do Intelecto, do ego, dos elementos sutis e grosseiros 70." Tendo era devida ao envoltório psíquico ao qual estava aSSOCiado até
cumprido o seu papel, tendo sido reconhecida, a Natureza se re- o momento da Liberação - como a lua que vemos refletida na
tira e desaparece. O espetáculo chega ao fim, e o espectador água parece agitada, deformada, fracionada pelo movimento da
reencontra sua verdadeira identidade: eternamente livro, eterna- água, enquanto a verdadeira lua, fonte de nossa viSá?, está imó-
mente completo em si mesmo, n~o Itendo qualquer relação neces- vel. Assim a Liberação é uma mudança de perspectiva.' Quando ..;..
sária com o que quer que lhe seja exterior. A verdade suprema a verdadeira perspectiva 6 restabelecida, nenhuma impressão
torna-se clara: "O Espírito não está ligado, nem liberado, nem dessa associação permanece sobre o Eu, já que o contato não
transmigrando, é a personalidade produzida pela Natureza que, era real. Da mesma forma que um cristal permite ver uma flor
sob diversos aspectos, eslava ligada, transmigrava, e' é liberada 71." vermelha por transparência, sem que ele próprio se torne ver-
.Quando essa verdade última é realizada, todas as manifestações melho, em nenhum momento o Purusha deixou de ser ele mesmo.
de Buddhi são dissolvidas, e o Purusha permanece só, repousando Assim que Buddhi, pelo desenvolvimento de sattva, recobra
em sua própria essência. Quando o Purusha se restabelece em sua
sua pureza original, que consiste em Retidiio, Conhecimento,
verdadeira natureza, o próprio conhecimento. discrimlnativó de.
Desapego e Poder, nela se eleva a intuição da realidade que res-
saparece, como um medicamento que, após curar a doença, é
titui o Eu a ele mesmo. Logo, Buddhi pode operar em duas di·
eliminado. Todo processo cognitivo cessa, e só subsiste a Cons-
reções opostas: numa, funciona para proporcionar ao Purusha
ciência absoluta, o Purusha estabelecido em si mesmo.
o gozo do universo material e mental, e tem de reserva para
ele urna infinidade de experiências possíveis, todas condicionadas;
A dupla função de Buddhi na outra, funciona para a Liberação do Purusha. Essas duas
orientações são as duas finalidades da Natureza universal que o
o paradoxo é que a discriminação liberadora seja operada Sttmkhya reconhece. Prakrtl aprisiona o ser individual desprovi-
por Buddhi, que forma o elemento principal do psiquismo (anta- do de discriminação e o afasta do conhecimento de sua identi-
hkarana). Essa mesma Buddhi, quando está voltada para o uni· /,.
dade real projetando-o cada vez mais na identificação e na dis-
verso exterior, assume, por intermédio das faculdades, a forma persão; e libera aquele que possui a sabedoria discriminativa. le-
cambiante das impressões, das ações o dos diversos pensamentos, vando-o até o limiar da realização. Mesmo quando atrai o indi·
e permanece agitada e instável. O próprio movimento da vida~ víduo, deixa sempre o caminho aberto para um retorno. A pos-
'16 S.K., 59. sibilidade de desprender-se está sempre presente: "A prisão não
7'7 S.K., 62. está na Natureza das coisas." Operando conforme os casos como I'

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( o As BASES DoUTRINÁRIAS DO YCGA 59
58 YOGA
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Mdyd: ilusã'O, ou como Buddhi: alerta, poder de obscure:cimento que todos os seres retomam a possessão de seus respectivos
( karman.
ou de revelação, Prakrti é ao m~smo tempo a causa da 19n.orân-
cia e do conhecimento, terrível ou redentora segundo a OrIenta-
"
ção do ser. Em última instância, todas as atividades do homem Ateísmo do Sâmkhya?
estão dirigidas seja ao gozo das experiências (bhoga) , seja ao
desapego em relação a estas e à paz (tydga). Dentre os qua~ro Fala-se algumas vezes do "ateísmo" do Sâmkhya, e a úni<;a
objetivos da existência humana distinguidos pelo pensamento In- difeI:ença doutrinária que existiria entre Sâmkhya e Yoga sena
diano, os três primeiros: o prazer (kdma) , o ganho (artha) e a que o primeiro não considera a existência de um Deus supremo,
retidão (dharma) , estão orientados dentro da primeira direção, enquanto o segundo admite que Deus (lçvara) possa ser toma-
r a do "gozo" '78, enquanto o quarto objetivo, a Liberação (moks- do como objeto de concentração. Essa observação s6 é aplicável
ha) está orientado em direção à Paz. E como gozo e experiên- ao Sâmkhya clássico, e não ao Sâmkhya mais antigo: para o
cia 'são os antecedentes necessários da Liberação, na qual devem Mahdbhdrata , os Purusha, existindo de modo"
distinto enquanto
.
mais cedo ou mais tarde desembocar, resulta que a finalidade associados à Pralçrti, retornam, quando liberados, ao v:géslmo-
de todo mov.imento e de toda atividade é essa Liberação. É "o sexto princípio ou Deus, que é o supremo Purusha. Mas mesmo
aconte.:imento único em direção ao qual' toda a criação está a no que diz respeito ao Sâmkhya clássico a discussão de seu pre-
tenso ateísmo é inútil. Com efeito. como reflexão metódica, o
caminho" n. Toda a instabilidade, a insatisfação e a agitação Sâmkhya procura isentar-se de toda noção cuja aceitação seja
que caracterizam o comportamento humano s6 chegam a um artigo de fé 82; mas é evidente que o Purusha, segundo as des-
termo quando esse objetivo supremo é cumprido. O ponto final crições que dele são feitas nos textos Sâmkhya. tem todas as
da evolução, para cada indivíduo, é atingido quando ele realiza características do princípio divino no homem. Ê uma presença
a natureza essencial de seu pr6prio eu. Toda a atividade dll' Na- pura e perfeita, não fragmentada pela divisão das coisas, não
tureza s6 existe em função desse desfecho. A realização do hob- afetada pelos conflitos da manifestação cósmica. existindo no
jetivo último do homem" (purusMrtha) é a razão de ser da interior de todos os seres. O princípio divino não é concebido
continuação do mundo manifestado. Desde que um homem tenha como exterior ao homem, mas procurado interiormente, o que
atingido esse objetivo, o mundo manifestado se reabsorve para está aliás em conformidade com o tema central dos Upanishad:
ele no não-manifestado, na matriz primordial. "A liberação do a identificação da essência última do homem (átman) ao Ser
homem libera ao mesmo tempo um fragmento' da matéria, per- Absoluto que penetra todo o universo (Br-:zhman). A concepção
mitindo a esta retornar à unidade primordial da qual proce- da pluralidade dos Purusha não é tampouco uma objeção váli-
deu 80." Mas isso, somente para esse homem, pois há outros da, pois essa concepção só se aplica aos "eu" encarnados, e tem
seres encarnados. (jivdtman) que ainda estão a caminho, uns
atrás dos gozos terrestres. outros esforçando-se em direção ao
conhecimento salvador. Para todos esses seres, o universo mani-
.' um valor empírico até a Liberação. A vida e a morte. as di-
versas experiências, a escravidão e a liberação, não pertencem
em realidade ao Purusha, mas aos agregados psíquicos e mate-
festado deve prosseguir. E sendo o número deles indefinido, riais com os quais está identificado. O Eu é sem atributos, sem
nunca sobrevirá um tempo em que não mais existirá mundo qualidades, não-composto, imperecível, imutável, absolutamente
"-
o"
manifestado, objetivo. 81 • O que absolutamente não impede as não-ativo e impassível. Toda mudança, toda qualificação, toda
dissoluções periódicas do universo, seguidas de recriações em ~eterminação pertencem à Prakrti. Já que todos os Purusha têm
a mesma ·.~atureza de consciência, liberdade e onipresença, uma
Ta O "lazO" (bhola) deve ser entendido num 8entido amplo, Incluindo vez liborados da associação com a Prakrt/ não há a mínima di-
todas as formas de experiência; pensar, falar, agir sAo "gozos", tanto ferença entre um Purusha e outro. No absoluto e após a Libe-
quanto ver, escutar, cheirar etc.
'79 CC. Gopinath Kaviraj, Aspects o/ Indian Thought. p. 101.
1tO Mlrcea Eliade, Patafijali et le Yoga, p. 50. ~ VíjnAnabhikshu considera que o SAmkhya se apresenta como ateísta
&. Y.S., II, 22. para provar que sua validade nAQ depende de uma hipótese teísta.
. '. ,
~

As BASES DoUTRINÁRIAS DO YOGA 61


60 o YOGA
sujeito consciente desperta, o jogo cósmico se esvanece. A
ração, os PUrLlSha estão isentos de qualq~er. diferenciação~ ~ n~o Prakrti desaparece, reabsorve-se (layatt) 88, é re~bsorvida no '.,

há nenhuma razão para continuar a atnbulr-lhes uma dlstlOçao seu próprio princfpio, o poder de exterioridade é remtegrado no
e uma multiplicidade. Somente é verdadeiro dizer que do ponto imutável, o Princfpio Feminino é reconduzido ao Princípio M~
do vista do ser manifestado, não-liberado, os Purusha parecem culino 8T, a dualidade é abolida, restando somente a úruca
distintos. Realidade.
Mas o fundamento dessa imputação de ateísmo reside pro-
vavelmente no fato de que no Ocidente a noção de Deus é in- Função soterioJógica do Conhecimento
separável da de Criador. Ora, para o Sâmkhya, o Purus~a não
está diretamente implicado na criação, se bem que a presIda. A A conclusão do Sâmkhya, aceita como premissa pelo Yoga
função de manifestação, presorvação e dissolução, ao nível ma· e por todas as outras correntes espirituais indianas, é que no
crocósmico. é inteiramente atribuída à Pralcrti. O Pl;lrusha per· final a única causa da miséria humana é a ignorância (avidyc2).
manece absolutamente transcendente, mesmo quando ligado à A degradação e o sofrimento não são devidos a um pecado ori-
Prakrtl e imanente ao mundo manifestado. Mas nli,? esqueçamos ginal nem a um castigo divino, mas unicamente à ignorância
os laços misteriosos que unem essa Prakrtl ao Prlrusha: posta de si mesmo. &sa ignorância nlo 6 evidentemente uma ignorân-
em movimento unicamente pela sua presença, elá inaugura o.. cia qualquer, ausência de conhecimento ou saber vulgares, já.
movimento cosmogônico. Em todas as coisas, é para ele que ela que, pelo contrá.rio, 6 em razio dela que estes podem desenvol- '......
age. Ela desenvolve os mundos para seu prazer, e os reabsorve ver-se e prosperar. A relação habitual que o homem mantém ',,'
para sua liberação. Como uma serva desinteressada ou um ami· com o mundo e a idéia que tem de si mesmo são inteiramente
go abnegado 88, ela enCQntra sua própria realização a serviço fundadas sobre esta ignorância metafísica que é ignorância da
do Purusha". Por isso o Sâmkhya épico considera Purusha e natureza real do Purusha, sempre confundido com a PraJcrti. Só
Prakrtl como os dois modos de uma mesma realidade, em que o conhecimento das realidades tiltimas Uffc2na) é salvador.
um representa o aspecto estável e o outro o aspecto modificá-
vel. O Sâmkhya é realista ao tomar por ponto de partida a dua-
lidade que está na base de nosso universo manifestado. Entre- o método
tanto atinge um estado em quo a Prakrti, como princípio em ......
Quanto ao método que permite atingir esse Conhecimento,
evOlução, não mais existe para o espírito liberado. A visão da o Sâmkhya propõe somente o estudo intelectual da verdade e a .~

unidade era o objeto final dessa busca. O "desaparecimento" da reflexão permanente sobre os princípios da doutrina, at6 o des-
Prakrti, não explicado mas apenas ilustrado por algumas metá- pertar da intuição discriminadora. Alerta o discípulo contra as
foras sugestivas como a da dançarina que se retira, ou da mo- numerosas maneiras de se satisfazer (tushtí) sem grande dificul- "=-::"

cinha pudica que, surpreendida pelos olhares, se esconde, recor· dade, e denuncia em particular quatro formas de complacência
da-nos que um dos nomes da Prakrti é Mdyd, a magia ou poder interior:
de ilusão.
Assim que a ilusão é reconhecida, se esvanece 811. A Natu- 1. Descansar sobre a Natureza em si, esperar que ela faça
reza é a grande sedutora que mantém todos os seres encarna- todo o trabalho para que surja o conhecimento liberador.
dos sob seu channe, sua sujeição e sua jurisdição. Quando o 2. Confiar nos meios externos, por exemplo: "Algu~m,
sem ter compreendido os. princípios, apodera-se dos meios do
83 S.K.• 60.
. ". asceta e pensa que a Liberação provém do tridente, da vasilha ',-

8. A interpretação posterior dos Tantra, que se apóia provav.elmente


e de outros acessórios. &se tampouco alcança a Liberação 88." .
,.......
nas tradições não-escritas, é bem natural: A Prakrti é na realidade o
poder de manifestação do Purusha Supremo, sua Çakti. ao mesmo tempo 8G Sobre isso fundllr-se-á o Laya-yoga: YOg8 da reabsorção.
causa material e produtora do universo. 87 Na linguagem do Çiva(smo e dos Tantra, Çaktl reúne-se a Çlva.
8ll Esse ponto de vista é principalmente desenvolvido pelo Advaila· 88 Comentário de GaudapAda aos S.K., 49.
Vedânta.

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62 o YOGA

3. Contar com o tempo: "Ora, com o tempo, obterei, a


Liberação. Para que serve o estudo dos princípios 80?" Aquele
que pensa que a Liberação virá por si mesma, no devido tempo,
tampouco a alcança.
4. Acomodar-se em sua situação, pensando que a Libera-
ção é uma questão de sorte, que vem às vezes cedo, às vezes
tarde, com ou sem esforço, conforme a sorte de ceda indivíduo.
Para aquele que assim se satisfaz, não há Liberação.
A única via indicada pelo Sâmkhya é a meditação ininter- III. O Yoga Clássico
rupta sobre os princípios da doutrina, graças ao ensinamento Denominado Yoga de Patanjali
oral de um mestre, com o ~uporte dos textos tradicionais, e a (Pâtafijala-Yoga) ou Yoga Real
ajuda de amigos autênticos que compreenderam a verdade. Nessa
via, mesmo o desapego é insuficiente, se desprovido de conhe- (Râja-Yoga)
cimento.
I Essa via, denominada pela Bhagavad-Gtt4 00 o Yoga do
S4mk.hya, constitui o primeiro ensinamento que Krshna dispensa No Mahdbhdrata, S4mkhya e Yoga opõem-so como duas
a Arjuna invadido pelo desencorajamento no meio do campo de vias, não contraditórias, mas complementares:
batalha. E a lçvara-Glt4, equivalente çivaita da Bhagcrvad-Gtt4, "Não há Conhecimento como o Sâmkhya, não há poder
declara: como o Yoga 8l2," .
r' ..Acabo de vos expor Q S4mk.hya, gnose suprema, que con- pc modo que um não pode ser levado à perfeição sem o
tém a essência de toda a parte final do Veda. Concentrar aí o outro:
seu pensamento, é o Yoga 81," "Do Yoga nasce o Conhecimento, do Conhecimento nasce
o Yoga. Para quem possui Yoga e Conhecimento, não há mais
nada a obter iS."
A escola clássica do Yoga, que constitui por si s6 um dar-
çana ("ponto de vista", método de aproximação à Realidade
r
,-
Absoluta), apóia-se· com efeito sobre os alicerces lançados pela
doutrina Sâmkhya, e, em troca, elabora o método ainda embrio-
nário do Sâmkhya.
O texto de base desta escola - e o mais antigo documento
sistemático que possuímos sobre o Yoga - é o tratado de Pa-
tafíjali, Yoga-Satra 94: "Aforismos do Yoga". :a uma espécie de
resumo destinado- aos estudantes de Yoga, de tal concisão quo
r-o
seria sem dúvida indecifrável para nós se não estivesse desen-
volvido por numerosos comentários. Não se sabe ao certo em
que época viveu Patafíjali. Alguns eruditos, como Liebich, Garbe.
S. N. Dasgupta, Jvala Prasad, Mircea Eliade, aceitam a identi-

92 Mokshadharma, XII, 304, 2.


'-, 88 Id., ibid. 98 lçvara-Glttl, II, 41.
$O Capftulo II, primeira parte. 94 StJtra. literalmente Nfios condutores", são aforismos ou fórmulas mne-
1I1 II, 40. mónicas extremamente lacónicas.
" 1

o YOGA o Y OGA CLÁSSIco 65


ficação feita pelos comentadores indianos, de Patafijall com o
Para liberar-se da Natureza, é necessário conhece-la e con-
;grande gramático do mesmo nomo que viveu no século n a.C.
trolá-la, Se é permitido comparar o esforço do yogin à tecnolo-
'Outros ·como Woods, Jacobi e A. B. Keith, contestam essa iden-,
gia modernal ' da mesma forma que para escapar à gravidade, é
:t.ificação e pensam que os Yoga-Satra datam apenas do século '.-~
necessário. conhecer suas leis e dominá-las de modo a poder sair
TIl ou mesmo do século V da nossa era. De ,qualquer maneira, , ,
Patafijali não é um inovador. não fez mais que codificar a tra-
de sua inf1uência e retornar à vontade; do mesmo modo, o
yogin quer ser o senhor da saída dos limites do mundo mani-
--
-dição do Yoga anterior a elo.
Os principais comentários que explicam e ampliam seu en":' festado como do retorno a esse mundo 96. "
~

'sinamento são os seguintes:


Os fatores de servidão (kleça) 1
-'
1. Yoga-Bháshya de Vyâsa (séculos VI olI VII a.C.). C~
anentário mais importante, constituindo autoridade. Além disso, segundo a argumentação do Yoga, a ignorância
2. Tattvavaiçâradi de Vacaspati Miçra (século IX). 9uO nos aprisiona não é somente o erro metafisico, de natureza './
3. Râjamârtanda do rei Bhoja (1018-1060). IOtelectual. So, na base. de tudo, se encontra este erro marcante
4. Yogavârttika e Yogasârasamgraha de Vijfiânabhikshu que é' a Incapacidade de discernir o Espirito da Nàtureza essa
';)

·(século XVI). ignorância toma também formas concretas, positivas, arras'tando


S. ManiprabJuz de Râmânanda Sarasvati (século XVI). sem descanso o Individuo ao movitnento da atividade psicológica.
Os adeptos do Yoga não crêem, como os do Sâmk.hya, que As quatro formas atlvas, manifestas, da "nesciência" são:
'um estudo intelectual da verdade seja suficiente para fazer brotar 1. O sentimento de individualidade ou ego (asmitâ). Ê o 10. ,

.0 Conhecimento. Para eles um tal conhecimento está condenado


aspecto da ignorância que consiste em considerar o que não é o
'~
a continuar teórico, a permanecer impotente diante da influên· Eu como sendo o Eu. Causa a identificação do Eu com os ins-
,cia das tendências, a ser sufocado pelas latências armazenadaA trumentos de cognição, dos quais lJuddhi, o principio cognitivo
no subconsciente, que, atualizando-se continuamente, mantêm o interior, é o primeiro. Da! a crença: "sou eu que penso", "sou
:homem na experiência condicionada. Ê preciso um elemento de eu que vejo", "eu sou este corpo" etc.
força para conquistar o Conhecimento, pois este s6 pode reve- Essa ldentüicação presido a todas as modificações mentais e
lar-se num espírito (Buddhi) perfeitamente estabilizado e domi- a todas as ações, e gortl. o egoísmo, a enfatuação diante do su-
,nado. Uma disciplina prática é necessária, procedendo gradativa- cesso ("eu sou poderoso", "eu sou inteligento", "eu triunfei"
,mente, para colocar o yogin no completo domínio de todas as etc.) e o abatimento diante do insucesso ("eu fracassei", "eu
suas modalidades psíquicas e corporais. Buddhi é intrinsecamen- sou doente", "eu sou culpado" etc.). .
te sáttvica; entretanto, devido às tendências' e impressões acumu- 2. O apego (rdga), aspecto da ignorância que consiste em
ladas desde um número indefinido de existências, sua pureza identificar-se com as experiências de prazer, forma-se como re-
inata decaiu. É preciso um método eficaz para eliminar as im- sultado da memória dos objetos que proporcionaram impressões
0.'
,purezas, essas sedimentações que obscurecem Buddhi; necessita- agradáveis.
se do fogo do Yoga. 3. A aversão (dvesha) , aspecto da ignorância que consis-
"O fogo do Yoga queima rápida e completamente essa pri- te em comprazer-se nos estados miseráveis, produz-se em segui-
são, que constitui o mal. Dele provém o conhecimento claro, da à memórias das experiências penosas. Provoca um desejo de
imediatamente realizador do ni""âna 911." opor-se, de resistir, de vingar-se.
A compreensão não basta. Deve-se desenvolver uma energia ... 4, O medo da morte ou tendência de agarrar-se à vida
'-'
,ativa, heróica, para pôr fim à escravização. (abhi~iveça). Todas as criaturas têm esse apetite: "que eu nun-
ca deIxe de existir!", "que eu fique vivo para sempre!". Tal an- ..'
96 !çvara-Glld. XI, 2. A palavra nirvdna: cessação do devir, da exis-
tênCia condicionada (samsâra) , é um termo comum às tradições hindu ilO Cada vez que o yogin entra em samddhi ele processa uma sarda
·e budista. escapa do mundo condicionado e quando volta é uma nova descida a~ . -'
mundo da forma.
• +{$'*fLWW Pi. p. , .'!-;,·,.,...·w ....... R_!i.""'LU-. . '·~f.I:;: • .4)40
_ ...... LI."" ,).~.P; .'IPJ'~~~.'I'Il-t'i'- 1·.~~~f.:~'\'1'fl'"'1IUM',.,';:I~f"''''''h'7"' •. !i...,~U\....,-·- •..,.....,..-r."7.riÕf''l-r-,.'lÍ' ~'.' '...
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66 o YOOA O YOGA CLÁSSICO 67

siedade está presento mesmo nos insetos desde o primeiro instan- que é a base; e os objetos de experiência, que são o suporte -,
te do nascimento, e é comum aos homens mais estúpidos·e aos os kleça são incessantemente produtivos, e não há razão para
mais inteligentes. Existindo independentemente de experiências, que a .roda cesse de girar. A ignorância (avidyâ) é ? fun~a-
.,...,-. do percepções ou de educação relativas à morte durante a vida menta, o seu "terreno de cultivo", estejam eles adormecJdos (1m-
presente, esse medo instintivo é, para o pensamento indiano, a perceptlveis. mas manifesta.ndo-se quando a ocasião se apresen-
/ . ta) atenuados (pela prática de virtudes), interrompidos ~r
prova de que a experiência da morte, com todos os sofrimentos
que a acompanham, foi vivida anteriormente, inúmeras vezes. um~ afecção oposta, como a. cólera pela afeição, e vice-versa)
O animal, o sábio e o louco têm as mesmas impressões latentes ou ativos (em plena manifestação). Por isso Vyãsa observa que
r do caráter doloroso da morte. O fato de agarrar-se à vida é a inimizade (a-mitra) não é somente ausência de amizade, mas
(' ignorância, porque implica a crença da permanência das coisas propriamente hostilidade, assim a ignorância (a-vidyd) não é so-
(' transitórias; e sua outra faceta, o medo da aniquilação, é igno- mente ausência de Conhecimento, mas presença de noções falsas
rância, porque o Eu é na realidade imortal. e contrárias à verdade. uEsses fatores de servidão estão na raiz.
Essas formas manifestadas da ignorância são denominadas de nossos atos e de seus frutos, de existência em existência ..•
Ufontes de aflição" (kleça) porque aos olhos do yogin elas sem- De modo quo, para realizar seu ideal de estabilidade intelior, o
pre resultam no final em experiências dolorosas. Todas as expe- yogin dispõe inicialmente de um instrumento psicológico e físico
riências são ou agradáveis, ou penosas, ou neutras. A maioria profundamente indisciplinado, cuja atividade flutuante tende à
dos seres fogo da infelicidade e busca a felicidade. Para o yogin. anarquia o à dispersão sob todas as suas formas: erros percepti-
até mesmo a felicidade não é desejável. Toda experiência de vos, dúvida, incapacidade de fazer esforço no sentido da espiri-
(" felicidade provém do gozo de certo objeto de apego, seja ani- tualidade ou de perseverar nessa via, e ainda no próprio corpo,
mado (mulher, família etc.), seja inanimado (casa, riquezas má regulação dos ritmos biológicos e particularmente do mais
,D', etc.). Segue-se um karman fundamentado no apego, que produz fundamental, do ritmo respiratório 98."
o prazer imediato e o sofrimento a longo prazo. Assim como da Esses "fatores de servidão" não podem ser anulados por um
felicidade nasce o apego, da infelicidade nascem o ódio e o res- simples conhecimento teórico. Para destruí-los é necessário um
sentimento. Do apego como do ódio vem o esforço, e do esforço esforço extremo, guiado por uma técnica apropriada: aí está o
resulta a ação sob todas as suas formas. Da ação, a acumulação papel do Voga, que, numa primeira fase, trabalha para afrou-
de impressões subconscientes, que determina o tipo de. nasci- xar seus laços opressores, para atenuá-los, através de uma prá-
mento,a duração da vida e a espécie de experiências em que o tica que se exerce em sentido oposto à atividade submetida à
indivíduo deverá de novo engajar-se. Assim gira constantemente influência destes; numa segunda fase, torna-os improdutivos,
a roda dos nascimentos. Ora, o espírito do yogin, diz Vyâsa (o como sementes queimadas que não podem mais germinar; depois
comentador dos Yoga-Satra) , é sensível como a menina dos os dissolve completamente pela perfeita imobilização do espírito
olhos: como uma teia de aranha, caindo no olho, o irrita e fere no samâdhi.
enquanto deixa ilesas as outras partes do corpo que acaba d~
tocar, assim o sofrimento da impermanência de todas as coisas Definição prática do Voga
afeta o yogin e não os outros homens.
Enquanto permanecerem reunidos esses quatro fatores que o Voga é portanto o controle das atividades do espírito,
produzem as vâsantl 97 - a ignorância, que é a causa; os impul- que se estende desde o simples domínio das operações mentais
sos e as tendências, que são o resultado; o espírito flutuante, até a completa supressão de todas as modalidades da função
psíquica. É a definição prática 99 dada por Patafijali no início
t! M
Cl
""san"
slo os traços deixados na "mat6rla" psfquica pelos atas
experll!nclas. Elas querem dizer literalmente "perfumagcm", posto que
dos Yoga-Satra. Q Voga é a capacidade de deter a vontade, de
as comparamos ao odor que permanece num frasco quando seu conteúd()
já . se ~vaporo~. As vásand organizam-se em Jamskára, construções psf- 'llp Ollvier Lacombe, em Etudes carmélitaines. outubro de 1937, p. 167.
qwcas IOconsclentes. 99 Yogaç citta.v~tti.nirodhah, I, 2.
68 o YOOA o Y OGA CLÁSSICO 69
' ..
suprimir totalmente (nirodha) todos os movimentos, modifica~
,."
ml>nte, tais como' são em realidade. O desapego supremo, qUCl
ções, mecanismos (vrtti) do órgão psíquico, do espírito· no sen~ sobrevém ao término da prática, é uma absoluta clarificação do
tido ordinário do termo (dua) 100. O Yoga visa não apenas à conhecimento, no qual não subsiste a menor impressão de um
suspensão de todas as ideações, mas também à abolição de todos sentimento de privação ou de carência. É o apaziguamento e o .:.:."
os estados de consciência condicionados. É somente quando a sentimento de realização do yogin que, tendo realizado o Eu,
restrição (nirodha) é total, que o agente da visão, a testemunha compreende: "Alcancei tudo o que há para alcançar 101:'
(Drshtr), pára de identificar-se com os processos mentais, de sei' O exerdcio assíduo ou esforço reiterado é o outro aspectQ
condicionada pelo fluxo da vida psicofísi<:a, e que ~se estabelece essencial da prática do Yoga, que implica energia, entusiasmo e
em sua própria natureza, que é a Consciência absoluta e in- perseverança. Só se torna firmemente estabelecido quando se
condicionada. prossegue com constância e com ardor durante um tempo sufi-
Os mecanismos ou modalidades do psiquismo (vWi) que .se cientemente longo. Para o Yoga, toda a fraqueza mental dos
trata de restringir são em número ilimitado mas classificáveis em homens vem de sua incapacidade de reter intenções apropriadas
cinco categorias: firmemente fixadas no espírito. Mas so as flutuações mentais são
1. Cognição precisa (pramdna) , que resulla principalmen- vencidas, o homem torna-se capaz de fixar seu espIrito sobre uma
te de três meios: a percepção, a inferência ou o testemunho resolução, e a força do espírito aumenta juntamente com a' cal-
válido. ma. O apogeu do poder mental é atingido logo que se possa fixar
2. ·Cognição errÔnea (viparyaya) , que compreende todos o espíri~o sobre qualquer ohioto desejado com uma concentI'lJçAo
os erros, confusões, ilusões perceptivas etc. total. ParI). o Yoga, todos os conselhos, todas as diretivas dos
3. Imaginação (vikalpa). livros religiosos e filosóficos são inúteis, por mais convenientes
4. Sono (nidrd). que sejam, enquanto o homem for in<:apaz de segui-los devi40 à < ,

5. Memória (smrti). sua fraqueza montal. É por fraqueza mental que o homem tem
medo da morte e oscila continuamente de um estado a outro.
o método sendo "vivido" por esses estados. submetido a eles, e não ~ o
senhor daquilo que elo pensa e vive. Somente a aplicação pro-
Para dominar todas essas vWi, o método consiste em desa- longada, regular· e fervorosa aos exercícios de Yoga permite de-
}lego (vGirdgya) e exercício assíduo (ahhydsa) da disciplina senvolver a força mental necessária à liberação. A rapidez dos
ióguica. resultados obtidos depende da intensidade da energia despendida:
O desapego, no início da prática, s6 1>04e ser parcial e pro-
visório, pois, em sua forma final, pressupõe um Conhecimento :1,01 ComentárIo de VyAsa aos Y.S., l, 16. O desapego supremo, libera- :-..
total. O desapego inicial provém de urna tornada de <:onsciência ção de todos os laços que nos submetem à exist!ncia samsArica é poder~
do caráter insatisfat6rio da vida ordinária, e, com a purificaçãSl samente evocado pelo canto de triunfo de Buda após sua iluminação:
O.,
mental gerada pela prática do Yoga, aperfeiçoa-se pouco a pouco, "Inumeráveis sllo as moradas da vida
que me retiveram acorrentado,
de modo que os ohjetos não mais provocam atração nem repul- procurando incansavelmente aquele
sa, não mais excitam nenhum interesse egoísta, mas reveJam-se que elabora as prls6es dos sentidos, tramas de decepçAo.
em sua verdadeira natureza. São vístos imparcial e impessoal- Penosa e I.onga foi minha luta
Mas agora, já sei quem és,· tu,
arqulteto deste tabernáculo!
100 A palavra c/lia corresponde, na tradlçllo do Yoga, ao que o SAm- ." Nunca mais reerguerás esses muros de dor.
kh,a .chama antahkarana, "o Instrumento Interior" (por oposição às fa- Nilo construirás mais teus abrigos de mentira,
~u'~~des de sensação e de açlio que slio exteriores) quer dizer o psiquismo nem acrescentarás novos tijolos ao edifício!
indIVIduai formado do Intelecto (Buddhf) , do sentido de Individualização Destru/da está tua casa, rompida
{ahamkdra} e da faculdade mental (manas). Esse mesmo conjunto 6 a estrutura, feita de i1usllol
chamado manas num sentido amplo pelo Vaiçeshika (um outro darçana) Eu o supero, e livre finalmente,
e pela tradição posterior ao Voga. obtenho a Llberaçllol"

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70 o YOOA O VOGA CLÁSSICO 71

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\ o yogin levado por uma aspiração impetuosa entusiasma-se à me- l. YAMA: Os REFREAMENTOS
dida que avança, enquanto aquele que é moderado ou morno só
progride lentamente. Mas mesmo nesse caso, "nessa via, nenhum Os "refreamentos" (yama) , palavra. que vem da raiz yam,
esforço é vão, nenhum obstáculo prevalece. Mesmo um pouco ..que significa refrear, domar, ter sob controle, referem-se ao
I desse dharma liberta do grande medo" 102. .I
. domínio dos impulsos naturais, inerentes a todos os seres vivos,
comuns ao homem e ao animal lOS. As restrições não são par-
As olto etapas do Yoga ticulares ao yogin, já que todo homem deve praticá-los numa
certa medida; mas o yogin deve levá-los à perfeição, o que re-
A prática do Voga comporta oito etapas, que são literal- quer uma coragem heróica. Conduzem então a poderes extraor-
mente os oito "membros" ou aspectos do Voga (ashtc'lnga-Yoga). dinários (siddhl). Os yama são em número de cinco:
1• "Não quetrerinfligir nenhum mal a nenhum ser vivo"
o YOGA EM OITO PARTES (ASHTANGA·YOGA) (ahimsâ)
Regra que implica não somente abster-se de assassínios e
I. YAMA (Refreamentos) atos de violência, mas também de nocividade em pensamentos,
Continência Nlo-possessi. palavras ou ações.
Nlo-vlolêncla Verdade NAo-roubo (brahma. \'Idado Uma tal obrigação tem por função extirpar a modificação
,.-
(ahims4) (satya) (tUteya) carya) ~aparigraha) mental (vrtti) denominada aversão, baseada na ignorância, e da
'qual o ódio é a forma principal, substituindo-a pela prática in-
II. NIYAMA (ObservAncias) versa, a saber, a benevolência e a beneficência em relação a
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todos os seres. Essa disciplina de "não-violência" é a principal de
ConsagraçAo todas, e os outros yama só têm por objetivo consolidá-Ia, refiná-
Contenta- Esforço a Deus
Purificaçlo mento sobre si Estudo (lçvarti.pra. la e torná-la perfeita. Supõe como atitude subjacente o reco-
(çauca) (sam tosh a) (taptU) (svadhyfJya) nidMna) nhecimento da unidade de toda a vida e da presença oculta do
Eu em todos os seres, mesmo os muito inferiores 1<H..
III. ASANA (postura) É fato bem conhecido na 1ndia que "o exercício dessa qua-
lidade permite ao as-ceta meditar impunemente na selva, sendo
IV. PRANAYAMA (Disciplina dil respiraçAo) o ataque dos animais ferozes contra o homem imputável apenas
V. PRATYAHARA (Retraimento dos sentidos) à atmosfera de medo, de ódio e de agressividade que emana ha-
bitualmente deste último" 105.
VI. DHARANA (Fixação da atenção) Entretanto, estando a vida presente em toda parte, mesmo
VII. DHYANA (Continuidade de concentração) nos vegetais. é- impossível existir sem destruir fonnas inferiores
de vida. Como diz o herói Arjuna no Mahâbhârata:
VIII. SAMADHI (gnstase)
103 Cf. Manu. V, 56: "Comer carne, beber vinho, unir-se sexualmente
não slio pecados, são tendências naturais dos seres criados. Mas a
As duas primeiras etapas constituem o fundamento prelini.i- abstençlio dessas aç6es produz resultados notáveis." Da mesma forma o
.*.•
nar a qualquer prática de Voga. Se essa base não está ass~gu­ M. Bh. Çantiparvan. 294, 29: "Comer, dormir, temer, copular é o qui-
rada, a prática ulterior arrisca-se a ser instável, interrompida nhlio comum aos homens e aos animais. Regular esses atas é o que
ou pervertida. . diferencia o homem do animal, e aqueles que nllo são governados pelas
regras da ética (dharma) podem ser considerados animais."
104 CC. O. Lllcombe, Gandhl ou la Force de I'fJme. Desclée de Brouwer.
103 Bh. G.. II, 4Q. 1011 Dr.- Thér~e Brosse. "Le Yoga et la civilisation contemporaine",
estudo cm ApprocheJ de l'Inde, Cahiers do Sud. p. 315.
72 o YOGA I O Y OGA CLÁSSICO 73
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"Há neste mundo tantas minúsculas criaturas, invisíveis a o forte tiranizaria o fraco, "o corvo comeria o doce ofertado
olho nu, mas cuja existência pode ser provada, que, por um aos deuses, o cachorro lamberia as carnes sacrificiais, a proprie-
simples piscar de olhos, seus corpos são destruídos. 100" dade não seria de ninguém, e os inferiores usurpariam o lugar
Por isso o voto de ahimsâ não reside propriamente na apli- dos superiores" 100. Ê função das regras da ética (dharma) de-
cação literal e absoluta do preceito de não destruir a vida, afinal cidir em que ocasiões o recurso à violência é justo e lícito, e
impossível enquanto o yogin estiver vivo; na realidade "a ino- esclarecer os casos duvidosos.
fensividade" se mede pelo grau em que o homem consegue es- Mas se, para os outros homens, o preceito de não-violência . ,

vaziar seu espírito de toda e qualquer intensão hostil e animo- comporta exceções, para o yogin, ele deve ser praticado de for-
sidade inconsciente para com todas as espécies de seres criados. ma imperativa e absoluta a todo instante, em qualquer lugar e
Quando eliminou de seus atos e pensamentos toda motivação. circunstância. É esta a regra que Manu estabelecera para os
agressiva e toda indiferença que conduz à crueldade, o yogin ascetas: .
cultiva um espirita de amizade e de simpatia para com todas as "O brâmane que abandona seu lar para tornar-se um asceta
criaturas. É evidente que se abstém, tanto quanto lhe é possível, concede uma garantia de imunidade a todas as criaturas.
de infligir danos às plantas e animais, e que respeita em parti- "Que suporte pacientemente as palavras duras, que não in- . '~
cular a vida dos animais superiores, cujo psiquismo é mais de- sulte ninguém, que não se torne inimigo de ninguém por amor
senvolvido. Mas "para espiar a morte das criaturas que destrói a esse corpo perecível. .....
inintencionalmente durante o dia ou à noite, basta ao asceta. . . "<:ontra um homem em cólera que não manifeste qualquer
banhar-se e executar seis vezes a suspensão da respiração Irntaçao em troca, que o abençoe quando foi amaldiçoado llO."
(prândydma) " 107. O yogin deve abster-se de fazer mal mesmo àquele que o
A obrigação de ter respeito à vida não é particulár aos ataca, e não procurar defender sua vida ao preço de outtas
yogin,' é um dos cinco princípios éticos eternos 108 prescritOs nas . vidas. Assim, ele pode espantar uma serpente para afugentá-la,
Leis de Manu, para todas as castas e, em particular, para os mas jamais matá-la.
brâmanes: "A não-violência é o dever supremo, a mais elevada O vegetarianismo decorre naturalmente do princípio do
religião" (ahimsd paramo dharmah). Todavia, Manu considera ahimsd. Manu já desaconselhava, em regra geral, o consumo do
cuida~9samente as restrições em certas ocasiões, ou para certas carne:
ocupações. Para defesa própria, ou para proteger as mulheres "Aquele que mata os seres inocentes por um desejo de '-.'
ou os brâmanes (que são não-violentos), pode-se sem hesitar prazer egoísta jamais alcançará a felicidade, nem nesta vida nem
matar um assaltante sem cometer qualquer falta. Manu consi- após a morte, enquanto aquele que procura não causar os sofri-
dera que, em tal ocasião, aquele que mata :não é culpado da mentos da captura e da morto às criaturas vivas, mas deseja o
morte, é o malfeitor que é morto por sua própria injustiça. POr
outro Jado, se na sociedade todos se tomam inofensivos, como
bem de todas, obtém uma felicidade ilimitada.
"Tendo-se considerado bem a origem da carne e a cruelda-
,
-'
..
poderia subsistir a casta dos guerreiros? E se os guerreiros de. de aprisionar e de abater seres encarnados, dev~ abster-se In-
vierem a desaparecer, o povo não terá mais protetores, e qual- teiramente de comer carne lU."
quer um poderá destruir ou oprimir qualquer pessoa. O dever E para que a divisão de tarefas não crie um sentido de ir-
próprio aos guerreiros é portanto recorrer à força segundo um responsabilidade, Manu cuida do especificar:
código bem definido. . "Aqu~le que permite o abate de bichos, aquele que mata ()
Similarmente, cabe ao rei infligir, com justiça e discernimen- arumal, aquele que retalha sua carne em pedaços, aquele que a
to, castigo àqueles que o fazem por merecer. Se não o fizesse, compra, aquele que a vende, aquele que a prepara como refei-

106 Çantiparvan, 15, 26. lOD Monu, VII, 24.


101 Manu, VI, 69. 110 Manu. VI, 39 e 47-48.
108 Manu, X, 63. 111 Manu. V, 45-46 e 49.
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r 74 o VOGA O YOGA CLÁSSICO 75
r 'Ção, e aquele que a come, todos são igualmente matadores de o firmamento, a terra, o ar e todo o cosmos. O Mahâbhârata
r animais 1],':!:' chega até a dizer: "Se o mérito de mil sacrifícios açvamedha
i- No entanto, o consumo de carne é tolerado para a casta ...fosse colocado numa balança em vista (do mérito) da verdade,
nobre e guerreíra (kshalriya) , cuja lei de ação comporta certo é ainda a carga da verdade que pesaria mais 1113." Manu é
grau de violência, e para as castas inferiores, às quais não se categórico:
pode exigir quo exerçam domlnio sobre seus apetites. Mas é to- "Todas as atividades humanas são efetuadas graças à pala-
talmente vedado à casta sacerdotal dos brâmanes, depositários vra, não há outro meio a não ser a palavra para a comunicação
da ciência tradicional e detentores do sagrado, salvo em um dos pensamentos, portanto o homem que macula a palavra,
único caso: quando um animal é ritualisticamente ofertado aos fonto e fundamento de todas as atividades, ao ser desonesto em
deuses. Manu expllca que sacrificar não é matar; o animal que relação à sua própria linguagem, pode-se dizer que se torna ao
dá sua vida num sacrifício védico renasce em esferas superiores mesmo tempo o espoliador de todas as coisas 114."
.r· de existência, e o sacriflcio é uma bênção tanto para a vitima Para o yogin, não se trata somente de evitar as mentiras
.,- quanto para o sacrificador. Um brâmane que oficia não tem o
direito de recusar sua parto da carne da vítima, se esta foi sa-
flagrantes, mas de aplicar-se a uma correta apreensão dos fatos,
isenta de qualquer distorção por motivos de interesse ou de amor-
crificada com os ritos e fórmulas apropriados; em contrapartida, próprio. Enfim, como frisa Jean Varenne 1111, "o futuro yogin
.~'"
seria criminoso de sua parte procurar comer a carne de um deve esforçar-se por conciliar seus atos com suas palavras e pen-
animal fora de uma cerimônia sacrificial, sem esse motivo reli- samentos", Pelo preceito de veracidade, o yogin deve eximir-se
gioso. Por uma tal transgressão, elo está moralmente condenado de todos os exageros, pretensões, equívocos, meias-verdades, e
a sofrer "tantas mortes violentas quantos pêlos houver no corpo desenvolver um poder de visão clara e direta, excluindo o vago,
do sua vitima". Entretanto, se bem que a morte de um animal a confusão, o embaralhamento dos pensamentos e palavras. Deve
para o sacrifício não possa ser legalmente reprovada, o prestigio perder todo interesse pela literatura fantasista e fictícia e pelas
do preceito de não-violência era tal que, cada vez mais, tendeu- conversas vazias e superficiais, e ocupar-se apenas em consolidar
se, ao menos nas castas elevadas, tradicionalmente vegetatianas, seu espírito na verdade ue.
seja a substituir a vítima por uma imagem de massa, seja a . A verdade deve, entretanto, ser manejada com precaução e
,,--.. soltá-la ritualisticamente sem matá-la, seja a substituí-la por delicadeza. Jamais deve ser proferida, diz Vyâsa, so daí resulta
outras formas de ritual utilizando-se somento ingredientes" v.ege- um mal infligido ~s criaturas, mas somente com uma finalidade
... -.,. tais e de oferendas de água, de manteiga derretida, de incenso, benéfica. Se ~lgumas palavras têm uma aparência de justiça, mas
do luzes etc. Por uma razão ainda mais forte para o yogin, para ferem o prÓXImo, estão apenas gerando mal e demérito A pro-
quem, em princípio, o culto é inteiramente mental, é vedado pósito o Mahâbhdrata dá repetidamente o exemplo dos ~alteado­
nutrir-se de carne animal, mesmo na ocasião de um sacrifício. res de estrada. Se vocês vissem várias pessoas escaparem das
... -;-"".'
Assim que a· não-violência é perfeitamente estabelecida, toda mãos dos sa1tea~dores e se esconderem em algum lugar, e se os
inimizade cessa em presença do yogin, o os seres que dele se salteadores q~e ~s persegue~, de espada na mão, lhes pergun-
aproximam não podem conservar qualquer sentimento· hostil. tassem o~ os .I~tlmassem a dIZer onde estão escondjd~ essas pes-
~oas. voces dlr~o a verdade ou salvarão a vida desses inocentes?
2. "Não desviar-se da verdade" (salya) Se puderem livrar-se desta sem falar, não digam nada. Mas se
for necessá~io falar, ou se, não falando, se arriscarem a pro-
Obrigação não somente em relação ao próximo, mas em re- vocar suspeItas no espírito dos que os interrogam, oral, dizer
lação a si mesmo: fazer correspon<;ler sua palavra e. seu pensa-
mento à verdade. A verdade foi particularmente exaltada na 118 I, 74, 102.
tradição indiana desde os Veda, que afirmam ser ela que governa 114 IV, 256.
-:4.
Upanishads du Yoga.. GaUimard. coI. Unesco, p. 37.
11llS
1Ul Esse yama se estende ao satyagraha institu{do por Gandhi (o voto
112 Manu, V, SI. de aderir custe o que custar à verdade).
76 o YOGA o Y DOA CLÁSSICO 77

uma mentira mostrou ser, após madura deliberação, bem melhor sexual, para empregá-la com fins superiores. Pela abstinência se- .,
que dizer a verdade 117." Tais shuações são exceções à lei da xual, essa energia é transmutada, enquanto pela "queda do esper-
Verdade, Das quais "mais que a verdade literal, deve-se dize~ o ma" o poder de concentração é diminuído. O sentido original
que conduz ao maior bem de todos, porque aquilo em que reSIde da palavra brahmacarya é "caminhar com o Brahman", "viver
o maior bem de todos é, a meu ver, a verdadeira Verdade" 1~8. com o sagrado", e esta palavra designava o penodo, na vida de
Mas mesmo fora dessas situações de exceção, a verdade não deve um brâmane, em que ele se consagrava exclusivamente ao estudo
ser comunicada sem discriminação; a regra do ouro é dada por dos Veda, aos pés do um preceptor. A castidade fazia parte das
Manu: "Não fale a menos que te façam uma pergunta; e se esta disciplinas exigidas do estudante bramânico, da mesma fonna que
está incorreta ou indevidamente formulada, não responda.. .Que o controle dos outros órgãos de sensação e de ação; pois, "quan-
o sábio, mesmo sabendo a verdade, permaneça mudo comI) se do apenas um dos órgãos foge ao controle, a sabedoria de um
fosse um idiota 119." Pois o Conhecimento dirige esta prece homem se lhe escapa, assim como a água escorre através de um
àqueles que o detêm: "Sou um tesouro, preserva-me, não me único buraco no odre de um aguadeiro. Mas, se ele mantém to-
confira a alguém que me depreza 12'0." ' ......../
dos os seus dez órgãos assim como seu espírito sob seu domínio,
Quando o yogin é perfeitamente sincero, sua palavra torna- alcançará tod9s os seus objetivos, sem infligir ao corpo qualquer
se carregada de poder, e tudo aquilo quo diz deve infalivelmente austeridade penosa 121." O domínio da função sexual implica o
cumprir-se. domínio sobre as outras faculdades de percepção e de açAo, pois
não se trata somente de abster-se de atos sexuais: "Pensar, falar
3. "Não apropriar-se ilegalmente daquilo que não nos per- ou pilheriar a propósito de sexo, olhar insistentemente, segredar,
tence" (asteya) decidir-se a praticá-lo, tentar executá-lo e chegar a fazê,.lo slo
Essa obrigação compreende a abstenção do roubo e mesmo oito maneiras de entregar-se à atividade sexual. Aqueles que pro-
da cobiça sob forma de desejo. Tudo o que um homem possui curam a liberação devem praticar o oposto."
lhe pertence porque o ganhou, talvez numa vida passada, c nada Quando a continência está bem firmada, uma poderosa ener-' "
°.°,
'-'
nem ninguém tem o direito de desempossá-lo. Não se deve tomar gia é adquirida.
aquilo que não é dado, aquilo que não se' obteve por meios lici-
tos, ou aquilo a que não se tem direito de acordo com sua classe 5. Não se.' possessivo (aparigraha)
e função. Por esse refreamento, mant6m-se a própria dignidade.
Quando o yogin está perfeitamente finnado na não-apropria- Esse refreamento tem por objetivo pôr fim à perseguição dos
ção, os tesouros afluem de todas as partes em sua direção.. Os objetos de gozo e de poder. O homem tem tendência a acumular
doadores julgam-se felizes por poderem oferecer-lhe o melhor do indefinidamente os bens materiais, e o tempo e a energia desper-
que têm e, em todo lugar, a elite dos seres 6 atralda em sua diçados na aquisição e preservaçlo de bens sup6rfiuos slo rouba-
direção. dos à prática de Yoga. O yogin deve abster-se de acumular posSes ,
o apenas conservar aquilo que 6 necessário à manutenção de sua ....
4. "A contif!Jncia" (brahmacarya) vida. Esse preceito tamb6m incita à generosidade, sobretudo peta
com as pessoas ~~ va!or e em especial seu guru, ao qual ele deve
Não que a união sexual seja um pecado; pelo contrário, ela doar, . real ou slmbohcamente, no momento da iniciação, o seu
é regulada pelas leis do dharma, e elevada à dignidade de um
ritual; mas o yogin quer preservar a totalidade de sua energia
.. próprio ser e tudo o que possui. ,,./

. Quando a não-passividade atinge sua perfeição, a clarivid!n-


ela do yogm torna-se tal que ele pode conhecer suas existências
UT Çantíparvan. 109, 15·16. cr. também Kamaparvan, 69, 61. passadas. 'u
11.8 lbíd., 329, 13.
l1G Manu, II, lia. " .
l20 Manu. II, 114. 121 Manll, II, 99-100.
Íl ..P"'~""":r"'_~"1!"'e""'.,.';y' .. , .. ··t·"
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(
C 78 o YOOA O YOGA CLÁSSICO 79
r n. NIYAMA: As OBSERVÂNCIAS pidos, e até simplesmente conservados (tamásicos), a carne o
. . '
peIxe, aSSIm como os excessos de mesa, devem ser evitados. O
As "observâncias" (niyama) constituem a segunda etapa do yogin nunca deve encher mais do que três quartos do seu estô-
Yoga. Enquanto os yamas eram de forma negativa e verS!lv.am mago, e "d.eixar um quarto vazio para a circulação do ar" l23.
principalmente sobre a harmonização das relações do homem Se 'for necessário, o yogin poderá recorrer aos processos de
com a sociedade humana e o mundo dos seres vivos em geral, limpeza interna (k;iyd) que se tornaram a especialidade do. Ha-
os nlyama são de forma positiva e construtiva e visam· à orga- tha-yoga, como a limpeza das fossas nasais com uma tira de
nização da vida interior, pessoal. Impor limites ao comportamen- pano branco, as lavagens etc. .
to exterior não 6 suficiente, é preciso reestruturar a personalida- Por fim, a purificação interior prossegue pela exclusão dos
de profunda por meio de cinco "observâncias", que devem ser pensamentos e das emoções indesejáveis substituídos por pensa-
praticadas regularmente, dia após dia. mentos e emoções nobres e sutis. Quando os pensamentos puros
nasce~ naturalmente, a ponto de !ornar-se dü[cil e penoso para
o yogm manter um pensamento baIXO e grosseiro, como o é para
1. Â purificação (çauca)
.~ o homem comum conservar por mais de um instante um estado
O corpo de um homem comum 6 inapto à prática do Voga. de espírito. ~efinado e elevado, a pureza pode ser considerada
Aquele que deseja ser um yogin não deve apenas restringir-se à c?mo adqulrlda. Um outro método empregado é a utilização dos
lImpeza corporal externa, mas proceder à purificação interior de montra (f6~ulas sagradas) c das orações, invocações, recitações
seus órgãos, pela regulação correta de seu modo de vida. Como etc. Mas aInda aí a pureza procurada é mais uma pureza fun-
,-.
a força, a clareza e a sutileza do pensamento dependem em gran- cional do que uma pureza moral. A purificação é concebida como
de parte da qualidade do corpo, o yogin necessita de um corpo a eli!Dinação dos fatores .e condições que impedem o veículo psi-
harmonioso e puro, que seja um instrumento a um só tempo· cofíSlCO de exercer perfeItamente suas funções e de ser um ins-
sensível e forte. Logo de início as bebidas alcoólicas são excluí- trumentoa~eq.uado e manejável que pode servir eficazmente a
das, pois criam uma perturbação mental e contribuem para o todos os obJeuvos. do yogin. Essa purificação permite ao yogin
embrutecimento físico. Uma grande atenção é dada à alimenta- estar "~m plena posse de seus meios".
ção. De maneira geral, distipguem-se três tipos de alimentação,
segundo o efeito produzido sobre o organismo: "A alimentação 2. .O contentamento (samtosha)
sáttvica é aquela que contribui para a longevidade, a inteligên-
cia, a força, a saúde, a felicidade e o bom humor, que'é sabo- O contentamento é a capacidade do yogin do sempre extrair
rosa, suave, substancial c aprazível. A alimentação amarga, áci- uma pleni.t~de de alegria daquilo que ele tem e daquilo que ele
da, salgada demais, muito quente, temperada, ressecada, irritan- ~, sex,n que nenhum~ provação exterior, nem qualquer dificuldade
te, que gera a dor, as desordens físicas e mentais, é rajásica. A mterIor possa lhe tIrar a serenidade. Deve apreciar aquilo que
aUmentação tamásica é aquela que perdeu seu valor (cozida há tem, encontrar o bastante no pouco que possui. Do mesmo modo
mais de três horas): é insípida, fétida, requentada da véspera, qu.e para se preservar dos espinhos basta calçar sapatos, sem que
ou ainda os restos deixados por alguém, a alimentação poluí- seja ne<:essáno atapetar todo o solo com couro, assim é pelo con-
da ltoIZ." O regime do yogin deve ser essencialmente sáttvico. São te~tamento que" se atinge a felicidade, e não pensando: "serei
recomendados mais particularmente: os cereais (trigo, arroz, ce- f~hz quando obtiver aquilo que desejo", pois os desejos não têm
vada etc.), todas as formas de lentilhas, o leite, a manteiga cla-' fim. 'Pel.o contentamento, o yogin cria dentro de si uma chama
rificada ( ghi) e todos os laticínios, as frutas, o mel, os legumes de beatitude que irradia e influencia tudo que o rodeia. Esse
em forma de frutas, e a água pura da chuva. Os alimentos exci- contentamento não deve sucumbir diante de qualquer contrarie-
tantes e violentos (rajásicos), e os que estão alterados, corrom- dade, e requer uma igualdade de espírito no sucesso e no fra-
casso:
122 Bh. O.• XVII, 8-10. 123 CC. Hathayogapradlpikd, I. 58 a 63.
O VOGA CLÁSSICO 81
80 o VOGA
'.J

"Quando um homem, ó Pârtha, expulsa de seu espírito todos l o texto védico por sua própria conta, para pô-lo em prática pes-
soalmente. '-'
os desejos, e satisfaz-se em si mesmo pelo sel;l próprio Ser, diz-se
que está finne em sua compreensão. Para o yogin, svâdhyd)'a é o estudo dos textos tradicionais
"Aquele cujo espfrito não vacila na adversidade, que não que dizem respeito à Liberação. Todos os tratados que ensinam
procura agarrar-se aos prazeres, aquele a quem abandonaram a os diferentes aspectos do Voga devem tornar-se-lhe familiares,
atração. o medo e a cólera, é o sábio que está firme em sua com· como no aprendizado de qualquer outra ciência. Não deve con-
preensão. tentar-se com um cenário intelectual, vago e confuso.' mas saber
"Aquele que não é afetado por coisa alguma, ooa ou má, e exatamente o que procura e como proceder. Além disso, essa
não odeia nem se regozija, sua sabedoria está solidamente esta- constante reflexão prepara o espírito para a compreensão das
belecida 112•• " verdades sutis, desperta e mantém o desejo de realizar o objetivo
Quando o yogin não mais está à mercê das ondas de emoção final. Ela liberta o espírito de sua torpeza e de seus horizontes
que o excitam ou o deprimem, quando se mantém acima das al- limitados e o absorve no motivo da busca i6guica, até o mo-
terações e mudanças eJtteriores e pode conservar um equilíbrio mento em que o aspirante poderá dispensar qualquer ajuda ex-
interior em meio aos golpes e imprevistos da vida, ele alcançou terior e tirar de si mesmo todo o conhecimento necessário. Deve-
se recordar que "se é verdade que o adepto rejeita todos os li- ._,
a equanimidade absolutamente indispensável para atravessar ileso
e vitorioso todos os obstáculos que se levantarem sobre seu vros. e até as Escrituras sagradas (Veda), deve começar por assi-
caminho. milá-los perfeitamente 1IZ0".
Por outro lado, o ensinamento védico (çruti) é considerado
sob dois ângulos: 1) como objcto de estudo; 2) como compila-
3. O esforço sobre .rI (tapas)'1l5 ção de fórmulas sagradas cuja recitação constitui por si s6 um
~.

Ninguém pode engajar-se na via do Voga sem a determina.:. ato sacrificial. Nesse segundo sentido, svddhydya é a repetição
ção de esforçar-se ao máximo por mobilizar toda a sua energia oral ou mental dessas fórmulas, tais como a sílaba AUM, as inter- .~

e atenção para atingir o objetivo visado. Essa vontade de esfor- jeições sagradas (Bharl Bhuvahl Svabl), que correspondem aos
çar-se, que é a verdadeira mola propulsora da ascese, implica por três mundos, aos três Veda etc., e a famosa estrofe védica de
sua vez paciência e perseverança. Deve-se estar pronto para su- vinte e quatro sílabas, a Gdyatrl. Nessas "sementes verbaís" es-
portar todas as dificuldades encontradas, aceitar o esforço sobre tão condensados todos os Veda; elas são o núcleo de í:>nde tudo
si e até o sacrifício que impUca a exigência do permanecer im6- emana e para onde tudo converge, e sua recitação por aquele
vel numa mesma posição, de guardar silêncio, e de aplicat-se a que entendeu seu significado profundo ultrapassa a dos textos
todas as disciplinas necessárias. védicos em toda a sua extensão. Pode ser feita a qualquer mo-
mento, em qualquer posição, e servir de suporte de meditação
(dhdrant). Quando o svddhydya se torna perfeito e o yogin per-
4. O estudo (svddhydya)
manece fixado ininterruptamente sobre o mantra repetido com "-
Svddhydya é, dentro da tradição bramânica o fato de estu- plena consciência de seu significado, ele obtém o poder de entrar
dar e praticar o texto védico. O prefixo sva ne'ssa palavra com- em cantata com a divindade de .sua escolha. Os seres divinos,
porta um duplo significado. alternativo ou simultâneo: 1) estu- os sábios (Rshi) , os realizados (Siddha) que invoca aparecem
dar seu próprio texto, o ramo do Veda ao qual se pertence (pois diante dele. '
,.'
a Revelação védica compreende um tal volume de textos que ..
uma vida humana não basta para memorizar tudo) e 2) estudar 5. A consagração a Deus (lçvara-pranidhâna)
f'-,
A última do todas a.s "observâncias" é lçvara-pranidh4na,
~4
12lI
Bh. G., II, 55·57.
Sobre as diversas implicações da palavra tapas. ver anteriormente,
"a oferenda de todas as suas ações a Deus", literalmente o fato I
-'
pp. 22 a 26. 12G Jean Varenne. Upan/shaás du Yoga. p. 38.
'- - ,.,..... -~ o,.• _..••

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'. 82 o YOOA o YOGA CLÁSSICO 83
(
( de depositar (nidhâna) toda ação diante (pra) do Senhor (lç-
'."
vara), de colocá-la a seus pés.
( Mas quem é esse lçvara outro além do Purusha e da Prakrti?
( A tradição do Voga nos ensina que "lçvara é um purusha extra-
ordinário, especial (viçesha) , porque é eternamente intocado ,'-
pelos fatores de sofrimento (kleça), ações, seus resultados, ~ os
depósitos subconscientes 1Q'1". Os outros Purusha são também, em
realidade, intocados, mas ao menos parecem submetidos a esses
fatores de escravização, parecem arrastados pelo ciclo das mor-
tes c dos nascimentos, até a Liberação final ]c8; enquanto lçvara
nunca teve no passado e nunca terá no futuro qualquer relação
lo
com essa escravização. ~ eternamente livre e soberano, diferente
dos seres liberados que conheceram anteriormente um estado do
limitação e que estiveram mergulhados na existência condiciona-
.- da. O Senhor 6 sempre "Senhor", isto é, onisclente e livre. Os
Textos Revelados (çruti) testemunharam sua perpétua preexcelên-
cia, e toda a sua autoridade decorre do fato de que dEle proce-
dem. De lçvara vêm as ciências sagradas (çastra), e das ciências
sagradas vem o conhecimento de lçvara. Pois Ele é aquele qUê
na origem, no início dos tempos, as ensinou aos Rshi, fundado-
.- res do S4mkhya e do Yoga .
..A onisciência, que nos seres condicionados é somente em-
brionária, atinge nEle um limite insuperável 1211." Da minhoca ao
homem, observamos uma progressão gradativa da capacidade de
conhecimento, que, continuando a se aperfeiçoar nos homens,
atinge o infinito em lçvara. "Foi Ele quem iniciou os mestres
espirituais de outrora, o guru dos gurus, pois Ele não é limitado
pelo tempo 1aO. to
lçvara é Todo-Compassivo 181, e, ainda que nada tenha a
atingir ou a desejar, adota no princípio do cada manifestação cós-
127 Y. S.. l, 24.
128 Qualitatívarnente, não há diferença entre os "Eu" e lçvara eles sAo
essencialmente nli<>-d1ferente, como alman e Brahman na perspectiva do
VedAnta. Entretanto. sendo o Yoga um sistema sobretudo prático e
nllo-especulativo, ele evita uma Identificação completa COmo a Advaita,
pois esta comporta sempre um perigo: identiflcando-se intelectualmente
ao Absolut? sem ter realizado essa identidade em todos os planos, o
homem amsca·se a cair num grave orgulho.
129 Y. S., l, 25.
130 Y. S., l, 26.
111 Notar.se·! que a tradição indiana dislingue geralmente dois aspectos
na Divindade: o aspecto de poder, manifestado na criaçAo, preservação
o destruição do universo fenomenal, e o aspecto de amor' ou de redençAo.
O primeiro aspecto é no Yoga atribuído à Prakrti, que é B Cakti, a O arquétipo do yogin, o deus Çiva.
M6yd, e o segundo a lçvara, que é o Guru desde os tempos imemoriais. (Doe. Insdlul français d'lndologie.)
,I

'-<.

84 o YOGA o Y DOA .CLÁSSICO '85

mica um "corpo" de puro sattva, isento de qualquer escraviza- Mas essa autoconsagração a Deus não deve transformar-se
ção à Pra/mi, para comunicar aos homens o conhecimento libe- num aband'ono passivo, nem tomar-se uma desculpa para a ind~
rador e ditar as Escrituras. A cada dissolução do universo, esse lência, pois em nenhum momento o yogin é chamado a. abnr
corpo de luminosidade e de inteligência pura é reabsorvido na mão de sua vírya, de sua energia heróica, de sua detennlDação
Pra/ati. para dela emergir novamente no momento da nova cria- ". viril. Ao contrário, essa dedicatio permite ao yogin levar até o
ção. Içvara assume esse corpo, mas não é absolutamente afetado fim seu esforço sem exultar diante dos sucessos, nem se desen-
por ele. Um homem que está submetido à Ignorância não pode corajar diante dos obstáculos, pois tem sempre diante; de sI a "-.,:"

distinguir a verdadeira natureza de seu corpo, e d.eixa-se então impassividade arquétipa e exemplar de lçvara. A prâtlC~ avan-
comandar por ele; mas este não é o caso de Içvara, porque Ele çada do lçvara-pranidMna é capaz, por si s6, de prodUZ1! o sa-
não saberia ser objeto de confusão e de nesciência. mddhi.
Sua única finalidade, ao adotar esse corpo, é salvar os ho-
mens presos no v6rtice da existência fenome'nal, instruindo-os III. MANA: A POSTURA
sobre os caminhos da liberação. Mas Ele não aQula a lei do
karman, e intervém somente para mostrar o caminho, e auxiliar, A aquisição da postura (dsana) constitui a terceira etapa do
para que se liberem, aqueles que se esforçam nessa direção. Yoga. A postura deve preencher duas exigências: "Ser estável
Pode-se dizer que esse corpo de puro sattva, através do qual e agradável 18:11. " Quando a prática da postura pennite ao yogin
lçvara se manifesta, corresponde à Divindade pessoal, manifes- mantê-la firmemente ao mesmo tempo em que se sente à von-
tada, que preside ao jogo c6smico (saguna), que se designa tra- tade, o objetivo é atingido. A postura põe fim à agitação corpo- '-'
dicionalmente no mundo indiano pelo pronome masculino "Ele" ral o concentra as energias esparsas.
(Sa) , para distingui-la do Absoluto impessoal, inefável, além 'de , Essa etapa do Voga foi particularmente desenvolvida pelo
qualquer qualificação e manifestação, designado pelo pronome Ratha-yoga, que distingue dois tipos de postura: ''--''
neutro "Isso" (Too). A este último corresponde o próprio Içva-
ra, na medida em que transcende inteiramente a Prakrti e não 1. as posturas "culturais" ou "recondicionant~";
tem nenhum contato com ela (nirguna). lçvara não foi Intro- 2. as posturas meditativas. ,--.../
duzido no sistema do Yoga exterior, como o afirmam ou insi-
As primeiras têm por finalidade remediar as fraquezas do or-
nuam certos eruditos. Ele constitufa desde os tempos mais re-
ganismo e dominar, exercitar e fortalecer a coluna vertebral, eixo
motos um dos elementos essenciais desse sistema. de todo o corpo e canal da energia nervosa. Preparando assim o
A quinta "observância" consiste, para ó yogin, em dedicar campo para as seguintes, nas quais a coluna vertebral deve ser
todos os seus esforços na via do Yoga a esse Preceptor supremo, .....
mantida perfeitamente reta, naturalmente e sem esforço. Para
Não é uma resignação piedosa e passiva, mas a oferenda de to- I que isso seja possivel supõe-se um esforço anterior, do qual Pa-
r,'
das as ações e seus resultados. Nesse estágio, com efeito, o yogin tafijali em sua concisão habitual não fala. As posturas de medi-
é espreitado por um perigo particular, o de forjar um complexo tação, as únicas que ele considera, são todas posturas sentadas.
de superioridade, fortificado pelo caráter excepcional de suas e Vyâsa nos cita algumas, das quais as mais conhecidas são aS!
realizações. Pela dedicação de seu cometimento i6guico a Deus, seguintes:
por sua submissão ao Guru supremo, o yogin se desembaraça
desse ahamkâra, de toda motivação egofsta ou pessoal. O esforço .. Padmâsana, a poslçao do l6tus, tomada célebre pelas está-
é tomado num espírito de renúncia aos resultados, aos "frutos", tuas de Buda: sentar-se por etapas, as pernas cruzadas", os pés
que são "ofertados" a Içvara. Através disso o yogin se esvazia repousando, com as plantas viradas para cima, sobre as coxas
de todo desejo, mesmo dos desejos sutis de "salvação pessoal", opostas.
e coloca-se de chofre numa perspectiva de plenitude eterna, que
procura "realizar", e não fabricar. 132 Y. S,. II, 46.
·"
-.:-_----------------
r---,
86 o YOOA o YOGA CLÁSSICO 87

Ylrâsana, a posição do herói: é um "semilótus"; só um dos vés das modificações deste ela pode influir indiretamente sobre
r' ~s é colócado sobre a coxa oposta, o outro permaneco sob a os outros 133".
coxa oposta. Aliás, o ritmo respiratório representa bem a alternação, o
BhadrâsaM, a posição benéfica: as plantas dos pés são uni- "'movimento cíclico que caracter.iza a vida tanto ao nível do mi-
crocosmo como do macrocosmo, e que se manifesta por uma
das, o os calcanhares colocados sob o períneo; os joelhos, afas-
tados ao máximo, devem ficar ,colados ao chão, e os pés agarra·
\ - oscilação, uma vibração, uma mudança periódica: inspiração e
dos firmemente com ambas as mãos. expiração, pulsações do coração, dia e noite, verão e inverno,
Svastikdsana. a posição da felicidade: a planta de cada pé fluxo e refluxo etc. Pela atenção dada ao alento, o yogin toma
consciência desse ritmo fundamental e aplica-se primeiramente
deve ser inserida entre a coxa e a panturrilha opostas.
a torná-lo regular e de grande amplitude, para em seguida do-
," Danddsana, a posição da vara: estender as pernas juntas, es-
miná-lo progressivamente.
ticadas, retas diante de si, mantendo ao mesmo tempo a coluna O princípio que justifica esse esforço decorre da constatação
vertebral ereta, formando um ângulo reto. da íntima relação existente entre a respiração e os estados psí-
Sopdçraya, a posição com suporte: ficar de cócoras, os joe· ,quicos. A respiração do homem comum é irregular, arrítmica.,
lhos bastante afastados, com as pernas c as costas sustentadas cambiante, superficial, e corresponde a seu estado de espírito flu-
por um "cinto de meditação" (yoga·patta). tuante e disperso. Mas se ele dirige uma atenção extrema a qual-
A âsana torna-se perfeita pela prática do relaxamento em quer coisa, sua respiração se torna lenta, se ameniza, e às vezes
profundidade o da meditação sobre o espaço infinito. Toda sen- até fica suspensa alguns segundos:
sação dolorosa se apaga então, e a única impressão que resta é:
meu corpo tornou-se vazio e fundiu·se no espaço infinito, dissol· "Quando o alento está agitado, o espírito está agitado.
vi-me na vasta extensão do céu. Aí, nesse momento, o yogin não Quando o alento está imóvel, o yogin atinge a fixidez.
É por isso que se deve disciplinar o alento 1.94."
6 mais afetado pelos pares de condições opostas (dvandva) como
o frio e o calor, nem pela fome ou a sede. Graças a essa estreita correlação, o domínio do alento con-
duz direta e imediatamente ao domínio do espírito.
, O yogin começa por exercitar-se a respirar lenta e regular-
IV. PRANAYAMA: A DISCIPLINA DO ALENTO mente, aplicando-se para que cada expiração e inspiração sejam
~s mais longas e as mais profundas possíveis, com paciência e sem
Quando a dsana é adquirida, vem a disciplina do alento forçar. Depois faz seguir cada expiração e cada inspiração de um
~'
(prdndy4ma). Na realidade o prdndydma é mais que um con· preve momento de retenção. A suspensão do alento, seja ao ter·
°
trole do alento respiratório; é controle da energia vital (prdna) mo de uma expiração, seja ao termo de uma inspiração, consti-
~r meio deste.Prc1na ou vayu 6 "aquele que se move", "aque~ ,.I tui um prdndydma. Quando o alento foi completamente expulso
que circula" (yat samcarati), "aquele que vibra", (spandate yat) para o exteriore se observa um tempo de interrupção, impedindo
c se refere às correntes de energia que animam o corpo; o mo- o ar de entrar no peito, é o prc1ndydma externo (bdhya-vrtti).
,- . vimento respiratório é apenas uma delas, porém a mais evidente, Quando enchemos completamente o peito com o ar inspirado e
c em estreita correlação com todas as outras. Pela regulação do o forçamos a permanecer no interior, é o prânâyâma interno
alento respirat6rio, obtém·se o domínio sobre todos os outros {abhyantara-vrttí). Durante essa retenção, deve-se ter a impres-
"alentos vitais" ou correntes de energia sutll. O papol baS1CO ,', são de que o ar inspirado se expande por todo o corpo e o pre-
~.

,
dessa técnica é bem natural, observa °Dr. Jean Filliozat, admi· enche como se enche um vasilhame de água, tornando-o imóvel
~.
iíndo-se a antiga crença de que o motor de todo o organismo l! e denso, e suprimindo toda agitação interna.
~.
o alento, e sabendo-se que, de todos os alentos, o da respiração
la. o único sobre o cual a vontade pode a2ir diretamente e atra.. 1100 Médecine el Magie. La Nel. n." 23, Julliard, Paris, 1965, p. 47.
134 Hathayogapradipikd. II. 2.
88 o YOGA o YOGA CLÁSSICO

Em seguida, deve-so praticar a suspensão da respiração sem ' sim uma suspensão do alento de tipo inferior, que dura 12 mdtrh .....
inspirar ou expirar previamente, vale dizer, subitamente, inter- i (= 48 segundos), a de tipo médio, que dura 24 mâtra (l minuto
vindo em qualquer momento da inspiração ou da· expiração. Te- e 36 segundos) e a de tipo superior, com a duração de 36 mdtrd
mos, então, o prdnâyâma da parada súbita (stambha-vrtti). (2 minutos e 24 segundos).
Quando retomamos o alento, é sempre por uma inspiração. Devemos também contar o número dos prdnâyâma. Segundo
A duração das suspensões deve ser prolongada pouco a pou- o Hatha-yoga-pradipikd, devemos nos exercitar três ou até qua-
co, de modo que o esforço de retenção so toma de alguma forma tro vezes por dia, ao nascer do sol, ao meio-dia, ao crepúsculo
natural, e o corpo desenvolve a longo prazo uma ·propensão à e se possível à 'meia-noite, e aumentar o número de prcfu6ydma
suspensão do alento. até atingir 80 de cada. vez (no máximo 320 por dia).
Essas três formas de prândydma devem ser praticadas com Pouco a pouco o prdndydma, praticado nas três formas já
uma extrema atenção - o que desenvolve a aptidão de fixar < citadas, toma-se cada vez mais prolongado e sutil, e chegamos
o espírito sobre um só ponto (ekc2gratc2) - c devem ser "sujei- à quarta forma de prdndydma (catUTtha), que Patafijali diz trans-
tos às regras de lugar, de tempo c de nome) 1"9111>. O "lugar" ou cender às outras, mas sem fornecer qualquer explicação. Trata·
localização da prática do prdndydma pode situar-se no espaço ex. i se provavelmente daquele em que o alento parece inteiramente
terno ou no interno. suspenso por um período tio longo quanto queira o cogin. O
O espaço externo é aquele que se estende da ponta do nariz, ritmo respiratório torna-se tão Buti! que parece esvane~r-se pór
no limite da região onde se pode sentir o ar penetrar, até o completo e permanece totalmente imperceptível. O yogin realiza
ponto mais baixo onde o fluxo de ar desce. Observando-se a à vontade e lucidamente uma reduçio, se não uma parada, da
sensação criada pelo contato do ar percorrendo esse espaço, o respiração, que só 6 produzida habitualmente no limiar da morte .u
movimento do ar atenua-se até tornar-se quase imperceptível, e e na inconsciência. O nl1mero das façanhas de yogin que pode
a atenção deve aguçar-se ao mesmo tempo. permanecer muitas horas sob a água, ou fazer-se enterrar por
O espaço interno é o corpo inteiro, desde o alto da testa até longos períodos sem danos, 6 bem grande; mas, para resumir,
a planta dos pés. Certas regiões do corpo, como o umbigo, o citemos esta conClusão a que chegou o D.!. Jean Filliozat: ..Aque. I.~

plexo solar, o ,coração, a g~rganta etc. são lugares privilegiados les que pretendem poder colocar-se em estado de morte aparente
para a fixação da atenção em conexão com o confinamento do e sofrer um prolongado sepultamento para retomar em seguida
prâna, Vejamos um exemplo tomando-se o coração como "lu- uma atividado normal, foram objeto, repetidas vezes no passado,
gar": durante a inspiração, é preciso ter uma, sensação de toque de observações acompanhadas de apreciações e testemunhas, que
sutil, que emana da região do coração e se, irradia por todo o não levantam as dúvidas habituais em semelhantes casos. Mas
corpo, como se o fluxo de ar estivesse difundindo-se por todas foi devidamente constatado por registro simultâneo do eletrocar-
as fibras do organismo. Durante a expiração, essa sensação' deve diograma, do pulso e da respiração (Th. Brosse) que permane-
ser recolhida e retornar ao centro do coração. Durante a sus.. cer em' e~tado de parada aparente voluntária das contrações car- ''''-"'

pensão, ela deve ser mantida igual e uniforme em todo o corpo. díacas era possível durante um tempo determinado. As contra-
Por essa forma de atenção no espaço interi.or, uma sensação ções não são suprimidas, mas reduzidas a uma fibrilação, com
sáttvica, isto é, de bem-estar e leveza, penetra todo o corpo e a parada cardíaca sendo aparente porque {) pulso e os ruidos car-
torna o prânâydma agradável e natural. díacos estão suspensos à auscultação 18S:'
O tempo, isto é, a duração de cada prânâyâma, deve ser h Considera-se o prdnâydma como a mais elevada forma de
observado seja repetindo-se mentalmente um mantra numa ca- ascese, que purifica de todas as impurezas e alitnenta a chama '.,.....
dência regular, seja tomando-se a duração de uma expiração do Conhecimento: "Pelo prdndydma, a rede opa.ca que recobre
como unidade, seja contando-se os instantes com os dedos da a luminosidade intrínseca do espIrito (cílta) é gradativamente
mão esquerda ou de preferência mentalmente. Distinguem-se as- dissolvida, e o espírito torna-se apto à concentração 137." ,

136 Y, S.• n. 50. 1l'l(l Médecine et Magie, op. cit., p. 49.


187 Y. S., II, 52·53.
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r· 90 o YOOA
o YOGA CLÁSSIco 91
r Nesse esforço, o yogin caminha contra a corrente, toma a
V. PRATYAHARA: O RETRAIMENTO DOS SENTIDOS
r direção inversa da tendência natural à extroversão:
O yogin deve agora chegar a abstrair-se completamente do .. "O Criador perfurou as aberturas dos sentidos voltadas para
í
mundo exterior: é o "retraimento dos sentidos" (preuyâhâra). As fora, e é por isso que olhamos para o exterior e não para o Ser
(' jnterior. No entanto, um sábio em busca de imortalidade, ao vol-
cinco faculdades de percepção, as cinco faculdades de ação e a
faculdade mental (manas) devem cessar do estar engajadas em tar seus olhos para o interior, descobriu o Eu 1'2."
,seus respectivos domínios de atividade: som, contato, forma, sa- Mas é nessa "subjugação" que reside propriamente o Voga.
bor, odor, palavra, preensão, locomoção, excreção, fruição e 'Cada ser individual é o "mestre de uma parelha". O corpo é a
pensamento. Todas essas faculdades devem ser dominadas em sua 'carruagem, o Intelecto (Buddhz) é o cocheiro ou condutor da
,-~
base, isto é, mantidas unificadas ao espírito. carruagem, a função mental coordenadora (manas) corresponde
"O especialista em Yoga deve de inicio apreender seu órgão às rédeas, as faculdades dos sentidos são os cavalos, e os objetos
mental, como um pescador agarra um peixe que se debate, e do dos sentidos são os caminhos por onde passam esses cavalos. A
mesmo modo sua audição, sua visão, sua gustação e seu olfato" parelha ruim, onde os cavalos são caprichosos e indomáveis, onde
"" .
dIZ o Mah4bMrata L88. Ou ainda, segundo uma imagem freqücn.-
' as rédeas estão frouxas, onde o cocheiro entorpecido, embriaga-
temente empregada: "O yogin retira seus sentidos dos objetos do ou sem autoridade sobre seus cavalos, incapaz de dirigir o
.sensoriais como uma tartaruga encolhe a cabeça e as patas sob .veículo em direção ao objetivo que ele se determina, serve para
a carapaça m." ilustrar a situação do homem comum, que não apenas está sem
Quando os sentidos são assim "desconectados" dos objet~ 'controle sobre seus sentidos, mas governado por eles, indo a toda
externos, imergem, fundem-se no espírito do qual não mais se parte onde eles o levam. O Voga é o domínio de seu próprio veí-
distinguem. Qualquer que seja a direção para a qual o espirito culo psicofisico, e os sentidos, que são os principais fatores de
so volta resolutamente, os sentidos a seguem e pércebem somen- dispersão voltados para o mundo exterior, devem ser restabele-
te o alvo interior ou ~xterior em que o espírito se fixa, "como cidos sob o controle de Buddh/: .
as abelhas voam com sua rainha e pousam quando ela pousa 1.0". "Quando os cinco órgãos cognitivos, assim como o pensa-
O yogin pode então fecbaNe inteiramente às impressões de fora mento, estão em repouso, e quando o Intelecto está imóvel a
c suspender seu poder de percepção em relação àquilo que quer isso se chama a via suprema. g isso que se considera com~ o
excluir de seu campo de atenção. Yoga: um firme domínio sobre os sentidos. Nesse momento o
Liberar-se da sujeição dos sentidos é de importância primor- homem está livre de qualquer distração 14a. "
dial para o yogln, pois slio os poderosos impulsos dos .entidoi Um certo grau de "retraimento dos sentidos" já era requeri-
que constantemente agitam c submergem o espírito. do nos estágios precedentes.. sobre o plano intelectual ético e
O indivíduo não pode absorver-se na consciência pacificada corporal; mas esse retraimento deve agora ser aplicado 'sob uma
do ~u, enquanto não tiver dominado a influência dispersiva dos forma radical, ativa e deliberada.
sentidos. Estes não podem acalmar-se e unificar-se no espírito O espírita- permanecerá então em face de si mesmo tendo
enquanto não estiverem livres da ação dos objetos do mundo ex- sido sucessivamente eliminadas todas as fontes, de distra~ão.
terior. Essa capacidade de abstrair-se não é facilmente obtida
I. Os resultados penosos provenientes de uma conduta
o próprio Krshna o reconhece na Bhagavad-GUd: '
não ajustada às exigências éticas foram eliminados pelos "re-
.;"-.,
"Mesmo o espírito sábio que se esforça em direção à perfei- freamentos";
ção é arrastado, 6 filho de Kunti, pela veemente insistência dos
sentidos 141." 2. as emoções e pensamentos desarmoniosos e desordena-
dos, pelas "observâncias";
laS 232, 15-16.
139 Oh. G.• II, 58. H2 KatIJa-Up., IV. 1.
140 Y. B.• II, 54.
141 BIr. G., II, 60. 143 KatIJa-Up,. VI, ID-Il.
92 o YOOA o YOOA ~ICO 93

3. os tormentos e a agitação causados pelo corpo, por aspectos dos quais o objeto 14~ está investido, mas nunca, pot
meio da postura; associação de idéias, esquecimento, reaparecimento de lembran-
4. as perturbações provenientes de um fluxo insuficiente ças, comentários mentais etc., sair da consideração real do obje-
ou irregular de forças vitais, pela "disciplina do alento"; to escolhido. O espírito que assim permanece empenhado na
5. as distrações provenientes das impressões sensoriais, consideração do mesmo objeto despoja-se pouco a pouco de sua
pelo "retraimento dos sentidos", mobilidade e ganlla proporcionalmente em profundidade e acui- ;;.'

O )'Ogin chega agora às etapas essenciais, centrais,- do Yoga,


dade. O yogin adquire a capacidade de estreitar cada vez mais ..
.....
o foco de sua atenção, como um laço que se aperta ao redor de
por oposição às cinco etapas precedentes. que não passavam de .J
seu alvo. É o que se denomina ekdgratd, a fixação da atenção
preparatórias e externas.
num só ponto. Quando a atenção está perfeitamente centrada e '. ;. ~

imóvel, a concentração (dMranc2) é atingida.


VI. DHARANA: A CONCENTRAÇÃO
".
VII. DHYANA: A MEDrrAçÃo
"A fixação da atividade mental sobre um local circunscrito '.~
é a concentração (dhdrand) 1"." "Ao espírito vagabundo, in- Mas o problema agora 6 prolongar essa fixidez que, nos
quieto, do bomem que desejaria sondar os segredos da terra c primeiros passos da prática, só 6 atingida por uns instant~
anaUsar os mistérios dos céus, o Yoga ensina que a verdade não depois vacila. "Um fluxo contínuo de cognição sobre esse ponto "
pode ser conhecida senão permanecendo-se fixo sobre um único é denominado meditação (dhydna) UT." Durante a dMrant2, a
ponto 145." Em qualquer lugar, mas sobre um "suporte apro,- atenção devia ser c()nstantomente reconduzida ao objcto de con-
priado" (çubhdçraya). Vyâsa dã como exemplo: "Sobre a re- centração, e parecia então uma sucessão de gotas d'água; mas
gião umbilical, sobre o IMus do coração, sobre a luz interna na quando a atenção fixada se toma prolongada e ininterrupta, as-
cabeça sobre B ponta do nariz, sobre a extremidade da Ungua, semelha-se a um. fluxo de 61eo ou de mel, igual e contínuo. ~.
sobre ~utros pontos análogos no corpo, ou então sobre um oojo- assim que Vyâsa define dhydna.: "Um continuad,o esforçomen-
to exterior:' . tal para assimilar o objeto da meditação, livre de qualquer dis-
Na vida ordinária, as idéias nascem, elevam-se e desapare- tração."
cem, mas nunca pennanecem por muito tempo e continuamente Do ponto de vista do Yoga, a concentração que se produz
no espírito, O conteúdo de consciência é assim um fluxo cons- na criação artística ou artesanal, na resolução de problemas
tantemente cambiante, móvel e renovado de pensamentos e do matemáticos, na absorção amorosa, nos exercícios de habilidade
impressões variadas, e cada "turbilhão" de consciência ou onda ou em qualquer atividade profana, está bem aquém do grau e
mental (vrtli) que alimenta esse rio não possui mais que uma da continuidade de concentração requerida na prática do Yoga.
duração limitada, sendo imediatamente substituída por outra. Embora essas formas de concentração ocasionais sejam fecundas,
O movimento do espírito, isto é, essa sucessão ininterrupta de e mesmo na origem das principais aquisições civilizadoras, o es-
ondas mentais, não pode ser interrompido bruscamente; mas pírito não faz senão tocar de leve a natureza essencial do objeto
pode-se confiná-lo em detenninado território, não estando auto- meditado. Elas nunca se exercem com suficiente intensidade,
rizado a exercitar-se além de um domínio circunscrito. duração e método para se tornarem um instrumento de liberação
Uma certa liberdade de movimentos é dada inicialmente ao espiritual.
espírito, mas apenas no interior dessa esfera limitada, e se a A meditação do Yoga (dhyâna) não é uma técnica nova e
atenção escapa, deve ser restabelecida imediatamen te. O espí- diferente da fixação da atenção (dhdranâ) , mas o aperfeiçÓ8men-
rito pode, por exemplo, considerar sucessivamente os diferentes
lHl Por "objcto", entendemos nAo uma coisa. mas o locnl onde se (Lu
1" Y. S.• m. 1. a atenção, seja no Interior oti no exterior do corpo.
w; Radhakrishnan, [ndian Philosophy. II, p. 357. 147 Y. S., III, 2.

----._, - ~ _0_' __ •.. _ . . _ ... _.__ .. _


o Y OOA CLÁSSICO 95
·"... 94 o YOOA

que corresponde perfeitamente a Buddhi antes da cisão provo-


to desta última. Quando o controle sobre a atenção se conso- cada por ahamkdra, o objeto é revelado "tal como é" (yathO
lida, os inumeráveis pensamentos e distrações que intervinham e bhata) , apreendido até na sua essência. Ou melhor, a separação
se imiscufam no espirito, frustrando-o em sua concentração, di· -entre o "eu" e o "isso" desaparece, e o yogin, que se esvaziou
minuem de freqüência e de importância, e a partir daf a lucidez de si próprio, torna-se coincidente com o ser do objeto. Através
do yog/n se intensifica, eliminando toda sonolência, dissipando desse c~nhecimento por identidade, o yogin traspassa o véu das
toda bruma mental, toda sombra, toda reserva, o revelando o aparênCIas e penetra, cada vez que medita, no âmago da realidade.
objeto numa claridade direta e fixa. A meditação conduz ao O samddhi é a etapa essencial do Yoga, ao ponto de Vyâsa
.-". samddhi. lançar rc:pentinamente! definição: "Yoga é samâdhi 100." A pa-
lavra é lOtraduzfvel, nao havendo qualquer equivalente nas lín-
VIII. SAMADm g;tas européias. Não é um êxtase, já que o yogin procede meto-
,-
dicamente e com total lucidez, sem a menor exaltação emocio-
"Quando s6 o objcto meditado resplandece na conscI- nal. ~sa palavra "implica ao mesmo tempo um agrupamento
ência, que parece esvaziada de sua própria forma, tem-se o (pref~xo verbal sam) .de todos os ele~entos constitutivos da per-
samlldhi U8." A concentração é tão perfeita que só o objeto me- sonaltdade e uma pOSição estável (raiz DRA) orientada para o in-
ditado está presente ao espírito que perde toda consciência re- terior (prefixo verbal d); é ao mesmo tempo o "apogeu da in-
flexiva (consciência dele mesmo tal como se apreende habitual- trospec~o", a "c~ncentração perfeita", e a "posição" definitiva
mento e consciência do processo de meditação, como uma coisa, do IOdlVíduo co~slderad? em sua totalidade 101." O neologismo
f"- •
distinta). Produz-se uma espécie de ruptura, e uma outra forma proposto por Mlrcea Ehad~, "ênstase" (en-stasis), para traduzir
de consciência aparece, de natureza iluminadora: "a Luz da a palavra samddhl, sugere sem dúvida da melhor maneira aquilo
Consciência (ou Intuição Espirltual: pralffd) se revela U9.') " de que se trata. e tem a vantagem de excluir qualquer confusão
Em relação a essa forma de consciência luminosa e vasta, a com êxtases. Ta~to é assim que. não somente a palavra é intra-
consciência individual parece limitada. O yogin está, durante
duzíyel, mas ~quJ1o que ,ela designa não pode ser propriamente-
todo o tempo do samddhl, livre da tirania do "eu" (aharnkdra)
exphca~o, pOIS, como dIZ Vyâsa, "o Yoga deve ser conhecido
que limita a consciência e a arrasta a uma agitação perpétua.
" , por m.elo do Yoga, o próprio Yoga conduz ao Yoga. Aquele que
Podemos compreender agora como os tattva descritos pelo
se ap.lIca sem descanso ao Yoga, no final encontra no Voga uma;
Sâmkhya estão. na prática do Voga, imersos uns nos outros no
sent!do invers~ ao de sua emanação: através do pratydhdrd, os
alegria permanente lt52."
sentidos se retiram do mundo exterior e convergem na faculdade
mental (manas); através da dhârand e do dhydna, as modalida- Os fatores de sucesso
des do psiquismo são suspensas o unificadas ao eu individual O domínio do samâdhi depende essencialmente da intensida-
(ahamkdra): no samádhi com suporte, o eu individual se reab- de e. do ardor di> yogin: sua aspiração pode ser veemente média
sorve em Buddhi, o principio de' pura inteligência, sem forma e ou tenue, resultando respectivamente em progressos rápid~, mo-
supra-individual; e mais adiante veremos como, na última forma derados ou lentos. Mas um outro fator é suscetível de J'ntervt'r'
de samâdhi, a própria Buddhi é absorvida no Ser absoluto a devoçao
- 163 do yogm . a Deus (lçvara) , que Vyâsa descreve.
(PuTlJSha) ,
Quando o yogin atinge essa concentração inquebrantável 1 O Y. B, I. 1.
onde perde de vista sua identidade individual, seu espírito torna-
se uno com a natureza essencial do objeto meditado e a duali-
à;.b Jean Varenne, Upanishads du Yoga, p. 42.
Y. B., III, 6.
dade sujeito-objeto parece abolir-se. Nessa consciêdcia unitiva, ~ ~ devoçl1o a Deus é facultativa, pois a prática do Voga gera ne-
ces~arlamente resultados proporcionais à intensidade e à perseverança da-
aphcaçAo. Mas os rogin que adotam esse método complementar encontram
14~ Y. S., III, 3. seu esfo~ço em dlreçAo ao samddh/ facilitado. lçvara. por intermédio-
UI Y. S., m, 5. de seu cltta de puro sattva. desobstrui o acesso ao samádhi.
96 o YOGA o YOGA CLÁSSICO 97

como uma forma particular de amor (bhakti), que suscita a Os sintomas que então aparecem são:. "A dor, o desencora- .~

.graça divina, esta se exercendo para conferir ao yogin a mais jamento, o nervosismo. a inspiração e expiração comuns (em
elevada dádiva espiritual, a inibição do fluxo psicomental. lugar da respiração regulada pelo prdnâydma) 1118."
Nessa forma avançada de lçvara-pranidhdna, não são somen- Para remediar o eliminar as distrações que causam obstá- .•. ,
te os atos e esforços que são ofertados a Deus, mas o próprio culos, Patafijali fornece uma variedade de procedimentos: ..
Deus que é tomado como objeto de meditação, por meio do
pranava (a s(]aba AUM) quo simboliza 1M. A recitação medita-
o
1. Cultivar hábito de sempre concentrar o espírito sobre
"~i
uma s6 coisa por vez.
tiva dessa sílaba, conjugada ao prdndydma, ao manter o espírito
2. Apaziguar o espírito pelo desenvolvimento metódico de
-concentrado sobre seu significado, produz no yogin "a realização
quatro sentimentos, quo são quatro formas do amor universal:
da essência de sua própria consciência e a eliminação dos obs-
táculos (à concentração)" 1M. Como diz o Mundaka-Upanishad, benevolência para com os seres felizes, compaixão com aqueles
que sofrem, simpatia para com os bons. e indiferença diante
"AUM é o arco, o ser é a flecha, o Absoluto é o alvo. Mirando
.atentamente, deve-so penetrá-lo, e tornar-se uno com Ele. como dos maus. ..
.~.

a flecha enterrada no alvo 1(,0." 3 Controlar o alento (prdnâyâma).


o

4. Meditar sobre o espírito de um ser perfeitamente desin-


teressado (o espírito de um sábio. de um santo, de um mestre
.os obstáculos espiritual) .
........
5. Tomar como objeto de meditação as imagens de sonho
Mais cedo ou mais tarde, o yogin é destinado a encontrar
ou o estado de sono profundo. : ..
·obstáculos em seu caminho, antes, e mesmo depois de atingir o 6. Ou então meditar sobre qualquer objeto pelo qual o es-
samddhi. Esses obstáculos que vêm interromper ou desviar seu
pírito tem uma predileção. A atração natural por esse objcto
·esforço, são devidos à atualização dos resíduos subconscientes,
ajuda a concentração. De maneira geral, o tipo de meditação
-das latências, que parecem forçar um retorno quando o yogin
deve convir ao temperamento do yogin.
procura controlar sua atenção. Eles podem assumir diversas for- ... ~
mas, e Patanjali enumera: "A doença, a incapacidade de fixar Além desses meios particulares, a consagração de si mesmo
o esprrito (devido à agitação, à distração ou à inquietude, quer a lçvara suprime todas as formas de obstáculo.
dizer, ao guna rajas), a preguiça (inércia física e mental, devida
ao guna lamas), a não-abstenção (ser arrastado à perseguição dos Os graus do samâdhi
",_.
objetos de desejo), os equrvocos (como crer que se atingiu o oh- .'.0_'.
jetivo quando se está longe etc.), a incapacidade de dominar uma As três últimas etapas do Voga - "concentração", "medita- I:..,.
etapa qualquer do Voga (porque não se aplicam estritamente os ção" e "ênstase" - são inseparáveis, constituindo os diferentes
princípios), ou de manter-se no nrvel atingido (por instabili- graus da mesma experiência. O todo que elas formam é deno- .-. "
...:,:...
dade) m." minado samyama. Praticar samyama sobre determinado objeto
significa efetuar ao mesmo tempo a concentração e a meditação,
1M A relação entre essa palavra e lçvara nllo é considerada como uma
relação convencional e arbitrária, como em geral a dos símbolos verbais
até atingir o samddhi. Samyama é a chave do Voga. Seja qual
com as coisas designadas, mas como uma relação tão real e necessária for o tempo gasto no estudo ou na cultura dos princípios éticos,
quanto a que eJt.iste entre a luz e o foco de onde ela irradia. AUM é o estes não poderiam proporcionar a Liberação. Só a técnica do
'Som primordial, o Verbo eterno (çabda), a vibração da qual o universo samyama pode produzir resultados decisivos a esse respeito. "<...
emanou. Ele reaparece a cada criação como os rebentos brotam das
raízes na eslação das chuvas. Ele foi usado para designar Içvara não O samyama comporta diferentes graus conforme o objeto ao
somente nesse ciclo cósmico mas nos precedentes. Os yogin realizados qual é aplicado e o nível que é atingido. Esses graus devem: ser
'0 "ouvem" por uma audição interior direta. dominados um após o outro, progressivamente, e o yogin não
lr.ll Yo So, I, 29.
1li li II. 4.
1118 Y. S., I, 31.
1(;7 Yo S., I, 30. 11111 Conseqüente à prática de Içvara.pranidhana.
_ .... :-;.~ ...... - .. ----ro~"'·rT...,...- ... • ~t';'!, ...... -.

------------ •••.• _. ' _ 0.•

.ro-

o YOGA CLÁSSICO 99

pode saltar nenhuma etapa, nem abordar graus superiores sem


ter conquistado os graus inferiores ou intermediários. Para essa
tegra, entretanto, há uma exceção: o yogin quo, "pela graça di-
vina (Içvara-prasdda) IDO, atingiu um grau superior, não neces-
sita praticar samyama em relação aos graus inferiores; seria uma
perda de tempo. Se a realização espiritual então obtida não reg..
pella a sucessão das etapas, não é porque Deus demonstre par-
cialidade para com o yogin, favorecendo-o mais que aos outros;
o yogin que concebe a divindade como presente nele mesmo, e
, -- medita constantemente sobre ela, acaba por obter a natureza do
objeto contemplado: pelo próprio fato de sua concentração em
Deus, pelo fato de qu·o se mantém continuamente consciente da
presença divina, ele próprio manifesta os traços de um Purusha
liberado.

I. SAMADHI COM COGNIÇÃO (SAMPRAJ NATA-SA11ADHl)

Seja qual for o objeto sobre o qual o yoguin pratica samyama,


dele obtém um conhecimento integral; é por isso que o samddhi
"...
que atinge é denominado samprajifdta-samddhi: samâdhi (onde o
objeto é) integralmente conhecido. Durante esse samtidhi, o es-
..,. pírito, como um c;ristal transparente, assume inteiramente as ca-
racterísticas do objeto fixado e essa identidade é também deno~
minada "absorção" (samdpattl).
Há três categorias de samprajfiâta-samâdhi, de acordo com
a natureza do objeto meditado, e esses samâdhi devem ser rea.
lizados na ordem ascendente.
.-.
1. Samâdhi sobre o conhecível:
- sobre os cinco elementos cardinais;
- sobre as cinço qualidades sensíveis.
2. Samddhi sobre os instrumentos de conhecimento:
- .externos: as faculdades sensoriais',
'.'
- mterno: o órgão mental (manas).
.",.., 3. Samâdhi sobre o conhecedor:
.~ - o eu empírico, formado por ahamkdra e Buddhi.
A essas três categorias acrescenta-se eventualmente como
..... vimos, /çvara-sam4patti (a absorção em Deus), onde /çv;'a é t(l-
mado como objeto do samyama.
.. 1
O VOGA CL~ICO 101 ''"''
100 o YOGA .; )

Os graus seguintes são os da absorçãe em "objetos suti~". Um


Uma outra classificação dos samprajfidta-samâdhi é a do objelo manifestado é tomado c0n,t0 suporte, .D;las o yogm não
nível de absorção atingido: mais se detém em sua forma extertor. Ele a ut~1Za ~ara penetrar
em 'seus elementos constitutivos cada vez mais sutlS. Pela con- I: .'
.~.

1. Samddh i nocional (savitarka-samâdh i) centração..sobre as qualidades senslveis ,que estão .na base de todo .~

É o samddhi onde a noção do objeto, a palavra que designa o universo objetivo, o yogin vê nos ob]etos. extenores apenas u~
o objeto, e a percepção imediata do mesmo, ainda que sendo conglomerado e uma combinação de propnedad,es so~oras., l~m~­
em si coisas distintas, estão presentes no espírito de maneira in- nosas, tácteis, olfativas e gustativas, e não maIs entidades mdl-
distinta. Por exemplo, quando nos concentramos sobre uma vaca, viduais. . d .
a palavra "vaca", a idéia genérica de vaca, e a impressão senso- O samyama sobre o aspecto sutil da maténa comporta OIS
rial criada pela vaca, são tomadas em bloco. Esse samâdhi é cha· graus que formam as etapas seguintes:
mado "nocional" porque associações verbais e lógicas ainda estão • ;,;..1
misturadas. O objeto é "integrado na série· das representações an- 1. Samâdhi com diferenciação (savicára-samddhi)
teriores, localizado por relações extrínsecas (nome, dimensão, Nessa absorção, há conhecimento das determinações elemen-
uso, classe) tOO, e o pensamento e a palavra ainda estão alia- tares sutis (tanmdtra: princípios do som, da luz etc), mas so-
dos à impressão direta, mente em suas propriedades presentes, manif~stadas no objeto,
condicionadas pelo espaço, o tempo e a causahdade. .
2, Samâdhi isento de noções (nirvitarka-samâdhi) O yogin não tem conhecimento do que foi ou IX>?ena s:r o
Quando a memória do significado convencional das palavras elemento sutil, mas apenas de seu estado presente, diferenciado
desaparece e as idéias formadas por comunicação verbal ou por dos outros estados,
inferência se apagam, o objeto em si, despojado de toda re-
presentação mental, é revelado. Esse samâdhi é uma percepção
2. Samádhi sem diferenciação (nirvicâra-samâdhi)
direta, não influenciada por nenhum modo' de conhecimento in- Essa absorção gera um conhecimento das qualidades elemen-
direto tal como o raciocínio ou a autoridade da tradição. Nele, tares sutis que englobam todos os seus estados passados, presen·
o objeto contemplado é conhecido "ao mesmo tempo como· uma tes e futuros isto é, a totalidade das transformações e mutações
unidade, isto é, formando um todo, e como uma reunião especí- de que são ;uscetfveis. Através dessl~ conhecimento que abrange
"J
..: .
fica de átomos" 101. todas as propriedades dos tanmâtra, em todas as .cond!ções. espa-
Esses dois tipos de samâdhi versam sobre objetos dit0s "gros- ciais e temporais, o yogin absorve-se no próprio pnncípIo do
:seiros" IG3, isto é, compostos pelos cinco elementos. É' normal tanmdtra, anterior a toda manifestação diferenciada.
.'~'

.que o yogin aplique de início o samyama a objetos grosseiros, pois Em seguida vem a concentração sobre objetos ainda mais
como diz Vâcaspati Miçra: "Do mesmo modo que um arqueiro, sutis que os tanmâtra: sobre os "instrumentos de conhecimento",
quando principiante, traspassa de início um alvo grosseiro e em isto 6, os órgãos sensoriais (jffânenàriya) e o órgão mental
seguida um sutil, assim o yogin, quando principiante, tem a rea- (manas). O samyama praticado sobre eles produz um "sam8dhi
lização direta meramente de objetos grosseiros de meditação, marcado de beatitude" (sdnanda-samâdhí). O apaziguamento .J

constituídos pelos cinco elementos ... e. s6 em seguida de objetos completo dessas funções cognitivas traz, com efeito, uma felici·
sutis 163." ... ,. dade maior que qualquer atividade onde poderiam 'estar engaja-
das. Essa felicidade extrema que invade o espírito e os sentidos
100 Mircea Eliade, Patafliali et /e Yoga, p. 85.
é o sinal de que o guna sattva ainda está mesclado a uma: peque-
lGl Y. B., I, 43. níssima porção de rajas.
162 AJJ localizaÇÕes no interior do corpo fazem parte dos objetos "gro!-
SlC.Íros", já que implicam a sensação do corpo grosseiro.
O yogin se concentra então sobre um alvo ainda mais sutil,
o sentido de individuação (aharnk8ra), e, por fim, sobre o Inte-
t63 Tattva-Va/çdradr, l, 17.
,~-----------

102 o YOGA o YOGA CLÁSSICO 103

]ecto (Buddhl). A sutileza atinge seu linúte em Prakrti, em quem to 164." Por fim, o yogin que está firme no discernimento entre
<>s guna se tOqJam não-manifestados, e que portanto não pode Buddhi e Purusha obtém a onisciência e a onipotência.
ser tomada como objeto de concentração. A mais elevada forma Esses poderes são obstáculos em relação à realização últi-
de samprajfl4ta-samâdhl é o samddhi sobre o sentimento do "Eu" .. ma, mas perfeições em relação ao conhecimento ordinário. Eles
~. 1
(sdsmita-samâd~z), onde a pura consciência do "Eu", despojada ~ncorajam o yogin a preservar e reafirmam sua fé no poder do
,., : de qualquer atrIbuto, al~m at~ mesmo do sentimento de beatitu. Voga 16l1. Mas também constituem uma tentação para o yogin.
de, 6 tomada por objeto de concentração. :a o samddhi sobre "o pois este arrisca-se a' instalar·se numa condição "divina" qu.e
conhecedor", esse conhecedor que não 6 o próprio Purusha, mas ainda não ~ a Liberação. Se faz uso desses poderes sobrenaturais
lO' . Buddhi, que assume a forma do Purusha, e que passou a ser do- para fins' p,rofanos, a possibilidade de adquirir o verdadeir~ d?,,"
minada inteira e unicamente pelo guna sattva. mínio, a 'Liberação, se fecha para ele. Só uma nova renunCIa
A Todas e~sas etapas do samddhi com cognição (samprajfídta) lhe permitirá ir mais ·além.
tem um obJcto por suporte; seja qual for sua sutileza, de-
pend.em de algo para desenvolveNe; eis por que são de. Perfeição do samprajóâta·samâdhi
nomlnadas samddhi "com suporto" (sd/ambana), samddh i
·'com semento" (sab1ja). Quando é atingida a competência em todos os graus do
samprajfidta-samâdh/ e o espírito está perfeitamente dominado,
'. capaz de fixar-se à vontade sobre ? infinitamente peq~eno ~ o
Os poderes supranormais infinitamente grande, sobre o atÔmlco e o macrocósmlco, relDa
(0 ,
Duranto esse período de aperfeiçoamento gradativo do s~ 'uma ,calma o uma transparência absolutas nas profundezas da
:alma (adhydtma) 160. Todas as impurezas que velavam a lumino-
mddhl, todos os tipos de poderes supranormais (literalmente
sidade de Buddhi são eliminadas, e aparece um fluxo transpa-
slddhl: "realizações", ou viMati: "manifestações de poder")
rente de iluminação e de quietude, isento de menor impressão
podem aparecer no yogin, e Patanjali dedica seu terceiro capítu.
,de rajas e de tamas. A pureza de Buddhi atinge um tal grau que
lo à enumeração de bom número deles. Por exemplo, praticando parece igualar-se à do Purusha. Quando o yogin alcança assim
samyama sobre as impressões latentes, o yogin obtém o conheci- o mais elevado grau de desenvolvimento possível do espírito
mento de suas vidas passadas; praticando samyama sobre seus , (ci/ta), ele detém o poder de conhecer todas as coisas verdadei-
pensamentos, pode ler o pensamento dos outros; pelo samyama ramente, de modo simultâneo, fora de qualquer sucessão crono-
sobre o kannan, obtém o conhecimento da hora de sua morte; lógica, e globalmente, em todos os seus aspectos, "como o ho-
...... ' ~lo samyama sobre a amizade para com todos os seres e outras I mem do cume da montanha vê tudo o que se passa no vale".
Vlrtudes, obtém a perfeição em suas virtudes; pelo samyama Esse conhecimento não se eleva parcialmente, por fragmentos e
sobre a força de um eJefante~ do vento, ou de um ser divino,
I

acumulação, como o conhecimento ordinário, mas abrange a te-


1'--;--" obtém. a mes~a força destes; dirigindo a luz da percepção supra- talidade do conhecível ao mesmo tempo. É esse tipo de conhe-
seDsonaJ, o~tem o conhecimento de objetos sutis, ocultos ou dis- cimento quo os sábios comunicaram ao mundo sob a forma de
tantes;..pratlcando s~myama sobre o Sol. (o ponto, no corpo, cha- Textos Revelados (çruti). Esse conhecimento é rtambhara, "car-
mado porta do sol ), obtém o conheCImento das regiões cósmi- regado de Verdade", não comportando nenhum traço de equívo-
cas; sobre a estrela polar, o· conhecimento do movimento das co, deformação ou imaginação.
estrelas; sobre o círculo umbilical, o conhecimento do sistema As impressões deixadas por um tal Conhecimento opõem-se
corporal; sobre a garganta, a cessação da fome e da sede; sobre " I à formação de qualquer outra impressão e paralisam as impres-
o co~ção, o conhecimento do psiquismo; sobre a relação entre I sões empíricas anteriormente depositadas no psiquismo. Supri~
o ouvido e o espaço, a audição divina; sobre as propriedades dos
~lementos, o domínio destes etc. "Para tudo o que o yogin dese- 1,04 VAcaspatl Miçra, VI, 30.
Je conhecer, .ele deve efetuar samyama em relação a esse obje- • lU cr. Y. B., I, 35.
• 1(;6 cr. Y. S., I, 47.

1

104 o YOGA o YOGA CLÁSSICO lOS ,~

midas assim as impressões samsancas, as modalidades mentais o "Liberado nesta vida" (jivan·mukta)
que surgem destas não mais se elevam. Quando estas modifica- O yogin é e~tão o que denomina um "Liberado-vivo" Uivan-
ções são interrompidas, s6 resplandece o Conhecimento que re- mukta). Ele continua a ter uma existência corporal, porque lhe
sulta do samâdh i, assim como as, impressões verídicas que deixa
resta um resíduo kármico a consumir, assim como a roda do·
no espirito. "Em relação à infinidade do Conhecimento, que foi oleiro continua a girar ainda algum tempo em razão do impulso
aliviado de seus resíduos de impurezas, o conhecível aparece .~
adquirido, mesmo quando o oleiro parou de movê-la e o pote
então como pequeno 161", "como um minúsculo ins~to no vasto
céu 168." já está pronto. Mas ele nada fall, nada pensa, nada sofre sob a
influência de seu próprio espírito; é a todo instante o senhor de
seu corpo, e pode fazê-lo aparecer, como um instrumento a seu
II. SAMADHI SUPRACOGNITIVO (ASAMPRAJNATA-SAMADHI) serviço, ou desaparecer, à vontade. Está definitivamente liberado
de todo sofrimento e de toda dependência. Não mais goza de
Atingindo então um extremo desapego para com o conheci- uma consciência individual, restrita ao eu, ou, na expressão de'
mento integral e perfeito de todo o conhecível, desde os elemen· Mircea Eliade, "alimentada pela sua pr6pria história, mas de
tos perceptíveis até Prakrti, o yogin renuncia até à mais elevada uma consciência-testemunha, que é lucidez e espontaneidade'
forma de samprajfláta-samddhi, a que está estahelecida no dis- puras" 111. Como esse autor, "não tentaremos descrever esse es-
cernimento entre PurzJSha e Prakrti. "Quando até isso for suspen· tado paradoxal: sem dúvida, obtido pela 'morte' na condiçãe>o .~

so, produz-se o samádhi vazio de qualquer objeto (nirbtja) , em humana e pelo renáscimento numa forma de ser transcendente,. '::..)
que estão interrompidas todas as modificações psíquicas 1.~,.," Du- sendo irredutível às nossas categorias" 112. Deve-se somente men-
rante esse samddhi, que é também chamado "sem suporte" (nird- cionar qu~, ap6s a inorte do corpo físico, o Liberado é definiti- -,'
lambona), ou "supracognitivo" (asamprajfl.dta) , o psiquismo vamente retirado da engrenagem dos renascimentos em formas.
(citta) , tendo cumprido sua missão, reabsorve-se, assim como de existência condicionadas.
todas as impressões latentes, em sua causa, o nã~manifestado
(Pralcrti), e s6 permanece a essência do homem (o Purusha). O '
Purusha é liberado da influência do manifestado, "isolado", re-
velado a si mesmo. Em relação a esse samddhi vazio de toda
o

cognição que é o samddhi supremo, o objetivo último do Yoga,


o samddhi com cognição é um "membro exterior", isto é, uma .. '
etapa preliminar. Da mesma forma que, para' encontrar o ende· ':.,-':,

reço de um amigo, precisamos primeiro de indicações externas


(o nome da cidade, da rua, o número da casa etc.), mas, uma ..;..
vez que o conhecemos, dirigimo-nos diretamente para lá sem
prestar nenhuma atenção aos pontos de referência externos, e
assim o yogin é então capaz de entrar diretamente na essência
de seu ser, sem apoiar-se em qualquer fixação de objetos exte-
riores a ele. Rejeitou todo o suporte e realizou sua verdadeira
, "
natureza: "O Isolamento é o estabelecimento da Consciência su-
prema em seu próprio Eu 1'1'0."

1~ Y. S., IV, 31.


1.e8 Y. B,. ibid.
180 Y. S.• J. 51. 171 Le Yoga, immorfalifé et liberté. Payot. Paris, 1954, p. 359. r,
1'0 Y. S., IV, 34. lTl! Id., ibid. y

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J o VOGA DA AçÃo 107

( relegá-lo fora da cidade, como ocorreu no Ocidente, com a eli-


( minação progressiva do sagrado.

.. Inevitabilidade da ação
Antes de mais nada, ensina Krshna, é impossível escapar
completamente à ação, pelo simples fato de se estar vivo:
"Pois nada permanece inativo um instante sequer: todo ser
é inevitavelmente impelido à ação pelas qualidades (guna) de
PraJcrti 11•• II
IV. O Yoga da Ação (Karma-Yoga) "O homem não atinge o estado de não-ação simplesmente
['
por abster-se de agir, nem é tampouco renunciando (às ativida-
des) que alcança a perfeição 1'711. II
o Voga tal como o formulou Patanjali e o explicitou toda Krshna denuncia a hipocrisia de uma renúncia exterior:
a tradição "clássica", constitui sem dóvida a forma emln~n.te, "Aquele que restringe seus órgãos de ação, mas fica parado
plena, "real" do Voga (Rdja-yoga). Mas essa forma se dmge rememorando os objctos dos sentidos, desse homem, que se ilude
antes de tudo a homens que estão em condição de consagrar espiritualmente, diz-se que tem uma conduta mentirosa.
todo o seu tempo e todas as suas energias à prática do Yoga, "Mas, ó Arjuna, aquele que, mantendo os sentidos sob o
isto t essencialmente aos "renunciados" (sannyds/n) , aos que controle ·da faculdade mental, se empenha desinteressadamente
morre;am para o mundo social, para sua trama de atividades e c~m os órgãos da ação no Yoga da ação, esse é eminentemente
obrigações. . superior.
.~.-
Mas o que 6 feito do homem Da sociedade, daquele. ~ue "Portanto, realiza a ação a ti prescrita, pois a 'ação é su-
está engajado na ação, ligado por toda sorte de responsabilida- perior à inação; mesmo tua vida física não saberia sobreviver
des? Deve ele obrigatoriamente tudo deixar, tudo abandonar, ou sem ação 116. II
ver-se excluído do Voga?' Deve o Voga continuar a ser o apa-
nágio dos contemplativos, que se tornam os especialistas? São I. Conformidade com sua própria' natureza, obediência
seus princípios inaplicáveis ao homem na sociedade? ~ sua própria lei de ação (svadharma)
A Bhagavad-Gitâ
1. A ORDEM SoCIAL (varna)
Toda a Bhagavad-Gitâ é consagrada à elucidação dessa gravo
questão, que põe em jogo toda a orientação da própria socie~ado; $o.
Tal é a primeira definição da via da ação: executar a ação
e essa obra inspirada 113 constitui o manual por excelêncIa do que lhe cabe, -sem apego. Pois "mais vale' a cada indivíduo sua
Karma-yoga, Voga da ação, Voga em ação. Ela processa uma pró~ria lei de ação (svadharma), mesmo imperfeita, que a lei de
revisão da noção de renúncia e evita a perigosa dicotomia entre outrem, mesmo bem aplicada. Mais vale perecer em sua própria
contemplação e ação, que tenderia a fazer do Voga um fenô- lei; é perigoso seguir a lei de outrem 11'7."
meno excepcional e raro, fora do domínio da vida comum, e a Para o hinduísmo, a posição em que nos encontramos na
sociedade e a situação que devemos enfrentar em nossas próprias
118 Fazendo parte da imensa epopéia do MahfJbhfJrala, a Bhagavad.GltlJ
põe em cena o guru c gula divino, encamado sob a forma humana de
Knhna, ensinando esse Karma-yoga ao herói humano A~Juna, no. melo 1'7.' Bh. O.. III, S.
do campo de batalha, que slmboU~ a ação em geral. ArJuna, deprimido 1111 Bh. O., III, 4.
e desencorajado, hesita ante o empreendimento e quer a1:landonar a luta, 1111 Bh. O., III, 6-8.
ftfugiando-se numa falsa compreensão da renúncia. 1'r7 Bh. O., m, 35.
108 o YOGA O Y OGA DA AçÃo 109

vidas não são absolutamente o efeito do acaso. Têm uma ligação vaca não é prolífica, e um presente para um imbecil é desper- .....'
profunda, ainda que indiscernível. com nosso próprio ser, .não dício 180." I' I i
sendo senão a frutificação de nossos atos passados. . O kshatriya, que detém a função política. executiva.' defen~ ,,
O primeiro preceito é não procurar escapar às condições que siva, está encarregado da aplicação das normas ideais à realidade .~

.r o '
nós mesmos atraímos, mas assumi-las plenamente, executando a terrena, e da proteção das pessoas e das coisas. Para exercer ~'/

função de que nos investimos. sabendo seu lugar apropriado nesse essa função, é seu dever empregar a força legal, o castjgo. lite-
grande corpo que é a sociedade. A sociedade indiana tradicional, ralmente "o bastão" (danda); pois, na ausência do castigo, a lei
não o esqueçamos, baseia-se em princípios opostos aos de ·nossas da selva prevaleceria. "Se não houvesse sobre a terra um rei com
..,
"'-.:y

sociedades modernas. Para ela, é impossível haver igualdade e o bastão do castigo. os fortes assariam os fracos como peixes na
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liberdade, desde que haja uma sociedade. Todos OS homens são lança 181." O castigo "deve ser administrado incansavelmente e
diferentes, situando-se em diversos planos na imensa escala da sem falhas, pois o erro é aqui tão fatal quanto a ausência de
evolução, e todos estão ligados por obrigações para com os castigo: todos dois ~onduzem à corrupção das vama, à ruptura
outros, todos são interdependentes. "Trata-se antes de tudo de dos diques, à guerra de todos contra tudo. Portanto o rei deve
ordem, de hierarquia. e cada homem em particular deve contri- temer seu próprio poder: -aconselham-no longamente SlObre as
buir por sua vez para a ordem global 1'7s." vias ·e os meios ,de evitar a injustiça, pois esta o destruiria 182."
Não há portanto um dever "padrão", idêntico para todos, Portanto, a lei de ação do kshatriya comporta o emprego legíti-
um modelo que sirva para nivelar todos os seres. Os direitos e mo da violência. E não esqueçamos que é um kshatriya que se
dirige Krshna. provando-Ihe que em seu caso, considerando-se ,
deveres variam de acordo com as condições: as épocas c6smicas •." ;J
(yuga) , o lugar, o tempo, as circunstâncias. o temperamento. a sua vocação de kshatriya, a abstenção da ação s6 pode ser inter-
vocação, a fase da vida, o sexo. os meios etc. O que é justo para pretada como covardia e omissio. A ética do kshatriya, como a
do samurai japones, inclui a destreza, a retidãa, a lealdade. a
um homem pode ser pecado para outro. Assim como a forma
generosidade. o autodomínio e o heroismo, isto é. todas as qua-
das imagens divinas está prescrita nos tratados de iconografia
lidades próprias 'à ação. Por isso o karma-yoga é a via que lhe
(Çilpa-çâstra) , a dos atos humanos é regulada pelos Dharma-
corresponde particularmente. Todas essas qualidades são sem dú-
çâstra, que ensinam a ciência da aplicação dos princípios à va-
vida' necessárias também à meditação. da qual formam o ele-
riedade das situações particulares.
mento de virya (energia. determinação, precisão), s6 que nesse
Perderíamos muito tempo se iniciássemos uma exposição,
caso estão presentes de modo interior, invisível; ao passo que. na
mesmo resumida, dessa ciência; mas lembremo-nos apenas de
ação. elas se. desdobram na dimensão espaço-temporal, de modo
que o dever que cabe a cada indivíduo (svadharma) é determina-
exterior, teatral.
do primeiramente pela ordem social a que ele pertence. So se
Da mesmo forma, para o vaiçya (membro da categoria dos
pertence à categoria (vama) dos brâmanes. o dever indicado
'. criadores de gado, ~gricultores e comerciantes), a produção. a
comporta entre o,utras coisas o estudo e o ensinamento dos Veda,
acumulação e a distribuição das riquezas fazem parte integrante
isto é, a transmissão do conhecimento em toda a sua pureza e de seu svadhanna. Mas qualquer que seja a ocupação a que nos
integridade, e sem deixar que se perca o sentido profundo. "O entreguemos. não convém ver nesta um meio de assegurar a nossa
nascimento de um brâmane é uma eterna encarnação da lei sa- subsistência e de procurar obter vantagens pessoais, mas antes
grada. Pois nasceu para cumprir a lei sagrada e tornar-se um
de tudo um meio de colaborar. um serviço prestado ao conjunto
com a Realidade Suprema 170." Dizem-nos que "um brâmane
dó corpo social. A prosperidade e a expansão de cada indivíduo
que não conhecesse os Veda seria tão inútil e imprestável quanto
resultam naturalmente do devotamento de cada um a todos. O "~

um eunuco com uma mulher é impotente, uma vacá com uma

1.80 Manu, II, 158.


Louis Dumont, Homo HlerarchicuJ. N. R, F., Oallimard, 1966, p. 23.
1':"8 181 Mahabh4rala, XII, 67, 16.
ln Manu, I, 98. 182 Louis Dumont, Homo Hierarchlcw, p. 365.

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O YOGA DA AçÃo 111
110 o YOGA
ao nascer, pelo próprio fato de aceitar o dom da co~dição hu:
dhanna é o que mantém ligados os seres pelos laços dos direitos
mana, e as possibilidades de experiência que ela permIte, contraI
e deveres mútuos. É a lei da coesão interna (cf. em latim a re-
um dívida tripla:
lação entre [ex: a lei, e ligare: ligar) que mantém um organis- ... 1. A dívida para com os deuses(deva-ma), quer dizer, para
mo individual, social ou cósmico na sua forma própria, e o im- com as forças cósmicas que fornecem ao indivíduo o ambiente
pede de despedaçar-se ou de degenerar. Obedecer a seu svadhar-
natural, a terra, o ar, as águas etc., e seu próprio corpo.
ma é estar consciente desse laço e assumir de plena vontade seu
2. A dívida para com os ancestrais (pi/r-ma): próximos e
papel específico nesse conjunto, dando-se primazia ao bem geral.
distantes, os ancestrais fornecem a qualidade específica da espé-
I~ I É também estar consciente de suas capacidades, cle sua vocação
cie humana, veiculada por meio do sêmen.
própria, de modo a servir à sociedade dando o melhor de si
~,--- , 3. A dívida para com os sábios (rshi-rna): sábios, mestres
mesmo, e não aquilo para o qual não se é feito. O intelectual
serve por sua reflexão, o ativo por sua ação, o artista por sua espirituais, inspirados, eles transmitiram a civilização, o conhe-
arte, o artesão por seu trabalho etc.; o essencial é que reflexão, cimento dos valores superiores, e sem eles a existência humana
ação, arte, trabalho nãp sirvam a fins pessoais, mas sejam diri- não passaria de animalidade e barbárie.
gidos aos fins imediatos ou últimos do corpo social em sua tota- Antes de procurar qualquer coisa para si próprio, o bomem
.,.-
I
lidade, e que ninguém usurpe uma função para a qual não tem deve primeiramente pagar essas três dividas, a fim de que sua
aptidão. passagem sobre a terra não seja uma fonte de depredação e
que possa, na hora da morte, deixar o mundo num estado, se
Não se pode, na 1ndia tradicional, fugir a ess!l trama de re-
lações e de interdependência em nome de um simples desejo de não melhor, pelo menos tão bom quanto aquele em que o en-
tranqüilidade e de liberdade pessoal,' mas somente em nome de cçlDtrou. Para isso ele deve:
(
um dever mais elevado, ainda mais exigente. Não se pode aban- I . Oferecer sacrifícios segundo sua capacidade, para sal-
r donar a atividade social e colocar-se cm busca do objetivo derra- dar :.ua dívida para com os deuses. O "sacrifício" é considerado
(" deiro da vida, a liberação (moksha) - entrando-se diretamen- num ~entido bem extensivo, pode tomar emprestado múltiplas
te 188 no que constitui normalmente a quarta fase da vida: o fórms.s e não é para' ser interpretado apenas de forma ritual.
estado de renunciado (sannyc2sa) - isso s6 é possível quan40 se Veremos que, finalmente, "o cumprimento perfeito de nossos
está verdadeiramente maduro interiormente, se o apelo é irresis:" trabalhos, quaisquer que possam ser, é em si a própria celebra-
tível, e se não so deixa os seus na miséria ou numa situação ção do rito 18'''.
crítica. Se essas condições não estão reunidas, a liberação que :2 Gerar uma criança, dar-lhe ou fazer com que lhe dêem
se deve procurar não é a liberação da atividade, mas a do de- uma educação completa e apropriada, iniciá-la na profissão dos
sejo. Ganha-se mais em cumprir perfeitamente a ação, de forma p~LÍs. Prolongando-se assim a descendência e transmitindo-se o
impessoal, sem desejo, sem se atingir um resultado, uma recom- cbnhecimen't"o, salda-se a dívida para com os ancestrais. "Urna
pensa ou uma aprovação, do que em querer desembaraçar-se da descendência familiar encontra seu fim, não quando ,os descen-
ação. O Mahâbhârata põe-nos de sobreaviso: o desejo, a cobiça dentes faltam (a-- adoção nesse caso pode suprir), mas quando a
(k4ma) estão emboscados, ocultos por trás da aspiração à pró- vocação e a tradição da família são abandonadas 185."
pria liberação, para confundir aquele que não desconfia o bas- 3 . Estudar o Veda ou pelo menos um "ramo" do Veda, e
tante de si mesmo. eventualmente uma das ciências e das tradições ou uma das artes
que a eles se relacionam. Quita-se assim a dívida para com os
2. As TUs DívIDAS s~bios.
I
Tal é a ação (karman) que cabe tanto aos vaiçya e aos
Como se pode ainda dizer que um homem não está livre, kshatriya quanto aos brâmanes.
que está ligado por obrigações? Para a 1ndia antiga, todo homem,
18' Ananda CoomBraswamy, Hindouisme et Bouddhisme. p. 53,
183 Como o fizeram Buda e outros kshatriya. 11lll Id., ibid., p. 58.
....
112 o YOOA
o Y OGA DA AçÃo 113 _.:;:

3. A FASE DE VIDA (dçrama)


des não pelos meios que põem em ação, mas por seu efeito, que
é purificar a consciência de todo o mal.
o svadharma se diferencia também conforme a "fase de 1. Quando se faz uma oblação no fogo, nem que seja
vida" (âçrama) em que nos encontramos. A vida humana-6 di- apenas um pedacinho de madeira, o sacmício aos deuses (deva-
vidida em quatro fases. A primeira é o estado de estudante yajfia) é cumprido. .....
. ...~

(brahmacarin), período de estudo, de purificação, de disciplinaI 2. Quando se recita nem que seja uma só estância, uma
a segunda é o estado de casamento e de atividade profissionàl só fórmula ou uma s6 melodia do Veda, o sacrifício à PalaVTa
(grhastha), com suas respectivas responsabilldades e seus dinili- sagrada, ao Conhecimento (Brahma-yajfia), que honra os sábios, "
" ....
.
tos; a terceira é o estado de retiro (vanapra.~/ha), inicialmente (~hi) 6 cumprido. '
num eremitério na floresta, e de introspecção, simplicidade, e re- 3. Quando se oferece nem que seja uma libação d'água
lativa pobreza; a quarta é o estado dI:' renúncia total (sonny"sa). pura acompanhada de montra, aos ancestrais, o sacrifício a estes
Cada fase comporta suas tarefas, obrigações e ética próprias. As é cumprido.
duas primeiras são obrigatórias, as duas ú1tima~ facultativas. Mas 4. Quando se oferece uma parto do alimento cotidiano,
não se pode normalmente IlWl pensar na rem1ncia antes de ter antes de tomar a refeição, depositando-o próximo à soleira da
passado pelas duas primeiras fases e de ter culnprido os deveres porta., o sacrifício aos seres vivos (bhata-yajfia) é cumprido.
correspondentes. Cachorros, pássaros, serpentes etc., todos os seres devem ser
"Que aquele que atravessou todas as fases uma após a outra, , honrados.
tendo ofertado os sacrifícios, controlado seus sentidos e quitado 5. 'Quando se recebe um hóspede com hospitalidade, o sa-
suas três dívidas de nascimento, dirija seu espírito à busca da crifício aos homens (monushya-yajffa) é cumprido (não diaria-
liberação 187." mente, mas cada vez que um h6spede se apresente, ou que se
No entanto, Manu é categórico: dentre as quatro fases, a possa partilhar a refeição com um convidado).
do estudante, do chefe de família (grhastha, literalmente, aquele
"que reside numa casa", isto é, leva a vida da, famflia) do ere- Esses cinco '~grandes sacrifícios" se opõem aos outros pelo
mita e do renunciado, é a fase de chefe de família qu; é supe- fato de serem obrigatórios, não necessitando qualquer aparato,
ri~r, posto que é ~le quem sustenta todas as outras. É portanto nem li ajuda de assistentes. Eles devem ser continuamente reno-
]fClto procurar a lIberação sem abandonar a vida ativa. vados. Em Manu, apresentam-se como a reparação feita para su-
plantar os pecados de violência cometidos na vida diária mani-
pulando-se instrumentos como o forno,' a mó, o pilão e o almo-
4. A OBRIGAÇÃO SACRIFICIAL fariz etc., quer dizer, fazendo a matéria sofrer tratamentos vio-
lentos.
Fora de suas atividades profissionais todo "chefe de faoú- "Aquele que não alimenta estes cinco: os deuses, seus hós-
lia" é obrigado a executar diariamente ~ título pessoal um sa- pedes, os seres vivos que tem a responsabilidade de sustentar, os
crifício quíntuplo, que é uma outra fo;ma de pagar "a; três dí- ancestrais, e seu próprio ser, esse homem é um morto-vivo 188."
vidas". Esses cinco "grandes sacrifícios" (mahd-yajlia) são gran- Vê-se que a vida ativa em si é já concebida como uma ati- v.
vidade que culmina no sacrifício e na doação. "

18e Ex.celo no caso de vooação excepcional, mas a lei geral é aquela


u
do cammhar progressivo. A renúncia e a continência não são requeridas· II. A ação desinteressada
a um adolescente "que não gozou avida", e arrisca-se porlanlo posterior-
menle n ~er desviado de seu caminho pela fascinação dali prazeres dos 'o..jf
sentidos e o despertar de necessidades insatisfeitas, mas a um homem
maduro, experimentado, que "passou por isso", que portanto nio espera
o karma-yogin encontra, no próprio seio da atividade que
mais nada dessas coisas e pode entregar-se totalmente a um objetivo mais lhe cabe por função ou vocação, a mesma liberação que ore·
elevado.
lB7 Manu, VI, 34-35. 188 Manu, lU, 72.
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( 114 o YOGA o YOGA DA AçÃo 11S

nunciado atinge na imobilidade da postura e no retraimento dos m. A ação consciente


sentidos. Seu segredo é simples: a liberação é renúncia ao' dese-
jo egoísta. Mas como chega o karma-yogin a essa equanimidade? Ini-
"Sem apego, cumpre sempre o trabalho que deve ser feito; cialmente pelo Conhecimento: . .
r pois fazendo' o trabalho sem apego o homem atinge o su.pre- "Quando todas as açóes são efetuadas mtelramente pel~s
mo ue." qualidades da natureza (os guna de Prakrtf), o homem cUJa
"Aquelo que cumpre o trabalho que lhe cabe sem nenhuma compreonsão é desviada pelo egofsmo pensa: 'Sou eu quem age.'
preocupação com os frutos do trabalho, este 6 o sannydsln e o "Mas ó guerreiro de braço poderoso, aquele que conhece
yogin, e não o homem que não alimenta mais o fogo do sacri- os verdadeiros princípios das categorias de modalidades (guna)
fício e não possui mais penhuma atlvidade,lt1O." e de ações (karman), compreendo que são as fo~as que. ~gem
A renúncia não é abandono das aç5es, mas dos resultados, e reagem uma sobre .a outra, e neles não se delXa apnslOnar
'.
que creditamos para nós mesmos: pelo apego 106."
"Tens direito à ação, mas somente à ação, e jamais a seus Ele sabe que seu ser verdadeiro (Purusha) é distinto de
( frutos; que os frutos de tuas ações não sejam de modo algum todo o mundo manifestado" não-agente e imutável. Em~nha-se
na ação com os órgãos da' .ação e as faculdades mentaIs, mas
( tua motivação; e portanto não permita em ti qualquer apego à sem se identificar, pois a Testemunha nele está alerta, o Espec-
inação 181." .
tador não envolvido, que nada pode ganhar ou perder.
Esse Yoga tem como resultado executar todo ato sempre "O homem que fundamenta suas delícias no Eu, que está
com perfeição, por amor à coisa ("o Voga é destreza nas satisfeito com o Eu, e somente no Eu encontra seu contenta-
,r ações U2") e imparcialmente, impessoalmente. mênto para ele não resta nenhum trabalho a executar.
A 'anulação do eu (ahamJcdra), que se busca em todas às "Não há nada neste mundo que ele possa ganhar pela ação
(~
formas de Yoga, exprime-se na ação pela equanimidade: que executa e nada tampouco pela ação que não executa. Não
r "Elo não tem esperanças pessoais, seu espírito e seu ser estão depende de nada nem de ninguém 10T." É por isso que pode
perfeitamente sob seu controle, rejeirou todo sentido de posses- agir com perfeito desapego, unicamente pelo bem das criaturas.
sividado ... "Assim como aqueles que, não sabendo, agem com apego à
"Satisfeito com o que lhe cabe sem que o tenha procurado, ação, ó Bhârata, aquele que sabe deve agir sem apego, tendo
tendo superado as dualidades, não invejando ,a ninguém, igual somente como motivação a proteção dos mundos 108."
no sucesso e no insucesso, não é acorrentado mesmo no momen- A liberação do desejo s6 se realiza à medida que o homem
,y' to cm que age le3."
é capaz de estar plenamente presente e consciente em sua ação.
É o Yoga da igualdade da alma: uNão se regozija quando
recebe o que é agradável, nem se aflige quando recebe o que
é desagradável U4", "vê com os m.esmos olhos o torrão de terra IV. O heroísmo
r' o o ouro", "o aIJ?igo e o inimigo, o justo e o injusto 195" etc.
;...-; ;
Mas para chegar a esse desinteresse, não basta o Conheci-
mento, é necessário também um heroísmo de combatente, para
aniquilar em si mesmo "a grande voracidade, a grande mácula:
188'Bh. G., III, 9.
-8 avidez e a cólera, filhas do guna rajas, que são o inimigo por
ao Bh. G., VI, 1.
III Bh. G., II, 47. excelência aqui neste mundo".
1~ Bh. O., II. .s0.
......... - Bh. G., IV, 21-22.
{-:-<J.
18t Bh. G., V. 20. 10e Bh. G,.· m, 27.
190 Bh. G.,. VI, 8-9. ln Bh. G., III, 17-18.
1M Bh. G., m, 25.
116 o YOOA. o YOOA DA AçXo 117
... •• .J.
"Como o fogo é encoberto pela fumaça~ o espelho pela poei· "Isento de apego,· liberado, o espfrito firmemente estabele-
ra, o embrião pelo âmnio ... , envolvido está o. Conhecimento, ó cido no Conhecimento, executa as obras como sacrifício '01:'
filho de KunU, por esso inimigo eterno dos sábios, esse fogo .."Fazendo-se as obras de outra forma que não como sacrifí· ....;.
insaciável que tem a forma do desejo. cio, este mundo dos homens permanece acorrentado pelas obras;
"As faculdades sensoriais, mentais e o intelecto são sua sede. execute as obras como sacrifício, ó filho de Kuntt, liberando-te
Através deles encobrindo o Conhecimento, desvia-so o ser en•. de todo apego 202."
camado. Vimos que os deveres específicos prescritos a todas as castas
"Também, ó tu, o melhor dos Bhârata, desde o-início domi•. já instilavam essa noção do sacrifício, oposta à tendência ego- .,
nando os sentidos, abata esse malfeitor, destruidor do Conheci. cêntrica. Cada um deve pensar de início em cooperar segundo
mento e do Discernimento! 199" seu poder para com ~ ordem social e cósmica, e a prosperidade
. Nesse sentido o Karma-yoga é a transposição espiritual da geral segue-se automaticamente, da qual cada um se beneficia.
VIrtude do kshatrlya. Cada um deve ser para si seu próprio ao passo que so cada um buscar e reivindicar em primeiro lugar
1cshatriyfZ' assumir a função real em relação à sua própria vida, seu próprio bem, contra tudo e contra todos, a sociedade não
na medIda em que ele é o senhor de suas atividades e de seus passará do empurrões, conflitos, mis6ria para todos. Toda a ci- I
~

~pet~es. O kshatriya é responsável por este mundo, ele opera a vilização indiana é fundamentada sobre o simbolismo do sacri-
fício, que instaura Uma competição para oferecê-lo. O fogo sa- o:;
Junçao entro o Céu e a Terra. Graças a ele se processa a descida
da perfeição dívina ao nível terrestre e material. Da mesma crificial no qual é lançada a ablação representa esse Fogo trans-
forma no plano individual, é por essa virtude, essa virilidade de mutador em que cada um deve clferecer seu egoísmo, sua própria
kshatriya. que a sabedoria e o conhecimento cessam de ser teó- natureza isolada. O sacrifício processa assim a reunificação do
ricos e são aplicados efetivamente aos atos. Isso não sucede sem cosmos, dividido em um número de parcelas igual ao de "eus"
certa coerção, ou ao menos regulação, pois a turbulência dos individuais; restabelece a unidade primordial. A oferenda da
sentid~s e a insaciabilidade dos desejos não têm limite. O parte representa em realidade a oferenda de si mesmo. Ora, todo
kshatnya é aquele que impõe um limite, aquele que diz: "Não ato, todo serviço, pode ser intorpretado em termos de oferenda, :)
só até aqui mas não aléml", e nesse sentido é o oficiante, aquel~ de sacrifício. E a lei da reciprocidade faz com que "aquele que
que monta guarda junto ao sacrifício (obfacere: dizer não .i
oferece o sacrifício saiba, qualquer que seja a razão pela qual
obstar = oficere: oficiar), que protege com sua espada o cfrcul~
o oferece, que receberá em troca a mesma medida, ou antes
sagrado. Sem a presença heróica do kshatriya, o mundo está en-
tregue aos ferozes apetites dos mercadores e à invasão dos egoís- medida superior, pois se seu tesouro lhe é limitado, o da outra
mos cegos. Assim, é por esse heroismo em face de si próprio parte é inesgotável 203". Oferece seu eu limitado, o recebe em
qu.e o karma-yogin ordena sua própria vida e permite ao Eu troca a participação no Ser total, no Um indivisível. É por isso
remat sobre o eu. que se segue inelutavelmente que "aquele que oferece o sacri-
fício abre-se agora mesmo neste mundo e no outro :»i". ... I -
Aquele que executa as ações de forma desinteressada, re- ",
V. A ação como sacrifício nunciando ao "eu" e ao "meu", como uma oportunidade de ser- :<
vir e do oferecer, ele sozinho sacrifica, no sentido literal, isto 6,
_ As.sim que o ~u é conquistado, "todos os empreendimentos "faz atos sagrados" (sacra lacere), pois "toda ação executada
,.
"

estao h~res de proJetos alimentados pelo desejo, e as obras são com perfeição foi necessariamente executada com amor, do
'.
(
consumIdas_pelo fogo do Conhecimento 200"; toda ação do yogin
assume entao o valor de uma atividade sacrificial:
201 Bh. a., IV, 23. .)
~ Bh. a., III, 37 a 41.
202 Bh. a., UI, 9.
203 A. Coomaraswamy, Hindoui3me et Bouddhisme, p. 45.
200 Bh. a.. IV, 19. 2il. Taittirfya-Samhitd. V, 5, 2, 1.
..... ~.-_. . ~ .~_ ..-

r
r 119
o O Y OGA DA Aç1..o
:r
, 118 YOGA

executado. Cada função da vida toma-se um momento do sacri-


mesmo modo que toda ação mal feita o foi sem esmero 2Orí." É
fício, e mesmo os atos de respirar, de comer, de beber, de falar
assim que Krshna formula a lei eterna:
"Pelo Sacrifício, alimenta os deuses, e deixa os deuses te e de calar-se podem ser vividos como uma "sessãoritualística"
"ininterrupta. O homem atinge então a mesma categoria que a
alimentarem. Um pelo outro sendo alimentados j tu atingirás o
l'-- Divindade, o PuruslUl supremo que cria, sustenta e destrói con·
objetivo supremo. tinuamente o mundo por meio de sua Prakrti, sem que essa
,, . "Alimentados pelo sacrifício, os deuses te darão as alegrias
atividade incessante o aprisione, sem que ela afete sua imutabi-
desejadas. Aquele que goza as alegrias deles recebidas sem nada
oferecer-lhes, esse é na verdade um ladrão 206." lidade essencial.
. Tudo o que se consome, tudo o que se goza, tudo o que se
come, é inicialmente ofertado ao princípio divino e uma parte
,- . disso é simbólica ou efetivamente retirada para ser ofertada. O
que resta é considerado como prasdd, sobras de sacrifício, o que
a divindade vos restitui de vossa oferenda acompanhando-o de
SUh graça.
"Os bons que comem o que sobra do sacrifício são liberados
de todo pecado; mas são maldosos e usufruem do pecado aqueles
que cozinham o alimento s6 para si 207."
Essa graça, essa bênção, essa abundância que se derrama
sobre aquele que consagra assim aquilo que usufrui, considerando-
o como c~i~a recebida e não como coisa tomada., compara-se à
chuva fertilIZante que vem do céu, como uma resposta à fuma~
ça do sacrifício que se eleva aos céus. Essa chuva penetra a
terra e as plantas, e estas nutrem os seres vivos. É esse ciclo
c.6s~!co, feito de d~divas recíprocas, que se deve preservar. .
. Aquele que nao segue neste mundo a roda assim posta em
movImento, perverso é seu ser, sensuais são suas delícias e em
vão, ó Pârtha, vive esse homem 208." '
.Se cumprido~ nesse espírito sacrificial, os nossos trabalhos,
q~alsquer que seJa~, tomam .0 valor de ritos. Não há obra 'que
cc . ~eJa 'pequena, sem Importância, se consagrada por essa atitude
mterlor: "O sacrifício, assim entendido, não consiste mais so-
J1!ente no cumprimento em certas circunstâncias de atos especi·
flcamente sagrados, mas em sacrificar [em tornar sagrado] tudo
o que fazemos e tudo o que somos ... Cada função, desde a do
sacerdote e do rei até a do· oleiro e a do vwrredor, é literalmen-
,',-- te um sacerdócio, e toda ação um rito 209." O que conta não
é a natureza do trabalho, mas a maneira e o espírito no qual é

A. Coomaraswamy, ibid., p. 46.


Bh. O., III, 11, 12.
Bh. G.• m, 13.
Bh. G., m, 16.
A. Coomaraswamy. ibid., pp. 054 e 057.
o YOGA DO AMOR 12t

o Eu supremo (Paramdtman), o Senhor (lçvar(i), ou por qual-


quer outra designação metafísica ou teológica, 6 a priori indefi-
nível e indescritível:
"Aquilo que é não-manifestado, inalterável, inconcebível.
não-nascido, imutável, indizível; que não tem forma, nem mãos~
nem pés, nem qualquer feição; que é todo-poderoso, onipresente.
eterno, a origem dos seres, ele próprio sem causa; é Isso o
Brahm011, é Isso o estado supremo, é Isso que deve ser meditado
por quem quer que aspire à liberação. É Isso de que falam os .)
v. O Yoga do Amor (Bhakti-Yoga) Textos Revelados, é Isso o extremamente sutil, a suprema Mora-
da de Vishnu. .. A palavra 'Deus' (Bhdgavan) serve para expri-
mir esse .Eu sem começo, indestrutível. É uma expressão prática
Distinguem-se normalmente três vias de Voga: fi da ação que se utiliza para "li adoração desse Absoluto ao qual não é \...;1

(Karma-yoga) , a do amor (Bhakti-yoga) , e a do conhecimento aplicável nenhuma designação 211."


(Jfiâna-yoga), que correspondem aos três aspectos: voUtivo, afe- É por isso que Nârada, em seus Aforismos sobre a bhaktl
tivo e cognitivo, do espírito humano. Com efeito, essas três (Bhakti-Satra) , prefere evitar qualquer definição dessa Reali· "
'-~
funções psíquicas, a vontade, a afetividade e o intelecto, quan- dade, que seria uma fonua de rebaixá-la ao nível dos "nomes e
do podem ser diretamente dominadas e imobilizadas por meio do formas", e caracterizar a bhakti como "um amor Supremo a
Râja-yoga, devem ser purificadas das imperfeições do ego por isso 212". Não há definição sectária, mas um Bhaktl-yoga firme-
meio de disciplinas apropriadas, o Karma-yoga purificando a, mente ancorado no conhecimento que todas as Escrituras são
vontade, o Bhakri-yoga o sentimento, e o lfEdna-yoga o intelecto.. unânimes em estabelecer: o Absoluto que deve ser adorado e rea-
À medida que existem diferentes tipos humanos, uns naturalmen- lizado é o mesmo que o Eu (dtman) presente no coração:
te mais dinâmicos, outros mais emocionais, e outros mais intelec- "Adoro o Senhor que é o Eu supremo, o Um, a semente
tuais, cada um deve escolher a via que corresponde melhor a primordial do universo, sem desejo e sem forma, que se realiza
seu caráter; mas à medida que cada homem, numa proporção pela sOaba sagrada AUM, de onde tudo procede, por quem tudo é
variável, participa inevitavelmente das três, ele deve procurar um mantido, em quem tudo se dissolve 213."
equilíbrio harmonioso que combina os três Vogas, o que lhe A própria Divindade, encarnada na fonua humana de
permite atingir o objetivo mais rapidamente. A Bhagavad-Gittl Krs hna, revela:
dá o exemplo a esse respeito, propondo um Voga onde os três "Eu sou, ó Gudakesha, o Eu que reside no coração de
aspectos são indissociavelmente misturados, suportando-se e re- todas as criaturas; Eu sou o princípio, o meio, e o fim de todos
forçando-se entre si. Todavia, mesmo que a escolha recaia em os seres 2H,"
acentuar uma das três vias exclusivamente, essa via deve termi- Assim o amor de Deus nada mais é que o amor da Reali-
nar, se for sinceramente seguida, na total purificação do ser. dade essencial, do Eu derradeiro do homem, que por assim dizer
esqueceu, de quem, assim lhe parece, está afastado. O homem
está como que alienado, descentrado, esquecido de sua própria
o Voga como união identidade, tal como o filho de um rei recolhido e criado desde
a infância por camponeses, e que se tomasse por um deles, igno-
o Bhakti-yoKa é "a via na qual um amor intenso permite rando sua origem e sua herança real. Mas, "assim como a larva
ao YORin lançar-se até a Realidade última e dela apoderar-se ~o".
Essa Realidade Última que se denomina o Absoluto (Brahman) , 211 Vishnu-Purand, VI, 5, 66.
~1Q N.D.S., 2.
210 Lilian Silbum. La Bhaktl, p. 7. 2118 ÇankarAcArya, Vedasdraçivasrava, 5,
214 Dh. o., X, 20.

.~._--._--- ----.-._._-_. --~_.


. _.- ---------------
T
o O Y OGA DO AMOR 123
122 YOGA

r- que se associa à abelha termina por tornar-se ela própria uma do homem e as faz convergir para esse Alvo supremo, pois "a
I

abelha o homem que realiza sua unidade com Deus pelo Yoga que serve um amor incapaz de fixar-se sobre o ser amado, nem

acaba 'por fim tornando-se um co~ Deus 2111".. • •••
que por alguns minutos, e quo se dispersa constantemento. para
A Realidade Divina concebida nos estágiOS iniCIaIS como ionge dele 217 1" O bhakta (o homem que_ pr?ssegue pela ~a ?e
algo düerente da alma humana e infinitamente superior a ela, óhakti) quer sentir por Deus um amor tao Impetuoso e JrreSlS-
sendo dado que nesse estado o ser encarnado se identifica com tível como a paixão do apaixonado, a avidez do avaro e. a sede
~. as limitações mentais e materiais procedentes da Prakrti. Mas, insaciável do ambicioso. "Quando então, brada ele, o gnto que
',.' . ao termo da disciplina espiritual, o yogin deve identifica.r-se com brotar do meu íntimo será bastante forte para que, imediata-
~sa Perfeição que via de início como exterior a si. Ele começa mente Tua essência diante de mim fulgure de evidência 218."
por participar c,da vez mais de todas as qualidades eminentes d? Assim' a "devoção" (bhaktl) é um desejo ávido de Deus, uma
Purusha supremo, depois tem a impressão de fazer parte da DI- medit~ção constante sobre os meios de possuí-Lo, uma cuidadosa
vindade, e, posteriormente, realiza Deus como sua própria. e atenção para evitar tudo o que pudesse impedir de atingi-Lo.
1,-'1
verdadeira identidade. Essa gradação de realização, que culmma
na união (yoga) do eu individual e do Eu supremo, é geralmen- Intuição da Realidade como Beatitude
te exposta assim: . .
"ó Senhor, se me identifico com o corpo, sou Teu servidor; Esse amor supremo à Realidade inefável, que caracteriza a
quando me considero como uma alma encarnada, sou uma par- bhakti, não é senão uma intuição da beatitude do Eu, senão um
cela de Ti; mas quando compreendo que sou o Eu, passo a ser antegozo do néctar ambrosíaco (amrta): "Ao atingir isso, um
um Contigo, essa é minha firme convicção 216." homem torna-se perfeitamente realizado, torna-se imortal, satis-
,-. feito para sempre. Ao obter isso, nada mais deseja, não mais
Concentração pelo amor odeia, não mais se desola, não mais se regozija, nada mais pro-
c;ura. Ao conhecer isso, torna-se ébrio, imobiliza-se, está imerso
O modo de proceder de todos os Yogas i retirar o espírito no gozo do Eu. Depois de provar isso, só isso se vê, s6 isso se
.da multiplicidade das impressões sensoriais e fixá-lo em um s6 ouve, só disso se fala, só nisso se pensa 219."
ponto. Mas a força da via de bhakti é o amor, e, neste, tira Sabe-se que a Realidade última (Brahman) é triplamente
partido de uma lei psicológica evidente.: .a. concentração.decorre definida como sac-cid-ânanda: "Ser absoluto, Consciência absolu-
naturalmente do interesse, do amor dmgldo a uma COisa. Por ta e Beatitude absoluta." É o terceiro aspecto mais particular-
que acaba o espírito entediando-se quand~.perm~nece imóvel mente que o bhakta apreende. A natureza extremamente maravi-
sobre um objeto1 Porque ele não tem sufiCIente Interesse por lhosa, deliciosa da experiência espiritual é reconhecida por todos
esse objeto. Por que o espírito é tão absorvido pela diversidade os sábios, e simbolizada pelo sabor do mel. A experiência última
dos fenômenos que se esquece de voltar-se para o essencial? Por é uma experiência de felicidade infinita, em relação à qual as
causa do interesse que tem. Ele só é cativo na medida em que alegrias terrestres e paradisíacas não passam de pálido reflexo.
é cativado. De fato, toda busca de felicidade não é senão um tatear cego
No Bhakti-yoga, a Realidade Absoluta, princípio e suporte para recuperar a Felicidade essencial do Eu. E esta começa desde
de toda existência, é personalizada, é concebida e adorada como o início a se revelar aos que seguem a via da bhakti: "Se bem
uma pessoa ou, melhor, como a Pessoa suprema (Purushottam.a) , que tua essência seja inconcebível, ela se mostra àqueles que Te
princípio de todas as pessoas, a primeira, a segunda e a tecelra. amam desde que começam a meditar 220."
Não 6 a inquebrantabilidade da vontade, nem a evidência da com-
preensão, mas a intensidade do amor que drena todas as forças 21'1·LiJian Sllbum, La Bhaktl. p. 42.
218 Utpaladf:Va. IX. 19. Todas as citações do Utpa1adeva são tiradas
".
~-"",
da bela traduçllo que lhes deu LlIIan Silbum em seu livro La Bhaktl.
2lG Yoga-çikha.Up.• 11. 219 N.B.S.. 4, 5, 6 e 55.
·218 .Adhydtma-Ramayana. 1120 Utpaladeva. XX, 19.
124 o YOOA o Y OGA DO AMOR 125

A bhakti é portanto o aspecto afetivo da tomada de consci- 1. A PESSOA DIVINA


ência do Eu, que se manifesta como a irrupção de uma alegria'
infinita, incomparável e inconfundível. O Sâmkhya e, numa certa A Pessoa divina sob o aspecto de Vishnu, ou de Çiv8, ou de
medida, o Yoga de Pataíijali s6 falavam do aspecto negativo ,da Devi etc. Cada concepção de Deus traduz um aspecto essencial
liberação: desembaraçar-se da impermanência, da mudança in- da Divindade, cada culto uma via de aproximação particular da
cessante e das limitações da Prakrti; pôr um fim às misérilli da mesma Realidade. "O Ser é Um, mas Seus nomes diferem. Se
existência condicionada. O Bhakti-yoga insiste unicamente sobre vós me perguntais sobre qual forma do Senhor deveis meditar,
o aspecto positivo: a liberação é reencontrar o estaao de felici- dir-vos-ei: tomai aquela que quiserdes - mas sabei sempre que
dade natural do Eu, unindo-se ao Princípio supremo. todas essas formas não passam de Uma. Da mesma forma que
Mas essa "imersão no oceano de Beatitude" representa li diversos povos denominam diferentemente a mesma água: água,
conseqüência, "a bhak.ti suprema" (parabhak.t{). Vejamos o mé- vdri, aqua, pdni, assim o único Sacciddnanda (Ser-Consciencia-
Beatitude) é invocado por uns sob O nome de Deus, por outros
..:.;,.
todo para nela se encaminhar, isto é, "a bhakti como esforço de
realização" (sddhana-bhaktl). sob o nome de Allah,' de Hari, ou de Brahman 222." As disputas ..',
entre os sectários das diferentes religiões são tão absurdas quanto
a querela dos cegos que se reuniram para examinar um elefan~
I. O ebjeto de adoração te: "O primeiro tocou a perna e disse: '0 elefante é como uma
coluna.' O segundo apalpou a tromba e disse: '0 elefante é como
"O espírito tem pavor do vazio. Ele deve ser engajado numa uma clava de guerra.' O terceiro cego tateou o ventre e declarou:
coisa ou noutra. Se ele medita sobre os objetos dos sentidos, 'O elefante é como um imenso jarro.' O quarto, por fim, mexeu
torna-se mundano, se se lembra continuamente de Deus, torna-se uma orelha do animal e disse por sua vez: '0 elefante é como
divino 221." Mas enquanto ainda não transcendemos as limitações um grande abano.' Depois se puseram a discutir sobre o tema 223."
do nosso espírito, não podemos meditar sobre o Absoluto sem O fato de que se represente e que se adore a Deus de uma forma I
atributos (nirguna Brahman). O espírito pode somente apreen- de preferência a outra é ou por uma questão de pertencer a certa
,:,..'
der os atributos, e Deus é para o adorador o lugar de todas as tradição familiar ou local, ou por uma questão de escolha pes-
perfeições. Todas as qualidades que existem num grau relativo soal, cada um dirigindo sua devoção para o aspecto do Divino
e limitado na manifestação atingem, em Deus, seu princípio, a que mais o atraia.
infinidade e a perfeição. ~ sobre elas que medita o bhaleta, e "Da mesma forma que os homens escolhem aproximar-se
mais particularmente sobre as qualidades divinas que mais o de Mim, assim Eu os aceito em Meu amor; é o Meu caminho,
emocionaram, ou que ele próprio deseja adquirir. ó filho de Prthâ, que os homens seguem de diversas maneiras ~."
Considerando-se que é impossível pensar em qualquer coisa "Qualquer que seja a Minha forma a que um devoto queira
sem se recorrer a palavras ou imagens. o bhakta recorre a sim· adorar com fé, faço com que sua f6 seja firme e não vacile.
bolos para contemplar Deus, até o momento em que poderá ex- Pleno dessa fé, empenha-se no culto dessa forma; e por essa,
perimentar diretamente a Presença Divina no coração e dizer:
obtém o que deseja; sou Eu mesmo quem distribui esses fru-
"ó Senhor, em minha meditação a Ti atribui uma forma, tos 2211."
a Ti que estás vazio de toda forma. Ó Guru do universo, por
meus hinos como que contrariei o fato de que Tu és indescrití- Cadã..<wncepção de Deus é uma visão parcial que correspon- '.J:.-
vel. Caminhando em peregrinação, de certa ~orma neguei Tua ... de· ao nível espiritual do fiel, a suas prediIeções, aspirações e
.,.- capacidades. De maneira geral, cada homem deve conceber Deus
onipresença. Ó Mestre do mundo, perdoa, por favor, essas três
faltas cometidas por mim."
Os diferentes suportes de meditação utilizados para a ado- ] :222 L'Enseignement de R6makrishna, publicado por Jean Herbert, p. 252.
,,~.

ração da Realidade divina são: 228 Rllmakrlshna, ibid.. p. 259.


"
2M Bh. O.• IV. 11. .'
22G Bh. O., VII, 21·22.
221 B!Jâgavata.Pur., XI, 14, 27.

. ~

........ _-- - ._- - _-.--. --.-..- ', .


- :t""""r,;-:~~'lI': - -.,~ ,.'14' •..• T .,
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y-.,

o VOGA DO AMOR 127


r· 126 o YOOA

r, como o Iijais perfeito ideal de que possa formar uma idéia, ao


mesmo tempo sabendo claramente que:
"Se a própria deusa do Conhecimento devesse escrever eter- ..
namente, tendo a Montanha Azul como tinta, o oceano como
tinteiro, o tronco principal da' árvore celeste como caneta e a
terra inteira como papel, mesmo assim, ó Senhor, o limite de
tuas perfeições não poderia ser atingido 226,"
O fato de aceitar que existam outros cultos além do seu
não impede de modo algum que um bhaleta se mantenha fiel à
sua divindade eleita (ishta-devatd). O grande devoto de RAma,
Hanumân, diz no Mahdbhdrata: "Embora eu saiba que o Senhor
do Çri (Vishnu) o o senhor de Janak1 (RAma) são ambos ma-
nifestações do mesmo Ser Supremo, no entanto é Râma dos olhos
de lótus que é tudo para mim." O essencial é poder estabelecer
uma relação pessoal com Deus, poder dizer-lhe:
"ÉS Tu meu pai, Tu minha mãe, Tu meu esposo, meu filho,
meu dUeto amigo. Só Tu és o bem-amado, o guru, o objetivo em
direção ao qual marcha o universo. Sou Teu, Teu servidor, Teu
seguidor. Tu és meu único recurso. Refugiei-me em Ti, e, em
í
,,,:,-,
verdade, meu fardo repousa inteiramente sobre Ti 227."

2. UMA ENCARNAÇÃO DIVINA (avatâra)

O Absoluto não-manifestado, além dos guna, tem, segundo a


doutrina bramânica, o todo-poder de se encarnar, de "descer"
(ava-TR), utilizando para essa encarnação inteiramente deseja-
da, controlada e livre, uma substância mental-'de puro sattva to-
....'. ., mada de empréstimo à Prakrtl. Assim fazendo, sua tínlca moti-
vação é promover o bem dos seres encarnados, e manifestar seus
atributos de compaixão (krpâ) , de amor (vdtsalya) o de acessi-
bilidade (saulabhya):
"Se bem que Eu seja o não-nascido, se bem que Eu seja
imutável em IJ)inha essência, se bem que Eu seja o Senhor de.
todas as exjstências, entretanto, presidindo à Prakrtí que está sob
meu poder, por minha própria capacidade de manifestação
(mdyd) eu me encarno. .
"Cada vez que o dharma se apaga, 6 Bhârata, e que se eleva,
..., a injustiça, então Eu torno a nascer,

*bT Ç/vamahimna-.Yfotr3. 32.


Stofraratna, 60.
1 Uma imagem divina
(Doe. Institut trançais d'Indologie.)

1
"
':~
128 o YOGA
o VOGA 00 ÀMOR 129 "0
........
"Para a proteção dos bons, para a destruição dos que fazem
() mal e para o estabelecimento da lei espiritual, de era em era; 5. O ORDENADOR INTERNO (antarydmin);
Eu me encarno 228." I O OURl1 lNTEIUOR
A tradição conta dez intervenções providenciais da Divinda- .)
{fe em seu aspecto de preservação do mundo manifestado (Vish- o
verdadeiro guru de cada um é seu próprio Eu, o guru
nu). As duas principais são Râma, que encarna o dharma Gus- humano é somente um. canal que veicula a inspiração espiritual. ,j

tiça, retidão, conformidade à norma divina) em sua plenitude, o ,


,--,-o
,
Krshna., que revela a atração irresistível da Beleza divina e da 6. A HUMANIDAD8 INTEIR.o\, ou o UNIVERSO INTEIRO CoNSIDERADO
perfeição do Amor. Essas encarnações são vistas como expressões' CoMO A MANIPESTAÇÃO DO SER SUPREMO
privilegiadas do Deus, e não como representações arbitrárias, • r
J
visto que é o próprio Divino que escolheu assumir tal fonna.' "Aquele que Me vê por toda parte, e vê todas as coisas
Mas essas dez encarnações maiores nlo esgotam as possibilidades elll Mim, esse Eu nunca abandono, e nunca ele Me abandona.
<le manifestação da Divindade. Existem também encarnações me- Aquele que) estando ftxo na unidade, Me adora, a Mim que ha-
nores ou parciais, e em realidade: "Todo ser qud possui um grau bito em tOáos os seres, esse ~ogln habita em Mim, qUalquer que
.eminente de gl6ria, esplendor ou energia, saibn que nasceu de seja sua maneira de viver 180," ...J
.uma parcela de meu brilho 228." J
ll. .o adorador .j
3. UM SÍMBOLO (prafika), OU UMA IMAGEM (pratimd),
REpRESÉNTANDO A DMNDADE OU UMA DE SUAS ENCARNAÇÕES Düerentemente das outras vias, que requerem certas qualifi-
cações prévias do discIpuJo.. o Bhakti-yoga está abeno a todos
o símbolo pode ser visual (o espaço infinito, o sol, a chama sem qualquer restrição. Mesmo o fato de ser iletrado ou 'de ter
..
-etc.) ou auditivo (um nome divino, um mantra). Adorar atra- a consciência sobrecamgada do erros Dlo é um impedimento: .:,...

vés de um sfmbolo é "juntar o espírito com devoção ao que não "Mesmo um ·pecador empedernido, se vem a adorar-Me et>m ·i-I
é Deus, ao mesmo tempo vendo-o como sendo Deus", diz Rã- ~m amor exclusivo, deve ser visto como um justo. pois fez uma
Justa oscolha. Toma-se rapidamente uma alma plena de retidão .~)
mânuja, isto é, servir-se de um substituto que apresente analogias
com o objeto real da adoração. Da mesma forma, a imagem ou e obtém uma paz permanente, Proclame-o ousadamente 6 filho
estátua da deidade, de uma encarnaç!o, de um sábio, ou do um de KU,nU, meu fiel nunca perecível. Pois aqueles que se ~efugiam
santo. serve de "suporte de visão" dos atributos divinos. em Mun, mull.!eres, vaiçya, çadra.s, e mesmo aqueles cujos erros • o )

.pas.sa~os lhes valeram o pior dos nascimentos, todos atingem o .\


~I
ObJetivo supremo as1,"
4. SEU PRÓPRlO GUIA EsPIRITUAL OU GURU Inumeráveis são os iletrados e os intocáveis que atingiram
um elevado grau de realização pela bhakti: "Entre os Maleta não
Ainda ar são as qualidades divinas que importam, e não o há ,distinção baseada no nascImento, no saber, na beleza, na 'raça,
'Suporte onde elas se encarnam. Aquele quo venera seu guru ~a riqueza I na profissão etc., posto que todos são Seus 2a2." • I

deve excluir do pensamento todas as limitações e, imperfeições Mesmo um .pária, é melhor que um brâmane, se se entrega ao
bumanas deste e s6 considerar suas qualidades espirituais, para culto de Han '2.83." "Os ft2dra (os servos inferiores) slo os que
que não haja um risco de regressão. A associação com os santos nfio têm fé em Deus, qualque~ que seja sua posiçAo social", diz
é considerada como um dos meios principais de atingir a bhaktl, ~ Krshna no MaMbMrata.
pois é ao contato com outra chama que sua lanterna se acende.
Bh. G., VI, 30-31. .
Bh. O., IX, 30-32.
"228 Bh. G., IV, 6-8. N.B.S.• 72.
~ Bh. G., X, 41.
Coitonya-BMgovata, III.

'''i
. :;'.=... ~ * '-ll;:r;:;;:-.;:-~ '-;"":';""'~;:~4 ~
•• - - - - - . _ __ ~ __ ._._l __. __ .. _.. ~ _
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r'"""'-- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - . .
}
. \

: I
130 o YOGA . O YOOA DO AMOR 131

Em conseqUência o bha~t'f 9u~ se -aproxima de seu Deus benefício, nem em vida nem após a morte, e entrega-se a Deus
não se apóia sobre sua pr6pna. dignIdade, social ou moral, mas incondicionalmente. Nada qucr para si, nem mesmo a liberação.
unicamente sobre a misericórdia divina: . Só tem sede de Deus:
"O senhor Tu és verdadeiramente o mestre e o amigo s~­ . "Revela-Te a nós que exigimos somente a Ti, e não Te esfal-
premo do aflit~, e eu sou o primeiro dentre eles. O a:1u,~ mais faremos com outros pedidos 331."
deve ser feito para estabelecer uma relação entre n6s ? I Céu ou inferno, liberação ou servidão, tudo lhe é igual, no
"Não SQU firme na prática das virtudes, não possuo o c,!nh~­ momento em que tcm a oportunidade de absorver-se no amor
cimento do' Eu, nem mesmo a devoção po.r" Te~s p·és de 16tus. de Deus e de. servi-lo constantemente:
Não tenho nenhum m~rlto de nenhuma espécie, e não tenho ... "Que eu nasça como um homem ou um deus, como um
nenhum outro recurso salvo Tu 244." ." animal ou uma árvore, como um mosquito, um verme ou um
ecO Mãe divina, sobre esta terra, en~re teus lnumer~vels pássarç), se meu coração cstá imerso no amor do 16tus de Teus
filhos plenos de valor, vejO-:me como um ser que para nada pés abençoados, 9~e me importa a espécie de corpo que eu ob-
presta de uma espécie rara. Mas, 6 Benevolente, não é justo de tenha 238 1"
tua parte me abandonar, a mim, tua cria?ça. Pois acontece qu~ "Aqueles que se abandonaram a Mim não se enquietam com
( um mau filho nasce de vez em quando, mas nunca há uma mãe mais nada além de Mim, não depositam nenhuma recompensa
.. perversa ••." . mesmo no nível de Brahmâ, ou de Indra" ou de imperador, nem
Todos os textos são unânimes em reconhecer que a '~haktl .à soberania dos mundos, ·nem aos poderes psíquicos, nem mesmo
é a via de aproximação mais fácil. :a mais CÓmodo para os seres .Á.ilberação do ciclo dos nascimentos 238,"
encarnados meditar sobre os· atributos divinos do que se con- Aquilo de que o bhokta quer ser salvo, o que lbe causa os
centrar sobre. o Absoluto ola-manifestado. . terrores da angústia, não 6 a escraviução ao sâmsara, é a sepa·
O que düerencia o bhakta do homem· religioso com temp?- ração do Princípio. A liberação lhe cbega quase à sua revelia,
ramento tâmásicoou râjásico, é que nenhuma f~rma de d~seJo como um efeito da graça divina, sem que procuro elevar-se à
ego{sta vem' macular seu amor a Deus.' Nos cult~s .t~máslcos, mesma posição de seu Senhor; e a aceita, não para seu próprio
observa-se uma dependência sem compreensão do slgDlflcado do bem, mas porque ela o une a Ele.
ritual, um temor dos poderes obscuros e maléficos! ~ recurso. ~os
to':
métodos ocultos para prejudicar a outr~m; Nos râjáslcos, ·a ~1~JD­ III. A adoração
dade 6 reverenciada somente como um meio de cheg!lr a um
k' fim. Procura~se .tomá-la propicia para escapar às dificulda~ces, ~g "Do tempo que chega a ganhar liberando-se do prazer. do
doenças, ou obter sucesso ou poder pessoal. Essa forma an;bl- tormento, do desejo, do ganho e outras pretensões, o homem
ciosa" da religião encontra-se tamb~m Das. comunidades orgamza- não deve desperdiçar nem mesmo meio' segundo. .. Deve libe.
das que procuram estabelecer. ou conserva~ seu poder, seu pres~ rar-se de toda inquietação e adorar constantemente, através de
tígio e sua prosperidade, ao IDVés de realiza~ Deus. Ao contrá- todas as modalidades de seu ser, apenas o Senhor ~."
rio, se uma r:~lígião assume uma formasáttvlca, Deus é ama~o Quais são l1s formas que essa adoração assume? São inume-
pOr si mesmo com desinteresse, e com· uma clara compreensao ráveis, mas as mais freqüentemente mencionadas são:
do objetivo e I dos métodos corretos par~ atingi-lo. A bhakti: tem 1. Apegar-se à glorificação das qualidades divinas, pelo
de partictilsir· o fato de ser isenta de solicitações egoístas .e .de çravana e pelo kirtana.
temor ao Todo-Poderoso, e de implicar um completo esquecI~en" A escuta (çravana) compreende tanto o estudo dos textos
to de si por parte daquele que ama. O bhakta não atinge .nenhum que ensinam as verdades espirituais quanto a audição das recita·
,
237 Utpaladeva. VI. 11.
(:: 2M Çivanandalaharl. 14. 238 ÇivanandaJahar1.
2S6 Stotraralna, 22. 280 Kulaçekhara, Mukundamá/d, 3, 9.
2M DevygparMha-kshamdpana.stolra. 3. 240 N.B.S.• 77.79.
.1
1/ "

O Y OGA DO AMOR 133


132 o YOGA

Para a chamada incessante de Deus, um método privilegiado


ções que se referem ao Gesto sagrado, aos atos executados pelas
encarnações divinas. Escutar é beber o néctar das atividades lú- .
é a repetição meditativa dos nomes divinos (japa), que 6 consi· \'

dicas do Senhor. O kirtana consiste em cantar hinos, poemas, ou I


derada como "um banho mental". O sacrifíciô em forma de japa
é o melhor dos sacrifícios. Sua superioridade reside no fato de
nomes divinos, com ritmo, música e freqüentemente dança.
que pode ser praticada por todos, sempre, em qualquer lugar,
2. Contemplar a beleza divina, apegando-se a uma de suas sem a assistência de ninguém, sem ingredientes nem material.
formas. Mas "s6 o que é executado com conhecimento, fé e meditação,
3. Praticar os rituais· de adoração (pQjâ)" que. podem ser torna-se espiritualmente cfetivo 248". A repetição da palavra
muito elaborados, requerendo extrema atenção, ou muito simples. sustenta a repetição contínua da idéia. "Aquele que repete um
O essencial é a disposição interior com a qual sãl> executados: mantra sem conhecer-lhe o sentido 6 como um asno que trans- ,.:-

"Aquele que Me oferece com devoção uma folha, uma flor, porta uma carga de madeira de sândalo. Ele conhece o seu peso,
uma fruta, um cálice d'água, essa oferenda de amor, vinda de mas não lhe goza o perfume ur." A invocação dos mil nomes de
uma alma que se esforça, Me é agradáveI 2u ." Deus (sahasranâma), fazendo-se preceder caeia nome do mantra
AUM 248 e do vocábulo namah (que signiIica reverência, sauda-
4. Consagrar todos os atos a Ele. ção, interpretada tamb~m como: na mama, "nem eu nem meu"),
"Qualquer coisa que tu faças, do que quer que tu gozes, o constitui um milhar de oblações de si próprio (ya}ifa), ao alcan-
que quer que sacrifiques, o que quer que tu dês, qualquer esfar- ce de todos. Existem tres tipos de repetição: em voz alta, mur-
ço ou ascese que empreendas, faça-o como uma oferenda a Mim. murada inaudivelmente, e mental. A última forma é superior à
"Assim, tu estarás liberado dos resultados bons ou maus que segunda, e a segunda à primeira. Sob a última forma, a repeti-
constituem os grilhões da ação. Com tua alma em união com. o ção do Nome ou do montra pode ser mantida sem interrupção
"·t·"
Divino pela renúncia, tornar-te-ás livre e chegarás a Mim 242." em qualquer circunstnAcia, mesmo enquanto se anda ou quando
Tudo Lhe deve ser dedicado, e "mesmo os' sentimentos como se está ocupado em atividades.
o desejo e o orgulho s6 devem ser experimentados em referência 6, Experimentar uma angústia extrema se O esquecemos .J
a Ele 243". Todas as paixões devem ser voltadas em direção a por um irrstante.
Deus. A cólera e a impaciência são dirigidas contra os obstáculos
"Se mesmo um só instante estou separado de Ti, 6 Sobera-
. que .impedem de atingi.IO, ou mesmo contra Ele, porque não se •• J
no, imediatamente me consumo em tormentos. Permaneça pois ,
manIfesta logo. O orgulho toma a forma de uma altivez de per· sempre visíveI2~9." ' , • I
tencer-Lhe. A possessividade faz dizer "Deus é meu" etc.
A culminação 'da bhakti é atingida quando o menor esqueci-
. ':Reverências a essa cobiça que, ligada 'a Ti, me p~rmite
atmglr-Te 201~." mento de Deus provoca um sofrimento intolerável, porque esse
esquecimento, por mais insignificante que pareça, evoca as eter- ::.'
5. Lembrar-se constantemente de Sua presenqa. nidades em que se viveu longe dEle:
E EIt~ está prese~te pri~cipalmente no coração, ainda que
a.o esq~eclmento de SI, do DIvino ~rojetando-se na criação múl- 2411 ChlJnd. Up. I, I, 10.
2~7 Yâska, Niruk/a.
tipla, correspon?a, .no plano místIco, e para prestar ajuda, a 218 O próprio mantra AUM 6 o mais excelente símbolo de Deus ao
tomada de conSClenCla ou lembrança ininterrupta de Si 2415", ;. mesmo tempo analítica e sinteticamente. Cf. Çivamahimna.stotrQ' 27: .... 1
"6 Tu que concede refúgio (àqueles que Te procuram); com ~ três
letras, A, U, M, denotando os três Veda, os três .estados (vigília, sonho, :~t
2H Bh. G., IX, 26. sono profundo), os três mundos, os três deuses (Brahmâ, Vishnu, Çiva).
2-12 Bh. G., IX, 27·28. a palavr~ AUM Te descreve de forma diferenciada. Unificado pela sonori-
243 N.D.S.• 65. dade sut.I, n palavra AUM' tomada em seu sentido global Te designa em
2-I~ Utpaladeva. XVII, 28. Teu estado absolutamente transcendente."
2~5 Silburn, La DIJakti, p. 14. 2·19 Ulpaladel'a, VI, 1.
, .'

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~

O Y OGA DO AMOR 135


134 o YOGA

2. A bhakti apaixonada (râgânuga-bhaktí) , resultado de


"Quando então Tua essência, Senhor. que se revela no ins-
uma prática sincera da primeira, é caracterizada PQr uma aspi-
tante precises em que se medita sobre ela, preencherá para sem-
ração intensa e permanente em direção ao objeto da adoração.
pre. com o flux.o' de sua ambrosia suprema as muito antigas
f' ~ Ela não está mais ligada por nenhuma regra nem prescrição, e
fendas abertas por 1lÚnha ignorância da verdadeira liberação ~~O?"
As vezes esses períodos de afastamento são devidos aos obs- brota diretamente do mais profundo do ser. Caitanya compara-a
táculos interiores e exteriores. às imperfeições, à fraqueza do a uma inundação:
bhakla, que se queixa amargamente de si mesmo: . "O curso de um rio (simbolizando a bhakti tradicional) é
"Por que o pensamento de Teu escravo se desvia para o sinuoso, e um navio que o siga não pode chegar rapidamente a
mau camiI).ho, evitando a intuição de sua identidade Contigo, em- seu objetivo. Mas quando as águas sobem, o navio (a favor da
bo.ra sabendo que não existe aqui nesta vida nenhuma outra ale- inundaçã0) segue uma rota irregular sempro reta e chega mais
,ri gna. nenhum outro gozo 2.51?" rapidamente à destinação. Da mesma forma que a via irregular
Outras vezes a radiante Beleza divina parece 'esconder-se no (porque é independente das prescrições escriturais) da bhaktl
r: apaixonada conduz o fiel mais rapidamente a Krshn.a.'·
momenlo exato cm que se cr'; capturá-Ia, e permanece incom-
J.'~"' preensivelmente oculta: Distingue-se também a bhakli, que ainda está misturada ao
\

"Já que Te aproximaste do campo de minha visão Senhor conhecimento da majestade divina, da bhakti vazia desse conhe-
r-=. "( cimento. Esta última está "de alguma forma cega, como todo
por que te afastas de mim, Teu escravo?·' "
(,-" . "Se Tu és a própria Verdad'e, adotc somente uma forma de amor ... Ela nr.c critica nem investiga o objeto divino de ado-
agIr: graça ou desgraça 2.5:l!" ração ~~". Todo intelectualismo é varrido por uma devoção ex-
r tática. Râmakrishna dizia: "As discussões filosóficas vos darão
\
Mas. mesmo a agonia da se.paração, as' angtistias do desejo,
r.-',;,
que tornam Deus presente pelo sentimento de sua ausência são mais sabedoria do que tendes? Não vedes que meio sesteiro de
caros ao coração do bhakla, que não os trocaria por nen&uma vinho é suficiente para embriagar-vos? Então, de que serve cal-
/'> •
satisfação terrestre: . culardes quantos barris existem na adega, já ouenão buscais
. "Glória a essa grande festa de amor indizí~el onde os pró- :senão a embriaguez 2M?" A qualidade particula; dessa bhakti é
P~lOs choros têm no mais elevado grau o -sabor de ambrosia 2tYJ." não querer considerar os atribulos de grandeza, de poder e de
glória de Deus, mesmo quando se manifestam, e não considerar
scnão a intimidade da relação com Ele.
~.;
IV. As etapas da bhakti "Por que vós sempre insistis sobre a glória e o poder do
Senhor? Um filho, sentado junto a seu pai, afirma continuamen-
~as qualquer que seja a prática ou as práticas adotadas, b te: 'Meu pai tem tantos pomares, tantas casas tantos cavalos
;.-:--.
essencIal é que a bhakli amadureça sob um amor intenso e cons~ · tantas yacas e tantos jardins.' Não seria preferlvel se pe"nsass~
tante da Realidade suprema. Distinguem-se assim dois graus de · com emoção no amor mútuo que existe entre ele e seu pai 200 7"
.~,,:,,", . .' amadurecimento: . A afeiçã_o do bhakla por Deus comporta cinco nuanças,
cInco modos (bháva) ou sabores (rasa), que são simbolizados
';:'..~ . 1. A bha/cri tradicional (vaidhi-bhakli) é aquela que é pra-
por relações humanas. Cada uma dessas atitudes pode ser esco-
ticada seg~indo as prescrições das Escrituras, por aqueles que
· Ihida com exclusão das outras, mas podemos também nos elevar
não têm ainda uma relação pessoal direta com Deus. Não se
de urna a outra num crescendo de amor.
contam menos do que sessenta e quatro meios tradicionais, como
1. çânra: a quietude, a paz. .
freqüe~tar os santos, o canto e a recitação do nome sagrado, as
2. dâsya: o serviço, o sentimento de ser o servidor de Deus,
peregrmações, o serviço reverencioso da imagem divina etc.
<'o. seu escravo, de alegrar-se em servi-lo por todas as vias possíveis,
~o UlpaladeIJa. VIII, 8.
"":' •.: ~
261 UtpaJadeIJa, IV, 17. :164 Sukumar Chakravnrli, Caitanya el sa Ihéorie de l'amour divino p. 105.
3i2 UlparadeIJa, XII, 16 e XI, 7. :1:>6 L'Enseignement de Râmakrishna, p. 412.
2llolI UtpaJadeIJa. XVII, 1. 21'H1 IbM.. p. 414.

I'
o YOOA DO AMOR 137
136 o YOGA
veres; a irrupção do Divino em sua vida a afasta b~scame~tc
sem esperar a menor recompensa, mas por amor a Ele, sem o de seu universo, e lhe revela uma. dimensão de amor lJlSl;1spol~a­
menor indício de medo ou obrigatoriedade. Ê a relação que liga do, sem que para tanto ela seja livre., a? ~esmo temp~ mte~or
Hanumân a Râma. e exteriormente, de reencontrar e ~e. ~tmg1r ess.a perfeIção lDa-
3. sakhya: a amizade. Deus é sentido não mais como um ..
~ preensível, que, como um amante dÜlcilmente VIslumbrado, apa-
mestre, mas como o amigo do (:oração, em direção a quem existe rece somente por intermitências. Ê um amor onde a posse é rara
uma confiança absoluta e uma camaradagem sem reservas, as- e breve e a separação cotidiana,
sociando-se sempre a tudo o que nos diz respeito. Ê a relação Três características fazem do sentimento da amante um sím- .•..
'--'
que liga Arjuna à Krshna. bolo ade<iuado desse tipo de bhaJctl. T~s ~o:~) o pensamento .-2.,;..
4. vâtsalya: a ternura materna (ou paterna) para com constante no bem-amado; 2) um desejO lDs~clável de r:encon-
Deus, comparável à afeição devotada dos pais para com seus trá-lo; 3) uma completa. cegueira em relaçao aos defeltos~ do
filhos. O bhakta, nesse caso, considera-se como o protetor, e a homem amado, que permite à amante ter sempre dele uma VIsão
Divindade que nele nasce, tal como uma criança dIvina, deve ser transfigurada pelo amor.
constantemente protegida, alimentada, o objeto de todos os seus Esses três elementos não estilo presentes ~a mulher legitima
cuidados. Essa atitude tem por objetivo despojar-nos de todo que vive sob o mesmo teto que seu e~poso. Por. outro lado, "a
temor e tensão para com Deus, e inclui os sentimentos preceden- esposa pode recorrer à proteção da leI e da socled~de; ela tem
tes, pois a mãe é também a serva e a amiga de seu filh~ ..Ê a o direitope exigir o amor e a afeição de seu ~~nd?; está até .:~>
relação com Deus que tiveram as mães das encarnações d1vInas, certo ponto assegurada· contra os erros ou _as inf1delidades que
como Devald, a mãe de Krshn.a, e Yaçoda, sua mlie adotiva. o marido possa cometer. Mas a amante nao pode contar com
5. madhura: o amor, simbolizado pelo do uma joveJl? para nenhuma proteção. .. ela não tem nem esperança nem recursos
com seu bem-amado. EsSa relação se justifica pelo fato dê' que, fora do amor e da tomura de ~:eu amante o2li1lI", Inversamente, "o
em relação a Deus, todas as almas são femininas; Deus é o único marido tem um sentimento de posse - de 'meu', mama - em
Macho (Purusha); ou, para exprimi-lo de outra forma, "a in- relação a sua mulher, que favorece o desen~olvimento do aham-
dividualidade extenor e ativa de um homem ou de uma mu~her kdra ao invés da superação deste 200". A pa1xão da amante é t?"
é feminina por natureza, e submetida a seu próprio Eu interior mada como sfmbolo na medida em que ela está ao contrário
e contemplativo 215 7 ", que é masculino. Essa relação de amor, desprovida de todo egocentrismo e não tem em vista senão a :'-:
a mais íntima de todas, inclui todos os sentimentos precedentes, felicidade do outro; e também porque não conhec~ nem segu- .:...-
pois "a mulher vela peJo conforto e necessidades do homem, rança, nem tranqüilidade, nem meio-termo; porque ela é devo-
como uma serva por seu senhor; ela o ajuda a cumprir seus de- radora, impetuosa, vivida cpm intensidade a cada instante. Mes- ".~

veres e partilha, como amiga, suas alegrias e tristezas 2OS"; pro- mo empenhada em suas tarefas domésticas, a jovem mulher está
tege-Q como mãe, lhe faz presente de si mesma e de tudo que com o pensamento voltado para seu amante. Seu próprio mundo
é seu. torna-se-lhe estranho. Não aspira senão a reencontrar o amado,
Essa mesma modalidade de amor subdivide-se, segundo cer· e arquiteta incessantemente planos para co~segui-l0. A separa~ão
tas escolas de bhakti, em duas nuanças, A primoira (svakiya) é lhe parece intolerável, consome·se, e acredIta morrer a cada ms·
simbolizada pelo amor exclusivo e fiel da esposa ao seu marido, tante por não vê-lo. Os reencontros são uma festa indescritível,
amor que a faz consagrar-se a ele infatigavelmente. A segunda que só se obscurece à perspectiva da partida. ~odo_ o seu ser
(parakiya) é simbolizada pelo amor apaixonado da amante ao aspira a uma união com seu bem-amado que seja tao absoluta
seu amado. Esse simbolismo corresponde a uma situação de fato: que não dependa mais do espaço nem do tenipo, e não possa
cada alma neste mundo encontra-so, tal como uma mulher ca- mais ser desfeita. Tal deve ser, segundo a bluJkti, .nossa atitude
sada, empenhada numa trama de relações, de ligações e de de-

1269 lbid., p. lU.


12~7 A. Coomaraswamy, Hindouisme et Bouddhisme, p. 31. 260 Madeleine Blardeau, Clels pour la pensée hindoue. Seghers, p. 195.
2~S S. Chakravartl, Caitanya, p. 110.
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138 o YOGA

para com Deus. Deus se deixa conquistar por esse amor. A lou-
o YOGA DO AMOR

Mas quando ela se revela, "para os bhakla, esse banquete


139

cura da amante, por supor uma doação do si por puro amor, de amor prossegue noite e dia, até no sonho, até na inconsciên-
onde não entra nenhuma idéia de dever nem de interesse, e cia, ," não somente quando recitam mantra, banham-se ou me-
porque implica um risco voluntariamente consentido de tudo per- ditam; mas a cada instante e em tudo o que fazem 206" •
der, um sacrifício de seu dever, segurança, reputação, salvação ,. , Tudo parece fundir-se e dissolver-se no amor: "O dilúvio di-
e mesmo eventualmente de sua vida, representa de modo adequa- vino de Tua contemplação recobriu com um fluxo uniforme ale-
do o furor sagrado do amor a Deus, É a relação de Rddhd e das grias e desgostos, como uma inundação iguala sobre o solo sul-
Gopi, pastoras de Vrndâvan, com Krshna, coa e declives 200." O bhakta reconhece seu Bem-Amado qualquer
Esse amor comporta dois tempos, duas fases, que se vão que seja o disfarce sob o qual ele aparece. Ele o vê por toda
alternando: embriaguez na comunhão com o amado (madana) , parte e em tudo, presente em todos os seres, "sustentando este
e desvario na separação (mohana). Distinguem-so também seis universo inteiro com uma parcela infinitesimal de Si mesmo":
nuanças: ternura (sneha) , despeito amoroso (r,nâna) , intimida- "Vejo Tuas formas infinitas de todos os lados, mas não vejo nem
de (pranaya) , paixão (râga) , paixão extrema (anurâga) , senti- Teu fim, nem Teu meió, nem Teu começo, ó Senhor do univer-
mento supremo (mahâbhâva) , so, Ó Forma Universal 267," O mundo aparece-lhe "transbordando
,
de luz e felicidade 268", As etapas dessa tomada de consciência
V, Preman são denominadas: viver no mesmo mundo de Deus (sâ/okya).
viver na proximidade de Deus (samipya) , transformar-se à sua
Tudo isso resulta na experiência incomunicável do amor per- semelhança (sârapya) e finalmente, transcendendo toda dualida-
feito (preman), que não é senão a bhakti que chegou à matu- de, identificar-se a Ele (sâyajya).
ridade (mukhya-bhakti) , que se tornou um fluxo ininterrupto de
amor a Deus dominando todo o psiquismo, "crescendo de inten- VI. Unific~ção ou Bhakti Suprema (parabhakti)
sidade a cada instante, sem intermitências, extremamente sutil, '.
penetrável somente pela intuição 261", "~ão inexplicável quanto Enquanto a alma individual está penetrada pelo amor divi-
um prato delicioso saboreado por um mudo 262", Ele se manifes- no, ela torna-se inconscj.ente de sua existência distinta e ahsorve-
ta às vezes por estados emocionais violentos, extáticos: "Aquele se em Deus. Pois a união da amante e do amado não pode com-
cujo coração se funde ao canto de Seu nome que faz nascer o pletar-se enquanto não haja a total imersão de um no outro. É
preman. esse ri, chora, grita c dança como um louco, de um a descrição da união com Deus nos termos de um simbolismo
modo. que não ,está nas regras usuais.M3," Esse amor "agita co- erótico: "Da mesma forma que um homem abraçado por sua
ração e espírito, torna-o ávido de atingir os pés de Krshna. Faz o bem-amada nada mais sabe do 'Eu' e do 'Tu', assim o Eu beijado-
fiel rir, chorar e cantar, dançar e gesticular como tomado pela pelo Eu onisciente não sabe mais nada de um 'eu' no inteíior
loucura; transpiração, excitação, pêlos oriçados, lágrimas, voz en- o~ de um 'tu' no exterior 269." O eu separado, manifestação tran-
trecortada, palidez, embriaguez, desfalecimento e firmeza, orgu- sitória e contingente do Eu único, retorna a seu Princípio, morre
,,~-.
lho, alegria e humildade, esse amor faz o fiel passar por todos para renascer em Sua vida. "Aqueles que amam Hari, em ver-
esses estados e mergulha-o num oceano ambros{aco, a beatitude dade, perdem-se em Hari", é um motivo condutor do Bhâgavala.
de Deus 264." Segundo Caitanya, um dos grandes porta-vozes da Uma Gopi cujo espírito está absorvido em Krshna coloca seu
bhakti, o preman é "a essência hilariante de Deus", inerente a. braço sobre o ombro de uma outra Gopi e diz-lhe: "Olhe, eu
qualquer alma huma~a, mas que, sendo obscurecido pelo véu da
ilusão (mâyd), s6 se revela após muito praticar a bhakti. UtpaJadeva, XVII, 7·8.
:.!;y)
266 Utpa/adeva, III, 9,
N.B.S.,2. 2e'7 Bh. G., XI, 16.
N.B.S., SI. 2G8 L. Silburn, La Bhak.ti, p. 75,
Bhiigavata·Pur., XI, II, 39, 2119 Brhad-Aranyak.a Up., IV, 3, 21, tradução de A, Coomaraswamy em
Caitanya-caritâmrJa, I, VII, Hindouisme eJ Bouddhisme, p. 31.

~.
,
....,
140 o YOOA

sou Krshna." O amor processa a absorção total do eu. individual


no Eu supremo. "Através de 'iptensa aspiração a Mim, ()S pensa-
mentos das Gopl estavam firmemente fixados em Mim, o em , ':;
conseqüência elas não estavam conscientes de seus corpos, do
que estava próximo ou distante, assim como os sábios absorvidos
em samâdhi, ou como os rios quo, uma vez no mar, não se dis-
t. '
~,,-,'
.
tinguem mais pelo nome e pela forma 210."
Após essa experiência transcendente, a aparento_individuali- I
dade humana do yogin não passa de uma máscara, é som~nto o -"
divino que se exprime através de todos os seus gestos e' pensa- VI. O Yoga do Conhecimento
mentos. A consciência de um tal bhakta está fundida e move-so
no Um, elo vivo em yoga, em união, e pode dizer com toda a
(Jfiâna-Yoga)
justiça~ '.:-
"Ó Senhor, Tu que és eu mesmo, meu espIrito é Tua esposa,
meus alentos vitais Te servem de, criados, meu corpo é Teu tem- Assim como todo o Bhakti-yoga está contido embrionaria- .. ~

plo. Meu gozo dos objetos sensoriais 6 uma oferenda a Ti, meu mente na prática de Içvara-pranidhc2na, mencionada pelos Yoga-
sono 6 uma absorção em Ti, minhas idas, e vindas são uma lCir- Safra, todo Jlfdna-yoga se fundamenta sobro o discernimento, a
cundação em torno de Ti, todas as minhas pa18/Was são como intuição de discriminação (viveka-Khydti) indicada pelos Yoga-
preces a Ti. Qualquer ação que eu faça, ó Shambhu, é uma ado- Safra como a causa direta e imediata da libertação 2U. Todas as
ração 211 ... disciplinas i6guicas têm um valor instrumental para restabel~ce~ o
espírito em sua pureza inata e permitir assim que o Conhecimen-
to resplandeça, abolindo ,para sempre a ignorância congênita que
consiste em "tomar o que é impermanente por permanente, o que
é impuro por puro, o quo está entremeado de sofrimento por '--:'
felicidado, e o que não é o Eu pelo Eu 2'13".
.:-"
.'
Esse Conhecimento que brota da discriminação, já enalteci-
do pelo Sâmkhya, considerado pelo Pdtafijala-yoga como o resul- '<;;..
tado da ascese ióguica, é preconizado pelo Vedânta o mais es-
pecificamente pelo Advaita-Vadânta, seu mais importante defen-
sor, como um método autÔnomo e completo para atingir a Li-
I,
beração. ~ntretanto, como esse Voga requer altas qualllicaçées
. da parte áo discípulo, não se dirige, de fato, senão àqueles cujo
espírito já está, nums certa medida, preparado, dominado e puri-
f~ado pela prática das outras disciplinas do Yoga, ou pela devo-
çao a Deus e ao guru.

I. As qualificações requeridas
Para abordar esse Voga, as qualificações requeridas -:c- além
da acuidade intelectual, da capacidade de raciocinar e de um
conhecimento profundo das Escrituras - são as seg~intes:
"
270 BIJágavata-Pur., X, 30, 19. 2T2 Y.S.• II, 26.
~1 Çil'amânasapQjd de ÇankarAcArya. 273 Y.S., II, S.

V
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- 142 o YOGA O Y OOA DO CONHECIMENTO 143


( .
I. A discriminação entre o que é permane.l1te e o que é im- - domínio de si: perfeito controle sobre os órgãos de per-
r· permanente. cepção e de ação;
O Uídna-yoga, que mobiliza todos os poderes do intelecto, - cessação de toda atividade dirigida a um objetivo inte-
caracteriza-se como a busca da Realidade absoluta (Brahman). ressadamente;
Distinguem-se tres graus de realidade: 1) realidade de aparên- - resistência: coragem e paciência para prosseguir em seu
cia; 2) realidade empírica; 3) realidade absoluta. A realidade de esforço a despeito das dificuldades e dos obstáculos;
aparência, como a do sonho, da alucinação, dos volteios executa- - concentra~ão e estabilidade total do espírito;
dos por um mágico, se desvanece assim que a ilusão se dissipa. - fé, provemente de uma adesão deliberada da razão à ver-
A realidade empírica, a da experiência cotidiana, está submetida dade tal qual está exposta nos textos sagrados e pelo ensinamen-
to do guru. e de uma firme convicção na possibilidade de atin-
a uma mudança perpétua. Pois o que é absolutamente real devo . (,
gir-se a Liberação. .
ser invariável e indestrutível, a todo e qualquer momento ou cir-
cunstância. Aquilo que é num dado momento, e não é mais no "Sem fé não há esforço, e, sem esforço, não há realização :m."
instante seguinte, não poderia ser verdadeiramente real. Portanto 4. Aspiração intensa à Liberação.
essas duas espécies de realidade, ilusória e empírica, não podem
É o desejo ardente de libertar-se de todas as formas de ser-
ser "realmente" reais. São aparentemente reais, ou reais apenas
no momento presente. Somente o que é idêntico em todas as vidão.
Quand~ um homem possui todas essas nobres qualidades,
condições e através de todos os estados de consciência, é abso-
... ":'
lutamente real. O que o jMnin (o adepto do Yoga do Conheci- deve aprOXimar-se, nas formas requeridas e com toda a humil-
mento) busca é essa Realidade absoluta (Brahman) , e não uma dade, de um verdadeiro guru, fixar sua atenção sobre seus ensi-
,-
n~mentos, e dedicar corpo e alma a seu esforço de liberação.
realidade relativa, limitada, condicionada:
,- "Saiba com certeza que Brahman é a aquisição que nada DIz-se geralm~nte que, quando o discípulo está maduro, o guru
deixa para ser adquirido fora dela, a felicidade que não deixa aparece por SI mesmo. O verdadeiro guru, conhecedor do Abso-
.'- luto, que transmite a verdade e transporta o discípulo para a
nenhuma outra felicidade para ser desejada, o. conhecimento que
~.
nada mais deixa para ser conhecido. Saiba com certeza que Brah- Outra Margem, é a misericórdia divina encarnada. A transmis-
man é isso que, uma vez visto, nada mais resta para se ver, é s~o de mestre a discípulo faz-se tanto pelo silêncio quanto pela
isso que, tendo-se tornado, não mais renasce no mundo do devir, palavra: "Um simples olhar propício de um conhecedor de Brah-
é isso que, uma vez conhecido, nada mais resta a conhecer 1374." man é sUficie~te para inundar os olhos de lágrimas, iluminar o
Só a Realidade absoluta é eterna e real; todas as demais coi- rosto de serenIdade, e encher o coração de felicidade. n
sas, os fenômenos tanto .subjetivos como objetivos, são moven-
tes, impermanentes e transitórios. Estar consciente dessa distin., II. O papel do Conhecimento
,.' . ção é a discriminação. O Conhecimento é liberador, pois revela a verdadeira natu-
,.-. 2. O desapego. reza das coisas. "Nada pode cortar os laços da servidão salvo
,.-} . es~ r:taravilhosa espa~·a d~ C~>nhecimento, forjada pela' discri-
Ê o desinteresse por todos os objetos de prazer que podem mmaçao, enquanto o fIO fOI afIado pela graça divina 2'i16." O Co-
ser obtidos nesta vida ou após a morte, em qualquer estado, mun- nhecimento opõe-se dire!amente à ignorância espiritual (avidyd) ,
do ou condição que seja, considerando-se sua natureza imperma- qjue é a causa da confusao do Eu e do não-Eu; e é essa confusão
nente. que é a base, o terreno de cultivo de todos os males. O Conheci-
3. Os seis tesouros: mento consiste: 1) em eliminar todas as falsas concepções do
Eu, e 2) em revelar a verdadeira natureza do Eu.
- paz de espírito;
274 Çankarâcârya, A tmabodha. 54-55.
:i:, çId., kSarva-veddnta-s{ddhanta-sarasamgraha, 212.
ao arâcârya, Vivekact2ddmani. 147.
..'"',
'

144 o VOGA o Y OGA DO CONHECIMENTO 145

1. FALSAS CONCEPÇÕES DO Eu tais como o corpo, o espírito, os sentidos, a moradia, o territ~


-:
rio. Essa confusão, que nos faz imputar ao Eu em primeiro lugar
o Eu (âtman) é, por naLureza, ·aquilo que, sem saber, toda as características do corpo tais como nasciment,?, crescimento.
criatura mais venem. Entretanto, é sempre falsamente apreen- .
doença e morte, exprIme-se peIa crença: U eu naSCi,
·U fo' eu cres c'"
1 • '.
."/
dido. O sentido do ego (ahamkdra) é o resultado de uma iden- "eu estou doente", "eu morro".
tificação errônea do Eu com o que não é o Eu. Os ignorantes
identificam o Eu com coisas exteriores tais como lar, famflia, ....-,.
posses, pafs etc. Quando essas coisas são danificadas; feridas ou 2. DISCRIMINAÇÃO ENTRE O EsPECTADOR E O EsPETÁCuLo
perdidas, eles relacionam a lesão e o dano a eles mesmos. A
crença materialista m.ais comum é que o corpo é o Eu, dotado A discriminação entre a Consciência que vê e aquilo que ,.'
de características como a juventude ou a velhice, a beleza ou .,\
. tem a natureza de um objeto de visão, que portanto não é ela
a feiúra, a saúde ou a doença. Ou, ainda, consideram-se os ór- própria, é a via que: leva ao conhecimento do Eu. Por exemplo,
gãos de informação e de ação como si próprio, e sustenta..se a os vários objetos do mundo exterior, diferindo uns dos outros '-
noção errÔnea de que o Eu pode ser cego ou surdo, sadio ou pelo tamanho, a forma, a cor, e submetidos à mudança, são per-
enfermo. Outros consideram que as energias vitais são a própria cebidos pelo olho que, com relação a eles, representa uma uni-
pessoa e pensam que o Eu tem fome e sede. 9otros crêem que dade não-mutável. Porém o olho, com suas diversas condições ".'.'
o espfrito é o Eu, e que o Eu é inteligente ou estúpido, cheio ' tais como cegueira, miopia, presbitia, fadiga ocular ou acuidade
do dúvidas ou de desejos. Alguns identificam o Eu com suas
emoções, com o ódio, com os movimentos passionais. Outros fi-
da visão, devidas seja às imperfeições,
gãos, é ele mesmo um
. .
seja à integridade dos Óf-
objeto de percepçlo para o espirlto, que ,
nalmente identificam o Eu com conteúdos do pensamento, cren-
ças, artigos de fé, ideologias. O niilista descreve d Eu como não-
com relação a essa~ modificações é relativamente um. Por fim '. ~.

o espírito, com seus estados cambiantes de dúvida, determinação,


ser. Mas todas essas noções pertencem na realIdade à categoria temor, audácia, desejo, calma, agitação etc., é um objeto de per-
do não-Eu. Todas essas coisas são exteriores ao Eu, são outra! cepÇão para a Consciência, que 6 a unidade que percebe essa
coisa que o Eu, porque são vistas por ele, percebidas por ele;1 multiplicidade. Essa consciência invariável e idêntica é o último
. conhecidas por ele. Elas têm a característica de' objetos de per· sujeito que percebe. Não podemos ir além, pois ela jamais se
cepção, iluminados pela luz do Eu ou consciência pura. Mesmo torna objeto de percepção. Só podemos conhece-la na unidade,
aquele que descreve o Eu como vazio ou não-ser necessita de porque somos essa Consciência, e não na dualidade, percebendo-a.
consciência para afirmar o vazio. . I Sua existência não pode se! posta em dúvida, porque aquele que
O Eu não é nada disso, o Eu é a Consciência, pura por na- !I duvida é ele próprio o Eu, a Consci8ncia. Aquele que a ·nega não
tureza, intemporal e bem-aventurada, que conhece tudo o que i
_ .Lo faz mais que Involuntariamente afirmá·la. Todo universo, desde
se passa nas condições de vlgnia, de sonho e de sono profundo; os objetos sensíveis até os fenômenos subjetivos, tem a natureza
que nunca cessa de estar consciente, seja da presença, seja da de objeto d~ percepção, de espetáculo. Ora, o que se vê é sempre
ausência das funções mentais. Ê a Testemunha, o suporte cons- percebido como exterior a 51, mesmo no caso das modificações
tante do sentido do eu, que é experimentado como "Eu agente'~ mentais, das funções psíquicas. O Espetáculo, múltiplo e cam-
por todos os seres animados, desde os mais ínfimos aos mais biante, é o não-Eu. Mas o espectador, que é pura COIl$Cl!ncia,
evolufdos. .,. é o Eu do homem.
Esta confusão entre aquele que vê e aquilo que é visto é ob- Pelo efeito de ignorância da natureza real do Eu, os atribu-
servável em cada ação e pensamento de nossa vida diária. Ê ela tos do não·Eu são impostos ao Eu, que é assim recoberto, obs-
que nos faz dizer frases comuns como: "sou eu", "eu sou fula- curecido, como o é. o sol pelas nuvens. ~ assim que o Eu, que
no", "isto é meu", pelas quais identificamos o Eu agente, cuja é eterno, imortal, sem forma, não condicionado pelo espaço, o
natureza é consciência pura, com objetos materiais ou psfquicos tempo e a causalidade, aparece 'como um eu particularizado

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r 147
( 146 o YOGA o YOGA DO CoNHECIMENto
,.., Essa disciplina de negação exerce-se sucessivamente em face
Uiva), um ser limitado, sujeitado às leis físicas e éticas, subme.
tido às determinações materiais. de cada um dos "envelopes" que recobrem o Eu, ofuscam seu
brilho e paralisam sua liberdade:
ITI. I>e:;identifica~o
· :'1'. Inicialmente, em face do corpo grosseiro, que ~ a .forma
O remédio para essa ignorância ~ apav4da, a disciplina de de :1déntificação mais evidente. O discípulo, ~eve consClenuzar-se
negação, que consiste em eliminar, pela discriminação, os atri· de ',que ele é, outra coisa que nã~ o corpo, I~ento de mudanças
butos falsamente imputados ao Eu, até pôr a 'descoberto a sua 'tais 'como crescimento e envelhecunento, naSCUDento e morte, C;
verdadeira natureza; processo comparado ao ato de escavar a nfi\) 'determinado pelos condicionamentos do corpo. O ~rpo e
terra, retirando-se as. camadas acumuladas de limo, do pedras e par'a 'ele simplesmente o que 6. a casa para s~u I~táno:
de areia, até se expor à luz um tesouro profundamente enter- · ;'0 tu .que a ignorância afasta, pára de Identificar-te com
rado:m . es~a', amálgama de coisas, imundas: essa pele, essa gordura. essa
"Deve-se, pela discriminação, separar o Eu puro mais inte· carne e es~es ossos. .
rlor dos invólucros que. o recobrc~ tal como s~ descasca um ·\....Identiflca.to acima de tudo com o Eu universal. Tu cc-
grlo de arroz, sep~rando-o da casca que o recobre ao socá·lo em nhe'cerás a paz que nada pode perturbar.
um pillo. . " .."Sem .quo mais, te identifiques.com a sombra de teu corpo.
. "Realizar o Eu como distinto do corpo, dos órgãos dossen· nem' com a imagem de teu corpo, ~ue se ~nete. nu~ espelho ou
tidos, da faculdade mental, do intelecto, e do ~ Prakrtl indiferen· ná água de uiD: tanque, nem com o c~rpo .lIDagmário ,que tomas
cIada, c;omo a Testemunha de todas as suas funções compárá. êmprestaao em teus sonhos ou que te 1Dventas em qUlIDeras fan-
vel a um rei. ' tasiosas, nlo deves idc'ntificar-tc com esse coJ;pO vivo ~."
"Como a lua parece mover·se quando as nuvens correm no 2 • Em face dos órgãos dos sentidos.
du, assim, pa~ aquele que .nlo discrimina, .~ Eú parece'(advo '-Estando Dio 'apegado aos objetos dos sentidos, o jfldnin deve
I.

quando em realidade ,os sentIdos 6 quo slo ativos. ,;",, . compreender que as .diversas condições dos órgãos, tais como.sur·
"Os tolos, por nio-discrImlnação, atribuem ap Eu inalterá. dez ou audIção clara, cegueira pu visio perfeita etc., não dizem
vel, que 6 Ser e Consci~ncla absolutos, as caract~rísticas Ô' fun. respeito ao· Eu, o Conh~edor.
ções do corpo e dps sentidos, assl~ como a~ peSsoas atribuem 3. Em ,faco das energias vitais (prdoa).
cor azul o concavidade ao c~u. ' A inspiração o a expiração, a digestão e a excreção, a fome
. "Co~o o movimento que pertence à ágUa .~ atribuído, por c a sede etc" são funções da energia vital (prdna) , que não ~
19nor~n~la, ~ Jua que aí se reflete, assim a ação, o gozo, e ou. s'enão uma modificação da energia cósmica (v4yu). O Eu está
tras IJmltaçoes que pertencem às funç~es mentais são falsamen. distinto, sendo o conhecedor e a testemunha de seus movimentos.
te atribuídas ao Eu. " , 4. Em face da função mental (manas).
.• "O Eu, cOJ;lsiderando-se como uma individualidade à p~rte' Todas as modlficaç~es mentais, apego, desejo, prazer, pena
vtva ) , é submerso pelo medo, corno um homem que toma: uma ele., são percebldas como exlst~ntes enquanto o espú:ito funcio-
corda por uma serpente, O Eu recupera a ausência de todo medo na. Elas não são percebidas no sono profundo, quando o espúito
quando compreende que não é um indivíduo à parte mas o Eu deixa de estar ativo. Portanto, pertencem ao espírito e não ao
supremo. ' ' Eu. Esse invólucro mental sendo ohjeta de percepção para o Eu,
é. impermanente, tem um .desenvolvimento, uma maturidade e
"Negando-se t()das as limitações graças à palavra escrituraI'
unio ~. is~o! não 6 isso" (net; netl), compreende-se a unidad~
tt m d~cUnio, sendo assim .distinto do Eu.
."0. 5. Em face do intelecto (buddhi).
do ~u md1Vldual e do Eu supremo graças às grandes afirmações
védIcas (mahdvâkya) 278. .. .
:a o 'mais sutH das identificações que serão superadas, porque
"o ir:\'6Iucro do intelecto brilha com vivo esplendor, pois está
~.
~~ Cankarãcârya, Vivekacaddmani, 65.
Çankarâcâry8, A tmabodha. IS a 29.
27t Vfvekacaddmani. 161-163.
, ).
-~
148 o YOOA o Y OGA DO CONHECIMENTO 149

bem pr6ximo do Eu. E o Eu, idcntifIcando-se sem' razão com Ê a indestrutfvel e invariável essênCia do homem, o Ser in-
ele, sofre, pela força da -ilusão, a leI dos renascImcnt.os 230". :e criado, a única e onipresente Realidade chamada Brahman. c
,
que buddhi, quando está obscurecida Pelos guna, raJas e tamas, Essa identidade c;ompleta do Eu humano (dtman), uma vez
despojada de todos os, condiciona~entos adventícios, e da Reali- J
faz nascer o sentido do ego (~k~a), que, i~entificando-se
com o corpo grosseiro, imagina' ser" no palco deste mundo, o ,ator dade' Suprema (Brahman), é ensmaqa pelos Veda e pelos Upa-
e o beneficiário. atribulndo-se a cada instante os deveres, as fun- nishad por meio de múltiplas afirmações, as mais célebres das
ções e os atributos das diferentes ,fàscs .de existência, e 'interpreta : quaIs :nantidas para aS necessidades da meditação, são as quatro
sucessivamente os pap6is do ho.mem desperto, do, sox:mador. e da- • "grandes palavras" (mahdvc1kya) :
quele que dorme. Ao contrário, bud".,!! ,~omlnap~ por. sattv.a len-
de a revelar o Eu. " " " Isso, tu és (Tat ivam asi)
Deve-se distinguir o Eu desses cinco lnvólueros"que, q"'~~cer- [ Eu sou Brahman' (Aham Brahm4smf) ._,
ram, como uma borboleta abandona seu casulo ou como 11m Esse Eu é Brahni,an· (Ayam dtmd Brahma)
ator abandona, no fim do espetáculo, ~': r;náscara da perSOQagern ' Brahman é. Consçiência (PraJn4nam Brahma).
que acaba de representar, Aquilo que pOrJIl.aneçe, UJP8 v~z' reti-
rados os cinco condicionamentQs" ~ a, C0J:t4clêncJa pu.ra, sem 'at'ri- : E$tudaremÇls somcnt~ as duas primeiras:
butos e não-agente, eterna, sem ideaç(Ses, isenta de tod~.Jq1pu- !
'.
reza, sem ~t.eraçfio nem fOrID{l" e $en:tpre tlyrc., O Eu qu.~; ~Fl1tl~ "; , ", 1. "TU :éS ISSO"
~m sua própria luz 6 o. sub,stra~ ,lrie~~~y~l'~ttógldÇ) ,pel~I,,~tJ\;- Ir
•• I ;

: '.. .
çao de todas as detemunaç(Ses hmitadvas.'
'. . , .. : " .. .'."
~ '" A Realiqade ~uprema (Brahman.) 6 def~da como Verdade-
Conheclmento-Inf~idado: (satyam }ff4nam anantam), ou ainda 1"';
_"
IV. Revelação de 8ua própria e verdadeira ldentlclade como S&r absolutO-Consci!ncia absoluta-~eUcIdade absoluta (sac-
I,; dddnanda). Essas palavras não designam qualldaçle da Realidade,
..
A Realidade que é atingida no fim desse processo de despo- mas sua, n,atureza,' e~encialõ Assim Brahman nlo possui o ser ,'-./
.'
jamento integral verifica-se então nlo sef outta ,senão a ReIlU- no 'sentido em, quo um objeto existe. ~e próprio 6 o Ser, a es-
sêncIa. da exIstên~~a,: incondIcIonado pelo tempo, o esp~ço e a ._' • 1

dade Suprema, que era o objeto da busca. À disciplina de nega- ,


ção de todas as HmitaçOes segue.se uma disciplina de afirmação I causalidade.. Assim, não, 6 que Brahman. conheça ou esteja cons- "
,,--.-
da Realidade absoluta. A falsa identificaçlo a condlç{5es Imper.; ciente do que, quer que seja:, ele 6 a Consciência absoluta, a es-
maneotes e relativas 6 subsUmIda pela identificação à Realidade sência do cQnhecimento. O conhecimento 6 possível no mundo
intemporal e absoluta: ' relativo somente porque Brahman fOrma a essência do sujeito
"Ocupo todas as coisas do exterior e do interior. Sempre, conhecedor. Da" mesma forma, a Felicidade ou Beatitude perfei-
imutável e perfeito, sou idêntico em todas as coisas. Sou puro, ta (dnanda) não 6 um atributo de Brahman, mas seu próprio ser.
não-apegado, sem mácula, imóvel. Ela não é da natureza da fellcidade produzida pelo contato dos '~.
"Sou em verdade esse Supremo Brahman, que é eterno, p~o sentidos com seus objetos, sendo ela mesma sua própria causa.
e livre; que é um, indivis{vel e sem dualidade; e que é Verdade, Mesmo as mais elevadas formas de felicidade experimentadas no
Conhecimento e Infinidade ~1." . mundo relativo, as dos estados paradisíacos, não são senão um
"Eliminando-se o não-Eu, acaba-se por realizar o dtma" que reflexo da Felicidade de Brahman. O "Conhecedor de Brahman"
é evidente por si mesmo, incondicionado como o éter, e que ul- não goza essa Beatitude como um objeto; ele coincide com ela, ':.-'
trapassa o pensamento 282." torna-se a Beatitupe total e sem limites. Por fim, Ser, Consciên-
cia e Felicidade são "indistingu{veis" em Bra1zman, distinguem-se , "
'

280 Vil'ekac12ddmani, 181.


apenas por causa da: inadequação da linguagem em exprimir a ~~'

281 A tmabodha. 35. Realidade em que o Ser é Consciência, o SeI' é Beatitude. a Cons- :0
"

282 VÜ'ekacúdômani, 250. ciência é Ser, ela é: ·Beatitude e a Beatitude é Consciência. É

~' "'._'" _., ...... ~_. ,... ~~i~.


.... ,M': 4#b_....·. .;"'''~·~'l!~
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-..,. """''''''''''''lI''''''"'''!'''' .. " -
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150 o YOGA o VOGA DO CONHECIMENTO 151

também por causada inexpressibilidade de Brahman que se fala "Aquilo que está além das castas e das crenças, da família
de sua unidade: a Realidade Suprema é uma, mas não mais no e da raça, aquilo que é desprovidtt 'de nome e forma, aquilo que
sentido cm que 0'501 é um, nosentido em que uin objeto é único. ultrapassa o bem e o mal, a.qúil~ que transcende o espaço, o
(
Pois a idéia de unidade, no domínio relativo, implica sempre a tempo e os objetos ..,percebidos,' é Brahman·..:- e tu és esse
exist~ncia de um se~ndo que percebe a unidade; ela é portanto llrahmanl Medita, pois, .sobre isso e1]1 teu 'coração!
correlativa da idéia de dualidade e de multiplicidade. Ao, passo "Esse supremo Bri1hmqn qU-l:r'a linguagem não atinge, n;aas
que a unicidade de Brahman significa a identidade' completà do que o alba interior contem'pla .11'0 estado de iluminação; que por
sujeito e do objeto, uma experiência indescritível onde não há nada é tocado nem maculado, que ~ o Conhecimento absoluto,
mais dualidadc no Ser. ' Ser sem começo e sem fim - tu éS esse Brahman/ Medita, pois:,"
Na frasc "Tu és isso", a Realidade suprema (Branman) é sobre isso em teu coraçãol
indicada pela palavra "Isso", o' ser individual (Jtva) pela pala~ "Aquilo que não está sujeito ao nascimento, nem ao cresci·
vra "tu", A identidade deles não deve ser compreendida no sen- menta, nem ao desenvolvimento,.,nem ao declínio, n~m à doença,
tido literal, po1s seus atributos opõem-se tanto quanto os do sol nem à morte; que é indestrutível; que é a causa pela qual o uni· ~."

e do vagalumc, do oceano e da onda, dó rci e do súdito, do verso é projetado, mantido. e dissolvido - esse Bra,hmon tu és'!
mont~ Mero e do átomo. A identificação só· 6 possível quando Medita, pois, sobre isso em teu coração 284 I"
os dOis tcrmos forcm despojados de todos os seus atributos e
reduzidos à sua essência pura, No caso do ser individual, odes-
poja!Dento é o dos cinco invólucros do Eu, causas de sua igno- 2, "Eu Sou BRAHMAN"
râ~cJa e de sua fraqueza, ~o caso da Realidade suprema, o des-
~Jame?t~. é ? de seus atnbutos de Senhor, de Deus (onipoten- Quando o jfíânin medita ininterruptamente dessa maneira
cla, omSCJenCla etc.), que são todos relativos à manifestação e sobre a unidade do eu indiVidual e do Eu universal, surge nele
forma~ como q~e a contraparte das limitações. do. jtva. Abstra- um estado de consciência (vrtli) exprimido pela frase "Eu sou
çAo feJta dos atnbutos, que pertencem à rea.Jidade empírica e fe- B.rahman", na qual '0, id~ntifica ao "Incondicionado, à paz si-
.' ' nomenal, da qual o discípulo se dessolidarizou e não à Reali- lenciosa, ao Ilimitado sem começo e sem fim, à Testemunha que
dade absoluta, na qual se refugia e sobre a qu~l se baseia uma perman~e fora de toda atividade, à Felicidade absoluta 286", a
vez, pois, eliminados os atributos, resta apenas a essência c~mum ".essa Realidade indivisível, incomensurável, sem forma, indife-
'-' . a eles, a Conscf~ncfa de base na qual Deus' e o homem fazem renciada, inexprimível' e. imutável, que resplandece por sua pró-
apenas. um. A~sim, "o cetro é o atributo do rei; o escudo, o do p'ria luz 288", a "esse Br.l/lman que é a totalidade de todos os seres
.--' g~errelro. Retire de um o cetro; do outro o escudo: não há mais e de todas as coisas, a ilE'U de todas as criaturas Z8'l?' •
rei , n em guerreiro.
' 2 8 3 " . Corno, em todo ato de reconhecimento
. : Esse estado, que ~io 6 ainda a Liberação, ·mas a iluminação
há eliminação dos aspectos conflitantes, para não reter senão ~ da buddhi puramente sáttvica pela luz do dtman que ela deixa
'7' que é comum aos dois termos. Por exemplo, quando reconhece- transparecer, d~trói .ltodas as dúvidas concernentes à Rea1i~de
mos: "É ele, esse Devadatta" (que conheci faz muito e em outro e consome a ígnorâ.n:cia.
J~gar),. negligencia~os todas as. circunstâncias que diferem para
c~nt~a~IZar a at.ençao no próprio homem, idêntico através das V. A prática do Jfiâna·yoga
con.dlçoes cambiantes. Assim, para compreender "Tu és Isso" o
sábio abandona os elementos contraditórios associados com o "tu" Consolidar esse es:tado de iluminação, que é "a alvorada do
e com o "Isso", e reco~hece a identidade de ambos, sua atenção ~onhecimento", e torná-lo permanente, é _o objetivo do esforço
concentrando-se exclusivamente sobre a essência 'que lhes é i
comum. 284 Vivekacadâmani, 254, 255, 258.
-=!lI 2811 Ibid., 237.
~8a Ibid, , 238.
283 Vivekacúdâmani, 244. 28'/ Ibid., 240.
...... ,
.......
152 o YOOA o YOOA DO CONHECIMENTO 153

de realização (sddhana). Não se deveria crer que uma simples tolices do espírito. Deve ser superada pela lucidez, pela observa-
apercepção intelectual da verdade seja suficiente. ção desapegada, pela atenção precisa e pela aplicação. O yogin
"Essas pessoas que são apenas muito hábeis em discutir so- deve permanecer a testemunha imparcial de todas as modifica-
bre. Brahman, mas que não o realizaram pessoalmente, e estão ções de seu espírito.
cheIas de apegos, renascem e morrem ainda muitas vezes em con- 3. o.
·apego. O espírito é às vezes arrastado por arrebata-
seqüência de sua ignorância 288. " mentos emocionais, varrido por um violento apego ou tomado
O IOOna-yoga deve ser praticado incessatitemente com um pela sede de saborear de novo uma experiência passada. O yogfn
~ntenso amor pejo Objetivo a ser atingido e uma~determinação deve superar esses repentes, lembrando-se de que toda felicidade
l~ex1vel, ~té o momento em que Brahman seja realizado tão baseada no contato entre o objeto e o sujeito é transitória, e pro- -.J'

dlreIa e eVIdentemente "quanto um fruto que se tem nà palma curar a origem da verdadeira felicidade. ,
.:'
da mão". 4. A satisfação' num estado feliz não-derradeiro. O yogin
Distinguem-se quatro momentos da prática: atinge estados beatificos, e tem às vezes visões ou êxtases que
são apenas obstáculos para ele, na medida em que se apega a
- Escut~r (çravana) as instruções de um guru qualificado. esse gozo, e cessa de esforçar-se para ir mais 16m, ao tomar er-
- RefletIr (manana) , pensar constantemente nesses ensina- radamente essas ex.periências secundárias pela Realidade última.
mentos, eliminar as dúvidas, as objeções, e fortalecer sua con- Acontece também que ele permanece tão absorvido na felicidade .;
:':... '
vicção por raciocínios corretos; do savikalpa-samddhf que se recusa a abandoná-lo para dar o
- Meditar (nididhydsana). salto final, o grande mergulho na Realidade absoluta que ani-
- Absorver-se em Brahman (samddht). quila todo sentido do eu.
A disciplina de negação de todas as falsas identificações e
a contemplação do Brahman devem ser continuadas sem inter- "Até que a identificação com o corpo grosseiro não esteja
missão. Nem o sono, nem a preocupação com assuntos corri- desenraizada, fica vigilante, concentra a teu espirito.
queiros devem fazer perder de vista a verdadeira natureza do Eu. "Se tu ainda conservas - mesmo que tão inconsciente quan-
. "Sentado num lugar retirado, liberando o espírito dos dese- to um sonho - a percepção de um universo exterior e de almas ',-~'

JOS e controlando os sentidos, medita com uma atenção inque- distintas umas das outras, redobra o ardor 2110. "
. brantável sobre o infinito dtman, o Um sem dualidade. Todos os obstáculos erguem-se somente por causa da inad-
_ :'-'?- impressão 'Eu ~ou Brahman' assim criada por uma refIe. vertência, da incapacidade de permanecer estável na' consciência
x~o. ininterrupta, destrÓI a ignorância e suas distraçõcs, como um do Eu. Se o espírito se afasta por pouco que seja do Eu e toma-
eliXIr de longa vida dissipa a doença 289." se esquecido, cai gradativamente, como a bola que se dei.xa rolar
escada ,abaixo, saltando de degrau em degrau. A verdade do Eu .,
Os obstáculos que se erguem sobre ,a via do jliâl7in são: é extremamente sutil e não pode ser atingida por um espírito
distraído; não pode ser realizada senão por uma concentração
1. A sonolência. Inércia, perda de interesse, preguiça, le· ex t raordinária em todos os instantes.
targia física ou estagnação mental são superáveis estimulando-se A consumação da prática é atingida quando o yogin obtém
o espírito por diversos meios: leituras, discussões, cantos, cantata uma convicção de sua identidade com Brahman tão firme, in-
com os sábios etc. contestada e espontânea como a crença do homem comum em
2. A distração, causada pela multidão dos pensamentos, sua identidade com o corpo. Essa realização conduz ao samâdhi:
freqüentemente vagos e insignificantes, a ressurgência incoerente
1. savikalpa-samâdhi, quando o yogin, embora absorvido
das lembranças, a legião dos desejos, das dúvidas e das pequenas
em Brahman, faz ainda a distinção entre conhecedor, couhecido
e conhecimento, e retém nem que seja um minimo de consciên-
:!s~ Çankaràcârya, Aparokshãl/ublll/fi. 133.
289 A tmabodha, 37-38. 2110 Vil'ekollídômani, 284.285.
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O YOGA DO CONHECIMENTO 155
154 o YOGA

na qualidade de Consciência pura, no fundo de todos os seres.


cia individual. O jíiânin está ainda conscient~ do mundo 'íeno-- Sou o suporte do mundo exterior e interior. Sou ao mesmo tem-
menal, se bem que o veja agora como penetrado, embebido po o sujeito e o objeto de toda experiência. Sou o que antes
pelo Absoluto. É como se visse jarros, moringas e potes ao mes- ..eu tinha pelo universo e pelo não-Eu. Sou o oceano da Beatitude
mo tempo vendo a argila da qual eles são formados. ' infinita, e é em mim que, ao alento caprichoso de mâyâ, se ele-
2. nirvikalpa-samddhi é 'a absorção total, desprovida de vam e se apaziguam todas as ondas do universo 2tl3 • II
consciência individual. Toda distinção entre o conhecedor o cc- Ainda que permanecendo em contato com seu corpo, cuja
n~ecido e o conhecimento extingue-se, e o espírito fund~-se in- persistência é devida ao prdrabdha-karman 204. o Liberado--vivo
teiramente em Brahman, tornando-se um com a Realidade abso--
não é de forma alguma afetado pelos condicionamentos daí de-
luta, como um grão de sal dissolvido n'água; ou usando-se uma
comparação mais adequada: . ' correntes. Sua categoria não' pode ser exprimida senão com para-
doxos: "Ele nada possui, e no entanto está completamente sacia-
. "Quando uma moringa se quebra em pedaços, o éter apri-
do. Está privado de tódos os recursos, e no entanto tem todos
slOnad~ nela une-se sob nossos olhos ao éter sem limites. Pela
os poderes, Não tira proveito de nenhum objeto dos sentidos, e
destruição das condições limitativas, o Conhecedor de Brahman
,.' torna-se o próprio Brahman 291." no entanto experimenta incessantemente o mais intenso dos con-
!ent~mentos .. , Embora com a capacidade de agir, permanece
,''- matlvo. Embora colhendo o fruto de ações executadas anterior-
VI. O Liberado-vivo (Jivan-mukta) mente, não é afetado. Embora tendo um corpo de carne não
Após a experiência do nirvikalpa-samddhi, o yogin atinge a se identifica com ele. Embora tendo um limite, é onipre;ente.
liberdade absoluta. "Os laços do coração são cortados", o apego Nem prazer nem sofrimento, nem bem nem mal tocam o Conhe-
ao ego e ao mundo fenomenal é inteiramente dissolvido, ced.or de Brahman... Ele vive na qualidade de âiman. É na
"O yogin quo possui a iluminação completa vê, pelo olho realidade o próprio Çiva 29G."
do conhecimento, o universo inteiro como sêu próprio Eu e vê Com o esgotamento do prârabdha-karman, o corpo decai por
a Si mesmo como o Um presente em tudo 292." si mesmo, e sua _morte não afeta mais o Liberado, como a queda
de uma folha nao afeta a árvore no outono. Todos os condicio-
...
.... ~
O deslumbramento do Liberado diante dessa experiência de
nam~ntos adventícios estando dissolvidos, é a absorção total na
universalização do Eu não conhece limites:
Reahdade Suprema, como a água na água, o espaço no espaço,
"Para onde foi o universo? Quem o fez desapar~er? Em
que se reabsorveu ele? Há pouco o percebia, e eis que se des- a luz na luz.
vaneceu. Que estranha maravilhaI Por toda. parte vejo apenas
o Oceano da Realidade que o néctar da FeliCidade absoluta pre-
enche até as bordas. Nada há a rejeitar, nada a aceitar, nada
que não seja o Eu, " Bem-aventurado sou, atingi o objetivo da
existência, escapei à prisão da transmigração ... Por fim, as cor- 203 Vivekacúdâmani, 483-496.
...-::0.", rentes partiram-sei Estou livre do corpo grosseiro, livre do corpo rl9' O prárabdha-karman é o karman que já entrou em funcionamento,
sutil. Nada pode me afetar. Estou em paz; sou ilimitado; estou t:ndo começado a frutificar, que é a causa dlreta do nascimento e da
vl~a no. corpo a~uaJ. Opôe-se ao karman acumulado durante inumeráveis
livre de toda impureza; sou eterno ... Em verdade, sou Brahman,
e~lstênclas ~samclta..karman), e ao karman que ainda não chegou à maturi-
o Um sem segundo, aquele a quem nada pode ser com.parado, ditde e CUJOS efeitos não se farão sentir senáo nas vidas vindouras
a Realidade que exis~e desde a eternida'do, aquele que ultrapassa (agl1mi-kar~an). Este~ dois últimos são reduzid06 a cinzas pelo Fogo
todas as imaginações tais como 'tu', 'isso' e 'aquilo', Sou a essên- ~o Conhecimento realizador. Mas o karman que já começou a frutificar
(prárabdha) deve Inelutavelmente produzir seus resultados até o fim assim
çia da eterna Fe~jcidade, sou a verdade... Resido, unjcamente, como a f1e~ha atirada por um caçador, mesmo que ele perceba um
8egu~do mais tarde que cometeu um erro de tiro, nAo pode mais ser
paralisada em seu curso e deve fatalmente atingir o alvo visado
::IIll Vlvekacf,ddmani. 565. 295 VivekacüdlJmani, 543-545 e 553.· .
:2112 A tmabódha, 47.
KUNDALINI-YOOA 157 -...
'. '/

o seu poder de obscurecimento (dvarátlo) , pelo qual oculta ê


recobre a natureza da Realidade suprema, a unidade e a infini- .....
dade do Ser que é Consciência e Beatitude absolutas. É ela que
faz. com que o mundo sensível pareça diferente daquilo .que é
.j em essência. Por isso é chamada Mâyâ, Magia, Poder de ilusão,
pelos que seguem a via do jlfdna-yoga e adotam como único an-
tídoto o Conhecimento verdadeiro, que revela o Ser e dissipa a
'"-.J
ilusão. A essa Mâyâ cósmica corresponde, no plano individual,
VII. O Yoga do Despertar da a ignorância espiritual (avidyd), a nesciência (ajff4na) que per-
petua o samsdra. Que um elemento de inconsciência esteja pre-
Energia Enrolada sente em toda a manifestação é evidente pelo fato de que tudo
(Kundalini-Yoga) o que é limitado por um corpo ou por um psiquismo não é
Consciência pura, mas consciência condicionada. As faculdades
E o Yoga do Esforço Violento mentais limitam a consciência para permitir a possibilidade de
(Hatha-Yoga) experiências acabadB;s. "Nada, no mundo fenomenal, é abSolu-
tamente consciente ·nem absolutamente inconsciente. Consciên-
cia e inconsciência estão sempre entremeadas 21)7. Certas coisas,
I. KUNDALlNI-YOGA entretanto, parecem ser mais conscientes ou mais inconscientes
que outras. Isso se deve ao fato de que Cit (a Consciência), que
Çiva e Çakti nunca está ausente de nada, se manifesta ainda em diversas ma-
Em todos os Yogas que dependem de perspectiva tântrica 296, neiras e em diversos graus. O grau dessa manifestação é 'deter-
a Realidade Suprema, irredutível, imutável, é denominada Çiva. minado pela natureza e pelo desenvolvimento da mente e do
E a causa da Manifestação universal (Prakrti) é chamada Çakti, corpo dos quais se apossou. O Espírito permanece o mesmo; a
o Poder de Çiva. Çiva é a Consciência una e absoluta, Sem dife- mente e o corpo variam. A manifestação da Consciência é mais
renças nem gradações. É a Çakti que cria o movimento e a mul- ou menos limitada na medida em que nos elevamos do mineral
tiplicidade, por meio dessas divisões e limitações da Consciência ao homem,.. Mas através de todas essas etapas da vida, Cit
que são o mental e o material. Todo o universo é o jogo mútuo
permanece a mesma; ela própria não se desenvolve na realidade.
desses dois princípios: Çiva e Çakti, a consciência perfeita, imu- ..~

tável, e sua capacidade de esquecer-se como tal e de exprimir-se A aparência de desenvolvimento deve-se ao fato de que está ora
mais, ora menos velada ou contraída pela mente e pela matéria. .::..--
como dinamismo e transformação. Esses dois princípios, entre·
É velando-a assim que a Çakti cria o mundo 298."
tanto, são apenas um em relação à Realidade absoluta, e o yogin I,

que atingiu a perfeição (o Siddha) realiza em si a unidade des. ...,'


ses dois princípios. A Çakti, poder de projeção
Mas, na tela assim estendida sobre a Realidade Suprema, a
A Çakti, poder de ocultação Çakti ostenta a diversidade cintilante e movente da existência
Em primeiro lugar, a Çakti suscita a possibilidade de esque·
...
~n7 O elemento de inconsciência está nusente apenas na Consciência
cer o Eu, de perder de vista a natureza da Realidade última. É suprema (Brahman, Çiva). "Não há mente sem um fundo de conscien- ."'"
cia, embora a Consciência suprema seja sem mente (amanas). Ai onde
2tlo o tantri~mo é o espirita que anima os Tantra, va~to conjunto de
não há mente, não há limite." Arthur Avalon (John Woodroffe), La
telttos que se apresentam ora como uma adaptação da doutrina védica Prlissance du Serpent, :p. 34.
às necessidades e às capacidades dos homens da época atual ora como zoos La Prlissance du Serpent, pp. 37-38.
uma revelação original. 1 __
J,._.. . . -

158 o YOGA KUNDALINI-YOGA 159

fenomenal 28Q • É o seu poder de projeção (vikshepa) , graças ao anteriores, constituindo a massa da ignorância potencial o do
qual o universo é manifestado. A Çakti é1 o Poder que se atuali- desejo de gozo das experiências condicionadas, torna-se Poder
za como universo, a Energia primordial da qual todo fenômeno Ativo , e desenvolve todo o universo na ordem de emanação dos
contido no espaço e no tempo não é senão uma manifestação __ Jattva descrita pelo Sdmkhya, "Çakti, operando como PraJcrti,
parcial, a transformação sob a forma de tudo o que é mental e desenvolve primeiro a mente (Buddhi, ahamkâra, manas) e os
material.' Ela delimita formas na Consciência sem formas, "fi- sentidos (indriya) , depois a matéria sensível (bhala) sob suas
nitiza" o infinito, divide o Um, exprime o imutável no movimen- cinco formas (éter, ar, fogo, água, terra) derivadas dos princí-
to e no devir. Ela é a grande Matriz de tudo que é nascido, pios supra-sensíveis ... Depois que Çakti entrou no último e mais
produzido, causado, a Mãe do universo, o aspecto feminino do grosseiro dos tattva, "a terra", isto é, a matéria sólida, sua obra
Divino, a um só tempo a Fonte derradeira da Energia e todas está acabada, Sua atividade criadora cessa, e Ela repousa. Re-
as suas inumeráveis transformações. O que é em si mesma, nino pousa em Sua última emanação, o principio terrestre 301."
guém pode concebê-lo, ela só é conhecida por seus efeitos. Seu II Ela é então o Poder Residual (ucchista) , a Energia que
dinamismo impregna todo o universo que é unicamente trans- permanece sem emprego após a produção da matéria sólida e a
formação perpétua, desde a matéria mais inerte (onde o guna I conclusão da criação, e que é simbolizada em linguagem mitoló-
lamas torna esse movimento lento e imperceptível) até o espí-
rito, cujas flutuações contínuas (vrttí) revelam a natureza con-
I gica pela Serpente Çesha (cujo nome significa Resto, Excesso).

dicionada. A manifestação cósmica é a expressão da atividade da


Çakti sobre o fundo estático 800 da Realidade ~uprema, Çiva,
que no ser encarnado está presente como o eixo da Consciência,
I
I
que sustenta a terra e é denominada também Ananta (Infinito),
Esse poder residual é com efeito infinilo, pois a Fonte de Ener-
gia, sendo infinita, não é esgotada pela atualização de seu
o princípio do "Eu agente", Assim, há -no homem um poder ! potencial:
.... -.
que se manifesta como atividade corporal e mental, e uma Cons- i "Do Todo, tirando-se o Todo,
I
ciência fundamental e imóvel que preside a este e é o seu prin- ° Todo permanece 302."
cípio unificador. O par supremo, Çiva-Çakti, está portanto pre.
sente no homem assim como em todas as coisas. Mas, tendo cumprido a obra da cnaçao, ela volta a ser po-
tencial e eSlátie:a, e por isso é descrita como uma serpente en-
Kundalini rolada, isto é, uma força dobrada sobre si mesma, enroscada.
Essa Çakti é chamada, na escala cósmica, Mahâkundali, o
Antes da manifestação cósmica, Çiva e Çakti, Deus e Seu Grande Poder enrolado, e na escala rnicrocósmica, é Kundalini,
Poder, formam uma unidade sem dualidade. Çakti, num estado a Enrolada, a energia que, ao término do processo involutivo
potencial, repousa em Çiva, o Ser infinito, to~almente indistinta que produziu o psiquismo e o corpo, permanece como suporte
dEle. Quando. chega a época de uma nova criação, Çakti, que :da manifestação individual. É representada como uma serpente
contém em si os samskdra coletivos, isto é, as impressões men. 'fêmea adormecida, cuja morada no corpo humano é o "centro"
tais e tendências produzidas pelo karman cumprido nos mundos , (cakra) , que -corresponde à Terra na base do .tronco. ASsim
como, em seu estado potencial antes da manifestação, ela eslava
2D9 Há uma profunda conexão entre o poder de recuperação e o poder enrolada em torno do Supremo Çiva, eslá agora enrolada três
de projeçlo. Mesmo Da experi~ncia ordinária observamos que, quando vezes e meia em torno do "Eixo do Existente por Si mesmo"
a verdadeira natureza de uma coisa é ignorada ou encoberta, surgem
sempre noções inteiramente diferentes da realidade, e que têm um ca. (Svayambhu-linga) , o Realmente estático. Ela é o suporte imó-
r~ter aUvo. Assim na penumbra, toma-se um poste por um homem, ou ."
I
vel e a raiz de todos os poderes do ser individual.
uma corda por uma serpente, e essa "vlslo" provoca um medo real.
Ou, ~da, a inquietude nllo 6 apcpu auaenc!a de quietude, mas presença 801 La Puissance du Serpent, p, 47. J. Woodroffe acrescenta em nota
~Il ~"na aaitaçlo efetlva, a Inlmi2ade nlo 6 somente a ausência de arol· , que os termos éter, ar, fogo, água e terra "não são tomados no sent!do
:Zadc, lDlU a cxiataDcla de ~Io etc. ocidental habitual, mas designam os estados etéreo, gasoso, ígneo, líqUido
800 A Çakti é tão inseparável de Çiva quanto o vento móvel do espaço 1 e sólido da matéria.
....... no qual sopra. 1 802 Br. A. Up., V, 1.
1
160 o YOGA KUNDALINt-Y OGA 161

ELEMENTOS SIMBóLICOS ASSOCIADOS AOS CAKRA

Cor do lótus
CAlCRA Tallva Mandala Cor e número Sílaba Divindade Animal Mundo Nó
do lallva de pétalas (bíja) (granthl)

0
0.

.:...~
SAHASRÃJ!A Além
dos lallva
Sem forma Incolor 4tminoso
mil pétalas
Silêncio Supremo
Çiva
Satyaloka
W 00
.; ~ ....1

o,
.'
'

Buddhl Branco -
AJNÂ Ahamkára Triângulo Branco duas pétalas OM Çambu Maharloka Nó ..J
Mancu invertido de Rudra
o.:-J
VlçuDDH1 :eter CIrculo Branco Púrpura sombra HAM Sadâçiva Tapolaka
azulado . dezessels pétalas o•

''J
ANÂHATA Ar Hexágono Cinza Dourado YAM Iça Antnope Jàna/oka Nó
[fumaça} doze pétalas (agilidade, de Vlshnu o)
moblJldade)

MAIlIPURA Fogo Triângulo Vermelho


fogo
Flamejante
dez pétalas RAM Rudra Carneiro Svarloka
~ o ;

SvÂDH1SH- Água Lua Branco Vermelhão


fflÁNA crescente seis pétalas VAM NârâyAna Monstro Bhuvarloka .....
marinho

MULÂDHÂRA Terra Quadrado Amarelo Carmesim Elefante Nó


quatro pétalas LAM Brahmâ (solidez, Bhúrlok~ de BrahmA ,.J ,
-, firmeza)

Os cakra
de existência, se reencontram no homem. E como o corpo gros-
Em virtude da analogia entre o microcosmo e o macrocos- . seiro não faz senão manifestar no plano físico a estrutura do ,~
I

mo, todas as forças cósmicas estão presentes no homem. "Todos corpo sutil, segue-se que os diferentes tattva, em sua ordem de
os deuses residem no homem, como vacas num estábulo", já '--'
emanaçã·~,. estão inscritos no corpo fisico. É assim que se reco-
dizia o Atharva-Veda. Mais ainda, todas as etapas da manifesta- nhecem, no corpo, ~ertas regiões que se põem em correspondên-
ção cósmica, que formam como que uma hierar-quia de planos cia com certos prindpios. Entretanto, deve-se lovar em conta
que os "centros" (cakra) onde operam os lattva, assim localiza-

.... -:
...,~------
\'l
"1
--..
162 o YOGA KUNDALlNI-Y OGA 163

", dos no cor,po grosseiro, não pertencem a este, e que não se deve
procurar identificá-los a órgãos do corpo físico, pois estes não
poderiam de modo algum ser oulra coisa além de suportes.
Os calcra (rodas, círculos, ou centros) estão distribuídos ao ...
longo do eixo cerebrospinal, qu'e representa o eixo vertical da
"descida" da Consciência na matéria, e de sua eventual ascen-
são ou liberação. A coluna vertebral é, por outro lado, identifi-
cada à montanha Meru, que, na geografia simbólica, é o eixo.
do mundo. Os seis cakra são as esferas de atividade da Çalct.i, a
sede dos tattva que governam cada um dos planos de existência.
Além desses seis centros encontra-se, no topo do crânio, o "lótus
de mil -pétalas" (sahasrâra) , o centro cujos raios são inumerá-
veis, ilimitados e eternos, que é a morada de Çiva, a Consciên-
cia incondicionada. Esse centro representa a possibilidade de
tran~ender o domínio da manifestação, e está localizado acima
.... : do orifrcio situado na coroa do crânio, chamado "a abertura
para o Absoluto" (Brahmarandhra) 808. Essa sutura sagilal, que
corresponde à moleira dos recém-nascidos, é _ a via verdadeira
para se escapar do corpo, seja no samâdhi, seja no momento da
morte. ,
O cakra mais baixo, onde reside Kundalini adormecida, é o
mülddh4ra ("o suporte da base"), localizado na base da coluna
vertebral, na região coccigiana. A esse cakra corresponde o as-
pecto mais grosseiro da matéria, o elemento Terra, simbolizado
pelo quadrado. .
Logo acima eqcontra-se o svadhishthâna ("fundamento de
, si mesmo") localizado na região sacra da coluna vertebral, ao
I
nível dos órgãos genitais. A esse cakra corresponde o elemento
Água, simbolizado pela lua crescente.
O manip12ra<akra ("brilhante como uma jóia") está locali-
zado na região lombar da coluna vertebral, ao nível do umbigo. ~--------
0. 0
A esse cakra corresponde o elemento Fogo,' simbolizado pelo
triângulo.
O anâhata-cakra (cakra do som primordial) está localizado
na região dorsal da coluna vertebral, ao nível do coração. A
ess: calcra corresponde o elemento A, simbolizado pelo hexágono.
Os cakra

. . Jean VareMO (Upanfshadl du Yoga, p. 35) observa que "muito ere-


qQcntomente 6 dito que o Jótus sahtUrdra encontra-so nAo "dentro" dG
.'. corpo mas "acima" deste e invertido, Isto 6, com flor "olhando" (como
",
faria um pássaro) o alto da cabeça". Essa corola Invertida 6, se qul-
.'
sljrmos. a auréola latente ("nlo-desabrochada") Que cada homem possuI.
164 o YOGA KUNDALINI-YOOA 165
"~o ":
o viçuddhi-cakra (cakra da purificação) está localizado na Todas as Mdi têm a origem no ma14dhdr~akra, de onde se ele.
e.i
região cervical da coluna vertebral, ao nível da garganta. A esse vam ramificando-se por todo o corpo. Mas Sushumnâ sobe direto
cakra corresponde o elemento Éter, simbolizado pelo círculo. até o topo da cabeça e desemboca no 16tus de mil pétalas. en- .. '

O sexto centro é o âjfiâ-cakra (cakra do comando). locali- quanto Idâ e PingaI!, uma partindo do testículo direito e a
zado na cabeça, na região entre as duas sobrancelhas. A esse outra do testículo esquerdo, vão dar respectivamente na narina
cakra correspondem os taUva psíquicos: faculdade mental (ma· esquerda e na narina direita. No entanto, essas duas nâd1 não
nas) sentido de individuação (aharnkdra) e Intelecto (BuddhO.
I

Os cakra são mencionados expressamente como situados


seguem um caminho paralelo a SushumnA, mas se entrecruzam .." o',

como as serpentes do caduceu de Mercúrio, formando em cada


,"
no .interior do conduto de energia sutil (nOdi) denominado vez junções, das quais a mais importante é a "confluência" que .'
Sushumnâ, que passa pelo centro da coluna vertebral (excetQ ronnam com Sushumnâ na altura do âjffâ-cakra, antes de conti-
pelo âji'íd, que está na cabeça, e pelo sahasrâra, que não se contá nuar seu percurso em direção a cada narina.
<:omo um cakra, estando além do domínio da manifestação). Do
interior da Sushumnâ, os cakra comandam toda a porção circun- o d-espertar de Kundalint
vizinha do corpo; mas são 'também descritos como flores de lótus
(padma) que da! brotam como de sua própria haste. Esses lótus A contrário do jfiâna-yogin, o yogin que segue a via tm-
são representados como em botão no homem comum, a pontà lrica não procura desapegar-se do mundo fenomenal apoiando-se
inclinada para baixo; quer dizer: as possibilldftdes pertencentes sobre as forças do intele<:to; ele visa a transmutar toda a nature·
ao nível de existência representado por cada cakra não estão za, a partir de sua forma mais grosseira, a manifestação corpo-
nele plenamente desenvolvidas. I ral. Para executar essa obra gigantesca, ele' recorre Aquela ~ '. l
mesma que produziu essa manifestação, a Energia Fundamental,
As nâdi agora sonolenta e inerte sob a aparência da matéria. Kundalinl ""
está adormecida, obstruindo com sua cabeça a entrada de Sus-
O corpo é percorrido por uma infinidade de canais (nt1di) 8tH humn!, "o caminho pelo' qual se vai ao céu do Brahman", fechan-
que veiculam os alentos vitais (prâna), isto é, a energia do corpo do a via do retorno. Seu .sono corresponde a um. estado de obs-
sutil que vivifica o corpo grosseiro. Essas nâdí são inumeráveis; cureciinemto de consciência, que não mais reconhe<:e a origem
contam-se em 72.000 segundo alguns textos, em 350.000 segundo verdadeira das coisas, que está inteiramente abandonada ao sen-
outros (números simbólicos). Desses milhares de nâd1, setenta timento da deterioração. da cisão completa entre objeto e suj.,i-
e duas são as principais, e dentre estas quatorze são levadas em to, e agarra-se aos objetos do mundo ou se debate contra eles,
~onsideração pelos yogin. Dentre essas quatorze, três têm uma enfurnando-se assim numa aberração cada vez mais implacável.
importância capital: Idâ, Pingalâ e Sushumnâ. E dentre essas Daí, a Çakti não pode mais por si mesma elevar-se e. reencon- "')
três. a "nâdi suprema, bem-amada dos yogin 80~", é Sush.umnâ, o trando seu verdadeiro Lugar, imergir novamente em Çiva. Todas .'
canal central, que corre no interior do eixo cerebrospÚJ.al. De as técnicas do Kundalini-yoga e do Hatha-yoga têm por objetivo
um lado e de outro de Sushumnâ estão: à esquerda Idã, a nddi despertar esse Poder enrolado. cujo sono permite nossa atuaI ex-
lunar, simbolizada pelo branco pálido, e Pingalã, a nâdí solar, periência do mundo. Nosso estado de vigflia 6 o torpor da inte-
simbolizada pelo vermelho sangue. Essas duas nád?, que repre- ligência divina, sua sonolência; e seu despertar é nosso sono para
'J
sentam os dois pólos opostos da manifestação, estão ativas no este mundo. O objetivo é portanto despertar Kunda1.int, para
homem comum, ao passo que -Sushumnâ, a via mediana, que tem .. fazê-la percorrer novamente. em sentido inverso. as etapas do
a nalurez.a do Fogo, está inativa e nela o prâna não circula. movimento criador, num movimento de retorno à Fonte onde,
finalmente, a Energia é reintegrada na Consciência' suprema, e
a Unidade primordial restaurada. Nesso retorno, a Çakti. salda j
3O.J J. Woodroffe define as nâdi: "linhas de direção sutis que as forçn5
vitais seguem". do centro mais baixo, retoma em si tudo o que projetou, depois
:..J
.105 Çil·Q·Samhitâ. II, )3. un~se a Çiva no mais elevado centro, o sahasrdra-padma. A cada
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166 o YOGA
HATHA-YOGA 167
intervalo dessa ascensão desabrocha o lótus do centro em que ·ela
senão sob a direção e estreita vigilância de um guru competente,
se elevou; esse lótus endireita-se e abre, isto é,: todos os .poderes
pois implica manipulações muito pe~gosas. .
latentes deste plano de existência são desenvolvidos. Mas, se
Durante toda a duração da prática, o yogm deve observar a
Kundalini não pára em sua progressão, cada vez que novamente
...continência (seja ele um homem casado ou um renunciado),
se eleva, o princípio (taUva) inferior é dissolvido no princípio
abster-se de consumir alimentos temperados ou muito, salgados,
imediatamente superior, o grosseiro no sutil, o efeito na causa,
até a absorção do último dos tattva na Consciência incondiciona- renunciar à mostarda, ao gergelim e, em geral, a todo alimento
.... da. Cada etapa equivale a um sacrifício (yajfIa) , à oferenda de amargo, á~ido, forte, adstringente, ou azedo; sua dieta é natural-
uma oblação. Esse yoga é também denominado Laya-yoga; Yoga mente vegetariana, mas deve evitar comer legumes verdes em
da Dissolução, pqrque procede por dissoluções sucessivas até fi demasia, dando preferência aos legumes em forma de frutas;
imersão final, que, é a União de Çakti a Çiva, suprema felici. "uma dieta abundant-e em leite, combinada com o uso da mantei-
dade e realização do Yoga. ga clarificada, é recomendada, como o são os cereais cozidos, as
lentilhas e o arroz 8()6". Deve manter-se afastado do fogo, re-
Os métodos nunciando a qualquer ritual, não viajar nem fazer peregrinações,
abster-se de banhos de madrugada e de jejuns intempestivos.
Inumeráveis e complexos são os métodos do Kundalinl-yoga.
Além de todos os métodos ióguicos já conhecidos, o yoga tân-
trico utiliza abundantémente o ppder do som (montra), os dia- 1. A postura (ãsana)
gramas simbólicos (yantra), o ritual, a concentração ~o.bre os
cakra, as visualizações etc. De maneira geral, não afasta nenhum "Mantendo seu corpo bem ereto, o adepto honrará primei-
aspecto da vida humana, nenhuma atividade corporal ou psíqui- ramente, com as mãos unidas, a divindade de sua escolha 3ln'."
(' ca. mas as acolhe e visa a sacralizá-Ias, a transformá-Ias em mé- Depois, deve consagrar-se ao primeiro elemento do Ha,tha-yoga,
todo de despertar; pois em todos reconhece uma modalidade di- a aquisição de postura (dsana).
vina da Çakti. , Existiriam ao todo, segundo os tratados de Hat ha-yoga, oi-
.Mas dentre todos esses métodos, há um que mantém uma p0- tenta e quatro centenas de milhares de posturas, dentre as quais
sição privilegiada, pois é quase indispensável à prática de todos oito mil e quatrocentas são mantidas pela tradição, e dentre estas
os outros: é o HatlUl-yoga, a via rápida para forçar Kundalini a últimas oitenta e ·quatro são as mais importantes. Referir-se-á,
despertar.
para a descrição dessas dsana, à abundante literatura que trata
desse assunto. Deve-se saber que há dois tipos de dsana. existin-
II. HATHA-YOGA do o primeiro tipo somente em função do segundo: as âsana que
exercitam o corpo por inteiro e em particular a coluna vertebral.
Hatha significa em sânscrito força, violência, o Hatha-yoga acabando com -toda rigidez e dissipando qualquer inércia, e as
é uma via demasiadamente curta, mas que necessita de um es- âsana de meditação. Dentre estas, as duas âsana consideradas es,.
forço extraordinário, para se atingir a Realidade absoluta como senciais são padmâsana (a postura do lótus), já descrita anterior-
que através de um arrombamento. Segundo uma etimologia sim- mente S08, e siddhásana (a postura perfeita ou postura dos Per-
bólica dada à palavra hatha, o Batha-yoga é a unificação do Sol feitos); esta consiste em sentar-se colocando firmemente o cal-
(ha) e da Lua (tha), isto é, de todas as dualidades: Idâ e Pin- canhar do pé esquerdo contra a região do períneo, e pousando
gala, alento inspirado e alento expirado, masculino e femini- o ou tro calcanhar por cima.
no etc.
a Hatha-yoga não requer outras qualificações por parte do
discípulo, além de uma consagração total à prática do 'Yoga e 8()6 Yogatattva-Up., 49.
," uma determinação inquebrantável; mas não deve ser praticado 8ln' lbid.• 36, trad. por Jean de Varenne, Upallishads du Yoga..
a08 Cf. capítulo sobre o Râja-yoga, p. 95.
~
~
I",
HATHA-YOGA 169' .;.~

J68 o YOGA 1
}

A perfoição em âsana proporciona três resultados: a desapa-


rição de qualquer doença, uma sensação de leveza física, IS a es-

~
~.
tabilidade da postura. Quer dizer que ela neutraliza, ao nível do
,.
corpo, os efeitos do guna tamas o do guna rajas.
',.
2. O domfnio do alento (prânâYâma) I

'-
Após ter dominado perfeitamente a postura, o :,!ogin aborda .j

o prdndydma.
Li
A. PURIF[CAÇÃO DAS Nâdi
Começa por um tipo de prândydma que tem por efeito pu-
ri1icar a rede das nddi das impurezas que aS obstruem. Esse "prd- .:(

nâyâma de limpeza das nâdf (nâdi-çodhana-prdndyâma) consiste :)


em inspirar o ar pela narina esquerda (a que corresponde a Idã,
à Jua), ret6-10 por tanto tempo quanto o yogin for capaz, e em .. , I

seguida expirá-lo peja narina direita (que corresponde a Pingalâ, ,)


ao sol). Imediatamente após essa expiração, inspira-se de nov.o
pela mesma narina (direita), em seguida, após a retençã~, expi-
.I
.C~ •
ra-se pela narina esquerda. Isso (orma um ciclo. Essa respiração
alternada, que nunca utiliza as duas narinas ao mesmo tempo,
exige portanto que- se expire sempre pela narina oposta àquela -.: ,
peja qual se acabou de inspirar, mas que se inspire sempre pela "
-mesma na riria pela qual se acabou de expirar, e que s6 se re-
tenha o alento ao fim da inspiração. Três meses dessa prática .. !
...
regular (isto é, de oitenta cicIos, quatro vezes por dia, ao nascer .1, .:,1
do sol, ao meio-dia, ao crepúsculo e à meia-noite) bastam para
purificar todo o circuito das nddi. "O prânâyâma corretamente
executado destr6i todas as doenças. Mas uma .prática incorreta
causa todas as "doenças: soluço, sufocação, tosse, enxaqueca,
dores nos ouvidos e nos olhos, e assim por diante soo."
Os sinais exteriores da purificação das nâdl são a magreza
física, a tez luminosa, maior apetite, e uma saúde perfeita.

B. As SEIS AÇÕES (shat-karman) r

Quando o prânáyâma não for suficiente para processar a


purificação necessária, por causa de deficiências, tais como um .. )
MlUluscrilo antigo do Rajastban (caderno de anotações de um yogue).
(Doe. RoJ<nthan Oriental lnstitut, JocIhpur.)
1109 Hatha)'ogapradipikc1. [I, 16.17.
\
,Í ,
i
'~

r-
~
170 o YOGA I HAmA-YOGA 171

excesso do gordura ou do elemento aquoso (kapha) no corpo, o sair pela boca. Isso é feito fechando a outra narina com o dedo,
yogin recorre a certas manipulações denominadas as seis ações. inspirando pela narina por onde o fio é conduzido e expirando
Mas quem estiver isento dessas deficiências não tem em princí- .. pela boca. A extremidade do fio vai então dar na boca. Segu-
pio necessidade de praticá-las, embora as três últimas sejam ge- rando as duas extremidades do fio, faz-se com que este se mova
ralmente dominadas por todos os hatha-yogin. muito cuidadosamente. Em seguida faz-se o mesmo com a outra
narina.
1. A limpeza interna (dhautO Uma prática preparatória a essa consiste em aspirar água
pelas narinas e expeli-la pela boca, assim como em aspirar a
Consiste em engolir lentamente quase todo o comprimento águ~, pela boca e expeli-la pelas narinas.
de uma longuíssima tira de tecido fino (cerca de 7 metros), em-
bebida em água morna. A extremidade é mantida cerrada entre
os incisivos e imprime-se ao pano que está no estômago um 4" Fixação ocúlar (trâtaka)
movimento giratório por meio do exercício chatnado nauli 810. "Fixar o olhar, sem pestanejar nem piscar os olhos, sobre
Depois ela', 6 ' expelida. ' , um alvo bem sutil, até que brotem as lágrimas 811."
Há outras formas do limpeza interna. No vamana-dhauti,
praticado em jejum como todos os dhautl, bebe-se água até à sa- .5. Giro do ventre (nauI!)
<:ieda4e, faz-se com que ela gire no estôinago, vbmitando-a em
seguida. No' varisdra-dhauti, mesma operação, mas após revolver- De pé, ombros ligeiramente arqueados, mãos apoiadas sobre
se a ágúa, ex~utam-se certas dsana que a forçaql a. descer para as coxas, dev~se expirar, em seguida imprimir ao ventre um mo-
.- o intestino e o reta, evacuando-a pelo Anus. No vdtasdra-dhautl, vimento ondulatório, isolando os músculos retos (rectw abdo-
engole-se ar arredondando os lábios em forma de bico de corvo, minis) fazendo-os rolar da esquerda para a direita e .inversamente.
-
...' faz-se com que ele circule no estÔmago por' meio do nauli, expul-
sando-o então pela boca, ou ainda, no bahiskrta-dhauti expulsando- 6. Clarificação da cabeça (kapâlabhâtl)
o por baixo por meio das mesmas dsana que auxiliam o varisard-
dhauti, Inspirar e expirar ritmicamente pelas duas narinas com a
rapidez' de um fole. A expiração é sempre violenta e brusca,
2. Lavagem (bastl) contraindo-se os músculos abdominais, mas a inspiração faz-se
por si mesma, o ar vindo automaticamente encher os pulmões.
Sentado sobre os calcanhares, agachado D'água até a altura
.-
do umbigo, deve-se inserir um tubo no ânus, e contrair os mús- c. Os DIFERENTES Prânâyâma
culos do reto e do ventre de maneira que a água seja as-pirada;
depois de retirar o tubo, executar nauli para fazer circular a Quando o sistema das nâdt estiver purificado, o yogin pode
água no interior, em seguida expulsar cuidadosamente toda a dedicar-se ao -prânâyâma, do qual os textos enumeram oito for-
água utilizando novamente o tubo. Quando essa lavagem é feita mas principais:
aspirando-se não água, mas ar, denomina-se "sucção a seco"
(çushka-bastl) . 1. Sal'yabhedana (a passagem do sol)
.-
3. Passagem do fio (neti) A inspiração se faz com lentidão pela narina direita (solar),
a retenção é prolongada até o limite de suas capacidades, em se-
Um fio de um palmo de comprimento (ou um cordão fino) guida a expiração é feita com lentidão pela narina esquerda. Re--
deve ser introduzido numa das fossas nasais e deve-se fazê-lo começar o mesmo ciclo de inspiração pela narina direita etc.
.. ' 810 Ver página seguinte. 811 Gheranda-Samhitd. I, 54.
172 o YOOA HATHA-YOOA 17~

2. Ujj<1yin (que traz a vitória) a um desvanecimento. A expiração que se segue não deve ser-
.~.

precipitada, mas lenta.


Inspira-se o ar com lentidão pelas duas narinas, fazendcro
friccionar-se contra o conduto respiratório de maneira a produzir 8. Plavin; (o flutuador)
um som, retém-se o ar ao máximo, em seguida expira-so pela
narina esquerda., O yogin enche-se de ar até transbordar, através de uma ins- , ..
piração tão profunda e completa que fica como uma bóia infla- '-"
3. Sítkárin (a emissão do som "s11") da quo flu tua sobre as águas. ~:)
Notar-se-á que nesses oito prdndyâma, a retenção sempre se-
Inspirar pela boca produzindo uma espécio de assobio, es- faz após a inspiração.
tando a língua colocada logo atrás dos dentes, suspensa no inte-
rior da boca sem tocar suas paredes, reter o ar, em seguIda ox- Ir.
.'. ~
pirar peJas duas narinas. D. Os TR:ês FECHOS (BANDHA)

4. Çítali (a refrescante) Todos os prdnâydma devem sempre ser executados em com- J


panhia dos três "fechos" (bandha): ' .....'
Aspirar o ar pela boca com um som sibilante dando à língua
a forma de uma pipeta ou de bico de passarinho e, fazendcra 1. O "fecho que controla ·as redes" <}dlandhara-bandha)
ultrapassar ligeiramente os lábiqs arredondados, reter, em segui- deve ser executado bem ao fim da inspiração. Consiste em pres-
da expirar lentamente pelas narinas, de boca fechada. sionar o queixo contra 'O peito (mais exatamente, fixá-lo na· de-
pressão jugular no alto do esterno), abaixando a fronte o máxi-
5. Bhastrikã (o fole) mo possível para a frente, mantendo ao mesmo tempo as costas·
bem retas. Essa posição é dominada graças à prática anterior das;
Expulsar o ar com força por uma das narinas fazendo um .:.J
posturas denominadas sarvdngâsana e haldsana. Esse fecho tapa a
som. em seguida inspirar imediatamente, sem retenção, pela , .,
garganta e bloqueia inteiramente a passagem do ar, permitindO' ~

mesma narina. Repetir esse ciclo expira-inspira com a rapidez e uma susponsão do alento sem enxaquecas nem zumbidos no ou-
a força de um fole, vinte vezes, com a mesma narina, em se- vido. Considera-se que opera um controle sobre a rede das nddi.
_,O

guida fazer o mesmo número de ciclos com a outra narina. Ter- daí seu nome.
minar cada série por um ciclo de Saryabhedana. 2. O "fecho do vôo" (uddíyâna-bandha), executado ao fim
6. Bhrâmarin (a abelha)
da retenção e ao início da expiração, consiste em esvaziar forte-
mente o ventre puxando-o em direção às costas e fazendo-o subir' J,
.
"A inspiração é rápida e impetuosa produzindo um som se- para o tórax, de forma que uma grande cavidade apareça sob ()o .:.-
melhante ao zumbido do zangão. A expiração, muito lenta, lem- diafragma e que o umbigo pareça tocar a coluna vertebral. Esse'
bra o zumbido da abelha 312." A retenção se faz ao fim da fecho deve seu nome ao fato de que, graças a ele, os "grandes.
inspiração. pássaros" que são os alentos vitais voam em uma direção que-
lho era até aqui inteiramente desconhecida, isto é, tomando em-
7. Múrcch<1 (o desvanecimento) prestado o caminho do Sushumnâ.
Ao fim da inspiração, uma longuíssima retenção, acompa-
.. ,. 3. O "fecho da base" (mt1la-bandha) é também executado,
durante a retenção. O yogin contrai o ânus, os músculos das ná-
nhada de um firme Jâlandhara-bandha (ver adiante), provoca degas, todo o assento, e o faz subir interior adentro. Fl114 também
uma bendita dissolução da atividade mental no Eu, comparada subir o baixo-ventre empurrandcro em direção à coluna vertebml.
Quando os três bandha são executados simultaneamente,
.1% H, Y. p,. II. 68. produz-se uma espécie de inversão das correntes de energia na-

..~ .. t~
". -- _------------------
.JI""o.,,---------------- r - ...

~"

175
,.... 174 o YOOA
HATHA-YOOA

turais do corpo. A energia habitualment~ descendente (dpana) , denominam concentração (dhdrand);' se dura um dia inteiro, é
.que vai do meio até a base do corpo, e preside às funções de o que' denominam meditação (dhydna), e se dura doze dias con-
excreção, é forçada pelo maLa-bandha (e pelo uddiydna-bandha tínuos, é o que denominam samddhi. "Quando o yogin chega a
de forma mais fraca) a subir. A energia habitualmente ascen- "'executar a retenção pura (kevala-kumbhaka), sem acompanhá-la
<lente (prdna), que governa a metade s~perior do corpo, quer de expiração ou de inspiração, nada mais existe nos três mundos
escapar pelo alto, e ela é forçada, pelo jdlandhara-bandha, a qpe lhe seja difícil de alcançar... É pelo kumbhaka que acon-
.descer. Empurrando-se assim com força simultaneamente para tece o despertar de Kundalini, e quando Kundalini está desperta,
.cima (a partir de debaixo) e para baixo (a partir de cima), e Sushumnâ não está mais obstruida, e o sucesso em Hatha-yoga
também puxando o umbigo em direção à coluna vertebral, o chega como resultado 813."
yogln deve ter a impressão de que essas duas correntes de ener- . Mas esse kumbhaka é somente dominado progressivamente,
,
-r- I
,gia refluem, reencontram-se e fundem-se à altura do umbigo. e certos sinais exteriores acompanham as etapas dessa conquista:
" "Quando se retém assim o alento, a transpiração torna-se abun-
dante, e é necessário esfregar o corpo. Mais adiante, o corpO
E. A RETENÇÃO no ALENTO (KUMBH1KA) põe-se a tremer, mesmo que se esteja sentado na postura do
Lótus. E se se avança ainda nesse tipo de prática, aparece o fe-
(~'l O elemento essencial, no prândydma, é a retenção (kumbha- nÔmeno chamado 'a rã': o adepto, sentado na postura do Lótus,
ka), ao ponto de um prôndydma chamar-se sahit-kumbhaka: "re- s~ta e pula como uma rã. Mais adiante, esses movimentos ces-
tenção acompanhada" (i.e., precedida de uma inspiração ou de sam, mas o corpo ergue-se acima do solo, e mesmo estando
uma expiração completa). Todo o objetivo do exercício dos sempre sentado na postura do Lótus, o adepto desloca-se sem
prânâydma é aumentar a duração desse espaço, desse vazio, du- tÇ>Car' a terra; Aparecerão igualmente outros fenômenos, mas ele
rante o qual o 'homem escapa à dualidade da inspiração e da evitará levá-los em consideração; não dirá tampouco que várias
expiração. misérias corporais lhe serão desde então poupadas; pofs dormirá
O sucesso em pp2nâydma é obtido, para o hatha-yoK,in., apenas bem pouco, eliminará um mínimo de excreção 314", p0-
quando se produz uma espécie de reabsorção de todas as ener- derá passar quase completamente sem alimentos sólidos, parecerá
C· gias vitais e mentais durante o kumbhaka, e quando o yogin pode rejuvenescido e exalará um odor delicado etc.
manter-se à vontade, por uma duração tão longa quanto querra,
numa retenção pura (kevala-kumbhaka) , intervindo a qualquer
momento da inspiração ou da expiração. Produz-se então uma
3. Os Selos (mudrâ)
!-, espécie de respiração interior, explicada pelo fato de que as· fun- . O kevala-kumbhaka provoca o despertar de Kundalini, mas,
ções vitais (prdna) não mais se processam de modo dual, por lDversamente, se se chega a despertar Kundalini por outros meios,
Idâ e Pingalâ, mas pela via central, a Via do meio, Sushumnâ. seu despertar a~arreta a perfeição em kumbhaka. As mudrô são
Nesse instante o alento não passa mais pelas duas narinas, e o técnicas especiais destinadas a retirar de seu torpor essa Energia
corpo torna-se rígido como uma peça de madeira, como um Enrolada, que bloqueia com sua cabeça a entrada da "via de
-corpo morto, enquanto nesse momento o yogin se torna justa- acesso à Realidade Última" (Brahmanâdt). Essa "Soberana ador-
mente "um conquistador da morte". mecida à Porta de Brahman" representa o duplo papel da ser-
O kumbhaka do tipo inferior dura aproximadamente qua- pente guardiã do tesouro em todas as mitologias: ela o protege
renta e dois segundos, o do tipo médio cerca de um minuto e contra o ignorante e o incapaz, e torna-se a melhor auxiliar para
meio, o do tipo superior uns dois minutos. Se o yogin consegue o verdadeiro herói.
.ultrapassar esse limite superior, a energia vital penetra em Su-
shumnâ. Se essa absorção, durante a qual toda respiração é sus- H. Y. /'., II, 73.76.
/I UI
í' ,
pensa, dura dez minutos, é o que os hatha-yogin chamam de o re- llH Yogafattva-Up .• 52-56, trnd. por Jean de Vurenne. Upanishads dll
.traimento dos sentidos (pratydhâra); se dura duas horas, é o que Yoga. p. 57.
176 o YOGA HATHA-YOOA
.. I. ~

171
Os dez selos (mudrd) são técnicas onde a retenção, acompa-
nhada dos fechos, está combinada com certas posturas:.•que
"selam" o alento no interior do corpo; e têm como efeito fazer
KundaJini "levantar-se", "como uma serpente tocada com uma
vara", São: • to t'.
. "
"

1. MAHAMUDRA (O GRANDE SELO)


, ,
'. '.'

O calcanhar do pé esquerdo é pressionado contra o perfneo .


l"
"
,

e, a perna direita esticada diante de si, o pé direito é agarrado


com ambas as mãos. Ergue-se a coluna vertebral e executa-se
kumbhaka com os bandha, em seguida pratica-se igualmente com
.,
I

o outro lado do corpo.

2. MAHABANDHA (O GRANDE FECHO) ,'v


Mesmo extercício a partir da postura do "semi16tus". V
: r. ',' , '-,)
I

..
~

3. MAHAVEDHA (A GRANDE PASSAGEM) :')'


., .... "
"
<i
e • •• •

Na mesma posição de mahâbandha, durante o kumbhaJeq, .: .


pousar as mãos espalmadas sobre o solo. apoiar-se sobre elas e
erguer ligeiramente o corpo, deixando-o em seguida cair sobre
as nádegas, repetidas vezes, para causar pequenos choques ao
ar contido no interior do corpo. 'Ffmal.~.!11~~~
Essas três. mudrd formam uma trfade e devem ~er praticadas 'rr!':U.B (l~ r:n ~q,,!,~m
...
oito vezes por dia, a cada três horas. l-- ',-
.
..).
4, ~rECARI (QUE SE MoVE NO EsPAÇO)

A Ifngua deve ser progressivamente alongada por manipu-


lações e massagens, e o freio da Ifngua é seccionado, de modo
que o )'ogin possa voltá-la para o interior da boca e fazê-la tocar
a cavidade Posterior à úvula. Lá está situada a "confluência" das
três correntes sutis (triveni), ponto de junção entre Idâ, Pi.ngalâ
Sushumnâ, denominada também cakra do céu (vyoma-caJera) , O
)'ogin deve manter sua língua assim voltada' para o alto e fixar
seu espfrito sobre o espaço entre as duas sobrancelhas. Essa prá-
tica tem como efeito provocar uma abundante sil1ivação, inicial-
mente espessa, depois, pouco a pouco fluida e lfmpida, ela su- : :...:-,
prime a fome e a sede, facilita a suspensão do alento, e propor-
.. -.;-
.
~
"'1

ciona o domínio da energia sexual. Quando a Jfngua é colocada


ininterruptamente em contato com a cavidade no alto da ab6-
Manuscrito antigo do Rajasthan (caderno de anotaçOcs de um yogue).
(Doe. RajasthQJI Oriental Instltut, Jodhpur.)
.J ... '". ..•.. ~ .. r-; -ro'' ' ' V 'll·'

)1--------

'. HATHA-YOOA 179


178 o YOOA

gia acumulada sob forma de sêmen. Por um movimento de sucção


bada palatal, o yogin experimenta diferentes tipos de sabores,
com contração do membro viril, ele faz voltar atrás o esperma
primeiramente um gosto salgado, depois alcalino, depois amargo,
Que é então arrastado no movimento de transmutação das ener·
ácido, lácteo etc., e finalmente um gosto de néctar. Em termos
gias. Mesmo se é casado ou se une ritualisticamente a uma com-
de simbolismo de yoga, essa mudrd impede a ambrosia (amrta) ,
panheira que lhe está associada na via tântrica, o yogin não deve
o elixir lunar, chamado também licor divino, fluido vital, essên-
nunca deixar escapar seu sêmen. "A queda do esperma é a mor-
cia 40 corpo, de escoar do centro situado na cabeça até os cakra
te; a vida é a retenção do esperma 8111." Se por acaso, durante a
inferiores. É a esse escoamento, a essa descida, que se atribui o
união sexual, o esperma se põe em movimento, o yogin deve,
fenômeno do envelhecimento e da deterioração.
pela prática experimentada de vajroli-mudrâ. paralisá-lo e fazê-
lo retornar, aspirando num só golpe as secreções femininas em
5. VIPARITA-KARANI (A ATITUDE INVERTIDA)
seu próprio corpo. Ele' absorve o "sêmen" feminino, como se
É outro expediente adotado para interceptar o fluxo lunar retomasse a mulher em si mesmo 816. "O corpo de um homem
que desce do cakra da Lua (soma-cakra) , situado entre o d;~d que é verdadeiramente urdhva-retas tem o perfume do lótus.
e o sahasrdra-cakra. e impedi-lo de ser devorado pelo Sol, cUJo Um homem casto no qual se formou o sêmen grosseiro pode,
domínio se estende do anâhata ao manipara-cakra (c.f. a expres- em compensação, cheirar a bode 811."
são: plexo "solar"). Esse expediente consiste em inv~Tter .suas Quando o sêmen viril estiver assim transmutado e perfeita-
mente estabilizado no yogin. a fusão dessa essência masculina
posições: quando o yogin se encontra n~s posturas invertidas,
com a essência feminina, igualmente presente em todo homem,
como cirshdsana. sarvângdsana, e suas variantes, a Lua em seu
processa-se no interior de seu próprio corpo, e não no exterior,
corpo acha-se abaixo e o Sol acima. Essa prática, que .tem CO~? como no caso de uma união ordinária. Por essa conjunção dos
efeito secundário aumentar consideravelmente o apetite, reVIVI- elementos opostos realiza-se a obra do yoga que é neutralização
fica todo o ser. da trama das dualidades.

6. VAJROLl (COM AS VARIANTES SAHAI0LI E AMARaL!) 7. ÇAKTI-CALANA (A SACUDIDELA DA ÇAKTI)


São técnicas de domínio da energia sexual. O yogin deve Para que a Energia Fundamental abandone sua forma en-
aprender primeiramente a aspirar água por sucção ~elo canal roscada sobre si mesma, deve-se "sacudi-la" com força por uma
da uretra. Torna-se então igualmente capaz de reasplrar o es- mudrá que exerça uma pressão sobre a região onde ela está ador-
perma pelo canal espermático. Isso lhe permite, em qualquer mecida, em seguida executar imediatamente após o prânâyâma
circunstância mesmo quando em união com uma mulher, per- do "fole" (bhastrikâ). Esse método só pode ser ensinado por
manecer um 'urdhva-retas: um homem em quem a energia sexual um guru.
toma um curso ascendente. Com efeito, o sêmen (bindu) que é Todas essas ·práticas, se executadas corretamente e por um
elaborado nos órgãos genitais, no nível do maLâdhâra-cakra,. não tempo bastante longo, levam ao mesmo resultado: a parada vio-
' .. é senão uma forma materializada, tornada grosseira, do bmdu lenta da atividade das energias vitais e mentais no plano das
causal ou energia criadora presente nos cent~os .superiores ~a dualidades, e o refluxo destas em direção à via central, onde se
cabeça. É a influência do pensam:pto,. a vacllaça.o .do deseJO,
que faz descer o bindu aos centros mfenores. C? obJ.et.lvo é fazer· 3111 Çiva-Samhítd. IV, 88.
retornar esse sêmen grosseiro à sua forma sutll ongmal, x:~con­ .s1~ Assim. mesmo nll união sexual, processa-se uma inversão das dirC)-
vertê-lo em néctar àrrastando-o no movimento ascendente. em ções habit~ais: Não é uma perda de energia que resulta na procriação.
dir~~io ao alto do' crânio, representado pe~a ~ia da .Subi~~, Su- que substitui a eternidade buscada por uma perpetuação da espécie no
tempo, mas uma reintegração, graças ao autodomínio, do princípio ,rem}-
shumnâ. Se o yogin não pode, pela khecan-mludr". ImobilIzar a nino no princípio masculino, reintegração que termina numa expe:lênCI8'
energia viril ao nível mais elevado. nos centros cerebrais, deve de beatitude, de "união sem fim", desconhecida do nível dos sentidos.
ser capaz, pela vajrol1-mudrd, de fazer subir novamente essa ener- 81fT La Puissance du Serpent, p. 196.
,.-- )
HATHA-YOOA 181 • f

180 o YOGA

cadas devem permitir ao yogin' atingir o domínio do alento e


produz um abrasamento. É o despertar de Kundalini que "brilha I
do sêmen; ele deve agora, simultaneamente, obter uma parada
de repente, corno um clarão, no oriffck> inferior de Sushum-·
completa das funções mentais, e certas técnicas de concentração
nâ 818". "Então processa-se, com vistas à imortalidade, a união!
são especialmente empregadas para esse efeito, ronnando estas
da Lua, do Sol e do Fogo 819." A 'reunificação em si mesmo, /
a quarta parte do Ratha-yoga. Na medida em que são de mesma
ou redução pela força ao princfpio único do qual são apenas
natureza que as técnicas ensinadas pelo Rdja-yoga, são chama-
uma polarização, das energias duais e alternantes, tais como ins-
das Rdja-yoga pelos hatha-yogin, que as consideram como o ponto
piração e expiração, prâna e apdna, princípio feminino e princí-
pio masculino, Idâ e PingaIâ, esqu~rda e direita, corrente lunar de chegada sem o qual o Ratha-yoga está desprovido de sentido
e não passa de esforço estéril. Mas ao mesmo tempo pensam que
e corrente solar etc., chega em sua reabsorção na Via dó Meio,
ninguém está qualificado para abordar os cumes do Rdja-yoga
Sushumnâ, o, ponto de equilíbrio onde é tãó difícil manter-se
como s?bre o. fio. d.a navalha. Então "o estado de morte" apare- se não passou pela preparação necessária que constitui o Ratha-
yoga. Essa parte final, que é uma ciência do samddhi, é também :. :;t
ce, devIdo à matlvIdade do prâna nos canais da, esquerda I) da
chamada Laya-yoga,. porque descreve as etapas da dissolução
direita (Idâ e Pingalâ): "Abandonando as duas nddl, o atento
(laya) ou reabsorção da manifestação individual no Absoluto
vital, subitamente, faz sentir sua vibração na via centra1 820." O
"fogo c~rpo:a ln,que, no h ornem comum, aInda está em aqueci- não-manifestado.
Os três primeiros métodos ensinam a absorver o espírito,
mento, Ilumma-se; produz-se um abrasamento de calor em todo .,/
mantendo-se os olhos abertos, em um dos cakra de Sushumnâ
o corpo: "Um clarão intensamente abrasador b'rota no corpo.
Kundalini adormecida, aquecida por esse abrasamento, desperta. onde Kundalini se tornou ativa. São:
Tal como uma serpente tocada por uma vara ela levanta-se si-
bilando; como se entrasse em sua toca, intr~duz-sl) no Interior
1. A mudrd de Çdmbhavl (Çambhavl-mudrá).
da Brahmanádr (Sushumnâ)821", onde brilha a luz do Absoluto; A atenção é dirigida ao interior, sobre um dos cakra de sua
e ai, começa sua ascensão. escolha, desde o múlâdhdra até o sahasrára, mas o olhar está
pousado no exter.ior, um olhar fixo, sem movimento das pálpe-
4, O samâdhi bras: "Quando o yogin pennanece continuamente com o espírito
As. etapas que se seguem são aquelas em que Kundalini já
°
e. a~ento ~bsorv.jdos. ~~ alvo interior, e:nbora seu olhar de pu- ' .. I
"

pIlas. ImóveIS esteja dmgIdo para o extenor ou para baixo, como


tendo SIdo despertada, .os degraus de sua asc.ensão marcam a re.- se VIsse, e contudo não vendo, essa mudrd em verdade é a de
integração progressiva da consciência individual na Consciência Çâmbhavi (a esposa de Çambhu, um dos nomes de Çiva) 822." , .~

absoluta. ~unt!alini então não mais representa o papel de uma


força passIva; ela é experimentada pelos yogin como uma Mãe , ,
O olhar entre as sobrancelhas (bhrftmadhya-drshti)
2. ,
Divina, um guia espiritúal, um poder redentor que dIrige e "

denomi1wdo também o meio salvador (târaka). ' .•. ~1;,'

sustenta os esforços do yogin e o leva até à Liberação.


Entretanto, mesmo assim, Kundalint desperta pode recair Erguendo ligeiramente as sobrancelhas. fazer o olhar con- . ..'

em sua sonolência, voltar a enrolar-se no centro de base se o vergir em direção ao ponto de luz intensamente resplandecente
. - . '
y?~m ~ao persevera em seu tnplo esforço de imobilização: imo- c?ntemplado no cakra entre as sobrancelhas, e aí fixar seu espí-
blhzaçao do alento, do pensamento e do sêmen viril - cada um nto da mesma forma que na mudrd precedente.
desses três arrastando os outros dois, seja em seu movimentei ..
seja em sua imobilidade. Todas as técnicas anteriormente exp1i: 3. O Qlhar da ponta do nariz (nâsâgra-drshti).
Estando os olhos semi-abertos, o olhar é pousado no espaço
318 Yogaku.~da/(n'.Up., 67. J. Var enne, op. ci f., p. 10\ . a doze dedos dos olhos, na direção da ponta do nariz. • • J
318 H. Y. jP., III, 27.
320 H. Y. P., m, 26.
821 H. Y. P., III, 67.69. l\2'J H. Y. P., III, 37. ,
.. ,
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182 o YOOA HATHA-YOVA 183

Mas o quarto e principal método é a concentração ~o es- da cabeça, "é a consumação, na qual se faz ouvIr um som de.
"
pírito sobre o som ouvido no interior do corpo, no momento em flauta, uma tonalidade de vínJ1 que ressoa 8-26.
que Kundalini é despertada. O yogin deve absorver-se exclusivamente na escuta d~ Som:
.. "Esse tu2da, quando se repete o esforço para ouvi-lo, acaba por
4. Concentração sobre a sonoridade interior (nâda). encobrir todos os sons do exterior. No início da prática, ouve-se
Essa sonoridade, que é o som primordial de onde toda cria- um som de grande volume e diversificado, não-bomogêneo. Em
ção procede, é percebida como uma vibraçao sonora no interior seguida, à medida que se progride na prática, ouve-se um som
do Sushumnâ. Para escutá-la, deve-se adotar uma mudrli espe- cada vez mais sutil. Mesmo quando se ouvem sons poderosos,
cial, a mudrd "da face que olha no outro sentido" (partin-muJehí- como os da multidão e dos timbales, deve-se procurar ater-se so-
mudrd). Consiste em tapar os ouvidos e as narinas com certos mente a um som cada vez mais sutj1l~27".
dedos, e colocar os outros dedos sobre os olhos e boca fechados. Cativado pelo Som, o espírito é assim fixado sobre tonali-
Ouve-so então distintamente o som interior. dades cada vez mais sutis, e, finalmente, imerge-se no Silêncio.
As fases da escuta do som estão ligadas às etapas de ascen- O princípio vital (prdna) e o espírito (manas), ao escaparem pela
são de Kundalini. Esta encontra três pontos críticos ao longo de extremidade superior de Sushumnâ, dissolvem-se na Fonte incria-
sua ascensão, que são chamados "nós" (granthis). Estes três nós: da, o Absoluto sem .forma. Ê o samddhi:
- o nó de Brahmâ, o de Vishnu e. o de Rudra -, estão sit~ados, "Vazio no interior e vazio no exterior, como um jarro vazio
o primeiro em malddhdra, o segundo em an4hata, e o terceiro em no espaço.
djff4, os três cakra localizados respectivamente ao nível dos ór- "Plenitude no interior e plenitude no exterior, como um
gãos sexuais, do coração e da cabeça, e que correspondem aos jarro imerso no oc.eano 828."
tres planos principais da manifestação, simbolizados pela Terra, A Kundalini Çakti é reconduzida a Çiva no lótus de mil
a Atmosfera e o Céu (o Absoluto incriado e sem formas que pétalas, o lugar da identidade; a Mulher Primordial é reunida ao
(
está além do plano celeste). Homem Primorc:iia1 8211 , o Poder à Consciência, o universo das
O primeiro nó (BrahmagranthJ) é traspassado pelo próprio dualidades é reabsorvido, e a Unidade original restaurada. Dessa
despertar de Kundalint, que, de uma só vez, pode elevar-se até o união suprema de Çiva e de Çakti "escorre o néctar (amria)
a.n4haIa-cakra. Então "uma beatitude, que emerge do espaço in- que, num rio de ambrósia, jorra do BrahmarandMa até o múlâ-
terior do coração, 6 experimentada, e ouvem-se tinidos variados dhlira, inundando o kshudra Brahmdnda, ou microcosmo, e sa-
e o som primordial no interior do corp0828. . tisfazendo os Devatd (deidades) de seus caJera. Ê então que o
(
Quando o segundo nó, no andhattW:akra, é traspassado, novo sddhaka (o adepto), esquecido de tudo neste mundo, é submerso
impulso de Kundalint, acompanhado de uma nova espécio de na beatitude inefável. Renovação, poder aumentado e alegria se-
sons: "Após o traspasse do nó de Visbnu, um tumulto sonoro guem cada visita à Fonto devida aso" .
semelhante ao som de timbales eleva-se no Vazio do viçuddhi-ca- l· No início, Kundalinl não permanece por muito tempo no
kra, pr~ursor da Beatitude suprema au. Quando, ao deixar o sahasrdra, possuindo uma tendência natural a descer até sua po-
cakra SItuado à altura da garganta, Kundalini eleva-se até o ca- I
1
sição original. O yogin deve repetir o esforço que culmina nessa
kra situado à altura da fronte, onde se encontra o terceiro nó ascensão, seguida de uma descida, que é sempre como uma dis-
- "no céu aberto do djlid-cakra faz-se ouvir o som do tam-'
entao
bor marda/a 326".
á26 H. Y. P., IV, 76.
Por fim quando Kundalini, tendo traspassado este último n6 82;'1 H. Y. P., IV, 83-87.
(R udragranthi) , eleva-se em direção ao orifício central no alto U8 H. Y. P., IV, 56.
820. "Essa esposa (Kundallnt) , que entra na via real (Susbumoâ). re-
G3 H. Y. P., IV, 70. pousando nos intervalos cm lugares sagrados (os ca1cra) , abraça o Esposo
,. , 824 H. Y. P., IV, 73. llupremo (Çiva) e faz escorrer o néctar (do sahasrdra)." Cint6manis/ava,
l2lI H. Y. P.• IV, 74. atriburdo a ÇankarAcArya.
-,•
r. 3110 La Puissance du Serpent, p. 232.

I
: "'<",
.,
,
:.'1,
184 o YOGA

solução, depois uma reprojeção, do universo. Deve, com todo o


seu poder, esforçar-se por reter Kundalint no alto o maior tempo
possível. até o momento em que, unida indissoluvelmente a seu
Esposo, ela faz do Sahasrdra sua moradia permanente, e só re-
torna pela vontade do yogin. No momento em que a Çakti tem '/"

pressa, quando está temporariamente separada de Çiva, de as-


cender para absorver-se nEle, é somente então que a Liberação
6 atingida. O yogÍn realiza então o estado supremo de onde não
é mais possível recair, o Lugar de onde não há queda. Ele está
totalmente unüicado, até em seu corpo, à RealIdade absoluta, BIBUOGRAFIA SUMÁRIA
tendo sido todas as potencialidades de seu ser levadas à completa
perfeição pela Mãe de todos os poderes, a Divina Çakti. Prova " .i
viva da unidade do Supremo e de seu Poder, sobressaindo do OBRAS GERAIS
n6<:tar de sua uni!o, livre de todas as condições de exist8ncia, Ananda COOMARASWAMY - Hindouisme el Bouddhisme. C<>1. ·Id~".
possuindo todos os poderes, tão inapreensível quanto o vento, N. F. R., Gallimard, 1949. ..;
"move-se livremente no universo, tendo quebrado a férula da Alam DANIELOU - Yoga, mlthode dI! rlintlgrtJJion. Ed. de l'Arche, 1951.
Morte SlIl" • }..ilrcea ELIADB --. Patonjali et le Yoga. CoI. "Maitres splrituels", Lo Seull, .' :1
1962. - Le Yoga, immortalitl et libertl. Payot, 1954.
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SOBRE O SAMKHYIA )'


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rdniques. BEFEO, LIV, 1968; LV, 1969; LVIII, 1971. , "

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186 o YOGA BmUOGRAFlA SUMÁRIA 187

SOBRE O KARMA·YOGA Thér~se BROSSE - Etudes ins/rumentales des tecniques du Yoga, prece-
Consultar..~A antes de tudo a Bhagavad·Gr/4, da qual existem nume· dido de uma introdução de Jean F'nJ.IOZAT sobre I.a Nature du
rosaa traduções em francês. Yoga dans sa tradition. Paris, 1963.
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Bal Gangadhar TIu.x -Gila Rahasya or Karma Yoga. Poona, 1965. The .. Jean FluJOZAT - "Les limites des pouvoirs humains dana l'Iade", em:
Laws 01 Manu, Sacred Books of the Bast, Vol. XXV, edlted by Max "
Etudes carmélitaires "LImites de l'Humain", 1963. - "Sur la 'concen-
Muu.mt. tration ocuJaire' dans le Yoga", estudo publicado em: Yoga, Eine
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SOllRB O HATHA E O KUNDALINI·YOOA


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-I
SC'pent Power. Oanesh & Co., Madras, 1953. Tradução francesa de
Charles VACHOT: La Puissance du Serpento Dervy·Livres, Paris, 1970.
TMos BEaNAJlD - Hath a·yoga. Rlder &: Co., Londres, 1969.
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lNDICE DAS PALAVRAS SÁNSCRITAS
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abhllllntara--l1rtti, modo de exe- apl1na, "alento" descendente, 178,
cução Interna (do prl1ndvl1ma), 180.
87. aparigraha, não-possessividade, ..)
abhinitleça, apego à vida, 65. 70, 77.
abhy4sa" exercido asslduo, 68. apavcida, disciplina de negação,
4çrama, fase de vida, 112. método apofásico, 146.
açvamedha, sacriflcio do cavalo, Mani, pedaço de madeira para ; . ~~.

rito mnior da sociedade védica, acender o fogo, 23.


75. Ar;una, um dos heróis da epopéia \./
adhibhautika., devido aos outros do Mahdbht1rata, 62, 74, 107,
seres, 28. 136.
adhidail1ika, devido às forças c6s- artha, proveito, interesse, lucro,
I
micas, 28. riqueza, 58. ..-'

asampra;1iâta, supracognitivo, 98,


adhlldt11UL, relativo a si mesmo,
104. .)
interior, 103.
adhv4tmüea, devido a si mesmo, 4sana, postura, 70, 85, 86, 167,
28. 170.
Agni, o Fogo, 23, 24. ashtanga..yoga, o yoga em oito
partes, 70.
·i.i
ahamkâra, principio de individua. .
ção, 43, 44, 46, 46, 60, 68, 84, asmitd, ego, 65. ~.;

asteya, não.roubo, 76.


96, 98, 99, 101, 114, 137, 144, tltman, Eu, 69, 82, 121, 144, 149, ;·.,1
148, 159, 164.
151, 152, 155.
ahimstl, ausência do desejo de A UM, st1aba simb6lica, 81, 97,
matar, 70, 71, 72, 73. 121, 183. -.
â;fíd-cakra, cakra do comando, dl1arana, poder de ocultação, 167. . '-:'
164, 165, 178, 182. avidyd, ignorância espiritual, 48,
amaroli, uma mudrd, 178. 67, 143, 167.
amça, porção, 47. avyakta, não-mani!estado, 84, 35, .)

...
amrta, ambrosia, 123, 182, 188.
anâha,ta-cakra, 160, 162, 176, 182.
44, 46, 62. -'
C/manda, felicidade, 149. bandha, fecho, ligadura, 173, 176.
Ananta, o Infinito, 159. basti, lavagem, 170. '.' ,
anga, membro, parte, 26. bhadrdsana, a postura benéfica, - -'
antahkarana, instrumento inte- 86.
rior, psiquismo, 44, 66, 68. bhakti, amor, devoção, 63, 96,
antarydmin, ordenador interno, 120, 121, 122, 123, 124, 128, ,.J
129. ' 129, 130, 133, 134-138, 139, 140•

.. --- "--'-.'.-.. - -........ -- •• -~- __ o _ •• • __ .~ __ , _ _ • __ ._. • __• • • • _ _ /~::)


190 o YOGA tNDlCE DAS PALAVRAS SÂNSCRlTAS 191

bhaatrikâ, um prândvdma, 172, çravana, a escuta, 181, 152. ltatha-voga, yoga da violência, kleça., fator de servidão, 66-67,
179. çruti, Revelação védica, 81, 82, 79, 86, 166, 166, 166, 167, 176, 82.
bM1Ja., modalidade, 136. 108. 180, 181. kriyd,..yoga, 26.
bhr4m.ann, um prdnd1l4ma, 172. Çtldra, membro das castas infe- Hiranyagarbha., 21, 42. kriyâ, processo de limpeza inter-
bhoga., experiência, gozo, 68. riores do ponto de vista da pu- 1çl1,*a, Senhor, Deus, 69, 62, 81, na, 79.
bhoktr, aquele que prova, que ex- reza rltualística, 17, 48, 129. 82, 84, 85, 96, 121. krpâ, compaixão, 126.
perimenta, 46. 1çvara,.pranidhdna, consagração a k8hana, instante, 83.
bltrl1m.adhIJlCJ drBh,ti, a atenção 11- danda., castigo, 109. Deus, '10, 81 a 85, 00, 97, 141. k8hatriya, guerreiro, nobre, 30,
xada entre as sobrancelhas, dand4sana, a postura da vara, lndra, rei dos deuses, 2S, SO, 131. 74, 109, 110, 111, 116.
181. 86. 1·ndriya., faculdade, sentidos, 44, k8hetra., campo, 52.
bhllta, elemento, 44, '{5, 96, 169. da.rçama., "ponto de vista", 18, 21, 159. k8hetrajiia, o conhecedor do cam-
bhllt~a.ifía., sacrifício aos' seres 27, 68, 68. ishta,.devatd, divindade eleita, po da experiência, 47.
,~ . vivos, 118. dâ81/a., (sentimento) de servidor. 126. kumbhaka. retenção do alento,
bindu, sêmen, 42. 186. 174, 175, 176.
bodhicitta, pensamento do Des- dálld, compaixão, 17. jagat, o em-movimento, o mundo, Kundalini, a Energia enrolada,
pertar, 32. elella, deus, 24, 80 86, 111, 118. 88. . 156, 168. 159, 162, 165, 166, 175,
, ..... , j4landh.ara, um bandha, 173. 179, 180, 181, 182, 183.
lwaMn.aca1'1/CJ, continência, 76, 77. dhâra.nd, concentração, 70, 92, 93,
BrCJhma.granthi, "nó" de BrahmA, 94, 174. jal'a, repetição de fórmulas sa- Kundalini-1/oga., 156, 166, 166.
161, 182. dhdrani, sêmen verbal, lluporte gradas, 1SS.
Brahman, Realidade suprema, de meditação, 81. jiva7lAnukta, "liberado-vivo", 105. lava, reabsorção. 33, 61, 166, 181.
Absoluto, 59, 77, 120, 128, 124, dha/N714, conformidade à ordem 154. laryati. 61.
125, 142, 143, 148, 149-164, 166, cósmica, justiça, retldão, 51, jiv4tman, ser encarnado, eu Indi- lingadeha, corpo sutilj 49.
166, 176. 58, 70, '11. 78, 76, 108, 110, 126, vidual, 19, 46, 68.
Brahman4c.U = Sushum7ld, 180.
BrCJJI.marandh.TCJ, ori1ício de Brah-
128.
dhauti, limpeza Interna, 170.
j7it1na, conhecimento das realida-
des últimas, 61, 141, 142, 167,
1nada1la, embriaguez, 138.
71uzdhura. amor, 136.
man, 162, 188. dhV4na., meditaç~o, '70, 98, 94, 165. m4dhllaatha. que se encontra no
bu.ddh.i, intel~to, 43, 44, 46, 46, 174. j7irinendriya. órgão do cúnhed- centro, 38.
49, 60, 61, 66, 67, 64, 66, 68, drshtr, a Testemunha, 68, 181. mento, faculdade sensorial, 44, ma.Mbhandha, uma mudrd, 176.
91, 94, 99, 102, 103, 147, 161, duhkka. traya, a tripla miséria 45. mahdbMva, sentimento supremo,
(,., 169, 164. exlstenclal, 28, 29. 138.
dVCJndlla., par de condições OpOll- kaivalya, "isolamento" lIberador, Mahdkundali. o grande Poder en-
,..
~,

cakra, roda, centro, 169, 160, 161, tas, 86. 65. rolado, 159.
162, 163, 164, 165, 166, 176, 181, d'lle8ha, avers~o, 65. kali, o demônio, 17. maMmudrd, uma mudrã, 176.
182, 188. kdma, prazer, gozo dos objetos MlJ,hat, O Grande Prlnciplo, pri-
Çakti, Poder, 61, 82, 166, 167, ekâgrat4, fixação da atenção em de desejo, 110. meiro dos ta.ttl1a derivados de
158, 165, 166, 179, 183, 184. um 8Ó ponto, 88, 93. K4ma., Eros, 23. Prakrti, 42, 43, 46; 98.
Cakti-clalama, uma mudrâ, 179. ek4nekasllar1lpa, possuindo uma kap4labh4ti, "clarificação da ca· mah4v4kya, as grandes declara-
Cak1Ia.muni, o Bu.d4, 25, 29. forma una e múltipla, 47. beça", 171. ções dos Upani8had, 146, 149.
(r- ç4nfa, (eltado) pacífico, 186. kapha. principio aquoso interno mah41JedJr.a, uma mudrd, 176.
~tra., ciência lagrada, 82, 108. G421a.tri, estânciavédica de 24 do organismo, 1.68. ma.ftd,Jga.jfía, grande sacrifício.
Caturtha, quarta, 89. sílabas, 81. karman, ato, resultado das ações, 112.
çauca, purificação, pureza, 17, gra.ha., 6rgãos de apreensão, 45. 62, 54, 69, 66, 84, 102, 111, 115, maMna., reflexão, 162.
70, 78. grantM, "nó", 182. 155, 168. manas, faculdade mental. «, 46,
Celha., a serpente mitológica, 169. grkastha., chefe de !amma, 112. karmendriga, órgão de ação, 44, 50, 68, 90, 91, 94, 98, 99, 147,
mt, a COl18ciêncla Pltra, incondi- guna, modalidade da Prakrti, 85, 45. 159, 160, 183.
clonada, 167. 86, 87, 89, 42, 48, 47, 49, 61, kartr, aquele que cumpre as ma.nip1lra, um cakra, 160, 162,
9Í~f, um prdnd2/ama, 172. 64, 56, 96, 101, 102, 107, 115, aÇÕtl8, agente, 46. 178.
cit~ ..pfnto, psiquismo, 68, 89, 126, 148. klJ1Jala.,kumbhaka, retençlio desa· mantN, fórmula sagrada, 7r1, 81,
96, 108. "u~, mestre espiritual, 77, 82, companhada, 176. 118, 128, 188, 189, 166.
<~ ~'....
Ci1Ja, 28, 61, 125, 183, 165, 166, 84, 106. kheca.ri, uma mudrd, 176, 178. manuskll~a;iia, sacrifício aos
16'1, 168, 159, 161, 162, 166, 166, kilbisha., pecado, 46. homens, 118.
181, 183, 184. haldsa.na., uma postura, 174. KirtQhl4, 181, 1S2. mety4, medida limitadora, poder
192 o YOOA íNDIeB DAS PALAVRAS SÂNSCRITAS 193

de ilusão, 85, 41, 58, 60, 82, 126, prvraJcÍ1!a, sentimento da amante, rna, divida, 111. a4t1l1"lla, obtenção da mesma for·
138, 155, 157. 186. r8hi, sábio védico, 24, 81, 82, 111, ma, 189.
M enakd, ninfa celeste, 23. Paramd.tman, Eu supremo, 19, 118. aarvc1ngc18ana, uma postura, 1'78,
mc1ULna, desvio, erro, 138. 121, rtambhara, "carregado de verda- 178.
moksha, libertação, liberação, 20, l'ardnmukki, uma mudr4, 182. de", 103. adsmita-samddhi, 98, 102.
54, 55, 58, 110. Patafi.iali, 21, 26, 27, 54, 58, 6S, Rudragranthi, "n6 de Rudra", Sat, aquele que é, a Realldade, "o
mudrd, "selo", 175, 176, 178, 179, 64, 67, 85, 89, 97, 106, 124. 161, 182. 85.
181, 182. PingaM" 164, 166, 168, 174, 176, 8a.tt1la., um dos guna., 85, 86, 37,
mukhlla-bhaJcti, bhaJeti amadure- 180. 8abíia--sam4dhi, 8am4dhi com S9- 42, 48, 52, 54, 55, 57, 84, 102,
cida, 138. pitr, ancestral, 111. _ mente, 102. 126•.
múla-bandha., um bandha, 178. plavinf, um pretnd.ydma., 172. sac-cid-d.nanda, Ser-Consciência- 8atya, verdade, 17, 70, 74-'76.
mlllâdhdra, um cCJkra, 160, 162, PradMna, Causa primeira, Sube- Beatitude absolutos, 123, 125, 8aulabh.ya, acessibilidade, 126. 'o' .. '

164, 178, 181; 182. tância Primordial, 83, 84, 85. 149. satJiccira--8a.mddhi, samâdAi com ,0,"
Mllla-Prakrti, a Natureza Pri- pra;7i.a, intuição espiritual, 94. 8ddhana., método de. "realização" diferenciação, 98, 101.
mordial, 34. Pra.krti, Causa Produtora, 84, 86, espiritual, 124, 152. sa.'lJika.lpa-sa.m4dhi, samdc:lM com : ,.i
mumukshut1la, intenso desejo de 89, 40, 41, 42, 45, 46, 47, 48, saguna, quallflcado, dotado de distinção, 158.
liberação, 32. 52, 53, 54, 55, 57, 59, 60, 61, atributos, 84. sa.tJita.rka-8am41dhi, samddAi no- .)
mllrcchâ, um prdndydma, 172. 82, 84, 102, 104, 107, 115, 119, sahasr<1ra·pa.dma, um caJera, 162. cional, 98, 100.
122, 124, 126, 146. 164, 165, 178, 181, 184. 8dvO-;71a, identificação, 189.
1U1da, sonoridade, 182, 183. pram4na, cognição precisa, 68. sahaiolf, uma mudr4, 178. 8ahat-karman, as seJs ações, 168.
nd.di, vasos do corpo sutH, 164, prd na, alento, energia vital, 86, sahita-kumbhaka, retenção acom- siddha., homem perfeito, realiza-
165, 168, 171, 173, 180, 88, 14'7, 184, 1'78, 174, 180, 188. panhada, 174. do, 19, 81, 156.
nádi.çodhanaj um prdndlldma, prdna, "alento" ascendente, por 8akh1/a, sentimento de amigo, 186. tiddhd84na, uma postura, 16'7.
168. oposição a apdna. 8dk8hin, conscf@ncfa-testemunha, siddhi, poder sobrenatural, 26,
ndsa17ra.-drshti" atenção dirigida prdnd1l4ma., disciplina do alento~ 38.
'.j
'71, 102.
à ponta do nariz, 18l. '70, 72, 86·89, 96, 168, 1'71, 174,. ! s4lambana samddhi, samMhi com
nauli, giro do ventre, 170, 17l. sitkcirin, um prdn4ydma, 172.
179. suporte, 102. smrti, mem6rla, 68.
nati, passagem do fio, 146, 170. prdrabdha-karman, 155. 84lok1/a., obtenção do mesmo mun-
nididhyâ.8ana, meditação reitera- Bnllha, ternura, 188. .. ';JI'

da, 152. prast1da, graça, 118. do, 139. 8oma-ca.kra., ca.kra. da Lua, 178.
l'ratfka, slmbolo, 128. sa.mddhi, "ênstase", 66, 67, 70, 8opdçralla, uma postura, 86.
nidrei, sono, 68.
nirdlambana., sem suporte, 104. pratimd, imagem, 128. 85, 94,'.95, 96, 97, 98, 99·102, stambha'llrtti, retenção súbita, 88.
nirguna BrahmCJ-n, o Absoluto pra.tyd.hd.ra, retraimento dos sen- lOS, 104~105, 140, 152, 158, 162, trllrya.bheclana, um pr4n4114-ma,
além de qualquer qualificação, tidos, '70, 90.92, 94, 174. 1'74, 180-184. 171, 172.
84, 124. l'reman, amor perfeito, 188. sa.mdpatti, absorção, 99. Sushu1n71d, a 7lddi central, 164,
nirodha, parada, suspensão, BU- l'12id, ritual, 132. sa.mípya, proximidade, 139. 166,178,174,175,176,178,181, ";'.j
pressão, 67, 68. Purusha., o Homem principal, 37, Sdmkhlla, um dos "pontos de vis· 182, 188.
niMldna, cessação do devir, 64 88, 89, 40, 41, 42, 48, 45, 46, ta" (darçana) tradIcionais, 18, 8vadharma, sua própria Ie! de I', •

nirvicdra.-samc1dhi, samddhi Bem 47, 48, 49, 50, 61, 62, 66, 67, 27, 28, 29, 80, 81, 82, 89, 41, ação, 107, 108, 109, 110.
diferenciação, 98, 10l.
nirvikalpa-samd.dhi, 8amd.dhi sem
69, 60, 61, 82, 102, 104, 116,
119, 122.
.1
48, 50, 53, 55, 5'7, 59, 60, 81,
62, 68, 64, 68, 77, 94, 124, 141,
s1lddhlld1la, estudo, '70, 80, 81.
s1.ld.dhishtâna, um oaJcra, 160, 162.
;'. '
distinção, 154. ptLrush4rta, objetivo da exietlln- 159. 81JCJkiya, sentimento de esposa,
nirvitarka.-samddhi, 8amd.dhi isen- cia humana, 58. llampra;Mta-8amddhi, 8a.mddhi 186.
to de noções, 98, 101. Purushottama, Pessoa suprema, cognitivo, 98, 99-101, 103, 104, 81Jastikdsana, um cakra., 86.
niyama, observância, 26, 80, 70, 122. 105. 8vOIJ/ambhu.-linga., o eixo do Exis-
78·85.
rdga, apego, paixão, 65, 138. .. llam8k<1ra, tendências, 58, 158.
Bamtosha, contentamento, 80,70,
tente por si mesmo, 47, 159. '-'

paçu, animal sacrificial, 47. rdgc1nuga-bhakti, bhakti apaixo- 79. Tad, Isso, designação da Realida.
padma, lótus, nome dado a09 nada, 136. B<1mllllama, concentração, medita- de absoluta e inefável; 84. > "
ca.kra, 164. raias, um dos guna, 85, 86, 8'7, 48, ção e ênstase, 97, '99, 100, 102. ta.ma.s, um dos guna., 35, 36, 87,
padmâ8ana, uma postura, 85, 167. 45, 51, 53, 54, 96, 115, 148, 167. ..annll4sa, renúncia, estado de d&- 48, 45, 51, 58, 96, 148, 158, 166•
parabhakti, bhakti suprema, 124, Râ;a--yoga, yogareal, 106, 181. sapego, 110, 112. tanm41tra., qualidade sensivel, 43, ..
rasa, sabor, 135. ~::.)
139-140. -llan11(lldsin, renunciado, 106, lU. 44, 45, 49, 100, 101.
'{":
.-.... ...............
'

..
-r...,
,

194 o YOOA
.~.
taplU, esforço sobre si, aacese, 62, 74, 77, 80, 81, 108, 111, '118,
17, 22, 23, 24, 25, 26, 70, 80. 182.
tattva, principio, nivel de reali· Vedânta, "o fim ou culminação
["'- " dade, 41, 42, 48, 44, 49, 159, dos Veda", os Upanishad e suas
160, 161, 164, 166. diferentes interpretações, 18,
trcSt4ka, fixação ocular, 171. 82,82.
trillsni, conflu€!nel a das "adi, 176. lIibMtti, manifestação de poder,
tuehti, satisfação a bom termo, 102.
61. lIiçud.dh.i, um cakra, 160, 164, 182.
ttl4ga, renl1ncia, 58. Viçv4mitra, um sábio, 28.
lIikalpa, imaginação, 68.
"CCki3kt4, poder residual, 159. vikrti, produção, transformação,
udbkava, desenvolvimento, 88. 84.
udclÍ1/4na, um. bandha, 173. viJulhepa, poder de projeção, 168.
v.jj4iJ/in, um' prdn4l1dma, 171. lIiparita-kManí, uma mudr4, 178.
p, urdÃlIa-1"OUU, 178, 179. lIiparva.1Ia, cognição elTÔnea, 68.
lIir4ga (1Jair4gva), desapego, 31.
lIaiv1fa., membro de uma categoria t>fr4aam.a., uma postura 86. COMPOSTO E IMPRESSO PELOS
social, 48, 109, 111, 129. t>ff'JIG, virlUdade, enerila heróica, ESTABELECIMENTOS GRÁFICOS
r' vaidÃi-bltaJeti, bltaJeti tradicional, 86, 109. BORSOI S.A., IND'OSTRIA. E 00-
184- Vi8h.nugrtzlnthi, "nó de Vishnu", MÊRCIO, NA RUA FRANCISCO
r· lIair4na (ou lIir4ga) , desapego, 182. MANUEL, 51/55, RIO DE JA-
NEmo, RJ', EM ~OVEMBRO DE
68. tn'tti, movimento, funcionamento,
atividade do psiquismo, 68,,71, MIL NOVECENTOS E SETENT.'
vairoli, uma mudrd, 178-179.
tlanaJ)!'lUtka, retiro (original. 87, 88, 161, 168. E SEIS PARÁ
mente numa floresta), 112- tl2f017l4-CakrG, cakra. do céu, 176. ZAHAR EDITORES
T". lIarDa, categoria social, 86, 107-
110. lIajiia, sacrlficio, 112, 118, 181,
v48cmd, impressões latentes, 153, 166.
76. 1Iama., refreamento, 70, 71·77, 78.
1I4t1a.llla, ternura paternal, 126, YGm4, rei da Morte. 155.
186. lIGntra, diagrama, 166.
..-:".
Veda, "aquilo que foi visto", tex· 21ogapatta, cinto de meditação,
to revelado, fundamento da 86.
tradição bramânica, 17, 23, 38, yuga, época cósmica, idade, 108.

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BffiLIOGRAFJA E SUGESTÕES DE LEITUPA:

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19&8). .
ZO~ Danah & ,MARSHALL, Ian (2000) - QS: lnteligêncza Espiritual - o "Q" que jaz a
diferença. Riáde J1lneiro, Ed. Record.

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