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Nazaré da Costa Cabral | Guilherme

Waldemar D’Oliveira Martins

Finanças
Públicas e
Direito
Financeiro
葡京法律的大学

大象城堡
FINANÇAS PÚBLICAS

SEBENTA INACABADA

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FINANÇAS PÚBLICAS

2.º - Os instrumentos das Finanças Públicas: receitas e despesas

1 – As receitas Públicas

Princípios gerais e modalidades de receitas públicas: enunciação : os instrumentos


principais da política orçamental são as receitas e as despesas públicas. No que diz respeito às
receitas públicas, devemos começar por referir as modalidades respetivas e, no que diz respeito
às receitas tributárias, a concretização dos diferentes tipos. Tomamos agora a enunciação dos
princípios gerais aplicáveis às receitas públicas:

i) O princípio da legalidade, segundo o qual as receitas devem ser regidas e criadas


por lei ou no seu respeito (este princípio é especialmente válido em relação às
receitas tributárias);
ii) O princípio da renovação anual, segundo o qual as receitas não podem ser
cobradas sem autorização orçamental anual;
iii) O princípio de que as receitas devem encontrar-se integralmente previstas no
Orçamento de Estado;
iv) O princípio da não dedução das despesas de cobrança, como consequência da
regra da não compensação;
v) O princípio da não consignação a despesas específicas, salvo em relação a casos
especiais ou excecionais, previstos na lei;
vi) O princípio – com exceções – da cobrança através do processo de execuções
fiscais.

Passando de seguida à identificação das principais modalidades de receitas públicas e


atendendo à fonte de onde promanam, podemos identificar as seguintes:

 Receitas patrimoniais: resultam da administração do património do Estado ou da


disposição de elementos do seu ativo e que não tenham caráter tributário;
 Receitas tributárias: são as receitas provenientes da cobrança de tributos (impostos,
taxas e contribuições financeiras);
 Receitas creditícias: são as receitas resultantes do credito público e têm a
particularidade de ser receitas não efetivas (contrariamente a todas as demais).
Assim acontece, na medida em que as receitas creditícias, embora se traduzam
numa entrada de ativos monetários no património de tesouraria do Estado, ao do
da receita assim obtida.

De entre as receitas patrimoniais diferencia-se entre as:

o Receitas do património: resultam da normal administração do património,


seja ele património imobiliário ou mobiliário.
o Receitas de disposição patrimonial: resultam da oneração ou alienação
desse mesmo património.
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Receitas tributárias:
1. Tipos de receitas tributárias e critérios de distinção: seguindo ensinamento
generalizado nesta matéria, podemos qualificar os tributos como prestações
pecuniárias em favor do Estado, de natureza obrigatória e sem caráter sancionatório.
A generalidade da doutrina fiscalista portuguesa tem, ao longo dos tempos,
procurado identificar os critérios fundamentais de distinção entre os tipos principais
de receitas tributarias. A grande cisão é a que separa impostos de taxas:
o os impostos constituem tributos unilaterais tributos unilaterais, no sentido
eu pagamento do imposto não envolve qualquer contraprestação;
o As taxas constituem tributos bilaterais, no sentido de que o seu pagamento
pressupõe uma determinada contrapartida específica, tendencialmente
direta e imediata. Podem ser cobradas fundamentalmente numa de três
situações:
 Pela utilização de bens de domínio público;
 Pela obtenção de um serviço público;
 Pela remoção de um obstáculo jurídico ao exercício da atividade
privada.

Com a revisão constitucional de 1997, o legislador consagra expressamente um


tertium genus tributário, que denomina de contribuições financeiras. Estas não
se confundem com as contribuições especiais, um tipo muito particular de
impostos e que apresentam, em nossa opinião, duas especificidades: por um
lado, são cobradas em virtude da ocorrência de externalidades positivas ou
negativas e visam portanto internalizá-las; por outro lado, sendo impostos,
traduzem uma aplicação híbrida dos princípios da capacidade contributiva e da
equivalência. As contribuições financeiras, contrariamente pois às contribuições
especiais, são uma categoria autónoma de tributo, ainda que fiquem “a meio
caminho” entre as taxas e os impostos: o que as diferencia dos impostos é o
facto de, nelas, haver lugar a uma contraprestação; o que as diferencia das taxas
é o facto de a prestação ter uma natureza difusa. As contribuições para a
segurança social constituem, segundo doutrina importante, um exemplo, ainda
que não o único, deste tipo de tributo. A distinção entre estas três figuras
convoca pois o manuseamento de dois elementos fundamentais, o pressuposto
e a finalidade do tributo. No caso dos impostos – tributos unilaterais típicos – o
pressuposto legal de cuja verificação depende a formação da obrigação
tributária mostra-se nele alheio a qualquer relação entre o sujeito passivo e a
administração. O pressuposto situa-se fora dessa relação e encontra-se nos
rendimentos, no património, no consumo, etc., ou seja, em factos reveladores
da riqueza (da capacidade contributiva), que não a prestação administrativa.
Para além disso, impõe-se que este tenha por finalidade o financiamento geral
das despesas públicas não visando o financiamento de despesas públicas
determinadas. No caso das taxas, o pressuposto é uma prestação administrativa
de que o sujeito passivo seja efetivo causador ou beneficiário. A sua finalidade
consiste na compensação dessa mesma prestação, mas sobretudo em função
dessa prestação. Finalmente, as contribuições têm por pressuposto uma
prestação administrativa presumivelmente provocada ou aproveitada pelo
sujeito passivo e têm ainda uma finalidade compensatória, que deve ser
confirmada pelo destino da receita cobrada. A qualificação como imposto, taxa
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ou contribuição financeira tem relevância a nível do regime jurídico-
constitucional aplicável. Designadamente, quando à aplicação do princípio da
legalidade fiscal. Na verdade, desde a revisão constitucional de 1997 (alínea i),
n.º1 do artigo 165.º CRP) que é matéria de reserva (relativa) de lei da Assembleia
da República a «a criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas
e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas». Com esta
previsão, o legislador criou uma cisão clara, no plano da reserva de lei, entre os
impostos, de um lado, e as taxas e as contribuições financeiras, do outro. E
consagrou, mesmo quanto às contribuições financeiras, uma reserva de lei
(aparentemente) menos exigente, determinando que “apenas” o regime geral
respetivo conste de lei. Assim, enquanto no que diz respeito aos impostos se
exige que o tipo fiscal e bem assim os respetivos elementos essenciais sejam
criados por lei (veja-se também, em articulação com a norma do artigo 165.º
CRP, o disposto no seu artigo 103.º, n.º3), já que no que diz respeito às taxas e
às contribuições financeiras, apenas se impõe que da lei resulte a aprovação do
respetivo regime geral. O “tipo” em concreto de cada taxa ou contribuição
financeira poderá então fazer-se por diploma legal não autorizado ou até,
eventualmente, por diplomas de natureza infralegal. Clarifique-se o que significa
verdadeiramente a aprovação de um “regime geral”. Se a expressão comporta
uma certa dose de indeterminação, caberá ao próprio legislador definir que
aspetos devem integrar esse mesmo regime geral (a ideia em suma de
preferência do Parlamento). Daqui resulta, finalmente e no que às taxas e
contribuições financeiras respeita, que podem existir não apenas um, mas vários
regimes gerais, em função designadamente dos setores da atividade pública a
que respeitem. Posto isto, devem constar necessariamente do regime geral (a
ideia de conteúdo mínimo):

- A própria noção de “taxa” e a sua caracterização;

- As suas possíveis modalidades e a indicação típica dos domínios da sua


incidência;

- Os princípios e regras gerais relativos à competência para o seu


estabelecimento e à forma ou procedimento que neste deve ser observado;

- Os critérios a que deve obedecer a fixação do respetivo montante e os


elementos ou circunstâncias para tanto atendíveis (talvez este seja o ponto
nuclear);

- Alguns aspetos mais relevantes do regime da relação jurídica e da


obrigação tributárias.

Assim, conquanto esta seja uma reserva de lei à partida menos exigente do que
aquela que é reclamada para os impostos, não se trata ainda assim de uma mera
formulação vaga e programática de princípios gerais, desprovidos de
operatividade e de efetividade jurídicas. Temos lá a parametrização de
elementos essenciais, fundamentalmente, critérios de determinação da
incidência objetiva e subjetiva, critérios de definição do montante das taxas e
princípios norteadores e preocupações com as garantias dos contribuintes.
Trata-se pois de um regime que é geral, não por haver uma qualquer degradação
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da qualidade das matérias – que são ainda em última análise os elementos
essenciais do tributo –, mas sim por outras (três) razões fundamentais:

i) É regime geral, porque geral é o seu objeto: enquanto no caso dos


impostos, os regimes respetivos são, por via de regra, regimes
específicos de cada um dos impostos, no caso das taxas e das demais
contribuições financeiras eles serão o regime que genericamente
enquadrará uma pluralidade de tributos, tributos estes unidos por uma
idêntica fisionomia e funcionalidade. Nesta medida, o regime geral
assumirá, quanto a eles, o papel de denominador comum, fixando
critérios de determinação da incidência e das taxas e bem assim regras
de competência, de exigências formais e procedimentais, que acabam
por funcionar como verdadeiras garantias dos contribuintes e de
segurança jurídica.
ii) O regime é geral porque, diversamente ao que sucede com os códigos
ou a legislação fiscal, não se trata, através dele, de criar desde logo a
taxa ou a contribuição (o tipo fiscal): o regime geral limitar-se-á a fixar
as regras de competência para a criação desses tributos e a determinar
a forma como essa criação, na prática e em concreto, se processará (o
procedimento). E isto é explicado, em boa medida, novamente pelo tal
caráter plural e proliferante dos tributos em que estão em causa – a
ideia de tipicidade tributária surge aqui de forma mais ténue. Por isso
mesmo, o legislador entende que se a “figura” tributária seguir os
critérios e os princípios e, bem assim, as exigências formais e
substantivas fixadas no enquadramento geral, isso é suficiente para
cumprir as exigências de legalidade, podendo o tipo depois ser criado,
de facto, por outro instrumento que não a lei.
iii) É geral, na medida em que este estabelece parâmetros ou critérios –
que até podem ser bastante especificados – relativamente aos
elementos essenciais do tributo. Ora, talo não significa ainda que estes
elementos sejam desde logo nele fixados, podendo ou devendo sê-lo
quando criado, efetivamente, o tributo em causa.

A distinção entre os vários tipos de tributos, assente no critério da existência ou


não de um sinalagma entre aquilo que é pago e o que é percebido em troca,
pode ser explicada através dos princípios fundamentais de tributação que estão
subjacentes a cada um dos tributos. Considera-se que nos tributos bilaterais, a
tributação é legitimada pelo princípio da equivalência, ao passo que nos tributos
unilaterais ela estriba-se (em regra) no princípio da capacidade contributiva.

2. A Constituição fiscal portuguesa: referência breve à igualdade tributária: o ponto de


partida da presente análise é, em nosso entender, a reabilitação doutrinal do
princípio da capacidade contributiva ou económica. O que, tem permitido a
construção de um direito fundamental de contribuição, assente na ideia que os
direitos fundamentais consistem em direitos públicos subjetivos que vinculam o
legislador, e, consequentemente, a necessidade de realizar uma ponderação de
bens jurídicos (norteada pelo princípio da proporcionalidade) quando estejam
presentes fins que impliquem a restrição daquele direito. Na verdade o princípio
geral da igualdade reclama, segundo Leibholz, um determinado conjunto e direitos
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subjetivos dirigidos a omissões, ou seja, «a omissões ou perturbações arbitrárias da
igualdade de iure». A igualdade de iure distingue-se da igualdade fática, que são
máximas incompatíveis. Daí falar-se em “paradoxo da igualdade”. Tanto um
princípio, como o outro colidem frontalmente, o que quer significar que sempre que
esteja assegurado um tratamento de iure, o tratamento fático não está garantido e
vice-versa. Assim, há que distinguir três tipos de direitos: os direitos de igualdade
definitivos abstratos, os direitos de igualdade definitivos concretos e os direitos de
igualdade prima facie abstratos. Desta forma, todos os direitos abstratos conduzem
a um conjunto de direitos concretos muito diferentes, a que, rigorosamente,
chamamos de direitos de defesa. E é esta relação dialógica que explica a omissão do
Estado, que, por sua vez, pode conduzir à exigência e tutela fática, por parte do
administrado, alternativamente, de um status positivo (exigência de atuação pública)
ou status negativo (exigência de não atuação pública). Sendo assim, a igualdade é
preenchida pelo direito fundamental a contribuir de acordo com a capacidade
económica de cada um. Daí que reconduzamos a primeira parte da noção material
de benefício à derrogação da capacidade contributiva. O princípio da capacidade
contributiva pretende, deste modo, vincular o legislador de um determinado modo,
por forma a fazer concorrer os sujeitos passivos para o financiamento das despesas
públicas de acordo com o seu grau de existência económica. A capacidade
contributiva, na sua dupla vertente – como direito fundamental e como medida da
igualdade – representa algo indeterminado. Mas a determinabilidade apura-se por
exclusão de partes. Assim, tendo em conta que a capacidade económica é uma
norma de prudência, porquanto assegura a não tributação a quem não tem nada
que serve de base a uma graduação dos vários sujeitos passivos, tendo em conta a
origem das fontes de tributação, pela negativa, podemos dizer:
a. É sabido que os impostos de capitação e os baseados no beneficio não são
compatíveis com a capacidade contributiva;
b. Não será determinante a capacidade contributiva potencial, mas sim a atual
– isso exclui a tributação mínima que não fundamentará a autentica
capacidade de contribuir;
c. A capacidade contributiva não é compatível com o direito a optar entre
diversas consequências jurídicas.

De acordo com a delimitação avançada, a capacidade contributiva e a sua dupla


valorativa quê/porquê, constituem, assim, o núcleo, tendo em conta uma dupla
vertente: objetiva e subjetiva:

a. De acordo com a capacidade contributiva objetiva, a tributação da riqueza


disponível recorre a três corolários:
i. Apenas o rendimento líquido deve ser tributado (corolário material);
ii. A continuidade da tributação, desconsiderando os períodos como
compartimentos estanques (aspeto temporal);
iii. Não submissão a tributação dos rendimentos fictícios (aspeto
quantitativo);
b. Já de acordo com a capacidade subjetiva, a tributação deve ter em conta o
enquadramento familiar e pessoal do sujeito passivo (princípio do líquido
subjetivo).
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Para além disso, deverão estar assegurados outros três fatores, para a consolidação
do referido núcleo essencial tributário: a progressividade, o ajustamento a inflação
e a coerência legislativa. Mais à frente, teremos em conta estes planos de análise
para enquadrar o regime dos benefícios fiscais vigentes no nosso ordenamento. A
generalidade dos impostos em Portugal, seguindo a pré determinação
constitucional, baseia-se no princípio da capacidade contributiva. Nos impostos
diretos a capacidade contributiva é pressuposto direto da tributação, ao passo que
nos impostos indiretos, ela é pressuposto em termos indiretos. Já os impostos
especiais de consumo tendem a fundar-se no princípio da equivalência, associando-
este princípio ao uso de bases tributárias específicas. O mesmo se passa, de resto,
com as contribuições especiais. Como dissemos anteriormente, está em causa a
internalização de efeitos externos (positivos ou negativos) de uma dada atividade;
nesta medida, elas têm um intuito de correção de falhas de mercado. Nas
contribuições qualificadas como contribuições de melhoria, a base tributável
corresponde (ao valor da) à melhoria e visam pois acomodar fiscalmente o
benefício social obtido por alguns; nas contribuições comummente apodadas de
contribuições por especial desgaste, a base tributável corresponde (ao valor do) ao
desgaste infligido a um bem público e intenta, corrigir fiscalmente o custo social
inerente a esse desgaste. Em todo o caso, esta figura tributária apresenta alguma
hibridez que a permite eventualmente reconduzir também ao princípio da
capacidade contributiva: ali, a melhoria obtida pode traduzir o aumento da
capacidade económica; aqui, o custo infligido pode ser função dessa mesma
capacidade económica. O princípio da capacidade contributiva é, pela sua própria
natureza, menos sensível ao argumento da eficiência, e é promotor da justiça social.
Daí que as opções que o legislador, mormente o legislador constituinte, faça no
desenho do sistema fiscal envolva esta opção de fundo: a opção por um sistema
fiscal envolva esta opção de fundo: a opção por um sistema fiscal onde prevaleça o
objetivo da justiça social, em detrimento das condições de eficiência; a opção por
um sistema fiscal eficiente, mas porventura “cego” relativamente às exigências de
justiça social. Ainda assim, não faltam esforços, ensaiados nos diversos
ordenamentos jurídico-fiscais, para calibrar estes dois objetivos contraditórios. A
conceção de um “bom” sistema fiscal será, em todo o caso, uma solução de
“seconds best” perante a hipótese de um sistema fiscal perfeito (este pensado num
plano de estrita eficiência). Tem cabido à teoria da tributação ótima o
estabelecimento de um conjunto de prescrições sobre o modo como deve
funcionar um sistema fiscal em condições de eficiência, ou seja, minimizando as
distorções que ponham em causa a respetiva neutralidade económica. A teoria
assume-se no entanto como teoria de “second best”, ou seja, inferior ao que
prescreveria se não houvesse quaisquer distorções resultantes do sistema fiscal. A
teoria assume assim a existência de impostos incidente sobre o consumo sobre os
rendimentos e sobre o património e assume tais impostos, no quadro da
convivência entre os princípios da capacidade contributiva e da equivalência. Do
que se trata então é de minimizar as distorções, calibrando as componentes do
sistema fiscal com vista à sua aproximação, tanto quanto possível, de um sistema
fiscal ótimo. A questão prévia fundamental que hoje se coloca no estudo dos
sistemas fiscais é a de saber se e em que medida os resultados saídos dos diversos
modelos que compõem a teoria da tributação ótima têm sido úteis no desenho das
políticas fiscais. Alguns autores demonstraram ceticismo quanto a este ponto. Tanzi
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considera que a generalidade das políticas ou das reformas fiscais adotadas pelos
Estados apartem-se das prescrições feitas pela referida teoria. Diversamente,
autores como Boadway, consideram que muitas das tendências mais recentes no
domínio da política fiscal e, bem assim, das melhores práticas definidas pelas
organizações internacionais, vão ao encontro daqueles ensinamentos teóricos. O
sistema fiscal português, baseado ainda hoje na importante reforma levada a cabo
em 1989, foi-se tornando, em virtude das sucessivas e recorrentes alterações
introduzidas na legislação fiscal, num sistema confuso e sincrético, gerador de
instabilidade e imprevisibilidade. Afetando pois, negativamente, a atividade
económica, o investimento e o ambiente dos negócios. Na situação em que vivemos,
de crise, de assistência financeira e de intensa pressão fiscal sobre os contribuintes,
as ineficiências do sistema fiscal são amplificadas. Ainda assim, estamos cientes de
que, mais cedo ou mais tarde, a reforma do sistema fiscal português vai ser
debatida. E esse debate pode justamente envolver algumas das prescrições
fundamentais da teoria da tributação ótima.

3. O sistema fiscal português:


a. Os impostos sobre o rendimento: na sequência da reforma da tributação
do rendimento de 1989 foram criados o imposto sobre o rendimento das
pessoas singulares (IRS) e o imposto sobre o rendimento das pessoas
coletivas (IRC). Nos termos do preâmbulo que aprova a reforma da
tributação do rendimento, «a inovação básica reside na substituição do
atual sistema misto, com preponderância dos elementos cedulares, pela
fórmula da tributação unitária, atingindo globalmente os rendimentos
individuais, enformadora do modelo ora adotado para a tributação das
pessoas singulares». E refere-se, ainda, que, «à luz das modernas exigências
de equidade, a solução unitária é inequivocamente superior quer ao puro
sistema cedular, consistindo este em impostos separados e entre si não
articulados, quer ao próprio sistema compósito, resultante, em regra, da
evolução operada a partir de uma estrutura originariamente cedular, em
que a um esquema de impostos parcelares se sobrepõe uma tributação de
segundo grau com caráter global». Fazem parte do núcleo essencial da
tributação em sede de IRS aqueles desagravamentos que decorrem do
princípio da capacidade contributiva. Os benefícios fiscais identificados em
IRS, conforme resulta do anexo, incidem sobre vários elementos e visam a
concretização dos mais variados fins extrafiscais. É de assinalar, porém, que
os desagravamentos estruturais em sede de IRS tendem a ter uma natureza
regressiva, pelo que, de futuro, será de repensar a sua utilidade em integrar
no núcleo essencial do imposto, porquanto o princípio que os fundamenta
– a capacidade contributiva – é o primeiro a ser afastado, quando perante
dados empíricos evidentes. A este propósito, veja-se que, só a partir de um
determinado nível de rendimento é que o sujeito passivo de IRS é que
consegue absorver todas as deduções à coleta estruturantes identificadas.
Quer isto significar que, em determinadas circunstâncias, quanto maior for
o rendimento bruto auferido pelo sujeito passivo, menor será o pagamento
do imposto, em virtude da capacidade de o sujeito passivo poder absorver
todos os benefícios estruturantes disponíveis. Daí a regressividade própria
do IRS, quando nos vemos confrontados com a deduções à coleta
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estruturantes. Para além desta regressividade, acrescente-se que o líquido
subjetivo subjacente a estas deduções estruturantes não está totalmente
espelhado no CRIS, na medida em que existe um determinado conjunto de
despesas que são desconsideradas, não obstante fazerem parte dos
encargos familiares necessários à sua subsistência. Em todo o caso, pensar
em ampliar as hipóteses de dedução estaria a tornar o sistema mais
complexo, pelo que a concretização deste princípio do líquido subjetivo,
ponderadas as deduções à coleta estruturantes, poderia passar pela
redução das taxas previstas no artigo 68.º CIRS. O núcleo essencial do IRC é
composto por desagravamentos são, na sua maioria, de natureza subjetiva,
porque existem entidades que exercem atividades de natureza não
comercial, que por sua vez devem ser excluídas da regra geral de tributação
do lucro, baseado no resultado líquido de exercício. O Código do IRS não é
um Código exclusivamente para juristas. De facto, por influência das normas
internacionais, a contabilidade tem vindo a introduzir o justo valor nas áreas
onde o custo histórico era dominante. Na verdade a tributação do lucro
pode assumir duas vertentes:
i. A vertente do custo histórico, na medida em que só se tributam os
ganhos que tenham sido realizados, pagos ou colocados à
disposição em datas definidas pelos intervenientes/autores dos
atos e contratos;
ii. A vertente do justo valor, na medida em que não é preciso esperar
pela realização de valores históricos, mas antecipar/adiar
tributação tendo em conta «o preço de venda de um ativo ou de
uma transferência de responsabilidade que terá lugar entre os
participantes do mercado e nas condições atuais do mercado»;

Com a introdução do justo valor, produziu-se uma mudança de paradigma


contabilístico e alterou-se o Código do IRS com vista a sua adaptação às
normas internacionais e, em particular, ao novo Sistema de Normalização
Contabilística (SNC). A tributação do rendimento, do património e do
consumo incorpora o princípio do justo valor, de natureza contabilística, na
mensuração de um vasto conjunto de ativos e na consequente
determinação do respetivo imposto. O justo valor contabilístico exerce uma
influência na tributação das sociedades. Depois de décadas de avaliações
pelo custo histórico, admitiu-se nestes últimos 20 anos a possibilidade de
mensuração pelo justo valor, atualmente ainda em fase de construção.
Com o passar do tempo, assiste-se a uma progressiva incorporação do justo
valor em termos fiscais. O justo valor assume-se, doravante, como uma
alternativa ao custo histórico para as organizações. A IAS/IFRS e o SNC
servem de base à incorporação do justo valor na legislação fiscal. Apesar de
as IAS/IFRS e o SNC não se incorporarem direta e obrigatoriamente na
esfera do domínio fiscal, acabam por servir de base à determinação do
lucro fiscal e terem assim uma eficácia fiscal. São muitas as situações no
Código do IRS que refletem a aplicação do justo valor, a saber:

i. Os instrumentos financeiros;
ii. No caso de ativos biológicos;
iii. Os inventários;
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iv. Quando é praticado entre entidades relacionadas um preço de
transferência diferente do preço de mercado ou do preço de plena
concorrência;
v. As importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas
singulares ou coletivas residentes fora do território português;
vi. A transmissão de direitos reais sobre imoveis;
vii. Quando ocorre uma concessão de atividade de uma entidade com
sede ou direção efetiva em território português e a transferência da
sua sede ou direção efetiva para outro Estado.
b. Os impostos sobre o património: a tributação estática do património, que
conhecemos atualmente, tem a sua origem em Portugal na lei de 19 de abril
de 1845 e visou fundamentalmente, em pleno governo conservador radical
cabralista, a diminuição do défice crónico das contas públicas e financiar o
projeto de modernização pela «tentativa da criação de redes e estruturas
de caminhos de ferro». Inicialmente fazia parte do novo systema organizo
da Fazenda, que era composto por três impostos diretos: a contribuição
predial, de maneio e a pessoal. O regime da contribuição predial foi objeto
de reestruturações sucessivas, tendo sido afeta a receita cobrada pela Lei
n.º 1/79 de 2 janeiro aos municípios, e até à Reforma Fiscal de 1989
manteve a natureza de imposto direto sobre os rendimentos prediais
rústicos e urbanos. Em 1988 é criada a Contribuição Autárquica, que passa
a incidir sobre o património e não sobe o rendimento, que, por seu lado,
passa a ser retirado nos dois impostos sobre o rendimento entretanto
criados. Sendo assim, a cada prédio seria atribuído um valor tributável,
determinado no termo de um Código de Avaliações. Este Código das
Avaliações nunca chegou ser publicado, pelo que até à criação do IMI, o
valor patrimonial era definido pelo Código da Contribuição Predial e do
Imposto sobre a Indústria Agrícola anterior e noutros casos pelo CIMSISSD.
E é só em 2003 se procede a uma verdadeira reforma da tributação do
património, pela instauração de um sistema efetivo de avaliação dos
prédios urbanos e rústicos, permitindo assim o estabelecimento do valor
patrimonial próximo do valor de mercado, alfo que não acontecia com a
anterior Contribuição Autárquica, o que causava séries problemas de
igualdade horizontal e vertical. Esta criação de um sistema efetivo de
avaliação dos prédios permitiu assim criar um sistema efetivo de avaliação
dos prédios permitiu assim criar um verdadeiro imposto sobre o património
e não sobre o rendimento, abrindo, igualmente, a possibilidade de o
legislador descer as taxas, em resultado do aumento dos valores
patrimoniais, que serviriam de base tributável. O IMT é, não obstante a
denominação evidenciar uma realidade ais recente, nada mais é que um
imposto que sustentou uma grande parte das receitas do Estado no Antigo
Regime. A sisa, originalmente, surgiu no reinado de D. Dinis. Já tinha
natureza de imposto indireto e também constituía receita municipal. A sua
incidência era, no entanto, diferente da atual. Era mais ampla, e a sua
restrição, aproximada àquilo que hoje conhecemos só foi possível na
Reforma fiscal de Mouzinho da Silveira. É curioso atualmente discutir-se a
verdadeira utilidade do imposto, dado o acréscimo económico
evidenciando quanto aos custos de transação, dada a integração sistemática
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do IVA como imposto geral sobre o consumo. A dinâmica dos custos de
transação admite que possam ser criados mecanismos contratuais por
forma a que as partes cumpram seus termos, ou que, caso isso não suceda,
a outra parte possa tomar uma ação apropriada. Repare-se que só adotando
esta ótica é que se percebe que não só a tributação imobiliária incide sobre
as sucessivas transmissões do mesmo bem, novo ou usado, como também
que compreende por que razão é o património ou o rendimento futuro do
sujeito passivo a suportar o respetivo imposto. Neste sentido, compreende-
se a opção tomada pelo legislador, como regulador de um mercado
imobiliário e garante da certeza no estabelecimento das relações jurídicas.
Esta análise não quer evidenciar, contudo, e numa lógica de simplificação,
que a tributação imobiliária não faça mais sentido quando integrada na
sistemática do IVA, ponderadas as taxas que seriam mais adequadas à
referida manutenção das expectativas das partes envolvidas no negócio
jurídico. O núcleo essencial do IMT encontra fundamento, não só na
arrecadação de receita, mas também, mais recentemente, na criação de
custos de transação necessários ao cumprimento do contrato de aquisição
de bens imóveis. O imposto do selo, não obstante ser o imposto mais antigo
português, é um imposto anacrónico. Não só porque não depende de uma
norma de incidência geral, as também porque foi deixando
progressivamente de estar associado à ideia de monopólio fiscal dos valores
selados. Por seu lado, e tradicionalmente, a cobrança do imposto do selo
verifica-se pela conjugação de utilizar uma moeda fiscal e o monopólio na
fabricação e venda desta moeda. Assim, o momento da cobrança não
coincidia normalmente com o do pagamento, porquanto este só se
verificava, até à abolição dos valores selados em 1986, com a inutilização
das estampilhas fiscais ou do papel selado. Isto estava de tal forma
institucionalizado que até uma parte da doutrina italiana chegou a defender
que a obrigação do imposto do selo teria por objeto não um dare, mas um
facere. Atualmente, e com a abolição destes valores, os momentos do
pagamento e da cobrança coincidem necessariamente. O desaparecimento
da moeda fiscal e do monopólio na sua fabricação, não fez desaparecer, no
entanto, a existência de barreiras de entrada no mercado. Nesse sentido, e
à semelhança do que sucede com o IMT, o Estado utiliza a fiscalidade para
estabelecer barreiras a potenciais concorrentes no mercado, favorecendo
determinados agentes a esquivarem-se aos efeitos da concorrência própria
do mercado. É no entanto de assinalar que no selo não há coincidência,
normalmente, entre sujeito passivo e aquele que suporta o imposto. A
reforma da tributação automóvel que agora se empreende implica
alterações de fundo no que toca aos impostos que incidem sobre a respetiva
circulação. Até ao presente momento, a circulação de veículos em Portugal
encontrava-se sujeita a três impostos distintos – o imposto municipal sobre
veículos, o imposto de circulação e o imposto de camionagem –
disciplinados por textos legais produzidos em épocas diferentes e que, com
o passar do tempo, acusavam deficiências de forma e de substância. Na sua
forma atual, o imposto municipal sobre veículos constitui um produto dos
anos 70, tendo sido concebido numa época em que o parque automóvel
português era ainda diminuto e a posse do automóvel esta ainda como sinal
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exterior de riqueza. No imposto municipal sobre veículos sobressaem, por
isso, preocupações de natureza social às quais o tempo foi roubando o
fundamento, ao mesmo tempo que se mostram ausentes as preocupações
de política ambiental e energética que hoje se consideram essenciais a estas
figuras tributárias. Os impostos de circulação e de camionagem, por seu
lado, ganharam a sua forma atual nos anos 90, em cumprimento das normas
comunitárias que respeitam à tributação dos veículos pesados de
mercadorias, revelando-se figuras de âmbito mais estreito mas de maior
racionalidade do que o imposto municipal suportado pela generalidade dos
automobilistas. A própria diferenciação entre o imposto de circulação e o
imposto de camionagem, assente na utilização por conta própria ou por
conta de outrem dos veículos de mercadorias, exprime a subordinação
destes impostos a propósitos mais atuais de política energética e dos
transportes, deixando ver que estas são figuras menos carentes de reforma
que o imposto municipal sobre veículos. A introdução do imposto único de
circulação traz, assim, uma simplificação importante a esta área do sistema
fiscal. Os três impostos até agora vigentes são fundidos numa figura única,
eliminando-se a dispersão legislativa que os rodeava, ao mesmo tempo que
se harmonizam soluções técnicas, conceitos e terminologia. Na substância,
e por razões que se prendem com as suas próprias características, com as
exigências do Direito Comunitário e com as prioridades nacionais do
domínio da política ambiental, energética e dos transportes, mantém-se
uma disciplina diferenciada dos diferentes tipos de veículos, fixando-se para
o efeito categorias que têm raiz na legislação até agora em vigor. Como
elemento estruturante e unificador destas categorias, consagra-se o
princípio da equivalência, deixando-se assim claro que o imposto, no seu
conjunto, se subordina à ideia de que os contribuintes devem ser onerados
na medida do custo que provocam ao ambiente e à rede viária, sendo esta
a razão de se desta figura tributária. Infunde-se, assim, neste imposto a
lógica ambiental de que ele vinha carecendo, pondo termo a um sistema de
tributação que alimentou a manutenção em circulação de veículos em fim
de vida e a conversão ao gasóleo do parque automóvel nacional, com grave
prejuízo para o nosso ambiente e política energética. A utilização de uma
base tributável de natureza mista, combinando cilindrada e dióxido de
carbono, possui ainda a virtude de tornar simples e transparente a
repartição da receita, que agora há que fazer, entre a Administração Central
e os Municípios, cujos interesses financeiros são rigorosamente preservados
pela presente reforma. Os veículos até agora sujeitos aos Impostos de
Circulação e de Camionagem continuam a ser tributados nos mesmos
termos em que o vêm sendo, não lhes trazendo a presente reforma
novidade de maior. É assim porque esta é uma área do sistema da
tributação automóvel subordinada ao Direito Comunitário, sendo por isso
mais limitada a margem de intervenção do legislador nacional.
c. Os impostos sobre o consumo:
i. O imposto sobre o valor acrescentado: a demonstração da
manifesta incompatibilidade entre os impostos cumulativos ou em
cascata e o princípio da neutralidade fiscal está na base da fixação
legislativa da possibilidade de permitir aos adquirentes dos bens nas
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várias fases do processo produtivo deduzirem os investimentos
efetuados. Assim se criou o IVA – Imposto Sobre o Valor
Acrescentado. O IVA existente em Portugal é um imposto de tipo
consumo baseado no sistema de inputs/outputs e assente no
sistema de pagamentos fracionados destinados a tributar o
consumo final. A dedução do imposto pago nas operações
intermédias do circuito económico é, desta forma, indispensável ao
funcionamento do mencionado sistema. Não confundamos o
referido direito à dedução com o conceito de isenção. Não é correto
reconduzir, em regra, as situações que consubstanciem isenção
tributária em sede de IVA, a uma renúncia a receitas por parte do
Estado e à consequente redução do quantum da obrigação
tributária a que o contribuinte está sujeito, à semelhança do que
sucede com os impostos sobre o rendimento e sobre o património.
Substancialmente, em sede de IVA, podemos estabelecer uma
relação entre o Estado e o Contribuinte com um dupla vertente:
1. Uma vertente passiva: como abrangendo todas as
operações efetuadas pelo contribuinte, consistindo estas
no fornecimento de bens e prestação de serviços próprios
da atividade empresarial;
2. Uma vertente ativa: abrangendo os impostos devidos ou
pagos quer relativamente aos bens fornecidos e serviços
prestados, quer relativamente aos bens importados, quer
relativamente às situações previstas no artigo 17.º, n.º3 da
Sexta Diretiva.

É da diferença algébrica entre estas duas vertentes que resulta o


montante do imposto devido ao Erário, no caso de a vertente passiva
ser superior à vertente ativa, ou o montante do imposto a ser
restituído, no caso inverso. O direito à dedução de IVA surge no
momento da exigibilidade do imposto, sendo que o mesmo apenas
se pode concretizar na medida do imposto devido e dos bens e dos
serviços empregados na atividade empresarial. Pelo que se torna
necessário o estabelecimento de uma correlação entre a aquisição
dos bens e dos serviços e o seu emprego. Desta correlação resultam
dois tipos de limites:

1. Um limite quantitativo, já que a dedução só pode ser


exercida na medida do imposto suportado a montante;
2. Um limite qualitativo, por referência à verificação
cumulativa dos seguintes requisitos:
a. A natureza positiva, do qual resulta a inerência
entre os bens e serviços adquiridos e a atividade
empresarial prosseguida;
b. A natureza negativa, da qual resulta a exclusão dos
bens e serviços adquiridos utilizados para fins
diversos aos visados pela atividade empresarial
concretamente sujeita a tributação. O imposto
suportado deve corresponder a certas operações e
FINANÇAS PÚBLICAS
subsiste mesmo quando o sujeito passivo não
tenha podido utilizar os bens ou serviçes que deram
origem à dedução.

O IVA repercutido corresponde, assim, à aquisição de um bem ou


serviço que se pretende utilizar para as necessidades da empresa, ou
seja, que fique afeto aos bens da empresa. O que quer significar que
é necessário para a dedução interna do imposto que este tenha sido
debitado em transação anterior devidamente documentada por
meio de fatura, nos termos exigidos pelo artigo 18.º da Sexta Diretiva.
O sujeito passivo deve possuir um documento que justifique o direito
à dedução, alternativamente:

1. Uma fatura expedida por quem efetua a transmissão de bens


ou a prestação de serviços;
2. Um documento que contenha a liquidação do imposto,
expedido pelo sujeito passivo, no caso de inversão do sujeito
passivo;
3. Os Estados Membros podem exigir aos sujeitos passivos a
apresentação do original da fatura para justificar o direito à
dedução, bem como de admitirem, quando o sujeito passivo já
não estivesse na posse do original, outros meios de prova que
demonstrassem que a transação que é objetivo do pedido de
dedução existiu efetivamente.

Desta forma, limita-se a dedução ao imposto devido e devidamente


documentado por meio de fatura. Isto é, se não corresponder ao
montante do imposto legalmente devido deve ser regularizada,
mesmo que corresponda ao montante do imposto mencionado
numa fatura ou num documento equivalente. Ora, os benefícios
fiscais surgem normalmente em sede de IVA, em duas modalidades:
isenções completas e incompletas, conforme viabilizem ou não o
direito à dedução ou reembolso do IVA. Apenas as isenções
aplicáveis a operações internacionais é que conferem o direito à
dedução. Pelo contrário, as operações internas não conferem o
direito à dedução. É muito difícil porém, apurar da admissibilidade
destas isenções como derrogações à capacidade contributiva.
Fundamentalmente, porque decorrem de obrigações
internacionalmente assumidas, que implicam necessariamente uma
delimitação da margem de liberdade atribuída aos Estados Membros
da União Europeia. Assim, temos: isenções internas e isenções
externas. Quanto à questão da harmonização e consequente
margem de liberdade dos Estados membros na transposição da Sexta
Diretiva para a legislação interna, e tendo em conta o constante do
artigo 28.º desta, que contém disposições transitórias, existem
isenções não harmonizadas autorizadas e possibilidade de opção
pela tributação de factos que são consideradas isentos na Sexta
Diretiva. Quanto às isenções que os Estados Membros estão
autorizados a manter, há que considerar que, nos termos do artigo
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28.º, n.º2, alínea a) da Sexta Diretiva, só são permitidas a que tenham
sido aplicáveis anteriormente a 1 de janeiro de 1991.

ii. Os impostos especiais de consumo: para além da mera


redistribuição de riqueza, como fundamento do núcleo essencial do
imposto, é a existência de um custo social associado ao consumo de
determinados bens, tendo em vista a internalização de
externalidades negativas geradas, como seja o deperecimento da
saúde pública ou do meio ambiente, que fundamenta a arrecadação
de receita do Estado. Ora, isso quer significar que quando
analisamos a admissibilidade da extra fiscalidade nos IEC, a
capacidade contributiva desvanece-se. E isto porque estes impostos
remontam à ideia de accises (do latim excidere ou adcensare), que
visavam fundamentalmente limitar o consumo de um determinado
bem, por várias razões, como forma de arrecadação de receita.
Pretendem os IEC punir o consumo de determinados bens,
assumindo-se como uma alternativa à proibição. Assim:
1. A tributação de caráter repressivo, no caso do tabaco e
bebidas alcoólicas;
2. A tributação visa a proteção do ambiente, no caso dos
produtos petrolíferos e energéticos.
iii. O imposto sobre veículos:

Receitas creditícias: a dívida pública:


1. Conceito de dívida pública e suas modalidades principais: a dívida pública é a dívida
do Estado (aceção ampla). Como qualquer dívida, traduz um compromisso
financeiro ou um conjunto de compromissos financeiros, vencíveis num
determinado prazo. Nesta aceção, a noção de dívida pública confunde-se com o
termo de dívida soberana. De qualquer forma, quando se aborda hoje o problema
da dívida soberana, parece estar fundamentalmente em causa a dívida de longo
prazo. A ser assim, o traço distintivo entre as duas noções estará no critério
temporal: enquanto a dívida pública tanto pode referir-se a dívida de curto como de
longo prazo, a dívida soberana respeitará apenas a esta última. Concorrem para
dívida pública, não apenas a dívida do Estado (stricto sensu), mas também a dívida
das administrações infra estaduais. Mesmo clara é a inclusão, naquela, da dívida do
setor empresarial. Tendemos hoje a propender pela sua contabilização, até por
força das regras de contabilidade aplicáveis aos Estados membros, no quadro do SEC
95. A dívida pública traduz o conjunto de situações passivas de que o Estado (latu
sensu) seja titular, determinada, em primeira linha, pelo recurso ao crédito (falamos
então em passivo financeiro). Como vimos anteriormente, as receitas do crédito
público traduzem receitas não efetivas do Estado, tal como a amortização da dívida
configura uma despesa não efetiva. O recurso ao crédito, por sua vez, é explicado
ou pela existência de défice orçamental (as receitas efetivas são insuficientes para
cobrir as despesas efetivas) ou pela existência de um stock prévio de dívida
acumulado. Assim, pode dizer-se que o défice pré-determina e influencia o valor da
dívida pública. Mas, por outro lado, não é menos certo que a existência de dívida
pública condiciona o desempenho orçamental, na medida em que a sua existência
envolve o pagamento de juros, despesa corrente, que concorre para o saldo global.
FINANÇAS PÚBLICAS
O valor das taxas de juro aplicáveis ao financiamento do Estado (e das suas empresas)
é, nesta medida, um elemento crucial da gestão orçamental. Quanto às modalidades
de dívida pública, propomos as seguintes classificações:
a. Critério da fonte: a dívida pública está geralmente associada à contração de
empréstimos ou à emissão de dívida pública. Esta é a dívida financeira do
Estado. Mas o passivo do Estado pode também fazer-se de dívidas não
financeiras. Embora esta dívida seja registada nas demonstrações
financeiras do Estado (releva, nesta medida, das exigências de contabilidade
pública) é a dívida financeira que se considera quando se avalia o peso da
dívida pública na sua relação com o PIB.
b. Critério da moeda: a dívida pública pode ser qualificada como dívida interna,
quando é denominado em moeda com curso legal em Portugal (o euro) e
como dívida externa, quando é denominada em moeda que não tenha curso
legal em Portugal (alíneas c) e d) do artigo 3.º do Regime Geral de Emissão
e Gestão da Dívida Pública).
c. Critério da evidência: a dívida pública pode ter diferentes graus de
evidência. Quando a dívida pública resulta da contração de empréstimos ou
da emissão de dívida a sua evidência é imediata: diz-se por isso dívida
expressa do Estado. Quando a dívida resulta da assunção de compromissos
que, no imediato até podem trazer receitas para o Estado, mas que, no
imediato até podem trazer receitas para o Estado, mas que, no futuro,
redundarão certamente em despesa, a sua evidência é diferida no tempo:
podemos qualifica-la como dívida implícita. Por fim, quando a dívida tem
uma evidência meramente difusa (podendo, no limite, nem vir a
concretizar-se), tratamo-la como dívida condicional.
d. Critério do tipo de débito: este último permite-nos justamente contrapor
as situações em que o Estado é devedor principal – usamos então a
expressão dívida direta – e aquelas em que o Estado é devedor subsidiário
– usamos então a dívida acessória do Estado.
e. Critério da maturidade: atendendo à maturidade, podemos qualificar a
dívida pública como de curto prazo (se ela é inferior a um ano) ou dívida de
longo prazo (se a maturidade é superior a um ano).
f. Critério do exercício orçamental: considera-se dívida flutuante se a
amortização ocorre no mesmo exercício orçamental em que a dívida foi
contraída. Considera-se que a dívida é fundada se a amortização ocorre em
exercício diferente daquele em que haja sido contraída (alíneas a) e b) do
Regime Geral de Emissão e Gestão da Dívida Pública).

Repare-se que esta distinção não se confunde inteiramente com a anterior: se é certo
que a dívida flutuante é sempre de curto prazo, já não é verdade (menos em tese)
que a dívida fundada seja sempre de longo prazo. A distinção entre dívida flutuante
e fundada é muito relevante, do ponto de vista não apenas económico e financeiro,
mas também do ponto de vista jurídico. O regime aplicável, nos termos da
Constituição (artigo 161.º, alínea h) CRP) e do Regime Geral de Emissão e Gestão da
Dívida Pública, é assim diferente nestes dois casos, sendo de maior exigência, como
se compreende, no caso da dívida fundada.

2. Emissão e gestão da dívida pública direta: para além da sua relevância económica,
a dívida pública tem, por causa disso mesmo, uma relevância jurídica muito evidente.
FINANÇAS PÚBLICAS
O processo de emissão de dívida pública é regulado pela Constituição, pela Lei de
Enquadramento Orçamental e pela lei ordinária (fundamentalmente o Regime
Geral de Emissão e Gestão de Dívida Pública) e, dele resultam, precauções e
limitações. Progressivamente, estas têm vindo a ser mais exigentes e mais
abrangentes, tocando todos os setores do Estado e não apenas a administração
central. A primeira limitação no processo de emissão da dívida pública resulta da
necessidade de autorização parlamentar, mormente quando esteja em causa a
emissão de dívida fundada (alínea h) do artigo 161.º CRP). A necessidade desta
autorização parlamentar decorre do princípio da democracia financeira e visa desde
logo assegurar que os representantes do povo exercem um controlo efetivo sobre a
geração de encargos futuros desse país (sua razão de ser, seus montantes, suas
formas e condições de pagamento). Nesta medida, eles representam não apenas as
gerações do presente, mas implicitamente também as gerações do futuro. Para
além disso essa autorização constitui a melhor forma de assegurar aos credores que
virão a receber satisfação efetiva dos seus créditos e respetivas remunerações. Além
de autorizar a emissão de dívida fundada, cabe à Assembleia da República, nos
termos do mesmo preceito constitucional, definir também as condições gerais dos
empréstimos a emitir. Nos termos do n.º1 do artigo 4.º do Regime Geral de Emissão
e Gestão da Dívida Pública (RGEGDP) constituem condições gerais dos empréstimos
o montante respetivo e bem assim os prazos de vencimento. Ainda que nem a
Constituição, nem a Lei seja inequívocas quanto à identificação da lei parlamentar
de onde haja de constar a autorização para a contratação de empréstimos e a
definição das respetivas condições gerais, a LEO, no seu artigo 31.º (alíneas e) a g)),
concretiza que essa lei é a Lei do Orçamento. Logo, consequentemente, a
autorização parlamentar é anual. Para além da definição de condições gerais e
depois destas, há lugar à definição, em Conselho de Ministros, de condições
complementares a que devem obedecer a emissão, negociação e contratação da
dívida (n.º1 artigo 5.º RGEGDP). Seguem-se por fim, a definição das condições
específicas dos empréstimos a contrair, por parte da Agência de Gestão da
Tesouraria e da Dívida Pública. Seja como for, o papel do Ministro das Finanças é
aqui, também, cada vez mais importante. Na verdade, o Ministro das Finanças tem
o poder de definir linhas de orientação específicas a serem seguidas pelo IGCP na
execução da política de financiamento e na realização de outras transações
relacionadas com a recompra de títulos e com a gestão ativa da carteira de dívida.
As linhas de orientação permanentes do Ministro das Finanças incluem a definição
de uma estrutura “benchmark” de longo prazo para a composição da carteira de
dívida, que reflete objetivos específico quanto aos riscos de taxa de juro, taxa de
câmbio e refinanciamento traduzidos em indicadores como a duração, o perfil de
reembolsos e o perfil de refixação de cupões. Este “bechmark” é tomado como
estrutura de referência para a avaliação do custo/performance da carteira de dívida
e para a definição de limites para o risco de taxa de juro, risco cambial e risco de
refinanciamento em que a gestão da dívida pode incorrer. O IGCP é hoje, para além
disso, a entidade responsável principal de gestão (normal) da dívida, com a
expressão gestão da dívida pretende-se abranger a prática de todo um conjunto de
operações financeiras decorrentes da existência de uma relação jurídica de
empréstimo e necessárias à sua dinâmica normal, singular ou globalmente. Por sua
vez, é possível contrapor as situações de gestão normal às de gestão anormal da
dívida. A primeira corresponde ao conjunto de operações que, em virtude da
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contração da dívida pública, se estabelecem entre os Estados e os credores, ao passo
que a segunda é o conjunto de operações através das quais o Estado pretende
modificar a situação e composição de dívida pública. A gestão normal da dívida, a
cargo como dissemos do IGCP, inclui a emissão de instrumentos de dívida para a
obtenção de financiamento e a execução de outras operações, com o objetivo de
alterar a estrutura da carteira de dívida existente. Com o intuito de ajustar o perfil
de amortizações da dívida pública, a Lei inclui, no âmbito das operações de gestão
da dívida pública, o reembolso antecipado e recompras de dívida existente, bem
como a troca direta de títulos. A Lei inclui também, no âmbito da gestão da dívida,
a possibilidade de serem negociadas transações sobre derivados financeiros,
nomeadamente “swaps” de taxa de juro, “swaps” cambiais, “forwards”, futuros e
opções. Estas transações têm que servir uma estratégia de cobertura de riscos já
existentes, requerendo-se que estejam associadas na carteira da dívida aos
instrumentos que originam os riscos a cobrir. Na atualidade, no quadro da
implementação do Programa de Assistência Financeira, tem sido muito debatida, do
ponto de vista político, a hipótese de renegociação da dívida pública portuguesa.
Esta traduz justamente uma forma de gestão anormal da dívida, tecnicamente
qualificada antes da conversão. A conversão consiste na alteração, por acordo ou
pelo devedor, das condições contratuais em que foi celebrado o empréstimo público,
no decurso da vigência deste: as alterações das cláusulas modificam o conteúdo da
relação, nos seus elementos essenciais ou acessórios. Depois pode qualificar-se a
conversão atendendo à existência ou não de consentimento por parte do credor e
ela será, assim, de uma forma legítima de conversão; no segundo caso, ela carece
de legitimidade, pelo que tende a ser proibida pelos ordenamentos jurídicos.
3. Instrumentos de dívida pública direta: dos instrumentos de dívida pública direta,
vamos aqui sumariamente indicar os seguintes, alguns deles referidos, desde logo,
no RGEGDP (artigo 10.º). São eles:
a. Contrato;
b. Obrigações do Tesouro (OT);
c. Bilhetes do Tesouro (BT);
d. Certificados de Aforro

Os empréstimos têm tendencialmente uma natureza voluntária (embora seja


concebível a existência dos chamados empréstimos forçados). Daí que a forma
convencional de contração de empréstimos por parte do Estado seja o contrato. A
natureza jurídica deste contrato não é clara, nem inequívoca. Autores como Sousa
Franco pronunciam-se em favor da qualificação deste contrato como contrato de
Direito Público e, particularmente, como contrato financeiro de Direito Público, com
características, no entanto, mais próximas dos contratos de Direito Comercial, do
que dos de Direito Administrativo. A justificação para esta menor carga juspublicista
que se traduz na opção do Estado em abdicar dos seus poderes de autoridade (típicos
do Direito Administrativo), para se colocar apenas na posição de uma entidade que
se apresenta no mercado de capitais, esperando recolher a adesão voluntária dos
detentores de poupanças, resulta do entendimento segundo o qual esta é a melhor
via para prosseguir o interesse público – garantindo pois o correto funcionamento
desses mercados. Atendendo a que a emissão da dívida constitui um processo de
captação de poupança de uma forma muito disseminada e tão generalizada quanto
possível, as formas mais comuns consistem, não tanto em contratualizar
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empréstimos individuais com cada credor, mas sim em colocar no mercado títulos de
dívida (que representam individualmente uma parte do empréstimo total), que se
destinam a ser subscritos pelo público em geral (com ou sem intermediação de
outras entidades). Vejamos, as principais formas de titulação de dívida. As obrigações
do Tesouro constituem o principal instrumento utilizado pelo Estado português para
satisfazer as suas necessidades de financiamento. As OT são valores mobiliários de
médio e longo prazo, cuja emissão se efetua através de operações sindicadas, leilões
ou por operações de subscrição limitada (tapping) e que podem ser emitidas com:
prazos de 1 e 50 anos; com ou sem cupão (cupão zero); taxa de juro fixa; amortizáveis
no vencimento pelo seu valor nominal; e possibilidade de destaque de direitos
(Stripping) A política de gestão da dívida pública, seguida pelo IGCP tem privilegiado
duas formas de colocação das OT em mercado primário: através de sindicatos
bancários e pela realização de leilões. A primeira modalidade tem sido utilizada na
missão inicial das novas séries, já que permite assegurar o duplo objetivo de
colocação de um maior volume de títulos de uma só vez, ao preço de mercado e uma
elevada diversificação da base de investidores, que a nível geográfico, quer por tipo
de investidor. A segunda modalidade é usada sobre no incremento do saldo das OT
em curso de emissão. Todas as séries de OT estão admitidas à negociação no
Mercado Especial da Dívida Pública. Em resultado da estratégia de financiamento
orientada para o mercado, tem vindo a registar-se um alargamento e uma
diversificação geográfica de base de investidores ativos no mercado das OT, que
assume hoje um cariz marcadamente internacional. Os Bilhetes do Tesouro (BT)
constituíram desde a sua criação em 1985 e até 1998 um importante instrumento de
financiamento do Estado e de intervenção monetária. A alteração das condições de
definição e execução da política monetária resultante da criação da UEM em 1999 e
a adoção de uma estratégia de financiamento do Estado orientada prioritariamente
no sentido de desenvolver um mercado de títulos de médio e longo prazo com
dimensão europeia e suficiente liquidez, levaram à suspensão da emissão de BT no
início de 1999, situação que se manteve até 2003. O relançamento da emissão de BT
enquadrou-se numa estratégia de criação de um mercado líquido para estes títulos,
de dimensão internacional, capaz de contribuir para o alargamento e diversificação
da base de investidores em dívida pública portuguesa. Os BT são valores mobiliários
de curto prazo com um valor unitário de um euro, podendo ser emitidos com prazos
até um ano, colocados a desconto através de leilão ou subscrição limitada e
reembolsáveis no vencimento pelo seu valor nominal. A colocação de BT em mercado
primário é assegurada por um grupo de bancos reconhecidos pelo IGCP, como
Especialistas em Bilhetes do Tesouro (EBT). A colocação de BT e ainda efetuada
através da realização de leilões regulares de acordo com um calendário previamente
anunciado ao mercado. Finalmente, os certificados de aforro são instrumentos de
dívida criados com o objetivo de captar a poupança das famílias. Têm como
característica principal o serem distribuídos a retalho, isto é, serem colocados
diretamente juntos dos aforradores e terem montantes mínimos de subscrição
reduzidos. Os certificados de aforro só podem ser emitidos a favor de particulares e
não são transmissíveis exceto em caso de falecimento do titular. A emissão de
certificados de aforro série C pode ser efetuada diretamente nos balcões das
entidades para o efeito contratadas ICGP, os CTT, assim como através da Internet.
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4. A dívida pública condicional e acessória: como dissemos anteriormente, esta é uma
dívida acessória pois não constitui dívida direta do Estado. Dificilmente é
percecionada como tal, mesmo do ponto de vista orçamental, uma vez que nem
sempre chega a materializar-se. Por outro lado e por causa disto, ela é também uma
dívida condicional e subsidiária: o Estado só assume verdadeiramente, como sua, a
dívida, se e quando esta não for paga pelo devedor principal. O regime jurídico da
dívida acessória consta de dois textos fundamentais. Em primeiro lugar, da
Constituição (artigo 161.º, alínea h) CRP). Em segundo lugar do Regime Jurídico da
Concessão de Garantias Pessoais pelo Estado (RJCGPE). Nos termos do artigo 7.º
desse regime, as garantias pessoais abrangem não apenas os avales (previstos
expressamente no artigo da referido da Constituição), mas também as fianças. Esta
previsão legal aconselha uma interpretação extensiva e atualista da própria
Constituição: onde se mencionam os avales, devem entender-se de um modo geral
as garantias pessoais do Estado. O regime das garantias é exigente. Conjugando o
disposto na Constituição e na Lei, retiramos os seguintes momentos cruciais no
processo de concessão pelo Estado dessas duas garantias. Em primeiro lugar, a
fixação por lei da AR do limite máximo de garantias a conceder pelo Governo (alínea
h, artigo 161.º CRP), sendo essa lei, por força do disposto no artigo 31.º da LEO, a lei
orçamental e apenas esta. Em segundo luar, no processo de concessão
propriamente dito, releva o seguinte:
a. O pedido é dirigido ao Ministro das Finanças pela entidade solicitante do
crédito ou pela beneficiária da operação financeira;
b. O pedido deve ser devidamente instruído, mediante apresentação de um
conjunto de documentos que atestem não apenas o cumprimento do
requisito fundamental à concessão da garantia - a verificação de um
manifesto interesse para a economia nacional (artigo 8.º RJCGPE) –, mas
também o cumprimento das condições suplementares previstas no artigo
9.º;
c. Elaboração de pareceres que sejam eventualmente solicitados em apoio à
decisão governamental;
d. Decisão final, pelo ministro das finanças, através de despacho, no qual de
forma fundamentada se demonstre que o projeto reúne as condições legais
e é de manifesto interesse para a economia nacional (artigo 15.º);

2 – Despesas Públicas

Caracterização e modalidades das despesas públicas: despesa pública é o conjunto de


dispêndios realizados pelos entes públicos para custear os serviços públicos (despesas correntes)
prestados á sociedade ou para a realização de investimentos (despesas de capital). O conjunto
de dispêndios abrange, como veremos os três comportamentos típicos do agente económico:

 Consumo: aquisição presente de bens, tendo em vista a satisfação das necessidades


a que um sujeito se propõe;
 Investimento: representa todo o capital físico adicional adquirido pelo setor público
e privado ao fim de um determinado período de tempo. Normalmente tem por base
a aquisição de capital financeiro, em resultado de uma renúncia ao consumo
FINANÇAS PÚBLICAS
presente em nome de obtenção de recursos futuros. O investimento pode ser real,
quando se reporte aos bens de capital empregues no processo produtivo, ou
financeiro, por referência ao mútuo ou depósitos de fundos junto de mercados ou
instituições especializadas. O apuramento do nível de investimento, no mercado dos
fundos mutuáveis, depende da relação que o sujeito faz da taxa de juro real com a
taxa de desconto. Assim, o aumento das taxas de juro: por um lado, reduz a
probabilidade de lucro; por outro lado, reduz o valor presente das remunerações
futuras (isto é, aumenta a taxa de desconto). Desta forma, se o retorno do
investimento adicional for superior à taxa de juro valerá a pena investir.

Enquanto as despesas correntes proporcionam benefícios apenas para o próprio período, já as


despesas de capital proporcionam benefícios nos períodos futuros. Um subsidio que o Estado
paga para financiar o consumo de uma família pobre é uma despesa corrente, já o gasto que
efetua para construir uma estrada ou uma ponte é uma despesa de capital. Convém ainda
relembrar que a despesa pública constitui, no quadro das Contas Nacionais, uma despesa
nacional. Recordem-se os elementos que concorrem para o Produto Interno Bruto (PIB), na
ótica da despesa, numa economia aberta ao exterior, através da equação habitual: o PIB é igual
ao Consumo (privado) somado com o Investimento, com a Despesa Pública e com a diferença
entre as Exportações e as Importações. A primeira distinção que separa entre despesas de
investimento de despesas de funcionamento, sendo as primeiras as que concorrem para a
formação de capital fixo do Estado, ao passo que as segundas respeitam aos gastos necessários
para assegurar o normal funcionamento da máquina administrativa. A segunda distinção
apontada é a que separa despesas em bens e serviços de despesas de transferência, sendo as
primeiras as que asseguram a criação de utilidades, por meio da compra de bens ou serviços do
Estado, enquanto as segundas limitam-se a proceder a uma redistribuição de recursos,
atribuindo-os a entidades que se situam ou no setor púbico, ou no setor privado. Pode também
dizer-se que, a nível das Contas Nacionais, as primeiras concorrem para o Rendimento Nacional,
ao passo que as segundas não têm sobre ele qualquer efeito. As transferências podem ser,
depois, de natureza distinta: transferências capital ou correntes, consoante afetem ou não o
património duradouro do Estado; transferências diretas ou indiretas, consoante visem aumentar
diretamente os rendimentos disponíveis. A terceira distinção opõe despesas produtivas a
despesas reprodutivas, consoante se limitem a gerar utilidades no presente ou impliquem o
aumento da capacidade produtiva no futuro. Por fim, pode ainda distinguir-se entre despesas
civis e despesas militares, sendo estas últimas destinadas a manter a Defesa Nacional e as
primeiras todas as demais. Dentro das despesas civis é possível diferenciar algumas categorias
(atendendo designadamente às funções do Estado). Assim, podemos identificar despesas
económicas, despesas sociais, despesas com as funções gerais de soberania (exceto as de
natureza militar) e outras.

Fatores determinantes do crescimento da despesa pública nos países desenvolvidos:


hipóteses pelo lado da procura e pelo lado da oferta: a segunda metade do século XX
registou, na generalidade dos países desenvolvidos, um crescimento muito expressivo das
despesas públicas. A afirmação plena dos Estados de bem estar fez com que uma boa parte
desse crescimento se ficasse a dever ao crescimento das despesas sociais. Sobre o padrão de
crescimento da despesa pública, existem inúmeras análises e estudos vários. Num texto muito
interessante de Lane, são identificadas as duas perspetivas ou hipóteses no modo de equacionar
o crescimento da despesa pública ao longo do século XX. É evidente que estas duas perspetivas
traduzem duas conceções totalmente antagónicas do Estado numa democracia representativa.
A primeira olha para o Estado (para o Governo) como um agente neutral. É o modelo do Estado
FINANÇAS PÚBLICAS
benevolente. Pelo contrário, abordagem da Economia Política da orçamentação pública encara
o Estado como uma fonte potencial de distorção na relação entre governantes e governados, na
qual os grupos de interesse acabam por assumir uma posição estratégica privilegiada com vista
à promoção dos seus interesses egoístas, incluindo os dos burocratas e dos próprios políticos. É
o modelo do economic being. Assim sendo, as primeiras teorias explicativas do crescimento do
setor público e da despesa pública alicerçavam-se em hipóteses do lado da procura. Foi o que
sucedeu desde logo com a formulação da já clássica Lei de Wagner, que procurou ver no
Crescimento da despesa o resultado do desenvolvimento socioeconómico, com isso traçando a
importante distinção entre fatores aparentes e reais de crescimento da despesa. Mas outras
ideias, ainda com base nesta hipótese, foram avançadas: que o aumento da afluência dos
cidadãos implica orçamentos maiores (Lei de Wilensky), que o domínio da esquerda na
sociedade e na política ditara a expansão do orçamento em substituição dos mecanismos de
mercado (Lei de Castle), que as ideologias coletivas promoveriam a expansão do setor público
(Lei de Wilensky), que a existência de choques sociais ditaria alterações em matéria orçamental,
com níveis acrescidos de despesa pública (Lei de Peacok e de Wiseman). A segunda perspetiva
de explicação do crescimento da despesa foi já orientada pelo lado da oferta. Neste plano,
encontramos a ideia de que o gasto público envolve desperdício burocrático (Lei de Tullock),
que o crescimento do setor público é função da maximização da dimensão dos serviços
burocráticos do Estado (Lei de Downs), que a produtividade do setor público é negativa, exigindo
todos os anos, por isso mesmo, maiores recursos para a obtenção de resultados (Lei de Baumol),
que a feitura do orçamento assenta numa ilusão fiscal acerca da relação entre o custo e o
benefício (Lei de Buchanan), que existe uma estrutura fiscal invisível e que maior elasticidade
fiscal promove maior gasto público (Lei de Oates), que a estrutura em si mesmo do setor público
implica um processo orçamental que favorece a procura de bens, de serviços e de dinheiro (Lei
de Niskanen). A substituição da visão romântica do Estado (o Estado promotor do bem estar
social, monolítico e onde não haveria espaço para incongruências), pelo ceticismo liberal dos
anos setenta e oitenta, conduziu assim à substituição da tese Wagneriana de inevitabilidade de
crescimento da despesa e do setor públicos, pela tese da indispensabilidade da reforma da
despesa pública.
FINANÇAS PÚBLICAS

4.º - Morfologia e vicissitudes do Orçamento do Estado

1 – Natureza, características e funções do Orçamento de Estado (OE)

É profícua e praticamente unânime a doutrina nacional na caracterização do OE. Sousa Franco


diz-nos ser «possível definir o Orçamento, em Finanças Públicas, como uma previsão, em regra
anual, das despesas a realizar pelo Estado e do processo de as cobrir, incorporando a autorização
concedida à Administração Financeira para cobrar receitas e realizar despesas e limitando os
poderes financeiros da Administração em cada ano». Reproduzindo a definição constante, entre
nós, do Regulamento da Contabilidade de 1881, pode então dizer-se que o OE é o documento
onde são previstas e computadas as receitas e as despesas anuais, competentemente
autorizadas. E daqui resultam os seus dois elementos centrais: o OE é uma previsão; o OE é uma
autorização. A estes dois elementos aparecem, por seu turno, associadas duas principais
funções que um orçamento geralmente ostenta. Ao elemento previsão associam-se as funções
económicas do OE; ao elemento autorização associam-se as funções jurídicas e políticas do OE.
Relativamente às funções económicas do Orçamento, é possível distinguir entre uma dupla
perspetiva: a perspetiva da racionalidade económica, na medida em que o orçamento permite
uma gestão mais eficiente e racional dos dinheiros públicos; a perspetiva da eficácia como
quadro de elaboração das políticas financeiras, pois que, do Orçamento é possível conhecer
também os aspetos fundamentais da política económica do Estado. Já no que diz respeito Às
funções políticas e jurídicas, o orçamento assume-se, num primeiro plano, como autorização
política que visa por um lado a garantia dos direitos fundamentais e, por outro lado, o equilíbrio
e a separação de poderes, já que, mediante aquela autorização – a cargo dos Parlamentos –, a
eles resulta cometido importante papel financeiro, o de autorizar as despesas e as receitas, que
depois serão, em sede de execução orçamental (da responsabilidade dos Governos),
efetivamente realizadas e cobradas. Daqui resulta ainda a ideia de que o orçamento se
consubstancia numa limitação jurídica da Administração, pois que os respetivos poderes
financeiros carecem de ser anualmente autorizados. O OE é uma lei, em sentido material e
formal. Não deixa de ser, em todo o caso, uma lei com aspetos sui generis. Durante o Estado
Novo, o sistema orçamental português foi um sistema dualista. Significa que o orçamento estava
contido em dois documentos: um “lei de meios” através da qual a Assembleia Nacional
autorizava o Governo a realizar despesa e a cobrar receita; o orçamento propriamente dito,
aprovado por Decreto do Governo, de onde constava a previsão desagregada da receita e da
despesa pública. O primeiro documento correspondia assim à vertente normativa do orçamento,
o segundo correspondia à vertente contabilística do orçamento. A concretização de um sistema
monista em Portugal não aconteceu logo. Foi preciso esperar pela revisão constitucional de 1982
para que tal sucedesse: desde então, a Lei do OE é só uma e contem pois esses dois elementos
antes disseminados por dois documentos distintos. E isso faz da lei do Orçamento de Estado
uma lei muito particular, marcada por um objeto ambivalente. O OE é uma lei (vertente
normativa); mas é também um conjunto de mapas, agregadores e desagregadores de receita e
despesa (vertente contabilística). Ele é, ora uma lei de autorização (jurídico-política) de
realização de receita e cobrança de despesa (em certos casos, criadora de receita e de despesa),
ora um mero suporte contabilístico de previsões de receita e de dotações de despesa
previamente criadas por lei ou outras fontes jurídicas. Por outro lado, associada a esta dupla
FINANÇAS PÚBLICAS
incidência, mas com ela não se confundindo, verifica-se uma outra ambivalência: o OE pode ser
encarado atendendo à sua dimensão económico-financeira e ele é aqui verdadeiramente o
“orçamento de Estado”, plano de condução das finanças públicas do país e instrumento
primordial da ação macroeconómica do Estado ou atendendo à sua dimensão jurídica, como
instrumento de concretização do princípio da democracia financeira, regulando e calibrando um
equilíbrio tenso entre os diversos intervenientes (desde logo, entre órgãos de soberania). A Lei
do OE tem sido ainda qualificada por alguns autores como lei de valor reforçado, não apenas em
razão do especial procedimento conducente à sua aprovação (artigo 112.º, nº3, in fine CRP),
mas também por ser um caso paradigmático de lei irrevogável. O procedimento é especial, não
apenas por causa da iniciativa exclusiva do Governo, nos termos da referida alínea g) do artigo
161.º CRP, mas também por causa dos tempos da sua aprovação, entrada em vigor e vigência,
que visam garantir a sua duração anual e a sua duração ao longo do ano civil. A natureza sui
generis da Lei do OE, associada a este valor especial que ela tem no elenco das fontes de Direito,
repercute-se depois, como não poderia deixar de ser, nas relações que ela estabelece com
outras leis e, desde logo, com a Lei de Enquadramento Orçamental.

2 – O enquadramento legal do OE

As relações entre a Lei de Enquadramento Orçamental e o OE : a Lei do Enquadramento


Orçamental é o quadro fundamental do orçamento do Estado (OE) português: a sua existência
e razão de ser resultam, em primeira linha, do disposto no n.º1 do artigo 106.º CRP, nos termos
do qual a lei do orçamento é elaborada, organizada, votada e executada, anualmente, de acordo
com a respetiva lei de enquadramento. As relações jurídicas entabuladas entre estas duas leis
têm sido muito discutidas o seio da doutrina constitucional portuguesa, funcionando a lei de
enquadramento como “lei-sujeito” e a lei do Orçamento do Estado como “lei objeto”, cujo
conteúdo e procedimento aquela trata de regular (o objeto de LEO é o OE). A ideia de uma
subserviência ou dependência desta última em relação à LEO, aparentemente resultante do
supra mencionado artigo constitucional, encontra no entanto alguns obstáculos dificilmente
ultrapassáveis.

1.º Obstáculo: é certo eu a LEO é uma lei e é uma lei de valor reforçado. Ela própria se
auto qualifica como lei de valor reforçado (artigo 3.º LEO). De forma redundante, pois assim já
ela é considerada pela própria Constituição (implicitamente do n.º1 do artigo 106.º e pelo n.º3
do artigo 112.º, in fine – critério da função paramétrica da LEO) e só à Constituição compete
definir o que sejam leis de valor reforçado; de forma algo inútil, porque o efeito prático que lhe
advém de ser lei de valor reforçado é aquele que resulta da Constituição e não mais nenhum
outro. Acontece que o OE, como dissemos, também é uma lei em sentido formal e material
(artigo 106.º, n.º1 e alínea g) do artigo 161.º CRP) e é também considerada por diversos autores
uma lei de valor reforçado. O obstáculo primeiro que vislumbramos está não na previsão de
qualquer relação de dependência hierárquica de umas leis de valor reforçado em relação a
outras e muito menos de critérios definidores dessa dependência. Entre si, são portanto leis de
igual valor, valendo desde logo, nas relações mútuas, as regras gerais do Direito.

2.º Obstáculo: reside no facto de a função paramétrica da LEO não aparecer blindada
por qualquer outra exigência, mormente no plano da sua aprovação ou alteração, podendo ela
ser alterada, a todo o tempo, por uma lei parlamentar aprovada por maioria simples. No limite
FINANÇAS PÚBLICAS
poderia dar-se o caso de a lei de enquadramento ser alterada pela própria lei enquadrada, a ei
do OE. Contrariar este entendimento pressuporia laborar dogmaticamente em torno
novamente no disposto no artigo 106.º, n.º1 CRP, afirmando que a Constituição
verdadeiramente reclama não apenas uma lei que materialmente enquadre o OE, mas sim,
também, uma lei que formalmente se assuma como lei de enquadramento. A esta luz, apenas
se tolerariam alterações à LEO feitas através de leis que expressamente se denominassem de
“leis de alteração da LEO” (habilitadas expressamente pela alínea r) do artigo 164.º CRP, em
articulação com o artigo 106.º, n.º1).

Os planos de incidência da LEO: por causa, em grande medida, da ambivalência do OE esta é


hoje um repositório de matérias que vão muito para lá da sua conceção e conteúdo iniciais. Para
além disso, a LEO é uma lei multifacetada, na medida em que nela encontramos modos de olhar
muito diferentes. Assim, em primeiro lugar, identificamos planos de incidência sobre a vertente
normativa e outros de incidência sobre a vertente contabilística do OE. Aquilo que se verifica é
que a LEO é cada vez menos uma lei de incidência formal, reguladora de procedimentos e
estruturas orçamentais, para ser cada vez mais uma lei de incidência substancial, preocupada
com os resultados orçamentais. O resultado orçamental é que tem de ser certo e devido (e isso
quer dizer que deve ser concordante com as exigências de disciplina orçamental). Posto isto,
podemos assim identificar, como fazendo parte integrante do corpo regulador de uma LEO, três
eixos principais de matérias ou temas:

 Primeiro eixo: estrutura, conteúdo e resultados orçamentais;


 Segundo eixo: processo orçamental;
 Terceiro eixo: controlo orçamental e responsabilidade financeira.

Vinculações internas e externas do OE e o conteúdo principal da LOE : a organização do


OE deve obedecer a um conjunto de regras, as quais traduzem vinculações jurídicas internas do
orçamento.

1. Anualidade: a regra da anualidade envolve uma dupla exigência: votação anual do


Orçamento pelo Parlamento e execução anual do Orçamento pelo Governo e
Administração Pública. De acordo com o princípio da anualidade poderia incluir-
se no Orçamento tanto todas as receitas a cobrar efetivamente durante o ano e
as despesas a realizar efetivamente, independentemente do momento em que
juridicamente tenham nascido (orçamento de gerência) quanto todos os créditos
e débitos originados naquele período orçamental, independentemente do
momento em que se viessem a concretizar (orçamento de exercício). O sistema
de gerência tem vantagens, porquanto torna fácil e clara a execução orçamental.
No entanto, dificulta a responsabilização de cada Governo pela elaboração e
execução dos orçamentos que lhe são imputáveis. Os orçamentos de exercício, se
têm a vantagem de permitirem mais facilmente a responsabilização do Governo,
têm uma desvantagem: num determinado ano não sabemos ao certo qual a
situação de tesouraria, não sabemos ao certo quais são as despesas que têm de
ser pagas durante esse ano. No ordenamento financeiro português o sistema
vigente é o de gerência, devendo ainda hoje a leitura do princípio da anualidade
ser feita à luz deste tipo de orçamento. Para obviar os inconvenientes do
orçamento de gerência o legislador previu:
a. Que a elaboração do orçamento fizesse um enquadramento da
perspetiva plurianual;
FINANÇAS PÚBLICAS
b. Que os orçamentos dos organismos do setor público
administrativo integram programas, medidas, projetos ou ações
que impliquem encargos plurianuais, prevendo a despesa total
de cada programa, as parcelas desses encargos relativos ao ano
em causa e as despesas de cada 1 ou 2 anos seguintes com
caráter indicativo.

No entanto, alerta-se para o facto de, mesmo quando a lei prevê a existência de
mapas plurianuais, as verbas neles incluídas devem ser inscritas no OE de cada
ano, sob pena de não poderem ser realizadas por falta de cabimento orçamental
– artigo 106.º, n.º1 CRP. Também com vista a assegurar a cobertura orçamental
de despesas em orçamentos futuros, o artigo 22.º do Regime da Autorização da
Despesa Inerente aos Contratos Públicos dispõe ainda que o cabimento de
despesas em orçamentos futuros seja assegurado por um compromisso de
inscrição, assumido pelo Ministro responsável pela despesa (o da tutela) e pelo
Ministro que faz o orçamento. Cabe apurar se o período anual coincidente com
o ano civil consiste na consagração de um período mínimo ou máximo de
duração do orçamento. Por um lado, o n.º5 deste artigo 22.º vem prever a
possibilidade de existência de um período complementar. Assim o ano
económico coincida com o ano civil e vigore a regra da inscrição no Orçamento
dos créditos e débitos originados naquele período orçamental,
independentemente do período em que se concretizam, admite-se o fecho da
execução orçamental das despesas num período complementar: até 15 de
fevereiro do ano seguinte àquele a que respeita (normalmente), embora nos
últimos anos, este período tenha decorrido até 21 de janeiro. Este período tem
uma duração variável e este sistema de contabilização aproxima-se do
orçamento de exercício. Este período complementar vem permitir sustentar
que o período orçamental vai para além do ano civil. Por outro lado, o artigo
12.º-H LEO fala em prorrogação do orçamento, parecendo desvendar a
possibilidade de sua duração extravasar o período anual, nos termos do n.º1 da
disposição invocada. Mas, a partir do momento em que o nosso ordenamento
em consagrar a produção de efeitos retroativos de todo o orçamento que tenha
sido aprovado durante o ano civil já em curso (artigo 12.º-H, n.º6 LEO), o
extravasamento do período anual fica sem fundamento. Neste sentido,
entendemos que o período anual é o período mínimo de vigência orçamental,
sendo o período máximo definido pelo poder executivo através da existência ou
não de período complementar. A atribuição de um mandato parlamentar
periódico para cobrança de receitas tributarias baseia o princípio do auto
consentimento. Este auto consentimento conferido ao setor público padece de
um enorme paradoxo: por um lado, temos um mandatário/Governo
monopolista que reclama para si objetivos e funções que mudam
intemporalmente, por outro, temos um mandante/Parlamento, que exige o
exercício das funções que atribui de forma transparente, clara, eficiente e
coerente. Por esta análise podemos chegar mesmo a concluir que o
consentimento para cobrar receitas é um controlo de mandato atípico. O
conteúdo do mandato tributário move-se no campo da legalidade financeira.
Conforme resulta do estabelecido normativamente a legalidade desdobra-se
em duas vertentes:
FINANÇAS PÚBLICAS
 A legalidade orçamentária, que prevê a necessidade da periodicidade
da votação parlamentar e da execução do orçamento;
 A legalidade fiscal, que dispõe sobre a reserva absoluta de lei quanto à
matéria de criação, alteração, supressão dos impostos. A primeira
representa o exercício do poder orçamental, a segunda resulta nas
várias manifestações do poder tributário, ou melhor, do poder de criar
impostos.

Ora, enquanto que o poder orçamental é repartido pelo Parlamento (na vertente
legislativa) e pelo Governo (na vertente administrativa), o poder tributário é
exercido primacialmente pelo Parlamento, salvo autorização parlamentar
expressa, nos limites e condicionamentos impostos constitucionalmente. Quer
isto significar que o exercício do mandato tributário no ordenamento financeiro
português depende da definição prévia das condições estabelecidas em lei
parlamentar, não só em sede orçamental, como também em sede legislativa que
autonomamente proceda a uma alteração do sistema fiscal vigente. Ou seja,
depende da existência prévia de duas condições:

a. A existência periódica de uma autorização para cobrança de receitas


tributárias;

b. A delimitação da intervenção administrativa constante das normas


que compõem o sistema fiscal em vigor.

2. Plenitude: o prever a existência de um só orçamento e tudo no orçamento


pretende-se evitar a existência de massas de receitas e despesas que escapem à
autorização parlamentar e ao controlo orçamental. Nestes termos, a regra da
plenitude tem sido entendida como imposição de aprovação de orçamentos que
permitam aos serviços e organismos administrativos tomar conhecimento das
receitas que podem cobrar e das despesas que podem realizar. Para que o
referido conhecimento seja cabal, exige-se no n.º3 que «o total das
responsabilidades financeiras resultantes de despesas de capital assumidas por
via de compromissos plurianuais, decorrentes da realização de investimentos com
recurso a operações financeiras cuja natureza impeça a contabilização direta do
respetivo montante total no ano em que os investimentos são realizados ou os
bens em causa postos à disposição do Estado» conste do Orçamento do Estado,
das Regiões Autónomas e das Autarquias Locais. A regra da plenitude, no que toca
ao Orçamento de Estado, tem uma abrangência limitada. Concretizando, esta
regra não abrange:
a. Operações de tesouraria;
b. A gestão patrimonial do Estado;
c. Os fenómenos de independência orçamental (Regiões
Autónomas, Autarquias Locais, Setor Público Empresarial,
Associações Públicas, Fundações Públicas).

Assim, a plenitude orçamental, no que toca ao Orçamento do Estado, só se aplica


às receitas e despesas dos serviços integrados, serviços e fundos autónomos e
segurança social: só elas têm de constar de um único orçamento (o Orçamento
do Estado) e de estar todas nesse mesmo orçamento. As desvantagens
advenientes da abrangência limitada da regra da plenitude orçamental têm vindo
FINANÇAS PÚBLICAS
a ser obviadas. Por um lado, exige-se que o Governo faça acompanhar a proposta
orçamental de elementos informativos relativos à estimativa do orçamento de
elementos informativos relativos à estimativa do orçamento consolidado do setor
público administrativo, na ótica da contabilidade pública e na ótica da
contabilidade nacional (artigo 37.º, n.º1, alínea e) LEO). Por outro lado, adstringe-
se o Governo à elaboração de contas consolidadas, a integrar na Conta do Estado
(artigos 59.º, 75.º e 81.º LEO). Assim, tanto no momento da previsão como no do
controlo, consegue vislumbrar-se o saldo total dos gastos de todo o setor público
administrativo.

3. Discriminação: a discriminação tem três sub regras: a não compensação, a não


consignação e a especificação. Trata-se da sub regra da não compensação ou do
orçamento bruto, a qual deve ser integrada na regra da discriminação orçamental.
Trata-se de uma lógica consequência da regra da especificação prevista no artigo
8.º LEO. Segundo a sub regra da não compensação as receitas e as despesas
devem ser inscritas no Orçamento de forma bruta e não líquida – não devendo
ser deduzidas às receitas as importâncias gastas com a sua cobrança (apenas
podendo ser deduzidas, nos termos do n.º2 do artigo 6.º LEO, as estimativas das
receitas cessantes em virtude de benefícios tributários e os montantes estimados
para reembolsos e restituições, na medida em que essas não serão efetivamente
sobradas), nem às despesas as receitas originadas pela sua realização (o n.º3 é
perentório neste aspeto) «sem dedução de qualquer espécie»). O orçamento
bruto é uma consequência da regra da universalidade, porquanto as receitas e as
despesas devem ser inseridas pela importância integral, sem dedução alguma. A
relação inversa não compensação/universalidade já não é possível. Assim sendo,
é possível perceber o orçamento bruto com a ausência da regra da universalidade.
Não confundir o conceito de receita líquida com a proibição da compensação
orçamental. A não consignação trata-se de outra sub regra integrada na regra da
discriminação não podendo num Orçamento afetar-se qualquer receita à
cobertura de determinada despesa, pretende-se evitar a existência de uma
Administração Pública fragmentária desprovida de uma gestão financeira de
conjunto. Preveem-se exceções à presente sub regra correspondentes às
situações especiais no artigo 7.º, n.º2 LEO (sendo a referida na alínea a) imposta
pela Constituição – pelo artigo 293.º, n.º1, alínea b) CRP, às que são consignadas
excecional e temporariamente por expressa estatuição legal ou contratual, nos
termos do n.ºs 2, alínea f) e n.º3 do mesmo preceito e ainda às situações de
autonomia financeira em que as receitas de determinados organismos são afetas
à cobertura de determinadas despesas. Fala-se, então, em receitas consignadas,
a que corresponde o regime das contas de ordem. Note-se que a consignação de
receitas a serviços integrados pode ser feita em situações especialmente
justificadas. Não confundir a consignação de receitas com a mera aproximação de
receitas a um grupo de despesas. Ora, tal situação poderá surgir, com a
personalização de um serviço público e trata-se apenas de uma evolução jurídica
de um serviço (que passa a ter autonomia administrativa e financeira). Para haver
consignação de receitas é preciso cumular dois critérios:
a. Deverão ter lugar no mesmo património administrativo;
b. Deverão cobrir uma despesa ou um grupo de despesas.

A consignação de receitas encontra algumas justificações:


FINANÇAS PÚBLICAS
a. O reforço do crédito público. O seu principal inconveniente reside na
limitação da soberania decorrente das atuações financeiras
posteriores;
b. A limitação do montante de uma despesa ou de uma receita;
c. A afetação de receita temporária a uma despesa determinada; e têm
como principal inconveniente o enfraquecimento da fiscalização
orçamental por qualquer das entidades competentes;
d. A personalização de um serviço público.
A sub regra da especificação também se integra na discriminação orçamental e
segundo ela o orçamento deve individualizar suficientemente cada receita e cada
despesa. Opõe-se ao sistema da votação global do orçamento, que consiste no
facto de apenas ser obrigatória a determinação em bloco de uma só soma para
todas as despesas públicas. Assim, para cada espécie de despesas públicas deverá
ser concedido um crédito que deve ser exclusivamente afeto ao serviço (órgão)
ou função prescrita: a soma fixada deve ser o máximo de despesa a efetuar. Esta
está consagrada expressamente no artigo 105.º, n.º3 CRP. Pretende-se assegurar
clareza e limpidez na elaboração, execução e controlo orçamentais. Verifica-se,
assim, que as três sub regras da discriminação orçamental têm finalidades
comuns: assegurar uma maior racionalidade financeira e um efetivo controlo
orçamental. Comina-se a nulidade para os créditos orçamentais que possibilitem
a existência de fundos secretos – salvo se, por razões de segurança nacional, a
Assembleia da República o autorizar, sob proposta do governo. Outra exceção
prevista à regra da individualização suficiente de despesas prende-se com aquelas
que, por natureza, são imprevisíveis e, no entanto, inadiáveis. Para o cabal
cumprimento da regra da especificação, prevê-se a existência de três
classificações orçamentais: a económica; a orgânica e a funcional (artigos 22.º,
24.º e 27.º LEO). Os códigos de classificação económica e funcional estão
presentemente em vigor no decreto lei n.º 26/2002.º, 14 fevereiro (classificação
económica) e o decreto lei n.º171/94, 24 junho (classificação funcional). A
classificação orgânica assenta, no orçamento dos serviços integrados, na
distribuição das despesas pelos departamentos do Estado (Ministérios) e pela
rúbrica dos Encargos Gerais da Nação e, no orçamento dos serviços e fundos
autónomos, na distribuição das receitas e despesas por cada um dos referidos
serviços ou fundos. Ao passo que o desrespeito da discriminação das receitas e
despesas pela classificação económica apenas resulta numa ilegalidade, o das
classificações orgânica e funcional e redunda numa inconstitucionalidade
material, por violação do artigo 105.º, n.º3 CRP. Apesar da utilização destes três
tipos de classificações, há ainda a necessidade de classificação das despesas
efetivas e não efetivas, para efeitos de apuramento do cumprimento dos critérios
de equilíbrio previstos nos artigos 23.º, 25.º e 28.º LEO. E isto porque não há uma
relação lógica entre o critério do equilíbrio orçamental e a classificação
apresentada. Nos termos do artigo 8.º, n.º3 LEO, o Orçamento pode também ser
estruturado por programas, no todo ou em parte. O sentido deste preceito é o de
permitir a estruturação por programas (artigo 18.º, n.º3 LEO). A consagração da
programação e o desenvolvimento na LEO fez com que se operasse uma
transformação no panorama orçamental: o orçamento português passou a ser um
orçamento misto, que, em parte, se estruturará por programas e, noutra parte,
continuará a ser um orçamento tradicional de meios. As receitas cessantes,
FINANÇAS PÚBLICAS
referidas no n.º4 do artigo 8.º LEO, correspondem a benefícios fiscais ou
financeiros que importem a perda de receita. Apesar de, nos termos do artigo 6.º,
n.º2, se poderem deduzir às receitas as estimativas das receitas cessantes em
virtude de benefícios tributários, como se dispõe neste número estas não podem
deixar de ser discriminadas. Sê-lo-ão de acordo com os códigos de classificação
económica das receitas, no mapa XXI.
4. Publicidade: a publicação do orçamento do Estado é fundamental não só devido
à sua natureza que impõe a publicação oficial no Diário da República como
condição da eficácia jurídica da autorização e do consentimento parlamentares
para a cobrança de receitas e a realização de despesas, mas também em virtude
da necessidade que a Administração Pública tem de conhecer o conteúdo preciso
de tão importante instrumento financeiro. Um orçamento não publicado não é
um orçamento. A necessidade de publicação decorre antes do mais do facto de
se exigir a forma de lei para a aprovação do orçamento do Estado (artigos 105.º,
106.º, 161.º, alínea g) CRP) e de se aplicar o regime geral da publicidade dos atos
(artigo 119.º CRP). A importância da publicidade orçamental é tal que o legislador
previu que fossem tornados públicos todos os documentos que se revelem
necessários para assegurar a adequada divulgação e transparência do orçamento
do Estado e da sua execução. Assim, a publicidade não se refere apenas ao Diário
da República, mas também ao Diário da Assembleia da República, que publica o
relato das reuniões de Comissão do Orçamento e Finanças além de outros meios
como o Canal Parlamento, que transmite obrigatoriamente as referidas reuniões.
O regime da publicidade deverá ser ainda garantido e assegurado, com as devidas
adaptações, pelas Regiões Autónomas e pelos órgãos municipais.
5. Equilíbrio: O equilíbrio orçamental é a mais importante das regras orçamentais
clássicas, mas também a mais discutida e controversa. O princípio do equilíbrio
orçamental resulta de imperativo constitucional, constante do artigo 105.º, n.º4
CRP, embora esteja aí previsto apenas em sentido formal, situação contabilística
de igualdade entre receitas e despesas. O princípio do equilíbrio foi introduzido
no século XIX do ponto de vista formal, contabilístico (financeiro). Mas só depois
da 1.ª Guerra Mundial é que se depurou o seu sentido para transformá-lo em
princípio económico substancial. E pode ser, então, encarado de duas perspetivas:
a. Equilíbrio formal: postula a estrita igualdade entre as receitas e
as despesas, o que traduz a interdição dos défices e excedentes
de receita. A interdição dos défices pressupõe que nunca a
totalidade das despesas exceda a totalidade das receitas
(tributárias, patrimoniais). Caso assim sucedesse, os referidos
défices só poderiam ser financiados pelo recurso ao empréstimo,
o que viria agravar as dificuldades financeiras do Estado ou pela
criação de um imposto suplementar ou pelas manipulações
monetárias. O conceito de equilíbrio formal foi sendo
abandonado quando a unidade orçamental sofreu algumas
inflexões e em virtude do consequente aumento da intervenção
do Estado.
b. Equilíbrio substancial: baseia-se nas teorias:
i. do défice sistemático: baseando-se no facto de o
desemprego ser um mal social que não desaparece
espontaneamente é preciso o Estado saber com rigor qual
FINANÇAS PÚBLICAS
a situação conjuntural da economia e qual a eficácia dos
estabilizadores;
ii. dos orçamentos cíclicos: as receitas aumentam em
períodos expansionistas e diminuem em períodos de
recessão.
Quais são os critérios de equilíbrio substancial?
i) De acordo com o critério clássico, distinguem-se as
receitas normais (patrimoniais e tributárias) das não
normais (creditícias). Só se verificaria, à luz deste critério,
a existência do equilíbrio quando as receitas normais
cobrissem todas as despesas. Nesse sentido, o défice
orçamental só seria admissível no caso de sobrevivência
nacional, enquanto nas restantes situações difíceis seria
preferível o agravamento de impostos ao agravamento
de empréstimos;
ii) De acordo com o critério do orçamento ordinário, haveria
equilíbrio quando as despesas ordinárias fossem cobertas
pelas receitas ordinárias, e as despesas extraordinárias
cobertas pelo excedente das receitas ordinárias e receitas
extraordinárias. No entanto, este critério suscitou sempre
alguma subjetividade quanto à distinção entre verbas
ordinárias e extraordinários;
iii) De acordo com o critério do ativo patrimonial do Estado,
estabelece-se a distinção entre o orçamento corrente e o
orçamento de capital. Concetualmente, enquanto as
Receitas/Despesas de capital alteram a situação ativa ou
passiva do património do Estado, as Receitas/Despesas
correntes não oneram nem aumentam o valor do
património duradouro do Estado. Para haver equilíbrio,
as despesas correntes têm de ser cobertas pelas receitas
correntes, enquanto que as despesas de capital são
cobertas pelas receitas de capital ou pelo excedente das
correntes.
iv) O critério do ativo de tesouraria tem por base a distinção
entre verbas efetivas e não efetivas. Concetualmente, as
verbas efetivas representam uma efetiva diminuição do
património monetário do Estado. Quando estamos
perante uma verba não efetiva, embora haja uma
alteração do património de tesouraria, esta provoca no
mesmo um acréscimo/diminuição idêntica. Para haver
equilíbrio, segundo este critério, as despesas efetivas só
podem ser financiadas por receitas efetivas, ao passo que
as despesas não efetivas podem ser financiadas por
receitas efetivas e receitas não efetivas (Aquelas em que
a redução do património monetário seja compensada por
uma liberação de posições passivas). Sendo assim, o
recurso a um empréstimo só serve para amortizar outro
empréstimo. Isto quer significar que o recurso a um
FINANÇAS PÚBLICAS
empréstimo para outros fins vem reduzir o património
monetário do Estado. O critério do ativo de tesouraria
tem duas vertentes:
a. a do saldo total, na qual as receitas efetivas devem
ser iguais ou superiores às despesas efetivas. Este
critério inclui as necessidades de financiamento e
cumula com os encargos da dívida pública;
b. a do saldo primário: reporta-se apenas às
necessidades líquidas de financiamento, excluindo os
encargos correntes da dívida pública.

Em qualquer dos critérios apontados o legislador propõe-


se delimitar o âmbito da seguinte fórmula de atuação do
Estado: em que condições se pode recorrer a
empréstimos sem violar o equilíbrio?

a. De acordo com uma visão estática, o critério do


orçamento ordinário e do orçamento de capital
permite que as despesas de defesa e de segurança
possam ser financiadas por recursos extraordinários;
b. De acordo com uma visão dinâmica, o critério clássico
e do ativo de tesouraria relacionam o orçamento com
os efeitos económicos das várias operações.

A fórmula utilizada no artigo 9.º, ora em análise,


(«preveem as receitas necessárias para cobrir todas as
despesas»), parece consagrar a regra do equilíbrio formal
na esteira do artigo 105.º; no entanto, o estudo mais
aprofundado do mesmo, leva-nos a retirar da sua letra
mais do que um mero imperativo de equilíbrio formal.
Com efeito, parece-nos que o legislador, ao estender a
aplicação deste preceito a todas as entidades do setor
público administrativo e ao definir as condições
orçamentais mínimas a observar por todas essas
entidades para o cumprimento dos compromissos
assumidos por Portugal perante as comunidades
europeias, vai mais longe. Ele não se limita a prescrever
um mero equilíbrio formal, mas um equilíbrio substancial,
tal como resulta do pacto de estabilidade e crescimento
numa ótica de contabilidade nacional. De facto, parece-
nos que o artigo 9.º pretende é assegurar o cumprimento
dos compromissos assumidos por Portugal. E se assim é,
não poderá deixar de se entender que o equilíbrio
substancial que se traduzirá no respeito pelos critérios de
convergência relativos ao défice e ao endividamento
público, por forma a dar cumprimento à proibição de
défices excessivos constante do artigo 126.º TFUE. Ou
seja, para que os orçamentos do setor administrativo se
encontrem equilibrados, para efeitos do artigo 9.º, têm
FINANÇAS PÚBLICAS
de respeitar os critérios de convergência, por forma a que
o Conselho não declare verificada a existência de um
défice excessivo (artigo 126.º, n.º6 TFUE). A favor desta
conclusão, note-se que a alínea d) do n.º1 do artigo 37.º
LEO exige que a proposta de lei do Orçamento de Estado
seja acompanhada por uma estimativa do orçamento
consolidada do setor público, tanto na ótica da
contabilidade pública como na ótica da contabilidade
nacional. Note-se, porém, que apesar de este preceito
exigir que o setor público administrativo apresente um
equilíbrio global, calculado de acordo com as regras da
contabilidade nacional, faz uma ressalva: o Orçamento do
Estado considerar-se-á equilibrado desde que haja
equilíbrio de acordo com as regras dos artigos 23.º, 25.º
e 28.º LEO. O sentido desta ressalva, constante da última
parte no n.º1 do artigo 9.º LEO, é o que resulta da prática
seguida de elaborar o Orçamento de Estado na ótica da
contabilidade pública, tendo lugar, posteriormente, uma
conversão para contabilidade nacional para efeitos de
envio às instituições comunitárias. Esta interpretação
suscita a questão de saber que orçamentos podem ser
deficitários e quais devem ser excedentários para se
verificar esta regra de equilíbrio global. Embora não
tenha dado, de início, uma resposta cabal à mesma, o
legislador tem vindo a oferecer cada vez mais soluções
para este problema:

a. No artigo 25.º LEO exige que a permissão do défice do


orçamento dos serviços integrados fique dependente
da situação da execução orçamental do setor público;
b. No artigo 87.º preveem-se limites ao endividamento da
administração central, das Regiões Autónomas e das
autarquias locais;
c. Nos artigos 9.º, n.º3 e 92.º, n.º4 prevê-se a redução das
transferências para as Regiões Autónomas e Autarquias
Locais, no caso de incumprimento dos limites de
endividamento, por forma a que não ser o Estado,
unilateralmente, a ter de se conformar com as opções
financeiras infra estaduais.

Diferenças entre regras clássicas e novas regras orçamentais: aqui ficam algumas marcas
distintivas

 Enquanto as regras clássicas respeitam tendencialmente ao OE, as novas regras


respeitam a todas as Administrações Públicas;
 Enquanto as regras clássicas regulam fundamentalmente a fase da elaboração e
aprovação do OE, nas novas regras respeitam também à fase de execução;
FINANÇAS PÚBLICAS
 Enquanto as regras orçamentais clássicas se baseiam fundamentalmente na
estrutura e no procedimento orçamentais, as novas regras centram-se sobretudo os
resultados orçamentais;
 Enquanto as regras clássicas desligam a micro orçamentação da macro
orçamentação, as novas regras orçamentais associam claramente estas duas
dimensões;
 Enquanto as regras orçamentais clássicas se filiam na perspetiva tradicional que
concebia o orçamento como um orçamento de meios na dotação orçamental, as
novas regras alicerçam-se nos fins ou objetivos, nos outcomes orçamentais;
 Enquanto as regras orçamentais clássicas concebem a micro orçamentação a partir
de uma função de controlo, as novas reras orçamentais são tributárias de uma
função de gestão;
 Enquanto as regras clássicas são sobretudo de raiz continental, as novas regras
traduzem claramente uma nova influência dominante: a influência da literatura
internacional mais relevante produzida em matéria de orçamentação pública, a qual,
por sua vez, radica na influência da orçamentação de raiz algossaxónica;
 Enquanto as regras clássicas estão consagradas, de há muitas décadas, no nosso
Direito orçamental, algumas remontando ao período liberal clássico, as novas regras
orçamentais aparecem no nosso Direito orçamental, sobretudo a partir da
aprovação da atual LEO e suas sucessivas alterações, por pressão sobretudo do
Direito comunitário.

Fundamento, modalidades e efeitos das novas regras orçamentais:


1. Fundamento: a vasta literatura hoje relativa às novas regras orçamentais procurou
de igual modo identificar um conjunto de boas práticas ou de prescrições a que deve
presidir a sua elaboração. Relativamente às prescrições a que deve obedecer a sua
formulação, uma regra orçamental ótima deve preencher os seguintes requisitos:
a. As regras orçamentais devem adequar-se ao objetivo final;
b. Devem ser consistentes com outros objetivos de política económica;
c. O objetivo financeiro e as cláusulas de escape eventuais devem ser bem
especificados;
d. O enquadramento legal e institucional respetivo deve ser transparente;
e. Devem ser simples e fáceis de compreender;
f. Devem ser flexíveis e capazes de fazer face a eventos imprevistos, a quebras
cíclicas e a necessidades de investimento;
g. Devem ser vinculativas.
2. Modalidades:
a. A visão clássica das regras procedimentais e das regras numéricas: quanto
às modalidades de regras orçamentais, a visão clássica assinala que as
mesmas podem ser de natureza procedimental ou numérica. As regras de
natureza procedimental têm em vista assegurar a transparência e a boa
gestão financeira. Requerem que o governo em causa se comprometa
relativamente a uma determinada estratégia de política financeira que seja
suscetível de monitorização, geralmente tendo por base um período
plurianual e, ainda, o reporte contínuo e publicação dos resultados obtidos
e das alterações de estratégia. A evidência sugere que a implementação
bem sucedida destas regras reclama sistemas orçamentais modernos e um
grau elevado de transparência financeira. Por seu turno, as regras de
FINANÇAS PÚBLICAS
natureza numérica referem-se a alvos específicos quantitativos. Elas
procuram impor certos limites permanentes à política orçamental,
geralmente definida tendo por referência um indicador de performance
financeira global. Estas regras podem ter objetos distintos. Em primeiro
lugar, elas podem traduzir-se em exigência em matéria de equilíbrio
orçamental. Distinguem-se aqui as situações em que se impõe equilíbrio do
orçamento na sua globalidade ou as situações em que se exige o equilíbrio
do orçamento corrente, permitindo recorrer ao crédito para financiar
investimento público, pela aplicação da regra de ouro das finanças públicas1.
As exigências em matéria de equilíbrio têm geralmente dimensão anual. Em
segundo lugar, podemos ter limitações no tocante ao recurso ao crédito
e/ou ao endividamento. A maioria dos países da OCDE aplica hoje restrições
numéricas ao recurso ao crédito pelos governos centrais e infra estaduais.
Em terceiro lugar, podem ser definidas limitações em matéria de impostos
e de despesa pública (regra de despesa). No que diz respeito aos feitos de
cada uma destas categorias de regas orçamentais, pode afirmar-se que as
regras de natureza numérica têm as vantagens de transparência e da
imparcialidade, além de evitarem as delongas associadas a processos de
negociação entre o centro e os níveis inferiores de decisão, processo esse
que muitas vezes é norteado mais por preocupações com os resultados
eleitorais de curto prazo do que com a gestão macroeconómica sã. No
entanto, estas regras têm algumas desvantagens, como sejam a falta de
flexibilidade, além de encorajarem comportamentos que visam justamente
contornar a aplicação dessas regras. Mas o maior problema destas regras
orçamentais é o do seu caráter pró ciclico que pode mesmo pôr em causa o
objetivo, antes referido, da estabilidade económica de curto prazo. Este
risco é tanto maior, quanto maiores forem as limitações, designadamente
no tocante ao equilíbrio orçamental e à dívida pública. Para fazer face a este
perigo, diversas legislações têm caminhado para a introdução de
instrumentos de programação económica e financeira de médio prazo da
despesa pública que induzem a minoração dos efeitos dessa procyclicality.
Em outros casos, preveem-se mecanismos que permitam aos governos
locais fazer face à ocorrência de choques exógenos e assim responder à
pressão que o ciclo económico exerce sobre o orçamento. Esses
mecanismos incluem fundos externos ao orçamento que permitem, em
períodos de expansão, a acumulação de excedentes monetários, que, em
períodos de crise, servirão para colmatar a eventual diminuição de receitas
e o aumento do gasto público. Retiramos um quadro dos impactos
potenciais das diferentes regras numéricas nos seguintes planos: dimensão
do setor público; eficácia alocativa; défices e sustentabilidade da dívida;
efeito pró cíclico. Paralelamente, coloca-se a questão de saber o que fazer
em caso de incumprimento das regras orçamentais aplicáveis àquelas
entidades infra estaduais. Muitos países preveem sanções financeiras; mas
esta solução conhece alguns efeitos contraproducentes, desde logo por
agravar as dificuldades financeiras de entidades que já não estão numa

1
A Regra de Ouro das Finanças Públicas diz que é legitimo recorrer à divida desde que a despesa em
causa suportada seja despesa de capital, despesa de investimento de longo prazo.
FINANÇAS PÚBLICAS
posição favorável. Reconhece-se assim que as sanções financeiras geram
um problema de consistência temporal, pelo que têm vindo a ser
substituídas, em diversos países, por medidas de natureza administrativa.
Num outro estudo realizado no FMI identificam-se também as vantagens e
desvantagens destes cinco tipos fundamentais de regras numéricas: regra
da dívida; regra do orçamento global equilibrado; regra do orçamento
estrutural equilibrado; regra da despesa; regra da receita.
b. A visão empírica das regras orçamentais: as regras financeiras de
consolidação: ao contrário dos princípios, uma regra é uma norma com um
âmbito de aplicação relativamente delimitado e que tendencialmente se
poderá aplicar apenas com os tradicionais cânones da interpretação. As
regras são de conteúdo determinável, exclusivas e definitivas.
Determináveis porque identificam o âmbito da previsão e estatuição.
Exclusivas, porque no caso de conflito normativo as regras de prevalência
apenas fazem sobreviver uma delas ou nenhuma. Definitivas porque
determinam uma consequência concreta e irreversível. As regras financeiras,
cujo conteúdo se define em resultado de uma experiência adquirida e
acompanhada de uma prática reiterada no campo dos princípios enunciados,
têm um enorme defeito: são imperfeitas e conjunturais. São imperfeitas e
conjunturais porque são construídas à medida da realidade concreta e
heterogénea e como tal instrumentais para a obtenção de determinados
fins. Por isso mesmo não servem para a construção de um sistema por
desconsiderarem, aqui e ali, princípios e procedimentos. Sendo que as
regras financeiras estão feitas para despolitizar o quadro político
macroeconómico, é importante traçar um quadro das composição e
importância das mesmas.
i. Regra base: a maior parte das regras financeiras identificam uma
restrição permanente tendo por base um indicador de largo
espetro, como seja o equilíbrio, normalmente em proporção do PIB.
Uma regra financeira deve comportar oito elementos: Clareza:
impõe a necessária cobertura institucional e a existência de
cláusulas de salvaguarda, por forma a evitar ambiguidades na sua
execução;
a. Transparência e a simplicidade: garantem a
proximidade das decisões tomadas pelo Executivo;
b. Flexibilidade: representa a necessidade de
adaptação aos choques exógenos, que escapam ao
controlo público. A adequação representa a
necessária conexão entre os meios e os fins;
c. Coercibilidade: exige a existência de uma norma
constitucional ou legal, possivelmente
acompanhada de sanções pelo não cumprimento e
de tutela efetiva, de natureza administrativa ou
jurisdicional;
d. Consistência: exige adaptabilidade às medidas de
política macroeconómica a tomar;
e. Eficiência: prevê que uma regra deve servir de
catalisador para eventuais reformas, assegurando,
FINANÇAS PÚBLICAS
de qualquer forma a sustentabilidade das políticas
públicas.

As regras de base mais antigas correspondem à introdução


de regras de orçamentos equilibrados a nível central de
forma a serem concretizados os seus programas de
estabilização.

 Perímetro objetivo: o perímetro subjetivo da regra base


financeira é o conceito de equilíbrio substancial e a sua
forma estatutária. A regra base inclui o equilíbrio geral,
corrente ou excluindo as despesas de capital. E como regra,
e não princípio, que é, o seu enunciado prevê:
a. Que o Estado tenha as receitas necessárias para
cobrir as despesas sem necessidade de recurso ao
crédito, remete para uma conduta sustentável
determinável, obrigando o Estado a um género de
ações tendentes à obtenção de receita escassa para
a satisfação ilimitada das necessidades coletivas;
b. A proibição do financiamento dos défices como
prática reiterada, porque dele depende o valor real
de mercado da dívida pública detida por privados;
c. A manutenção da dívida a níveis constantes, de
forma a manter as taxas de juro constantes e criar
espaço de manobra para preparação de uma
resposta para outra crise/recessão eventual;
d. A determinação eventual de limites numéricos aos
défices ou a superávides, como forma de evitar
desequilíbrios graves, permitindo assim a
existência de uma margem de flexibilidade de
atuação que permita reequilibrar os efeitos
económicos ou orçamentais, numa perspetiva de
retorno à normalidade.

A regra base, apesar de estar centrada num princípio de


otimização associado à equidade intergeracional que exige
uma visão agregada de longo prazo e geradora da
consolidação, esgota-se em si mesma. Inclusive, na relação
de conflito com outras regras, a regra financeira de base
afasta a aplicação de outras cuja previsão seja pelo menos
parcialmente comum. Do ponto de vista da definitividade de
regulação, a regra financeira base pode ser prejudicial e
parar os efeitos globais queridos, quer seja a resposta para
outra crise ou recessão, quer seja para o reequilíbrio dos
efeitos económicos ou orçamentais, numa perspetiva de
retorno à normalidade.

 Perímetro subjetivo: a definição do sujeito abrangido pelas


regras financeiras depende da delimitação do perímetro de
consolidação orçamental formal e da consequente
FINANÇAS PÚBLICAS
homegeneização e eliminação das operações recíprocas. A
construção da delimitação do perímetro de consolidação
formal segue duas etapas fundamentais:
a. A apresentação de um quadro exato e fiel à
realidade financeira;
b. A determinação do método de consolidação formal
mais apropriado.

Quanto à apresentação do quadro é necessário identificar


quais são as atividades que fazem parte, de perto ou de longe,
da esfera pública e que, com essa qualidade, devem ser
integradas no perímetro de consolidação retido. Em
alternativa podemos ter um conjunto de critérios
qualitativos. Por referência à experiência do setor privado,
partindo das noções de detenção de capital, de direito de
voto, de acionista ou de associado. Desta forma teríamos no
setor público cinco formas de dependência, de aplicação
simultânea ou alternativa. A primeira seria o domínio de um
setor de produção, no sentido de confiar a gestão de um
serviço público a uma pessoa pública em contrapartida de
uma remuneração essencialmente assegurada pelos
resultados de exploração de um serviço. A segunda resultaria
da atribuição de um rendimento permanente, suscitando
uma relação de superioridade financeira por parte da
coletividade pública mãe. A terceira existira sempre que uma
entidade pública domina a outra por deter capitais de forma
permanente ou quase permanente. A quarta forma seria a
mera atribuição de meios de produção, o que acontece
quando o funcionamento de uma estrutura seja assegurada
graças à afetação de meios de produção por uma entidade
pública, podendo estar mesmo em causa o fator trabalho ou
o local de laboração. A quinta forma evidenciaria a detenção
de iure condendo de um poder de direção por parte de uma
pessoa pública, quer sejam estruturas dirigidas por
representantes do Estado ou de qualquer outra pessoa
pública. Quanto à determinação do método de consolidação
foral mais apropriado estão em causa três tipos: a integração
global, a integração proporcional e a integração por
equivalência. A integração global é aplicável nas situações
em que há controlo exclusivo de uma entidade por parte de
uma entidade pública-mãe. Assim, as finanças das duas
entidades são agregadas após a eliminação das operações
recíprocas. Já a integração proporcional visa contabilizar os
contributos financeiros de uma entidade consolidada em
função do seu peso no sistema financeiro público. O
processo de consolidação consiste em contabilizar as
finanças da entidade consolidada mas unicamente na quota
parte correspondente à entidade consolidante. Finalmente,
FINANÇAS PÚBLICAS
a integração por equivalência não considera os contributos
financeiros de cada uma das entidades, podendo ser
considerado, por isso, artificial. Baseia-se num método de
avaliação dos títulos e das participações que a entidade mãe
detém no capital da entidade sobre a qual exerça influência
notável. Esta avaliação permite que seja determinado o
montante equivalente nos títulos e participações no
resultado da entidade consolidada. Este montante é então
integrado por equivalência no estado consolidade da
entidade mãe. Apesar de serem simples e de fácil apreensão,
estes critérios tradicionais de delimitação do perímetro
dificilmente são aplicáveis perante uma administração
pública complexa com a que conhecemos atualmente. Por
isso, será conveniente defender a adoção dos critérios da
consolidação formal para cada sub setor da administração
pública. Finalmente, e apos a definição do perímetro, a
consolidação formal exige um esforço de homogeneização
dos fluxos financeiros e eliminação das operações recíprocas.
Quanto à homogeneização dos fluxos financeiros há que
assegurar que os diferentes documentos financeiros foram
elaborados a partir de uma nomenclatura comum, que a
utilização foi idêntica, ponderada a disparidade de moedas,
por referência a um período idêntico. Quanto à eliminação
das operações recíprocas, será conveniente o saneamento
dos fluxos financeiros entre as entidades relacionadas de
forma a evitar a sua dupla contabilização.

ii. Regra adicional: em alguns ordenamentos, a regra da base centrada


nos saldos equilibrados é acompanhada de regras adicionais, como
sejam, com ou sem referência ao rácio do PIB, os limites numéricos
para com ou sem referência ao rácio do PIB, os limites numéricos
para a despesa total, primária, para a despesa com pessoal e os
limites numéricos para a dívida, com ou sem rácio do PIB. Podem
ainda ser considerados os limites numéricos de stock da dívida para
anos futuros de medição ou permanente. A regra adicional de
receita apresenta os seguintes enunciados possíveis, cumulativa ou
alternativamente:
 A previsão de receita deverá basear-se na execução
orçamental do último exercício fechado, ou de acordo com
a metodologia que se considere tecnicamente mais
convenientes;
 A previsão de receita deverá ter em conta as modificações
operadas de política fiscal, bem como deverá sempre
fundamentar as metodologias adotadas;
 Deverá ser sempre justificado o recurso a alternativas que
colmatem a perda de receita prevista, como sejam o
aumento de receita ou a diminuição de despesa;
FINANÇAS PÚBLICAS
 Devem ser incluídas e fundamentadas todas as despesas
relacionadas com a aplicação de políticas fiscais;
 O excesso de receita deve ser especialmente consignado a
despesa não programada, como seja despesa partilhada
com outros Estados ao serviço da dívida ou à cobertura do
défice.
A regra adicional de despesa, por seu lado apresenta as seguintes
determinações:
 A despesa primária não pode crescer mais que o PIB
nominal, ou terá de permanecer constante em períodos de
crescimento negativo do PIB nominal;
 A evolução da despesa terá de respeitar o limite anual para
o crescimento real do consumo público;
 A despesa corrente não pode exceder as receitas
domésticas arrecadadas;
 A existência de um défice na média dos cinco exercícios
anteriores determina que a despesa não pode exceder 0,5%
da média da taxa de crescimento da receita dos mesmos
cinco exercícios;
 No decurso da legislatura o crescimento da despesa deve
ser compatível com os objetivos de médio prazo previstos.
Finalmente, a regra adicional de dívida apresenta os seguintes
enunciados:
 A divida não pode exceder o montante de dívida do próprio
ano ou do ano anterior, em percentagem do PIB;
 A dívida deve ser reduzida para níveis de prudência e de
segurança, para que o nível de despesas correntes seja
inferior, no mesmo ano, ao nível de receitas da mesma
natureza. Uma vez atingidos estes níveis de dívida o
governo deve mantê-los por um período de tempo razoável,
para que os níveis de receitas e de despesas não excedam
em média os valores referidos na alínea anterior.
Se a exclusividade e definitividade da regra financeira base já era
redutora, a introdução de regras adicionais vem adensar o problema
já evidenciado de obtenção dos efeitos globais associados à
consolidação. De facto, a introdução de limites adicionais a uma
regra base de saldo preexistente, vem explicar porque razão, e tendo
em conta a prática das regras financeiras, o orçamento é cada vez
menos utilizado com instrumento compensatório do ponto de vista
conjuntural. Em todo o caso, o jogo dos estabilizadores automáticos
pode ser conveniente para reequilibrar instabilidades de curto prazo,
mas se o ciclo recessivo dura demasiado tempo os níveis de
endividamento podem tornar-se incomportáveis e a despesa ainda
mais rígida, o que não se compagina com o efeito credibilidade que
é central nos efeitos globais de consolidação.
iii. Medidas excecionais: em muitos ordenamentos são introduzidas
medidas excecionais com o principal objetivo de acomodar os
choques (Endógenos e exógenos) ou as flutuações cíclicas na
FINANÇAS PÚBLICAS
economia. Estas medidas, apesar de estarem associadas a regras
financeiras, são dotadas de autonomia. São em tudo semelhantes
às regras, porquanto são determináveis, exclusivas e definitivas. Da
mesma forma que têm os mesmos vícios destas regras, por serem
imperfeitas e conjunturais. Por seu lado, podem ser identificadas
margens explícitas em torno de um objetivo de orçamento
equilibrado ou superavitário, calibrado com base em desvios cíclicos
ao crescimento económico. Podem ainda ser criadas operações
com base em fundos de contingência. O fundo de contingência ou
reserva de contingência é uma autorização contida na despesa
agregada principalmente destinada a cobrir e antecipar eventos não
constante as previsões orçamentais. Este fundo é usado para
garantir que as previsões são efetuadas com base na melhor
informação disponível e não pode representar uma opção de
política geral. Mesmo estando vocacionado para aproximar a
despesa dos resultados esperados durante o período orçamental, a
criação e manutenção deste fundo não dispensa a autorização
prévia parlamentar para a libertação das verbas em causa.
iv. Sanções: independentemente da forma estatutária, as regras têm
suporte principal em acordos políticos incidentes especialmente no
processo orçamental, nas convenções contabilísticas, nos relatórios
periódicos e nas penalizações pelo não acatamento de regras.
Normalmente, as sanções estão associadas à perda de reputação
dos decisores políticos, em face do eleitorado ou mercados
financeiros. Em alguns ordenamentos, contudo, encontramos a
definição de uma autoridade arbitral independente, enquanto
noutros basta a definição de uma agência de monitorização.
Excecionalmente, o governo está sujeito a sanções judiciais e
financeiras pelo não acatamento de regras. O caso da UEM o caso
de persistência de défice superior a 3% do PIB, não sendo situação
considerada excecional e temporária, o país fica sujeito a sanções
pecuniárias, que podem assumir a forma de uma multa de
montante até 0,5% do PIB.
3. A emergência de novos princípios orçamentais:
a. Estabilidade orçamental: ligado com a preocupação de um maior rigor
quanto ao equilíbrio, surge o princípio da estabilidade orçamental (artigo
10.º-A LEO), o qual impõe a todas as entidades do setor público
administrativo a verificação de situação de equilíbrio ou excedente
orçamental, calculada de acordo com a definição constante do Sistema
Europeu de contas Nacionais e Regionais. Ademais, este novo preceito
apresenta uma vantagem inegável: o equilíbrio ou excedente orçamental aí
exigido não conta com as exceções dos artigos 23.º, 25.º e 28.º, o que é
obviamente de saudar! Parece-nos ainda que a introdução de novos
princípios da solidariedade recíproca (artigo 10.º-B LEO) e transparência
orçamental (artigo 10.º-C LEO) serve o intuito de um reforço da estabilidade
orçamental. O princípio da estabilidade orçamental é o corolário mais
evidente da aprovação PEC. Atualmente, o princípio encontra-se
disseminado pela LEO, desde logo no artigo 10.º-A (em articulação com o
FINANÇAS PÚBLICAS
artigo 10.º-B) e depois, mais á frente, no mencionado Título V (Artigos 82.º
a 92.º). A estabilidade orçamental é o equilíbrio das Administrações
Públicas. Está em causa, para este efeito, fundamentalmente a noção de
saldo global. Todavia, considera-se que a estabilidade é uma new fiscal rule,
ao passo que o princípio do equilíbrio é considerado como princípio clássico.
E estas são as razões:
i. Enquanto o equilíbrio é, na lei portuguesa, cada vez um princípio
parcelar de cálculo para cada subsetor do Estado central,
estabilidade implica uma visão de conjunto, integral, de todo o setor
público;
ii. Enquanto o princípio do equilíbrio está intimamente associado à
ótica da contabilidade pública, a estabilidade é reduto da
contabilidade nacional;
iii. Enquanto o equilíbrio respeita ao primeiro momento da vida do
orçamento (a sua organização), a estabilidade projeta-se
duramente na fase de execução. Ela é na verdade um princípio de
execução orçamental. E isto justifica que aqui esteja em causa a
substância orçamental, os resultados orçamentais.
b. Princípios complementares da estabilidade orçamental; transparência e
solidariedade recíproca: o princípio da transparência orçamental aparece,
de igual modo, mobilizado por essa exigência substantiva de bom
comportamento orçamental. Significa a ideia de informação exata e objetiva
sobre o modo como o Estado utiliza os dinheiros públicos, sobre o custo dos
programas orçamental e, se possível, sobre os seus benefícios. Contribui
para a disciplina financeira e para a afetação de recursos. O princípio
pressupõe, antes de mais nada, a ideia de divulgação ao público, no que diz
respeito à estrutura e funções do Estado, às intenções da política
orçamental, às contas públicas e às projeções. Nesta medida facilita os
mecanismos de controlo orçamental, nos planos político, administrativo e
jurisdicional, de prestação de contas e de responsabilização financeira. Mas
com eles não se confunde. Além disto, o princípio da transparência
orçamental pressupõe também a abertura interinstitucional : dos governos
nacionais em relação ao parlamento; dos setores e subsetores do Estado em
relação ao governo e, especialmente, ao ministro das finanças. O princípio
da transparência contribui, na verdade, para o reforço do papel do ministro
das finanças, colocado agora no centro do sistema de informações do
Estado em matéria orçamental. Entre nós, o princípio da transparência
orçamental encontra-se vertido na LEO (artigo 10.º-C). E encontra-se
precisamente com este especial significado, o de reforçar a importância do
ministro das finanças no campo orçamental, quer em termos absolutos
(artigos 67.º, 69.º e 91.º), quer relativamente aos demais stakeholders. Uma
outra decorrência fundamental da concretização do princípio da
estabilidade orçamental (artigo 10.º-A LEO) é a de que o esforço de
consolidação deve dizer respeito não apenas ao Estado central, mas
também a todas as demais Administrações Públicas. Nesta medida se
compromete a concretização do princípio da solidariedade recíproca que
apela justamente ao comprometimento de todos os níveis de decisão nesse
esforço de estabilidade (artigo 10.º-B LEO). Subentende-se que, da mesma
FINANÇAS PÚBLICAS
forma que o Estado central é solidário com esses níveis inferiores de decisão,
também estes devem envidar um esforço solidário com vista à prossecução
desse objetivo nacional de estabilidade orçamental. Não admira, por isso,
que o Título V da LEO consagre a possibilidade de o valor das transferências
do Estado para tais entidades ser inferior ao que resultaria das respetivas
leis de financiamento, caso as exigências de disciplina orçamental a isso o
obriguem, da mesma forma que prevê cortes nas transferências, em caso
de incumprimento dos limites de endividamento fixados pelas leis anuais do
EU, e na razão desse mesmo incumprimento. Aliás, a imposição de limites
quantitativos às Regiões Autónomas e Autarquias Locais pode ser apreciada,
no quadro mais vasto das relações entre o Estado central e tais entidades,
que assim veem a sua autonomia financeira claramente limitada. Ode, na
verdade, dizer-se que a autonomia financeira fica tolhida perante as
exigências de solidariedade recíproca. A este respeito convém ainda
acrescentar a seguinte nota. Embora o Tribunal Constitucional tivesse por
assente que o limite de endividamento nunca foi constitucionalmente
previsto de forma expressa, este terá, se esta reforma for por diante, que
tomar em consideração as exigências que resultam deste novo princípio,
para ponderar em concreto o limite de endividamento a impor. Isto, de
forma a que o subsetor em causa não seja excessivamente onerado, em
comparação com os demais que devem contribuir para a estabilidade
orçamental. Com efeito, por força do princípio da solidariedade recíproca as
Administrações Públicas devem contribuir proporcionalmente para o
esforço da estabilidade orçamental (artigo 10.º-B LEO). Do ponto de vista
económico, a existência de regras orçamentais desta natureza que limitem
claramente a capacidade e a liberdade de endividamento por parte de
entidades menores, encontra também uma boa razão de ser ou, pelo menos,
uma justificação analítica bem conhecida. A questão, tratada no quadro da
Economia Política do Federalismo Financeiro, é uma questão de incentivos:
trata-se do problema denominado de restrição orçamental soft e da
necessidade de endurecimento dessa restrição. Do que se trata, hoje, aqui
em Portugal, é de saber até que ponto princípios e regras orçamentais de
previsão relativamente recente – como os princípios da estabilidade
orçamental e da solidariedade recíproca e as regras quantitativas em
matéria de endividamento – funcionam hoje como restrições hard e qual o
seu grau de efetividade. Essa análise empírica seria interessante e
necessária, tendo em vista a redefinição dos incentivos que o legislador dá,
a todos os seus setores, com vista ao cumprimento do objetivo de
estabilidade orçamental. Na mais recente alteração da LEO prevê-se
justamente um novo princípio orçamental denominado de princípio da
responsabilidade (Artigo 10.º-F): com esse princípio se pretende vedar o bail
out por parte do Estado em relação aos setores infra estaduais e, dessa
forma, afirmar uma restrição orçamental hard.
c. A equidade intergeracional: a necessidade de avaliação da
sustentatibilidade de longo prazo da dívida pública induz consequências
importantes no plano orçamental e contabilístico. A nível contabilístico, a
introdução de uma contabilidade de compromissos é já uma primeira
expressão dessa necessidade. Mas o mesmo sucede no plano dos princípios
FINANÇAS PÚBLICAS
orçamentais. A previsão do princípio da equidade intergeracional (artigo
10.º LEO), no seu n.º1 dispõe: «O orçamento do Estado subordina-se ao
princípio da equidade na distribuição de custos e benefícios entre gerações»,
explicitando o n.º2 o tipo de despesas onde este apelo faça naturalmente
sentido. Importa contudo fazer notar que a previsão deste princípio tanto
tem vago quando de insuficiente. Com efeito, nada se concretiza na LEO
sobre o modo de dar explicitação a esta exigência de equidade. Resta um
bom princípio e uma boa intenção, que reclama outros instrumentos para
poder ter algum interesse e efeito úteis.
4. O acolhimento das novas regras numéricas na legislação portuguesa: como
decorrência das exigências de estabilidade orçamental (artigo 10.º-A e Título V LEO)
e, bem assim, de sustentabilidade de longo prazo das finanças públicas, a LEO tem
vindo a concretizar um conjunto de novas regras orçamentais. Estas regras
concretizam afinal, dando-lhe completa operatividade, os princípios supra. Recorde-
se a distinção, antes feita, entre regras procedimentais e regras numéricas Vejamos
pois como se concretizam.
a. Regras procedimentais: saliente-se o facto de a aprovação do orçamento
do Estado se fazer em articulação com a aprovação de outros documentos
com relevância orçamental que o vinculam ou condicionam. O caso,
sobretudo, da elaboração e apreciação no Parlamento dos programas de
crescimento e estabilidade e, bem assim, a aprovação parlamentar da lei de
programação orçamental. Para além disso, o processo orçamental reclama
a intervenção de diversos stakeholders, alguns constitucionalmente
previstos, outros de origem mais recente e sem previsão constitucional.
Acresce a cada vez maior europeização do processo orçamental, o que
significa que não apenas há lugar à intervenção de entidades nacionais, mas
ainda, como já vimos, de instâncias comunitárias, máxime a Constituição.
b. Regras numéricas: podemos hoje encontrar na legislação portuguesa
sobretudo três tipos de regras numéricas:
i. Regras de saldo ou equilíbrio: saldo estrutural ajustado do ciclo e de
medidas temporárias/excecionais.

Com a alteração de 2011, foi aditado à LEO o artigo 12.º-C que concretiza a
regra do saldo estrutural ajustado do ciclo e das medidas temporárias, em
conformidade com o objetivo orçamental de médio prazo. Com a alteração
de 2013, concretiza-se um novo princípio de orientação orçamental (artigos
72.º-B a 72.º-D), denominado de desvio significativo, definindo-se
objetivamente quando se considera existir um tal desvio e, bem assim, as
circunstâncias excecionais em que o mesmo se justifica (recessão profunda,
catástrofes naturais, reformas estruturais tendo em vista o reforço da
sustentabilidade).

c. Regras de dívida: podemos identificar dois tipos de regras, consistentes


com dois momentos da história da LEO:
i. Regras de divida Pública aplicáveis aos subsetores institucionais: no
caso da LEO previu-se uma regra importante, no artigo 87.º, relativa
ao estabelecimento, pela lei do Orçamento, de limites ao
endividamento dos subsetores do Estado. Determinou-se ademais
que tais limites possam ser inferiores ao que resulte das respetivas
FINANÇAS PÚBLICAS
leis de financiamento, quando tal resulte da necessidade de cumprir
o PEC (n.º2). Nas leis de financiamento aplicáveis aos subsetores em
causa, o mesmo pode ser verificado. Na Lei de Finanças das Regiões
Autónomas, prevê-se a fixação anual pelo OE de limites À
contratação de empréstimos e ao endividamento. Em caso de
violação dos limites de endividamento, prevê-se também a redução
das transferências de valor igual ao excesso do endividamento. Por
sua vez, na Lei das Finanças Locais concretiza-se a previsão de
limites idênticos quer quanto ao endividamento líquido, quer
quanto a contração de empréstimos.
ii. Regras de dívida aplicáveis ao Estado: com a alteração de maio de
2011, foi aditado um novo artigo 16.º-A à LEO relativo ao
financiamento do Estado. Aqui prevê-se, no seu n.º 2 que, em
acréscimo àquela variação, o Estado possa financiar-se
antecipadamente até ao limite de 50% das amortizações previstas
de dívida pública fundada, a realizar no ano subsequente. Caso esse
financiamento antecipado se concretize, o limite de endividamento
é reduzido pelo financiamento antecipado efetuado (n.º3). Por sua
vez, a última alteração (de 2013) à LEO introduz uma nova regra
quantitativa para a dívida pública (artigo 10.º-G; limite da dívida
pública).
d. Regras de despesa: podemos considerar que existem hoje dois tipos de
regras de despesa. Uma de caráter implícito e indireto e que resulta da
necessária subordinação do OE aos limites máximos de despesa fixados pela
lei de programação orçamental plurianual (artigo 12.º-D). A segunda de
caráter expresso e direto está no artigo 12.º-C, n.º6, nos termos do qual
«enquanto não for atingido o objetivo de médio prazo, o ajustamento anual
do saldo estrutural não pode ser inferior a 0,5% do PIB e a taxa de
crescimento da despesa pública, líquida de medidas extraordinárias,
temporárias ou discricionárias do lado da receita, não pode ser superior à
taxa de referência de médio prazo de crescimento do PIB potencial,
conforme definido no Pacto de Estabilidade e Crescimento». Recorde-se que
o grande óbice à definição de regras numéricas está na sua próciclicidade.
Ora, a minimização dos efeitos pró ciclícios das regras numéricas é
parcialmente conseguida através da gestão orçamental, ao longo do ciclo,
em observância do objetivo orçamental de médio prazo. Mas ela é também
alcançada através do recurso a instrumentos de programação plurianual da
despesa pública que permitem ir fazendo a consolidação orçamental ao
longo de uma trajetória de médio prazo. Essa preocupação está de resto
presente, também, na anteriormente citada regra de despesa.

As vinculações externas ao OE: crítica do regime instituído e proposta de alteração : o


regime das vinculações externas consta do artigo 17.º LEO, o qual traduz um desenvolvimento
do disposto no n.º2 do artigo 105.º CRP. Nos termos daquele artigo 17.º (em articulação com o
artigo 16.º LEO), constituem vinculações externas:

 As obrigações decorrentes de lei, de contrato, de sentenças judiciais ou


outras obrigações determinadas pela lei (despesas obrigatória);
 As obrigações decorrentes do Tratado da União Europeia;
FINANÇAS PÚBLICAS
 As opções decorrentes de planeamento e a programação financeira
plurianual.

As mudanças verificadas nas regras de orçamental pública portuguesa, resultantes justamente


da alteração de maio de 2012, não foram levadas até às últimas consequências pela LEO. Elas
implicariam uma revisão deste artigo 17.º. O artigo foi ultrapassado pela restante lei e está pois
desatualizado e desajustado. Para além disso, fruto dos constrangimentos atuais com que se
debate a economia e as finanças públicas portuguesas e dos compromissos assumidos por
Portugal no Memorando assinado com a Troika, diversas medidas de austeridade têm vindo a
ser adotadas e o teor destas medidas interferem com algumas vinculações externas, mormente
com as denominadas despesas obrigatórias. A vinculação dominante é hoje a que resulta das
exigências de disciplina orçamental e de sustentabilidade das finanças públicas resultante da
legislação comunitárias aplicável. Esta é, aliás, uma decorrência do n.º4 do artigo 8 da
Constituição e só ela bastaria, pois que este garante a aplicabilidade automática, na ordem
jurídica interna, das disposições dos Tratados e das normas emanadas pelas instituições
comunitárias. Assim, em bom rigor, a legislação comunitária, de Direito Originário ou derivado,
não constitui propriamente uma vinculação externa: ela é, antes de mais e acima de tudo, fonte
de direito. Ora, destas fontes externas de direito resultam hoje importantes consequências.
Trata-se, em primeiro lugar, da subordinação do OE às obrigações definidas nos programas de
estabilidade e crescimento impostos pelo PEC. Trata-se, em segundo lugar, da subordinação do
OE aos limites de despesa consagrados nos instrumentos de programação orçamental, quadros
plurianuais que fixam, para o período de programação em causa, limites máximos para a
despesa agregada e, bem assim, para a despesa em cada setor ou área funcional. A LEO criou,
com efeito, o quadro plurianual de programação orçamental (artigo 12.º-D). Esta programação
é mais ampla e abrangente do que a ideia de programação financeira, a que se refere o artigo
17 LEO. A relação entre estes dois institutos, de um lado o quadro plurianual de programação
orçamental, de outro a programação financeira, é mal concebida na LEO e cria perplexidades:
se, por um lado, o quadro plurianual assume hoje uma importância e uma situação jurídica muito
superior à da programação financeira, devendo esta subordinar-se àquela (artigo 12.º-D, n.º6
LEO), por outro lado, contraditoriamente, esta é expressamente considerada vinculação externa
do OE e aquele não (artigo 17.º, alínea c) LEO). A manutenção da referência à programação
financeira no quadro das vinculações externas é tão mais estranha, quanto o quadro plurianual
é qualificado de lei (artigo 12.º-D, n.º1 e 2), que enquadra e condiciona as leis anuais do
orçamento, ao passo que a programação financeira plurianual mantém, nesta mesma versão da
LEO, a sua natureza de mero anexo informativo à lei do OE (Alínea b) do artigo 37.º), o que lhe
confere portanto, à partida, uma fraca força jurídica. Finalmente e com um papel e importância
relativos menores surge o planeamento económico (artigo 105.º, n.º2 CRP), hoje destituído de
efetividade jurídica e com uma função de natureza puramente informativa. Também aqui se
verifica uma mal concebida relação de harmonia entre este quadro plurianual e as Grandes
Opções do Plano, prevista desde logo no artigo 12.º-D, n.º1 LEO, uma relação forçada e
extemporânea que também causa admiração. Estes dois institutos têm uma matriz inspiradora
diferente, dificilmente compatível entre si; além disso, quer-se forçadamente reabilitar o plano,
quando, na prática orçamental, ele tem hoje uma importância residual. Posto isto, fica ainda por
resolver se e em que medida faz sentido falar em despesas obrigatórias, tratando-as,
consequentemente, como vinculação externa do OE. A partir do disposto no n.º1 do artigo 16.º
LEO (alíneas a) e b)), dir-se-á que as despesas obrigatórias derivam, por um lado, de obrigações
decorrentes de lei ou de contrato e, por outro, de obrigações associadas ao cumprimento de
sentenças judiciais. No que diz respeito às obrigações legais ou contratuais, poder-se-á dizer que
FINANÇAS PÚBLICAS
o disposto no n.º2 do artigo 105.º CRP e, bem assim, na alínea a) do n.º1 do artigo 16.º LEO, é
ainda um resquício da tradição dualista que marcou o Direito Orçamental português. Teria essa
vocação passiva de dar concretização orçamental a despesas previamente criadas por lei. A
transição para um regime monista, resultante da revisão constitucional desde 1982, não apagou
inteiramente esse resquício e parece ter mantido uma submissão invariável do orçamento – que
é agora de pleno direito uma lei e um alei de valor reforçado – a outras leis e contratos,
invertendo-se, assim, de forma anómala, a hierarquia das fontes de Direito. Ora isso não deveria
suceder. Poder-se-á acrescentar no plano da execução orçamental, que estas vinculações
associadas a despesas obrigatórias resultantes de lei ou contrato se projetam na concretização
do princípio da legalidade da despesa. É usual distinguir, a este respeito, entre legalidade da
despesa. É usual distinguir, a este respeito, entre legalidade genérica (em face da lei em geral) e
a legalidade específica (em face da Lei do OE), distinção que é, de resto, acolhida na LEO (alíneas
a) e b) do n.º6 do artigo 42.º). Assim, para que uma despesa possa ser realizada:

i. Deve o facto gerador da obrigação de despesa respeitar as normas legais


aplicáveis;
ii. Deve ela encontrar-se prevista/inscrita e cabimentada no orçamento.

Ora, o que é curioso notar é que o OE hoje assume, no seu seio esta dupla legalidade:

i. Na medida em que o OE pode ser fonte criadora de despesa, pode criar


ativamente despesa pública, mormente no seu articulado (vertente
normativa), ele é, nessa medida, portador da legalidade genérica (e a
relação jurídica da despesa pública surge no próprio OE);
j. Na medida em que ele acolhe passivamente, mormente nos mapas
orçamentais (Vertente contabilística), despesa pública criada, quer por leis,
incluindo por ele próprio OE, quer por contratos, ele assume-se então como
portador da legalidade específica. A ambivalência da Lei do OE, por nós
anteriormente referida, fica de novo aqui bem patente.

Seja como for, a relação que é pelo menos de paridade, entre a Lei do OE e outras leis (avulsas)
ou contratos, conhece algumas condições; essa paridade relativa cede, se se der a violação de
qualquer princípio constitucional. A lesão destes princípios funcionaria como uma pedra de
toque, obrigando nestes casos o legislador da Lei do OE a dar cabimentação a despesas legais
ou contratuais. Aqui chegados, somos todavia perturbados pela seguinte questão: não é essa,
precisamente, sempre, a razão de ser das despesas consideradas obrigatórias? Fará sentido falar
em despesa obrigatória, quando não esteja em causa a concretização de direitos (adquiridos)
ou a satisfação de um sentimento de confiança, gerada pelo e com o comportamento do próprio
Estado? Na verdade, as obrigações decorrentes de lei ou de contrato assumem, no que à
contraparte diz respeito (os cidadãos), a natureza de direitos. Afigura-se-nos pois que,
verdadeiramente, a figura da despesa obrigatória, inspirada no Direito Orçamental Francês,
constitui a “expressão financeira”, a concretização financeira do direito adquirido no seu sentido
mais amplo. A questão é hoje pois muito premente, quanto muito se discute a questão da
sobrevivência dos direitos adquiridos no contexto atual de grave crise económico financeira e
não sendo esta, note-se, uma questão meramente circunstancial ou conjuntural. A discussão em
torno da violação, suspensão ou supressão dos direitos adquiridos convoca argumentos vários,
contra e a favor:

i) Contra, encontramos argumentos retirados da Constituição, que vão desde a


violação do princípio da tutela da confiança, à violação do princípio da igualdade
FINANÇAS PÚBLICAS
e do princípio da proporcionalidade, passando pela violação dos princípios da
irredutibilidade salarial e da proibição do retrocesso socia;
ii) A favor, invoca-se a situação de estado de emergência financeira nacional e o
argumento da sustentabilidade financeira do Estado, considerada agora valor
prevalecente sobre o suposto princípio dos direitos adquiridos e tida por
condição sine qua non de concretização desses direitos (ou seja, a concretização
dos direitos ficará dependente da existência de condições financeiras para os
suportar).
Esta discussão é crucial, pois dela resultará justamente a redefinição da relação que os cidadãos
têm com o Estado, o eventual fim do Estado Social de Direito como hoje o conhecemos ou, ao
menos, a sua refundação. É uma discussão demasiado vasta. Também não cuidamos aqui da
questão de saber se e em que medida o referido Memorando de Entendimento configurará uma
verdadeira vinculação jurídica do OE. O que se nos ocorre agora perguntar é o seguinte: haverá
lugar a violação do artigo 105.º, n.º2 CRP e do artigo 16.º LEO, quando o OE deixa de conter
dotações suficientes para, por exemplo, pagar vencimentos dos trabalhadores da Administração
Pública ou a pensionistas, ou seja, quando aparentemente desconsidera obrigações decorrentes
de lei ou de contrato? Cremos que não. Repare-se que o artigo 105.º, n.º2 CRP e o artigo 16.º
LEO assumem um caráter instrumental, porque o seu objeto é aqui tão-só a componente
contabilística, passiva e instrumental definidos. Ora, do ponto de vista do OE, desde que essas
alterações na atribuição dos direitos sejam definidas por lei, as obrigações decorrentes de lei
(ou de contrato) continuarão a ser tidas em conta, nesses novos exatos termos. É a estas novas
despesas obrigatórias que o OE, na sua vertente contabilística, deverá ater-se, e tão só. O que é
curioso notar é que, conquanto se anuncie já o fim dos direitos adquiridos, particularmente dos
direitos adquiridos por determinação legal (ou contratual), ganha, justamente por causa disso
mesmo, uma expressão acrescida e até anómala a determinação de direitos “adquiridos” por
sentença judicial. Com todos os riscos que isso pode implicar: a não generalização e a não
abstração, eventualmente conducentes a tratamentos desiguais, a ineficácia ou a perda de
sentido útil das decisões políticas questionadas e da ação governativa; enfim, o caos coletivo,
um Estado de Direito disfuncional. É, de resto, isto que se arrisca a acontecer entre nós. E, a ser
assim, direitos eliminados por lei, são recriados por sentença judicial, a assumir aqui, portanto,
uma função verdadeiramente constitutiva. E o OE vê-se vinculado a dotar a despesa, uma
despesa suprimida pela lei anterior, mas agora renascida e novamente obrigatória. Do que
antecede, podemos então concluir que o regime das vinculações externas constante do artigo
17.º LEO, em articulação com o artigo 16.º LEO, mereceria ser repensado e reformulado, tendo
em conta aquela é que é já hoje, na prática, a hierarquia de vinculações resultantes da própria
LEO e, indiretamente, da legislação comunitária aplicável em matéria de finanças públicas e em
matéria de orçamentação pública. A revisão daqueles preceitos seria possível, quanto a nós,
mesmo sem se alterar o disposto no artigo 105.º, n.º2 CRP. A relação prática entre as vinculações
externas e o OE permite perceber que, especialmente no atual contexto, constrangimentos
económicos e financeiros desprovidos geralmente de juridicidade acabam por ser mais efetivos
e limitativos do que as verdadeiras obrigações jurídicas. Permite perceber ainda que o OE é cada
vez mais o instrumento legal por excelência de criação/conformação de obrigações para o
Estado, possuindo correlativamente, ao contrário do que hoje tende a suceder com as demais
leis e até com os contratos, a palavra certa e definitiva na consumação dos direitos dos cidadãos.
Para finalizar, propomos a reordenação das vinculações externas, constante do artigo 17.º LEO,
do seguinte modo:
 Obrigações decorrentes dos Programas de Estabilidade e Crescimento ou outros
documentos que sejam impostos, no respeito pelas regras do PEC;
FINANÇAS PÚBLICAS
 Limites de despesa definidos pelo quadro plurianual da despesa pública.
Estas são verdadeiramente as vinculações externas do OE, devendo este, ainda, no respeito pelo
preceito constitucional, harmonizar-se com as grandes opções em matéria de planeamento.

O conteúdo do OE e o cavaleiros orçamentais: a LEO procura, especialmente no seu artigo


31.º, formatar o conteúdo desejável do OE (formata o conteúdo, mas não o concretiza, porque
não lhe cabe concretizá-lo). Dizemos que se trata de um conteúdo desejável pelo seguinte: em
primeiro lugar porque pretende, pela positiva, indicar o conjunto de matérias que podem e
devem estar no articulado do Orçamento, ainda que o faça de forma meramente exemplificativa
(olhe-se para o disposto no corpo do artigo 31.º, n.º1 LEO); em segundo lugar, porque pretende,
pela negativa, afastar do seu âmbito matérias que não tenham conteúdo especificamente
orçamental (por vezes, denominadas de cavaleiros orçamentais). Relativamente à razão de ser
da existência destas boleias orçamentais, dir-se-á apenas o seguinte: a natureza calendarizada
da lei do Orçamento explica, em grande medida, a sua utilização, incidência materialmente
orçamental. Ao fazer-se incluir uma determinada matéria na lei do Orçamento pretende-se,
normalmente, beneficiar da certeza de que essa lei será aprovada num prazo reduzido, que
entrará em vigor numa data certa e que, no momento da sua discussão e aprovação, as atenções
andarão, previsivelmente, arredadas das normas que aí, mais ou menos subtilmente, se
infiltraram. No plano doutrinário, o tema tem sido tratado a propósito genericamente dos
cavaleiros de lei reforçada. Está em causa, fundamentalmente, a contraposição entre a tese da
sua irrelevância jurídica. À luz desta última, os cavaleiros de lei reforçada e, nomeadamente os
cavaleiros orçamentais, não são incondicionais, precisamente por não beneficiarem do regime
jurídico orçamental, logo não interferindo na repartição de competências definida pela
Constituição. Ou seja, matérias não orçamentais incluídas no orçamento não são contaminadas
por essa especial natureza orçamental: assim, não beneficiam das regras especiais de aprovação
e de caducidade, previstas na Constituição para lei do OE, nem sofrem de nenhuma especial
blindagem no que diz respeito à repartição de competências, quer quanto à iniciativa legislativa,
quer à competência para aprovação. O n.º2 do artigo 31.º LEO pretende ser, aparentemente,
restritivo nesta matéria. Começa por determinar que as disposições constantes do articulado da
Lei do OE «devem limitar-se ao estritamente necessário». No entanto, a parte final do mesmo
número abre uma infinidade de possibilidades, pois admite o necessário «para a execução da
politica orçamental e financeira». Ora, com este teor, qualquer medida que tenha incidência no
plano da política orçamental ou da política financeira pode, portanto, ser acolhida na lei do OE.
Mas o artigo 31.º sugere-nos ainda mais algumas observações. O critério para inclusão no rol do
n.º1 de matérias que se deva considerar como matérias especificamente orçamentais é um
critério pouco claro e geral alguma imprecisão. Em sentido estrito, matérias especificamente
orçamentais serão apenas as que constam das alíneas a) e d) e da alínea p), residual. Quanto às
demais, não chocaria que pudessem ser concebidas como matérias de relevância financeira, mas
não especificamente orçamentais e que, portanto, a sua regulamentação pudesse constar de
outras leis que não a lei do OE. Mas mesmo em relação às matérias que se nos afigura serem
matérias de conteúdo indiscutivelmente orçamental (alíneas a) e d)), ainda assim, se delineiam
outras fronteiras ténues e pouco claras. O caso mais visível é o da alínea b): as normas
necessárias para orientar a execução orçamental. A fronteira que está em causa é a que separa
matérias orçamentais que devam figurar na lei do OE e matérias orçamentais que devam figurar
no decreto-lei de execução. A dúvida é tanto maior, quanto é a própria LEO que parece não
querer delimitar essa fronteira. Na verdade, esta mesma lei, a propósito do conteúdo daquele
decreto-lei, vem dispor que dele fazem parte as normas necessárias para a execução o OE (alínea
e) do n.º5 do artigo 43.º LEO). Repare-se, por outro lado, que se é certo que algumas das
FINANÇAS PÚBLICAS
matérias foram, com LEO, expressamente convertidas em matérias orçamentais, legalizando-se
aquela que afinal era, de há muito, uma prática orçamental, não é menos verdade que quanto
no rol definido pelo artigo 31.º, e ainda assim são matérias que vêm figurando sempre, todos os
anos há muitos anos, na lei do OE. O caso mais relevante é, sem dúvida, o universo fiscal. Como
é sabido, uma grande parte do articulado da LEO é ocupada pelas alterações à legislação fiscal
ou até por verdadeiras inovações nesta área. E, ainda assim, lendo o extenso rol de matérias
constantes do n.º1 do artigo 31.º, este universo não está lá. Desta forma, permite-se que a
matéria seja regulada pela lei do OE, ao mesmo tempo que, evitando o exclusivismo orçamental
com que são contaminadas as matérias aí colocadas, se permite que as alterações ou inovações
na área fiscal possam ser feitas fora do OE. Da decisão de considerar uma matéria como sendo
especificamente orçamental (elencando-a no n.º1 do artigo 31.º) resulta, na verdade, um efeito
prático muito relevante do ponto de vista da repartição de competências entre os órgãos de
soberania e respetivos membros: é que as matérias que sejam integradas nesse elenco ficariam
condicionadas pelas exigências (limitações) procedimentais associadas à aprovação da lei do OE,
mormente no que diz respeito à iniciativa originária exclusiva do governo. Com efeito, a matéria
orçamental é das raras matérias onde está prejudicada a iniciativa legiferante por parte dos
deputados e/ou grupos parlamentares, onde não há portanto concorrência entre estes e o
governo (alínea g) do artigo 161.º, in fine CRP). Ora, foi justamente isto que se pretendeu
garantir: que os deputados e/ou grupos parlamentares não veriam afastada a sua capacidade
de iniciativa originária. Além disso, existe uma outra razão, prévia e maior. Ela tem que ver com
o alcance do princípio da democracia fiscal e com o sentido da evolução histórica deste princípio:
o processo tendente à criação ou alteração de impostos é um processo com dignidade própria
e a lei fiscal pode e tende, pela sua natureza, a ser uma lei autónoma, diferenciada da lei
orçamental. Neste processo, os representantes do povo deverão ter uma intervenção plena, no
princípio e no fim. Repare-se, por outro lado, que a lei do OE além de poder dispor diretamente
sobre matéria fiscal, pode ainda ser veículo de autorizações legislativas sobre esta matéria. E
pode ainda conter autorizações legislativas sobre matéria não fiscal. Daí que também elas
devam passar pelo crivo do n.º2 do artigo 31.º, ou seja, devem tratar-se de matérias que se
limitem ao estritamente necessário para a execução da política orçamental e financeira. A não
ser assim, teremos autorizações, valendo para elas, neste caso, as considerações antes feitas
sobre o regime dos cavaleiros de lei reforçada. A propósito das autorizações legislativas em
matéria fiscal, podemos aliás verificar que o legislador acaba por assumir, em algumas outras
instâncias e em outros momentos (que não no artigo 31.º LEO), que a matéria fiscal é matéria
de conteúdo especificamente orçamental: vai até mais longe do que em relação à generalidade
das matérias consideradas orçamentais, levando o regime de caducidade próprio do OE (com
vigência limitada a 31 de dezembro) até às últimas consequências. Com efeito, mesmo havendo
prorrogação de vigência do OE, mesmo nestes casos, não são prorrogadas as autorizações
legislativas em matéria fiscal (artigos 12.º-H, n.º3, alínea a) LEO, remetendo para o 165.º, n.º5
CRP), pelo que as respetivas normas devem assim caducar sempre, inevitavelmente, no final do
ano. Em suma, verificamos que as matérias expressamente integradas no artigo 31.º, n.º1 LEO
são muito dispares. Nele, com efeito, encontramos dois grandes grupos de matérias:

 Matérias específica e indubitavelmente orçamentais (alíneas a) a d) e da alínea p));


 Matérias não especificamente orçamentais, mas tornadas orçamentais, legalizando-se
assim uma prática ou costume orçamental (alínea n), e) m) e o)) e atribuindo-se-lhes a
regularidade de aprovação própria do OE e da garantia de vigência por um período
temporal coincidente com o ano civil.
FINANÇAS PÚBLICAS
Relativamente às matérias que não constam expressamente do elenco do n.º1 do artigo 31.º
LEO, mas que habitual ou esporadicamente surgem na lei do OE, poderemos também qualifica-
las de diferentes modos. Assim, lá encontramos:
 Matérias que serão ainda matérias especificamente orçamentais e cobertas pelo
caráter exemplificativo do artigo 31.º, n.º1 LEO, surgindo habitualmente nas lei do OE;
 Matéria que serão ainda matérias especificamente orçamentais e cobertas pelo
caráter exemplificativo do artigo 31.º, n.º1 LEO, surgindo esporádica ou
intermitentemente nas lei do OE;
 Matérias que só de forma indireta ou incidental têm natureza orçamental, sendo por
vezes difícil determinar se ainda estamos perante matéria orçamental ou perante um
cavaleiro orçamental;
 Matérias que configuram claramente um cavaleiro orçamental.

O direito de emenda parlamentar no domínio orçamental e a sua relação com a lei


travão: uma das questões mais interessantes e controvertidas do Direito Orçamental português
continua a ser a do significado e extensão do exercício da emenda parlamentar em relação à
proposta inicial de lei do OE ou à proposta de lei de alteração orçamental apresentadas pelo
Governo. À primeira vista, não existem quaisquer limites constitucionais ou legais para o
exercício dessa emenda parlamentar, em qualquer desses dois momentos da vida do OE.
Todavia, muito por força do entendimento assumido pela jurisprudência constitucional, tem-se
considerado que a iniciativa superveniente dos deputados ou dos grupos parlamentares
conhece maiores limitações quando ela incide sobre uma proposta de alteração orçamental, do
que quando ela respeita à proposta inicial do OE. Na verdade, relativamente a esta não existirão
quaisquer limitações do ponto de vista material, pelo que as alterações propostas pelos grupos
parlamentares podem no seu conjunto conduzir a um resultado final completamente díspar do
da proposta governamental, desvirtuando o sentido inicial do OE. A questão é, no limite, uma
questão política e depende fundamentalmente da relação de forças existente no parlamento. O
campo de reação que o governo tem perante iniciativas supervenientes deste tipo é de natureza
essencialmente política e passa fundamentalmente pela troca de votos na cena parlamentar.
Ainda assim, o resultado dificilmente será o melhor do ponto de vista do governo, porque este
necessariamente terá de ceder, aqui e ali. Mais: o resultado de tal compromisso será tão mais
próximo da solução ótima, para o governo, quanto este saiba negociar e quanto o ambiente
político lhe for mais ou menos favorável naquele momento. Já no que diz respeito às propostas
de alteração orçamental, a emenda parlamentar está, por força da referida jurisprudência
constitucional, mais limitada. E isto por força de dois argumentos fundamentais:

1. O argumento da alteração de sentido da proposta de lei (o desvirtuar da proposta):


o Tribunal Constitucional distingue entre as duas situações: proposta inicial de PE,
de um lado, e proposta de alteração orçamental, do outro. Assim, no caso da
proposta do Orçamento, a fase é de previsão do conjunto de todas as despesas a
realizar pelo Estado, durante o ano, e dos processos de as cobrir. Procura-se definir
o plano financeiro global do Estado. Compreende-se que o órgão decidir livremente
o que maior interesse tem para o Estado na matéria. Diversamente, no caso de
alteração do Orçamento, já não se está numa fase de previsão, nem se pretende
traçar um plano financeiro global. Tem-se apenas a pretensão de alterar um plano
já elaborado, que está a ser executado, e em áreas delimitadas pela proposta do
Governo, que tem o exclusivo da iniciativa de alteração e o encargo e
responsabilidade pela execução orçamental. Perante isto, nesta segunda fase, os
deputados, a pretexto de uma proposta de alteração orçamental, não podem
FINANÇAS PÚBLICAS
proceder a modificações orçamentais que não se inscrevam na proposta do governo,
ou seja, alargar essas modificações a outras áreas, não pretendidas pelo governo.
Não se pretende que a Assembleia da República esteja vinculada à proposta de
alteração feita pelo Governo. Pode aceitá-la ou rejeitá-la. Pode aumentar as receitas,
como se propõe, ou aumentá-las numa percentagem diferente do que a pretendida.
Igualmente poderá não diminuir as despesas, ou diminuir menos do que se pretende.
Não pode é proceder a alterações que extravasem o âmbito da proposta.
2. O argumento da lei travão: para além deste argumento, outro, mais objetivo mas
porventura de menor alcance, é ainda invocado pelo Tribunal Constitucional: trata-
se da aplicação do regime constante no artigo 167.º, n.º2 CRP, ou seja, a aplicação,
na fase das alterações orçamentais, diferentemente di que sucede aquando da
proposta inicial do OE, do regime da lei travão. A lei-travão impede o seguinte
(cumulativamente):
a. Que os deputados, grupos parlamentares e cidadãos de leitores apresentem
projetos de lei, propostas de lei ou propostas de alteração (ou seja, veda a
sua iniciativa originária e supervenientemente);
b. Que envolvam o aumento da despesa ou a diminuição de receita;
c. No ano económico.
Convém notar a aplicação da lei-travão à proposta de lei de alteração orçamental é
pouco mais que incidental; na verdade, a lei-travão tem um escopo mais amplo,
visando qualquer iniciativa legislativa dos parlamentares que produza os
mencionados efeitos financeiros. Assim, estarão em causa iniciativas originárias dos
deputados de legislação avulsa que pudesse produzir aqueles efeitos. Depois,
estarão em causa quaisquer iniciativas supervenientes dos parlamentares –
relativamente a propostas de lei iniciais do governo – e que traduzam aqueles
mesmos efeitos. Depois então, estarão em causa, no quadro de propostas de
alteração orçamental, as emendas feitas por parlamentares que envolvam ou o
aumento de despesa ou a diminuição de receita. A aplicação do regime da lei-travão
no contexto de alterações orçamentais implica necessariamente, pela própria
natureza das alterações orçamentais, que a última condição supra se verifique
também: a alteração orçamental acarreta, pela sua própria natureza, efeitos em
relação ao ano económico em curso. Logo, a iniciativa superveniente dos
parlamentares fica vedada, por esta razão também. Já no que diz respeito a
iniciativas originárias ou supervenientes relativas a legislação avulsa, colocou-se a
questão de saber se o facto de a lei em causa prever a sua entrada em vigor e
produção de efeitos no ano económico em curso levaria à inaplicabilidade, para
todo o sempre, da norma respetiva violadora do artigo 167.º, n.º2 CRO, Ora a
jurisprudência constitucional considerou que não. Isto porque tal artigo só impede
que os deputados apresentem projetos de lei que envolvam aumento de despesas
no ano económico em curso, não ficando vedada a apresentação de projetos de lei
que acarretem esses efeitos para os anos seguintes. O Tribunal considerou não ser
necessário lançar mão da figura da ineficácia (das normas em caus para o ano em
curso). Bastaria falar em inconstitucionalidade parcial (ratione temporis), para se
poder concluir que as normas em questão só seriam inconstitucionais na medida
em que aplicáveis ao ano económico em curso. Esta posição não é isenta de crítica:
o Tribunal Constitucional substituiu-se assim implicitamente ao legislador,
redefinindo a data de produção de efeitos das normas em apreço, ou seja,
substituindo a data constante da lei apreciada (que era a de produzir efeitos no ano
FINANÇAS PÚBLICAS
económico em curso), por uma nova data e assim fixando-lhe uma produção de
efeitos apenas para o inicio do ano seguinte.

O processo orçamental inicial:


1. A cronologia do processo orçamental em Portugal:
2. Programas de Estabilidade e Documentos de Estratégia Orçamental: a sua
interligação com o processo orçamental:
3. A previsão de receitas e despesas:
4. O incrementalismo e as tentativas de superação: o Orçamento de Base Zero; a
programação orçamental:
5. O processo de aprovação do OE:
6. A prorrogação da vigência do OE:

O regime da execução orçamental:


O processo orçamental subsequente: o regime das alterações orçamentais:
1. Alterações da competência da AR:
2. Alterações da competência do Governo:

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