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06/11/2018 Teoria marxista da dependência

Teoria marxista da dependência


– "Onde se vive menos e pior é onde se trabalha mais"

por Mathias Seibel Luce


entrevistado por Nilton Viana

Capacidade de trazer explicações científicas para questões e problemas reais e


fundamentar a ação humana tendo como horizonte a transformação. Assim, Mathias
Seibel Luce, professor do Departamento de História da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), define a atualidade da Teoria Marxista da Dependência (TDM).

Autor do livro "Teoria Marxista da Dependência (TDM): problemas e categorias, Uma visão
histórica" [1] , nesta entrevista concedida durante o lançamento da publicação na Livraria
da Editora Expressão Popular, em São Paulo (SP), entre outras questões, o professor
explicou o caráter da super-exploração em países dependentes como o Brasil.

Qual a atualidade ou vigência da Teoria da Dependência como instrumento crítico


de leitura da realidade da América Latina?

A atualidade ou vigência de toda teoria crítica se mede pela capacidade de trazer


explicações científicas para questões e problemas reais e fundamentar a ação humana
tendo como horizonte a transformação. A TMD ajuda a explicar porque 80% da população
vivendo em favelas são habitantes de países como os nossos. Ou porque os níveis
salariais são mais baixos e as jornadas de trabalho mais extensas em nossas economias.
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Ou porque não basta a industrialização como


saída para os problemas sociais de nossos
países, como muitos pensavam na década de
1950, pois aqui o capitalismo acirra suas
contradições. E isto exige, ainda mais, uma
resposta da classe trabalhadora e do povo
construindo uma alternativa de poder que abra
caminho para a superação da sociedade da
mercadoria.

Quais exemplos pode nos dar sobre a atual


crise brasileira com base na Teoria da
Dependência?

A crise mundial de 2008 se abateu sobre o


Brasil esfumando a alta conjuntural das
matérias-primas que sustentara
momentaneamente um excedente econômico
que pôde atender, por um período, interesses
de distintas frações de classe. Mas essa
relativa estabilidade foi efêmera. E sob um
modelo produtivo baseado na especialização
desigual na divisão internacional do trabalho e na depredação da natureza. Os primeiros
sintomas da crise foram sentidos já desde 2008, quando a massa salarial passou a
encolher, ainda que seguisse crescendo o nível do emprego formal. Eram, contudo,
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empregos mais precários.

Por volta de 2014, a queda dos preços das matérias-primas adicionou novos ingredientes.
Como em toda crise, os capitalistas pressionam pela elevação (ou retomada) da taxa de
lucro, rebaixando o valor da força de trabalho e aumentando a espoliação dos recursos
naturais para reduzir o dispêndio de capital em meios de produção e obter lucros
extraordinários mediante renda diferencial e o avanço sobre novos domínios da vida.

O golpe de 2016 e a agenda da contra-reforma trabalhista de Michel Temer [MDB] e das


federações patronais são uma resposta da burguesia dependente à crise. E a investida de
transnacionais como a Nestlé e a Coca-Cola pela privatização da água, forçando por
novos negócios em países como o nosso, é outro exemplo desse contexto. Um
ensinamento da TMD que se confirma com esta crise é que a dependência pode mudar
de forma ou de grau, mas ela somente será superada com o enfrentamento das relações
imperialistas, que fincam raízes em nossas economias, exigindo um projeto que questione
o capitalismo como um todo.

Qual a principal descoberta da Teoria da Dependência no contexto marxista?

A descoberta da TMD foi demonstrar que o antagonismo capital-trabalho e as


contradições entre produção e apropriação de riqueza, entre produção e consumo e entre
produção e circulação são acirradas em nossos países latino-americanos. Isto se dá no
contexto da economia mundial capitalista e suas relações de desenvolvimento desigual.
Aqui, historicamente transformou-se em "regra" – quer dizer, em tendências sistemáticas e
estruturais – as transferências de valor expressando relações de intercâmbio desigual, a
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super-exploração da força de trabalho e o divórcio entre a estrutura produtiva e as


necessidades das massas. Com essas formulações, a TMD ajuda a desvelar o sentido de
exploração redobrada e de soberanias frágeis (tanto do ponto de vista da soberania
nacional, como da soberania popular) em nossas nações oprimidas sob as relações
imperialistas, que fincam raízes em nossas formações sociais. Assim, a TMD se perfila
entre as melhores tradições críticas do marxismo latino-americano, que teve alguns de
seus antecedentes em Mariátegui, que pensou a articulação entre a questão agrária e a
questão indígena, e no Che, que pensou a necessidade do caráter continental da
revolução para promover a emancipação humana em nossa realidade.

Dentro da Teoria da Dependência, você cita a transferência de valor como uma das
características das economias dependentes. Quais são as modalidades de
transferência de valor?

Como você sublinhou, nossas economias são marcadas por transferências ou perdas de
riqueza (valor) mediante a especialização desigual na divisão internacional do trabalho.
Grande parte da riqueza produzida com o suor de nossa classe trabalhadora e com a
exploração também da fertilidade natural de nossos territórios alimenta a sanha da
acumulação e a sede vampiresca das transnacionais e das economias dominantes. Isto
não sem o apoio de seus sócios menores, a burguesia dependente, que é integrada e
subordinada ao imperialismo: baixa a cabeça para ele, enquanto pisa redobrado nos de
baixo, na classe trabalhadora. Existem quatro modalidades para as transferências de
valor, que explicamos no livro: 1) a deterioração dos termos de intercâmbio; 2) as
remessas de lucros, royalties e dividendos; 3) o serviço da dívida; 4) a apropriação de
renda da terra (renda diferencial).
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Pode citar um exemplo de transferência de valor numa economia como a brasileira?

Percebemos essa relação no fato de sermos uma economia que envia anualmente bilhões
de dólares para o exterior em remessas de lucros industriais e financeiros das
multinacionais e que paga royalties cada vez que utiliza equipamentos como um
tomógrafo em um hospital (onde eles existirem e quando a população puder acessá-los)…
Ou no serviço da dívida, cujos pagamentos representam uma dedução do salário direto
(via impostos desiguais e regressivos) e indireto (via cortes de verbas nas políticas
sociais) para canalizar o fundo público para remunerar os lucros fictícios dos detentores
dos títulos da dívida "pública", uma engrenagem que se retro-alimenta inclusive quando
há mudança de perfil de dívida externa para interna, com o agravante de sobre ela incidir
uma das maiores taxas de juros reais no mundo inteiro.

Os economistas têm chamado isso de passivo externo em reais. E a categoria


transferência de valor, da TMD, explica como e porque isso acontece. Um outro exemplo
ainda é o Pré-Sal, com a entrega de fatias cada vez maiores para as transnacionais, a
despeito de a Petrobras controlar a tecnologia para exploração de águas profundas e,
com isso, gerar renda diferencial II, aquela que é obtida mediante aplicação de meios de
produção potenciando a extração da fertilidade natural do recurso, neste caso o petróleo.
Desse modo, a apropriação de renda diferencial por capitais de economias imperialistas
sobre os recursos naturais das economias dependentes expressam relações de
intercâmbio desigual inclusive no próprio terreno em que nossas economias possuem
maior riqueza em seus diferenciais de fertilidade natural da terra.

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O trabalhador numa economia dependente é mais explorado, mais afetado?

Mostramos no livro, a partir de evidências históricas e dados concretos, que a taxa de


mais-valia é diretamente proporcional à produtividade numa mesma esfera de economia
(sejam as economias centrais, sejam as economias dependentes). Mas quando o assunto
é a relação mundial entre as formações sociais imperialistas e as formações dependentes,
como é o capitalismo latino-americano, a lógica do capital opera com tendências
adicionais. Assim, em nossas economias, que possuem níveis de produtividade inferiores,
a burguesia dependente procura compensar sua desvantagem pondo em marcha o
regime de super-exploração.

Quer dizer, remunerando a força de trabalho abaixo do seu valor e consumindo a energia
vital do trabalhador provocando seu desgaste prematuro. Isto, ao final, termina ampliando
a taxa de mais-valia, mas não simplesmente por outros expedientes e sim mediante a
violação do valor da força de trabalho. Em palavras simples, a super-exploração se
identifica com duas assertivas: onde se vive menos e pior é onde se trabalha mais! E se
vive menos porque se trabalha mais!

Segundo dados da OIT, nos países dependentes, desde o início de sua regulamentação, a
duração semanal média da jornada de trabalho historicamente tem estado em torno de
48h ou acima desse patamar, podendo chegar a 55 horas em certas atividades, em países
latino-americanos como El Salvador (ou em certas regiões do Brasil); nunca tendo se
estabilizado em torno das 40h em nosso continente, como aconteceu nas economias
centrais por volta da metade do século XX e que é o patamar que esse organismo
internacional que é a OIT preconizou ao ser criado no ano de 1917.
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No Brasil, 25% da força de trabalho nas regiões metropolitanas cumpre atualmente


jornadas iguais ou superiores a 49h. No comércio, metade dos trabalhadores tem jornada
acima de 49 horas semanais. E com a contra-reforma trabalhista do governo golpista de
Michel Temer a burguesia brasileira quer legalizar que se chegue até 60h onde assim
puder impor!

Ainda segundo dados da OIT, em nossos países o número de pessoas que seguem
trabalhando por decisão não voluntária após idade para se aposentar ou porque não
conseguem sobreviver com as pensões ou proventos e continuam trabalhando por
necessidade é de 48% para a força de trabalho masculina e de 28% para a feminina, ao
passo que nas economias centrais essa cifra é, respectivamente, de 19% e 12%. Embora
a crise esteja golpeando as condições de vida e trabalho também nas economias centrais,
este é um contraste que se mantém.

Pode nos explicar como se dá essa super-exploração dos trabalhadores?

A força de trabalho, na super-exploração, além de estar submetida à exploração


capitalista em suas determinações mais gerais (mais-valia absoluta e relativa), é também
submetida a determinações específicas, que atuam de modo estrutural e sistemático sob
as economias dependentes, com o capital apropriando-se seja do fundo de consumo do
trabalhador, seja apropriando-se do seu fundo de vida. Se aspectos da super-exploração
podem ocorrer nas economias centrais em épocas de crise, nas economias dependentes
ela é a regra ou assume caráter estrutural. É aqui que essa face se revela nua e
cruamente.
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A super-exploração pode se dar mediante três formas: 1) o pagamento da força de


trabalho abaixo do seu valor – que no caso brasileiro podemos ver comparando o abismo
entre o salário mínimo corrente e o salário calculado pelo Dieese (salário mínimo
necessário); 2) o prolongamento da jornada de trabalho além dos limites normais – como
no uso recorrente de horas extras, na necessidade de mais de um emprego para se
sustentar, no contingente trabalhando por decisão não voluntária após idade para se
aposentar; 3) o aumento da intensidade do trabalho além das condições normais – que
tem um de seus indicadores aproximados na ocorrência de acidentes de trabalho,
incluindo doenças laborais, invalidez e mortes no ambiente de trabalho. O Brasil, a
propósito, é um dos campeões mundiais de acidentes de trabalho/doenças laborais, na 4ª
posição.

E a mulher neste contexto é ainda mais explorada?

Sim, em todo o mundo capitalista. Mas aqui, novamente, de forma mais aguda. Segundo a
PNAD do IBGE [2] , a mulher trabalhadora – embora fonte do salário principal em 40%
dos domicílios no Brasil – recebe em média um terço a menos que o salário dos homens –
sem falar no trabalho doméstico não pago, fundamental para a reprodução da força de
trabalho e realizado pelas mulheres sob o patriarcado e o machismo. Por falar nisso, além
do fardo sexista na manutenção do próprio lar, o contingente feminino da classe
trabalhadora encontra nos empregos precários de empregada doméstica uma importante
fonte de ocupação – principalmente informal. Conforme o DIEESE, em 2011 havia 6,6
milhões de pessoas em atividade no emprego doméstico, sendo 92% mulheres.

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O filme Que horas ela volta, estrelado por Regina Casé, retrata essa dupla opressão de
classe e de gênero, que reforça as relações de super-exploração. Esse também foi tema
de um ensaio de Vania Bambirra, fundadora da TMD, em seu livro inédito "Emancipação
da mulher: tarefa de ontem, hoje e amanhã". E para além da esfera salarial, há que
lembrar que o Brasil nos assombra ao despontar na quinta posição no índice mundial de
feminicídios, ranking que tem cinco países latino-americanos entre os seis de maior
incidência de assassinatos contra a mulher. Isso não é mera coincidência. Essa é mais
uma face do capitalismo dependente, que exacerba todas as formas de opressão.

O racismo continua sendo um tema extremamente enraizado na nossa sociedade.


Como a TMD pode ajudar no debate a respeito desse tema?

A TMD mostra que um dos fundamentos do regime de super-exploração é a exacerbação


em nossas economias do que Marx chamou de exército industrial de reserva (mais
trabalhadores despojados de meios de produção buscando condições de vida ou
competindo por um emprego e compelidos a aceitarem condições aviltantes). No caso
brasileiro, a escravidão, além da concentração da estrutura da propriedade – rural e
urbana –, acirrou historicamente ainda mais o antagonismo capital-trabalho, em uma
intersecção com o racismo estrutural que atuou também decisivamente na configuração
das classes sociais. Em apenas 15 anos, entre 1835 e 1850, entrou em nosso território o
equivalente a 20% do total de trabalhadores africanos escravizados trazidos para cá nos
300 anos do tráfico de escravos até aquela data!

Enquanto em 1850 na Europa a classe trabalhadora conquistava a lei das 10 horas –


logrando impor os primeiros diques de contenção à fome vampiresca do capital – aqui,
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sob a segunda escravidão, era outorgada a Lei de Terras para impedir que o povo negro
tivesse acesso aos meios de produção, com as classes dominantes mirando o cenário
futuro do "trabalho livre". Já sob as relações de assalariamento, um numeroso exército
industrial de reserva fez pender sobre o povo negro o duplo fardo da extração de mais-
valia em condições de super-exploração, conjugada com o racismo estrutural que a
reforça e amplia. Estudos demonstram que em nosso país, atualmente, as mulheres
negras recebem 40% a menos do que trabalhadores brancos que ocupam a mesma
função. E que, no último ano, o aumento da informalidade, que fez crescer os "bicos" ou
trabalho por conta, cresceu em 17,6% entre as mulheres negras, contra 10% entre as
mulheres brancas.

Ainda que aqui seja geral para a classe trabalhadora, a super-exploração no Brasil tem
cor e o racismo é um dos veículos da opressão redobrada no país. Além de salários mais
baixos, a população negra sofre o racismo estrutural com a violência do Estado. Estudo
da ONU aponta que das 30 mil pessoas assassinadas todo ano em nosso país 23 mil são
jovens negros. Para além dessas estatísticas, que captam tendências intrínsecas, essa é
uma realidade que se sente na carne e na alma no dia a dia: quando a Aracruz Celulose
manda passar a patrola sobre terras quilombolas para fazer grilagem , quando uma
liderança negra como Marielle Franco é brutalmente assassinada, quando a burguesia diz
que lugar de negro é no elevador de serviço… Essa é a face nua e crua do Estado
dependente reproduzindo o racismo estrutural que afiança ainda mais as relações de
super-exploração e faz essa engrenagem andar. A revolução latino-americana, na qual se
inscreve a transformação estrutural do Brasil como possibilidade histórica, terá de dar voz
e poder aos trabalhadores e trabalhadoras, ao povo negro, aos indígenas e às mulheres
ou não será revolução.
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Na relação de dependência, você cita a financeirização mundial capitalista. Na


prática, como se dá essa financeirização e quais as consequências para a nossa
realidade?

Em Dialética da Dependência , Ruy Mauro Marini apontou duas contradições que


acontecem no ciclo reprodutivo do capital em nossas economias, que ele chamou de
cisões. Uma é a cisão entre produção para o mercado externo e mercado interno e a
outra, entre produção para as esferas alta e baixa do mercado interno. O significado
dessas contradições é que em nossos países os trabalhadores, que produzem a riqueza,
não cumprem um papel da mesma maneira que nas economias dominantes para a
circulação das mercadorias (sua realização ou consumo). Isto incentivou historicamente
os patrões e o Estado a afiançarem o regime de super-exploração, que uma vez
instaurado aumenta também a atração de empresas transnacionais que vem se apropriar
de massas de valor sob níveis de super-exploração.

No livro, apontamos que com o advento a partir dos anos 1970 da subfase do
imperialismo que é a mundialização do capital, teve lugar uma terceira cisão, que se
agrega às demais. Ela consiste de uma cisão entre as funções dinheiro-mundial e capital-
dinheiro e a apropriação de lucros fictícios. Quer dizer: nossas economias não são as que
determinam os fluxos internacionais de capitais (função capital-dinheiro), nem controlam
moedas-fortes como dólar ou euro (função dinheiro-mundial). E sob a importância
crescente da valorização do capital mediante a apropriação de lucros fictícios (derivativos,
outros produtos financeiros), se incrementam também as transferências de valor e as
contradições na reprodução do capital em nossos países. Theotonio dos Santos, em suas
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análises sobre a revolução científico-técnica, trouxe elementos para pensar como o


aumento da proporção entre máquinas (trabalho morto) e trabalho humano (ou trabalho
vivo) gerou, nas relações mundiais, uma enorme massa de capitais sobrantes, à medida
que a roda da economia passa a girar mais veloz e precisando em números relativos de
menos gente produzindo e consumindo, ao mesmo tempo que concentra mais e mais a
riqueza e o consumo.

E, como já esboçado pela teoria do imperialismo, tanto as corporações que possuem o


domínio tecnológico e se apropriam de lucros industriais empregam seu fundo de
acumulação perseguindo também lucros fictícios (com os quais aumentam sua
capacidade de auto-financiamento), como fundos de investimento especializados em
lucros fictícios (especulativos) investem também em atividades que produzam riqueza
real. Acontece que as economias imperialistas são novamente aquelas que controlam a
capacidade de investimento, em mais essa pauta da acumulação (lucros fictícios),
enquanto as economias dependentes são submetidas a novos vínculos que ampliam sua
subordinação. Nisto consiste a essência da terceira cisão. É assim que a partir da TMD
compreendemos as relações de financeirização, não como uma oposição ingênua entre
produção e especulação, mas como ambas andam juntas.

Um exemplo concreto é o do agronegócio, expressão do capital financeiro no campo.


Grandes capitalistas usam a terra como meio de produção para produzir mercadorias
como soja para o mercado mundial e também como ativo dado como garantia junto a
bancos para obter empréstimos e, assim, fazer aplicações em produtos financeiros onde
obtêm ganhos sob lucros fictícios. Outro exemplo são os fundos de pensão, que podem
comprar títulos públicos e também serem sócios em megahidrelétricas e outros
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empreendimentos. Se a acentuação da financeirização com o capital fictício golpeia


empregos e políticas sociais inclusive nas economias dominantes, aqui essa face é ainda
mais violenta, com mais espoliação e sofrimento. Por isso é urgente uma auditoria da
dívida "pública" e uma reforma radical do sistema bancário e financeiro, sob controle
popular, como uma das medidas de uma alternativa de poder para o Brasil.

Como a Teoria Marxista da Dependência avalia os processos


neodesenvolvimentistas aplicados por alguns governos na América Latina?

A TMD surgiu de debates no seio da esquerda brasileira e latino-americana, em torno à


interpretação do caráter de nossas formações econômico-sociais e das orientações
estratégico-táticas para enfrentar seus problemas. Ela trouxe uma superação do marxismo
dogmático que "aplicava" de maneira eurocêntrica conceitos alheios à realidade latino-
americana, como nas análises que viam elementos feudais ou semifeudais em nossos
países, à espera de mais "desenvolvimento capitalista"; e foi uma superação do
pensamento desenvolvimentista de matriz cepalina [3] , que acreditava que políticas
econômicas industrializantes abririam caminho para nossa redenção.

Eis então que, no último período, se realimentaram esperanças na ideia de


desenvolvimento, sem questionar a lógica da sociedade da mercadoria. Esse foi um traço
dos governos neodesenvolvimentistas, que realizaram certas reformas, mas sem tocar
nos pilares econômicos do sistema de dominação no capitalismo dependente. Alguns
acadêmicos sugeriram inclusive que o Brasil teria se tornado "país de classe média". Mas
a crise de 2008 fez derreterem as circunstâncias conjunturais que criaram as condições
para o ciclo de governos neodesenvolvimentistas. Por outro lado, é importante também
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diferenciar o significado dos governos neodesenvolvimentistas do Cone Sul e o significado


da Venezuela sob Chávez ou da Bolívia, sob Evo Morales, estes dois últimos sendo
governos que promoveram uma elevação do nível de consciência das massas e o debate
e medidas concretas em torno a alternativas para a América Latina na luta anti-
imperialista e pela integração soberana dos povos.

Como a Teoria da Dependência pode ajudar a esclarecer esse caráter da super-


exploração e contribuir para elevar o nível de consciência da classe trabalhadora
para a transformação do nosso país?

A TMD, como toda a melhor tradição que parte do método de Marx, não é nem pode ser
uma teoria encastelada na academia. Ela é, sim, uma arma da crítica, que se coloca à
disposição dos movimentos populares, dos sindicatos e partidos da classe trabalhadora,
pela construção de uma alternativa de poder que abra caminho para a superação do
capitalismo, pela nossa emancipação humana. Interpretar criticamente a realidade para
poder transformá-la é, pois, uma tarefa de todos e todas nós.

Como sabemos, erros de análise levam no mais das vezes a erros políticos. Explicar e
denunciar o caráter da super-exploração em nossos países, nesse sentido, não é
pressupor nem almejar uma "exploração normal" e sim demonstrar como e porque aqui a
espoliação e exploração da classe trabalhadora e dos recursos naturais são ainda mais
acirradas, exigindo uma política que aponte uma saída para além da sociedade da
mercadoria. Ao mesmo tempo, não devemos deixar de tentar impor diques de contenção
para o incremento desse caráter super-explorador, mas sempre tendo como horizonte que

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sua superação se dará somente com a superação do capitalismo mediante nossa ação
consciente e transformadora, por outra maneira de organizar a vida em sociedade.

29/Junho/2018
[1] Mathias Seibel Luce, Teoria marxista da dependência , Ed. Expressão Popular, S. Paulo, 2018, 271p., ISBN
9788574433209
[2] PNAD = Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios; IBGE = Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
[3] Refere-se à CEPAL, Comissão Económica das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe.

O original encontra-se em www.brasildefato.com.br/...

Esta entrevista encontra-se em https://resistir.info/ .


01/Jul/18

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