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Temas pastorais
3 Valorizar o sentido mais profundo da Eucaristia: entrevista com pe. Francisco Taborda, sj
9 Evangelizar a juventude Eduardo Calandro e Jordélio Siles Ledo
19 Ensino Religioso e catequese: um diálogo possível Robson Stigar
25 A pastoral dos direitos humanos Nicolau João Bakker, svd
35 Roteiros Homiléticos Pe. Johan Konings, sj
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Valorizar o sentido mais profundo
da Eucaristia: entrevista com
pe. Francisco Taborda, sj
Da redação
O entrevistado expõe o
significado da Eucaristia
“I nfelizmente, é muito comum confun-
dir missa com show. A missa não é um
show, e o padre não é um animador de audi-
e da transubstanciação, tório a modo de Sílvio Santos, Faustão ou
que, embora tão Gugu Liberato”, esclarece pe. Francisco Ta-
borda na entrevista a seguir. Doutor em Te-
fundamentais para a vida ologia pela Westfälische Wilhelms-Universi-
da Igreja, estão cercados tät (Münster/Westf.), ele é professor na Fa-
culdade de Teologia dos jesuítas em Belo
de incompreensões e Horizonte – MG. Tem publicado diversos
“penduricalhos” que livros e artigos científicos com a temática
dos sacramentos, entre eles: Sacramentos,
acabam por tirar a
práxis e festa: Para uma teologia latino-ameri-
atenção do que cana dos Sacramentos; Nas fontes de vida cris-
é mais importante. tã: uma teologia do batismo-crisma; Memorial
da Páscoa do Senhor. Pela Paulus, publicou
seu mais recente livro, A Igreja e seus minis-
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mia propriedade e lucidez desvios, incom- se constituíram como povo, o povo de Deus.
preensões, distorções e criações de pendu- Assim também a Páscoa de Jesus consistiu
ricalhos em práticas celebrativas atuais, na passagem da morte à vida, aquele que
como a transformação da celebração do sa- fora crucificado ressuscitou. Quando cele-
cramento em momento bramos a Eucaristia, fa-
de adoração ou em ani- zemos o memorial dessa
mação de auditório; da “A missa não é um show e Páscoa, ou seja, dessa
comunidade celebrativa
o padre não é um animador passagem do Senhor, da
em grupo de tietes; a su- morte à vida. “Memorial”
posição de que receber a de auditório a modo de não é meramente uma
comunhão na mão seria Sílvio Santos, Faustão recordação nostálgica; é
“coisa moderninha”, pro uma celebração que nos
veniente da pouca valo- ou Gugu Liberato.” faz participar (não fisica-
rização do sacramento... mente, mas sacramental-
Segundo pe. Taborda, é mente, e assim realmen-
muito importante que se saiba que a forma te) do mistério celebrado, ou seja, do misté-
como, até o século IX, se recebia a comu- rio pascal de Cristo. Com Cristo passamos
nhão era na mão, e quem acha que nossas da morte à vida e nos constituímos como o
mãos não são dignas de tocar o sacramento Corpo de Cristo que é a Igreja.
do corpo de Cristo precisa saber que em
nenhuma parte da Escritura há alguma in- Por que celebrar Corpus Christi numa
vectiva contra as mãos, julgando-as perigo- data especial após Pentecostes?
sas ou indignas, mas há uma página fortís- A festa de Corpus Christi surgiu numa
sima da Epístola de São Tiago contra a lín- época em que a maioria dos cristãos já havia
gua (cf. Tg 3,1-12). perdido essa concepção profunda da Euca-
ristia e a entendia quase unicamente como
O que significa a Eucaristia? um rito para fazer Cristo presente no meio
A melhor definição de Eucaristia é – a de nós, como se do contrário ele estivesse
meu ver – “memorial da Páscoa do Senhor”. ausente. Com isso, a festa de Corpus Christi
Quando, na última ceia, Jesus instituiu a se centra na Eucaristia como sacramento da
Eucaristia, concluiu as palavras da institui- presença real de Cristo e deixa em segundo
ção dizendo: “Fazei isto em meu memorial” plano (ou mesmo esquece) seu caráter de
(ou “em memória de mim” – o que vem a memorial do mistério pascal. Por isso se jul-
dar no mesmo). Ora, a última ceia, segundo gou insuficiente comemorar a instituição da
narram os evangelhos sinóticos (Marcos, Eucaristia (sacrifício e ceia memorial) na
Mateus e Lucas), foi uma ceia pascal, em quinta-feira santa, pois lá não aparece em
que o povo judeu fazia o memorial de sua primeiro plano a ideia de presença real. Sig-
libertação do Egito, comendo ritualmente nifica que Corpus Christi é uma “festa de
um cordeiro imolado, o cordeiro pascal. ideia”. Explico: a liturgia comemora, no de-
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Cristo foi apresentado por João Batista como correr do ano litúrgico, a história da salva-
o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do ção, os mistérios da vida de Cristo (e não
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mundo” (Jo 1,29). Ele é o verdadeiro Cor- ideias). As “festas de ideias”, como da San-
deiro pascal. A libertação dos judeus do Egi- tíssima Trindade, do Santíssimo Nome de
to consistiu na passagem do Mar Vermelho. Jesus ou de Maria, da Sagrada Família, são
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Vida Pastoral
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quando já não se compreendia mais a dinâ-
mica histórica da revelação de Deus. Por
isso era preciso encontrar uma data, mas
essa data não tinha lugar na grande estrutu-
ra do ano litúrgico que se baseia na história
da salvação. Daí ter-se recorrido a uma data
que não estivesse tão claramente marcada
pela intervenção de Deus na história huma-
na. Assim recaiu a escolha no que hoje cha-
mamos de “tempo comum” e que, antes da
reforma litúrgica do Vaticano II, se chamava
“tempo depois de Pentecostes”.
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dou a realidade última do pão e do vinho que, Cristo transpareça. Como dizia João Batista: “É
embora do ponto de vista físico-químico con- preciso que ele cresça e eu diminua” (Jo 3,30).
tinuem a ser o que chamamos pão e vinho, do A Constituição sobre a Liturgia continua lem-
ponto de vista metafísico já não o são; agora brando que Cristo está presente na celebração
são corpo e sangue de Cristo. No momento em de cada sacramento, pois, como dizia Santo
que o pão eucaristizado deixa de ser pão (por Agostinho, “quer Pedro batize, quer Judas ba-
exemplo, fica bolorento), já não é mais o corpo tize, é Cristo quem batiza”. Ou seja: o batismo
de Cristo; no momento em que o vinho euca- não vale mais por ter sido administrado pelo
ristizado deixa de ser vinho (por exemplo, aze- primeiro apóstolo, nem vale menos por ter
da), já não é mais o sangue de Cristo. sido administrado pelo traidor, pois eles são
meros ministros; o batismo vale porque, seja lá
O que seria de nossas igrejas e nossa quem for o ministro, é Cristo que batiza. Ora,
vida sem a presença da Eucaristia? se é Cristo que batiza, ele está presente quando
Pode-se dizer que a igreja vive se celebra o sacramento. E isso que é dito do
da Eucaristia? batismo vale para qualquer outro sacramento.
Não sei se a pergunta entende pela palavra O Concílio ainda fala da presença de Cristo na
“igreja” o edifício de tijolos, pedra ou concreto proclamação da Palavra de Deus, da presença
ou se trata da Igreja viva, ou seja, a Igreja que de Cristo na comunidade que celebra sua fé
somos nós, todos os membros do Corpo de com salmos e hinos, na assembleia reunida em
Cristo, a Igreja-Corpo. A igreja-edifício é ape- seu nome (cf. Mt 18,20). Mais tarde, Paulo VI,
nas o espaço onde se reúne a Igreja-Corpo. na encíclica Mysterium fidei, retomou esse ensi-
Agora a Igreja-Corpo não pode existir sem Eu- namento do Concílio e completou-o, lembran-
caristia, pois, se é verdade do a presença de Cristo
que a Igreja é que faz a Eu- “A missa não é hora de quando se exerce a carida-
caristia, é mais verdade de para com o necessitado
ainda que a Eucaristia faz adoração do Santíssimo (cf. Mt 25,40), a presença
a Igreja. Nós nos constitu- Sacramento. Portanto é de Cristo no magistério da
ímos como Igreja pela Eu- Igreja e assim por diante.
caristia. A finalidade da completamente fora de lugar
Eucaristia não é fazer Cris- pôr a hóstia num ostensório Como se apresentam
to presente, como se, do os aspectos litúrgicos
e percorrer a Igreja”.
contrário, não estivesse na Eucaristia? O que
presente na Igreja; é fazer é incorreto?
de nós o Corpo de Cristo. O Concílio, na Entre as muitas coisas que poderiam ser
Constituição sobre a Liturgia, nº 7, diz muito ditas a esse respeito, quero ressaltar uma que
claramente que há vários modos de presença infelizmente é muito comum: confundir-se
de Cristo na liturgia. Cristo está presente subs- missa com show. A missa não é um show, e o
tancialmente nas espécies eucarísticas (ou seja: padre não é um animador de auditório a modo
sob os acidentes do pão e do vinho). Mas está de Sílvio Santos, Faustão ou Gugu Liberato.
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também presente na pessoa do padre que pre- Outro ponto: há muitas vezes uma con-
side, pois a missa não é desse padre ou daque- fusão entre participação ativa e “fazer coisas”.
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le padre (como é comum ouvir dizer); o verda- O Concílio insiste na participação ativa e
deiro celebrante da missa é o próprio Cristo, o consciente dos fiéis, mas a primeira forma de
padre é apenas seu ministro, seu instrumento participação é a participação interna, a con-
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Vida Pastoral
visível, e como tal deve “desaparecer” para que sonância entre gestos/palavras e o que vai no
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coração. Como dizia São Bento, “que a men- Cristo morreu e ressuscitou), mas é tomar
te, o coração concorde com a palavra, com a parte naquilo que cremos, tornar concreto em
voz” (mens concordet voci). O Concílio repete nossa vida o mistério da fé (fundamentalmen-
muitas vezes que se observem momentos de te, a morte e a ressurreição de Cristo).
“silêncio sagrado” na liturgia, justamente Todos os sacramentos nos propiciam parti-
para que se assimile interiormente o que se cipar do mistério pascal de Cristo sob determi-
está realizando exteriormente. E o que se vê nado ponto de vista. Por exemplo: pelo sacra-
com frequência é uma barulheira (pense-se mento da penitência ou reconciliação partici-
na bateria, tão fora de lugar na liturgia), uma pamos do mistério pascal de Cristo enquanto
balbúrdia que não permite penetrar no senti- ele operou, de uma vez por todas, a remissão
do do mistério e faz com que se saia da cele- dos pecados. Mas a Eucaristia nos faz partici-
bração tão vazio como se entrou. par do próprio mistério pascal, enquanto nela
Outro aspecto que gostaria de ressaltar é se atualiza nossa participação na entrega de
que o Concílio quis que a liturgia romana Cristo ao Pai, em que consiste o mistério de
voltasse a ter a simplicidade das origens, sem Cristo. Dito de outra forma: todos os sacra-
os penduricalhos que lhe haviam sido acres- mentos têm relação com o fato de que ser cris-
centados no decorrer dos séculos. Acontece tão é ser membro do Corpo de Cristo. Por
frequentemente que se acrescentem penduri- exemplo: pelo batismo passamos a ser mem-
calhos piores que os anteriores, porque tira- bros do Corpo de Cristo; pela reconciliação,
dos da cabeça de pessoas sem formação teo- voltamos a ser membros vivos do Corpo de
lógica ou litúrgica mais profunda, e isso tor- Cristo, para o qual havíamos morrido pelo pe-
na a missa insuportavelmente longa e banal, cado. Mas, pela Eucaristia, crescemos cada dia
sem acrescentar nada que ajude a penetrar o como Corpo de Cristo. É como o ser humano:
mistério que se celebra. a criança, ao nascer, já é um corpo humano,
Ainda mais um aspecto: a missa não é mas precisa crescer e, para isso, necessita de
hora de adoração do Santíssimo Sacramen- alimento, e, se por acaso adoecer, precisa de
to. Portanto, é completamente fora de lugar remédio. O batismo é nosso nascimento; a Eu-
pôr a hóstia num ostensório e percorrer a caristia é alimento que nos permite crescer
Igreja. A missa é o momento de adorarmos como Corpo de Cristo; a reconciliação é o re-
o Pai por meio de Cristo na força do Espírito médio que nos faz viver de novo, quando mor-
Santo. O que deve estar na mira é o Pai; remos pelo pecado.
Cristo é o mediador, no Espírito Santo.
De que forma os cristãos devem
O Concílio diz que o sacramento da receber esse sacramento?
Eucaristia é a síntese e o cume para Nesse ponto vale o que São Paulo diz,
onde tendem todos os sacramentos. quando recomenda que cada um se examine
Por quê? antes de receber o corpo e o sangue de Cris-
O centro de nossa fé é o mistério pascal de to para discernir se está vivendo de acordo
Cristo, sua morte e ressurreição. Ora, a Euca- com a fé, se está buscando seguir a Cristo
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ristia é o memorial dessa Páscoa de Cristo, o em sua vida de cada dia (cf. 1Cor 11,28s).
sacramento que nos faz participar desse mo- Mas também se levanta hoje, muitas ve-
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mento culminante de toda a história da salva- zes, a questão da comunhão na mão. Parece
ção. Ela é, portanto, a síntese da fé, já que a fé que há muita gente pensando que receber a
não é só tomar conhecimento de algo que, do comunhão na mão é coisa moderninha, in-
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Vida Pastoral
contrário, não se saberia (por exemplo, de que venção proveniente da falta de fé na presença
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real de Cristo na Eucaristia. Por isso, é muito mais óbvio que há. Cristo não disse: “To-
importante que se saiba que a forma como, até mem e comam, mas não bebam”; disse: “To-
o século IX, se recebia a comunhão era na mem e comam; tomem e bebam”. Logo, te-
mão. São Cirilo de Jerusalém, que viveu no mos de comer e beber.
fim do século IV, em suas catequeses mistagó-
gicas, ensina a comungar da seguinte maneira: Qual é o sentido da presença
“Ao te aproximares, não vás com as palmas de Cristo na Eucaristia?
das mãos rígidas, nem com os dedos separados; Cristo está presente na Eucaristia sob as es-
mas faze da mão esquerda um trono para a di- pécies de pão e de vinho. Ora, pão e vinho são
reita, como quem está por receber o Rei, e no alimentos. Logo, o sentido da presença de Cristo
côncavo da mão espalma- na Eucaristia é que nós nos
da, recebe o corpo de Cris- “É muito importante que alimentemos dele. A adora-
to, respondendo: Amém”. ção ao Santíssimo Sacra-
Esse texto de São Cirilo foi se saiba que a forma como, mento não é a finalidade e
o que convenceu Paulo VI até o séc. IX, se recebia o sentido primeiro da Eu-
a readmitir o uso da co- caristia, mas um sentido
a comunhão era na mão.
munhão na mão. derivado: já que Cristo está
Muitos argumentam Portanto, não se trata de presente, pode-se adorá-lo.
que nossas mãos não são coisa moderninha, como Mas Jesus não disse, ao ins-
dignas de tocar o sacra- tituir a Eucaristia: “tomem
mento do corpo de Cristo. alguns imaginam.” e contemplem” ou “tomem
Bem, se as mãos não são e adorem”, mas “tomem e
dignas, menos digna ainda é a língua. Em ne- comam”, “tomem e bebam”. A exposição do
nhuma parte da Escritura há alguma invectiva Santíssimo Sacramento para que seja adorado
contra as mãos, julgando-as perigosas ou in- tem a mesma finalidade que, numa padaria, pôr
dignas, mas há uma página fortíssima da Epís- os pães na vitrine: é para despertar o desejo de
tola de São Tiago contra a língua (cf. Tg 3,1- comer aqueles pães tão apetitosos. Assim tam-
12). Ele chega a escrever que a língua “está bém a exposição do Santíssimo é para que des-
entre nossos membros contaminando o corpo perte em nós o desejo de participarmos da cele-
todo e pondo em chamas a roda da vida, sen- bração da Eucaristia, que é o fundamental; a
do ela mesma inflamada pelo inferno” (v. 6). E adoração é secundária como decorrência da pre-
continua mais adiante: “A língua, nenhum ser sença real e substancial de Cristo sob os aciden-
humano consegue domá-la: ela é um mal que tes do pão e do vinho. Por isso o Concílio insis-
não desiste e está cheia de veneno mortífero” tiu na celebração, enquanto anteriormente ao
(v. 8). Se nossas mãos não são dignas de rece- Concílio aparentemente se considerava como
ber o corpo de Cristo, menos ainda nossa lín- mais importante a adoração. Em decorrência
gua! Então não devíamos comungar! Então disso, no imediato pós-Concílio, muito correta-
Jesus não devia ter-nos dado seu corpo como mente, decresceu a prática da adoração e bênção
alimento! Se, pois, podemos pôr o pão euca- do Santíssimo. Posteriormente, algumas pessoas
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ristizado em nossa língua, com muito mais começaram a pensar que essa diminuição dos
razão podemos pô-lo em nossa mão. momentos de adoração significava negação da
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Evangelizar a juventude
Eduardo Calandro e Jordélio Siles Ledo
E-mail: educalandro@ig.com.br.
não é possível ser oferecido, bem como
desacreditar em suas potencialidades.
•
Caetano do Sul – SP; mestrando em Teologia Pastoral Desejamos pensar quais são os melho-
pela PUC-SP; especialista em Pedagogia catequética;
professor do curso de Pedagogia Catequética na
res caminhos para a nossa ação evangeli-
•
PUC-GO e UNISAL, IESMA em São Luis – MA. zadora com a juventude. É um grande de-
Vida Pastoral
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juventude, mas, ao mesmo tempo, com- paldo, não se tem o que oferecer a eles, e
preender para além do período marcado há centenas de jovens que nem atentos
por mudanças físicas, cognitivas ou afeti- para isso estão.
vas. Queremos pensar na juventude como Precisamos rever nossa “catequese de
fase em que se afirmam suas escolhas, crisma”, que deveria ser catequese com ju-
suas aptidões, suas experiências e, acima ventude, ou jovens, que não deveria focar
de tudo, sua necessidade de encontro com apenas no sacramento, mas ajudar os jo-
Deus. A evangelização deverá ser conside- vens a enriquecer sua experiência de vida e
rada como a ação fundamental e prioritá- construir sentido para ela em interação
ria para que o jovem adquira boa identi- com a fé cristã. Para isso é necessário aco-
dade cristã e se envolva na edificação do lhermos e estarmos atentos às característi-
reino de Deus. cas e necessidades dos jovens e não apenas
Sensíveis ao tema da Campanha da a transmitir conteúdo e doutrina.
Fraternidade e à realização da Jornada
Mundial da Juventude no Brasil, e aprovei-
1. Juventude e relações interpessoais
tando essa ocasião, precisamos refletir so-
bre a realidade e os desafios da evangeliza- A juventude é o momento em que os
ção da juventude, movidos pelo espírito de olhares, a atenção e as energias se voltam
um evento tão impor- para o outro. Os jovens
tante pela sua grandeza descobrem e usufruem
e pela força de trazer “O jovem tem sede de a fraternidade do seu
para os vários segmen- amar gratuitamente, com universo jovem. Acaba-
tos juvenis a possibilida- rão por descobrir que
de de rever estruturas e
um amor novo, que nada todo ser humano vive
criar itinerários que fa- deve a ninguém, escolhido em busca de um senti-
voreçam a formação hu- do, que por trás das
livremente.”
mano-cristã. máscaras sociais há co-
Infelizmente, a rea- rações palpitantes. Em
lidade nos mostra que muitas situações, a vida
muitos jovens são interessados pela co- que lhes parece um drama.
munidade cristã quando se trata do sa- Surpreender-se, comover-se, transtor-
cramento da crisma, e logo após receber nar-se à ideia de que há um outro também.
o sacramento deixam a comunidade de O universo interior, vibrar ao sentimento
fé, ou participam esporadicamente da de “você semelhante a mim”. Isso só é pos-
celebração da Eucaristia. É urgente pen- sível quando, pelo menos, começa-se a ex-
sarmos em algo que seja mais contínuo plorar esse universo. Pressente-se, então,
para a participação dos jovens na vida que esse universo pode se expandir na
eclesial. Nas realidades que temos assis- construção de intimidade recíproca com
tido, nas comunidades por onde temos outros. Nasce, desse modo, uma verdadei-
nº- 291
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o que é posto em comum são as próprias
pessoas que se amam por elas mesmas. O
romantismo pôs em relevo essa fase indis-
tinta do amor jovem. Por exemplo, já en-
contramos um jovem que se apaixonou de
tal modo por uma atendente que gastou
todo o seu salário para lhe comprar um
presente. Para muitos, isso é motivo de
riso, mas para o universo do jovem isso é
importante e significativo.
Na fase da juventude, as relações inter-
pessoais se intensificam, sinal de maturida-
de. É o momento de abertura ao outro,
convivência com o diferente, sensibilidade.
Por isso precisamos pensar em uma evan-
gelização que saiba lidar com a afetividade
efervescente que esse jovem vive em sua
vida; do contrário, não estaremos anun- 256 págs.
ciando a mensagem ao seu coração.
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ano 54
11
O meio social e a sociedade são fatores contemporâneo, tem forte penetração no
que contribuem para a formação da sexu- meio dos jovens e levanta questões im-
alidade, pois são eles que, muitas vezes, portantes referentes à metodologia de tra-
apresentam os padrões de comportamen- balho pastoral” (Estudos da CNBB, 85,
tos humanos. Algumas pessoas podem ser Evangelização da juventude, n. 24-25). Há
altamente sensíveis aos sofrimentos dos necessidade de levar em conta os dois en-
outros, pois foram criadas em um clima foques da cultura contemporânea e man-
de ternura e compaixão. Outras, porém, ter um equilíbrio entre os dois polos: o
tornaram-se pessoas altamente insensíveis racional e o emocional. Emoções, senti-
à dor do outro, pois o seu convívio com as mentos e imaginação precisam ser inte-
pessoas que as cercavam era de frieza. grados em uma metodologia que tenha
A evangelização com jovens deve ser objetivos claros. Ao mesmo tempo, a ra-
feita de momentos de interação que possi- zão deve deixar espaço para as emoções e
bilitem o encontro com os outros, a partir a imaginação.
da vivência da fé na vida em comunidade, Ao mesmo tempo que têm fortes va-
e que os ajudem a fazer a experiência do riações de emoções, os jovens têm uma
Deus de Jesus Cristo. A evangelização grande facilidade para discutir, opinar so-
com os jovens não pode simplesmente ne- bre o papel do Estado ou sobre as diversas
gar a sexualidade ou criar barreiras com ideologias políticas, mas têm uma enorme
uma série de moralismos, mas dialogar dificuldade, em alguns momentos, de fa-
com os jovens, mostrar que a sexualidade lar sobre si mesmos, das suas dificuldades
também é criação de Deus e que pode ser com os pais, das suas inconstâncias emo-
melhor vivida à luz da fé. Não passar por cionais, das suas tristezas. No seio da co-
cima das questões relativas à sexualidade, munidade cristã, é preciso criar espaços
mas abordar com aquilo que a fé cristã de confiança para essa abertura e para o
pode oferecer para ajudar os jovens a apoio mútuo. A mensagem do Evangelho
aprimorar e a amadurecer sua sexualida- precisa ser apresentada como resposta às
de; não simplesmente com moralismos e dimensões da vida do jovem. A formação
interditos, mas como um caminho para deve ser integral, isto é, considerar as di-
maior felicidade ao esclarecer o uso mer- versas dimensões da pessoa humana e os
cadológico que é feito da exacerbação do processos grupais.
sexo e as consequências disso na vida. Na adolescência e juventude, a emo-
ção está muito presente, pois a sua aber-
tura para a relação com o outro é imbuí-
3. Juventude e vida afetiva
da a todo o momento de emoções. O tra-
Devemos oferecer nosso apoio afetivo ço dominante da afetividade da juventu-
e emocional ao jovem, que vive um mo- de é sua vivacidade. O que inclui, pelo
mento profundo de transformações. menos, três caracteres: fácil agitação, o
Vivemos na época do sentimentalismo seu ardor e a sua profundidade. Nervos
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que polarizam a vida psíquica em dire- Igreja, a ser cidadão. “Desse modo, in-
ção ao objeto. As paixões dos adolescen- cluir os jovens na Igreja, hoje, significa
tes e jovens valem enquanto duram. Des- olhar para as múltiplas dimensões nas
sa hiperemotividade, ligada à idade, e quais eles estão inseridos, para, a partir
por vezes reforçada pela constituição, a daí, tratá-los como sujeitos com necessi-
ambiência e o regime de vida, decorre a dades, potencialidades e demandas sin-
instabilidade, a mobilidade de seus esta- gulares em relação às outras faixas etárias.
dos da alma. O aspecto espiritual do sen- A juventude requer estrutura adequada
timento pode ganhar mais peso, mais para seu desenvolvimento integral, para
consistência do que terá muitas vezes no suas buscas, para a construção de seu
decorrer da idade adulta. projeto de vida e sua inserção na vida
A compreensão dessas características profissional, social, religiosa etc.” (Estu-
é, sem dúvida, funda- dos da CNBB, 85,
mental, pois o jovem Evangelização da ju-
necessita se sentir num “A evangelização com ventude, n. 27).
ambiente amigável e os jovens não pode O jovem, hoje, en-
confiável para agir de contra dificuldade na
forma natural, espontâ-
simplesmente negar busca de sua identida-
nea e sensata. Essa rela- a sexualidade ou criar de, na qual se inclui a
ção de amizade só fun- identidade ocupacio-
barreiras com uma série
ciona se for recíproca. nal. Em geral, a fase da
Apesar de não haver de moralismos.” juventude é caracteriza-
uma receita pronta, da por pelo menos al-
cabe a nós, que nos gum questionamento
propomos trabalhar com eles, a tarefa de dos temas básicos e um reexame dos valo-
ajudar mostrando o valor do respeito, da res, atitudes e crenças. Em parte, essas ex-
liberdade, da confiança, da vida em co- plorações são possíveis graças ao desen-
munidade, da vida de fé, lembrando que volvimento intelectual desse estágio; em
o melhor exemplo deve ser a própria con- parte, resultam também da maturação se-
duta do agente evangelizador. xual, que traz muitas inquietações sobre a
própria identidade e valores.
O que estou sentindo? Por que estou
4. Projeto de vida e escolhas
me sentindo assim? Como serei quando
Sabemos que é na fase da adolescência me tornar adulto ou idoso? As questões
e da juventude que se faz a escolha profis- emocionais associam-se como uma espécie
sional, vocacional e elabora-se um projeto de intransigência que conduz à expressão
de vida. Vale lembrar das dificuldades que de sentimento, tais como: “ninguém se
se enfrentam para tais escolhas. É a partir sentiu assim antes”, “ninguém na verdade
da convivência com o outro, dentro do me compreende”, “eu sei o que eu quero e
nº- 291
meio social, que os jovens farão suas esco- para onde vou”, “deixe-me sozinho, eu es-
lhas de vida. tou bem”. O jovem tende a agir nessas
•
ano 54
vida, a ser pessoa, a ser cristão, a ser exatidão de suas opções. Algumas vezes é
13
difícil estabelecer uma comunicação efi-
5. Catequese para a educação da fé
ciente com eles e até mesmo a convivência.
Diante dessa realidade, o jovem pesquisa, Com uma juventude que é muito itine-
indaga, conhece novos mundos, novas rea- rante, como pensar a educação da fé para
lidades sociais que apresentam a ele um os dias de hoje? Sabemos que isso é um
turbilhão de possibilidades dentro da di- desafio, pois a fé pressupõe compromissos
mensão vocacional profissional. permanentes, a fé pressupõe coerência
O grande número de profissões exis- com a vida, a fé requer adesão ao segui-
tentes, as dificuldades de mercado de tra- mento de Jesus fundado na vida eclesial.
balho, o momento em que esse jovem Como fazer isso se temos a maioria dos jo-
vive, a formação da sua sexualidade, suas vens afastados da vida eclesial? É realmente
experiências afetivas, a pressão e a expec- uma missão que nós, homens e mulheres
tativa familiar, as exigências do grupo de preocupados com a evangelização dos jo-
iguais colocam dificuldades no caminho vens, temos que enfrentar e assumir, fazer
desse jovem no momento de escolha vo- com que nossa prática seja atraente, que
cacional e profissional. viver com Jesus Cristo seja compromisso
Recentemente, pesquisas realizadas pe- assumido em prol de uma causa.
las universidades brasi- A maioria dos jo-
leiras constataram que a vens considera-se católi-
principal causa do aban- “Ajudar os jovens a rever ca, embora seja uma
dono do curso é a esco- o seu conceito de Deus porcentagem em declí-
lha errada da profissão. nio. Essa autodenomi-
Por isso, afirmamos a e de religião, por meio nação não significa a ce-
necessidade de orienta- de uma boa atualização lebração habitual da Eu-
ção vocacional e profis- caristia dominical, nem
catequética e de um bom
sional para os jovens sua identificação com a
com o intuito de ajudá- aprofundamento bíblico.” Igreja, nem a influência
-los em suas escolhas, da religião em sua vida
levando ao exercício de cotidiana. Podemos di-
tomada de decisão, pois zer que os jovens atuais
é algo essencial à pessoa, numa dimensão não se caracterizam pela indiferença ante
constitutiva e qualificadora da própria vida. a religião, mas se encontram imersos em
A experiência do processo de escolha e da novo itinerário religioso, pelo qual eles
elaboração do projeto de vida chega a ser mesmos constroem seu próprio universo
vital para a formação da personalidade do religioso à margem da referência eclesial.
jovem. É a chamada religião ao gosto (Dicionário
Nossa missão como Igreja é ajudá-los de Catequética, p. 643). Por outro lado,
no discernimento vocacional e profissio- vemos alguns jovens inseridos em movi-
nal, na elaboração do seu projeto de vida. mentos radicais, dentro e fora da Igreja, e
nº- 291
Dentro de uma perspectiva cristã, ajudá- isso prova a necessidade que nossa juven-
-los a tomar consciência de que Deus tem tude tem de referencial.
•
ano 54
um plano para cada pessoa, ou seja, Deus Os jovens de hoje vivem com urgência
chama para uma missão específica na a busca de sentido que dê respostas às
Igreja e para a construção do Reino e, as- questões fundamentais do ser humano.
•
Vida Pastoral
sim, para assumir seu papel na sociedade. Essa busca, e sua abertura experiencial ao
14
religioso, são duas perspectivas que deve- cela da juventude que atua na vida da Igre-
rão ser tidas em conta na catequese, já que ja, embora apresente algumas discordân-
potenciam o caráter pessoal e personaliza- cias com relação à sua ação, e essa partici-
dor que deve ter o ato de fé, sem menos- pação é mais eventual do que efetiva. E
prezo dos componentes racionais e insti- temos jovens que participam efetivamente
tucionais da mesma fé. da vida da comunidade e consideram isso
Esse tempo é marcado por uma mu- de suma importância para a vida, como
dança de época, com relação à prática re- algo que dá sentido à vida, mas isso tam-
ligiosa. Somos a todo o momento expos- bém não os impede de serem questiona-
tos a muitas religiões, vindas com inú- dores com relação à Igreja.
meros convites e ofertas de milagres má- A fé não se compra no supermercado,
gicos, com hora marcada. São inúmeras fé é processo, é dom destinado a crescer,
as propostas de um Deus milagreiro, es- fé é compromisso. Quando olhamos para
quecendo do Deus de Jesus Cristo. A a Sagrada Escritura, ela afirma que o justo
mensagem bíblica é encontrada pelos jo- sabe que quem o sustenta é a fé. O sábio
vens nos meios de comunicação e no co- entende que não é possível viver sem a fé.
mércio. Os jovens, mais do que os adul- A pessoa simples não faz interrogação so-
tos, estão diretamente orientados para bre a fé, vive-a do seu modo simples... En-
uma religiosidade que busca adequar-se tretanto, vivemos na sociedade da mais-
à realidade pós-moderna. -valia, a pessoa vale pela produção, por
Diante dessa realidade de desafios e aquilo que se pode oferecer, ou por aquilo
desencontros, vemos ainda em nossas co- que possui. O mercado é interesseiro e
munidades alguns jovens que sentem ne- não se preocupa com a fé, mas, sim, com
cessidade de contato mais íntimo com o lucro, o quanto se vai ganhar, quanto
Deus e com o outro. Ainda percebemos a proveito se tira disso ou daquilo.
grande necessidade que o jovem e a jovem A catequese como educação da fé deve
têm de Deus em sua vida, e isso eles po- levar tudo isso em consideração e procu-
dem encontrar na prática da religião, mes- rar desenvolver-se de maneira integral,
mo tendo algumas objeções com relação à dentro de uma pedagogia de caráter pro-
Igreja instituição: cessual e dinâmica que valorize as dimen-
sões da relação do jovem consigo mesmo,
Constatamos que a imagem que muitos
a relação com o grupo de catequese, com
deles têm da Igreja é de algo ultrapassa-
a sociedade, com Deus e com a Igreja, ou
do, burocrático, e que fala uma lingua-
seja, uma catequese que conduza ao en-
gem que não se conecta com sua vida.
contro transformador.
Frequentemente compreendem-na ape-
nas como instituição e não como a comu-
nidade dos seguidores de Jesus (cf. Estu- 6. Catequese para o seguimento
dos da CNBB, 85, Evangelização da juven- de Jesus Cristo
nº- 291
tude, n. 67).
Pelo marcante significado e pelos ris-
Algumas atitudes entre os jovens são cos a que estão expostos nessa fase da
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ano 54
comuns, pois alguns consideram a religião vida, os jovens são interlocutores que me-
algo importante, mas que cada um deve recem uma atenção especial da catequese.
No coração da catequese com os jovens
•
que se sinta melhor. Há também uma par- está a proposta explícita do seguimento
15
do Cristo. É uma proposta que faz deles um caminho a percorrer e construir. A cate-
interlocutores, sujeitos ativos, protagonis- quese deve ajudar o jovem a relacionar sua
tas da evangelização, envolvidos na cons- fé cristã com sua experiência existencial,
trução de uma nova sociedade para todos com sua vida concreta, e a assumir compro-
(cf. DNC, n. 189-193). missos permanentes.
Nossa missão de catequistas é ajudar Com criatividade pastoral, é impor-
os jovens a compreender melhor o cha- tante apresentar e testemunhar Jesus Cris-
mado para seguir Jesus Cristo. Ajudá-los a to dentro do contexto em que o jovem
rever o seu conceito de Deus e de religião, vive hoje. E como resposta às suas angús-
por meio de uma boa atualização catequé- tias e aspirações mais profundas, “deve-
tica e de um bom aprofundamento bíbli- mos apresentar Jesus de Nazaré comparti-
co. Essa revisão e atualização se fazem lhando a vida, as esperanças e as angústias
ainda mais necessárias nos grupos que do seu povo”. Um Jesus que caminha com
possuem jovens vindos de outras igrejas o jovem, como caminhava com os discí-
cristãs ou católicos que viviam afastados pulos de Emaús, escutando, dialogando e
da comunidade. orientando (Estudos da CNBB, 85, Evan-
É na experiência de Jesus que se educa gelização da juventude, n. 54).
a fé. Para isso, é importante destacar al- A catequese com jovens deve ajudar
guns elementos a serem trabalhados para cada um a perceber que seguir a Jesus é
uma consciência mais clara do verdadeiro estar disposto a viver de um jeito novo,
sentido do chamado a ser cristão. abraçando sua missão; iluminando seu
O primeiro passo para se ter um encon- projeto de vida com o projeto do Reino;
tro é o OLHAR. “Vem e vê” (Jo 1,46); “Cha- construindo novas relações com as pes-
mou a si os que ele queria (...) para que ficas- soas; assumindo com liberdade e fideli-
sem com ele” (Mc 3,1.3-14). É bom lembrar dade os anseios humanos que se revelam
aos catequistas que ninguém pode seguir Je- na juventude.
sus Cristo sem ter uma profunda experiência
de vida com ele. Por isso, a catequese com
7. Catequese para inserção na Igreja
jovens deve incentivar a importância da ora-
e na sociedade
ção, através da leitura orante da Palavra de
Deus, da celebração dos sacramentos e da A formação do discípulo acontece na
vivência dos valores do Evangelho. vida de comunidade, onde se experimen-
A catequese com jovens deve ser ques- ta o mandamento novo do amor recípro-
tionadora. Para seguir Jesus é preciso dei- co, que suscita um ambiente de alegria,
xar-se questionar por ele: “Se queres (...) de amizade, de carinho, de acolhida e de
vem e segue-me” (Mt 19,21). Os catequis- respeito. O encontro com Cristo, presen-
tas devem compreender que isso não é teo- te entre aqueles que se reúnem em seu
ria, não basta fazer o jovem sentir-se bem nome (cf. Mt 18,20), no amor, trará con-
na experiência pessoal com Jesus Cristo e sequências e deixará marcas indeléveis
nº- 291
nhor?” (At 22,10). O seguimento a Jesus é assim formados atrairão os que vierem
16
de fora (Estudos da CNBB, 85, Evangeli-
zação da juventude, n. 61).
A catequese deve, em seu itinerário
pedagógico, motivar o jovem para a inser-
ção na comunidade cristã. É preciso aju-
dar os jovens a compreender que não se
pode seguir Jesus Cristo de forma isolada,
egoísta, mas que o seguimento só se reali-
za plenamente quando estamos na comu-
nidade. Tomé só conseguiu crer na ressur-
reição de Cristo quando voltou para a co-
munidade (cf. Jo 20,24-28).
Em nossa Igreja, há uma presença sig-
nificativa de jovens em vários setores da
vida eclesial: nas comunidades eclesiais de
base e nas paróquias; participando das
equipes de liturgia e de canto; atuando
como catequistas e em diversas pastorais, 224 págs.
paulus.com.br
ano 54
17
acolher o jeito de ser jovem, rompendo A catequese bem feita ajuda os jovens a
preconceitos e assumindo o seu papel de sentirem-se incomodados, inquietos com a
educadora, pois toda a comunidade é ca- realidade social que os cerca, cheia de in-
tequizadora, como nos afirma Puebla. É justiças, discriminações e atentados à vida,
preciso, em nossa catequese, ajudar os jo- e, a partir disso, leva-os a uma atitude de
vens a fazer a experiência prazerosa de solidariedade, de compaixão ativa e de
pertencer à comunidade cristã. compromisso com o bem, com a verdade,
A consequência da inserção e da expe- a justiça e a vida como fez Jesus.
riência na comunidade cristã faz com que o A educação da fé que aponta para o
jovem assuma o compromisso com a trans- compromisso com a transformação da
formação do mundo, da sociedade huma- sociedade conduzirá o jovem para a rea-
na a partir dos valores do Evangelho. Não lização do seu “ser jovem”, como agente
se pode ser cristão apenas dentro da Igreja, transformador e protagonista dentro de
uma vez que o convite de Jesus é: “Vão pelo uma sociedade que nem sempre o aco-
mundo inteiro e anunciem a Boa Notícia lhe. Com isso, a catequese estará cum-
para toda a humanidade” (Mc 16,15). Inse- prindo o seu papel de unir fé e vida, for-
rido na sociedade, o jovem é chamado a ser mando cidadãos do Reino, discípulos
sal e luz: “Vocês são o sal da terra (...) Vocês jovens que sejam apaixonados e seguido-
são a luz do mundo” (Mt 5,13-14). res de Jesus.
Bibliografia
ITOZ, S. Adolescência e sexualidade: Para eles e para nós. São Paulo: Paulinas, 1999.
•
18
Ensino Religioso e catequese:
um diálogo possível
Robson Stigar
Robson Stigar, mestre em Ciências da Religião; licenciado se contrapõem. A questão está no enfoque
em Ciências Religiosas e em Filosofia; bacharel em Teologia;
especializado em Ensino Religioso, em Psicopedagogia e em
sobre o objeto: o Ensino Religioso visa a edu-
cação da religiosidade, e a catequese, a edu-
•
Catequética.
Vida Pastoral
19
do-se no que é próprio da sua religião, com o ra da Igreja, num discurso do papa João Pau-
objetivo de desenvolver a formação na fé. lo II aos Sacerdotes de Roma. A CNBB, no
documento Catequese renovada, orientações e
conteúdo (1983), traz uma breve citação desse
1. Desafios
discurso, em que se afirma que o Ensino Re-
Um grande desafio atual tanto do Ensino ligioso deve “caracterizar-se pela sua referên-
Religioso como da catequese é buscar uma cia aos objetivos e critérios próprios da estru-
identidade própria. A CNBB apresenta no Dire- tura escolar”, e acrescenta que o Ensino Reli-
tório Geral de Catequese1 (2006) que o Ensino gioso nas escolas é distinto da catequese que
Religioso é, e deve ser, distinto de catequese. é dada na comunidade paroquial.
Segundo o FONAPER (2000), o Ensino
A situação do HER é distinta nos vários Es-
Religioso é atualmente “previsto, possível e
tados: de caráter antropológico (cultura reli-
necessário” e está situado em um novo para-
giosa), ecumênico, inter-religioso e confes-
digma, “[...] no contexto dos propósitos edu-
sional. João Paulo II, falando às Conferên-
cacionais que marcaram o início do novo mi-
cias Episcopais da Euro-
lênio”. “Por fim, há
pa, afirma que os alunos
aqueles que acreditam
“têm o direito de apren- “A questão das diferenças e reconhecem o valor
der, de modo verdadeiro
e com certeza, a religião à culturais e religiosas está do Ensino Religioso” e
postulam sua inclusão
qual pertencem. Não cada vez mais presente na
não só no Ensino Fun-
pode ser desatendido
esse seu direito a conhe-
escola e está implícita no damental, como tam-
bém em todo o ensino
cer mais profundamente processo educativo.”
básico, desde a educa-
a pessoa de Cristo e a to-
ção infantil (FONA-
talidade do anúncio sal-
PER, 2000, p. 8-9).
vífico que Ele trouxe. O caráter confessional
Outro desafio é a questão do proselitismo
do Ensino Religioso escolar, realizado pela
religioso. Devemos ter clara a questão da diver-
Igreja segundo modos e formas estabeleci-
sidade religiosa, bem como a questão da liber-
das em cada país, é, portanto, uma garantia
dade religiosa. A questão das diferenças cultu-
indispensável oferecida às famílias e aos alu-
rais e religiosas está cada vez mais presente na
nos que escolhem tal ensino” (DGC 74). As
escola e está implícita no processo educativo.
dioceses empenhem-se na formação de pro-
A discussão sobre a diferença evoca dois
fissionais para o exercício do Ensino Religio-
conceitos: o da inclusão e o da exclusão na esco-
so escolar (DGC, 2006, p. 23).
la. Esses dois movimentos na pesquisa educa-
A distinção entre catequese e Ensino Re- cional brasileira mostram que considerar as di-
ligioso aparece, pela primeira vez, na literatu- ferenças pode fazer a diferença para muitas pes-
soas, porque pode significar inclusão e exclusão.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais fa-
nº- 291
20
a escola deve ser local de aprendizagem de pelas constituições estaduais.
que as regras do espaço público democráti- Segundo Brandenburg (2004), o Ensino
co garantem a igualdade, do ponto de vista Religioso é:
da cidadania, e ao mesmo tempo a diversi-
Um campo mediador da questão religiosa,
dade, como direito. O trabalho com a Plu-
da espiritualidade ou do saber religioso.
ralidade Cultural se dá, assim, a cada ins-
Funciona como interlocutor entre o ele-
tante, proporcionando que a escola coope-
mento religioso presente na realidade so-
re na formação e consolidação de uma cul-
cial e a realidade pedagógica própria da
tura da paz, baseada na tolerância, no res-
escola. [...] Ensino Religioso escolar – con-
peito aos direitos humanos universais, e da
fluência da realidade pedagógica com a
cidadania, compartilhada por todos os
religiosa (BRANDENBURG, 2004, p. 58).
brasileiros. Esse aprendizado exige, sobre-
tudo, a vivência desses princípios democrá- O que prejudica a compreensão do Ensino
ticos no interior de cada escola, no trabalho Religioso como disciplina é a falta de conheci-
cotidiano de buscar a superação de todo e mento, por parte da sociedade em geral, da
qualquer tipo de discriminação e exclusão nova lei. Carecemos da organização de um
social, valorizando cada indivíduo e todos bom currículo e de profissionais qualificados
os grupos que compõem a sociedade brasi- para assumir a disciplina de Ensino Religioso.
leira (PCNER, 1998, p. 98). Há, também, aqueles que não conside-
ram importante que a disciplina de Ensino
Assim, justifica-se a importância de a Religioso faça parte do currículo escolar,
igualdade e o respeito às diferenças estarem achando-a desnecessária. Aqueles que não
presentes na escola. Se esses dois conceitos percebem a importância do Ensino Religioso
estiverem inseridos no processo educativo, na escola pensam que o educando deveria es-
estará garantida a inclusão de todos, bem tar dando mais atenção para as disciplinas
como uma maior abertura para o diálogo. tradicionais do currículo.
A respeito da concepção do Ensino Reli- Ainda existem aqueles setores da socie-
gioso, está claro o que se entende por “ensi- dade e educadores que veem a religião como
no”, os problemas aparecem a partir do ter- algo desnecessário à formação da pessoa e
mo “religioso”, ou seja, a concepção de edu- acreditam que ela é prejudicial a essa forma-
cação não é o problema e sim a concepção de ção. Para justificar essa afirmação, as pessoas
religiosidade. descrentes da função da religião questionam-
Devemos ter clara a questão da interdis- -se: não estaria voltando, com o Ensino Reli-
ciplinaridade, que deve existir, sim, mas o gioso, o espírito de intolerância de imposição
Ensino Religioso jamais poderá ser substituí- dogmática que imperava em estados teocráti-
do por conteúdos interdisciplinares, como cos e que caracterizava grupos religiosos fun-
vem sendo proposto. damentalistas? Não fica arranhada a salutar
O Ensino Religioso deve estar inserido no separação entre Igreja e Estado?
currículo escolar juntamente com as 10 áreas
nº- 291
da catequese
ano 54
tido nas escolas pela Constituição Federal e importância da disciplina de Ensino Religio-
21
so, bem como os seus objetivos e delibera- Compreende-se que o conhecimento reli-
ções legais. Segundo Junqueira & Cardoso gioso é um patrimônio da humanidade e que,
(2008), o termo Ensino Religioso permanece legalmente, institui-se na escola, pressupondo
como tal desde a colonização do Brasil, po- promover aos educandos oportunidade de se
rém é necessário distinguir que houve mu- tornarem capazes de entender os movimentos
danças nesse componente curricular, o que, específicos das diversas culturas, sendo o
por sua vez, não ocorre com tanto sucesso. substantivo “religioso” um forte elemento de
colaboração com a constituição do cidadão
Desde o período da monarquia brasileira
multiculturalista. Isso significa que requer ain-
nos currículos das escolas foi inserida a
da o entendimento e a reflexão no espaço es-
disciplina do Ensino Religioso. O projeto
colar diante do reconhecimento da justiça e
do Deputado geral Rui Barbosa (1882-
dos direitos de igualdade civil, social, cultural,
1883) foi orientado que seria ensinado
político e econômico, bem como a valorização
pelos ministros de culto no prédio da es-
da diversidade daquilo que distingue os dife-
cola, depois do horário normal, o ensino
rentes componentes culturais de elaboração
religioso para as crianças que os pais soli-
histórico-cultural brasileira.
citassem, podendo ocorrer essas aulas até
três vezes por semana. Mais tarde, uma Por esse motivo que, para viver democra-
longa discussão surgirá polemizando so- ticamente em uma sociedade multicultu-
bre continuar ou não esta disciplina no ral, como a brasileira, é preciso conhecer
espaço escolar (JUNQUEIRA, 2002). e respeitar as diferentes culturas e grupos
Na Assembleia Constituinte de 1988, foi que as constituem. Portanto, o papel do
sugerido aos membros da Comissão de Edu- Ensino Religioso é, por meio da cultura,
cação na Câmara, ao próprio relator da nova trazer ao grupo social e ao indivíduo uma
Carta e aos juristas da Comissão Afonso Ari- leitura própria e uma compreensão do
nos (1986), que apresentaram o anteprojeto, ser (da pessoa e como grupo social), do
que alterassem o nome para “Educação Reli- agir, do conviver e da responsabilidade
giosa”. Porém, para assegurar essa disciplina de se relacionar com o Transcendente,
na Lei Maior, seria adequada a expressão com o Divino. O contrário a uma convi-
“Ensino Religioso”, por se tratar de algo rela- vência democrática é marcado pelo pre-
cionado ao sistema de ensino. A expressão conceito, sendo um dos grandes desafios
“Educação Religiosa” não teria o caráter dis- da escola. Cabe ao ambiente escolar co-
ciplinar como se propunha, ou seja, de disci- nhecer e valorizar a trajetória particular
plina integrante de um currículo. dos grupos que compõem a sociedade, só
assim poderá neutralizar atitudes pre-
Mesmo que o termo “religioso” evoque a conceituosas. Nesse aspecto, ainda há
relação com o sistema religioso, é impor- muito para ser dito e realizado sobre essa
tante ressaltar que a disciplina é parte do área do conhecimento na formação do ci-
currículo escolar, portanto, uma questão dadão (JUNQUEIRA, 2002).
dos sistemas de educação e não das insti-
nº- 291
tuições religiosas. Todo ensino visa a O Ensino Religioso, assim como as demais
aprendizagem a ser adquirida pelo sujeito áreas de conhecimento que são discutidas ao
•
ano 54
do? Para quê? (JUNQUEIRA, 2002). Tem como meios básicos o pleno domínio da
Vida Pastoral
22
compreensão do ambiente natural e social, do pios da religião. No entanto, ela possui o sen-
sistema político, da tecnologia, das artes e dos timento de religiosidade. Ao formar conexões
valores em que se fundamenta a sociedade, ou com algumas questões fortes da vida, como:
ainda, o desenvolvimento da capacidade de “por que isso acontece?”, “por que não?”, essa
aprendizagem, tendo em vista a aquisição de criança está refletindo sobre a espiritualidade
conhecimento, habilidades e a formação de e, dependendo dos pais e docentes, pode ou
atitudes e valores. Finalmente, e não menos não ser dirigida por um canal positivo.
importante, no fortalecimento dos vínculos
familiares, dos laços de solidariedade e de to-
3. Superação do modelo confessional
lerância à diversidade cultural e religiosa em
que se assenta a vida social. Outro grande desafio que a disciplina de
Segundo Cândido (2004), a escola tem Ensino Religioso possui é a questão da supera-
um papel relevante para a formação do edu- ção do modelo confessional de Ensino Religio-
cando diante do respeito às culturas e tradi- so, que é também conhecido como modelo ca-
ções religiosas existentes tequético e/ou teológico.
no interior de cada so- O modelo catequéti-
ciedade, e o aluno, por “Existem aqueles co é organizado e se sus-
sua vez, tem aulas que setores da sociedade e tenta na confecionalida-
possam subsidiar esse de. Assim, no entender
educadores que veem
entendimento. do autor, em todos os
a religião como algo momentos históricos
No item sobre a razão
desnecessário à formação após o surgimento do
de ser do Ensino Reli-
cristianismo “a catequese
gioso, aparece a visão da pessoa e acreditam que era vista como constru-
de educação escolar
como aquela que tem ela é prejudicial a essa ção, como uma prática
escolar voltada para a for-
historicamente possi- formação.” mação das ideias corretas
bilitado o acesso ao
em oposição às ideias fal-
conhecimento produ-
sas” (PASSOS, 2007, p.
zido pela humanidade e o desenvolvimen-
57) (CNBB, Doc. 26, p. 8-13). Nesse modelo,
to do indivíduo como pessoa; um processo
os conteúdos ficam sob responsabilidade das
de desenvolvimento global da consciência
igrejas, juntamente com a confecionalidade,
e da comunicação entre educador e edu-
e aparece o modelo pedagógico tradicional.
cando. À escola compete integrar, dentro
Contudo, o risco dessa proposta é o proseli-
de uma visão de totalidade, os vários níveis
tismo e a intolerância religiosa.
de conhecimento: o sensorial, o intuitivo,
O modelo catequético possui uma cos-
o afetivo, o racional e o religioso. A escola
movisão unirreligiosa, seu contexto político
deve disponibilizar o conhecimento reli-
é aliança entre Igreja e Estado, possui como
gioso, por ser patrimônio da humanidade,
fonte os conteúdos doutrinais, seu método
nº- 291
23
O modelo teológico possui uma cosmovi- nas escolas a partir do Concílio Vaticano II, usan-
são plurirreligiosa, seu contexto político é a do como fundamento as modernas teologias.
sociedade secular, sua fonte nasce da antropo- Assim, a teologia age como pressuposto
logia – teologia plural, seu método é a indução, que sustenta a convicção dos agentes e a pró-
possui grande afinidade com a escola nova, seu pria motivação da ação, e a missão de educar
objetivo é a formação religiosa do cidadão, a é afirmada como um valor sustentado por
responsabilidade é das confissões religiosas e, uma visão transcendente do ser humano. Por
por fim, possui um grande risco como uma ca- conseguinte, a filosofia serve de apoio racio-
tequese disfarçada. Esse modelo teológico: nal à teologia para pensar o Ensino Religioso.
[...] é adotado porque se trata de uma
Considerações finais
concepção de ER que procura uma fun-
Não resta dúvida da relevância da discipli-
damentação para além da confecionali-
na de Ensino Religioso e da catequese como
dade estrita, de forma a superar a prática
instrumento de educação religioso e de fé. Po-
catequética na busca de uma justificativa
rém, precisamos saber dividir a identidade de
mais universal para a religião enquanto
cada uma delas a fim de evitar proselitismo re-
dimensão do ser humano e como um va-
ligioso e fundamentalismos. Não resta dúvida
lor a ser educado (PASSOS, 2007, p. 60).
de que a escola é um espaço socializador e agre-
Essa cosmovisão representa uma nova forma gador de valores, porém também é um espaço
de ver a religião, ou seja, supera a cosmovisão da democrático e de grande pluralismo religioso
cristandade medieval para buscar um argumento que deve ser respeitado tanto pelo Ensino Reli-
racional teológico. Esse modelo esteve presente gioso como pela catequese.
Referências
ALBERICH, Emílio. A catequese na Igreja hoje. São Paulo: Ed. Salesiana, 1983.
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FIGUEIREDO, Anísia de Paulo. Ensino Religioso: perspectivas pedagógicas. Petrópolis:
Vozes, 1994.
nº- 291
VIESSER, Lizete. Um paradigma didático para o Ensino Religioso. Petrópolis: Vozes, 1994.
24
A pastoral dos direitos humanos:
seu fundamento e os necessários cuidados
com a ideia de “lei natural”
Nicolau João Bakker, svd
combate à violência urbana. Lecionou Teologia Pastoral no pastorais – de direitos humanos. Não apenas
Itesp (Instituto de Teologia / SP). Durante oito anos foi
auxiliar na pastoral e vereador, pelo PT, no município de
na Igreja, mas também na mídia em geral,
•
25
os direitos humanos continuam no topo da lam das “leis dos deuses”. Na tradição religio-
lista das grandes causas humanitárias. sa dos judeus, essa natural religiosidade hu-
Sob o ponto de vista pastoral, hoje, a mana encontra uma expressão muito parti-
causa dos direitos humanos deve ser anali- cular no Código da Aliança: Javé tem uma
sada de forma muito mais matizada do que predileção especial pelos que sofrem injusti-
em décadas passadas para não propor solu- ças. Deus vem ao encontro dos oprimidos, e
ções simplistas ou equivocadas. Na encíclica sua Lei deve permanecer gravada no coração
acima mencionada, Bento XVI aborda a do povo todo... E até dos outros povos da
questão do desenvolvimento na perspectiva terra. Em seu tempo, Jesus não adota o exa-
dos direitos humanos e observa: “(...) direi- gerado legalismo do Código de Pureza do
tos individuais, desvinculados de um qua- Templo e retoma a inspiração original do Có-
dro de deveres que lhes confira um sentido digo da Aliança. Para Jesus, Deus é como um
completo, enlouquecem e alimentam uma Pai que ama todos os seus filhos e filhas por
espiral de exigências praticamente ilimitada igual, mas com um cuidado especial pelos
e sem critérios” (n. 43). Existe um funda- que se encontram à beira do caminho. Amar
mento que “indica” quais os direitos possí- o próximo, a começar pelo injustamente
veis e quais os limites. Esse fundamento, diz marginalizado, seja quem for, essa é a Lei que
o papa, está gravado como uma espécie de realiza o Reino de Deus na terra.
“gramática” dentro da própria realidade cria- Até aqui ninguém fala em “lei natural”,
da, e dentro da natureza humana feita à ima- mas seu esboço já está presente. Os gregos
gem de Deus (n. 48). O papa aqui faz refe- “pagãos” falam de um “Logos”, uma espécie
rência a uma das mais tradicionais doutrinas de Sabedoria Divina que está na origem de
da Igreja: a doutrina da “lei natural”. O obje- tudo e permeia tudo. Os primeiros cristãos já
tivo deste artigo é traçar o longo itinerário discutem acaloradamente com os “gnósti-
desse conceito, sua grande importância na cos”, os primeiros “iluminados” da história
elaboração da proposta dos direitos humanos que se consideravam superiores aos demais
e o grande cuidado que devemos ter hoje na por possuírem a “gnose”, uma centelha dessa
aplicação desse princípio para não incorrer- Sabedoria Divina. O grande escritor e políti-
mos em equívocos pastorais. co romano, Cícero (†43 a.C.), amante da filo-
sofia grega, popularizou entre os romanos o
estoicismo: viver a vida natural bem vivida é
1. A longa controvérsia em torno
viver de acordo com o Logos. As leis públicas
da “lei natural”
e as normas éticas encontram aí seu funda-
Certa concepção de igualdade e mútua mento, diz Cícero.
pertença é comum a todos os povos desde Na ânsia de encontrar uma explicação
sempre. Do nascer ao morrer, seres humanos para o mal num mundo governado pelos
são interdependentes de tal forma e sobrevi- deuses, as ideias gnósticas, no terceiro sécu-
vem por mecanismos tão idênticos que a lo do cristianismo, levam a uma nova e po-
vaga ideia de uma “natureza humana” co- derosa vertente, a maniqueísta: o mundo é
nº- 291
Deus Criador, ou em divindades que definem Mal (inferior, diabólico, material). Santo
e controlam a existência humana desde o iní- Agostinho (†430), mesmo rejeitando essa
cio. Divindades às quais convém obedecer. vertente, não deixou de sofrer fortemente
•
Vida Pastoral
Artefatos da mais antiga Mesopotâmia já fa- sua influência. A mente humana é simples-
26
mente incapaz de pensar independentemen- bem e evitar o mal. Sendo uma criatura su-
te do seu tempo e do contexto local. A natu- jeita a falhas, o ser humano deve exercitar-se
reza humana, diz esse grande místico, ainda para adquirir uma vida virtuosa e cabe ao
que perfeita, criada à imagem de Deus, foi poder público garantir o bem comum.
corrompida pelo pecado, e apenas uma força Familiarizados com esse conceito de “lei
superior, uma graça divina, pode levar o ser natural”, os teólogos e juristas da Idade Mé-
humano – e a “Cidade dos Homens” – ao seu dia logo irão falar em “direitos naturais”. O
destino final, a “Cidade de Deus”. dominicano português Francisco de Vitória
É São Tomás de Aquino (†1274), o mais (†1536) se torna o “pai do direito interna-
influente teólogo do passado, que fará do cional” por defender o direito natural à li-
conceito de “lei natural” um dos alicerces berdade dos povos indígenas frente ao colo-
tradicionais do pensamento cristão. Para en- nizador. Com base nesse mesmo direito,
tender São Tomás não podemos imputar outro dominicano, Bartolomeu de las Casas
nele as ideias da nossa assim denominada (†1566), fala até em guerra “justa” dos ín-
“modernidade”. O que Tomás tem às mãos é dios contra os invasores. Os grandes divul-
a herança filosófica e teológica do seu tem- gadores dos direitos naturais no século XVI
po. Usa, de preferência, serão os muito influentes
Aristóteles, inclusive a teólogos e juristas da
“Nada mais enganador
tese deste sobre a hierar- universidade de Sala-
quia das espécies. Deus, e ilusório do que querer manca. Maior ainda será
opina Tomás, é sempre o estabelecer uma separação a influência do advoga-
mesmo, eterno, imutá- do, teólogo e jurista
vel, muito acima de radical entre propostas Hugo de Groot (†1645),
qualquer razão humana. laicas e propostas, digamos, apelidado pelo rei da
Ao criar o universo e o França como o “milagre
mundo tal como os co-
‘religiosas’.” holandês”. Opondo-se à
nhecemos, Deus os criou tentativa de estabelecer
para existirem sempre da mesma forma. To- na Holanda uma espécie de teocracia calvi-
das as criaturas mantêm sua existência de nista, Grócio defende que as coisas são boas
acordo com uma “lei natural” que nunca ou más por sua própria natureza e não ape-
muda. Tomás percebia muito bem que seres nas por uma ordem divina. Com base em
humanos mudam sempre de opinião e de São Tomás, afirma que todas as pessoas que
comportamento. Ainda assim, afirma que a partilham a mesma natureza humana pos-
“natureza humana” é sempre a mesma. O suirão também os mesmos direitos naturais.
ser humano está no topo das espécies. Dota- Com o fortalecimento do pensamento
do de razão, pode descobrir nas coisas e em laico nos séculos seguintes, passar da defesa
si próprio essa lei natural e, assim, conhecer dos direitos naturais para a defesa dos direi-
a vontade do Criador. Faz parte da natureza tos humanos foi apenas um passo. Imediata-
humana, diz Tomás, tanto a busca perma- mente após a deflagração da Revolução Fran-
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nente do interesse próprio quanto também a cesa (1789), a Assembleia Nacional Consti-
busca do bem comum. Fazendo bom uso da tuinte da França proclama os 16 artigos da
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ano 54
de todos os preceitos da lei natural é fazer o “um amontoado de posições estúpidas”. A in-
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terpretação da lei natural, na opinião deles, ção radical entre fé e razão. Para Tomás, pri-
cabia somente à Igreja – de acordo com a já meiro a fé, depois a razão. De fato, em seu
firmemente implantada teologia escolástica tempo, o clima reinante na Igreja ainda era
– e não às ovelhas desgarradas do único reba- o de uma quase ditadura eclesiástica. As
nho de Jesus Cristo. verdades divinas reveladas estavam sob con-
A conquista de direitos humanos ainda trole único e rigoroso do magistério eclesi-
não fazia parte do ideário teológico de São ástico, considerado pelos teólogos escolásti-
Tomás de Aquino, mas ela surgirá como con- cos o exclusivo guardião do depósito da fé.
sequência lógica de sua Quando, a partir do sé-
lei natural. Por mais que culo XVI, a modernidade
as novas sociedades “se- “Para não ficar falando de abre uma primeira gran-
cularizadas” do mundo coisas que na realidade de brecha na autoridade
ocidental propaguem sua eclesiástica, declarando a
neutralidade frente a não existem devemos independência e autono-
qualquer influência reli- ‘des-ontologizar’ a nossa mia das ciências, a Igreja
giosa, sua apaixonada de- responderá com a Inqui-
linguagem”.
fesa das liberdades e dos sição. Nos séculos poste-
direitos humanos tem riores, passada a fase do
clara origem na Revela- casamento de conveni-
ção e tradição cristãs. Ouve-se nela o eco da ência entre a Igreja e os “reis iluminados”, a
voz de Javé que exige a liberdade dos escra- Igreja terá pela frente como seu maior inimi-
vos, dos profetas que clamam contra todas as go o modernismo.1
formas de opressão e de Jesus, que vem Tanto nos países de economia de merca-
anunciar aos pobres o ano das graças do Se- do quanto nos países de economia planeja-
nhor e que toma partido a favor dos cegos, da, os direitos democráticos e os direitos
surdos e paralíticos, e até da mulher adúltera, humanos vão sendo conquistados lenta-
do samaritano e de todos os demais excluí- mente, com muita frequência, porém, com
dos do Templo e da sociedade de seu tempo. oposição aberta do magistério da Igreja. São
as correntes espiritualistas internas à Igreja,
tanto no protestantismo quanto no catolicis-
2. Direitos humanos na ótica da Igreja
mo, como também a voz profética sempre
e na ótica da Ciência
presente, que sustentam o anseio popular
Quando São Tomás de Aquino estabele- por um novo céu e a nova terra. É muito
ceu a razão humana como um mecanismo lembrado o “catolicismo social” da França,
indispensável para melhor conhecer a von- dos tempos de Lamennais (†1854), Lacor-
tade de Deus expressa na lei natural, sem daire (†1861), Frederico Ozanam (†1853) e
querer colocou fogo na palheira. Tivesse outros, como também o esforço de pensado-
tido ciência das consequências, talvez teria res humanistas como Jean Jacques Maritain
preferido manter-se como “boi mudo”, seu (†1973), abrindo as portas da Igreja para
nº- 291
apelido nos tempos de faculdade por nunca maiores liberdades democráticas e um po-
abrir a boca. Jamais pensou em criar oposi- der público independente das instituições
•
ano 54
28
ecumênica dos anos pré-conciliares. Apenas
no Concílio Vaticano II, porém, a Igreja con-
sagra, oficialmente, a liberdade de consciên-
cia (Dignitatis Humanae, 2) e a autonomia das
realidades terrestres (Gaudium et Spes, 36).
A Declaração Universal dos Direitos Hu-
manos proclamada pela ONU em 1948 teve
a pretensão de ser inteiramente laica. Da
mesma forma, as “Metas do Milênio” procla-
madas em 2000. Nada mais enganador e
ilusório, porém, do que querer estabelecer
uma separação radical entre propostas laicas
e propostas, digamos, “religiosas”. Uma de-
terminada proposta pode ser profundamen-
te religiosa ainda quando proclamada por
uma entidade laica ou mesmo ateísta. Da
mesma forma, ela pode ser contrária aos va-
lores religiosos, ainda quando proclamada 472 págs.
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ano 54
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como já observamos, e, em segundo lugar, a falta de humildade, a Igreja sempre atribuiu a
razão. Vivendo numa época pré-moderna, si mesma o monopólio da verdade. Agiu
era muito natural para Tomás acreditar na como se o Antigo e o Novo Testamentos ti-
Revelação. Deus falou pelas Sagradas Escritu- vessem caído diretamente do céu. Ou como
ras e pela Igreja fundada por Ele, com poder se fosse possível conhecer Deus sem a reali-
para interpretar corretamente as Escrituras. A dade da “encarnação”. Jesus não nos mostra
razão vem apenas em apoio à fé. O bom uso Deus, justamente em sua humanidade? Tam-
da razão nunca se opõe à fé, pois também a bém à ciência faltou humildade. Fez sua pró-
razão foi criada por Deus. É de sua natureza pria leitura da realidade, sem Deus, sem o
estar sempre em busca das coisas de Deus. apoio da fé, e deu tudo errado. Pensava gerar
Ainda assim, Tomás desenvolve uma espécie uma humanidade feliz, mas gerou uma hu-
de “teoria de conhecimento” muito interes- manidade frustrada. Os filósofos do nosso
sante: tudo que chega à razão passa antes pe- tempo falam de uma “modernidade arrepen-
los “sentidos”. Não é possível conhecer a rea- dida”, do “paradigma perdido”, de um mun-
lidade racionalmente sem antes observá-la. É do que desprezou a “alteridade” e ficou “ór-
preciso antes ver, cheirar, ouvir, apalpar. Co- fão de Deus”. Faltou humildade para reco-
nhecer, portanto, é interpretar! nhecer a imensa sabedoria acumulada nas
Na modernidade, os papéis foram inver- grandes e pequenas religiões deste mundo.
tidos: em primeiro lugar, a razão e, depois, Faltou dialogar com a Igreja, que é, como
para quem quiser, a fé. O novo caminho es- disse o papa Paulo VI, “perita em humanida-
colhido, e isso hoje ficou mais claro, não foi de”. São Tomás, como filho do seu tempo,
feliz. Os cientistas “apalparam” a realidade de ainda podia pensar que a fé vem antes da ra-
todas as formas. Ficaram tão entusiasmados zão, mas hoje, após séculos de “interpreta-
com suas descobertas que, na maioria dos ca- ção” da realidade, surge um novo e grande
sos, Deus ficou inteiramente de lado. A atitu- consenso: não existe um antes e um depois.
de arrogante da Igreja também não ajudou. O Fé e razão são irmãs gêmeas. Nascem juntas,
clima de hostilidade ficou mais do que evi- e uma não vive sem a outra.
dente quando o primeiro cosmonauta russo, Percorridos os atalhos inevitáveis, esta-
Yuri Gagarin, foi lançado ao espaço em 1961. mos de volta à nossa estrada principal, a dos
Ao voltar para a terra, disse que vasculhou direitos humanos. Sua defesa constitui uma
todos os cantos do céu e não encontrou Deus das diretrizes mais importantes da ação pas-
em lugar nenhum. Com a ciência veio a tec- toral. O 3o Programa Nacional de Direitos
nologia, cada vez mais avançada. Em grandes Humanos (2009), no eixo orientador III –
áreas, o ser humano, obcecado pela crença na bordão comum nos documentos –, declara-
total liberdade da “natureza humana”, se -os “universais, indivisíveis e interdependen-
transformou no predador mais voraz do pla- tes”. Para bem enfocá-los, hoje devemos vol-
neta. Agora, na pós-modernidade, feito o ba- tar à intuição fundamental que inspirou a te-
lanço, e vendo que a felicidade em muitos ologia de São Tomás, inspiração que guiou os
lugares andou para trás, o mundo todo se defensores dos direitos naturais e que tam-
nº- 291
pergunta: o que deu errado? Onde erramos? bém está por trás dos nobres enunciados das
Bem, o erro foi não dar a devida atenção instâncias e sociedades laicas: somente a “na-
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ano 54
à tese fundamental de São Tomás: descobrir a tureza humana” (para nós, cristãos, criada
vontade de Deus na própria natureza das coi- por Deus) pode nos dizer quais são os “direi-
tos” e os “deveres” humanos. Vejamos isso no
•
dade não é fácil. É uma tarefa coletiva. Por concreto da ação pastoral.
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Mas qual o problema? O problema é que “a
3. A Pastoral dos Direitos
humanidade” ou essa “natureza humana” só
Humanos hoje
existem na nossa cabeça. Na terra mesmo só
3.1. Direitos humanos são universais existem João, Pedro e Dona Maria. Há uma
“em princípio” diferença enorme entre o João que veio do
Tendo trabalhado, por muitos anos, Ceará e o John que nasceu em Nova York.
numa ONG de Direitos Humanos, na cidade Entre Pedro que nasceu branco, em berço es-
de S. Paulo, no caso o Centro de Direitos Hu- plêndido, e o Pedro nascido num morro ca-
manos e Educação Popular de Campo Limpo rioca. E Dona Maria não pensa da mesma
(CDHEP/CL), pudemos sentir de perto duas forma se vive na Ásia, na África ou na Améri-
posturas básicas na população brasileira. ca do Sul. Os gregos, dizem os entendidos,
Uma parcela menor, basicamente feita de in- tinham a mania de “ontologizar” tudo. Onto-
telectuais ou militantes dos movimentos so- logizar é uma palavra que indica a tendência
ciais, defende, com grande ênfase, a “univer- de falar sempre da essência das coisas. Para
salidade” dos direitos. Quer dizer, todas as não ficar falando de coisas que na realidade
pessoas do mundo, independentemente de não existem, devemos então “des-ontologi-
qualquer atributo, têm os zar” a nossa linguagem.
mesmos direitos (e deve- Não adianta, portan-
res). Outra parcela da po- “Da ‘natureza humana’ to, como bom militante
pulação percebe que as – foi essa a inspiração de uma Igreja compro-
pessoas são muito dife- metida, empunhar a ban-
rentes umas das outras. original de São Tomás deira dos direitos huma-
Existem as virtuosas e as – surgem apenas os nos da mesma forma em
criminosas. Os direitos, todos os tempos e em to-
portanto, não podem ser ‘princípios orientadores’ dos os lugares. Os direi-
iguais. Chega de “defen- que não mudam, mas sua tos humanos são univer-
der bandido”, costumam
concretização depende das sais “em princípio”, mas
logo afirmar. O debate sua concretização depen-
mais acalorado na II Con- circunstâncias.” de do tempo e do lugar. A
ferência Internacional de consciência e a viabilida-
Direitos Humanos da de dos direitos humanos
ONU, realizada em Viena (1993), foi exata- evoluem com o tempo. Alguns afirmam que
mente sobre esse “universalismo” dos direi- já estamos na “quarta geração” de direitos.
tos humanos. Primeiramente vieram os direitos civis e polí-
A modernidade constatou um problema ticos (direito de ir e vir, liberdade de consci-
de linguagem. Nossa linguagem foi codifica- ência, liberdades democráticas etc.), depois
da pelos gregos. Os filósofos gregos tinham vieram os direitos sociais e econômicos (di-
uma verdadeira mania: encontrar a “essência” reito à saúde, educação, transporte etc.).
de todas as coisas. Essa vai aparecer, afir- Pouco depois, surgiram os direitos culturais
nº- 291
mam, quando desnudarmos as coisas de to- (de raça, gênero, opção sexual etc.). E hoje
dos os atributos e aparências. O que acontece estamos em plena conquista dos direitos am-
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ano 54
quando eliminamos do ser humano sua ida- bientais (da terra, da água, da biodiversidade
de, sua cor, seu sexo, e todas as particularida- etc.). Tudo tem a ver também com as “viabi-
des de seu tempo e seu contexto? Bem, sobra lidades locais”. Da “natureza humana” – foi
•
Vida Pastoral
31
surgem apenas os “princípios orientadores” humana, o modo de ver as coisas mudou ra-
que não mudam, mas sua concretização de- dicalmente.2 Seres vivos estão “conectados”
pende das circunstâncias. Todos(as), em com seu meio ambiente mediante órgãos su-
princípio, temos direito à vida digna, a um persensíveis que captam as mais incríveis –
transporte decente, por exemplo. e invisíveis – influências. O cérebro humano
é o maior gênio do planeta. Sua carga gené-
3.2. Direitos humanos surgem do tica guarda toda a experiência de sua bilio-
conflito ou de nária evolução biológica,
parcerias? e sua memória – incons-
Nossas pastorais so- “Nossas pastorais sociais, ciente, mas não inconse-
ciais, nas décadas passa- quente! – não perde
nas décadas passadas, se
das, se alimentaram for- nada. Usa tudo para pro-
temente de uma assim alimentaram fortemente jetar-se no futuro, para
denominada “pastoral do de uma assim denominada viver, progredir e sobre-
conflito”. Falou-se tam- viver melhor. Descobriu-
bém de uma “espirituali- ‘pastoral do conflito’.” -se agora que a mente
dade do conflito”. Na humana absorve a verda-
mesma linha, Dom Pedro de por partes. A verdade
Casaldaliga, poeticamente, chegou a falar de é como mãe: sempre cabe mais uma. Minha
uma “espiritualidade do ódio”. Também o verdade precisa da sua para se fortalecer.
trem das CEBs alimentou-se, por muitos Verdade e mentira não se opõem. Muitas
anos, de uma espécie de “mística guerreira”. verdades escondem mentiras, e a verdadeira
Pessoalmente, vivenciamos essa espirituali- verdade surge à medida que todas as verda-
dade por longos anos e, no mar manso do des “se sobrepõem”.
nosso tempo, chegamos a sentir saudade Nós, da Igreja, sempre tivemos uma par-
dela. Mas há problemas. A fonte dessa con- ticular relação com a verdade. Nada nos im-
cepção e vivência tem muito a ver com a tra- pede de considerarmos nossa riquíssima
dicional filosofia binária, herança da lógica tradição cristã a melhor de todas. Ainda as-
grega, que vê uma contradição irreconciliável sim, nada ofende mais profundamente o
em todas as oposições. Preto é preto, branco mundo moderno do que nossa pretensão de
é branco. Ou é verdade ou é mentira. Patrão monopólio. A Teologia da Libertação nos
é patrão, trabalhador é trabalhador, e assim habituou a ver o mundo dividido entre opri-
por diante. midos e opressores, entre os certos e os erra-
Na ciência tradicional, de fato, as coisas dos. A pastoral do conflito nos preparou
eram assim. Estrelas brilham, planetas não. para a “jihad”, a guerra santa. Sem dúvida,
Não se deve confundir alhos com bugalhos. convém deixar a ingenuidade de lado e per-
Mas desde que se estudou “o lado de den- ceber com muita clareza as profundas opo-
tro” da matéria, as relações quânticas no in- sições existentes na sociedade, especialmen-
terior dos átomos, e principalmente desde te entre a economia radical de mercado e
nº- 291
Pastoral em Novas Perspectivas (I): Introdução ao tema. é uma área conflituosa, mas é pela constru-
32
ção de boas parcerias que colheremos os
melhores resultados.
144 págs.
do, Deus sempre falou e continua falando
conosco através de “sinais” muito concretos
no nosso caminho, na nossa história. Aí vol- Reencantar a vida
tamos ao desafio acima já mencionado: se Luiz Alexandre Solano Rossi
O livro atesta que é possível reagir contra
Deus se comunica conosco apenas indireta- a mesmice do cotidiano e se encantar
mente, através da realidade criada e a ser in- novamente pela vida, voltando a sentir o
terpretada, como fundamentar nossa preocu- sabor de viver. A obra pode ser encarada
como um mapa, que conduz os leitores a
pação com os direitos humanos? Se não exis- recuperarem o encanto perdido.
te um fundamento inquestionável e absoluto,
não fica tudo muito relativo e o papa não tem
razão em falar de uma “ditadura do relativis-
mo”? De fato, concordam os teólogos, hoje
não existe mais a tranquila segurança do pas-
sado, mas existe um fundamento seguro,
sim. Basta recuperar para o nosso tempo uma
antiga sabedoria: a da “lei natural”.
174 págs.
paulus.com.br
ano 54
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tem alma”. Defender os direitos humanos os “universais antropológicos”, diria o emi-
apenas com “ideias religiosas”, supostamen- nente antropólogo francês Edgar Morin. Se
te “não relativas”, às vezes faz rir (ou cho- assim Deus o fez, assim há de ser. Essa é sua
rar). Na década de 1970, trabalhávamos na “lei natural”. Com base na arrogância de suas
cidade histórica de Iguape-SP. Em um velho “ideias”, o mundo ocidental proclamou como
casarão doado à Igreja, encontramos um universal o direito a liberdades que, na ver-
baú cheio de documentos carcomidos. dade, eram leviandades (com a coletividade e
Numa carta do século XVIII, o bispo do Rio com a Terra). O teólogo asiático, diretor da
de Janeiro, responsável pela igreja, autoriza Revista Concilium, Felix Wilfred, em Concilium
a Irmandade do Senhor Bom Jesus a vender 322/07, nos lembra de que o pensador francês
“tanto o escravo como também sua filha”, Alexis de Tocqueville (†1859) já em 1835
com o seguinte acréscimo: “desde que por constatou que as liberdades democráticas
um bom preço”. E, muito recentemente, ao francesas resultaram apenas em terror por não
ser transferido de uma paróquia a outra, o levar em conta “o fundamento religioso da
novo padre, recém-ordenado, na primeira igualdade humana”. Na histórica Conferência
missa que celebrou, exatamente no Dia In- de Bandung (1955), 29 países asiáticos e afri-
ternacional da Mulher, avisou solenemente canos (não alinhados) acusaram o mundo oci-
ao povo: “de hoje em diante, nenhuma mu- dental de ter mantido um altivo discurso de
lher mais pode ficar aqui neste altar, porque direitos humanos em meio a uma prática de
altar é lugar de padre”. agressiva colonização. Ainda hoje, a “mente”
Não são relativas as ideias tidas como se- humana põe sua fé no “mercado livre”. O “cor-
guras? O que não é relativo no ser humano é po” humano não. Este só acreditará no dia em
o seu corpo. A natureza leva milhões de anos que oferecer emprego e pão para todos(as).
para mínimas mudanças. Ele é sempre igual, Uma boa teologia – e uma boa pastoral
em qualquer tempo e em qualquer lugar. Pre- – não existe sem uma boa antropologia.
cisa de água, comida e carinho em qualquer Como defende Edgar Morin, não a tradicio-
lugar do planeta. Se não tem, chora. Se é bem nal “antropologia cultural” que separou a
tratado, ri. Seu cérebro lhe permite adaptar- mente do corpo, privilegiando a mente,
-se ao meio ambiente de mil formas, indivi- mas a “antropologia natural”, ou “ecológi-
dual e coletivamente. E, diante dos inevitá- ca”, que vê o ser humano como corpo pen-
veis fracassos e contingências de sua condi- sante, em comunhão com a natureza da
ção humana, a natureza – lembre-se: para qual surgiu. A pastoral da Igreja, particular-
São Tomás e para nós, crentes, é Deus – lhe mente com relação às questões ligadas à
deu, sem distinção, uma força extraordinária: bioética e ao impulso sexual, ainda reluta
uma espiritualidade, uma religião, alguma em passar da postura doutrinal para postu-
forma de “igreja”. Está sempre presente tam- ras mais respeitosas dessa antropologia hu-
bém a força propulsora do sexo – de diversas mana. São Tomás, o boi mudo das aulas de
modalidades, sabemos hoje –, do aconchego Santo Alberto Magno (†1280), ainda tem
e da vida familiar. muito a nos ensinar sobre um Deus onipre-
nº- 291
É desse corpo humano, universal, que sente na natureza humana, a qual, da mes-
brotam os direitos humanos universais. Basta ma forma como os céus e o firmamento, “é
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ano 54
observar sua “natureza”, diz Tomás. Existem obra de suas mãos” (Sl 19,2).
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Vida Pastoral
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Homiléticos
Roteiros
Anunciando o Reino
Pe. Johan Konings, nascido na Bélgica,
de Deus e a paz
reside há muitos anos no Brasil, onde
leciona desde 1972. É doutor em
Teologia e licenciado em Filosofia e
em Filologia Bíblica pela Universidade
I. Introdução geral
Católica de Lovaina. Atualmente é
professor de Exegese Bíblica na Faje, A liturgia do 14º domingo do Tempo Comum apresenta
em Belo Horizonte. Entre outras a missão dos seguidores de Jesus. O evangelho (Lc 10,1-
obras, publicou: Descobrir a Bíblia a
12.17-20 ou 10,1-9) traz a missão dos setenta e dois discí-
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Roteiros Homiléticos
associação ao belo anúncio da paz para Je- pois desde a morte e ressurreição de Cristo
rusalém, em Isaías 66,10-14c. A 2ª leitura, vale a “nova criação”, marcada pela fé, que
embora relativamente independente, har- atua na caridade (Gl 5,6). A antiga criatura
moniza-se com o tema das outras duas, foi crucificada com Cristo, na cruz (6,14).
anunciando “a paz e a misericórdia para o Nos versículos 16-18, lemos que, para
Israel de Deus” (Gl 6,16). Assim, o tema quem é nova criatura, surgem como o sol a
principal para este domingo se define facil- paz e a misericórdia de Deus. Com uma re-
mente: paz. Mas exige bastante explicação. miniscência das “Dezoito Preces”, que o ju-
deu piedoso reza diariamente, Paulo anun-
cia bênção, paz e misericórdia sobre todo o
II. COMENTÁRIO “Israel de Deus” (o povo universal dos que
DOS TEXTOS BÍBLICOS são chamados por Deus, o contrário do “Is-
rael segundo a carne”, cf. 1Cor 10,18).
aos Gálatas, final escrito por Paulo, na pri- dos pelos setenta e dois) o levaram para o
são, pessoalmente e de próprio punho (Gl mundo inteiro. Esse tema é caro a Lucas,
•
importa ser judeu ou gentio (= não judeu), do os passos do apóstolo Paulo. A mensa-
36
gem é enviada a todos, e todos os que
creem no Cristo podem ser mensageiros
(a encíclica Evangelii Nuntiandi de Paulo
VI ensina que todos os evangelizados de-
vem ser evangelizadores).
E qual é o conteúdo da mensagem? O
Reino de Deus. Este se caracteriza pela
“paz”, no sentido abrangente que esse
termo tem na Bíblia: a harmonia total en-
tre Deus e os homens, bem como entre os
392 págs.
homens mutuamente. Todos somos cha-
mados a ser portadores dessa paz, assim
como Jerusalém, segundo a descrição na Escatologia do Mundo
Projeto cósmico de Deus
1ª leitura.
Essa missão é urgente: não há que per- Renold J. Blank
Baseando suas reflexões teológicas nos
der tempo com equipamento que mais mais modernos modelos filosóficos e
atrapalha do que ajuda (grande problema científicos, o autor desenvolve uma visão
atual e contemporânea da dinâmica de
dos missionários modernos...), nem pas-
um processo evolutivo e cósmico, cuja
sar horas com amplas saudações orientais finalidade última é um universo que se torna
(as “indispensáveis” visitinhas do padre às transparente para Deus.
fonte de felicidade, oferecida pelos mais di- Baseando as suas reflexões teológicas
versos produtos da produção industrial? nos mais modernos modelos filosóficos e
científicos, o autor desenvolve uma visão
Diante disso, a mensagem da paz de Deus atual e contemporânea das experiências do
não é nada “pacífica” (cf. Lc 12,51). homem na morte e além dela.
Quanto às casas e cidades que “não fo-
rem dignas” da paz messiânica, os envia-
Vendas: (11) 3789-4000
dos devem sacudir até o pó que lhes gru- 0800-164011
dou aos pés, em testemunho contra elas. SAC: (11) 3789-4119
nº- 291
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ano 54
37
Roteiros Homiléticos
A missão do cristão não é, antes de “Paz a esta casa”, a esta família. E o sinal
tudo, propagar alguma pia obra e nem dessa paz são os fatos extraordinários que
mesmo a própria instituição da Igreja. É os acompanham: curas, expulsões de de-
evangelizar, anunciar uma boa-nova, o mônios... Hoje: reconciliação, ânimo...
verdadeiro alívio do homem que sincera- O termo “paz”, na Bíblia, pode também
mente busca o sentido último de sua ser traduzido como “felicidade”. Não é
vida, Deus. Quem anuncia isso não deve apenas o silêncio das armas, mas, sobretu-
complicar sua missão com coisinhas. Ele do, a harmonia com Deus e com todos os
mesmo seja a “paz” em pessoa, não no seus filhos: o bem-estar conforme o plano
sentido de comodismo, mas de benfazeja
de Deus. É a síntese de todo o bem que se
doação. Por isso, só pode ser evangeliza-
pode esperar de Deus; por isso, vai de par
dor a “nova criatura” de que Paulo fala
com o anúncio de seu reino, a realização de
no emocionante final da Carta aos Gála-
sua vontade, de seu desejo. Essa paz não
tas (2ª leitura).
O anúncio do cristão é igual ao de Je- cai como um pacote do céu, nem se faz em
sus mesmo: “O Reino de Deus está próxi- um só dia. É uma realidade histórica. É fru-
mo” (Lc 10,9; cf. Mc 1,15 = Mt 1,17). En- to (obra) da justiça (Hb 12,11; Tg 3,18; cf.
tendamos bem: o “Reino” não é alguma Is 32,17). A paz cresce em meio às vicissi-
instituição poderosa, mas o reinado de tudes da história humana, em meio às con-
Deus, o exercício de sua vontade, como tradições. Mas a fé, que fixa os olhos na paz
rezamos no pai-nosso: “Venha o teu Rei- que vem de Deus, orienta-nos em meio a
no, seja feita a tua vontade”. todos os desvios. Anunciar a paz ao mun-
do, apesar de todos os desvios, é como as
correções de rota que um avião continua-
III. PISTAS PARA A REFLEXÃO mente tem de executar para não se desviar
definitivamente. Jesus manda seus discípu-
Anunciar a paz e o Reino: Quando eu los com a mensagem da paz, para que o
era coroinha e acompanhava o padre que, mundo se anime a continuar procurando o
de batina e estola, passava pelas ruas para caminho do Reino.
levar a comunhão aos enfermos, ao entrar No concreto, anunciar a paz de Cristo
nas casas que o esperavam, ele dizia, em acontece não só por palavras, mas por atos.
latim: “Pax huic domui”, “Paz a esta casa!”.
Não basta falar da paz, é preciso mostrar
Poucos gestos cristãos aproximam-se mais
em que ela consiste, realizando atos exem-
do que esse da missão que Jesus confiou a
plares. É preciso, também, construí-la aos
seus discípulos.
poucos, pacientemente, pedra por pedra,
Os judeus, voltando do cativeiro babi-
lônico, receberam, pela boca do profeta, a implantando passo a passo novas estrutu-
missão de levar ao mundo inteiro a paz – a ras, que eliminem as que são contrárias à
harmonia com Deus e com os homens. É paz. Muitas pessoas entendem paz como
nº- 291
essa também a missão que Jesus, no Evan- “deixar tudo em paz”. Mas a paz não é tão
gelho, confia aos setenta e dois discípulos. pacífica assim! Por isso, Jesus manda anun-
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ano 54
Os setenta e dois representam a assembleia ciar a paz como algo que vem juntamente
guiada pelo espírito de Deus. Eles têm de com o Reino de Deus. Devemos, aos pou-
•
sair pelos caminhos e pregar ao povo a cos, transformar o mundo, para que esse
Vida Pastoral
38
15º DOMINGO DO TEMPO COMUM Deus com todas as suas forças (Dt 6,4-5).
14 de julho Deve escutar sua voz e não se afastar de
suas orientações; e, quando se afasta, deve
que conduz à vida não: não é coisa de outro mundo. Está per-
to, ao alcance de quem o ama (30,11-14;
este ser importante, mas por amor e fideli- to do grande mandamento do amor e a
dade à sua promessa (Dt 7,7-8). O amor de parábola do bom samaritano. O trecho
•
Deus por Israel não tem explicação, mas faz parte de um conjunto do Evangelho
Vida Pastoral
tem consequências: Israel deve amar a de Lucas (Lc 10,26-11,13) que apresenta
39
Roteiros Homiléticos
três exigências fundamentais do ser cris- ponto da narrativa, Jesus pergunta não
tão: 1) o “grande mandamento” do amor quem é o próximo a quem se devem fazer
a Deus e ao próximo (10,25-37); 2) o obras caritativas, mas quem é o próximo
“único necessário” (10,38-42); 3) a “ora- do homem que foi assaltado. A inversão
ção por excelência” (11,1-13). O “grande da pergunta é significativa, porque o espe-
mandamento” responde à pergunta pelo cialista da Lei é obrigado a responder que
caminho da vida eterna: amar a Deus e o um vil samaritano é o próximo de um ju-
próximo. Defrontamo-nos com um espe- deu assaltado. Para todos nós, isso signifi-
cialista da Lei que procurava, em meio à ca: eu sou próximo de quem encontro no
multidão de prescrições, saber o que de- meu caminho, sou chamado a ser solidá-
via fazer para “herdar a vida eterna”, a rio com ele, a me tornar próximo dele.
vida da era vindoura, do Reino que Deus Ao analisar o texto, aparecem detalhes
estabeleceria no mundo para sempre mais significativos ainda. O samaritano
(pois era assim que se concebia a vida “comiserou-se”, “aproximou-se”: uma lin-
eterna) (Lc 10,25-28; cf. Mt 22,35-40; guagem que poderia ser aplicada ao pró-
Mc 12,28-31). Jesus o remete à Lei ensi- prio Deus. Deus comiserou-se do ser hu-
nada por Moisés. Pergunta o que aí se en- mano, tornou-se próximo dele e salvou-o
contra. O escriba responde: amar a Deus à sua própria custa: custou a vida de seu
acima de tudo (cf. Dt 6,5) e o próximo Filho. O próximo, “aquele que se comise-
como a si mesmo (cf. Lv 19,18). “É isso rou do homem” (Lc 10,37), é Deus mes-
mesmo que deves fazer”, responde Jesus. mo. “Vai e então faze a mesma coisa”, e já
Novamente: não é coisa de outro mundo! não precisarás perguntar quem é teu pró-
Depois, porém, o escriba pergunta ximo. E terás a vida eterna, porque desde
quem é seu próximo. A resposta de Jesus já estarás vivendo a vida de Deus mesmo.
revoluciona suas categorias: o próximo Gostamos de escolher nossos próxi-
não é um arbitrário “objeto de caridade”; é mos. Está errado. Somos próximos de
todo homem, desde que eu me torne pró- quem encontramos. Deus nos colocou
ximo dele. Todos nós estamos de acordo perto deles para os tratarmos com o mes-
em que devemos amar nosso próximo. mo amor gratuito que ele nos dedica.
Mas quem é ele? Minha velha tia rica,
prestes a ceder sua herança, ou meu em-
3. II leitura (Cl 1,15-20)
pregado, com cuja família nada tenho que
ver? Visto que argumentar não adianta, A segunda leitura apresenta o belo
Jesus conta uma história. Um homem cai hino cristológico da carta aos Colossenses.
nas mãos de ladrões. Passa um sacerdote, Essa carta dá uma resposta à introdução
mas não tem tempo para parar, pois deve de doutrinas falsas na comunidade. Al-
celebrar um sacrifício. Passa um especia- guns ensinam que, além de Cristo, devem-
lista das leis de pureza (um levita): este -se venerar outros seres transcendentes,
tem medo de sujar as mãos com o sangue “espíritos” etc. É difícil ser livre! Por isso,
nº- 291
do homem que ficou semimorto na beira Paulo realça o lugar central exclusivo de
da estrada. Passa, depois, um inimigo, um Cristo. Ele nos redimiu, dando a sua vida
•
ano 54
esse samaritano, inimigo dos judeus, cui- Cristo é também o criador, com o Pai. Ele
Vida Pastoral
da do homem à sua própria custa. Nesse assume nossa vida e nosso mundo não por
40
fora, mas por dentro. No íntimo do ser
homem, ele vive a plenitude de ser Deus.
Quando todos chegarem a essa plenitude,
a criação estará completa.
Esse hino é uma das obras-primas do
Novo Testamento. A ideia principal é a
unidade da ordem da criação e da reden-
ção, em Cristo. Ele é a cabeça da redenção,
assumindo a todos na sua glória, porque é
também a cabeça da criação. O hino ex-
pressa isso em termos que lembram forte-
mente o prólogo de João (Jo 1,1-18) e os
textos que falam da Sabedoria como hi-
póstase unida a Deus desde antes da cria-
ção do mundo (Pr 8,22-36; Eclo 24; Sb
7). O hino combina a figura da Sabedoria
que preside à criação, identificada a Cris-
to, com aquela outra imagem paulina de 152 págs.
V i s i te n os s a l oj a V i rtu aL
Iii. Pistas Para Reflexão
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41
Roteiros Homiléticos
(torah) de Deus. Era um caminho de vida. gos é ser amigo; a melhor maneira de en-
Mesmo assim, havia quem achasse a Lei contrar o próximo é tornar-se próximo,
complicada e procurasse um resumo ou aproximar-se. A questão não é teórica, mas
pelo menos um mandamento-chave que, prática. Ora, nós, na prática, esquecemos a
por assim dizer, a resumisse. Essa questão parábola de Jesus e fazemos como o sacer-
foi apresentada também a Jesus, e ele deu, dote e o levita: afastamo-nos do necessita-
sem hesitar, a resposta. Menciona o man- do – mesmo se pertence à nossa comunida-
damento que todo judeu recita diariamente de! – e não “nos aproximamos” dele. Tor-
na oração do “Shemá Israel” (Dt 6,4-5) – nar-se próximo é ser solidário. Será que
“Amar a Deus com todas as forças” – e somos solidários com os que vivem na
acrescenta: “e ao próximo como a si mes- margem da estrada de nossa sociedade?
mo” (como está em Lv 19,18.35). Esses Mesmo quando damos uma esmola a um
dois mandamentos são inseparáveis, pois o coitado, não é para nos desviarmos dele?
amor ao próximo é o dever número um de “Vai e faze a mesma coisa”, diz Jesus.
quem ama a Deus. Paulo (Gl 5,13) e Tiago Imitar o samaritano exige solidariedade,
(Tg 2,8) resumem toda a moral cristã nesse assumir a vida do outro, não livrar-se dele.
único mandamento. João nos diz ser im- Torná-lo um irmão, pois esse é o sentido
possível amar a Deus sem amar o irmão verdadeiro da palavra “próximo”.
(1Jo 4,21). Não se pode amar o Pai sem Como fica essa solidariedade nesse
amar os filhos. Mas o que é amar? E quem tempo em que a doutrina da competição,
são nossos próximos? do lucro e do proveito ilimitado solapou o
Os judeus consideravam como “próxi- tecido social, as relações de gratuidade en-
mos”, isto é, como candidatos à sua solida- tre as pessoas?
riedade, os membros da comunidade ju-
daica e os estrangeiros residentes que vi-
16º DOMINGO DO TEMPO COMUM
viam em seu meio (e cooperavam com
eles): a esses era preciso “amá-los como a si 21 de julho
O único
mesmo” (Lv 19,18.35). No caso dos inimi-
gos, sobretudo dos samaritanos, a esses
necessário
não se devia amar, pelo contrário (cf. Mt
5,43). Ora, exatamente um samaritano se
torna solidário com um judeu jogado à bei-
ra da estrada, depois que dois ilustres “pró-
ximos” judeus, um sacerdote e um levita,
I. Introdução geral
deram uma volta para não se incomodarem
com o compatriota assaltado... Neste domingo, a liturgia nos propõe
Jesus não respondeu diretamente à per- dois exemplos de hospitalidade, o de
gunta do mestre da Lei: “Quem é o meu Abraão e o de Marta. A história de Abraão
próximo?”. Ele respondeu por meio de dirige nosso olhar para o mistério escon-
nº- 291
uma parábola, porque a questão não é des- dido na hospitalidade. A história de Marta
cobrir, teoricamente, quem é e quem não é e Maria nos ensina que, antes de se des-
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ano 54
que precisa; a melhor maneira de ter ami- coisas, mas em acolher o dom que é a pes-
42
soa. Receber as pessoas com atenção, dar- zia. Deus pode chegar como um viajante,
-lhes audiência, pode ser uma ocasião um necessitado, e nossa gratuita bondade
para receber a única coisa verdadeiramen- deve estar pronta para o “receber” no mo-
te necessária, a palavra de Deus: sua pro- mento imprevisto.
messa (no caso de Abraão), seu ensina-
mento (no caso de Maria).
2. Evangelho (Lc 10,38-42)
O lema que se repete durante a cele-
bração pode ser: “Em primeiro lugar, es- O evangelho, com o episódio de Jesus
cute o Senhor”. na casa de Marta e Maria, focaliza “o único
necessário”.
Quem acolhe um hóspede parece es-
II. Comentário tar oferecendo algo – a hospitalidade –,
mas pode ser que, na realidade, esteja re-
dos textos bíblicos
cebendo mais do que oferece, como foi o
caso de Abraão na primeira leitura. Lida
nessa ótica, a história de Marta e Maria se
1. I leitura (Gn 18,1-10a) torna reveladora. Hospedar e cuidar é
A primeira leitura nos mostra como a bom; mais fundamental, porém, é “rece-
hospitalidade de Abraão é recompensada ber” o dom que é o hóspede, com tudo o
pela promessa de Deus. Sob a aparência que tem de mais importante. E o mais im-
de três viajantes, Deus apresenta-se, in- portante, no caso, é a palavra de Jesus. Ele
cógnito, a Abraão, que demonstra toda não veio para se fazer servir como um fre-
aquela hospitalidade tão apreciada no guês num hotel; veio para servir (Mt
Oriente. Aos poucos, o foco da narrativa 20,28), e serve por meio de sua palavra,
se desloca da hospitalidade de Abraão de sua vida inteira. Ele é inteiramente pa-
para a promessa de Deus. Abraão não per- lavra, palavra de Deus, no seu dizer, no
guntou pela identidade de seus hóspedes. seu fazer, no seu sofrer. Acolher essa pala-
Agiu por bondade gratuita. Com a mesma vra é o único necessário.
gratuidade, Deus lhe concede o que era Quem se esgota em “fazer coisas” para
estimado impossível: um filho de sua mu- o outro, sem realmente o “receber”, pode
lher Sara, já idosa. ser chamado de ativista. O ativismo é um
A leitura mostra que, quando se está mal de nosso tempo, mas não data deste
oferecendo hospitalidade, na realidade se século. É doença que espreita a humani-
está recebendo a generosidade de Deus. A dade desde sempre. Jesus aproveita as in-
hospitalidade que Abraão, generosa e gra- tensas ocupações da “dona Marta”, sua
tuitamente, oferece a três homens, perto anfitriã, para falar desse assunto. Marta dá
do carvalho de Mambré, transforma-se em muita importância aos próprios afazeres e
receber. Ele recebe a coisa que mais deseja: pouca àquilo que recebe de Jesus. Ela de-
um filho de sua mulher legítima, Sara. Tal- seja que Maria, imersa na escuta das pala-
nº- 291
vez por isso se diz que a hospitalidade é vras do Mestre, interrompa sua escuta e a
“receber” uma pessoa: o hóspede é um ajude a preparar a comida. Mas por que
•
ano 54
nossa casa, e importa fazê-lo entrar (Gn sagem, para que acolher o mensageiro?
Vida Pastoral
18,3), para que a nossa vida não fique va- Um bom anfitrião procura servir o melhor
43
Roteiros Homiléticos
44
ja, é o ativismo, a falta de disposição para
aprofundar o essencial, sob o pretexto de
tarefas urgentes.
Na primeira leitura vimos a virtude da
hospitalidade, na figura de Abraão. Deus,
que nos anjos se tornou seu hóspede, re-
compensa-o com a promessa de um filho.
Será que o evangelho não contradiz essa
496 págs.
lição? Jesus dá a impressão de valorizar
mais a presença passiva de Maria, que fica
Tratado sobre
a escutá-lo, do que a preocupação de Mar- a Santíssima Trindade
ta em bem recebê-lo. Ou será que o jeito Volume 22
certo de recebê-lo é o de Maria: escutar Santo Hilário de Poitiers
sua palavra? O autor retrata a época em que a afirmação
Jesus observa a Marta que ela anda ocu- da verdade era vital para uma Igreja que via
pada e preocupada com muitas coisas, en- sua fé questionada tanto pelo arianismo como
pelo ressurgimento das tendências sabelianas,
quanto uma só é necessária. Essa observa- pela gnose, sempre presente, e pelos vários
ção não é uma crítica à hospitalidade, mas movimentos que se opunham à ortodoxia.
indica uma escala de valores: a melhor par-
te é a que Maria escolheu! O que esta faz é
fundamental e indispensável: escutar. O
resto (as correrias pastorais, as reuniões) é
importante, mas deve ter fundamento no es-
cutar. Jesus censura Marta não porque ela
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ano 54
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Roteiros Homiléticos
Importa acolher (a Deus, a Jesus, os Seja como for, Jesus nos ensinou a pe-
outros) em primeiro lugar no coração. Só dir e suplicar, e até com insistência. Cita o
então as demais atuações terão sentido. exemplo de alguém que, em plena noite,
Isso vale na vida pessoal e também na vida vai acordar o vizinho e bate à sua porta
comunitária. Comunidades que giram ex- até que ele se levante para ver-se livre do
clusivamente em torno de preocupações e incômodo (evangelho). Isso lembra a “pe-
reivindicações materiais acabam esvazian- chincha de Abraão”, que, ao rezar por So-
do-se, caem em brigas geradas pelo perso- doma e Gomorra (primeira leitura), se
nalismo e pela ambição. Mas comunidades atreve a lembrar a Deus: “Não podes per-
que primeiro acolhem com carinho a pala- der os justos com os injustos, é uma ques-
vra de Jesus num coração disposto saberão tão de honra!”. E Deus atende. A frase do
desenvolver os projetos certos para pôr salmo responsorial: “Cada vez que te in-
essa palavra em prática. voquei, me deste ouvido”, pode ser repe-
“Buscai primeiro o Reino de Deus...” tida como lema durante os vários momen-
tos da celebração.
17º DOMINGO DO TEMPO COMUM
28 de julho II. Comentário
dos textos bíblicos
A oração
do discípulo 1. I leitura (Gn 18,20-32)
A primeira leitura narra a oração de
Abraão por Sodoma e Gomorra. O pecado
I. Introdução geral de Sodoma e Gomorra, sobretudo o abuso
contra a hospitalidade e contra o respeito
Pessoas muito racionalistas não raro sexual (cf. o episódio a seguir, Gn 19,1-
experimentam dificuldade com a oração de 11), clama ao céu. Diante da ameaça de
súplica. Acham bom rezar para adorar ou Deus, Abraão pede-lhe que não a execute,
agradecer, pois reconhecem que a vida é pois não deve condenar a cidade por causa
um dom e existe um ser transcendente e dos muitos injustos, mas poupá-la por cau-
perfeito chamado Deus. Mas pedir que esse sa de poucos justos. É uma questão de
ser se ocupe com o dia a dia de suas criatu- honra para Deus, diz Abraão. Essa história
ras lhes parece metafisicamente ingênuo e contracena com o Novo Testamento. O Juiz
praticamente pouco atraente, pois torna do mundo (Gn 18,25) é também o amigo,
Deus muito familiar. Preferem não depen- o Pai (Lc 11,8, evangelho). Para salvar So-
der dele em seus negócios. Ora, aquele que doma e Gomorra, cinco justos (mas nem
sustenta todo o ser também não sustenta estes se encontraram) teriam sido suficien-
nosso dia a dia? Ou será que as poucas leis
nº- 291
46
cristão. Os discípulos encontram Jesus em
oração. O fato e o modo de Jesus rezar pro-
vocam o pedido: “Ensina-nos a rezar”. En-
tão, Jesus ensina-lhes o pai-nosso, protóti-
po da oração cristã (11,1-4). A versão de
Lucas é mais breve que a de Mateus (Mt
6,9-13). Mateus tem sete pedidos, Lucas
cinco, mas em ambos está central o pedido
do pão de cada dia. Antes de pedir o pão de
cada dia, ora-se pela glorificação de Deus e
pela vinda de seu Reino; depois, pelo per-
dão do pecado e pela proteção na tentação.
Quem pode rezar assim, com sinceridade,
é discípulo de Jesus.
Depois da instrução do pai-nosso, Lu-
cas acrescenta dois ensinamentos de Jesus
sobre a oração de pedido: a parábola do
“vizinho chato” (11,5-8) e as palavras so- 928 págs.
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Roteiros Homiléticos
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do-se esclarecidos, acham as orações de
nosso povo muito egoístas, porque são
quase sempre orações de pedido. Ora, as
leituras de hoje sublinham a importância
da petição. Abraão, com seus incansáveis
pedidos, quase salvou as cidades de Sodo-
ma e Gomorra – que, infelizmente, eram
ruins demais. Jesus, por seu lado, ensina
aos discípulos o pai-nosso, essencialmen-
te uma oração de petição: pede a princípio
que Deus reine, e, uma vez que rezamos
em harmonia com o desejo de Deus, po-
demos pedir o que precisamos para nossa
vida. Na parábola do homem que incomo-
da seu vizinho, Jesus parece ensinar-nos a
vencer Deus pelo cansaço! No fundo,
Deus gosta de dar-nos suas dádivas boas,
152 págs.
especialmente seu Espírito, pois mesmo
nós – que somos ruins – gostamos de dar
coisas boas aos filhos. Jesus em nova perspectiva
A oração de petição não é uma forma O que os estudos sobre o Jesus
de oração inferior, mais egoísta do que a histórico deixaram para trás
gostosa sobremesa?”.
Conforme o espírito do pai-nosso, de-
Imagensmeramente
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Roteiros Homiléticos
nosso bem... Mas Deus sabe melhor. próximos domingos, veremos que isso é
É importante pedirmos. Compromete! apenas um lado da mensagem. O verdadeiro
Depois de ter pedido, a gente já não pode tesouro é o que depositamos junto a Deus
dizer: “Não pedi!”. Comprometemo-nos por meio da solidariedade que praticamos
com Deus e com o que pedimos. Não é para com os seus filhos, especialmente os
como no supermercado, onde você entra, pobres. Como lema para a liturgia da Pala-
olha e sai sem comprar. É, antes, como no vra e a homilia, pode-se pensar numa frase
armazém da esquina, onde você pede o como “ser rico para Deus”, “onde está teu
que deseja e, caso houver, você compra. tesouro, aí estará teu coração” ou “a riqueza
Assim, as preces dos fiéis, na celebração da passa, Deus não passa nunca”.
comunidade, devem ter sentido de com-
promisso: devemos desejar que elas se rea-
lizem, e ao mesmo tempo nos oferecer a II. Comentário dos textos
Deus para colaborar na realização daquilo
bíblicos
que pedimos. Pedir é comprometer-se. Se
pedimos a Deus saúde, não é para gozar
egoisticamente a vida, mas para servir me-
lhor. Se pedimos paz, não é para sermos 1. I leitura (Ecl 1,2; 2,21-23)
deixados em paz, mas para nos dedicar à “Para que riqueza e saber?”, eis a per-
comunhão fraterna. Se pedimos por nossos gunta do Eclesiastes (Coélet), de autoria de
irmãos e nossas irmãs mais pobres, é por- um filósofo judeu versado também no pen-
que queremos ajudá-los efetivamente. Im- samento do mundo grego, lá por volta do
porta saber como pedimos (cf. Tg 4,3). ano 300 a.C., quando a Palestina estava
sendo absorvida pelo império de Alexan-
18º DOMINGO DO TEMPO COMUM dre Magno, que espalhou a cultura grega
por todo o Médio Oriente.
4 de agosto
A literatura do Antigo Testamento ge-
Neste presente domingo, o acento cai mundo, não só as riquezas financeiras, mas
Vida Pastoral
50
apreciava bastante a riqueza, vendo nela
uma recompensa de Deus (a assim chama-
da “teologia da retribuição”). Porém, uma
obra mais ou menos contemporânea do
Eclesiastes, o livro de Jó, põe em xeque a
ideia de que a riqueza e a honra sejam re-
compensas por uma vida justa: Jó era um
justo e recebeu o contrário da riqueza e do
poder. Com base nisso, o livro de Jó nos
abre ao mistério de Deus, que nos trans-
cende (Jo 38,1-42,6). Eclesiastes, por sua
vez, expõe lucidamente a precariedade das
riquezas financeiras e culturais. Mas não
conhece a visão de Jó, nem propõe alterna-
tiva ao tradicional pensamento judaico,
nem vê outra riqueza que mereça nosso
118 págs.
empenho. Por isso, apregoa uma fruição
prudente e um comportamento sem pro-
blemas e sem perspectiva maior. Viver em comunidade
para a missão
Um chamado à Vida
Religiosa Consagra
2. Evangelho (Lc 12,13-21)
José Lisboa Moreira de Oliveira
Em contraste com o desejo de se reali- O livro analisa a vida fraterna em
comunidade, evidenciando os riscos do
zar na riqueza e no bem-estar materiais, comunitarismo, do sentido e do significado
Jesus, no evangelho, ensina-nos a nos tor- de uma comunidade para a missão e a
vocação apostólica das comunidades de
nar ricos aos olhos de Deus. Lc 12,13-34 vida consagrada.
traz sentenças de Jesus sobre pobreza e
riqueza. A vida não depende do poder
aquisitivo (12,15). A palavra de Jesus é
boa-nova, antes de tudo, para quem não
ilustrativas.
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51
Roteiros Homiléticos
munhão e tudo que daí procede nos garan- Deus, como o próprio Cristo. Mas essa vida
tem um tesouro junto a Deus. nova já age, e sua configuração já está defi-
Basta uma boa crise financeira para a nida. Para isso, o velho homem deve mor-
gente se lembrar da precariedade dos te- rer, não por uma mortificação que diminui
souros deste mundo, mas nem todos apren- a dignidade humana, mas pela vida nova
dem a lição... A cena que o evangelho con- na comunhão. Isso é o que nos garante um
ta é bem típica: uma briga de irmãos por tesouro junto a Deus.
causa da herança. Querem que Jesus resol- O evangelho nos ensina a rever os crité-
va a questão (como os cristãos de família rios de nossa vida. Precisamos acreditar
tradicional que chamam o padre para re- que nossa existência é diferente daquilo
solver problemas familiares). Jesus, porém, que o materialismo nos propõe. A segunda
não mostra interesse por isso, sua missão é leitura nos fornece uma base sólida para tal
outra. Que adiantaria, para o Reino de fé. Corressuscitados com Cristo, devemos
Deus, impor a esses dois irmãos uma solu- procurar as coisas do alto: o que é de valor
ção que, provavelmente, não os reconcilia- definitivo, junto a Deus. E isso não está
ria? Para Jesus interessa que a pessoa se muito longe de nós. Nossa verdadeira vida
converta aos valores do Reino. Por isso, ele é Cristo, que está “escondido” junto a
narra a parábola do rico insensato, o qual, Deus, na glória que se há de manifestar no
depois de uma boa safra, achou que pode- dia sem fim. Se essa é nossa vida verdadei-
ria descansar para o resto da vida e viver ra, embora escondida, ela determina nosso
do que recolhera. (Coitado! Na mesma noi- agir desde já. Em vez de buscar interesses
te Deus viria reclamar sua vida...) Não que próprios (Cl 3,5.7 faz o elenco destes), de-
Jesus critique o desejo de viver decente- vemos buscar o que é de Deus (3,12-17,
mente; antes denuncia a mania de deposi- continuação da presente leitura). Nossa
tar a esperança nas riquezas desta vida, vida já é dirigida por critérios diferentes,
perdendo a oportunidade de reunir tesou- embora sua figura definitiva ainda não seja
ros (= o que se deposita para guardar) jun- visível. Por isso, o cristão é incompreensí-
to a Deus. vel para o mundo. Ele mesmo, porém, deve
As riquezas não são um mal em si, mas compreender e sondar a precariedade dos
desviam nossa atenção da verdadeira ri- “tesouros” deste mundo. Por ser assim “di-
queza, a amizade de Deus, a qual alcança- ferente”, ele será rejeitado; portanto, preci-
mos pela dedicação a seus filhos (nesse sa de uma fé sólida na autêntica vida – a de
sentido, convém completar a parábola de Cristo ressuscitado e de todos os verdadei-
hoje por aquela do rico avaro e Lázaro, Lc ros batizados, sem distinção (Cl 3,11).
16,19-31). Será que isso significa desprezo pelo
mundo? Não. Nem teríamos o direito de
desprezar o que Deus criou. É apenas uma
3. II leitura (Cl 3,1-5.9-11)
questão de realismo: importa saber onde
Em continuidade com a segunda leitu- está a vida verdadeira, o sentido último de
nº- 291
ra de domingo passado, Paulo nos expõe nosso existir, e relativizar o resto em fun-
hoje a vida nova em Cristo. A vida nova do ção dessa vida verdadeira. Esta é a do Filho
•
ano 54
cristão é morrer e corressuscitar com Cris- de Deus. Nós a partilhamos se nos dedica-
to. A comunhão com ele não é só para a mos à vontade do Pai em tudo. E essa von-
•
vida futura; já somos nova criação em Cris- tade é o amor para com nossos irmãos. O
Vida Pastoral
to, embora ela esteja ainda escondida em amor nos engaja muito mais neste mundo
52
do que a busca de riquezas e de saber ilus-
trado.
200 págs.
Talvez o consumismo de hoje tenha
isto de bom: lembra-nos essa precariedade.
O produto que compramos hoje já sairá de
moda amanhã, e depois de amanhã já nem Deus em nós
haverá peças de reposição para consertá-lo! O reinado que acontece no amor
solidário aos pobres
Nossa nova TV estará fora de moda antes
de terminarmos de pagar as prestações... Hugo Assmann / Jung Mo Sung
Por outro lado, esse consumismo é grossei- Por meio de reflexões, os autores nos
põem a pensar sobre o critério que, no
ra injustiça, pois gastamos em uma só gera- inconsciente coletivo do cristianismo de
ção os recursos das gerações futuras. Se as libertação, tem servido para julgar as
práticas pastorais, sociais e políticas.
coisas valem tão pouco, melhor seria não
as comprar e voltar a uma vida mais sim-
ples e desprendida. Poderia até sobrevir,
como consequência, uma recessão econô-
mica, mas também haveria menos necessi-
ilustrativas.
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Roteiros Homiléticos
Egito – quando o anjo exterminador visi- Egito, fazendo morrer seus primogênitos;
tou as casas dos egípcios, enquanto os isra- foi o juízo de Deus, para salvar Israel (Sb
•
ano 54
tos para seguir seu único Senhor, que os ravam-se para essa noite (Ex 11,4-6), a
Vida Pastoral
conduziria através do mar Vermelho até o noite da vigilância (Ex 12,42), celebrando
54
Javé no escondido (Sb 18,9). Tal vigilância
e fidelidade são tarefa para todas as gera-
ções, até a libertação final.
168 págs.
que está guardado ou depositado (a tradu-
ção diz “tesouro”) junto a Deus. Os versos
seguintes, Lc 12,35-48, ensinam então a
vigilância (cf. primeira leitura): perceber o Ovelha ou protagonista?
momento! Os servos devem estar prontos A Igreja e a nova autonomia do
laicato no século 21
para a volta do seu Senhor, pois essa volta
será o juízo tanto sobre os que estiverem Renold J. Blank
atentos quanto sobre os despreocupados. E No livro, o autor sugere que há uma
vitalidade mantida por um Espírito que se
essa vigilância consiste na fidelidade no manifesta como Espírito transformador de
serviço confiado a cada um (cf. Mt 24,43- Deus. Renold defende que a Igreja é capaz
de mudar e possui uma grande alternativa
51; 25,1-13; Mc 13,35). para o futuro deste mundo, como tantas
Lucas nos faz ver nossa vida em sua di- vezes foi no passado.
mensão verdadeira. Vivendo no ambiente
mercantilista do Império Romano, o evan-
gelista vê constantemente o mal causado
ilustrativas.
meramenteilustrativas.
vãs ilusões.
A leitura continua com outras senten-
Vendas: (11) 3789-4000
ças e parábolas referentes à parusia. Elas 0800-164011
explicam, de maneira prática, o que a vigi- SAC: (11) 3789-4119
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Roteiros Homiléticos
lância não significa ficar de braços cruza- do evangelho. Traz a bela apologia da fé de
dos, esperando a parusia acontecer, mas Hb 11: A fé é a esperança daquilo que não se
assumir o bem da comunidade (cf. 1Ts 5). vê. A fé é como que possuir antecipada-
Lucas fala também da responsabilidade de mente aquilo que se espera; é uma intuição
cada um (12,47-48). Quem conhecia a daquilo que não se vê (11,1).
vontade do Senhor e, contudo, não se pre- Hb 11-12 é dedicado ao tema da fé. A
parou será castigado severamente, e o que fé olha para o futuro, como Abraão, como
não conhecia essa vontade se salva pela ig- os israelitas no tempo do êxodo, como o
norância; a quem muito se deu, muito lhe discípulo que espera a vinda do Senhor; é
será pedido; a quem pouco se deu, pouco esperança. Não deixa a pessoa instalar-se
lhe será pedido. no presente. Este mundo não é o termo do
O importante dessa mensagem é que caminho do ser humano. Deus preparou-
cada um, ao assumir no dia a dia as tarefas -lhe uma pátria melhor. O cristão é um es-
e, sobretudo, as pessoas que Deus lhe con- trangeiro neste mundo. Decerto leva este
fiou, está preparando sua eterna e feliz pre- mundo a sério, mas isso se exprime exata-
sença junto a Cristo, que é, conforme Lc mente no fato de ficar livre diante dele (o
13,37 e 22,27, “o Senhor que serve” (o que não exclui o compromisso com os fi-
único que serve de verdade). Cristo ama lhos de Deus neste mundo!).
efusivamente a gente que ele confia à nossa Quando concebida como esperança vi-
responsabilidade. Não podemos decepcio- gilante, percebe-se o teor escatológico da
nar a esperança em nós depositada. fé. Ela não é, em primeira instância, a ade-
A visão da vigilância como responsabili- são da razão a verdades inacessíveis, mas o
dade mostra bem que a religião do Evange- engajamento da existência no que não é vi-
lho não é ópio do povo, como Marx a cha- sível nem palpável, porém tão real que
mou. A fé, vista na perspectiva do evange- pode absorver o mais profundo do meu
lho de hoje, implica até a conscientização ser. Hebreus cita toda uma lista de exem-
política, quando, solícito pelo bem dos ir- plos dessa fé, pessoas que se empenharam
mãos, se descobre que bem administrar a por aquilo que não se enxergava. O caso
casa não é passar de vez em quando uma mais marcante é a obediência de Abraão e
cera ou um verniz nos móveis, mas tam- sua fé na promessa de Deus (11,8-19; cf.
bém, e sobretudo, mexer com as estruturas Gn 15,6). O texto continua: muitos deram
tomadas pelos cupins... a vida por essa fé, que fez Israel peregrinar
Tal vigilância escatológica não é uma qual estrangeiro neste mundo (11,35b-38).
atitude fácil. Exige que a gente enxergue Mas o grande exemplo fica reservado para
mais longe que o nariz. É bem mais fácil o próximo domingo: Jesus mesmo.
viver despreocupado, aproveitar o momen- Se se procura uma leitura mais afinada
to... Pois, afinal, “quem sabe quando o pa- com a primeira e o evangelho, pode-se consi-
trão vai voltar?” (cf. Lc 12,45). derar Ef 6,13-18, sobre “a armadura da fé”.
nº- 291
precisamos de muita fé. Nesse sentido, a fim para o qual vivemos reflete-se em cada
Vida Pastoral
segunda leitura vem sustentar a mensagem uma de nossas ações. A cada momento
56
pode chegar o fim de nossa vida. Que esse
fim seja aquilo que vigilantes esperamos,
como os hebreus vigiaram na noite da li-
bertação, preparados para sair da escravi-
Música
dão; então não será uma noite de morte e que eleva o
condenação, como foi para o empregado
malandro surpreendido pela volta inespe- espírito
rada de seu patrão.
Preparemo-nos para o definitivo de
nossa vida, aquilo que permanece, mesmo
depois da morte. Essa é uma mensagem di-
fícil para o nosso tempo de imediatismo.
Muitos nem querem pensar no que vem
20 faixas
depois; contudo, a perspectiva do fim é
inevitável. Já outros veem o sentido da vida CD – Ave Gemma Coeli
na construção de um mundo novo, ainda Canto Gregoriano à Virgem Maria
que não seja para si mesmos, mas para seus Coro Arquidiocesano de Santa Fe
De La Vera Cruz
filhos ou para as gerações futuras. Assim O material inclui 20 faixas dedicadas à
como os antigos judeus depositavam sua Virgem Maria, todas de altíssima qualidade
vocal e sonora. O diferencial deste CD é
esperança de sobrevivência nos filhos, es- que as letras dos cantos vêm escritas em
sas pessoas a depositam na sociedade do latim seguidas pela tradução, frase por
frase, em português.
tudo isso? Com efeito, mostrando como A emoção está de volta! A PAULUS
são provisórias a vida e a história, Jesus apresenta as mais belas músicas marianas
no CD Cantando louvor a Maria.
nos ensina a usá-las bem, para produzir o Este CD resgata a memória da nossa
que ultrapassa a vida e a história: o amor, tradição mariana, tão presente em nossas
comunidades e nas músicas que afirmam a
que nos torna semelhantes a Deus. Esse é o nossa devoção.
tesouro do céu, mas ele precisa ser granje-
Vendas: (11) 3789-4000
ado aqui na terra. 0800-164011
Tal visão cristã acompanha os que se SAC: (11) 3789-4119
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Roteiros Homiléticos
amor e da justiça. A visão cristã acredita A presente festa é uma grande felicita-
que a solidariedade exercida aqui e agora, ção de Maria por parte dos fiéis, que nela
na história, é confirmada para além dela. veem, a um só tempo, a glória da Igreja e a
Ultrapassa nosso alcance humano. É a cau- prefiguração da própria glorificação. A fes-
sa de Deus mesmo, confirmada por quem ta tem uma dimensão de solidariedade dos
nos chamou à vida e nos faz existir. À uto- fiéis com aquela que é a primeira a crer em
pia histórica, a visão cristã acrescenta a fé, Cristo e por isso, também, é a mãe de todos
“prova de realidades que não se veem”. A os fiéis. Daí a facilidade com que se aplica
fé, baseada na realidade definitiva que se a Maria o texto do Apocalipse, na primeira
revelou na ressurreição de Cristo, dá-nos a leitura, originariamente uma descrição do
firmeza necessária para abandonar tudo povo de Deus, que deu à luz o Salvador e
em prol da realização última – a razão de depois se refugiou no deserto. Na segunda
nosso existir. leitura, a assunção de Maria ao céu é consi-
derada como antecipação da ressurreição
dos fiéis, que serão ressuscitados em Cris-
20º DOMINGO DO TC. / ASSUNÇÃO
to. Observe-se, portanto, que a glória de
DE N. SENHORA
Maria não a separa de nós, mas a torna uni-
18 de agosto da a nós mais intimamente.
Merece consideração, sobretudo, o
A Mãe gloriosa
texto do evangelho, o Magnificat, que hoje
ganha nova atualidade, por traduzir a pe-
e a grandeza
dagogia divina: Deus recorre aos humildes
para realizar suas grandes obras. Esse pen-
dos humildes
samento pode ser o fio condutor da cele-
bração. Na homilia, convém que se repita
e se faça entrar no ouvido e no coração
esse pensamento ou uma frase do Magnifi-
cat que o exprima.
I. Introdução geral
Em 1950, o papa Pio XII proclamou o
dogma da Assunção de Nossa Senhora ao II. Comentário dos textos
céu. Um dogma é um marco referencial de bíblicos
nossa fé, por trás do qual ela não pode re-
troceder e sem o qual ela não é completa.
Proclamamos que Maria, no fim de sua
1. I leitura (Ap 11,19a;
vida, foi acolhida por Deus no céu “com
12,1.3-6a.10ab)
corpo e alma”, ou seja, coroada, plena e de-
finitivamente, com a glória que Deus pre- O sinal da Mulher, no Apocalipse, apli-
parou para os seus santos. Assim como ela ca-se em primeiro lugar ao povo de Deus
nº- 291
foi a primeira a servir Cristo na fé, é a pri- do qual nasce o Messias: à Igreja do Novo
meira a participar na plenitude de sua gló- Testamento, nascida dos que seguem o
•
ano 54
ria, a “perfeitissimamente redimida”. Maria Messias. Aparece no céu a Mulher que gera
foi acolhida, completamente, de corpo e o Messias; as doze estrelas indicam quem
•
alma, no céu, porque ela acolheu o céu ela é: o povo das doze tribos, Israel – não
Vida Pastoral
58
também o novo Israel, a Igreja, que, no sé- do mundo, é insignificante. Podemos ler no
culo I d.C., quando o livro foi escrito, pre- Magnificat a expressão da consciência de pes-
cisava esconder-se da perseguição, até que, soas “humildes” no sentido bíblico: rebaixa-
no fim glorioso, o Cristo se possa revelar das, humilhadas, oprimidas. A “humildade”
em plenitude. Ao ouvir esse texto, a litur- não é vista como virtude aplaudida, mas
gia pensa em Maria. Maria assunta ao céu como baixo estado social mesmo, como a
sintetiza em si, por assim dizer, todas as “humilhação” de Maria, que nem tinha o sta-
qualidades desse povo prenhe de Deus, tus de casada, e de toda a comunidade de hu-
aguardando a revelação de sua glória. mildes, o “pequeno rebanho” tão característi-
co do Evangelho de Lucas (cf. 12,32, texto
peculiar de Lc). Na maravilha acontecida a
2. II leitura (1Cor 15,20-27a)
Maria, a comunidade dos humildes vê clara-
No quadro da glória celestial, a segun- mente que Deus não obra por meio dos po-
da leitura evoca a visão da vitória de Cristo derosos. É a antecipação da realidade escato-
sobre a morte (presente também na liturgia lógica, na qual será grande quem confiou em
da festa de Cristo Rei no ano A). O sinal da Deus e se tornou seu servo (sua serva), não
vitória definitiva de Cristo é a ressurreição, quem quis ser grande pelas próprias forças,
seu triunfo sobre a morte. Essa vitória se pisando os outros. Assim, realiza-se tudo o
realizou na sua própria morte e se realizará que Deus deixou entrever desde o tempo dos
também na morte dos que o seguem. Maria patriarcas (as promessas).
já está associada a Jesus nessa vitória defi- A glorificação de Maria no céu é a reali-
nitiva; nela, a humanidade redimida reco- zação dessa perspectiva final e definitiva.
nhece sua meta. Em Maria são coroadas a fé e a disponibili-
dade de quem se torna servo da justiça e da
bondade de Deus; impotente aos olhos do
3. Evangelho (Lc 1,39-56)
mundo, mas grande na obra que Deus rea-
O evangelho de hoje é o Magnificat. O liza. É a Igreja dos pobres de Deus que hoje
quadro narrativo é significativo: Maria vai é coroada.
ajudar sua parenta Isabel, grávida, no sexto A celebração litúrgica deverá, portanto,
mês. Ao dar as boas-vindas à prima, Isabel suscitar nos fiéis dois sentimentos dificil-
interpreta a admiração dos fiéis diante daqui- mente conjugáveis: o triunfo e a humilda-
lo que Deus operou em Maria. Esta responde, de. O único meio para unir esses dois mo-
revelando sua percepção do mistério do agir mentos é pôr tudo nas mãos de Deus, ou
divino: um agir de pura graça, que não se ba- seja, esvaziar-se de toda glória pessoal, na
seia em poder humano; pelo contrário, en- fé em que Deus já começou a realizar a ple-
vergonha esse poder, ao elevar e engrandecer nitude das promessas.
o pequeno e humilhado, porém dedicado ao Em Maria vislumbramos a combinação
serviço de sua vontade amorosa. O amor de ideal da glória e da humildade: ela deixou
Deus se realiza por meio não da força, mas da Deus ser grande na sua vida.
nº- 291
corre aos humildes para realizar suas grandes A Mãe gloriosa e a grandeza dos po-
Vida Pastoral
obras. Ele escolhe o lado de quem, aos olhos bres: O Magnificat de Maria é o resumo da
59
Roteiros Homiléticos
obra de Deus com ela e em torno dela. Hu- por causa de sua fidelidade até a morte (cf.
milde serva – faltava-lhe o status de mulher Fl 2,6-11). De fato, o amor torna as pesso-
casada –, foi “exaltada” por Deus para ser as semelhantes entre si. Também na glória.
mãe do Salvador e participar de sua glória, Em Maria realiza-se, desde o fim de sua
pois o amor verdadeiro une para sempre. vida na terra, o que Paulo descreve na se-
Sua grandeza não vem do valor que a so- gunda leitura: a entrada dos que pertencem
ciedade lhe confere, mas da maravilha que a Cristo na vida gloriosa concedida pelo
Deus nela opera. Aconteceu um diálogo de Pai, uma vez que o Filho venceu a morte.
amor entre Deus e a moça de Nazaré: ao con- Congratulando Maria, congratulamo-
vite de Deus responde o “sim” de Maria, e à -nos a nós mesmos, a Igreja. Pois, mãe de
doação dela na maternidade e no segui- Cristo e mãe da fé, Maria é também mãe da
mento de Jesus responde o grande “sim” de Igreja. Na “mulher vestida de sol” (primei-
Deus, com a glorificação de sua serva. Em ra leitura) confundem-se os traços de Ma-
Maria, Deus tem espaço para operar mara- ria e os da Igreja. Sua glorificação são as
vilhas. Em compensação, os que estão primícias da glória de seus filhos na fé.
cheios de si mesmos não o deixam agir e, No momento histórico em que vive-
por isso, são despedidos de mãos vazias, mos, a contemplação da “serva gloriosa”
pelo menos no que diz respeito às coisas de pode trazer uma luz preciosa. Quem seria
Deus. O filho de Maria coloca na sombra os a “humilde serva” no século XXI, século
poderosos deste mundo, pois, enquanto da publicidade e do sensacionalismo? Sua
estes oprimem, ele salva de verdade. história é: serviço humilde e glória escon-
Essa maravilha só é possível porque dida em Deus. Não se assemelha a isso a
Maria não está cheia de si mesma, como os Igreja dos pobres? A exaltação de Maria é
que confiam no seu dinheiro e status, mas sinal de esperança para os pobres. Sua
“cheia de graça”. Ela é serva, está a serviço história também joga luz sobre o papel da
– também de sua prima, grávida como ela mulher, especialmente da mulher pobre,
– e, por isso, sabe colaborar com as mara- “duplamente oprimida”. Maria é “a mãe
vilhas de Deus. Sabe doar-se, entregar-se da libertação”.
àquilo que é maior que sua própria pessoa.
A grandeza do pobre é que ele se dispõe para 21º DOMINGO DO TEMPO COMUM
ser servo de Deus, superando todas as servi-
25 de agosto
dões humanas. Ora, para que seu serviço
seja grandeza, o fiel tem de saber decidir a
quem serve: a Deus ou aos que se arrogam
injustamente o poder sobre seus semelhan- Vocação universal
tes. Consciente de sua opção, quem é po-
bre segundo o espírito de Deus realizará
coisas que os ricos e os poderosos, presos
à salvação
na sua autossuficiência, não realizam: a ra-
nº- 291
a criação de um homem novo para um São poucos os que vão ser salvos? Mui-
mundo novo, um mundo de Deus. tos cristãos vivem com essa pergunta an-
•
60
Segundo Jesus, no evangelho, a salva-
ção é para todos, vindos de todos os lados,
dos quatro ventos, de perto e de longe. Só
não é para os que se fecham na sua autos-
Verdadeiros
encontros com Deus
suficiência e nos seus presumidos privilé-
gios. A primeira leitura lembra que Deus na presença do
não apenas quis salvar o povo de Israel do
exílio babilônico, como também o encarre-
próximo
gou de abrir o Templo e a aliança a todas as
nações. Quando Deus concede um privilé-
gio, como foi a salvação de Israel do cati-
veiro babilônico, esse privilégio se torna
168 págs.
dar o tema do chamamento universal com-
binado com a exigência de resposta gene-
rosa. “Deus não fechou o número, a nós
cabe nos incluir nele” poderia ser um lema
para inculcar no ouvido e no coração do 192 págs.
povo celebrante.
pia”. Olhar para o futuro, como faz o profe- quem gosta de se conhecer mais, viver
ta pós-exílico de Is 66, não é necessaria- mais profundamente. Para quem busca
um encontro marcante com os outros e
mente fuga da realidade presente; pode com Deus, este livro será um importante
também ser um passo ao encontro da reali- instrumental de ajuda.
dade messiânica que vem de Deus. Trata-se
do futuro criado por Deus! Ele envia mensa-
Vendas: (11) 3789-4000
geiros a todos os povos, até os mais distan- 0800-164011
tes, os que nunca ouviram falar dele! Então SAC: (11) 3789-4119
nº- 291
paulus.com.br
ano 54
61
Roteiros Homiléticos
quete dos povos. Apesar da exclusão dos que não vão à igreja porque não têm roupa
“primeiros”, que recusaram o convite, Deus decente, porque devem trabalhar, porque
•
realizará o banquete escatológico para to- têm filhos demais ou, simplesmente, por-
Vida Pastoral
dos os povos, incluindo os gentios (os “úl- que se sentem estranhos entre tanta gente
62
de bem... Para chamá-los é que Jesus não aprender a viver uma vida nova, diferente
ficou nos grandes centros, mas entrou nos da vigente. Isso não é possível sem sofrer.
bairros e vilarejos. Porém, esse sofrimento não deprime, não
torna fatalista, mas faz crescer a força para
produzir frutos de paz e justiça: “Levantai,
3. II leitura (Hb 12,5-7.11-13)
pois, as mãos fatigadas e os joelhos trêmu-
A segunda leitura apresenta um tema los; dirigi vossos passos pelo caminho
delicado: o sofrimento como pedagogia de reto!” (Hb 12,12).
Deus. Nossa atual condição humana é pre- (Um texto das cartas mais próximo das
cária, “frágil” (Hb 5,15). O Filho de Deus outras leituras seria 1Pd 2,9-10: somos
participa dessa fragilidade, para nos aju- chamados das trevas à luz.)
dar. Ele conheceu tentação, sofrimento e
morte: “aprendeu a obediência” (5,8). Do
mesmo modo, os fiéis devem passar pela III. Pistas para reflexão
“escola” de Deus: assim chegarão à justiça,
à retidão, à salvação. Deus nos educa para Cristianismo instalado ou aberto? A
a vida (12,9-10). vocação à salvação é universal, mas nem
Esse texto entra em choque com a men- por isso todos os que a ouvem estão salvos.
talidade “esclarecida”. O texto diz que Existem muitos cristãos acomodados e se-
Deus “castiga” para nos educar: “Pois o Se- guros que fazem formalmente todo o pres-
nhor educa a quem ele ama e castiga todo crito, porém não assumem com o coração o
que acolhe como filho” (Hb 12,6; cf. Pr que Jesus deseja que façam, sobretudo o
3,11-12). Achamos horrível: Deus castiga, incansável amor ao próximo. Eles ficarão
faz sofrer? Não. Educa-nos, como um bom de fora se não se converterem, enquanto
pai educa seu filho, corrigindo-o. Essa é a outros, considerados pagãos, vão encontrar
resposta dos antigos para o escândalo do lugar no Reino. Os que só servem a Deus
sofrimento, e do nosso povo simples tam- com os lábios e não com o coração e de
bém. Será que eles se enganam? Enquanto verdade, o Senhor não os conhecerá!
os eternos disputadores acusam Deus por Na América Latina, hoje, os que sem-
permitir o sofrimento, os simples veem no pre foram os “donos” da Igreja estão se en-
sofrimento uma escola de vida. O impor- terrando no materialismo, e os pobres –
tante não é de onde vem o sofrimento, a marginalizados da vida eclesial ou relega-
não ser que seja consequência da maldade. dos a uma posição inferior – estão entran-
Importante é saber o que fazer com ele! do nas comunidades e ocupando o lugar
Que o sofrimento existe é inegável. Muitas dos antigos donos. Apesar das tentativas de
vezes, é causado pelos homens, mas nem voltar ao “tradicional”, tanto o povo sim-
sempre. A quem sofre importa menos ex- ples como a juventude pós-moderna estão
plicar as causas do que dar um sentido ao dando outro aspecto a igrejas e capelas.
sofrer. O sofrimento pode ter o valor de Esvazia-se o comportamento chamado tra-
nº- 291
educação para uma vida que agrade a Deus, dicional – porém alheio à verdadeira Tradi-
já que este, em Cristo, também o encarou. ção –, enquanto se abre espaço para um
•
ano 54
Não é errada tal valorização do sofrimento, novo modo de ser cristão, mais jovem e
já que não se consegue escapar dele, nem mais simples, mais participativo e menos
mesmo no admirável mundo novo da era fechado, mais fiel, também, à primeira tra-
•
Vida Pastoral
63
Contudo, essa chegada de um novo Então a questão não é se poucos ou
tipo de cristãos, muitas vezes “vindos de muitos vão ser salvos. A questão é se esta-
longe”, não significa que o ser cristão esteja mos dispostos a entrar pela “porta estreita”
ficando mais fácil. Pelo contrário, exige de- da desinstalação e do compromisso com os
sinstalação. Exige busca permanente do que sempre foram relegados. A questão é se
que é realmente ser cristão: não apegar-se a abrimos amplamente a porta de nosso cora-
fórmulas farisaicas, mas entregar-se a uma ção, para que a porta estreita se torne ampla
vida de doação e de amor, que sempre nos para nós também. Deus não fechou o núme-
desinstala. ro. A nós cabe nos incluir nele...
64
A
PALAVRA
ESTÁ CHEGANDO
...
Aguarde!
O futuro da igreja está em suas mãos!
Criação PAULUS / A PAULUS se reserva o direito de alterar ou retirar o produto do catálogo sem prévio aviso. Imagens meramente ilustrativas.
296 págs.
80 págs.
416 págs.
56 págs.