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A atualização de tradições: performances e narrativas afro-brasileiras

Camila Alda Farhat Magalhães Souza

SILVA, Rubens. A atualização de tradições: performances e narrativas afro-


brasileiras. 1ª edição. São Paulo: LCTE, 2012, p. 225.

O livro “A atualização de tradições: performances e narrativas afro-brasileiras” é


resultado da pesquisa do autor por ocasião da elaboração de sua tese de
doutorado baseada na vertente da antropologia da performance e originalmente
intitulada: “Performances congadeiras e a atualização das tradições afro-
brasileiras em Minas Gerais”. Rubens Alves da Silva descreve em seu livro o
trabalho etnográfico realizado na cidade de Montes Claros – MG, durante as
chamadas Festas de Agosto.
Orientado pelas teorias de autores como Victor Turner, Walter Benjamin, Richard
Schechner, Michael Taussig, entre outros, o autor, concentrando-se no estudo
acadêmico-científico e na observação participante de grupos de Congados de
Minas Gerais, procura aprofundar-se na compreensão dos detalhes, do não dito,
do “ocultar mostrando”, focando seu olhar nos dramas sociais e na “performance
como evento”. (p. 22, 23). Seguindo esta metodologia, Silva procura responder
a perguntas específicas a respeito dos grupos congadeiros enquanto elementos
indissociáveis da história do negro em Minas Gerais.
O autor busca, no campo das ciências sociais, os significados e significantes dos
termos “drama” e “performance”. No que se refere aos dramas sociais e à ideia
de ritual, os principais conceitos utilizados são os de “liminaridade” e
“communistas”, baseados no trabalho de Turner e tomados de empréstimo,
respectivamente, de Van Gennep e Martin Buber. (p. 45, 46). Referente ao
continuum ritual-teatro, o autor utiliza-se dos termos “liminaridade” e “liminóide”
para diferenciar, respectivamente, as sociedades tradicionais das sociedades
complexas, bem como para se aprofundar no conhecimento das contradições
inerentes à “estrutura social”. Outra referência citada por Silva diz respeito à
teoria de Geertz, onde o trabalho do etnógrafo consiste em uma visão
interpretativa das ações simbólicas. Trata-se do conceito de “descrição densa”,
onde faz-se necessária a mesclagem tanto da subjetividade quanto da
intersubjetividade entre o etnógrafo e seus interlocutores. O autor deixa claro
também que àqueles que pretendem compreender a realidade social à luz dos
paradigmas do teatro, torna-se necessário fazer uma leitura de outros autores,
críticos às teorias de Turner. Entre eles destacam-se: Taussig, Steil e Dawsey.
A ideia principal baseada nestes autores e utilizadas no trabalho com os grupos
congadeiros é de que a experiência da “communistas” está presente nestes, mas
há também que se considerar uma série de divergências e tensões internas.
A proposta teórico-metodológica proposta por Silva para uma antropologia da
performance inclui também o diretor teatral Richard Schechner, que focou seus
estudos no “teatro”, enfatizando principalmente a relação entre “perfomer” e
“audiência”. O autorutiliza-se dos “pontos de contatos entre o teatro e a
antropologia” sureridos por Schechner como “trilhas metodológicas” a serem
seguidas na tentativa de se articular o fenômeno das congadas, pensado a partir
da noção de performance e colocar em cena a questão da tensão entre “eficácia”
e “entretenimento” tão presente neste fenômeno. (p. 71).
A primeira parte do trabalho etnográfico apresentado no livro diz respeito ao mito
“Chico Rei” no imaginário coletivo mineiro. Este mito fala sobre a história de um
rei africano de origem congolesa que foi trazido para a região de Ouro Preto
(antiga Vila Rica) e escravizado. Porém o mesmo continuou a exercer forte
influência e a ter prestígio em meio aos outros escravos da região. Devido à sua
determinação e ao seu trabalho árduo, conseguiu juntar a quantia suficiente para
comprar sua liberdade e a de vários outros escravos. Por isso foi novamente
nomeado “Rei” e homenageado em cortejos católicos pelas ruas de Vila Rica.
Segundo Silva, este mito apresenta-se muitas vezes como originário da tradição
congadeira no estado de Minas Gerais. Entretanto sua história, assim como a de
Nossa Senhora do Rosário, encontra-se repleta de contradições e de
diversidade de relatos. O autor destaca as diferenças entre as narrativas
literárias e folclóricas, bem como a tradição oral referente ao mito. As narrativas
literárias são, muitas vezes, baseadas na tradição oral e vice versa; criando,
dessa forma, um movimento circular em que uma se apóia na outra. Porém
ambas são marcadas pela grande diversidade de versões. O autor cita o
romance escrito por Agripa Vasconcelos, que tem influenciado a “construção do
imaginário coletivo e a reinterpretação, por meio da narrativa oral, de práticas
consideradas tradição secular”. (p. 76). Silva identifica nesta obra influências
marcantes de teorias racistas. Entretanto a falta de documentos históricos
escritos acerca da existência de Chico Rei faz com que diversos teóricos o
classifiquem como “lenda”. O próprio autor admite que durante suas pesquisas
realizadas na cidade de Montes Claros foi raro ouvir menção ao mito de Chico
Rei. Não obstante a todas estas contradições, o mito foi institucionalizado. O
título de “Chico Rei” foi “associado ao cargo de Rei Congo na hierarquia
simbólica dos Reinados no contexto de Minas Gerais”.(p. 88). Já o contexto
plural de Minas Gerais apresentado relaciona o Movimento Negro e o turismo ao
mito Chico Rei. O primeiro busca divulgar este último numa tentativa de
promover e valorizar as histórias dos “heróis” de origem africana no contexto
educacional. E o segundo busca promover o turismo e o desenvolvimento
econômico baseando-se na história de Chico Rei.
Para observar os rituais da festa o autor escolheu como cenário o município de
Montes Claros, localizado na região norte de Minas Gerais. As chamadas
“Festas de Agosto” são descritas pelo autor como evento plural com espaços
geográficos bem delimitados. Segundo Silva, os desfiles dos Reinados são
“cortejos que se deslocam pela rua seguindo um percurso em linha reta, sendo
compostos por três alas distintas: a primeira, formada pelos grupos congadeiros
(catopês, caboclinhos e marujos), que têm como foco central o andor do santo
homenageado; a segunda, representada pela corte do Reinado propriamente
dita (integrada pelos príncipes, princesas, acompanhantes e o padre católico),
cujo foco central é o par real; e, a terceira, composta pela banda de música,
formada por soldados da polícia militar”. (p. 123). Estas alas podem ser vistas
como os “performers”, que desfilam pelas “ruas palco”. Durante estas
performances o espaço se torna bem delimitado. Os Reinados desfilam pelas
ruas, enquanto a “plateia assistente” se localiza, de modo linear, beirando as
calçadas.
Também as cores, segundo Silva, são símbolos posissêmicos presentes nos
desfiles dos Reinados. O azul representa os cristãos, enquanto o vermelho
representa os mouros (pagãos), mas também o sangue de Jesus crucificado. As
cores presentes nos desfiles servem também para representar elementos da
natureza, bem como os santos católicos homenageados na festa. O autor, ao
analisar a Festa dos Catopês da perspectiva simbólica, cita a fala (ou
performance narrativa) de um interlocutor, interpretada como a narrativa de um
pequeno drama, para demonstrar como as cores, neste contexto, são símbolos
que podem ser traduzidos em “imagens carregadas de tensão” (p. 130). Silva,
citando Geertz, afirma que os símbolos (neste caso, as cores) também são
carregados de significados e, portanto, de natureza polissêmica. Por serem
frutos de escolhas culturais, estão sujeitos a manipulações e re-significações.
“Os catopês, no âmbito do ritual, são reconhecidos como o grupo que está
representando os “pretos” ou os “negros”. No contexto da cidade de Montes
Claros, os “brincantes” deste grupo são, na maioria, estes próprios sujeitos” que,
ao contrário do que era no passado, no que se articula no agora, querem se fazer
ouvir. (p. 135). O autor também percebe momentos em que os sujeitos catopês
expressam suas tensões internas concernentes aos mitos da “democracia racial”
e a “fabula das três raças”, que interatuam como “ideologia falsa”. Outro
momento crucial da festa, onde as cores também exercem grande influência,
referenciado no texto é aquele denominado “A morte do Patrão”, onde o “patrão”
é morto pelo “copiloto” e depois ressucitado pela bandeira sagrada do Divino
Espírito Santo. (p. 141, 142). Performances como “A saída da Barca” e “A morte
do Patrão”, de acordo com alguns registros históricos, faziam parte das festas
congadeiras no passado e foram reinstituídos no presente por incentivo da
Secretaria Municipal de Cultura de Montes Claros, indicando, segundo Silva,
uma influência lusitana na “festa de negros”. É o passado se articulando com o
presente no processo de atualização da tradição congadeira.
O autor também nos conta que, por ocasião de sua pesquisa, foi convidado a
dar entrevista à reportagem de um canal de televisão a respeito do “complexo
ritual congado” e que, por este motivo, decidiu dedicar parte de seus estudos à
questão do papel da mídia televisiva “nos processos de construção de sentidos
referentes às práticas rituais de congadas em Minas Gerais.”(p. 145). Durante o
trabalho etnográfico foi-se destacando a noção de “campo” entre os grupos
denominados “marujadas”. Esta noção refere-se à existência de conflitos de
interesses, tensões e disputas pelo poder existentes dentro dos grupos e entre
os mesmos com os grupos denominados parafolclóricos. Observando a
marujada diante das câmeras, o autor consegue ver bem definidas as etapas
propostas por Turner, bem como as performances executadas por cada um de
seus interlocutores. Foram observadas também as frustrações do repórter ao
tentar colher de seus entrevistados dados que fossem compatíveis com os
levantados preliminarmente. E justamente por, na opinião do repórter, os
catopês “não saberem de nada”, a entrevista com este grupo não foi ao ar. A
preocupação da mídia televisiva, na opinião do autor, é mostrar sem
contradições ou incoerências, aquilo entendido como “autêntica” tradição local.
Já os congadeiros entendem por “autenticidade” algo que está associado
diretamente à noção de tradição; está relacionada com a habilidade
demonstrada na repetição. (p. 188). Sendo assim, “o noticiário em certo sentido,
impôs um véu sobre as contradições latentes no seu contexto específico (das
performances congadeiras) e, por sua vez, sugestivas dos problemas não
resolvidos e mais amplos – de ordem histórica, social e política – da sociedade
brasileira.” (p. 190).
Outro episódio assistido por Silva e narrado no livro foi a performance congadeira
durante a chamada “Missa Conga” na cidade de Montes Claros, com a
participação do grupo de congado da “Comunidade dos Arturos”, localizada em
Contagem – MG. A Missa Conga, de acordo com o autor, teve como principal
mentor o antropólogo Romeu Sabará e tem elementos inovadores ao se
comparar com outras celebrações do culto católico. Os grupos congadeiros
entram dançando na igreja e acompanham os cânticos litúrgicos com os toques
de seus instrumentos. A participação do grupo de congado da Comunidade dos
Arturos foi algo elaborado pela SMC, o que levou o autor à interpretação inicial
da “performance em questão como um dos “produtos” acrescentados ao “pacote”
de variedades culturais selecionado pela SMC (...)” (p. 199). Posteriormente,
entretanto, Silva procura analisar este evento à luz da teoria da performance de
Schechner e identifica, desta forma, o “público integral”, o “público acidental”, as
“fases sequenciais da performance” e a “restauração do comportamento”. A
partir destes referenciais, o autor entende a “Missa Conga como um tipo de
“comportamento restaurado”, que pode ser traduzido como elemento da
“(re)invenção da tradição” congadeira.” (p. 203).
Um aspecto importante que também está apontado no livro diz respeito às
formas de articulação entre as congadas e as religiões afro-brasileiras. Ambas
são consideradas referenciais da cultura afro-brasileira. Entretanto, no contexto
da cidade de Montes Claros, estas religiões (Umbanda e Candomblé) são um
tanto quanto “invisíveis” e enfrentam vários desafios para se manterem no
“mercado religioso” local. A cidade é tradicionalmente católica, mas, se por um
lado as religiões afro-brasileiras vêm buscando um diálogo inter-religioso, por
outro o crescimento das igrejas neo-pentecostais vêm tentando combatê-las.
Outro fato constatado é o de migrações de religiosos da Umbanda para o
Candomblé, que é visto por seguidores desta última como “um avanço na
escalada espiritual”. (p. 212). Além da necessidade, expressada por muitos, de
um diálogo inter-religioso, há também a necessidade de se estabelecer alianças
entre as religiões afro-brasileiras e os grupos congadeiros, na tentativa de se
defenderem de ataques vindos das chamadas neo-pentecostais. Nas palavras
de um interlocutor, os grupos congadeiros não configuram um “referencial
seguro para a afirmação local da cultura e da identidade negra”, pois seus
participantes têm “muito pouco conhecimento do significado do ritual das
congadas”. (p. 218).
Ao longo do livro o autor procurou evidenciar o “papel de folcloristas e intelectuais
nos processos de legitimação e “restauração” das performances congadeiras”.
Como dito anteriormente, num processo “circular” onde a oralidade e a escrita
se apoiam mutuamente, a tradição vai sendo (re)inventada. Fez-se necessário o
estudo da Antropologia da Performance e da Antropologia da Experiência no
sentido de orientar a investigação de campo. Foi constatado que este processo
de atualização envolve tensões e conflitos “expressivos das próprias
contradições e desigualdades sociais – e raciais – presentes na esfera social.”
(p. 224). O processo de “restauração do comportamento” sofre, dessa forma,
influência de diversos agentes mediadores individuais e coletivos, tais como os
intelectuais, folcloristas, o poder público, o Movimento Negro, a mídia, o turismo,
entre outros.

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